UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO
Efeito combinado da utilização de cultura de
arranque de Lactobacillus sakei com caráter
probiótico e óleo essencial de alho no fabrico de
chouriço
DISSERTAÇÃO EM SEGURANÇA ALIMENTAR
Mestrado em Segurança Alimentar
ANA REGINA MIRANDA ESTEVES
Vila Real, 2012
I
JÚRI DE APRECIAÇÃO
Presidente: _______________________________________________________
1º Vogal: _________________________________________________________
2º Vogal: _________________________________________________________
Classificação: _____________________________________________________
Data: __________/__________/__________
II
O Orientador
_____________________________________________
(Professor Doutor Luís Patarata)
III
"É difícil encontrar neste mundo... Alguém que
tanto lutou, tanto sofreu... Encontrar a cada dia
mais vitalidade... Ir cada vez mais profundo... E
nos mostrar tudo o que conheceu do mundo...
Ensinando-nos o caminho para a felicidade."
Avó Ana
i
AGRADECIMENTOS
Ao terminar este trabalho quero manifestar o meu sincero reconhecimento pelo
apoio e disponibilidade a diversas pessoas a quem estou grata.
Gostaria de deixar o meu especial agradecimento ao meu orientador da
dissertação de mestrado da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, o Professor
Doutor Luís Patarata, por toda a disponibilidade demonstrada, por todos os
ensinamentos durante a minha vida académica, pela motivação ao longo do 2º Ciclo e
principalmente pela preciosa ajuda nesta reta final.
Ao projeto de investigação “Salsicharia tradicional portuguesa: estratégias para a
melhoria da segurança e qualidade” (PTDC/AGR-ALI/119075/2010) Financiado pela
FCT pelo apoio financeiro.
À Dona Ana Leite, ao Sr. Felisberto Borges e Dona Fátima Silva por toda a
dedicação e ajuda, assim como a boa disposição ao longo deste trabalho.
Também aos meus pais e irmã, por toda a paciência e força demonstrada, sendo
um estímulo essencial e uma ajuda constante na realização deste trabalho.
Assim como aos meus primos e tios mais próximos, pela preocupação e ânimo
ao longo desta etapa.
Não poderia deixar de agradecer a alguns amigos especiais, por me ouvirem,
pelo incentivo e pela disponibilidade prestada em algumas fases do meu trabalho:
Brigitte Denis, Inês Fonseca, Sara Gabriel, Fábio António, Olívia Machado e Márcio
Ferreira. Muito obrigado pela amizade, carinho e companheirismo.
A todos os que de forma direta ou indireta contribuíram para a realização deste
trabalho.
A todos o meu MUITO OBRIGADA
ii
Índice
Resumo ......................................................................................................................................... v
Abstract ....................................................................................................................................... vi
1. Introdução ................................................................................................................................ 1
2. Revisão Bibliográfica ............................................................................................................... 3
2.1. Culturas de arranque em produtos cárneos............................................................................ 3
2.2.1. Aptidão Tecnológica das Bactérias do Ácido Láctico ....................................................... 7
2.2.1.1. Capacidade competitiva e de adaptação ao ambiente dos produtos cárneos ................... 7
2.2.1.2. Atividade antagonista ...................................................................................................... 9
2.2.1.2.1. Ácidos orgânicos ........................................................................................................ 11
2.2.1.2.2. Bacteriocinas .............................................................................................................. 13
2.2.1.2.3. Outros compostos ....................................................................................................... 17
2.2.2. Potencial Aptidão Probiótica das Bactérias do Ácido Láctico ......................................... 17
3. Material e Métodos ................................................................................................................ 23
3.1. Avaliação de caraterísticas com interesse tecnológico em L. sakei .................................... 23
3.1.1. Microrganismos e condições de crescimento ................................................................... 23
3.1.2. Atividade antagonista contra microrganismos patogénicos ............................................. 23
3.1.3. Crescimento em condições adversas e capacidade de acidificação.................................. 24
3.2. Avaliação de caraterísticas com potencial probiótico em L. sakei ...................................... 25
3.2.1. Tolerância ao ácido .......................................................................................................... 25
3.2.2. Tolerância aos sais biliares............................................................................................... 25
3.2.3. Capacidade de adesão a intestino delgado de porco......................................................... 26
3.3. Efeito combinado da utilização de L. sakei e óleo essencial de alho no
comportamento de Salmonella spp. ao longo doprocesso de fabrico de Chouriço ............ 28
3.3.1. Desenho experimental ...................................................................................................... 28
3.3.2. Preparação dos microrganismos a inocular ...................................................................... 29
3.3.3. Preparação do Chouriços.................................................................................................. 29
3.3.4. Análises laboratoriais ....................................................................................................... 30
3.3.4.1. Análises Microbiológicas .............................................................................................. 30
3.3.4.2. Análises Físico-químicas............................................................................................... 31
iii
3.3.5. Tratamento de dados ........................................................................................................ 31
4. Resultados e Discussão .......................................................................................................... 32
4.1. Avaliação de caraterísticas com interesse tecnológico em L. sakei .................................... 32
4.2. Avaliação de caraterísticas com potencial probiótico em L. sakei ...................................... 35
4.3. Efeito combinado da utilização de L. sakei e óleo essencial de alho no
comportamento de Salmonella spp. ao longo do processo de fabrico de Chouriço ........... 40
5. Conclusões ............................................................................................................................. 47
6. Biliografia .............................................................................................................................. 48
iv
Resumo
A fermentação de produtos cárneos é uma tecnologia que permite fabricar
produtos seguros, sensorialmente muito interessantes, e com potenciais vantagens para a
saúde do consumidor. Uma vez que os produtos cárneos fermentados são consumidos
crus, a microbiota viável que esses produtos incorporam é ingerida pelo consumidor, e é
assim possível equacionar a hipótese de obter uma vantagem probiótica. O objetivo do
presente trabalho foi avaliar a aptidão tecnológica e probiótica de L. sakei isolado de
chouriço produzido na região de Trás-os-Montes e avaliar o efeito da adição de uma
cultura de arranque selecionada conjuntamente óleo essencial de alho no crescimento e
sobrevivência de Salmonella spp. em chouriço. A avaliação da aptidão tecnológica de L.
sakei isolados de chouriço revelou que dentro do grupo estudado os microrganismos
têm uma elevada capacidade de se multiplicar em condições adversas simulando os
principais obstáculos encontrados no fabrico de chouriço e também uma elevada
atividade antagonista, detetada pela técnica da gota em agar contra L. monocytogenes, S.
aureus, Salmonella spp. e E. coli O157:H7. Esta característica mostrou grande
variabilidade entre estirpes. Na avaliação do potencial probiótico, algumas estirpes
mostraram-se muito sensíveis ao pH de 2,5. A generalidade não apresentou
sensibilidade aos sais biliares. A capacidade de adesão ao intestino de porco foi
manifestada por todas as estirpes, ainda que algumas tenham revelado uma maior
aptidão para essa finalidade. Da ponderação dos vários fatores, selecionou-se para
inocular no chouriço a estirpe 1284, por apresentar uma elevada atividade antagonista, e
ser de entre as mais antagónicas contra microrganismos patogénicos, aquela que
conseguiu resistir ao pH 2,5, teve uma boa capacidade de crescimento e de acidificação.
A utilização de uma cultura de arranque com essa estirpe de L. sakei conjuntamente
óleo essencial de alho no crescimento e sobrevivência de Salmonella spp. ao longo do
processo de fabrico de chouriço revelou-se interessante, principalmente enquanto o
produto não atinge valores de aw muito reduzidos. Após 7 dias de secagem, que é o
tempo usado por alguns fabricantes para colocarem no mercado chouriço, a utilização
conjunta dos dois fatores em estudo resultou numa redução de 1,5 log UFC/g, o que é
importante do ponto de vista do ganho em segurança sanitária.
Palavras-Chave: L. sakei, chouriço, enchido fermentado, Salmonella, probióticos.
v
Abstract
Meat fermentation is a technology that allows the production of safe products,
sensorially interesting and with a potential advantage to the consumer health. Once
these products are eaten raw, its viable microbiota is ingested by the consumer. Thus, it
is possible to obtain a probiotic advantage. The aim of the present work was to evaluate
the technological and probiotic ability of L. sakei isolated from chorizo produced in the
region of Trás-os-Montes and to evaluate the effect of a selected starter culture and of
garlic essential oil on growth and survival of Salmonella spp. in chorizo. It was
observed that within the group of L. sakei most of the strains has a high ability to grow
in adverse conditions simulating the main hurdles found in chouriço. Antagonistic
activity was found using the spot on agar test against L. monocytogenes, S. aureus,
Salmonella spp. and E. coli O157: H7. This trait showed great variability between
strains. In the evaluation of potential probiotic strains, some were very sensitive to pH
of 2.5. The majority showed no sensitivity to bile salts. The ability of adhesion to pig
intestine was expressed by all strains, although some have shown greater ability. From
weighting of the various factors the strain 1284 was selected to inoculate chorizo due to
the high antagonistic activity and tolerance to pH 2.5 and capacity for growth and
acidification. The use of a starter culture with this strain of L. sakei in combination with
with garlic essential oil on the growth and survival of Salmonella spp. during chouriço
manufacturing process sausage resulted in products that are safer sonner, before aw
reaches very low values. After 7 days of drying, which is the time used by some
manufacturers to market chorizo, the combined use of the two factors resulted in a
reduction of 1,5 log CFU/g, which is important from the standpoint of the safety.
Keywords: L. sakei, chorizo, fermented sausage, Salmonella, probiotics.
vi
1.
Introdução
A melhoria do conhecimento sobre alimentação tem levado ao desenvolvimento
de alimentos que têm benefícios para a saúde, para além da nutrição adequada. Esses
alimentos, habitualmente designados por funcionais, têm sido alvo de abundante
investigação, que comprova e documenta as vantagens para a saúde e bem-estar dos
consumidores. Os fatores que promoveram o desenvolvimento incluem actualmente um
enorme impacto na opinião pública dos meios de comunicação social sobre a relação
entre dieta, saúde e crescente expectativa de vida da população. Neste contexto, os
alimentos funcionais estão no mercado em ascensão e são dos principais impulsores do
desenvolvimento de novos produtos, entre eles os produtos à base de carne (Tyopponen
et al., 2003).
A indústria de produtos cárneos e carne, tal como outros setores da
transformação de alimentos, está sujeita a mudanças importantes, resultado das
inovações tecnológicas e mudanças exigidas pelos consumidores. Uma das principais
tendências que marcam a evolução do consumo de produtos cárneos é a preocupação
com a saúde dos consumidores, incentivados pelas novas recomendações e orientações
nutricionais recomendadas por diversas instituições (Khan et al., 2011).
O potencial aumento da procura por produtos que se apresentem mais saudáveis
abre várias possibilidades à indústria de produtos cárneos. Por um lado, do ponto de
vista estritamente nutricional, a carne e seus produtos são elementos essenciais da dieta
que concentram-se e fornecem um grande número de nutrientes benéficos. Por outro
lado, estes alimentos podem conter várias substâncias que em determinadas
circunstâncias e não em proporções adequadas, podem afetar negativamente a saúde
humana, tal como acontece com alguns aditivos químicos que atualmente são utilizados
de forma perfeitamente legal (Pegg e Shahidi, 2006), processos de fumagem realizados
em condições sub.ótimas (Roseiro et al., 2012), de entre outros.
Tal como acontece com outros alimentos, para obter produtos cárneos mais
saudáveis, é necessário aumentar a presença de compostos benéficos e/ou limitar os que
têm efeitos adversos (Mills, 2011). A fermentação de produtos cárneos é uma tecnologia
que, se for corretamente efetuada e otimizada, responde bem aos critérios supra
indicados para tornar os produtos mais seguros. Por um lado, pelo seu contributo para a
1
conservação dos produtos cárneos pode permitir reduzir as quantidades de aditivos
químicos de caráter conservante. Por outro lado, uma vez que se os produtos cárneos
fermentados são habitualmente consumidos crus, a microbiota viável que esses produtos
incorporam é ingerida pelo consumidor, e é assim possível equacionar a hipótese de
obter uma vantagem probiótica com esses produtos. Um probiótico é definido por
Salminen et al. (1998) como um microrganismo viável, bactéria ou levedura, que tem
um efeito benéfico na saúde do hospedeiro que o ingere. O consumo de alimentos que
incluam esses microrganismos, também designados por alimentos probióticos, conduz à
modulação da microflora do trato gastrointestinal do hospedeiro, reduzindo a
importância da microflora potencialmente nociva e estimulando os mecanismos de
defesa natural.
O objetivo do presente trabalho foi avaliar a aptidão tecnológica e probiótica de
L. sakei isolado de chouriço produzido na região de Trás-os-Montes e avaliar o efeito da
adição de uma cultura de arranque selecionada dessa espécie conjuntamente óleo
essencial de alho no crescimento e sobrevivência de Salmonella spp. ao longo do
processo de fabrico de chouriço.
2
2. Revisão Bibliográfica
2.1 Culturas de arranque em produtos cárneos
Os alimentos fermentados, originários do Oriente, datam de tempos préhistóricos baseados em fermentações alcoólica, láctica e acética que eram efetuadas
empiricamente para conservar os alimentos. Apesar de existirem atualmente outros
métodos de conservação dos alimentos, tais como a refrigeração e a esterilização pelo
calor, a fermentação continua a ter interesse, uma vez que a aplicação controlada desta
metodologia garante a preservação e até a melhoria das caraterísticas físico-químicas e
organoléticas dos alimentos. Estima-se que 25% da dieta dos europeus e 60% da dieta
dos habitantes de muitos países em desenvolvimento seja constituída por alimentos
fermentados (Holzapfel et al., 1998).
Todas as classes de microrganismos não patogénicos podem ser, regra geral,
usadas na fermentação de alimentos. Na Europa, as bactérias e as leveduras são mais
utilizadas que os fungos filamentosos. Entre as bactérias, as BAL (Bactérias do Ácido
Láctico) são as mais importantes, não só por serem indispensáveis na produção de
certos alimentos e bebidas, dotando-os de uma grande variedade de atributos sensoriais
únicos e desejáveis, mas também pela sua atividade antimicrobiana, inibindo
microrganismos patogénicos e de deterioração que afetariam a segurança e qualidade
dos mesmos. As aplicações das BAL na indústria alimentar recaem genericamente em
seis géneros benéficos e não patogénicos: Lactococcus (leite), Lactobacillus (leite,
carne, vegetais e cereais), Leuconostoc (vegetais, leite), Pediococcus (vegetais, carne),
Oenococcus oeni (vinho) e Streptococcus thermophilus (leite). As BAL são
maioritariamente consideradas organismos GRAS “Generally Recognized As Safe”,
embora já tenham sido observados casos pontuais em que algumas estirpes se
comportaram como agentes patogénicos oportunistas em indivíduos com o sistema
imunitário debilitado. Elas desempenham um papel fundamental na bioconservação de
uma grande variedade de alimentos fermentados, permitindo o seu consumo com
segurança. São ainda de referir os seus potenciais benefícios nutricionais resultantes da
biodisponibilidade de minerais, produção de aminoácidos e vitaminas, aumento da
digestibilidade da lactose e eliminação de toxinas endógenas e de compostos
3
antinutricionais de alimentos de origem vegetal. Os produtos fermentados apresentam
caraterísticas de aroma, sabor, aparência visual, textura, consistência, durabilidade e
segurança, diferente das matérias-primas que lhes deram origem ou de outros alimentos
semelhantes e que não sofreram fermentação (Hutkins, 2006).
Os produtos cárneos fermentados são deliberadamente inoculados ou maturados
durante o seu ciclo de produção, permitindo uma atividade microbiana suficiente para
produzir modificações nas caraterísticas do produto. Apesar dos microrganismos serem
geralmente adversário no processamento da carne, nos produtos fermentados a
tecnologia de fabrico assenta numa atividade microbiana controlada de tipos de
bactérias específicos e, por vezes, também leveduras (Bacus, 1986). Para que o produto
a fermentar esteja provido da microflora mais adequada, existem basicamente dois
processos, para além da fermentação com a microflora naturalmente presente nas
matérias-primas, a retro-inoculação, feita com material proveniente de um lote já
fermentado ou em fermentação, e a utilização de culturas de arranque, supridas ao
fabricante na forma congelada ou liofilizada (Ricke e Keeton, 1997). Esta última
modalidade, atualmente a mais frequente ao nível de fabrico industrial de enchidos
fermentados, só a partir dos anos 50 é que começou a ser realizada decorrente de
trabalhos de investigação então realizados por Niven, Deibel e Niinivaara, tendo sido
somente nos anos 70 que a sua utilização se vulgarizou ao nível industrial com a
comercialização de várias culturas de arranque por diversos laboratórios (Pedersen,
1979).
A adição de microrganismos, ou o favorecimento do seu desenvolvimento em
produtos cárneos, tem diferentes propósitos, nomeadamente incrementar a segurança
sanitária e a capacidade de conservação através da inibição de microrganismos
patogénicos ou deteriorativos, assegurar modificações organoléticas promovendo a
diversidade de produtos oferecidos ao consumidor, providenciar benefícios específicos
para a saúde humana através de um efeito positivo sobre a microflora intestinal (Talon e
Leroy, 2006). Dos microrganismos habitualmente envolvidos na fermentação de
produtos cárneos encontram-se bactérias do ácido láctico (BAL), cocos Gram positivos
catalase negativa (SCN1) , nomeadamente espécies de Staphylococcus não patogénicos
1
Para efeitos de simplificação de linguagem e coordenação com as abreviaturas utilizadas
internacionalmente, no presente trabalho este grupo será referido com SCN (Staphylococcus coagulase
negativa)
4
e de Kocuria e, em alguns casos, leveduras e bolores. As BAL são utilizadas
fundamentalmente pela produção de compostos de caráter antimicrobiano, dos quais se
destacam os ácidos, cujas consequências ao nível da capacidade de conservação e
segurança sanitária, tal como ao nível das características organoléticas, são
inquestionáveis. Aos restantes, e particularmente aos SCN, têm sido atribuídas
responsabilidades na redução de nitrato a e degradação de peróxido de hidrogénio, com
vantagens ao nível da qualidade e estabilidade da cor dos produtos, tal como na
degradação de compostos azotados e lipídicos, com repercussões não negligenciáveis ao
nível do flavor dos produtos (Montel et al. 1994, Toldra, 2008).
O designativo BAL não corresponde a um estatuto taxonómico oficial, sendo
geralmente utilizado por conveniência para descrever um grupo de bactérias genética e
funcionalmente relacionadas (Hutkins, 2006). De acordo com a síntese apresentada por
Talon e Leroy (2006), as espécies de BAL atualmente empregues em culturas de
arranque pertencem principalmente às espécies Lactobacillus curvatus, L. sakei, L.
plantarum, L. pentosus, Lactococcus lactis, Pediococcus acidilactici e P. pentosaceus,
às quais os autores apresentam ainda algumas bactérias que não estão habitualmente
associadas a este ecossistema, mas que têm vindo a ser testadas em enchidos pelo seu
caráter probiótico, L. alimentarius, L. casei e Bifidobacterium spp.. Dessa lista de BAL
têm sido as três primeiras apontadas de Lactobacillus e as de Pediococcus as que
historicamente têm sido, com mais frequência empregues em culturas de arranque e
isoladas de enchidos fermentados, naturalmente, ou não (Patarata, 2002).
Morfologicamente, são bacilos ou cocos Gram positivos não móveis ou
raramente
móveis
e
que
não
formam
endosporos.
São
microrganismos
quimioorganotróficos, muito exigentes do ponto de vista nutritivo. Durante muito tempo
foi unanimemente aceite que as BAL têm um metabolismo estritamente fermentativo,
sendo algumas microaerófilas, mas mesmo as anaeróbias são aerotolerantes (Lucke,
2000). A ausência de citocromos ou outras proteínas de transporte de eletrões nunca
tinham sido detetadas em BAL, pelo que era assumido que nunca poderiam ter atividade
respiratória. Porém, no início do século XXI, vários investigadores têm demonstrado
que algumas espécies, principalmente de Lactococcus e Leuconostoc, têm capacidade
respiratória, desde que o meio de cultura tenha as condições adequadas para o efeito.
Mesmo nessas espécies em que foi detetada a possibilidade de realização de atividade
respiratória, a via fermentativa continua a ser a preferencial para obtenção de ATP
5
(Duwat et al. 2001). Ainda que as espécies em que foi detetada atividade respiratória
não sejam habitualmente utilizadas em fermentação de produtos cárneos, isso não
significa que noutras espécies essa atividade não esteja também presente. O seu
desconhecimento atual pode depender somente de não ter sido ainda alvo de
investigação especializada.
As BAL suportam valores de pH muito baixos, sendo a tolerância à acidez uma
caraterística variável entre estirpes. Não são patogénicas por via alimentar, e raramente
foram associadas a processos infeciosos por via não alimentar.
Dos SCN, são algumas espécies de Staphylococcus coagulase negativa não
patogénicos as que têm sido utilizadas com maior frequência, sendo a aplicabilidade em
culturas de arranque partilhada principalmente por duas espécies, S. xylosus e S.
carnosus. Também S. equorum e algumas espécies de Kocuria, designadamente
K.varians e K. kristinae, têm sido apontadas como potenciais componentes de culturas
de arranque (Hammes e Hertel, 1998). Neste grupo de microrganismos, a abundância
relativa das espécies isoladas de enchidos fermentados naturalmente nem sempre é
coincidente com a microbiota que se introduz em culturas de arranque (Patarata, 2002).
Os SCN são anaeróbios facultativos, sendo o seu crescimento muito favorecido pela
presença de oxigénio, o que coloca algumas limitações à otimização da sua utilização
em enchidos fermentados devido à ausência de oxigénio no interior do produto. Esta
caraterística dos SCN confere-lhes uma desvantagem competitiva considerável, quer em
relação às BAL, quer em relação à microflora patogénica ou deteriorativa que se
pretenda controlar no produto cárneo. Por esse motivo, apesar dos SCN apresentarem in
vitro aptidões interessantes para competir com a microflora indesejável, a sua utilização
em produtos é sistematicamente preterida em relação às BAL, cuja capacidade de
implementação e competição no meio são inquestionáveis (Pridmore et al, 1996, Montel
et al, 1998).
Muitos dos microrganismos empregues em culturas de arranque têm a sua
origem associada a produtos fermentados naturalmente, sendo frequente o seu
isolamento e seleção a partir de um ecossistema similar àquele onde se objetiva a sua
aplicação. A grande diversidade de caraterísticas que essa microflora encerra, permite
que se possam procurar nesse reservatório natural, biótipos que respondam a
necessidades específicas (Ammor et al., 2006).
6
Como previamente indicado, as funções das culturas de arranque em produtos
cárneos podem ser agrupadas em duas vertentes principais. Modificação das
caraterísticas sensoriais e melhoria da capacidade de conservação e segurança sanitária.
Face aos objetivos do presente trabalho, esta revisão bibliográfica situar-se-á nos
aspetos relacionados com a capacidade de conservação e segurança sanitária, e por
inerência, nas BAL que são o grupo de microrganismos com maior, senão o único,
interesse nessa função.
2.2.1. Aptidão Tecnológica das Bactérias do Ácido Láctico
2.2.1.1. Capacidade competitiva e de adaptação ao ambiente dos produtos cárneos
As BAL encontram-se muito bem adaptadas às condições ambientais dos
enchidos fermentados, conferindo-lhes uma grande vantagem competitiva. Há duas
caraterísticas que numa fase inicial do processo de fabrico colocam as BAL em situação
de vantagem competitiva, o tipo respiratório anaeróbio ou microaerófilo e a capacidade
para se multiplicar a temperaturas reduzidas (Reis et al. 2012).
Considerando que a microflora inicial da massa do enchido a fermentar é
constituída fundamentalmente pela microbiota natural da carne, esta inclui
Enterobacteriaceae, Pseudomonas spp., SCN e BAL naturais da matéria-prima, de
entre outros (Huis in 't Veld, 1996). A vantagem das BAL (naturais das matérias primas
ou adicionadas sob a forma de cultura de arranque) em relação às enterobacteriaceas é
estabelecida fundamentalmente pela capacidade das BAL crescerem a temperaturas
reduzidas, uma vez que ao nível do tipo respiratório as BAL não têm qualquer vantagem
em relação a essas bactérias Gram negativas, que também são maioritariamente
anaeróbias facultativas. A competição com pseudomonas é vantajosa para as BAL pela
capacidade de multiplicação na massa do enchido com acesso a oxigénio muito
limitado, uma vez que a temperatura reduzida dessa fase de fabrico é também favorável
à multiplicação de pseudomonas. Adicionalmente, essas bactérias Gram negativas têm a
sua capacidade de multiplicação comprometida também pela utilização de sal e outros
ingredientes e aditivos, aos quais as BAL são comprovadamente resistentes (Ammor e
Mayo, 2007, Vignolo et al. 2008).
7
A competição com SCN é estabelecida principalmente pela vantagem
competitiva que as BAL têm na ausência de oxigénio. Mesmo quando se usam culturas
de arranque mistas com BAL e SCN, é comum as primeiras apresentarem crescimento
assinalável durante o processo, enquanto que nas segundas, a melhor expectativa é que
se mantenham no nível de inoculação (Montel et al, 1998). Em enchidos portugueses,
em que a fumagem é frequentemente utilizada, a viabilidade dos SCN fica ainda mais
comprometida, pois na zona superficial do enchido – onde o maior acesso ao oxigénio
poderia favorecer a sua multiplicação – há deposição de inúmeros compostos com ação
antimicrobiana que contribuem negativamente para a viabilidade dessa microflora
(Patarata, 2002).
Após uma primeira fase de repouso da mistura em refrigeração, o enchido é
submetido a temperaturas mais elevadas para estimular a atividade das culturas de
arranque – o que nas tecnologias de fabrico do norte da Europa corresponde à fase de
fermentação, com colocação dos enchidos em estufas com temperaturas compreendidas
entre os 16 e os 26ºC – cuja seleção dependente do tipo de enchido, dimensões, teor em
glícidos adicionados, de entre outros fatores (Feiner, 2006). Nos enchidos portugueses,
que não são deliberadamente fermentados, na medida em que não são habitualmente
adicionadas culturas de arranque nem glícidos fermentescíveis, a multiplicação da
microbiota lática será estimulada pelo aquecimento associado ao processo de fumagem,
que pode variar entre os 15 e os 30ºC (Colaço-do-Rosário et al, 2000). Com a entrada
das BAL na fase exponencial de crescimento, a viabilidade da restante microbiota fica
ainda mais comprometida, pois começam a ser produzidos compostos de caráter
antimicrobiano pelas BAL, que melhoram consideravelmente a sua posição competitiva.
Adicionalmente, as modificações do enchido decorrentes do processo de fabrico,
nomeadamente a secagem com a consequente redução da atividade da água, contribuem
também para a melhoria da situação competitiva das BAL, particularmente em relação à
microflora Gram negativa presente no enchido (Leistner, 1992).
Essa capacidade de crescimento em enchidos, conforme indicada por vários dos
autores supra referidos, tem paralelo no fabrico de enchidos portugueses,
nomeadamente no fabrico de chouriço de vinho, onde se poderia suspeitar que a
marinada da carne em vinho poderia eventualmente comprometer a capacidade
competitiva das BAL. Como se pode observar na figura 2.1, as BAL apresentam uma
elevada capacidade de multiplicação, atingindo valores compreendidos entre 7 e 9 log
8
ufc/g ao fim de 30 dias de maturação. Merece destaque o facto da microbiota lática nos
enchidos não inoculados, que estava abaixo do limite de deteção na fase inicial de
fabrico, atingir valores próximos dos observados nos enchidos inoculados.
10
9
8
log ufc/g
7
Não inoculado, sem
glícidos
6
Não inoculado, com 2%
glícidos
5
4
Inoculado com L. sakei,
sem glícidos
3
2
Inoculado com L. sakei,
com 2% glícidos
1
0
1
7
15
Tempo (dias)
30
60
Figura 2.1. Evolução da contagem de BAL em chouriço de vinho inoculado ou não
com uma cultura de arranque de L. sakei, com e sem adição de glícidos
(glucose+lactose); adaptado de Diez e Patarata (2013).
Os mesmos autores indicam que a microbiota natural Gram negativa, não só não
aumentou, como deixou de ser detetada à medida que o processo de secagem/maturação
progrediu no tempo.
2.2.1.2. Atividade antagonista
Num processo de fabrico de enchidos fermentados, mesmo que a acidificação
seja rápida no início do processo, nem todos os problemas de segurança sanitária ficam
9
resolvidos. Este problema é particularmente sensível nos produtos de cura rápida, que
são pouco secos. Apesar do controlo de pseudomonas, enterobacteriaceae ser
conseguido com alguma facilidade, prevenindo a deterioração do produto, a
probabilidade de sobrevivência (e eventual toxinogenese) por parte de Staphylococcus
aureus, Escherichia coli, Salmonella, e Listeria monocytogenes deve ser considerada
com preocupação. Tal como revisto por Moore (2004) e Leroy et al (2006), têm sido
registados alguns casos de toxinfeções alimentares envolvendo produtos cárneos
fermentados, cujo agente etiológico é um dos supra-referidos. Por outro lado, alguns
trabalhos revelam que são encontrados microrganismos patogénicos em enchidos
acabados, o que em alguns casos representa alguma preocupação (Esteves et al. 2006,
Talon et al, 2012).
No sentido de precaver a saúde do consumidor, a UE estabeleceu limites à
presença de alguns daqueles microrganismos patogénicos nos alimentos prontos a
consumir (quadro 2.1). Ao nível da presença de Salmonella spp. é exigida a sua
ausência em 25g de produto. Já no que se refere a Listeria monocytogenes, o
regulamento 1441/2007 não exige a sua ausência em 25g, desde que se assegure e
demonstre que ao alimento não permite o crescimento do microrganismo durante a sua
vida útil e que não seja consumido por grupos de risco. Quando essa premissa não é
assegurada, o produto terá que sair da responsabilidade do operador com Listeria
monocytogenes ausente em 25g.
Dada a potencial dificuldade em controlar aqueles dois microrganismos
patogénicos, a tendência que se tem observado ao nível da indústria é a de pasteurizar os
enchidos fermentados, com potencias perdas a nível sensorial. Assim, a utilização de
culturas de arranque selecionadas podem ser uma estratégia importante para conseguir
controlar adequadamente a microflora patogénica potencialmente presente em enchidos
fermentados.
10
Quadro 2.1. Critérios de segurança dos géneros alimentícios. Adaptados do
regulamento (CE) nº 1441/2007 de 5 de Dezembro de 2007
Categoria de alimentos
Microrganismos
Alimentos prontos para
consumo susceptíveis de
permitir o crescimento de
L. monocytogenes, excepto
os destinados a lactentes e
a fins medicinais
específicos
Listeria
monocytogenes
Alimentos prontos para
consumo não susceptíveis
de permitir o crescimento
de L. monocytogenes,
excepto os destinados a
lactentes e a fins
medicinais específicos
Produtos à base de carne
destinados a serem
consumidos crus,
excluindo aqueles em que
o processo de fabrico ou a
composição do próprio
produto eliminarão o risco
relativamente à
Salmonella
Plano de
amostragem
n
c
5
0
Limites
100
ufc/g
5
0
Ausência
em 25 g
Listeria
monocytogenes
5
0
5 0 100
ufc/g
Salmonella
5
0
Ausência
em 25 g
Fase em que o critério
se aplica
Produtos colocados no
mercado durante o seu
período de vida útil
Antes de o alimento
deixar de estar sob o
controlo imediato do
operador da empresa do
sector alimentar
que o produziu
Produtos colocados no
mercado durante o seu
período de vida útil
Produtos colocados no
mercado durante o seu
período de vida útil
2.2.1.2.1. Ácidos orgânicos
A produção de ácido é um processo fundamental no fabrico de produtos cárneos
fermentados; como tal é frequente a adição de glícidos fermentescíveis às massas, tendo
sempre em atenção a microbiota que os irá utilizar e os produtos finais formados.
Geralmente, quando se pretende uma rápida acidificação, adiciona-se glucose, por ser
prontamente metabolizada; quando se pretende uma fermentação mais lenta, utilizam
dissacáridos, como a lactose ou a sacarose (Acton et al., 1977, Liepe et al, 1990).
A maioria das BAL fermenta a glucose em ácido láctico, em condições normais
de substrato e acesso limitado a oxigénio. Existem, no entanto, alguns fatores que
influenciam esse padrão, designadamente: a disponibilidade ou tipo de glícido, o pH do
meio e a presença de oxigénio. Quando ocorre fermentação mista, verifica-se também
produção, de ácido acético, ácido fórmico, etanol, dióxido de carbono e outros
compostos. A redução do pH está associada à modificação da capacidade de retenção de
água das proteínas, favorecendo a desidratação e a ligação da massa, conferindo a
11
textura firme e fatiável ao enchido. A presença de ácidos interfere no sabor e aroma
caraterísticos do produto, no entanto, quando em quantidades excessivas originam
flavour anormal (Cocconcelli e Fontana, 2008).
A evolução caraterística do pH de um enchido fermentado contempla uma fase
inicial de redução acentuada de pH, decorrente da fermentação dos glícidos
principalmente pelas BAL (figura 2.2). Essa redução inicial é um fator determinante no
controlo da microbiota indesejável nessa fase do processo, que poderá ser considerada
das mais sensíveis, pois o aumento de temperatura para favorecer a multiplicação das
BAL também poderá permitir a multiplicação de microbiota indesejável, nomeadamente
de alguns microrganismos patogénicos. Após a acentuada redução inicial, observa-se
habitualmente um ligeiro aumento do pH. Esse deve-se à difusão do ácido na carne e à
manifestação da sua capacidade tampão, mas também à produção de compostos
alcalinos durante a maturação do enchido, principalmente a partir da fração azotada
(Demeyer, 1992).
6
5.8
5.6
Não inocula do, sem
glícidos
log ufc/g
5.4
5.2
Não inocula do, com 2%
glícidos
5
Inoculado com L. sakei,
sem glícidos
4.8
4.6
Inoculado com L. sakei,
com 2% glícidos
4.4
4.2
1
7
15
Tempo (dias)
30
60
Figura 2.2. Evolução pH em chouriço de vinho inoculado ou não com uma cultura de
arranque de L. sakei, com e sem adição de glícidos (glucose+lactose);
adaptado de Diez e Patarata (2013).
12
O efeito antimicrobiano dos ácidos pode estar relacionado com vários fatores,
designadamente: redução do pH do meio, redução do pH intracelular por entrada de
ácido através da membrana celular, o que resulta no aumento do consumo de ATP
celular com o fim de bombear para fora da célula os protões em excesso, alteração da
permeabilidade celular por interferência das proteínas membranares responsáveis pelo
transporte ativo de nutrientes e redução da capacidade de produção de ATP; toxicidade
celular devido à acumulação de compostos alcalinos no interior da célula (Axelsson,
1993). A resistência das próprias BAL ao reduzido pH decorre de um conjunto de
mecanismos de que estas bactérias dispõem. O mecanismo de primeira linha é aquele
que é comum a todas as bactérias – a bomba de protões dependente de ATP. Para além
desta estratégia, as BAL podem atenuar o efeito da elevada concentração de H+ por
produção de compostos de caráter alcalino, principalmente a partir de aminoácidos como acontece com a produção de aminas. Para além dessas estratégias, pode também
haver recurso à síntese de proteínas de proteção e mudanças na composição da parede
celular. Estes mecanismos equilibram o impacto negativo da redução de pH intracelular,
que pode levar à perda de atividade das enzimas glicolíticas – que são relativamente
sensíveis à redução de pH – o que comprometeria a capacidade para produzir ATP e
comprometeria irremediavelmente o mecanismo primário de defesa face à redução de
pH, a bomba de protões dependente do ATP. A acidificação intracelular e os
mecanismos de defesa não forem suficientes, resulta em danos estruturais ao nível da
membrana celular e macromoléculas, como o DNA e proteínas que comprometem a
viabilidade da bactéria (Cotter e Hill, 2003).
2.2.1.2.2. Bacteriocinas
As bacteriocinas representam um grupo relativamente heterogéneo de compostos
péptidicos com propriedades antimicrobianas (Jack et al., 1995). Actuam geralmente
contra bactérias taxonomicamente relacionadas, mas não contra o organismo que as
produz (Lucke, 1992).
O conhecimento instituído até ao final do século XX estabelecia que as
bacteriocinas produzidas por bactérias Gram positivas tinham um espetro de ação
limitado a bactérias também elas Gram positivas (Chen e Hoover 2003). Essa assunção
13
derivava do facto do alvo das bacteriocinas ser principalmente a membrana plasmática,
havendo um efeito protetor dos exopolissacáridos da sua ação membrana das bactérias
Gram negativas. Porém, a abundante investigação que tem sido realizada sobre o tema
tem
demonstrado
que
o
espetro
de
ação
das
bacteriocinas
pode
variar
significativamente, do caso das lactococcinas que têm um espetro muito estreito, restrito
a outros Lactococcus spp., até bacteriocinas com espetros de ação extraordinariamente
largos, como é o caso da nisina. Contrariamente ao conhecimento instituído, há
evidências experimentais de que existem bacteriocinas ativas contra bactérias Gram
negativas, e de entre essas, com interesse na conservação e segurança sanitária de
produtos cárneos. Messi et al. (2001) demonstraram a eficácia da plantaricina 35d
contra Aeromonas hydrophyla. Em 2005 Abriouel et al (2005) e Todorov et al. (2005)
revelaram a ação de enterocina e de uma plantaricina, respectivamente, sobre várias
bactérias Gram negativas, nomeadamente Escherichia coli, Salmonella spp., Shigella
sonnei e Pseudomonas aeruginosa. Mais recentemente, Gong et al. (2010)
evidenciaram a atividade da plantaricina MG contra Salmonella spp. e E. coli, que são
dois microrganismos patogénicos que causam elevada preocupação na indústria de
produtos cárneos. Mills et al. (2011) apontam que a eficácia das bacteriocinas contra as
bactérias Gram negativas pode ser melhorada se a membrana exterior da célula for
desestabilizada por qualquer outro factor conservante do meio, como a presença de
agentes quelantes. Esses agentes, ao imobilizarem o ião Mg2+ do lipopolissacárido da
parte exterior da membrana, vão levar à sua rutura, resultando numa célula muito
sensível às bacteriocinas (Deegan et al. 2006).
O efeito inibidor das bacteriocinas resulta fundamentalmente da indução de
formação de poros, da interferência com a força protão-motiva e com os mecanismos de
transporte ativo (Abee et al., 1995).
Para além de serem capazes de inibir grande parte das bactérias patogénicas e
deteriorativas o seu uso é preferível ao dos antibióticos, na medida em que as
bacteriocinas são degradadas por proteases presentes ao nível do trato gastrointestinal,
levantando menos preocupações ao nível da sua segurança para o consumidor.
Klaenhamner (1993) classificou as bacteriocinas em 4 grupos principais de
acordo com a sua termoestabilidade, o comprimento e sequência da cadeia de
aminoácidos. As bacteriocinas pertencentes às classes I e II são de longe as mais
14
estudadas, visto surgirem em maior número e serem as que melhor se ajustam às
aplicações industriais. Das bacteriocinas que fazem parte da classe I destaca-se a nisina,
produzida por Lactococcus lactis, associada fundamentalmente ao ambiente lácteo. Na
classe II encontram-se muitas das bacteriocinas produzidas por bactérias com interesse
para a indústria dos produtos cárneos, nomeadamente pediocina, carnobacteriocina,
sakacina, curvacina e plantaricina (Hugas, 1998). Estas bacteriocinas têm-se mostrado
muito úteis no controlo de microrganismos patogénicos, principalmente Listeria
monocytogenes, mas também Staphylococcus aureus, Clostridium perfringens, Bacillus
cereus, de entre outros (Heng et al. 2007).
A nisina é a bacteriocina mais importante das BAL e melhor caraterizada. A
informação disponível relativa ao uso desta bacteriocina em produtos de salsicharia
fermentados e curados são equívocos. Comparativamente com a que se usa na indústria
lática, a nisina utilizada nos produtos cárneos não tem sido muito bem sucedida, devido
à sua baixa solubilidade, distribuição irregular no produto e instabilidade, além do facto
de que a dose necessária para ser eficaz não é economicamente viável (Vandenbergh,
1993).
Mesmo tendo em conta todas as vantagens das bacteriocinas, não podemos
descurar algumas limitações que poderão condicionar a sua eficácia enquanto
bioconservantes alimentares. Em primeiro lugar, o facto de não serem tão eficazes
contra bactérias Gram negativas, em segundo lugar, não serem eficazes sobre todas as
espécies de bactérias patogénicas e deteriorativas (células e esporos), em terceiro lugar é
importante referir que mesmo em estirpes de bactérias Gram positivas sensíveis a essa
ação, existem células que são insensíveis às bacteriocinas; por último, se os produtos
forem armazenados por períodos de tempo demasiadamente longos, então observa-se
uma certa instabilidade nas bacteriocinas (Riley e Chavan, 2007).
De entre os fatores do meio que podem condicionar a ação das bacteriocinas,
destaca-se a sua estabilidade face ao pH do meio. Está descrita a atividade da bavaricina
A entre pH 1,3 e 9,7 (Larsen et al, 1993) e da plantaricina ST31 entre pH 3,0 e 8,0
(Todorov et al., 1999), no entanto, a atividade destas duas bacteriocinas foi
significativamente reduzido a pH alcalino perdendo-se a pH 12,5 e pH 9,0,
respetivamente. Contudo, os trabalhos desenvolvidos por Mortvedt-Abildgaard et al.,
(1995) demonstram que a produção de lactocina S por L. sakei L45 varia quando o pH
15
do meio de cultura é alterado entre 5,0, 5,6 e 6,0, sendo que a maior produção se
verificava para pH 5,0.
Quando se pretende inocular num produto uma BAL bacteriocinogénica, há que
ter em consideração as condições ótimas para o crescimento da cultura e as condições
mais eficazes para a sua atuação. Leroy & De Vuyst (1999) demonstraram que o pH
ótimo para o crescimento de culturas de L. sakei CTC494 era pH 6,0 enquanto a
produção da sakacina K era máxima a pH 5,0, concluindo que a adsorção às células do
meio de cultura da estirpe sensível podia reduzir a atividade desta substância. Galvez et
al. (2007) esquematizaram o conjunto de fatores que condicionam a eficácia da
produção de bacteriocinas in situ (figura 2.3). Como se pode observar, há uma
interligação entre todos os fatores envolvidos no fabrico do produto que se influenciam
mutuamente.
Estrutura do
alimento
e capacidade
tampão
Composição do
alimento
Estirpe bacteriocinogénica
Capacidade de implementação e proliferação
Adaptação ao ambiente do alimento
Sensibilidade aos fatores ambientais (aditivos,
fagos, bacteriocinas)
Produção de bacteriocinas (constitutiva ou
induzida, taxa de produção)
Estabilidade da bacteriocina
A bacteriocina
Processamento
do alimento
Atividade no alimento
Interação com fatores de conservação
Espectro de ação
Estabilidade
Fatores físicoquímicos (pH,
temperatura,
aw, O2, CO2,
potencial redox,
tempo)
Carga microbiana
Estado fisiológico
Interações microbianas
Diversidade microbiana
Figura 2.3. Influência de diferentes fatores que condicionam a eficácia da produção de
bacteriocinas in situ para a biopreservação (adaptado de Galvez et al. 2007).
16
2.2.1.2.3. Outros compostos
O peróxido de hidrogénio pode ser produzido pelas BAL na presença de
oxigénio. O seu efeito bactericida tem sido atribuído à forte ação oxidante que possui na
célula bacteriana e à destruição da estrutura molecular básica das proteínas celulares.
Não obstante, a sua presença nos produtos cárneos processados pode trazer dissabores,
favorecendo o esverdeamento e a rancificação dos mesmos (Hugas et al., 1998).
O diacetilo tem também demostrado uma potencial ação no controlo de
microrganismos
indesejáveis
nomeadamente
E.
coli
O157:H7
e Salmonella
Typhimurium (Kang e Fung, 1999). A formação de diacetilo (2,3-butanodiona) interfere
também no aroma dos produtos fermentados, tendo este composto um reduzido limiar
de deteção a nível olfativo e conferindo sabor a manteiga o que pode ser depreciativo
quando excessivo. A presença de diacetilo em enchidos foi relacionada com L.
plantarum e com algumas espécies de Staphylococcus envolvidas na maturação de
produtos cárneos, referindo-se que podem produzir quantidades consideráveis deste
composto (Ramon et al., 1992).
2.2.2. Potencial Aptidão Probiótica das Bactérias do Ácido Láctico
As BAL constituem provavelmente o grupo mais numeroso de bactérias
relacionadas com os seres humanos. Estas bactérias encontram-se naturalmente
associadas às superfícies das mucosas, particularmente nos tratos gastrointestinal,
respiratório e genital do Homem e de outros animais e são também indígenas em
habitats muito diversos, desde produtos alimentares (leite e derivados, vegetais, frutos,
cereais, carne, peixe, vinho) a solo, água, estrume e águas residuais (Mills et al. 2011).
O benefício que o consumo de BAL, através da ingestão de alimentos, pode
representar para a saúde humana, foi reconhecido no princípio do século XX, pelos
trabalhos de Élie Metchnikoff - Prémio Nobel da Medicina em 1908 - relacionados com
a longevidade da população caucasiana, frequente consumidora de leites fermentados
(Heller, 2001). O conceito que desenvolveu serviu de base ao que hoje é reconhecido
como probiótico definido por Salminen et al. (1998) como um microrganismo viável,
bactéria ou levedura, que tem um efeito benéfico na saúde do hospedeiro que o ingere.
17
O consumo de alimentos que incluam esses microrganismos, também designados por
alimentos probióticos, conduz à modulação da microflora do tracto gastrointestinal do
hospedeiro, reduzindo a importância da microflora potencialmente nociva e estimulando
os mecanismos de defesa natural, resultando numa série de alegados benefícios para a
saúde. Tais benefícios incluem atividade antimicrobiana e prevenção de infeções
gastrointestinais, melhoria no metabolismo de lactose, propriedades antimutagénicas,
propriedades anticarcinogénicas, redução do colesterol sérico, propriedades antidiarréicas, estimulação do sistema imunológico, melhoria na doença inflamatória
intestinal crónica e supressão de infeção por Helicobacter pylori .
Têm sido estudados várias culturas de bactérias probióticas, a maioria
deles são naturais do no trato digestivo do Homem e de animais saudáveis. Os mais
comuns pertencem a dois géneros Lactobacillus e Bifidobacterium, mas outros
microorganismos incluindo Enterococcus, Streptococcus, e algumas leveduras como
Saccharomyces cerevisiae (Holzapfel, 1998, Anal e Harjinder, 2007).
Alguns destes benefícios de saúde têm mostrado resultados promissores em
modelos animais e mesmo em ensaios com humanos. Porém, os organismos reguladores
do setor alimentar mantêm ainda uma prudência razoável quanto às alegações que
podem ser feitas na rotulagem e publicidade destes produtos, pois ainda há uma dúvida
razoável sobre a dimensão dos alegados efeitos positivos na saúde humana. De acordo
com o ponto nº 23 do preâmbulo do Regulamento (CE) 1924 (2006), “as alegações de
saúde só deverão ser autorizadas para utilização na Comunidade depois de uma
avaliação científica do mais elevado nível possível. A fim de assegurar uma avaliação
científica harmonizada destas alegações, a Autoridade Europeia para a Segurança dos
Alimentos deverá efetuar as referidas avaliações (…)”. Esse ponto é materializado no
nº14 desse regulamento que define as condições para puder utilizar “As alegações
relativas à redução de um risco de doença e alegações relativas ao desenvolvimento e à
saúde das crianças”. A utilização dessas alegações carece de autorização prévia, feita a
pedido do agente económico interessado, e tem uma tramitação de análise da prova
científica por parte de um painel especializado. Se essa autorização não for concedida,
independentemente do investimento feito pelo agente económico em investigação, e da
tendência da prova científica lhe ser potencialmente favorável, a alugação não poderá
ser utilizada. A título de exemplo, apresentam-se três decisões relativas ao efeito
probiótico tomadas pelo painel científico da EFSA em Produtos Dietéticos, Nutrição e
18
Alergias, publicadas no EFSA Journal. Uma delas refere-se aquele que deve ser o mais
mediático dos alimentos probióticos – o Actimel da Danone. Com base em dezenas de
artigos publicados, o requerente pretendia autorização para alegar que o consumo
daquele leite fermentado reduzia as diarreias por Clostridium difficile. O pedido foi
reprovado pelo painel da EFSA porque as evidências fornecidas para estabelecer a
relação de causa e efeito entre o consumo de Actimel e a redução do risco de diarreia
por C. difficile eram insuficientes (EFSA, 2010). Em 2013, a mesma agência não
autorizou a Fuko Pharma Ltd. a alegar que o consumo de Lactobacillus rhamnosus GG
normalizava a defecação em situação de diarreias provocadas pelo consumo de
antibióticos e a PiLeJe a alegar que o consumos de Bifidobacterium longum LA 101,
Lactobacillus helveticus LA 102, Lactococcus lactis LA 103 e Streptococcus
thermophilus LA 104 aumentava a frequência da defecação (EFSA, 2013a, b). Assim, o
investimento que tem sido feito em investigação, não se pode traduzir diretamente numa
mais-valia comercial para o fabricante. Porém, e sendo conhecidas as fortes limitações
regulamentares, as culturas probióticas têm sido exploradas extensivamente pela
indústria de laticínios como uma ferramenta para o desenvolvimento de novos produtos
funcionais. Estima-se que haja muitas dezenas de produtos probióticos comercializados
no mundo, a lista tem sido continuamente expandindo. Os probióticos foram
incorporados no iogurte e outros produtos lácteos, como o queijo. Mais recentemente
esta hipótese foi estudada pra produtos comestíveis como maionese e também em
produtos cárneos (Arihara et al., 1998). Os microrganismos probióticos também estão
disponíveis comercialmente, em leite azedo, sumos de frutas, gelados e produtos à base
de aveia (Leroy e De Vuyst, 2004).
A utilização de culturas probióticas em produtos cárneos tem algumas limitações
de caráter técnico, nomeadamente, a quantidade de células viáveis que podem ser
ingeridas pelo consumo de enchidos fermentados que, a ser demasiado reduzida,
desvirtua a lógica da sua aplicação, assim como a eventual inadaptação da cultura
bacteriana ao ambiente do enchido fermentado, ou a modificações das caraterísticas
organoléticas incomportáveis (Hammes e Haller, 1998). Apesar disso, têm sido
realizados diversos estudos que equacionam essa utilização de probióticos em enchidos
fermentados. Esses estudos assentam em dois eixos principais. Por um lado, tem-se
tentado incluir em alimentos fermentados espécies de caráter probiótico comprovado.
Arihara et al. (1998) mostraram que L. gasseri JCM1131 é aplicável para a fermentação
19
de produtos cárneos e melhorar a sua segurança. A utilização em enchidos fermentados
do potencial probiótico L. rhamnosus e L. paracasei subsp. paracasei foi estudada por
Sameshima et al. (1998) e de L. rhamnosus por Erkilla et al. (2000a, 2001a, b). Por
outro lado, tem disso estudada a possibilidade de utilizar estirpes selecionadas de BAL
habitualmente empregues na fermentação de enchidos. Nomeadamente L. sakei e
Pediococcus acidilacticci usados correntemente como cultura de arranque (Erkilla et al.,
2000b). Essa seleção visa escolher aquelas estirpes que apresentam características que
lhe confiram esse potencial probiótico. Os critérios chave critérios de seleção para
probióticos são esquematizados na figura 2.4.
Genericamente, uma bactéria com caráter probiótico deve conseguir chegar de
forma viável ao intestino do consumidor, para ai se poder instalar e manifestar as
propriedades que alegadamente conferem uma vantagem à saúde do consumidor. Para
isso, é necessário que durante a vida de prateleira do alimento a BAL se mantenha uma
elevada viabilidade, e que ao ser ingerida consiga resistir à adversidade do reduzido pH
do estômago e da presença de sais biliares no intestino delgado. Se uma BAL conseguir
ultrapassar essas duas barreiras, há uma forte probabilidade de que seja um forte
candidato a uma ação probiótica (Kolożyn-Krajewska e Dolatowski. 2012).
Apesar das inúmeras alegações sobre vantagens para a saúde que os probióticos
conferem ao consumidor, aquela que é menos controversa é a de que a colonização do
epitélio da mucosa intestinal que confere uma vantagem por exclusão da microflora
potencialmente nociva que ai se poderia instalar. Assim, outra propriedade que deve ser
procurada numa bactéria a utilizar como probiótica é a sua capacidade para aderir a
superfícies, nomeadamente a tecidos (Haller et al, 2001).
Uma parte considerável da vantagem para a saúde que se alega nos probióticos é
o combate a microrganismos potencialmente nocivos residentes no trato intestinal.
Assim, a atividade antagonista contra bactérias patogénicas é também um aspeto a
valorizar na escolha de um probiótico (Saarela et al. 2000).
20
Origem/ Definição/ Caracterização
Aspetos gerais
Segurança da estirpe e género
Atividade e viabilidade no produto,
aderência, potencial invasivo
Segurança e
estabilidade
Resistência a pH reduzido, suco gástrico, sais
biliares, suco pancreático,
colonização/sobrevivência in vivo
Aderência ao epitélio intestinal/tecidos/
virulência
e/ou
Antagonismo contra patogénicos;
Atividade antimicrobiana
e/ou
Aspetos funcionais e
fisiológicos
Estimulação/supressão da resposta
imunitárias
e/ou
Estimulação seletiva de bactérias benéficas e
supressão de bactérias nocivas
e/ou
Efeitos clínicos secundários em voluntários/
pacientes
Figura 2.4. Critérios de seleção para probióticos (adaptado de Salminen et al., 1998)
Curiosamente, ainda que com objetivos claramente diferentes, há muitas
caraterísticas de uma BAL que interessa simultaneamente à sua função tecnológica na
fermentação de alimentos e à sua potencial função probiótica, nomeadamente a boa
capacidade competitiva, a capacidade para resistir em meios de pH reduzido e a
capacidade para inibir bactérias patogénicas, particularmente a produção de
bacteriocinas.
21
Exemplo disso é L. plantarum, uma bactéria versátil, que pode ser encontrada
numa variedade de nichos ambientais, incluindo em casos de fermentação controlada de
alimentos e no trato gastrointestinal do Homem e outros animais. Diferentes estirpes de
L. plantarum estudadas evidenciaram uma elevada tolerância à exposição consecutiva
ao ácido clorídrico (pH 2,0) e sais biliares. Isso foi observado tanto para estirpes
isoladas de amostras intestinais e para aqueles que foram isoladas de alimentos
fermentados (Rivera-Espinoza e Gallardo-Navarro, 2008).
22
3. Material e Métodos
3.1. Avaliação de características com interesse tecnológico em L. sakei
3.1.1. Microrganismos e condições de crescimento
Foram utilizadas 18 estirpes de Lactobacillus sakei isoladas de enchidos
tradicionais da região de Trás-os-Montes, identificadas fenotipicamente por Patarata
(2002). As culturas estavam conservadas a -18ºC em MRS líquido (Biokar 089) com
15% de glicerol. Antes da utilização, as culturas conservadas foram repicadas duas
vezes em MRS líquido e a sua pureza confirmada por cultura em placa. Para inocular os
meios de cultura específicos das várias propriedades estudadas foi utilizada uma
suspensão de microrganismos em solução de cloreto de sódio (0,85%). Esta foi obtida
de crescimento em 30 ml de MRS líquido a 30ºC durante 16 a 24 h, centrifugada (2500
x g, 20 min) e o sedimento lavado com solução de NaCl 0,85%. A densidade da
suspensão celular foi aferida a cerca de 108 microrganismos por ml por comparação ao
padrão MacFarland 0,5 (Biomérieux 70900).
3.1.2. Atividade antagonista contra microrganismos patogénicos
A pesquisa para atividade antagonista dos 18 isolados de L. sakei foi realizada
de acordo com Schillinger e Lücke (1989). Como bactérias sensíveis neste trabalho
utilizaram-se as seguintes bactérias patogénicas: E. coli O157:H7, L. monocytogenes,
Salmonella spp., e S. aureus em que cada bactéria incluiu uma estirpe de referência de
ATCC 35150, ATCC 7973, CECT 4155 e ATCC 25953 respetivamente e 3 isoladas de
produtos cárneos ou seu ambiente de produção por Patarata et al. (2005), Martins
(2010) e Talon et al. (2012). O procedimento utilizado na reativação das bactérias
patogénicas foi basicamente similar ao supra indicado para as BAL, substituindo o meio
de cultura líquido e sólido por BHI (Oxoid CM225), suplementado com 1,4% de agar
para preparar o sólido e ajustando a temperatura de incubação ao microrganismo em
causa: 37ºC, 24h para E. coli O157:H7, Salmonella spp. e S. aureus e 30ºC para L.
monocytogenes.
23
A partir da suspensão inicial com turvação similar ao padrão MaCFarland 0.5
prepararam-se as diluições necessárias em NaCl 0,85%, de forma a obter um nível de
inoculação de cerca de 6 log UFC/g. Depositou-se 0,01 ml de suspensão celular, sob a
forma de gota, na superfície de MRS agar só com 0,2% de glucose (MRS 0,2), no
sentido de minimizar o efeito da acidez, e incubados a 30ºC anaerobicamente, para
evitar a formação de peróxido de hidrogénio. As suspensões celulares das culturas de
microrganismos a testar como sensíveis foram inoculadas (0,1 ml) em 7 ml de BHI
suplementado com 0,7% de agar (BHI semi-sólido), previamente fundido e arrefecido à
temperatura de sobrefusão. O meio inoculado foi vertido sobre a caixa de Petri onde
tinha ocorrido o crescimento da cultura a testar como produtora. Após incubação (30ºC,
24 h, anaerobiose) pesquisou-se zonas de inibição. Os resultados foram considerados
positivos quando se observou uma zona de inibição de, pelo menos, 0,5 mm.
3.1.3. Crescimento em condições adversas e capacidade de acidificação
Para avaliar a potencial capacidade de implantação e crescimento em enchidos,
testou-se em meio de cultura a capacidade de crescimento e de acidificação em meio de
cultura com diferentes características e a diferentes temperaturas (7ºC, 15ºC e 25ºC). O
ensaio foi conduzido com quatro variantes do meio de cultura: MRS sem carb. MRS
sem hidratos de carbono - glucose (o meio de cultura foi preparado a partir dos
componentes de base, para poder ser suprimida a glucose); MRS com carb. MRS com
a formulação normal que tem 2% de glucose; MRS+i sem carb e MRS+i com carb para
simular o efeito de alguns ingredientes utilizados no fabrico de enchidos, suplementouse o MRS com os ingredientes indicados no Quadro 3.1.
Quadro 3.1. Ingredientes utilizados para suplementar o MRS (indicado na secção de
resultados como MRS+i).
Ingrediente
alho (óleo essencial)
Quantidade no meio de cultura
0.05%
vinho
8%
sal
2%
nitrito
150 mg/L
nitrato
150 mg/L
24
Inoculou-se, em triplicado, 50 ml de meio de cultura com 0,1 ml de suspensão
celular (indicada em 3.1.1.) e incubados durante 4 dias às temperaturas definidas no
ensaio. Diariamente, retirou-se assepticamente 3 ml de meio de cultura e a sua DO foi
medida a 600 nm contra meio de cultura não inoculado. Os resultados são expressos em
DO a 600 nm.
A capacidade de acidificação foi determinada diariamente através da
determinação do pH do sobrenadante (2500 x g, 15 min) do meio de cultura com um
eléctrodo de vidro num medidor de pH Crison modelo micro pH 2002.
3.2. Avaliação de características com potencial probiótico em L. sakei
3.2.1. Tolerância ao ácido
Para avaliar a capacidade dos isolados de L. sakei resistirem à acidez do
estômago, estudou-se a sua capacidade de sobrevivência após incubação em tampão
fosfato pH 2,5. Inoculou-se 0,1 ml de suspensão bacteriana (indicada em 3.1.1) em10
ml de tampão com pH 2,5, e como controlo utilizou-se o mesmo tampão com pH
ajustado a 6,0. Incubou-se 3h a 37ºC. De seguida, preparou-se diluições decimais
sucessivas em NaCl 0,85%, semeou-se em superfície 0,1 ml de MRS sólido e incubouse a 30ºC durante 48h. Os resultados são expressos em log UFC/ml de tampão (Erkkilä
e Petäjä, 2000).
3.2.2. Tolerância aos sais biliares
No sentido de avaliar a capacidade de sobrevivência dos isolados de L. sakei ao
longo do trato digestivo, a resistência a sais biliares foi estudada em MRS líquido
suplementado com 0,15% e 0,30% de sais biliares (e um controlo não suplementado). O
ensaio foi conduzido com microrganismos previamente incubados em tampão fosfato
pH 2,5 (com stresse ácido), para mimetizar a sequência de efeitos adversos do estômago
e da parte superior do intestino delgado, e previamente incubados em tampão fosfato pH
6,0 (sem stresse ácido) como controlo. A preparação foi realizada basicamente como
indicada em 3.2.1, só que com inoculação no tampão fosfato do sedimento do
crescimento em 10 ml de MRS (2500 x g, 15 min). Após incubação, a suspensão celular
25
foi centrifugada (2500 x g, 15 min) para separar as células do tampão fosfato, e as
células foram ressuspendidas em NaCl 0,85% e a sua comparação aferida ao padrão
Macfarland 0,5. Inoculou-se 0,1 ml no MRS suplementado com sais biliares e controlo.
O crescimento da cultura foi monitorizado diariamente até 4 dias de incubação medindo
a DO a 600 nm contra meio de cultura não inoculado. Os resultados são expressos em
DO a 600 nm (Pennacchia et al., 2004).
3.2.3. Capacidade de adesão a intestino delgado de porco
Sendo a capacidade de adesão à mucosa intestinal uma propriedade determinante
para que o microrganismo potencialmente probiótico possa exercer algum efeito,
nomeadamente por competição por exclusão com a microflora nociva que ai possa estar
instalada, estimou-se essa capacidade utilizando um dispositivo com intestino delgado
de porco. O intestino foi obtido num matadouro local, proveniente do abate da véspera.
Após lavagem, este foi cortado em pequenos pedaços quadrangulares de cerca de 6 cm.
Os pedaços foram colocados em anéis de polietileno devidamente desinfetados
(diâmetro 27mm, altura 5mm), prendidos com um grampo de forma a mantê-lo esticado
e o excesso foi cortado (figura 3.1). A desinfeção dos anéis que antecedeu a colocação
do intestino foi feita por imersão em etanol durante 20 minutos seguido de
enxaguamento com água destilada estéril. Preparou-se 3 anéis por cada isolado de L.
sakei.
Figura 3.1. Dispositivo com intestino de porco utilizado para estudar capacidade de
adesão de L. sakei.
26
Contaminou-se 200 ml de MRS com 0,1mL de cada estirpe separadamente,
incubou-se a 30ºC durante 5 h. Fez-se um ensaio de controlo com MRS não inoculado
para avaliar a contaminação natural da tripa, cuja presença em elevado número poderia
criar um viés no ensaio. Os anéis foram individualmente retirados do meio de cultura e
lavados em 200 ml de NaCl 0,85%, agitando-os manualmente durante 30 s, para libertar
os microrganismos não aderentes. De seguida, recortou-se o círculo de intestino com
material esterilizado e colocou-se (individualmente) num tubo com 10 ml de NaCl
0,85% com 10 pérolas de vidro. Agitou-se em vortéx durante um minuto. Foram
preparadas diluições decimais sucessivas em NaCl 0,85% e semeou-se em MRS sólido
as diluições adequadas. Incubou-se a 30ºC durante 48 h. Os resultados foram expressos
em log UFC/cm2 de intestino.
Este ensaio foi realizado inicialmente com intestino naturalmente contaminado,
tal como fora efetuado por Fernandes e Patarata (2011), porém observou-se um
crescimento muito elevado nos ensaios de controlo. Assim, o ensaio foi repetido
pasteurizando o intestino já montado nos anéis de polietileno a 70ºC durante 2minutos,
que se revelou uma boa solução, pois a contagem do controlo não inoculado foi inferior
ao limite de deteção do método.
27
3.3. Efeito combinado da utilização de L. sakei e óleo essencial de alho
no comportamento de Salmonella spp. ao longo do processo de
fabrico de Chouriço
3.3.1. Desenho experimental
A estrutura do trabalho delineado para avaliar o efeito dos dois parâmetros
envolvidos na conservação de chouriços de carne: L. sakei com carácter probiótico e
óleo essencial de alho no crescimento e sobrevivência de Salmonella spp. , apresenta-se
e esquematiza-se no quadro 3.2 e na figura 3.2.
Quadro 3.2 Estrutura do trabalho experimental
Combinações dos efeitos em estudo
Sem L. sakei, sem óleo de alho
Sem L. sakei, com 0,5% óleo de alho
Com 6-7 log UFC/g de L. sakei, sem óleo de alho
Com 6-7 log UFC/g de L. sakei, com 0,5% óleo de alho
Cada uma das unidades experimentais (chouriço modelo - CM) (conjugação L.
sakei e óleo de alho) foi analisada em 3 repetições. Em cada uma das combinações dos
efeitos a testar seguiu-se o procedimento de tomas para análise:
T1
Mistura
T2
Após fumagem
T3
7 dias de secagem
T4
15 dias de secagem
T5
21 dias de secagem
3 chouriços
Figura 3.2 Estrutura do trabalho experimental
28
3.3.2.Preparação dos microrganismos a inocular
A estirpe de L. sakei selecionada para inocular no chouriço foi selecionada do grupo de
18 testados, com base na sua capacidade antagonista, capacidade de crescimento
estudada em meio de cultura e pelas características vantajosas do ponto de vista
probiótico. A cultura foi preparada basicamente como indicado em 3.1.1, aferindo a
suspensão para inoculação a um teor bacteriano que permitisse transferir cerca de 6 log
UFC/g em 10 ml de NaCl 0,85%. Nos ensaios não inoculados com L. sakei substitui-se
a suspensão celular por 10 ml de NaCl 0,85%.
A suspensão para inoculação de Salmonella spp., cujo comportamento se pretendeu
estudar foi constituída por uma mistura de uma estirpe de referência e três estirpes
selvagens, tal como indicado em 3.1.1. Considerando as recomendações do FSIS, em
que se exige que para validar um processo de fabrico no que se refere à sua segurança
quanto a Salmonella spp. se consiga uma redução de 6,5D (em produtos sem carne de
aves), apontou-se para um nível de inoculação de cerca de 7 log UFC/g em 10 ml de
NaCl 0,85%.
3.3.3. Preparação do Chouriços
No fabrico dos chouriços foi utilizada carne da barriga de porco do abate do dia
anterior ao início do nosso ensaio. A carne foi desossada e descouratada e picada numa
picadora de discos, com um crivo de 15 mm. Na preparação dos chouriços de carne
utilizou-se sal refinado, vinho tinto da região com um teor alcoólico de 12º (5%), sal
(2%), nitrito de sódio e nitrato de potássio concentração de 150 mg/kg de NaNO2 150
mg/kg de KNO3. Foram constituídos quatro lotes e foram preparados individualmente
com as varáveis em estudo, todos contaminados cerca de 7 log UFC/g de Salmonella
spp.. Após mistura, a massa repousou 24h a 4±2°C. Findo esse período, procedeu-se ao
enchimento em intestino delgado de suíno desinfetado salgado, previamente dessalgado
em água durante 24h a 4±2°C . Os chouriços então fumados numa câmara com gerador
eléctrico de fumo a partir de aparas de madeira de faia. O ciclo de fumagem
compreendeu 15 min de secagem, 10 min de secagem com ignição do fumo, 2 h de
fumo frio, 10 min de repouso e 5 min de evacuação do fumo. A humidade relativa
programada para todas as fases foi de 85%. Desde o início do processo de fumagem, a
29
temperatura no interior das linguiças foi monitorizada, em intervalos de 10 min, com
sondas de penetração conectadas a um registador Hanna. A temperatura não ultrapassou
os 35ºC no pico de aquecimento. Por fim, as amostras foram transferidas para uma
câmara de cura onde permaneceram 30 dias a 15ºC com 85% de humidade relativa.
3.3.4. Análises laboratoriais
3.3.4.1. Análises Microbiológicas
No final de cada tempo (figura 3.2), procedeu-se à colheita de 10 g de amostra, a
qual foi diluída a 1:10 com uma solução salina a 0,85%. A amostra foi homogeneizada
num “stomacher” durante 90 segundos; para proceder às diferentes determinações foram
realizadas diluições decimais sucessivas em 9 ml da mesma solução.
Contagem/pesquisa de Salmonella spp.
Procedeu-se à inoculação, em superfície, das diluições pertinentes em XLD
(Biokar 06608). Incubação a 37º durante 24 horas. Os resultados são expressos em log
UFC/g.
Quando o número de Salmonella spp. se encontrava inferior ao limite de deteção
do método (2 log UFC/g, procedeu-se à pesquisa do microrganismo em 25g. O
procedimento foi feito basicamente de acordo com a norma ISO 6579:2002. A pesquisa
foi feita em 4 fases partindo-se do pré-enriquecimento em APT (de 8 a 20h a 37ºC). O
enriquecimento seletivo foi efetuado em Rappaport-Vassiliadis Enrichement Broth
(CM669, Oxoid) e em MKT - Muller-Kauffmann Tetrathionate-novobiocine broth
(base) MKTTn (BK169HA+ BS056, Biokar). Seguiu-se o isolamento de colónias
suspeitas MRSV agar (BK191HA, Biokar) e em XLD - Xylose Lysine Deocholate agar
(BK168HA, Biokar).
30
3.3.4.2. Análises Físico-químicas
A actividade da água (aw) foi determinada num aparelho Rotronic Hygroscop DT,
com sonda WA-40, mantida a uma temperatura sensivelmente constante de 20°C. O pH
foi determinado com um medidor de pH Crison modelo micropH 2002, numa pasta
homogénea de amostra.
O teor em humidade foi determinado, por perda de peso por dessecação em estufa
a 105°C, de uma amostra de 10 g, até peso constante, segundo o método da NP 1614
(1979). O teor proteico (N x 6,25) das amostras foi obtido, por determinação do azoto
total pelo método de Kjeldhal, segundo a NP 1612 81979). A determinação da gordura
livre total realizou-se pelo método de Soxhlet sobre o resíduo seco, utilizando como
solvente éter de petróleo (NP1224, 1982). O teor em cloretos, expresso em cloreto de
sódio, foi determinado, titulando o excesso de nitrato de prata, que não se combinou
com os cloretos existentes na amostra, com tiocianato de potássio, utilizando como
indicador, o sulfato duplo de ferro e amónio (A.O.A.C. 1990).
3.3.5. Tratamento de dados
Os efeitos estudados nos trabalhos sobre o crescimento de L. sakei em condições
adversas e capacidade de acidificação e sobre o crescimento em meio de cultura com
saias biliares de L. sakei sujeito ou não a stresse ácido foram estudados por análise de
variância fatorial com interação. A estirpe foi utilizada como repetição. Sempre que
foram detetadas diferenças (P <0,05), as médias foram comparadas através do teste
Tukey Kramer, utilizando o programa Statistica 5.1.
O efeito da adição de L. sakei com carácter probiótico e óleo essencial de alho
no crescimento e sobrevivência de Salmonella spp. em chouriço foi avaliado com a
mesma metodologia de análise de dados, com base nas determinações feitas em
triplicado.
31
4. Resultados e Discussão
4.1. Avaliação de características com interesse tecnológico em L. sakei
Atividade antagonista
A actividade antagonista dos isolados de L. sakei foi estudada contra L.
monocytogenes, Salmonella spp., E coli e S. aureus, detetada através da técnica da gota
em agar. Como se pode observar no quadro 4.1, alguns dos isolados apresentaram uma
elevada atividade antagonista contra vários dos microrganismos testados como
sensíveis.
Quadro 4.1. Atividade antagonista de vários isolados de L. sakei contra L. monocytogenes,
Salmonella spp., E coli e S. aureus detectados através da técnica da gota em
agar. Resultados expressos em dimensão do halo de inibição, em ml.
Testadas como sensíveis ao antagonismo
L. sakei
L. monocytogenes
Salmonella spp.
E coli
S. aureus
4
5
3
5
3
347
(-)
(-)
5
(-)
1284
10
5
3
20
1305
7
7
5
5
1307
5
2
5
(-)
1320
4
3
6
10
1329
4
6
6
12
1336
8
6
3
2
1340
(-)
(-)
(-)
(-)
1343
3
5
6
20
1345
(-)
(-)
3
(-)
1348
(-)
(-)
(-)
(-)
1358
15
5
1
20
1359
5
2
8
3
1376
15
2
6
3
1397
(-)
5
4
6
ATCC 15521
2
3
2
4
32
Crescimento em condições adversas e capacidade de acidificação
Os resultados da capacidade de crescimento e capacidade de acidificação em
condições adversas são apresentados nos quadros 4.2 e 4.3, respetivamente.
Quadro 4.2. Crescimento das culturas de L. sakei em MRS suplementado e MRS
suplementado com ingredientes do fabrico de chouriço, com e sem
hidratos de carbono, determinada a 7ºC, 15ºC e 25ºC.
Condições de
cresimento
24 h
48 h
72 h
96h
120h
MRS sem carb,
0,00 ± 0,00
0,01 ± 0,01
0,04 ± 0,02
0,37 ± 0,11
1,36 ± 0,08
MRS com carb
0,00 ± 0,00
0,05 ± 0,03
0,10 ± 0,05
1,20 ± 0,33
1,75 ± 0,32
MRS+i sem carb,
0,00 ± 0,00
0,19 ± 0,03
0,27 ± 0,02
0,49 ± 0,13
1,52 ± 0,06
MRS+i com carb
0,00 ± 0,00
0,22 ± 0,05
0,28 ± 0,06
0,60 ± 0,26
1,56 ± 0,13
MRS sem carb,
0,00 ± 0,00
0,50 ± 0,11
0,73 ± 0,11
1,17 ± 0,20
1,32 ± 0,21
MRS com carb
0,16 ± 0,10
1,67 ± 0,33
1,56 ± 0,13
1,97 ± 0,22
2,16 ± 0,23
MRS+i sem carb,
0,00 ± 0,00
0,60 ± 0,09
0,48 ± 0,19
0,77 ± 0,19
0,95 ± 0,18
MRS+i com carb
0,23 ± 0,07
1,07 ± 0,34
1,52 ± 0,22
1,89 ± 0,23
2,08 ± 0,24
MRS sem carb,
0,05 ± 0,03
0,22 ± 0,13
0,71 ± 0,04
0,93 ± 0,09
1,89 ± 0,23
MRS com carb
0,80 ± 0,18
1,12 ± 0,17
1,98 ± 0,04
2,22 ± 0,18
3,06 ± 0,36
MRS+i sem carb,
0,20 ± 0,04
0,11 ± 0,19
0,88 ± 0,13
1,18 ± 0,11
2,10 ± 0,14
MRS+i com carb
0,64 ± 0,27
0,97 ± 0,29
1,95 ± 0,07
2,23 ± 0,14
3,10 ± 0,22
Sig, Temperatura (T)
<0,001
<0,001
<0,001
<0,001
<0,001
Sig, MRS/MRS+i (M)
<0,001
<0,001
<0,001
<0,001
<0,001
0,008
0,008
0,008
0,008
0,008
7ºC
15ºC
25ºC
Sig, Carbohidratos
33
Quadro 4.3. pH das culturas de L, sakei em MRS suplementado e MRS suplementado
com ingredientes do fabrico de chouriço, com e sem hidratos de carbono,
determinada a 7ºC, 15ºC e 25ºC.
Condições de
cresimento
24 h
48 h
72 h
96h
120h
MRS sem carb, 6,15 ± 0,00
6,17 ± 0,03
6,19 ± 0,04
6,07 ± 0,06
5,97 ± 0,09
MRS com carb 6,15 ± 0,00
6,16 ± 0,14
6,14 ± 0,14
5,60 ± 0,33
5,02 ± 0,29
MRS+i sem carb 6,00 ± 0,00
5,94 ± 0,04
5,89 ± 0,03
5,79 ± 0,06
5,72 ± 0,06
MRS+i com carb 5,50 ± 0,00
5,50 ± 0,07
5,48 ± 0,06
5,39 ± 0,18
5,20 ± 0,26
MRS sem carb, 6,18 ± 0,07
5,96 ± 0,10
6,22 ± 0,05
6,23 ± 0,06
6,25 ± 0,06
MRS com carb 6,12 ± 0,19
4,62 ± 0,34
4,43 ± 0,02
4,43 ± 0,01
4,47 ± 0,03
MRS+i sem carb 5,90 ± 0,14
5,60 ± 0,07
5,75 ± 0,06
5,76 ± 0,05
5,76 ± 0,06
MRS+i com carb 5,56 ± 0,13
4,87 ± 0,23
4,19 ± 0,05
4,21 ± 0,03
4,35 ± 0,34
MRS sem carb 6,18 ± 0,08
6,27 ± 0,07
6,30 ± 0,14
6,40 ± 0,22
6,51 ± 0,34
MRS com carb 4,34 ± 0,02
4,38 ± 0,05
4,33 ± 0,17
4,30 ± 0,18
4,27 ± 0,22
MRS+i sem carb 5,80 ± 0,06
5,76 ± 0,08
5,84 ± 0,12
5,87 ± 0,13
5,90 ± 0,19
MRS+i com carb 4,14 ± 0,03
4,14 ± 0,03
4,12 ± 0,08
4,12 ± 0,11
4,11 ± 0,14
7ºC
15ºC
25ºC
Sig, Temperatura (T)
<0,001
<0,001
<0,001
<0,001
<0,001
Sig, MRS/MRS+i (M)
<0,001
<0,001
<0,001
<0,001
<0,001
0,008
0,008
0,008
0,008
0,008
Sig, Carbohidratos
A temperatura de 7ºC resultou num atraso considerável, altamente significativo
(p<0,001) no crescimento da cultura de L, sakei, em MRS, em MRS+i (suplementado
com alguns ingredientes utilizados no fabrico de chouriço (Sal, vinho, alho, nitrito de
sódio e nitrato de potássio).
34
4.2. Avaliação de caraterísticas com potencial probiótico em L, sakei
Tolerância ao ácido
A capacidade de resistência a pH reduzido dos isolados de L. sakei foi estudada,
efetuando contagem em MRS de culturas previamente submetidas a stresse ácido em
tampão PBS com pH 2,5 ou 6,0 (usado como controlo). Os resultados são ilustrados na
figura 4.1. Como se pode observar, os isolados tratados com PBS pH 6,0 apresentaram
uma contagem compreendida entre os 5 e os 7 Log UFC/g. Aqueles que foram
submetidos a stresse ácido ou não apresentaram crescimento (8 dos 17 isolados
testados) ou apresentaram contagens ligeiramente inferiores às dos isolados não sujeitos
a stresse ácido.
7
6
Log UFC/g
5
4
3
pH 2,5
2
pH 6.0
1
0
Figura 4.1. Crescimento de L. sakei após stresse ácido (pH 2,5) e sem stresse ácido (pH
6,0) (expresso em Log UFC/g às 48h após 24 h a 30ºC)
Tolerância aos sais biliares
A capacidade de crescimento em MRS suplementado com sais bilares (0,15% ou
0,30%) foi estudada monitorizando a DO da cultura em intervalos de 24h. No sentido de
avaliar a potencial sobrevivência ao longo do trato digestivo, essa resistência aos sais
biliares foi testada com bactérias sujeitas a pré-stresse ácido (pH 2,5), para simular a
condição que a microflora encontra na parte superior do intestino delgado, após ser
35
sujeita à acidez do estômago. Os resultados são apresentados nas figuras 4.2 (sem
stresse ácido) e 4.3 (com stresse ácido). Os valores médios de todas as culturas são
apresentados no quadro 2.
Todos os isolados apresentaram capacidade de crescimento em MRS
suplementado com sais biliares, ainda que nas culturas sujeitas a pré-stresse ácido, se
tenha observado que a cultura teve uma fase lag mais longa, necessitando de mais
tempo para se multiplicar.
Como se depreende da interpretação dos resultados que constam do quadro 4.4,
o pré-stresse ácido e o nível de sais biliares influencia de forma altamente significativa o
crescimento das culturas de L. sakei.
Quadro 4.4. Crescimento das culturas de L. sakei em MRS suplementado com 0,15 ou
0,3 % de sais biliares, com e sem stresse ácido.
Pré-stresse ácido;
% de sais biliares
Tempo de incubação
24 h
48 h
72 h
96h
Controlo
1,50±0,40c
1,92±0,13a
2,11±0,15a
2,25±0,10b
0,15%
1,35±0,44bc
2,06±0,35a
2,33±0,15a
2,53±0,12a
0,30%
1,12±0,33b
2,02±0,41a
2,29±0,17a
2,54±0,11a
Controlo
0,66±0,29d
1,82±0,38ab
2,15±0,10a
2,36±0,34ab
0,15%
0,05±0,10a
1,46±0,57b
2,19±0,22a
2,36±0,18ab
0,30%
0,00±0,02a
0,28±0,15c
1,30±0,45b
1,87±0,33c
Sig, efeito pré-stresse
<0,001
<0,001
<0,001
<0,001
Sig, efeito sais bilares
<0,001
<0,001
<0,001
<0,001
Sig, interação
0,008
<0,001
<0,001
<0,001
Sem stresse (pH 6,0)
Com stresse (pH 2,5)
36
a
DO 600 nm (10 mm)
3
2,5
2
1,5
1
0,5
0
24 h
48h
72 h
100h
DO 600 nm (10 mm)
3
b
2,5
2
1,5
1
0,5
0
24 h
48h
72 h
100h
DO 600 nm (10 mm)
3
c
2,5
2
1,5
1
0,5
0
24 h
48h
72 h
100h
Figura 4,2, Crescimento de L. sakei não sujeito a condições de stresse ácido (pH 6,0)
em MRS sem sais biliares (controlo) (a), com 0,15% de sais biliares (b) e com
0,30% de sais biliares (c)
37
a
DO 600 nm (10 mm)
3
2,5
2
1,5
1
0,5
0
24 h
48h
72 h
100h
b
DO 600 nm (10 mm)
3
2,5
2
1,5
1
0,5
0
24 h
48h
72 h
100h
DO 600 nm (10 mm)
2,5
2
c
1,5
1
0,5
0
24 h
48h
72 h
100h
Figura 4,3, Crescimento de L. sakei sujeito a condições de stresse ácido (pH 2,5) em
MRS sem sais biliares (controlo) (a), com 0,15% de sais biliares (b) e com
0,30% de sais biliares (c)
38
Capacidade de adesão a intestino delgado de porco
A capacidade de adesão a intestino delgado de porco pasteurizado dos isolados
de L. sakei foi determinada enumerando a microflora permanecente no intestino delgado
de porco (5h de incubação em MRS) após lavagem com solução de NaCl 0,85%com
agitação durante 60s (figura 4.4). Observou-se que a generalidade dos isolados
apresenta uma boa capacidade de adesão, ainda que haja diferenças significativas
(p<0,05) os isolados com menor e maior capacidade de adesão.
6,2
6
5,8
Log UFC/g
5,6
5,4
5,2
5
4,8
4,6
Figura 4.4. Adesão de L. sakei a intestino delgado de porco de porco pasteurizado,
(expresso em log UFC/g de microrganismos aderentes à tripa após lavagem
com solução de NaCl 0,85%com agitação durante 60 s), valores apresentados
são a média de três repetições.
39
4.3. Efeito combinado da utilização de L, sakei e óleo essencial de alho
no comportamento de Salmonella spp., ao longo do processo de
fabrico de Chouriço
O chouriço preparado no presente trabalho apresentou uma composição média:
humidade 35,2 ± 2,1%; proteína bruta 23,7± 1,7%; gordura 25,4± 3,3 % e cloreto de
sódio 3,4± 0,6 %, Os resultados da evolução da aw são ilustrados na figura 4.5, os
resultados da determinação do pH são apresentados no quadro 4.5, e ilustrados na figura
4.6.
0,98
0,96
0,94
aw
0,92
0,90
0,88
0,86
0,84
mistura
aós fumagem
7 dias
15d dias
21 dias
Figura 4.5. Evolução da aw média ao longo do processo de fabrico de chouriço
A composição do chouriço encontra-se dentro dos parâmetros habitualmente
encontrados em chouriço tradicional (Colaço-do-Rosário et al,, 2000), a evolução da aw
foi a caraterística deste tipo de produtos, apresentando o chouriço considerado acabado
uma aw de aproximadamente 0,89. Aos 15 dias de secagem este produto apresentava já
uma aw de 0,90, o que de acordo com Leistner e Rodel (1976) é suficientemente
reduzida para isoladamente conservar o produto à temperatura ambiente. Observou-se
que a redução da aw sofreu uma desaceleração entre os 15 e os 21 dias, que também é
40
caraterística da secagem de um enchido, pois nessa fase a desidratação acontece com
água que está mais fortemente ligada às fração proteica do alimento e aos humectantes
aí presentes (Girard, 1988).
A evolução do pH (figura 4.6) compreendeu duas fases. Entre a mistura e a
fumagem o pH sofreu uma forte redução, associada ao forte aumento da população de
BAL. Mesmo nas amostras que não incluíram uma cultura de arranque de L. sakei, a
microflora láctica naturalmente presente no produto sofreu um forte aumento, atingindo
valores da ordem dos 6 log UFC/g (figura 4.8). Ainda que este chouriço não tenha
incluído na sua formulação adição de hidratos de glícidos, os residuais da carne terão
suportado o crescimento da população e a produção de ácido. Por outro lado, dado que o
chouriço foi preparado com vinho - que tem um pH reduzido, de cerca de 3,5 – poderse-á equacionar que a redução do pH nesta fase pode também ser devida à penetração
completa do vinho na carne, que poderia não ter acontecido completamente na fase de
mistura e repouso da massa que antecedeu o enchimento. Esta hipótese pode ser
justificada com as observações de Gault (1991) que indicação ser necessário cerca de
48h para haver penetração completa na carne do ácido acético de uma marinada. Após a
redução inicial do pH, houve um aumento ligeiro até ao final do processo de maturação,
que é habitual acontecer em produtos desta natureza, determinado pela capacidade
tampão da carne, e pela libertação para o meio de compostos de caráter básico,
fundamentalmente produto do catabolismo da fracção azotada. Este aumento de pH
pode ter uma extensão variável, associada ao tipo de enchido fermentado e ao tempo de
maturação (Demeyer, 1992). Os valores de pH observados situando dentro do
correntemente observado em chouriço, quer espanhol (Lois et al., 1987, Bello e
Shanchez-Fuertes,1995) e português (Patarata et al., 1998). Uma evolução semelhante
de pH num chouriço semelhante ao estudado no presente trabalho foi observada por
Diez e Patarata (2013) e por Linares et al, (2013).
O efeito da adição de óleo de alho e de L. sakei (quadro 4.5) mostraram-se
significativos após a fumagem e aos 7 dias de secagem. Tal como esperado, as amostras
com L. sakei inoculado apresentaram valores de pH significativamente menores, ainda
que em termos absolutos essa diferença seja muito pequena. A interação observada
entre os dois efeitos foi determinada fundamentalmente pelo menor pH observado nas
amostras que simultaneamente tinham L. sakei e não tinham óleo essencial de alho. Aos
15 dias de secagem os valores de pH passaram a ser similares em todas as unidades
41
experimentais, o que decorrerá do aumento que a microflora láctica sofreu durante o
processo, e, ainda que menor nas amostras não inoculadas com L. sakei, já apresentava
valores da mesma ordem de grandeza, próximos de 7 log UFC/g.
6,00
5,50
pH
sem L. sakei, sem alho
5,00
sem L. sakei, com alho
com L. sakei, sem alho
com L. sakei, com alho
4,50
4,00
mistura
aós
7 dias
fumagem
15d dias
21 dias
Figura 4.6. Evolução do pH ao longo do processo de fabrico de chouriço
Quadro 4.5. Evolução do pH ao longo do processo de fabrico de chouriço (expresso em
Log UFC/g),
Fase do
processo
Sem L,sakei
Sem alho
Com L,sakei
Com alho
Sem alho
Com alho
Significância
L, s
alho
int
Mistura
5,76 ± 0,11
5,69 ± 0,01
5,66 ± 0,23
5,69 ± 0,03
ns
ns
ns
Após
fumagem
4,84 ± 0,01a
4,85 ± 0,06a
4,72 ± 0,02b
4,86 ± 0,03a
<0,05
<0,01
<0,01
7 d secagem
5,19 ± 0,02b
5,18 ± 0,01ab
5,08 ± 0,01c
5,14 ± 0,02a
<0,001 <0,05
<0,01
15 d secagem 5,29 ± 0,04
5,23 ± 0,05
5,18 ± 0,06
5,23 ± 0,04
ns
ns
ns
21 d secagem 5,22 ± 0,05
5,19 ± 0,04
5,15 ± 0,09
5,23 ± 0,04
ns
ns
ns
a, b, médias seguidas de letras diferentes apresentam diferenças significativas (p<0,05)
42
Os resultados do comportamento de Salmonella spp., em chouriço preparado
com uma estirpe selecionada de L. sakei óleo essencial de alho são ilustrados na figura
4.7 e a comparação de médias nas várias condições do ensaio realizada no quadro 4.6. A
contagem inicial de Salmonella spp., foi de aproximadamente 7 log UFC/g. Esta
contaminação inicial foi propositadamente realizada a níveis elevados, para poder
demonstrar que o processo de fabrico deste chouriço produz uma redução de 6,5 D na
população desta bactéria patogénica, conforme recomendado pelo Performance
Standards for the Production of Processed Meat and Poultry Products dos Serviços de
Segurança Alimentar e Inspeção dos Estados Unidos da América (FSIS, 2001).
Salmonella spp., apresentou um comportamento decrescente durante todo o processo,
verificando-se que aos 15 dias de secagem a sua contagem estava abaixo do limite de
detecção do método. Como esse limite de deteção é relativamente elevado (2 log
UFC/g), nos casos em que a contagem foi inferior ao limite de deteção do método,
procedeu-se à pesquisa do microrganismo após enriquecimento. Aos 15 dias de
secagem, todas Salmonella spp., foi detetada em 25g na maioria das amostras testadas
(resultados não apresentados), não havendo um padrão de ausência claro associado aos
efeitos em estudo. Esse panorama mudou aos 21 dias, em que deixou de se detetar o
microrganismos, indicando que o stresse continuado associado à redução da aw e aos
outros fatores adversos do meio terá exercido um efeito letal.
8,00
7,00
Log UFC/g
6,00
5,00
sem L. sakei, sem alho
4,00
sem L. sakei, com alho
3,00
com L. sakei, sem alho
com L. sakei, com alho
2,00
1,00
0,00
mistura
aós
7 dias
fumagem
15d dias
21 dias
Figura 4.7. Comportamento de Salmonella spp., ao longo do processo de fabrico de
chouriço
43
Quadro 4.6. Contagem de Salmonella spp., ao longo do processo de fabrico de
chouriço (expresso em Log UFC/g),
Sem L,sakei
Fase do
processo
Com L,sakei
Significância
Sem alho
Com alho
Sem alho
Com alho
L, s
alho
int
Mistura
7,11 ± 0,29
6,98 ± 0,28
6,92 ± 0,16
7,01 ± 0,04
ns
ns
ns
Após
fumagem
6,55 ± 0,21
5,92 ± 0,16
6,18 ± 0,22
5,51 ± 0,20
<0,01 <0,001 ns
7 d secagem
2,72 ± 0,15
2,37 ± 0,12
2,25 ± 0,16
1,17 ± 1,02
<0,05 <0,05
15 d secagem
< LD
< LD
< LD
< LD
-
-
ns
-
O efeito da introdução de óleo essencial de alho e de L. sakei revelou-se
interessante no controlo de Salmonella spp., no fabrico de chouriço. Como se pode
observar no quadro 4.6, ambos os fatores determinaram diferenças significativas na
contagem de Salmonella spp., após a fumagem e aos 7 dias de secagem, com contagens
sempre menores quando L. sakei ou o óleo essencial de alho estavam presentes. Não se
observou qualquer interação significativa, pelo que se infere que a ação de cada um
destes efeitos adversos será independente, não se influenciando mutuamente. Aos sete
dias de secagem, a presença simultânea de L. sakei e óleo de alho determinou uma
contagem menor em cerca de 1,5 log UFC/g que nas amostras que não tinham ambos os
factores. Essa diferença em termos biológicos e de segurança sanitária do produto
poderá representar elevada importância para o produto, principalmente se se considerar
que, com as atuais exigências de higiene na indústria de produtos cárneos determinadas
pelo Reg, CE nº852 de 2004, não é expectável que as matérias-primas tenham uma
contaminação elevada com Salmonella spp., nem que haja oportunidades de
multiplicação durante o armazenamento e processamento, devido à obrigatoriedade de
definir nos planos HACCP pontos críticos de controlo para evitar a multiplicação desse
perigo biológico.
Sendo Salmonella spp., um microrganismo Gram negativo, seria de esperar que
o efeito da utilização de L. sakei fosse decorrente fundamentalmente da ação do
reduzido pH provado por essa BAL (Incze, 1998). Esse facto poderá ter concorrido para
a sua inibição, ainda que não fosse expectável que determinasse diferenças muito
grandes pois as diferenças de pH entre as diferentes unidades experimentais, mesmo
44
quando significativas, são modestas em termos absolutos. Como este chouriço é
preparado com vinho, o efeito dos seus componentes, particularmente do etanol, poderá
ter tido um efeito desregulador da membrana celular (Barker e Park 2001), tornando a
Salmonella spp., mais sensível à ação de uma bacteriocina eventualmente produzida
pela estirpe de L. sakei utilizada, pois a ação das bacteriocinas em bactérias Gram
negativa está limitada à ação combinada com outros fatores que contribuição para a
permeabilização da membrana celular (Deegan et al, 2006).
Por outro lado, a ação do óleo essencial de alho sobre a viabilidade de
microrganismos patogénicos tem sido estudado por vários investigadores (Johnson e
Vaughn, 1969; Kumar e Berwal, 1998). É aceite que o efeito antimicrobiano do alho, ou
do seu óleo essencial é devido à ação da alicina (tiosulfinato de dialilo) que inibe
enzimas que contêm grupos sulfidrilo (Corzo-Martínez et al, 2007). Tal como
observado em relação ao potencial efeito de bacteriocinas no microrganismos alvo,
qualquer fator do meio que contribua para aumentar a permeabilidade da membrana
celular tem um efeito sinérgico na ação dos componentes ativos do alho (Ankri e
Mirelman, 1999).
A contagem de BAL nos chouriços preparados no presente trabalho são
ilustradas na figura 4.8. A comparação dos valores médios entre as várias unidades
experimentais é apresentada no quadro 4.7. O comportamento da microflora láctica
observado foi o caraterístico de um produto fermentado (Leistner, 1992), em que em
amostras inoculadas com níveis elevados de BAL não há crescimento durante o período
de maturação do produto e nas amostras inoculadas, essa microflora que está em níveis
reduzido no início do processo aumenta significativamente. Ainda que tenha sido
observado um grande aumento da microflora láctica natural nas amostras não
inoculadas, a contagem manteve-se sempre significativamente superior nas amostras
inoculadas.
A microflora láctica não fora influenciada pela presença de óleo de alho
(p>0,05), nem nas amostras inoculadas com L. sakei, nem nas que tinham a população
lática natural. Ainda que nos testes preliminares realizados com as estirpes de L. sakei
do presente trabalho (item 4.1) os ingredientes utilizados em fabrico de chouriço
incorporados em conjunto no meio de cultura tenham determinado um atraso no
crescimento da microflora láctica, esse atraso não se fez sentir no fabrico de chouriço.
45
9,00
8,00
7,00
Log UFC/g
6,00
sem L. sakei, sem alho
5,00
sem L. sakei, com alho
4,00
com L. sakei, sem alho
3,00
com L. sakei, com alho
2,00
1,00
0,00
mistura
aós
7 dias
fumagem
15d dias
21 dias
Figura 4.8. Comportamento da contagem de BAL ao longo do processo de fabrico de
chouriço
Quadro 4,7, Contagem de BAL ao longo do processo de fabrico de chouriço (expresso
em Log UFC/g).
Fase do
processo
Sem L,sakei
Com L,sakei
Significância
Sem alho
Com alho
Sem alho
Com alho
L, s
alho
Mistura
2,99 ± 0,21
3,35 ± 0,52
7,78 ± 0,45
7,22 ± 0,50
<0,001
ns
ns
Após
fumagem
5,50 ± 0,51
5,56 ± 0,57
7,17 ± 0,24
7,16 ± 0,02
<0,01
ns
ns
7 d secagem
5,88 ± 0,12
6,37 ± 0,11
7,33 ± 0,37
7,43 ± 0,24
<0,001
ns
ns
15 d secagem
7,14 ± 0,10
7,35 ± 0,23
8,08 ± 0,23
8,39 ± 0,52
<0,001
ns
ns
21 d secagem
6,94 ± 0,12
7,35 ± 0,35
7,60 ± 0,75
8,23 ± 0,15
<0,05
ns
ns
46
int
5, Conclusões
A avaliação da aptidão tecnológica e probiótica de L. sakei isolados de chouriço
produzido na região de Trás-os-Montes revelou que dentro do grupo estudado os
microrganismos têm uma elevada capacidade para crescer em condições adversas
simulando os principais obstáculos encontrados no fabrico de chouriço – temperatura
reduzida, baixa disponibilidade de glícidos, presença de ingredientes e aditivos
potencialmente nocivos para a sua viabilidade. Há alguma variabilidade entre estirpes,
que permite que se selecionem aquelas mais aptas. Esta microflora revelou uma elevada
atividade antagonista, detetada pela técnica da gota em agar, quer contra
microrganismos patogénicos Gram positivos (L, monocytogenes, S, aureus) quer contra
Gram negativos (Salmonella spp., E, coli O157:H7). Esta caraterística mostrou uma
elevada variabilidade entre estirpes, revelando-se um bom critério para selecionar
estirpes para integrar culturas de arranque.
Na avaliação do potencial probiótico, algumas estirpes mostraram-se muito
sensíveis ao pH muito reduzido de 2,5, que se utilizou para simular o pH do estômago, e
a generalidade não apresentou sensibilidade aos sais biliares. A capacidade de adesão ao
intestino foi manifestada por todas as estirpes, ainda que algumas tenham revelado uma
maior aptidão para essa finalidade.
Da ponderação dos vários fatores, selecionou-se para inocular chouriço a estirpe
1284, por apresentar uma elevada atividade antagonista, e ser de entre as mais
antagónicas contra microrganismos patogénicos, aquela que conseguiu resistir ao pH
2,5, teve uma boa capacidade de crescimento e de acidificação.
A utilização de uma cultura de arranque com essa estirpe de L. sakei
conjuntamente óleo essencial de alho no crescimento e sobrevivência de Salmonella
spp., ao longo do processo de fabrico de chouriço revelou-se interessante,
principalmente enquanto o produto não atinge valores de aw que, por si só, determinam
a segurança do chouriço. Após 7 dias de secagem, que é o tempo usado por alguns
fabricantes para colocarem no mercado chouriço, a utilização conjunta dos dois fatores
em estudo resultou numa redução de 1,5 log UFC/g, o que é importante do ponto de
vista do ganho em segurança sanitária.
47
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