As diferenças entre os homens e os animais - O mundo Simbólico HumanoAntropologia Filosófica Maria Eliane A MUMIFICAÇÃO Os egípcios acreditavam que o Ka, ou a força vital, era imortal. Com o objetivo de fornecer um receptáculo durável ao espírito, aperfeiçoaram a ciência do embalsamamento.Extraia-se o cérebro, fígado, pulmões, estômago e intestinos. O cadáver era colocado em salmoura por um mês e depois estendido para secar. O Cadáver, então enrugado, era receado, envolto em ataduras, confinado num caixão e num sarcófago de pedra. Acreditava-se que a perfeita preservação do corpo era essencial para que a alma fosse reconhecida pelos deuses no reino dos mortos e recebesse a imortalidade. O Mundo simbólico humano em vez de definir o homem como animal rationale, deveríamos defini-lo como animal symbolicum. Ao fazê-lo, podemos designar sua diferença específica, e entender o novo caminho aberto para o homem o caminho para a civilização. O comprovam a vida humana produtora de cultura, sociedade, história, valores (moral), mito, religião, conhecimento e ciência. Ação Instintiva A ação animal é caracterizada sobretudo por reflexos e instintos. A ação instintiva é regida por leis biológicas, idênticas na espécie e invariáveis de indivíduo para indivíduo. Essa ação é rígida e invariável. Mesmo que alguma criação animal seja perfeita, os atos que a antecedem não têm história, não se renovam e são os mesmos em todos os tempos, salvo as modificações determinadas pela evolução das espécies e as decorrentes de mutações genéticas. Um ato inato não precisa surgir desde o início da vida, pois muitas vezes aparece apenas mais tarde, no decorrer do desenvolvimento: ao nascerem gatos não esboçam qualquer reação diante de um rato, mas após o segundo mês de vida aparecem reações típicas da espécie, como perseguição, captura, brincadeira com a presa, ronco, matança etc. O que são os instintos? são uma atividade que ignora a finalidade da própria ação. [...] O ato humano voluntário, em contrapartida, é consciente da finalidade, isto é, o ato existe antes como pensamento; como uma possibilidade, e a execução é o resultado da escolha dos meios necessários para atingir os fins propostos. Quando há interferências externas no processo, os planos também são modificados para se adequarem à nova situação. A Inteligência Concreta Nos níveis mais altos da escala zoológica, por exemplo, com os mamíferos, as ações deixam de ser exclusivamente resultado de reflexos e instintos e apresentam uma plasticidade maior, característica dos atos inteligentes. Experiências interessantes foram realizadas pelo psicólogo Köller com chimpazés. Um dos experimentos consiste em colocar o animal faminto numa jaula onde são penduradas bananas que o animal não consegue alcançar. O chimpanzé resolve o problema quando puxa um caixote e o coloca sob a fruta a fim de pegá-la. Segundo Köller, a solução encontrada pelo chimpanzé não é imediata, mas no momento em que o animal tem um insight (discernimento, “iluminação súbita”), isto é, quando o macaco tem a visão global do campo e estabelece a relação entre o caixote e a fruta. Esses dois elementos, o caixote e a banana, antes separados e independentes, passam a fazer parte de uma totalidade. É como se o animal percebesse uma realidade nova que lhe possibilita uma ação-planejada pela espécie. Portanto, não se trata mais de ação instintiva, de simples reflexo, mas de um ato de inteligência. Instinto/Inteligência A inteligência distingue-se do instinto por sua flexibilidade, já que as respostas são diferentes conforme a situação e também por variarem de animal para animal. o animal não inventa o instrumento, não o aperfeiçoa, nem o conserva para uso posterior. Portanto, o gesto útil não tem seqüência e não adquire significado de uma experiência propriamente dita. Mesmo que alguns animais organizem “sociedades” mais complexas e até aprendam formas de sobrevivência e as ensinem à suas crias, não há nada que se compare às transformações realizadas pelo homem enquanto ser criador de cultura. A linguagem A palavra se encontra no limiar do universo humano. Ela caracteriza fundamentalmente o homem e o distingue do animal. Se criássemos juntos um bebê humano e um macaquinho, não veríamos muitas diferenças de cada um nos primeiros contatos com o mundo e as pessoas. O desenvolvimento da percepção, da preensão dos objetos, do jogo com os adultos é feito de forma similar, até que em dado momento, por volta dos dezoito meses, o progresso do bebê humano torna impossível prosseguirmos na comparação com o macaco, devido à capacidade que o homem tem de ultrapassar os limites da vida animal ao entrar no mundo do símbolo. Os animais também têm linguagem, Mas a natureza dessa comunicação não se compara à revolução que a linguagem humana provoca na relação do homem com o mundo. A diferença entre a linguagem humana e a do animal está no fato de que este não conhece o símbolo, mas somente o índice. O índice está relacionado de forma fixa e única coma coisa a que se refere. Por exemplo, as frases com que adestramos o cachorro devem ser sempre as mesmas, pois são índices, isto é indicam alguma coisa muito específica. A linguagem animal visa a adaptação à situação concreta, enquanto a linguagem humana intervém como uma forma abstrata que distancia o homem da experiência vivida, tornando-o capaz de reorganizá-la numa outra totalidade e lhe dar novo sentido. È pela palavra que somos capazes de nos situar no tempo, lembrando o que ocorreu no passado e antecipando o futuro pelo pensamento. Enquanto o animal vive sempre no presente, as dimensões humanas se ampliam para além de cada momento. O animal, mesmo quando demonstra alguma capacidade de resolver problemas, sua inteligência é ainda concreta. Já o homem, pelo poder do símbolo, tem inteligência abstrata. O símbolo Os símbolos são universais, convencionais, versáteis e flexíveis. Consideremos a palavra cruz. Além de ser uma convenção de certa forma arbitrária [...] não tem um sentido unívoco [...] pode representar o cristianismo, referirse à morte, pode significar uma encruzilhada, um enfeite, e assim por diante, com múltiplas significações. A linguagem, por meio da representação simbólica e abstrata, permite o distanciamento do homem em relação ao mundo, também é o que possibilitará seu retorno ao mundo para transformá-lo. Se não se tem oportunidade de desenvolver e enriquecer a linguagem, o homem torna-se incapaz de compreender e agir sobre o mundo que o cerca. O trabalho As diferenças entre o homem e o animal não está simplesmente no fato de o homem ser um animal que pensa e fala. De fato, a linguagem humana permite a melhor ação transformadora do homem sobre o mundo, e com isso completamos a distinção: um homem é um ser que trabalha e produz o mundo e a si mesmo. O animal não produz a sua existência, mas apenas a conserva agindo instintivamente. O trabalho humano é a ação dirigida por finalidades conscientes, a resposta aos desafios da natureza na luta pela sobrevivência. Ao reproduzir técnicas que outros homens já usaram e ao inventar outras novas, a ação humana se torna fonte de idéias e ao mesmo tempo uma experiência propriamente dita. O trabalho, ao mesmo tempo que transforma a natureza, adaptando-a às necessidades humanas, altera o próprio homem, desenvolvendo suas faculdades. Isso significa que pelo trabalho, o homem se autoproduz. Enquanto o animal permanece sempre o mesmo na sua essência, já que repete os gestos comuns à espécie, o homem muda as maneiras pelas quais age sobre o mundo, estabelecendo relações também mutáveis, que por sua vez alteram sua maneira de perceber, de pensar e de sentir. Por se uma atividade relacional, o trabalho, além de desenvolver habilidade, permite que a convivência não só facilite a aprendizagem e o aperfeiçoamento dos instrumentos, mas também enriquece a afetividade resultante do relacionamento humano: experimentando emoções expectativas, desejo, prazer, medo, inveja, o homem aprende a conhecer a natureza, as pessoas e a si mesmo. O trabalho é a atividade humana por excelência, pela qual o homem intervém na natureza e em si mesmo. Ele é condição de transcendência e de expressão da liberdade humana. Cultura e Humanização As diferenças entre o homem e o animal não são apenas de grau, pois, enquanto o animal permanece mergulhado na natureza, o homem é capaz de transformá-la, tornando possível a cultura. O mundo resultante da ação humana não é natural. [...] Em antropologia, cultura significa tudo que o homem produz ao construir sua existência: as práticas, as teorias, as instituições, os valores materiais e espirituais. Se o contato que o homem tem com o mundo é intermediado pelo símbolo, a cultura é o conjunto de símbolos elaborados por um povo em determinado tempo e lugar. A cultura é, portanto, um processo de autoliberação progressiva do homem, o que o caracteriza como um ser em mutação, um ser de projeto, que se faz à medida que transcende, que ultrapassa a própria experiência. [...] É evidente que essa condição de certa forma fragiliza o homem, pois ele perde a segurança característica da vida animal, em harmonia com a natureza. Ao mesmo tempo, o que parece ser sua fragilidade é justamente a característica humana mais perfeita e nobre: a capacidade do homem de produzir sua própria história.