ID: 36311225 04-07-2011 Tiragem: 51029 Pág: 16 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 21,24 x 25,54 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 2 Entrevista Siim Kallas, responsável pelos Transportes na Comissão Europeia “Com a crise deve haver mais investimento dos privados nos transportes” Numa altura em que os orçamentos públicos estão debaixo de uma grande pressão, o caminho é apostar em investimentos-chave capazes de gerarem retorno Inês Boaventura, Bruxelas a Siim Kallas, comissário europeu dos Transportes, diz que as ambiciosas metas estabelecidas até 2050 são atingíveis, mas admite que as divergências políticas entre os estados-membros podem comprometê-las. O sector ferroviário é aquele em que a fragmentação é mais visível, mas também há muito a fazer no domínio da aviação. O Livro Branco dos Transportes traça objectivos muito ambiciosos para 2050, como o de reduzir em 60 por cento as emissões de gases com efeito de estufa. Estes objectivos são atingíveis? As pessoas como você pensam que estas metas são ambiciosas e eu também acho que são. Mas também já me perguntaram porque têm tão pouca ambição para se atingir imediatamente uma meta de redução das emissões e outras coisas. Por isso penso que é bastante equilibrado. Podíamos ter um livro a dizer que tem de se fazer muitas coisas boas mas sem indicadores, coisa que eu considero errada e por isso os números estão lá. Estes indicadores até podem ser um pouco idealistas, porque de outra forma não se avança. Mas acreditamos que são atingíveis. Mas houve várias metas do anterior livro branco que não foram alcançadas. O que falhou? Tivemos a crise económica no meio e os transportes precisam de investimentos ambiciosos. Mas ao mesmo tempo apresento sempre o exemplo do Plano de Acção para a Segurança Rodoviária. As suas metas também foram consideradas muito ambiciosas e não eram obrigatórias, mas era um plano para reduzir as mortes nas estradas em 50 por cento. E as mortes nas estradas foram reduzidas 48 por cento em dez anos, ao mesmo tempo que aumentou o tráfego. Por isso, se houver metas ambiciosas as pessoas trabalham para as atingir. E, claro, nos transportes, em muitas áreas, não em todas, há fragmentações políticas nacionais, o que é um obstáculo muito grande. Provavelmente por esta razão muitas coisas falharam no último livro branco e estão em perigo neste. Mas estabelecemos as nossas metas e já se vêem resultados concretos. Em Março apresentámos o livro branco e na passada quartafeira a Comissão aprovou a sua proposta para o orçamento dos próximos sete anos e aí vê-se que o papel dos transportes claramente aumentou. Há, inclusivamente, um novo fundo. Sim, o Connecting Europe Facility. Em 2009, disse que seria bom desenvolver algum tipo de fundo para os transportes e toda a gente disse que isso nunca iria acontecer. Mas agora está lá. É energia, comunicação e tecnologia tudo junto, mas ainda assim é uma tentativa para concentrar recursos para necessidades estratégicas realmente grandes. Ainda assim já disse que a União Europeia só poderá financiar uma muito pequena parte do que é preciso. Dada a actual situação económica, os governos nacionais terão capacidade para investir nesta área? Se concentrarmos os nossos pequenos recursos nos elementoschave das infra-estruturas dos Transportes podemos fazer uma mudança real porque alguns destes elementos não são muito caros, são essencialmente uma questão de cooperação entre estados-membros, de soluções técnicas harmonizadas. Hoje, podemos construir estradas em França sabendo claramente que vai haver portagens e que isto pode ser construído por privados porque este dinheiro vai regressar. Ao mesmo tempo podemos antecipar que vamos ser bem-sucedidos no céu único, na reforma da gestão do tráfego aéreo impulsionada e desenvolvida com dinheiro europeu juntamente com o sector privado. Eu defendo uma maior participação do sector privado e mais claras cadeias de receitas. Esta crise vai demorar muito tempo e por isso todos os orçamentos públicos vão estar debaixo de uma grande, grande pressão pública. Por isso temos de recorrer a modelos em que os transportes encontrem recursos por si só. Tem afirmado que o espaço aéreo europeu está saturado e que pode haver atrasos neste Verão. Qual é a situação? Trabalhámos nisto seriamente e a situação já não parece tão má. O que acontece é que no Verão temos muitos voos adicionais e o Centro da Europa está muito congestionado. Se houver um ponto em que o controlo do tráfego aéreo não funciona correctamente, isso provoca uma reacção em cadeia, que pode afectar metade da Europa. Se houver um atraso de 30 segundos isso tem um efeito de oito minutos ou coisa do género. Nós levantámos esta questão e enviei cartas a todos os ministros e eles responderam que a situação está mais ou menos controlada. No que toca ao céu único, o que é que ainda está por fazer? A gestão do tráfego aéreo baseiase em tecnologias dos anos 50 do século passado, ainda. E em todo o mundo isto vai mudar. Vimos muito claramente durante a crise das cinzas que um país não pode fechar o seu espaço aéreo sem os outros ou que não pode manter os seus voos quando os outros fecham. A Europa é tão pequena e os aviões são tão rápidos. O céu europeu vai ser um só e gerido por uma tecnologia contemporânea baseada em satélite. Para se alcançar a ambicionada Área Única Europeia de Transportes há também a questão do sistema ferroviário, que é muito fragmentado. Como é que se muda isto? É difícil, mas tentamos (risos). Os caminhos-férreos são claramente os mais fragmentados. Provavelmente, o exemplo mais ilustrativo é a regulamentação. Por exemplo, uma locomotiva tem de ser certificada em todos os estados-membros se quiser atravessá-los. A Bombardier, que fabrica os comboios, está a queixar-se porque leva milhões e anos para os ter testados e certificados em todos os países, quando seria lógico fazê-lo apenas num sítio. E depois há outros problemas técnicos complicados, por exemplo, a electricidade. E a sinalização – existem sete sistemas na Europa. Há uma solução proposta, o sistema europeu de gestão do tráfego ferroviário, mas as empresas ferroviárias criticamno porque é caro. E há muitas queixas sobre a abertura do mercado. Alguns países dizem que o mercado está totalmente aberto, podem vir com os vossos comboios, mas depois não podem parar nas estações (risos). Outra ideia importante no livro branco é a da internalização, a de reflectir os custos marginais nos meios de transporte. Em que medida é que isso vai afectar as regiões periféricas e insulares? Definitivamente, essas regiões estão numa posição mais difícil. Quem está a pagar para os camionistas estónios e portugueses chegarem à Áustria? O interesse dos austríacos é se vocês estão a vir estão a usar as nossas infra-estruturas, por favor partilhem o fardo de as manter. Então, o que compensar, a quem? E é comercialmente viável? A realidade económica é que se a distância é maior as despesas são maiores e isso vai ser pago pelos utilizadores e pelos consumidores finais. As portagens são o futuro nas cidades? Definitivamente sim, elas vão chegar. Mas vai depender muito das cidades. Em Tallin, a minha cidade natal, fala-se nisso de vez em quando por causa dos engarrafamentos, mas até agora nada. Em Londres funciona, em Estocolmo funciona. ID: 36311225 04-07-2011 FRANCOIS LENOIR/REUTERS Tiragem: 51029 Pág: 17 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 8,64 x 20,92 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 2 de 2 Alta velocidade “Tem de se continuar até haver proveitos” a É um erro Portugal suspender a alta velocidade? Não sabemos exactamente qual é a posição porque não fomos notificados. Já fui ministro das Finanças, por isso compreendo as dificuldades do Governo muito bem e estamos atentos às suas propostas. Mas é claro que é triste porque os investimentos em infraestruturas de transportes são de longo prazo e também trazem benefícios de longo prazo. Por isso tentamos sempre convencer os governos a continuar. Pode haver atrasos, nós aceitamos certos atrasos, mas se houver um cancelamento total do projecto o dinheiro que foi usado vai ser desperdiçado, não vai trazer proveitos. Simplesmente tem de se continuar até haver proveitos e o projecto se tornar autofinanciável. Mas, claro, que para Portugal claramente a maior prioridade é estabilizar as finanças públicas e pelo lado da Comissão apenas podemos manter os dedos cruzados em como o país vai ser bem-sucedido. Vamos esperar que possa ser encontrado um equilíbrio entre os projectos de transportes e essas necessidades. Mas está convencido que mais cedo ou mais tarde a alta velocidade entre Lisboa e Madrid terá de avançar? Essa é uma decisão dos países. Há duas abordagens diferentes na questão ferroviária. Madrid e Barcelona têm uma ligação de alta velocidade e há o TGV Bruxelas/Paris, todos acima de 300 quilómetros/hora. E depois há a Alemanha, que decidiu desenvolver uma rede ferroviária com uma média de 230 quilómetros/hora porque tem muitas paragens, que são politicamente necessárias. Por isso depende muito. E Madrid/ Barcelona foi extremamente bemsucedida, já levou 50 por cento dos passageiros da aviação. No Livro Branco dos Transportes diz-se que numa distância de quatro horas o comboio é muito mais confortável.