HERMENÊUTICA - ESTADO – CONSTITUIÇÃO
Giovana Zimmermann Ody1
RESUMO: O presente ensaio científico traz uma abordagem a respeito da
hermenêutica e sua importância na interpretação das leis. Após isso, faz uma
incursão em aspectos do Estado, passando, então a examinar as relações
existentes entre o Estado e a Constituição, e finalmente aborda o aspecto da
juridicização do Estado, a importância da hermenêutica neste ponto, bem como
elemento de transformação social.
Palavras-chave: Hermenêutica, Estado, Constituição.
1. INTRODUÇÃO
E este texto faz, em um primeiro momento, algumas considerações gerais a
respeito da hermenêutica, como caminho para a melhor elaboração do direito, e sua
importância na interpretação das leis.
Posteriormente aborda os aspectos do Estado, sua formação, passando pelas
formas pré-modernas de estado, pelo Estado Moderno, iniciando pelo Absolutismo,
incurcionando pelo Liberalismo, atingindo o Estado Social e chegando ao Estado
Contemporâneo.
Então, enfoca tema a respeito da Constituição, o que é, e que finalidade
possui. Para então, analisar a relação existente entre o Estado e a Constituição,
bem como o Estado Constitucional.
E, por fim, vai estabelecer algumas reflexões a respeito da juridicização do
Estado, e qual o papel da hermenêutica neste contexto.
1
Giovanna Zimmermann Ody, advogada; professora da Universidade de Cruz Alta; Especialista em
Direito Político pela UNISINOS e mestre em Direito pela UNISINOS; Integrante da Associação
Brasileira de Professores de Ciências Penais e Conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil,
subsecção Panambi/RS.
2
Objetivando, constatar qual a importância da hermenêutica na juridicização do
Estado e como elemento transformador social, bem como preservador dos direitos
sociais e individuais estabelecidos na constituição, dentro do contexto em que vive a
sociedade contemporânea.
2. CONSIDERAÇÕES SOBRE HERMENÊUTICA.
O direito existe para a vida, desta forma constata-se que o cerne do direito é
a vida social, conseqüentemente, o direito é um processo dentro do processo
histórico global, além disso, não se pode separar o direto das outras ciências como a
sociologia, a política, a filosofia e de outras ciências, bem como, do próprio contexto
social.
Podemos dizer que a hermenêutica quer apagar a divisão que foi construída
pelo positivismo supervalorizando os conceitos, apesar de sua instrumentalidade.
Não tendo porque ter de um lado o técnico em lei, e de outro o filósofo, pois, se
assim for, todos os problemas técnicos, fundamentais, vão surgir ao resolver os
problemas concretos, e mais, aquele que tiver uma concepção dogmática, só verá
no direito a lei, bem como, quem faz uma aplicação automática da lei, não terá
problemas, mas as conseqüências são imprevisíveis, porque as pessoas que são
atingidas por essas decisões certamente na grande maioria dos casos, senão em
todos sofrerão enormes injustiças.
Se constantemente, em qualquer circunstância da vida inter-pessoal, em
sociedade, e em qualquer outra relação da vida cotidiana se faz constantemente
juízos de valor, porque abdicar o direito disso?
3
Então pode-se dizer que entre o descrever e o valorizar, não há
separação, senão artificial. Descrevo uma lei, e imediatamente, faço um juízo de
valor sobre ela.
A hermenêutica vai procurar traçar uma ponte entre o legal e o justo, ou
entre o aspecto lógico e axiológico. E, para isso, temos que estudar a norma jurídica,
sob o ponto de vista da validade.
Quem lê uma sentença, um acórdão, sem perguntar se é justo ou injusto? O
que é necessário é um permanente trânsito lógico-axiológico, isto é, é necessário
conhecer estruturas, mas é preciso valorizá-las. Esse é o pressuposto da
hermenêutica, da solução das questões jurídicas concretas.
O Positivismo Jurídico revelou-se nocivo, porque tira do operador do direito
a versão social. Que sentindo pode ter um ordenamento jurídico que não assenta
nas necessidades sociais? O positivismo responde que é pela coerção, mas se o
ordenamento se baseia na coerção, está fadado a desaparecer. No campo da
hermenêutica, a conseqüência disso, não se cogita em justiça ou injustiça das
discussões, o juiz funciona como um computador, que não conhece matizes,
nuances, opera segundo a mensagem que lhe é dada pela “norma”. Importaria na
consideração dos efeitos que as leis produzem na realidade social, nas
conseqüências de uma sentença na ordem social. A hermenêutica não existiria
porque a interpretação literal se reduz aos próprios termos, reduzir-se-ia à lógica
formal e à lógica matemática.
Assim, se considerarmos as leis do ponto de vista do seu conteúdo, pode-se
encontrar leis formalmente válidas, mas de validade intrínseca, pelo seu conteúdo
4
discutível. Esta validade formal, gera a obrigatoriedade, que está em todo o
ordenamento jurídico. Mas quanto a validade intrínseca pergunta-se se ela contribui
para o melhor relacionamento entre homens, pois só assim, se justifica. As leis são
obras humanas, entram em interesses de classes, ignorância, preguiça humana e
vários outros aspectos.
Então pode-se falar em imagens, ou seja, nada nos garante que entre a
imagem mental da situação, haja coincidência, a imagem pode ser falseada pela
ideologia. Aqui voltamos pois à validade intrínseca da “norma”, a qual elaborada pelo
legislador, deve adequar-se ao caso concreto.
Ademais disso, o operador do direito, ao aplicar a lei traz consigo toda a sua
bagagem cultural, o contexto social em que vive e mais do que isto, suas convicções
ideológicas, que ao contrário do que alguns pensam não apenas aplicam normas
como se fossem computadores, mas são também autores, elaboradores do direito, e
conseqüentemente participam da dioturna reelaboração do direito.
Lênio Luiz Streck diz: “Latu sensu, no âmbito da dogmática jurídica, os
métodos interpretativos ou técnicas de interpretação são definidos como
instrumentos/mecanismos rigorosos, eficientes e necessários para o alcance do
conhecimento científico do direito.”2
Alguns juristas, ao escreverem, passam ao leitor a impressão de que o direito
é algo dado, que é recebido pronto, para ser pura e simplesmente aplicado. Mas a
tarefa, no entanto, é outra, consiste em cada dia fazer de novo, assim como não se
2
STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. 2. ed. Ver.ampl.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p97.
5
vive de ideais abstratos, da mesma forma o direito só existe nas medidas em que é
criado de novo.
A tese positivista de que o direito se esgota na lei, encontra-se totalmente
superada. A lei positiva é apenas um dos modos de revelar o direito. A própria lei
invoca como fontes do direito também os princípios gerais, os costumes, a analogia
(Lei de Introdução, art. 4º). E mesmo quando exista norma legislada expressa sobre
determinado tema, o direito não se resume à literalidade de seu texto, pois o
aplicador terá sempre de realizar uma complexa operação interpretativa e axiológica
para submeter os fatos à sua incidência ou não.
Sem dúvida, o direito, ao contrário do que pensavam os positivistas, é, na
verdade, uma tarefa interpretativa.
Não se pode ter do direito uma concepção somente a partir das normas
legais. É comum os alunos se
encontrarem com o Direito Penal, por exemplo,
enquanto estudam seus princípios, mas quando começam a advogar, vêem o
desencanto. Daí porque o estudo das normas exclusivamente, deixando-se de lado
os fatos, o direito fica cristalizado, e essa postura tem o grave defeito de desprezar a
realidade.
Assim, temos que a ideologia permeia o pensamento jurídico, uma vez está
presente no ato de interpretação das leis. Assim aquele que assume um cargo,
profere uma decisão ou pratica qualquer ato leva consigo seu ponto de vista,
ideológico ou utópico, querendo ou não.
Desta forma, não é apenas o intelecto que julga, mas também seus
preconceitos, com que se idealiza, com ódio ou amor. O caráter emocional de certos
6
julgamentos se revela principalmente nos Tribunais, porque o pronunciamento é
oral, a carga emocional transparece muito mais que na escrita fria.
E, lembra Christiano José de Andrade: “Se o direito é fundamental uma
ciência valorativa, em conseqüência ele está impregnado de ideologia valorativa em
todos os seus níveis. Os sistemas jurídicos têm, pois, um caráter ideológico”.3
Diz mais, “os valores em geral são critérios de avaliação de ações e a
valorização ideológica tem por imediato os próprios valores, constituídos assim uma
pauta de segundo grau, pressupondo a existência dos próprios valores e com uma
qualidade pragmática diferente”.4
Assim sendo, a ideologia é de fundamental importância na interpretação
hermenêutica das leis, assim como todo o contexto social em que está inserido o
operador do direito, e tudo o mais que lhe sucede na vida.
Isto porque o próprio operador é uma construção constante, a cada ato,
pensamento e palavra, o ser está modificando-se constantemente, ou seja, nunca
somos os mesmos todos os momentos de nossas vidas, somos um constante
modificar, em razão de nos ser acrescentadas novas experiências de vida.
É também de mencionar-se o posicionamento de Plauto Faraco de Azevedo,
que diz atualmente está crescendo o número de casos em que incidem leis que
ainda que injustas têm sua validade preservada. E que diante da evolução social,
torna-se cada vez mais difícil o enquadramento legal a certos casos. Nestas
circunstâncias se exige mais criatividade em busca da harmonia social, deixando
3
ANDRADE, Christiano José de. A Hermenêutica Jurídica no Brasil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1991. p. 43.
4
Idem, Ibidem p.46.
7
transparecer
as
potencialidades
do
processo
hermenêutico
em
face
das
necessidades humanas.5
O mesmo autor aqui mencionado diz:
Não se trata das exigências da justiça abstrata. Trata-se das exigências da
justiça preceptíveis na sociedade e compatíveis com a dignidade humana,
de tal sorte que ignora-las para dar prevalência a lei ou leis em
descompasso com o processo histórico-cultural, importa em negação da
justiça e conseqüente frustação das expectativas sociais, impedindo a
normal evolução do direito e a superação das contradições sociais pela via
pacífica e criativa da jurisprudência.6
Efetivamente a hermenêutica proporciona ao operador do direito condições de
construir o novo, sendo ela muito mais avançada que qualquer outro paradigma já
existente.
Mais, sendo a norma o produto da interpretação do texto, há sempre uma
nova norma para o texto, e isto também é hermenêutica.
Neste contexto que enfocamos a hermenêutica como instrumento de
construção do Direito, e a constitucionalização como mecanismo judicial de aferição
das normas jurídicas promanadas pelo Poder Legislativo em relação ao texto
constitucional.
Para concluir, vale mencionar o pensamento do Dr. Lenio Luiz Streck in
Hermenêutica jurídica e(m) crise. Uma exploração hermenêutica da construção do
Direito, 1999.
“VII. Conseqüentemente, o intérprete do Direito não contempla o objeto (o
Direito, os textos jurídicos, o fenômeno social, etc.), para assim,
(re)construí-lo. É ilusão pensar-se – e aqui parafrasiando Heidegger quando
fala da obra de arte – que é a nossa descrição, enquanto atividade
subjetiva, que faz figurar as coisas, para depois projetá-las. A partir do
5
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Crítica à Dogmárica e Hermenêutica Jurídica. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 1989. pp 69 e segs.
6
Idem, Ibidem p 70.
8
linguist turn, o intérprete é alguém já inserido – desde sempre – na
linguagem, da qual o objeto inexoravelmente faz parte.
VIII. Sem essa dicotomia sujeito-objeto e superados os dualismos próprios
da tradição metafísica clássica, o intérprete, ao interpretar, somente faz ou
pode fazê-lo a partir dos pré-juízos (pré-conceitos) oriundos da tradição, na
qual está jogado. Não há mais um sujeito (intérprete) isolado, contemplando
o mundo e definindo-o segundo o seu cogito. Há, sim, uma comunidade de
sujeitos em interpretação. Como bem lembra Lamego, ao saltar
(Überspringen) sobre o mundo” (Heidegger) da filosofia reflexiva, a
hermenêutica filosófica opõe o nosso irredutível estar-no-mundo (In-derWelt-sein) na constituição do conhecimento.
IX. O intérprete, desse modo, perceberá o “objeto” (jurídico) como
(enquanto) algo, que somente é aproveitável lingüisticamente. Já a
compreensão desse “objeto” somente pode ser feita mediante as condições
proporcionadas pelo seu horizonte de sentido, ou seja, esse algo somente
pode ser compreendido como linguagem, a qual ele já tem e nela está
mergulhado. A linguagem não é, pois, um objeto, um instrumento, enfim,
uma terceira coisa que se interpõe entre o sujeito e o objeto. Quando o
jurista interpreta, ele não se coloca diante do objeto, separado deste por
“esta terceira coisa” que é a linguagem; na verdade, ele está desde sempre
jogando na lingüisticidade desde mundo do qual ao mesmo tempo fazem
parte ele (sujeito) e o objeto (o Direito, os textos jurídicos, as nomas etc.). A
atitude de pensar que ele, intérprete, está fora e/ou separado do objeto pela
linguagem, é alienante. Dito de outro modo: com isto ele não se considera
co-produtor da realidade (da sociedade). A sociedade (o Direito) é (será)
sempre o Outro (do latim alienus, que significa “o outro”).7
Feitas estas considerações sobre a hermenêutica, no próximo tópico será
analisada a questão do Estado e sua trajetória.
3. O ESTADO, SUA TRAJETÓRIA.
Até o século XVI não existia a figura do Estado propriamente dito, mas tão
somente formas estatais pré-modernas.
Estas formas estatais pré-modernas foram identificadas por Lênio Luiz Streck
e José Luís Bolzan de Morais na obra Ciência Política e Teoria Geral do Estado da
seguinte forma:
A – O Estado Antigo (Oriental ou Teocrático), sendo uma forma estatal
definida entre as antigas civilizações do Oriente ou do Mediterrâneo,
onde a família, a religião, o Estado e a organização econômica
7
STRECK, Lênio Luiz. Op. Cit., p.241 e 242.
9
formavam um conjunto confuso, sem diferenciação aparente. Em
conseqüência, não se distingue o pensamento político da religião, da
moral, da filosofia ou de doutrinas econômicas. Características
Fundamentais: a) a natureza unitária, inexistindo qualquer divisão
interior, nem territorial, nem de funções; b) a religiosidade, onde a
autoridade do governante e as normas de comportamento eram tidas
como expressão de um poder divino, demonstrando a estreita relação
Estado/divindade.
B – O Estado Grego, cujas características fundamentais podem ser
elencadas como sendo: a) cidades – Estado, ou seja, a polis como
sociedade política de maior expressão, visando ao ideal de autosuficiência; b) No Estado Grego há uma elite (classe política), com
intensa participação nas decisões do Estado nos assuntos públicos.
Nas relações de caráter privado, a autonomia da vontade individual é
restrita.
C – O Estado Romano que se apresentava assentado em: a) base familiar
de organização; b) a noção de povo era restrita, compreendendo faixa
estreita da população; c) magistrados como governantes superiores.
Resumidamente, pode-se dizer que o Estado Antigo tinha as seguintes
características: a) não eram Estados nacionais, ou seja, o povo não
estava ainda ligado pelas tradições, lembranças, costumes, língua e
cultura, mas por produtos de guerras e conquistas; b) modelo social
baseado na separação rígida das classes e no sistema de castas; c)
governos marcados pela autocracia ou por monarquias despóticas e o
caráter autoritário e teocrático do poder político; d) sistema econômico
(produção rural e mercantil) baseado na escravidão; e) profunda
influência religiosa.8
Pode-se destacar, ainda, o medievo como sendo a principal forma estatal prémoderna, que tinha como elementos caracterizadores o cristianismo, as invasões
bárbaras e o feudalismo.
Que no dizer dos autores acima referidos, na obra citada, conjugados estes
três elementos tem-se as características da forma estatal medieval, qual seja:
A – permanente instabilidade política, econômica e social.
B – distinção e choque entre poder espiritual e poder temporal;
C – fragmentação do poder, mediante a infinita multiplicação de centros
internos de poder político, distribuídos aos nobres, bispos,
universidades, reinos, corporações etc.;
D – sistema jurídico consuetudinário embasado em regalias nobiliárquicas;
E – relações de dependência pessoal, hierarquia de privilégios.9
8
STRECK, Lenio Luiz, MORAES, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 2000. p.20.
9
Idem Ibidem. p. 21.
10
Algumas considerações a respeito do feudalismo são necessárias, pois, O
feudalismo pressupõe a distribuição do poder entre senhores hierarquicamente
privilegiados (suseranos), a quem estão subordinados servidores (vassalos), aos
quais, por sua vez, se subordina a massa dos servos da gleba. Seu funcionamento
baseava-se no mecanismo de reciprocidade entre as duas classes superiores,
estando a primeira encarregada de fornecer a terra e a segunda obrigada a fazer
trabalhá-la, arrecadar e pagar tributos ou defender o seu senhor, quando for o caso.
No feudalismo havia diversos poderes concorrentes entre si, opostamente do
Estado Moderno, onde o Monarca aglutinava todos os poderes em sua mão.
Foi no século XVI que o Estado Moderno teve seu início, com a decadência
do medievo, eis que havia instalado-se um violento processo de lutas religiosas
gerando insegurança no meio social à qual as instituições jurídicas da época
medieval eram totalmente impotentes. Assim surge o Estado Moderno, com o
fortalecimento do poder real.
Efetivamente o elemento central da diferenciação entre as formas estatais
pré-modernas e o Estado Moderno é a progressiva centralização do poder.
O Estado Moderno tem três características fundamentais: povo, território e
poder. O território é a estrutura geográfica do Estado, são seus limites geográficos,
abrangidos aí, toda a superfície do solo e suas profundezas, o espaço marítimo –
mar territorial, cuja extensão varia de Estado para Estado, podendo ser de doze ou
duzentos milhas, e ainda o espaço aéreo que está sobre o território terrestre e
marítimo.
11
O povo o conjunto de pessoas do Estado. Neste aspecto também há
entendimentos variáveis para definir-se quem é ou não nacional do Estado. Existe
dois critérios fundamentais que podem ser utilizados: o jus sanguinis, onde é
considerado nacional o indivíduo filho de pais nacionais e o jus soli, segundo o qual
é considerado nacional o indivíduo que nasce no território nacional.
Quanto ao poder, trata-se do poder político, que é exercido no Estado e pelo
Estado, este poder tem supremacia sobre todos os demais que encontram-se no seu
âmbito de jurisdição, o que não significa a eliminação desses outros poderes sociais.
Neste momento algumas indagações: A experiência Estado Moderno vai
continuar existindo? Será que o Estado permanece, ainda, tal como surgiu? E suas
características não sofreram qualquer variação, ou adequação? É de se refletir!
A primeira experiência do Estado Moderno foi, pois, o Absolutismo, no qual o
poder está concentrado nas mãos de um indivíduo, que o exerce sem limitações ou
reservas, excluindo a participação ou o controle de outros órgãos em assuntos do
Estado. As origens filosóficas e teológicas do absolutismo devem ser procuradas em
Maquiavel e Hobbes; suas origens políticas remontam o abandono do ideal medieval
da cristandade unificada, e à conseqüente autonomia dos Estados soberanos. O
fundamento jurídico do absolutismo encontra-se numa inversão das relações entre
lei e autoridade. Na concepção medieval, a sociedade e o Estado fundam-se na lei
natural mas na época moderna a lei passa a ser vista como o mandamento da
autoridade. A força da lei não provém do seu conteúdo, mas da autoridade de quem
emana.
12
A fase absolutista se caracteriza pelo conflito da burguesia ascendente com a
nobreza em declínio, a primeira, ainda fraca para assumir o poder, a segunda já sem
condições de preservá-lo, surgindo o Rei como produto de equilíbrio entre as duas
classes em luta. O absolutismo corresponde à fase de transição de época feudal
para a sociedade moderna. Nas mãos do soberano se encontram todas as funções
do Estado. A ele compete legislar, prestar justiça, arrecadar impostos, manter um
exército permanente, nomear funcionários.
A frase atribuída a Luís XIV – “O Estado sou eu” – exprime com exatidão a
importância do Rei dentro do regime absolutista.
No dizer de Roy C. Macridis, na obra Ideologias Políticas Contemporâneas:
“O modelo liberal apresenta uma ordem de coisa inteiramente diferente.
Os indivíduos e suas instituições sociais são separadas do Estado. A rigor,
eles constituem duas esferas diferentes de vida e de ação. Mas quando as
duas esferas se intersecionam, a interseção deve cobrir apenas uma área
limitada e reconhecida. Espontaneidade, criatividade, experimentação e a
busca da verdade estão dentro do domínio dos indivíduos e de suas
instituições sociais. A função do Estado é a de manter a ordem, zelar para
que as pessoas em suas relações com terceiros não recorram à força,
proteger as liberdades civis e a liberdade pessoal, assim como manter a
liberdade econômica do indivíduo. Em outras palavras, o papel do Estado é
o de proteger o indivíduo.
“Da Liberdade” resume isso, ao afirmar que:
1. qualquer limitação imposta pelo Estado é má;
2. mesmo se o indivíduo não pode fazer bem determinadas coisa, o
Estado não deve faze-las, de modo a evitar enfraquecer a
independência e iniciativa do indivíduo; e qualquer aumento dos
poderes do Estado é automaticamente ruim e prejudica às liberdades
individuais: diminui a liberdade individual.10
Para Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, no Dicionário
de Política, “foi exatamente no momento culminante da forma de organização do
poder da Idade Moderna, ou seja, no âmbito do Estado absoluto, que se
10
MACRIDIS, Roy C.Tradução: MOURA, Luís Tupy Caldas de. MOURA, Maria Inês Caldas de.
Ideologias Políticas Contemporâneas. Brasília: Editora Universidade de Brasília.pp 52 e 53.
13
operacionalizou a colocação em crise da legitimação exclusiva do príncipe à
titularidade do próprio poder através da tentativa de requalificação política das
posições privadas que no período intercalar se vinham mais ou menos
conscientemente organizando a nível social.”11
E como muito bem nos diz Antônio Carlos Wolkmer em Ideologia, Estado e
Direito, “assim, o Liberalismo torna-se a expressão de uma ética individualista
voltada basicamente para a noção de liberdade total que está presente em todos os
aspectos da realidade, desde o filosófico até o social, o econômico, o político, o
religioso etc.”
Em seus primórdios, o Liberalismo se constitui na bandeira revolucionária que
a burguesia capitalista (apoiada pelos camponeses e pelas camadas sociais
exploradas) utilizada contra o Antigo Regime Absolutista. Acontece que, no início, o
Liberalismo assumiu uma forma revolucionaria marcada pela “liberdade, igualdade e
fraternidade”, em que favorecia tanto os interesses individuais da burguesia
enriquecida quanto aos de seus aliados economicamente menos favorecidos. Mais
tarde, contudo, quando o capitalismo começa a passar à fase industrial, a burguesia
(a elite burguesa), assumindo o poder político e consolidando seu controle
econômico, começa “a aplicar na prática somente os aspectos da teoria liberal” que
mais lhe interessam, denegando a distribuição social da riqueza e excluindo o povo
do acesso ao governo.”12
11
BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Vol. I.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991.
12
WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, estado e direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1989. 175p. pp 92 e 93.
14
O modelo liberal teve sua expansão e consolidação no século XIX, e teve três
viés, o moral com as idéias das liberdades; o político com representação política, o
Estado de Direito e o sufrágio, e o viés econômico representado pelo capitalismo.
Efetivamente o liberalismo trouxe muitos progressos, como o surgimento e
institucionalização dos direitos civis, políticos e liberdades econômicas; também
propiciou o crescimento e desenvolvimento da produção e da tecnologia,
proporcionando um crescimento generalizado em todos os setores da vida.
Conforme nos ensinam Lênio Luiz Streck e José Luís Bolzan de Moraes na
obra já referida.
“ No fim do século, um fator foi injetado na filosofia liberal. Era a
justiça social, vista como necessidade de apoiar os indivíduos de uma ou
outra forma quando sua autoconfiança e iniciativa não podiam mais darlhes proteção, ou quando o mercado não mostrava a flexibilidade ou a
sensibilidade que era suposto demonstrar na satisfação de suas
necessidades básicas. Um novo espírito de ajuda, cooperação e serviços
mútuos começou a se desenvolver. E ele se tornou mais forte com o
advento do século XX”13
É necessário, ainda, que façamos algumas considerações a respeito do
Estado do Bem-Estar – Welfare state – ou Estado assistencial.
O Estado do Bem-Estar surge nas primeiras décadas do século XX, produto
da transformado projeto liberal. Esta transformação é especialmente derivada de
lutas dos movimentos operários pela regulamentação da questão social, ou seja, de
direitos relacionados com as relações de produção e o que mais dela decorresse.
Para Norberto Bobbio, o Estado do Bem-Estar pode ser definido à primeira
análise, como Estado que garante “tipos mínimos de renda, alimentação, saúde,
13
STRECK, Lenio Luiz, MORAES, José Luis Bolzan de. Op cit. p.57.
15
habitação, educação assegurados a todo cidadão, não como caridade, mas como
direito político.14
Com a revolução industrial surge a classe operária. Esta classe terá também
necessidades e problemas a serem resolvidos, cria-se um novo contexto de vida, o
urbano, surgindo, então os direitos sociais, tornando necessário que a função
executiva os preste.
Então surge uma nova face do Estado, o Estado intervencionista, Estado
regulador, que arrecada para prestar ao cidadão o que ele necessitar (tarefas e
serviços).
Neste modelo, todo o cidadão, independentemente de sua renda tem direito à
prestação pública para situações transitórias. Estes direitos dos cidadãos são
considerados patrimônio seu pois são produto de conquista e não de doação.
Dalmo de Abreu Dallari, elenca as causas privilegiadas da transformação do
Estado Liberal em Estado de Bem-Estar:
A – A Revolução Industrial e suas conseqüências de proletarização –
urbanização (transporte, saúde, saneamento, moradia); condições de
trabalho; previdência; degradação ambiental;
B – O advento da I Guerra Mundial aprofundando a presença do Estado,
também como reflexo da emergência da Revolução Russa, da
Constituição de Weimar ( 1919);
C – A crise de 1929 e a Depressão que engendram a política de Roosvelt e
o New Deal americanos;
D – A II Guerra Mundial com “ ... a necessidade de controlar os recursos
sociais e obter o máximo proveito com o menor desperdício, para fazer
face às emergências da guerra leva à ação estatal a todos os campos
da vida social, não havendo mais qualquer área interdita à intervenção
do Estado.”
E – As crises cíclicas, como afirma Geraldo Vidigal, já no final do século o
liberalismo estava falido, pois as mesmas afetavam o comportamento
da economia, sendo que a ação nefasta dos monopólios e o
14
BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Op cit. 1991. 665p. p.416.
16
exacerbamento das desigualdades sociais comprometiam a
subsistência do regime.
F – Os movimentos sociais rechaçam o dogma de que a livre força do
mercado, como uma mão invisível, seria capaz de levar a bom termo o
processo econômico. O interesse social é, muitas vezes, incompatível
com a livre concorrência.
H – Há uma liberdade positiva em lugar da potencialidade (não garantida)
liberal).15
São os ensinamentos de José Luís Bolzan de Moraes, trazidos no texto As
Funções do Estado contemporâneo. As funções do Estado contemporâneo. O
problema da Jurisdição, no Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito
Mestrado e Doutorado 1998 –1999,
“Há uma garantia cidadã ao bem-estar pela ação positiva do Estado como
afiançador da qualidade de vida do indivíduo.
Todavia, algumas situações históricas produziram um novo
conceito.
O Estado Democrático de Direito emerge como um
aprofundamento da fórmula, de um lado, do Estado de Direito e, de outro,
do Welfare state.
Resumidamente, pode-se dizer que, ao mesmo tempo em que se
tem a permanência em voga da já tradicional questão social, há como que
uma qualificação pela questão da igualdade. Assim, o conteúdo deste se
aprimora e se complexifica, posto que impõe à ordem jurídica e à atividade
estatal um conteúdo utópico de transformação do status quo. Produz-se,
aqui, um pressuposto teleológico cujo sentido deve ser incorporado aos
mecanismos próprios do Estado do Bem-Estar, construídos desde há
muito.”16
Por derradeiro há que se abordar a questão do Estado de Direito e do Estado
Democrático de Direito.
O Estado de Direito é, no dizer de Paulo Bonavides um ‘status quo’
institucional, que reflete nos cidadãos a confiança depositada sobre os governantes
como agentes capazes de proporcionar as garantias constitucionais, capazes
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 18 a. ed. São Paulo, Saraiva,
1989. pp.235 e segs.
16
MORAES, José Luis Bolzan de. In Anuário do Programa de Pós-Graduação Em Direito Mestrado e
Doutorado. São Leopoldo: Unisinos. 2000. p. 59.
15
17
também de proteger o homem e a sociedade nos seus direitos e liberdades
fundamentais. O Estado de Direito é como a democracia, a liberdade e às vezes o
próprio Direito.17
E, o Estado Democrático de Direito é, pois uma transformação do Estado de
Direito, sendo-lhe agregados princípios democráticos, momento em que a
democracia acaba por vincular Estado e Direito.
Mais, é o aprofundamento do Estado Social de Direito, incorpora, o Estado
Democrático de Direito, a questão da igualdade, buscando não somente adaptar,
mas reestruturar a sociedade, suas leis devem ser instrumento de transformação, e
com caráter educativo.
Oportuno lembrar, José Luís Bolzan de Moraes na obra Do Direito Social aos
Interesses Transindividuais quando elenca os princípios do Estado Democrático de
Direito:
“A. Constitucionalidade: vinculação do Estado democrático de
Direito à uma Constituição como instrumento básico de garantia jurídica;
B. Organização Democrática da Sociedade onde estão presentes
os mecanismos tradicionais à democracia política, somados às
possibilidades novas de participação social através de atores sociais
emergentes, tais como: sindicatos, associações, etc.;
C. Sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos, seja
como Estado de distância, porque os direitos fundamentais asseguram ao
homem uma autonomia perante os poderes públicos, seja como um Estado
antropologicamente amigo, pois respeita a dignidade da pessoa humana e
empenha-se na defesa e garantia da liberdade da justiça e da
solidariedade;
D. Justiça Social como mecanismos corretivos das desigualdades;
E. Igualdade não apenas como possibilidade formal, mas, também
como articulação de uma sociedade justa;
F. Divisão de Poderes ou de Funções;
G. Legalidade que aparece como medida do direito, isto através de
um meio de ordenação racional, vinculativamente prescritivo, de regras,
formas e procedimentos que excluem o arbítrio e a prepotência;
17
BONAVIDES, Paulo. TEORIA DO ESTADO. São Paulo: Malheiros Editores Ltda. 1999. 379p.
p.190.
18
H. Segurança e Certeza Jurídicas..18
Assim como se pode perceber, o Estado Contemporâneo não pode prescindir
da Lei, e dentro deste contexto a Constituição tem sua importância consagrada, pois
desempenhou, a até hoje desempenha papel importante no desenvolvimento e
manutenção de parâmetros mínimos da vida social democrática, assunto que
abordaremos adiante.
4. CONSTITUIÇÃO, ASPECTOS GERAIS.
A Constituição de um Estado é considerada sua lei fundamental, é, também, a
organização dos elementos essenciais deste Estado. Trata-se de um sistema de
normas jurídicas, de princípios orgânicos, escritos ou costumeiros, que regulamente
a forma do Estado, sua forma de governo, seu modo de aquisição e exercício do
poder, como se fará o estabelecimento de seus órgãos, bem como os seus limites
de ação. Resumidamente, a Constituição é um conjunto de normas jurídicas que
organiza os elementos constitutivos do Estado.
A Constituição é, em Verdade, um complexo de normas, cujo conteúdo é a
conduta dos indivíduos na vida de relação, seu fim é a realização dos valores que
apontam para o existir da comunidade, e como causa, o poder que emana do povo.
18
MORAES, José Luis Bolzan de. do Direito Social aos Interesses Transindividuais. O Estado E O
Direito Na Ordem Contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 1996. p.75.
19
E não pode ser compreendida ou interpretada se não for analisada diante do
contexto social de econômico em que foi criada
Tem a Constituição a função de garantir os direitos individuais; a função
constitutiva (atesta diante da comunidade internacional o surgimento de um novo
Estado). Com ela são fixadas muitas garantias para a defesa da ideologia dominante
e dos institutos constitucionais fundamentais. Outra função da Constituição é a da
legitimação de um novo titular do poder, como por exemplo nos casos de um golpe
de Estado. Ainda outra função é a de propaganda e de educação política, aquelas
que contêm em seu bojo grande conteúdo ideológico.
É oportuno lembrar Paulo Bonavides, na obra Teoria do Estado quando
aborda a necessidade das constituições.
Todo sistema político quando funciona normalmente pressupõe
uma ordem de valores sobre a qual repousam as instituições. Em se
tratando de um sistema democrático do modelo que se cultiva no ocidente,
essa ordem é representada pela Constituição, cujos princípios guiam a vida
pública e garantem a liberdade dos cidadãos.
Nas formas democráticas a Constituição é tudo: fundamento do
Direito, ergue-se perante a Sociedade e o Estado como o valor mais alto,
portanto, de sua observância deriva o exercício permanente da autoridade
legítima e consentida. Num certo sentido, a Constituição aí se equipara ao
povo cuja soberania ala institucionaliza de modo inviolável. E o povo, em
sua potencialidade, numa acepção política mais genérica, deixa de ser
unicamente o elemento ativo e militante que faz nas urnas, de modo direto,
e nos parlamentos, pelas vias representativas, a vontade estatal, para
incluir em seu raio de abrangência toda a nação como um corpo de idéias,
sentimentos, opiniões e valores.
A Constituição se converte, assim, na imagem da legitimidade
nacional, valor supremo que limita todos os poderes e faz impossível o
exercício da autoridade despótica, espancando as sombras do arbítrio
sempre familiar às ditaduras a aos regimes sem participação popular.
Mas essa Constituição não é pedaço de papel, ou caderno
impresso, ou texto de artigo e parágrafos, ou amontoado de disposição
sem unidade, sem ordem, sem lógica, continuamente enxertadas por uma
vontade constituinte usurpadora e casuística.
A Constituição deve exprimir o estado de cultura política da nação.
Essa cultura enfeixa crenças capitais, interesses sólidos, valores profundos
de consciência social sempre postergados na avaliação do arbítrio em que
o grupo se arvora contra a sociedade, a parte contra o todo, a minoria
contra a maioria.
20
Uma tarefa de tal monta, como é o pacto constitucional, não pode
assim ser obra de poderes constituintes constituídos, mas do poder
constituinte originário, aquela assembléia depositária da vontade nacional
soberana que, entregue a essa função específica, faz prevalecer os valores
democráticos da sociedade, sobre os quais construirá os alicerces de uma
ordem legítima.
A Constituição é o denominador comum da ideologia democrática,
convertida em compromisso inviolável que a legitimidade do sistema eleva
ao grau de valor supremo.19
Diz mais o autor acima referido, na mesma obra, que para que se
institucionalize no País um efetivo poder democrático é preciso que haja a
correspondência da Constituição com a realidade. A crise constitucional do século
XX nos ensina que existem duas Constituições e dois poderes constituintes: uma
Constituição e uma constituinte de aspecto formal e jurídico, ao lado de outra
Constituição e poder constituinte, de natureza basicamente material, sociológica e
permanente.
Estas duas modalidades, quanto a forma, são objeto do Direito Constitucional,
e quanto ao conteúdo, são objeto da Ciência Política; contudo ambas impossíveis de
estarem numa esfera incomunicável, pois se assim fosse, se estaria destruindo o
fundamento
e
a
eficácia
da
regra
constitucional.
Bem
como
separada
irremediavelmente no universo jurídico o mundo do dever-ser do mundo do ser, o
“sollen” do “sein”, ocorrendo, então a falência jurídica das Constituições, reduzidas a
mera ilusão, minadas pelos casuísmos do poder.
A conseqüência é uma só, tanto para os que aderiram formalismo jurídico
extremo como para os preferem tão-somente a realidade sociológica: o fim da
19
BONAVIDES, Paulo. Op. Cit.p. 206 e segs.
21
Constituição jurídica, sacrificada, num caso, pelo excesso de ficção, noutro caso,
pelo excesso de realismo.
Pode-se dizer, que as Constituições têm duas dimensões: uma jurídica, outra
política. Contudo, autores como Lassalle e Jellinek, demonstrando a fadiga e a
exaustão do formalismo positivista, e a ineficácia da Constituição escrita perante o
fático e o real, de forma muito crítica e extremisma oposição, levantaram a tese de
que na origem e na essência as questões constitucionais eram e continuam sendo
questões de poder e não questões jurídicas, com todas as conseqüências que deste
entendimento errôneo advém para o Direito Constitucional, tido não mais por ciência
do dever-ser e do normativo (“solten”), mas unicamente do ser, da realidade, do
existencial (“sein”).20
“Assinalando a rebelião triunfante dos fatos, Lassalle, na
conferência de Berlim, proferida em 16 de abril de 1862, se reportava às
Constituições – folha de papel. O insigne Jellinek, por sua vez, não menos
implacável, diria algumas décadas depois que “a evolução das
Constituições nos ministra a teoria, ainda não competentemente ajuizada
em todo o seu poderoso significado, de que as proposições jurídicas são
impotentes para controlar a repartição estatal de poderes” e que “as forças
políticas reais se movem segundo suas próprias leis, que atuam
independentemente de todas as formas jurídicas”.21
Disso se conclui que a Constituição é, sem dúvida alguma de suma
importância, por se tratar de lei fundamental do Estado, e que organiza seus
elementos constitutivos do Estado. Por ser a organização dos elementos essenciais
deste Estado. Também é importante para o Estado pois seu conteúdo é a conduta
dos indivíduos na vida de relação e seu fim é a realização dos valores que apontam
para o existir da comunidade, e tem como causa, o poder que emana do povo. Sua
20
21
Idem, ibidem.
Idem, Ibidem.
22
importância é refletida, ainda pela função que desempenha, ou seja, garantir os
direitos individuais; a função constitutiva (atesta diante da comunidade internacional
o surgimento de um novo Estado). E porque é através dela que são fixadas muitas
garantias para a defesa da ideologia dominante e dos institutos constitucionais
fundamentais. E ainda, porque pode legitimar um novo titular do poder; bem como
serve de propaganda e de educação política, aquelas constituições que contêm em
seu bojo grande conteúdo ideológico.
5. A HERMENÊUTICA, O ESTADO CONSTITUCIONAL e SUA
JURIDICIZAÇÃO.
Este tema, que é o cerne do debate, traz em seu bojo diversos aspectos a
serem analisados, como se verá a seguir.
Analisando tudo o quanto foi anteriormente posto, a respeito do Estado,
vemos que também é necessário fixar limites ao poder jurídico democrático. Estes
limites foram vislumbrados por Aristóteles, nas leis.
Acompanhando
o
raciocínio
de
Otfried
Höffe,
‘in’
Justiça
Política
Fundamentação de uma Filosofia Crítica do Direito e do Estado, ...
“Os limites que devem ser postos para os poderes do Estado
podem ser bem estreitos e os critérios desses limites não podem ser
escolhidos de forma arbitrária, muito ao contrário, devem ser conquistados
segundo a medida das regras que devem satisfazer, ao princípio de justiça
e seus princípios médios, os direitos humanos. Estes princípios de justiça
têm, na democracia, a função de proteção das minorias e garantem direitos
iguais daqueles que não são das mesmas convicções econômicas, sociais,
políticas e religiosas ou lingüístico-culturais da respectiva maioria; eles
formam um corretivo crítico contra os excessos da soberania, mesmo de
um soberano democrático.
Para que esta medida seja reconhecida, não apenas em
circunstâncias acidentalmente favoráveis, mas por princípio, é preciso
consolidá-lo e fazê-lo parte componente do direito vigente aqui e agora. Por
23
esta positivação, os direitos humanos não têm mais o significado de idéias,
esperanças e postulados que podem ser até justificados mas que em face
da realidade dominante permanecem importantes.22
Quando da formação do estado moderno o constitucionalismo, em cuja
doutrina se resume toda forma de governo sub lege, segue no mesmo sentido que a
doutrina do primado da lei como fonte do direito, sendo a lei, por um lado, como
expressão máxima da vontade do soberano, seja este que for, opostamente ao
consueto; por outro lado, como norma geral e abstrata, em contraponto às ordens
dadas uma por vez.
Consideramdo os três maiores filósofos cujas teorias acompanham a
formação do estado moderno, Hobbes, Rousseau e Hegel: duvida-se que eles sejam
incluídos entre os fautores do governo da lei, contudo são defensores do primado da
lei como fonte do direito, como instrumento principal de dominação e sendo assim,
como prerrogativa máxima do poder soberano, conforme Bobbio, em O Futuro da
Democracia uma Defesa das Regras do Jogo.
Diz mais, as virtudes do governo sub lege consistem em impedir ou pelo
menos obstaculizar o abuso de poder. O mais forte dos motivos de preferência pelo
governo da lei em detrimento do governo dos homens, alegados a começar pelos
escritores antigos, estão ligados ao exercício do poder mediante normas gerais e
abstratas. Efetivamente, os valores fundamentais, a igualdade, a segurança e a
liberdade, estão garantidos pelas características intrínsecas da lei entendida como
norma geral e abstrata, mais que pelo exercício legal do poder. 23
22
HÖFFE, Otfried. Tradução: REIS, Orlando dos. Justiça Política. Fundamentação de Uma Filosofia
Crítica do Direito e do Estado. Petrópolis: Editora Vozes. 1991.p.
23
BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia Uma Defesa das Regras do Jogo. São Paulo: Paz e
Terra, 1992. p.156 e segs.
24
Dentro deste contexto destacamos a Constituição, que é mais do que um
mero texto, mas um texto constitucional mais o contexto social, isto é a constituição,
ou seja, conjuga texto e contexto. É, pois, o texto a racionalização das relações
sociais, é a forma.
Nesta esteira menciona Antônio López Piña, no prólogo da obra Liberdad,
igualdad, fraternidad. 1789 como historia, actualidad y futuro del Estado
constitucional de Peter Häberle, a respeito da ótica deste autor a respeito do tema,
que faz uma relação entre bem como do Estado de Direito e a Democracia:
En la democracia pluralista el Bien común es irrenunciable, por
diferenciados que sean los caminos para concebirlo y llevarlo a la practica.
... En nuestra actual coyuntura, “la Constitución enuncia valores
fundamentales – dignidad humana, tolerancia, Estado social de Derecho –
para el Bien común. Simultáneamente, abre una diversidad de
procedimientos, garantizadores de la tolerancia, para su concreción o
reivindicación. El Bien común rei publicae es resultado de complejos
procesos de funciones estatales y procesos públicos; importantes impulsos
proceden asimismo de una sociedad que no por su naturaleza abierta está
en menor grado constituída.24
No Corpo da obra acima mencionada, Peter Häberle coloca que a teoria da
Constituição é a ciência das Constituições e dos Estados Constitucionais, que as
Constituições se apoiam na dignidade humana como premissa antropológico-cultural
e conduzem a democracia como conseqüência orgânica, constituem uma res publica
com a Constituição que a emoldura, buscando que todos os cidadãos e grupos
busquem cada vez mais comportar-se de modo adequado, e conviverem
mutuamente e assim sucessivamente.
A Constituição constitui o poder o limita-o. Não é somente um texto jurídico,
mas também um contexto cultural. Comentários, textos, instituições e procedimentos
24
PIÑA, Antônio López. In HÄBERLE, Peter. Liberdad, igualdad, fraternidad. 1789 como historia,
actualidad y futuro del Estado constitucional. Madri: Editorial Trotta S.A.. 1998. p.
25
simplesmente jurídicos não chegam a abrangê-la. A Constituição não é apenas uma
ordem jurídica para juristas, os quais deveriam interpretá-la de acordo com as velhas
e novas regras de seu ofício. Atua esencialmente como guia para não juristas. Não é
a Constituição somente um texto jurídico ou um conjunto de regras normativas, mas
também expressão de uma situação cultural dinâmica, meio de auto-representação
cultural de um povo, espelho de seu legado cultural e fundamento de suas
esperanças.25
O pensar de Pedro de Vega García, demonstrado no texto Muldialización y
Derecho Constitucional: La Crisis del Principio Democrárico en el Constitucionalismo
Actual vem corroborar a tese aqui abordada:
Cuando se concibe la Constitución como “norma y tarea a realizar”
[...], como “proyecto determinante de la identidad del orden político y social”
[...], o como “proyecto de ordenación del proceso político y de la
organización social” [...], es evidente que sólo desde la inconsecuencia más
absoluta se podría esperar y predicar la coincidencia entre norma y
realidad. Si la realidad no es una “orden fija” y “fechada”, estabelecida de
una vez para siempre, la coincidencia plena entre los proyectos normativos
y los ámbitos normativos [...] tiene por fuerza que resultar imposible. ...
Por mucho que los constitucionalistas se empeñen en montar “una
teoría de la Constitución y de la interpretación constitucionales
constitucionalmente adecuadas” [...] les resultará imposible coronar con
éxito sus propósitos y abandonar el razonamiento contradictorio y
tautológico, mientras no se decidan a partir de la idea de que no es
convirtiendo falsa e improcedentemente a la Constitución en fetiche como
se construye una realidad constitucional efectiva, sino que, a la inversa, es
asumiendo los valores de la realidad histórica preexistente – expresados a
través de la voluntad del poder constituyente – como únicamente adquiere
la idea de Constitución la plenitud de su sentido.26
Outrossim, os sistemas escritos estão cada vez mais se tornando
jurisprudenciais, pois a constituição é o que a jurisprudência constitucional define
25
HÄBERLE, Peter. Liberdad, igualdad, fraternidad. 1789 como historia, actualidad y futuro del Estado
constitucional. Madri: Editorial Trotta S.A.. 1998. p.45 e segs.
26
GARCÍA, Pedro de Vega. Mundialización y Derecho Constitucional: La Crisis del Principio
Democrático en el Constitucionalismo Actual. Texto. P 30 e 38.
26
que seja, assim a constituição é transitório em função da jurisdição constitucional e
sua decisões, enquanto que o Poder Constituinte é perene e não tem limites, em
tese, surgindo, apenas o garantismo como seu limite.
Aliamo-nos a José Acosta Sánchez, quando no texto Transformaciones de La
Constitución en el Siglo XX, trata do novo fenômeno tão importante quanto o
aparecimento do Direito escrito, do Direito positivo e do próprio Direito
Constitucional,[...] “consiste en la creciente presencia de un Derecho Constitucional
jurisprudencial y el decreciente papel del Derecho Constitucional formal. El primero
es material, por su modo de creación, ajena a las formas prescritas por la
Constitución, pero nace del Derecho Constitucional formal, es su prolongación
lógica.”27
Salienta, ainda, o mesmo autor, que ...
El motor del nuevo fenómeno no está en el pensamiento jurídico ni
político, sino en las demandas de las complejas sociedades actuales, en el
desarrollo de los derechos humanos y de los principios y valores, o sea, en
la propia lógica interna del Estado constitucional actual, y más allá del
positivismo.[...] El fenómeno de un Derecho Constitucional de origen
jurisprudencial conecta con el problema planteado por el profesor Rubio
Llorente acerca de la necesidad de “establecer un concepto material de
‘Constitución’[...] al que podamos recurrir para operar en la práctica”, en
particular, a la vista de lo ocurrido en España en el campo “de la
distribución territorial de los poderes.”
E, concluindo sua tese afirma que...
La defensa de la Constitución lleva consigo un cambio en la
naturaleza de ésta por obra de las jurisdicciones constitucionales, tan
27
SÁNCHEZ, José Acosta. Transformaciones de la Constituición en el Siglo XX. Texto.p. 57 e 58.
27
indispensables para dicha defensa como inevitablemente creadoras de
Derecho Constitucional.
La existencia de la Constitución implica su metamorfosis: la
jurisdicción llama a defenderla necesariamente la transforma.
El Derecho Constitucional Jurisprudencial está determinado por
complejos contextos sociales, económicos y políticos, incluso
transnacionales, y reclama un nuevo concepto de Constitución material, sin
nada que ver con ningún otro anterior del mismo nombre.
La complejidad estudiada se resume en dos procesos simultáneos:
la judicialización de la Constitución y la constitucionalización del Derecho,
tendentes ambos a la unificación jurídica en cada sistema. Fenómeno lento
y que, lentamente también, se inscribe en otro global: “el rechazo a todos
los totalitarismos, la existencia de tratados internacionales, el proprio
universalismo del concepto de Constitución conducen a sostener que existe
un zócalo de libertades fundamentales comunes que une, más allá de sus
particularidades, a todos los sistemas jurídicos.”
Esos procesos y la acción transformadora de la jurisdicción
constitucional sobre la propria Constitución tienden a difundir los contornos
de la Constitución formal nacional.28
Verdadeiramente, os direitos fundamentais, positivados na Constituição estão
cada vez mais sendo objeto de jurisprudencialização, isto em função da crescente e
incessante evolução social e da vida de relação, gerando, assim necessária
limitação aos poderes do Estado, em prol da sociedade.
Destarte, a justiça apresenta-se, agora, mais do nunca com um papel de
fundamental importância para a sociedade na preservação e evolução dos direitos
fundamentais, para a Constituição pois proporciona que ela acompanhe esta
evolução social, e para o Estado, a fim de evitar que seu poder torne-se nocivo e
prejudicial ao indivíduo.
É de fundamental importância destacar o pensamento de José Luiz Bolzan de
Moraes contida no texto O Estado em Crise. Da crise conceitual à crise institucional
(constitucional), onde diz que no caso brasileiro, para dar maior efetividade aos
conteúdos normativos reconhecedores dos direitos humanos
28
Idem, Ibidem. p. 58, 99 e 100.
28
é preciso que se busque, até mesmo pela experiência histórica,
instrumentalizar os operadores jurídicos com os meios necessários para
uma prática comprometida com a eficácia dos direitos humanos,
especialmente a partir da promulgação da Carta Magna de 1988 que se
assenta, fundamentalmente, na salvaguarda dos direitos e garantias
fundamentais, na esteira, diga-se do constitucionalismo contemporâneo,
estruturado sob a opção do Estado Democrático de Direito. E, mais do que
isso, como prática político-jurídica de enfrentamento das estratégias de
globalização dominadas pelas práticas do capitalismo financeiro.
No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988, referenda
alguns conteúdos que nos conduzem a compreende-la como inserida no rol
daquele constitucionalismo cujo objeto está nos direitos humanos, os quais
devem orientar não apenas os trabalhos dos juristas, como também a
atuação das autoridades públicas e da sociedade como um todo. ...
Assim, a atividade dos juristas, como dito acima, deve ser a de
consignar máxima efetividade às Normas Constitucionais, ou seja, a uma
norma constitucional tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe
dê; a cada norma constitucional é preciso conferir, ligada a todas as outras
normas, o máximo de capacidade de regulamentação. Este é um fator
inafastável para o trato da temática relativa aos direitos humanos e, mais
ainda, para a compreensão do papel desempenhado pelos tratados
internacionais relativos aos direitos humanos, em um processo que
podemos chamar de internacionalização do direito constitucional que se
complementa
pela
internalização/constitucionalização
do
direito
internacional públicos (dos direitos humanos) uma novidade para o
constitucionalismo atual.
Como diz Konrad Hesse, aduz que a interpretação tem significado
decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da
Constituição estando submetida ao princípio da ótima concretização da
norma, para que, assim, se viabilize um espaço valorizado de globalização
destes conteúdos.29
Ainda José Luiz Bolzan de Moraes, no texto acima referido, sobre o papel da
jurisdição constitucional na definição e compreensão do conteúdo material das
constituições, bem como de sua extensão, afirma que esta – a jurisdição
constitucional – “assume verdadeiro foro de reconstrução hermenêutica cotidiana da
norma constitucional legislada.”30
Lenio Luiz Streck diz também:
10. Em nosso país, não há dúvida de que, sob a ótica do Estado
Democrático de Direito – deve ser visto como instrumento de
transformação social -, ocorre uma desfuncionalidade das Instituições
29
MORAES, José Luis Bolzan de. O Estado Em Crise. Da crise conceitual à crise institucional
(constitucional). Texto. p.27 a 29.
30
Idem, ibidem. p. 30
29
encarregadas de aplicar a lei. O Direito brasileiro e a dogmática jurídica
que o instrumentaliza está assantado em um paradigma liberalindividualista que seustenta essa desfuncionalidade, que, paradoxalmente,
vem a ser a sua própria funcionalidade ! Ou seja, não houve ainda, no
plano heermenêutico, a devida filtragem – em face da emergência de um
novo modelo de Direito representado pelo Estado Democrático de Direito –
desse (velho/defasado) Direito, produto de um modelo liberal-individualistanormativista de direito.
[...]
15. Dito de outro modo, o Estado Democrático de Direito
depende(ria) muito mais de uma ação do Judiciário do que de
procedimentos legislativos e administrativos. Claro que tal assertiva pode e
deve ser relativizada, mormente porque não se pode esperar que o
Judiciário seja a solução (mágica) dos problemas sociais. Entretanto, e isto
é relevante para os propósitos deste texto, é pela via judiciária que é
possível a realização dos direitos que estão previstos nas leis e na
constituição, e naquilo que se entende por Estado Democrático de Direito,
o Judiciário, através do controle da costitucionalidade das leis, pode servir
como via de resistência às investidas dos Poderes Executivo e Legislativo,
que representem retrocesso social ou a ineficácia dos direitos individuais
ou sociais.31
É a hermenêutica, efetivamente um caminho claro, seguro, e possível de
compatibilizar-se com as necessidades sociais de realização dos direitos
constitucionais que pode ser seguido por qualquer operador do direito. Contudo é
preciso não esquecer que para isso precisamos usar a linguagem e jamais esquecer
que, como já foi dito um ser (o operador do direito também), não é sempre o mesmo,
está em constante mudança, assim como as necessidades individuais e sociais
também o estão.
Não se pode deixar, de mais uma vez mencionar o pensamento de Lênio Luiz
Streck:
A hermenêutica, entendida como ontologia fundamental, é esse
novo modelo de conhecimento fundado pela idéia do ser-no-mundo que
nos remete a uma abertura, que é, enquanto ser-em (in Sein), condição de
possibilidade de qualquer conhecimento. Isso, expresso pela metáfora da
clareira na floresta, é de fundamental importância para a tarefa a que me
propus ao desenvolver estas reflxões que se pretendem críticas sobre o
Direito e a dogmática jurídica. Dito de um modo mais simples, assim como
31
STRECK, Lenio Luiz. In Revista da Faculdade de Direito, Universidade de Cruz Alta. Cruz Alta:
Cetro Gráfico da Unicruz. 1999. pp.29 e segs.
30
a clareira é condição de possibilidade para tornar visível a floresta (que a
cerca), o sentido comum teórico (habitus dogmáticus, que cerca e encobre
o Direito) somente pode ser tornado visível a partir de um discurso que o
dês-oculte, que o dês-cubra e que o dnuncie.
....
À evidência, a tarefa hermenêutica de tornar visível o próprio
Direito pressupõe a possibilidade de (re)significa-lo, de dize-lo. O ente
Direito só é/será possível se existir o ser. É aí que a hermenêutica aqui
proposta pretende construir condições (caminhos) para o-abrir-da-clareira:
é por ela que será possível levar o ser desse ente a se manifestar como
fenômeno, sendo o Dasein (ser-aí) o ser do ente (homem) que compreende
esse ser, e onde o aí (Da) é o lugar em que o ser (Sein) se mostra, mas ao
mesmo tempo tende (inexoravelmente) a ocultar-se, o que nos deve levar
ao (inquietante) trabalho de dês-ocultá-lo.32
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Ouso enfrentar este tema, em razão de ser muito atual e de fundamental
importância para a concretização da constituição e implementação de direitos
sociais e individuais, e ainda para a compreensão da Constituição como meio de
transformação social, de limitação ao poder estatal e como isto pode ser feito.
No decorrer do texto deparamo-nos com um elemento de importância ímpar,
a juridicização do Estado e a Hermenêutica como fator imprescindível dentro deste
contexto.
Como diz Antonio López Pina: “[...] en el marco de las instituciones los juristas
tienen una gran responsabilidad en la definición y práctica del Bien Común. [...] Los
históricamente cambiantes contenidos del Bien Común remiten a conexiones de
legitimidad tales como idea del Estado y forma de gobierno, ética social y Justicia.”33
Podemos, quem sabe, ver na juridicização do Estado, a hermenêutica como
seu fator fundamental, como instrumento de preservação dos Direitos Humanos,
32
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. 2. ed. Ver.ampl.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 266 e segs.
33
PIÑA, Antônio López. Op. Cit. p.13
31
mantendo a Constituição sempre atualizada às necessidades sociais vigentes no
momento e até mesmo – ou principalmente - de transformação social.
No entanto, ainda muitas dúvidas pairam a respeito do tema, que somente
com o construir da história poder-se-á saná-las.
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 ANDRADE , Christiano José de . Hermenêutica Jurídica no Brasil , São Paulo.
Revista dos Tribunais,1991. 269p.
2 AZEVEDO , Plauto Franco de. Crítica à Dogmática e Hermenêutica Jurídica.
Porto Alegre, S. Fábris , 1989. 79p.
3 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São
Paulo: Saraiva, 1986. 161p.
4 BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia Uma Defesa das Regras do Jogo.
São Paulo: Paz e Terra, 1992. 171p.
5 BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de
Política. Vol. I. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991. 665p.
6 BONAVIDES, Paulo. TEORIA DO ESTADO. São Paulo: Malheiros Editores Ltda.
1999. 379 p.
7 Dallari, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 18a. ed. São
Paulo, Saraiva, 1989.
8 GARCÍA, Pedro de Vega. Mundialización y Derecho Constitucional: La Crisis
del Principio Democrárico en el Constitucionalismo Actual. Texto.
9 HÖFFE, Otfried. Tradução: REIS, Orlando dos. Justiça Política. Fundamentação
de Uma Filosofia Crítica do Direito e do Estado. Petrópolis: Editora Vozes. 1991.
404p.
10 HÄBERLE, Peter. Liberdad, igualdad, fraternidad. 1789 como historia,
actualidad y futuro del Estado constitucional. Madri: Editorial Trotta S.A.. 1998.
96p.
11 MACRIDIS, Roy C.. Tradução: MOURA, Luís Tupy Caldas de. MOURA, Maria
Inês Caldas de. Ideologias Políticas Contemporâneas. Brasília: Editora
Universidade de Brasília. 1982. 317p.
12 MORAES, José Luis Bolzan de. do Direito Social aos Interesses
Transindividuais. O Estado E O Direito Na Ordem Contemporânea. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora. 1996. 247p.
13 MORAES, José Luis Bolzan de. O Estado Em Crise. Da crise conceitual à
crise institucional (constitucional). Texto.
14 PIÑA, Antônio López. In HÄBERLE, Peter. Liberdad, igualdad, fraternidad. 1789
como historia, actualidad y futuro del Estado constitucional. Madri: Editorial Trotta
S.A.. 1998.
32
15 SÁNCHEZ, José Acosta. Transformaciones de la Constituición en el Siglo XX.
Texto.
16 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo:
Malheiros Editores Ltda. 1992. 768p.
17 STRECK, Lenio Luiz, MORAES, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria
Geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 2000. 183p.
18 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, uma exploração
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19 Streck, Lenio Luiz. In Revista da Faculdade de Direito, Universidade de Cruz
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29 WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, estado e direito. São Paulo: Editora
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HERMENÊUTICA - ESTADO – CONSTITUIÇÃO Giovana