ATUALIZAÇÃO
Obesidade e Resistência à Insulina
Obesity and Insulin Resistance
Kleber Eduardo de Campos
Yuri Karen Sinzato
Débora Cristina Damasceno
Marilza Vieira Cunha Rudge
Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Faculdade de Medicina de Botucatu –
Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Resumo
A Síndrome Metabólica ou “X” é descrita como uma
coletânea de desordens no organismo, na qual incluem
intolerância à glicose, obesidade (particularmente
obesidade abdominal), hipertensão, resistência à insulina e dislipidemia. A etiologia da obesidade não é
facilmente identificada e caracterizada na maioria
dos casos, apesar do crescente número de estudos relacionados a esta doença. Tal dificuldade se deve ao fato
de a obesidade ser caracterizada como uma doença
multifatorial e, como tal, sua etiologia pode-se tornar
controvertida, visto que existem contribuições comportamentais, do estilo de vida e aspectos fisiológicos no
desenvolvimento e na manutenção desta. A obesidade
é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento do diabetes mellitus tipo 2. Os mecanismos
envolvidos neste processo ainda não estão totalmente
esclarecidos. Portanto, são necessários muitos estudos
para elucidar cada vez mais os mecanismos fisiopatológicos responsáveis pela obesidade e resistência
à insulina. A finalidade desta revisão é enfocar as
alterações fisiológicas encontradas nas condições de
obesidade e de resistência à insulina.
PALAVRAS-CHAVE: Obesidade. Síndrome metabólica. Resistência à insulina.
Introdução
A Síndrome Metabólica ou “X” é descrita
como uma coletânea de desordens no organismo,
na qual incluem intolerância à glicose, obesidade
(particularmente obesidade abdominal), hipertensão, resistência à insulina e dislipidemia caracteri-
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zada pelas concentrações aumentadas de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e diminuição das
lipoproteínas de densidade alta (HDL) e também
do aumento das concentrações de triglicerídios
plasmáticos. Pessoas portadoras da Síndrome “X”
têm alto risco de desenvolver diabetes tipo 2 e
doença cardiovascular aterosclerótica (Coutinho
& Bandeira, 2003).
O Instituto Norte-americano Nacional de
Saúde definiu recentemente a Síndrome Metabólica como uma desordem na qual manifestam-se, no
mínimo, três das características a seguir: 1) medida
da circunferência de pelo menos 102 cm em homens e 88 cm nas mulheres; 2) taxa de triglicerídios
de pelo menos 150 mg/dL, independente do sexo;
3) lipoproteína de alta densidade (HDL) menor que
40 mg/dL em homens e 50 mg/dL nas mulheres; 4)
glicose sérica de jejum pelo menos em 110 mg/dL; e
5) pressão arterial maior que 130/85 mmHg (Matos
et al., 2003; Virgin & Schmitke, 2003).
Ainda não há estudos sobre a prevalência da
Síndrome Metabólica na população brasileira. No
entanto, estudos em diferentes populações, como
a mexicana, a norte-americana e a asiática revelam
prevalências elevadas, variando a taxas aproximadas de 10 a 30% em homens e de 10 a 40% em mulheres (Sociedade Brasileira de Hipertensão, 2005).
Uma revisão epidemiológica do censo em 2000
relatou que 22% da população adulta dos Estados
Unidos da América possuem quadro de Síndrome
Metabólica no período de 1988 a 1994. Baseado nas
determinações populacionais dos resultados desse
censo foi verificado que aproximadamente 47 milhões de norte-americanos possuem esta doença.
Isto representa que 1 a cada 5 norte-americanos
apresenta esta patologia (Ford et al., 2002).
Na população norte-americana, a quantidade
de pessoas com Síndrome Metabólica aumenta
cada vez mais em homens e em mulheres com
idade avançada. A prevalência da Síndrome Metabólica na população mais velha já alcança 50%. Em
relação à raça, negras norte-americanas possuem
aproximadamente 57% maior prevalência do que os
homens, e hispânicas norte-americanas possuem
em torno de 26% mais prevalentes que em hispânicos norte-americanos (Ford et al., 2002).
As características da Síndrome Metabólica
podem ocorrer em crianças e adolescentes, mas a
prevalência aumenta conforme o avanço da idade.
A maior prevalência é observada em pessoas com
idade mais avançada, apesar de que essa freqüência está aumentando cada vez mais em pessoas
mais jovens, fato intimamente relacionado com
o desenvolvimento da obesidade na população. O
estudo das causas genéticas sobre esta síndrome,
como as desordens monogênicas raras que levam
a alterações em tecidos adiposos (lipodistrofia) e
os polimorfismos genéticos, está em crescimento
nos últimos anos. A Síndrome Metabólica também está sendo estudada como efeito colateral
de efeitos farmacológicos de corticóides, antidepressivos, antipsicóticos e anti-histamínicos.
Essas substâncias podem levar ao ganho de peso,
levando a duas pré-disposições das qualidades
desta síndrome: obesidade e intolerância à glicose
(Grundy et al., 2004).
A Síndrome Metabólica está intimamente relacionada ao estilo de vida, especialmente
com sedentarismo e parâmetros nutricionais de
alimentos industrializados que possuem baixas
qualidades nutricionais e altas taxas calóricas. O
consumo freqüente deste tipo de alimento, associado com a falta de atividade física, promove quadro
de obesidade, acompanhado ou não de resistência
à insulina (Manco et al., 2004).
Visto que tanto a obesidade quanto a resistência à insulina são condições patológicas que
possuem várias alterações fisiológicas em comum
e também estão interligadas entre si, são necessários estudos, tanto clínicos quanto experimentais,
para compreender os mecanismos fisiopatológicos
destas alterações. Portanto, a finalidade desta
revisão é enfocar as alterações fisiológicas encontradas nas condições de obesidade e de resistência
à insulina.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 1 bilhão de pessoas no planeta esteja acima
do peso, sendo 300 milhões obesos. Por outro lado,
800 milhões enfrentariam carências alimentares.
No Brasil, a obesidade afeta aproximadamente
40% da população adulta, sendo estimada em 38,6
milhões de indivíduos pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE, 2005), em conjunto
com o Ministério da Saúde.
Nos últimos tempos, a obesidade tornou-se
um problema de economia e de saúde pública. A
prevalência desta condição expandiu-se rapidamente durante os últimos 20 anos (Beck, 2000).
Os efeitos do excesso de peso na morbidade
e mortalidade são conhecidos há mais de 2.000
anos. Hipócrates reconheceu que “a morte súbita
é mais comum naqueles que são naturalmente
mais gordos do que os naturalmente mais magros”.
(Bray, 2004). Durante séculos, a obesidade foi vista
como sinônimo de beleza, bem-estar físico, riqueza
e poder. Atualmente, ela constitui um importante
problema de saúde pública, tanto pelo seu impacto
e pela expectativa média de vida devido à piora
que causa na qualidade de vida. É considerada a
principal causa de morte evitável, ao lado do tabaco
(Viuniski, 2003).
A etiologia da obesidade não é facilmente
identificada e caracterizada na maioria dos casos,
apesar do crescente número de estudos relacionados a esta doença. Tal dificuldade se deve ao
fato de a obesidade ser caracterizada como uma
doença multifatorial e, como tal, sua etiologia é
controversa, visto que existem contribuições comportamentais, estilo de vida e aspectos fisiológicos
no seu desenvolvimento e na sua manutenção. Os
fatores etiológicos da obesidade são divididos em
dois grupos: exógenos, que compreendem os fatores externos, como comportamentais, dietéticos e
ambientais; e endógenos, relacionados a componentes genéticos, endócrinos, neuropsicológicos e
metabólicos. Os fatores exógenos são mais comuns
e compreendem 95% dos casos, enquanto que os
endógenos representam apenas 5% dos casos (Dâmaso et al., 2003).
Apesar de várias conseqüências negativas
associadas ao excesso de peso, muitas delas podem
ser reversíveis com a perda de peso, como a pressão
arterial e tolerância à glicose (Stein & Colditz, 2004).
Há dois tipos básicos de obesidade: hipercelular, que ocorre com aumento no número de adipócitos, e a hipertrófica, causada pelo aumento no
tamanho dos adipócitos. Geralmente, a obesidade
hipercelular inicia-se na infância e adolescência e
acompanha o índice de massa corpórea acima de
40,0 kg/m2. A obesidade hipertrófica correlaciona-se
com a distribuição de gordura na região do tronco
que, por sua vez, é um importante fator de complicações da obesidade (Rosmond, 2004).
Os adipócitos possuem uma série de funções,
como estocagem de energia e controle hormonal e
neural. O controle da ingestão alimentar e homeostasia de energia podem ser influenciados por
substâncias secretadas pelos adipócitos, a leptina,
adipsina, adiponectina, resistina, fator de necrose
tumoral (TNF)-A, osteonectina e receptores-alvo
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do gene proliferador peroxissômico (PGAR/FIAF),
que atuam de uma forma complexa e ainda estão
em estudo (Rosmond, 2004).
Sugere-se que, na ocorrência da obesidade,
estas substâncias estariam desreguladas por alteração morfofuncional dos adipócitos. Na obesidade, os adipócitos secretam maiores concentrações
de TNF-A e interleucina 6, que são antagonistas
à ação da insulina. Além disso, secretam mais
leptina, resistina e o inibidor-1 da ativação do
plasminogêmio (PAI-1), que causam o quadro de
resistência à insulina.
O quadro de resistência à insulina refere-se,
segundo Ascaso et al., 2003, a “condição patológica
caracterizada por falta de resposta fisiológica dos
tecidos periféricos à ação da insulina, levando a
alterações metabólicas e hemodinâmicas”. Outras
doenças associadas com a resistência à insulina
são dislipidemia, hipertensão, intolerância à
glicose, diabetes mellitus tipo 2, hiperuricemia,
obesidade abdominal, hipercoagulabilidade e
defeitos no sistema fibrinogênico, hiperandrogenismo, fígado gordo e a incidência aumentada de
doenças coronarianas (Kelly, 2000; Ascaso et al.,
2003; Borggreve et al., 2003).
Assim como a Síndrome Metabólica e a obesidade, a resistência à insulina está correlacionada
ao estilo de vida da sociedade atual. Alguns fatores
como tipo de dieta, prática de exercício, hábito
do tabagismo e situações de estresse agudo estão
sob investigação. Basicamente, a dieta ideal para
modificar a resistência à insulina seria reduzir o
ganho de peso, diminuindo a ingestão alimentar
de gordura e o aumento do consumo de fibras para
diminuir a absorção intestinal de gordura.
A prática de exercícios também é muito útil
para aumentar a sensibilidade celular à insulina,
pois aumenta a translocação do transportador de
glicose em tecidos insulino-dependentes (GLUT-4).
O hábito crônico do tabagismo é encontrado na literatura como fator que leva à resistência à insulina,
obesidade, hiperinsulinemia e dislipidemia. O estresse agudo provoca resistência à insulina pelo fato
do cortisol elevar a glicemia sérica, além de impedir
a utilização da glicose não-hepática (Kelly, 2000).
A hiperinsulinemia tem sido implicada como
gatilho primário para um grande número de anormalidades associadas à Síndrome “X”, incluindo
obesidade, dislipidemia e hipertensão. É conhecido
que a resistência à insulina pode se desenvolver
como conseqüência da obesidade. Coutinho &
Bandeira, 2003, relataram que o contrário também é
verdade, isto é, que a resistência à insulina primária
leva ao excesso de gordura.
Além dos fatores ambientais relacionados
à obesidade, muitas características psicossociais
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associam-se ao ganho de peso. Independente do
sexo, a ansiedade, a depressão e o consumo de
álcool estão relacionados à obesidade visceral.
Atualmente, o estresse é uma ocorrência marcante
na sociedade. A constância desta ocorrência pode
alterar a atividade do eixo endócrino, hipófise-hipotálamo-adrenal, expondo os tecidos a glicocorticóides por longos períodos. Elevadas taxas de
cortisol têm sido associadas à obesidade visceral,
aterosclerose, aumento nos níveis de colesterol e
resistência à insulina (Rosmond, 2004).
O índice de massa corpórea (IMC) e o risco de
diabete estão fortemente associados. O risco de diabetes mellitus tipo 2 foi menor em indivíduos com
22 kg/m2. À medida que o IMC aumentou, o risco
relativo aumentou, tanto que no IMC de 35 kg/m2,
o risco relativo aumentou 40 vezes, ou seja, 4000%
(Bray, 2004).
A obesidade é um dos principais fatores de
risco para o desenvolvimento do diabetes mellitus
tipo 2. O aumento de massa de tecido adiposo é geralmente acompanhado do aumento de resistência
à insulina. Esta resistência deve-se à diminuição de
sensibilidade do tecido adiposo, do músculo e do fígado. Os mecanismos envolvidos neste processo ainda
não estão totalmente esclarecidos (Fontes, 2003).
No quadro de obesidade, onde ocorre um
aumento da massa adiposa, os ácidos graxos na
circulação estão aumentados pelo elevado processo de lipólise nos adipócitos. Este fato associado
ao desenvolvimento da resistência à insulina nos
adipócitos resulta no acúmulo de ácidos graxos
livres na circulação. Este acúmulo leva a uma série
de alterações em tecidos não lipídicos (músculo
esquelético, fígado e pâncreas) e promove modificações na ação e na dinâmica da insulina (Fontes,
2003; Manco et al., 2004).
O acúmulo de ácidos graxos no fígado e
músculo também diminui a captação de glicose
mediada pela insulina, processo conhecido como
hipótese do suprimento lipídico da resistência à
insulina. Além disso, a lipase lipoprotéica, enzima
responsável pela hidrólise dos triglicerídios nas
lipoproteínas de baixa densidade e quilomícrons,
encontra-se em baixa atividade. Isso compromete
o clearance dos triglicerídios plasmáticos, o que
resulta em lipemia. No músculo esquelético, é aumentada a captação de triglicerídios, diminuindo
a oxidação da glicose por este tecido em função da
inibição da piruvato desidrogenase.
O acúmulo de ácidos graxos leva ao aumento
da concentração de vários metabólitos celulares,
que alteram o processo de translocação do GLUT-4.
Entre os metabólitos aumentados, sugere-se que o
diacilglicerol, o acil-CoA de cadeia longa e o TNF-A
diminuem a ação da insulina diretamente (inibindo
a proteína quinase B através da ativação de ceramidas) ou indiretamente (estimulando a proteína
quinase C). A ativação da proteína quinase C reduz
o processo de fosforilação da tirosina do primeiro
substrato insulina-receptor (IRS-1), utilizando a
fosforilação serina-treonina. No pâncreas, a exposição prolongada de ácidos graxos pode levar
à diminuição da liberação de insulina através dos
mecanismos da lipotoxicidade, com disfunção até
apoptose das células-B. No fígado, os ácidos graxos
promovem aumento do processo de gliconeogênese
e diminuição do clearance de insulina (Fontes, 2003;
Greenfield & Campbell, 2004; Manco et al., 2004;
Machann et al., 2004).
Tanto a obesidade quanto a resistência à
insulina são desordens metabólicas que possuem
alterações fisiopatológicas semelhantes e também estão interligadas entre si por uma série de
fatores. Desta forma, a obesidade, ou seja, um
quadro de hiperlipidemia representa um dos
maiores fatores de risco para o desenvolvimento
de resistência à insulina ou de diabetes mellitus
tipo 2. Deste modo, a prevenção primária destas
alterações seria de grande valia (Greenfield &
Campbell, 2004) porque um tratamento bem-sucedido da obesidade poderia diminuir a resistência à
insulina e, conseqüentemente, prevenir o diabetes
mellitus tipo 2. Portanto, são necessários muitos
estudos para elucidar cada vez mais os mecanismos fisiopatológicos responsáveis pela obesidade
e resistência à insulina.
O debate sobre a melhor forma para prevenir a Síndrome Metabólica continua. Muitos
especialistas acreditam que o método inicial seja
direcionar uma terapia para a Síndrome, para isso
deve-se considerar especialmente o contexto do
trabalho existente na relação médico-paciente para
estimular a atividade física (exercícios), alteração
alimentar e a perda de peso, enfim, mudanças no
estilo de vida.
Abstract
Metabolic or “X” Syndrome is described as a disorder collection in the organism, in which include
glucose intolerance, obesity (particularly abdominal obesity), hypertension, insulin resistance and
dislipidemia. The obesity aetiology is not easily
identified and characterized in most of the cases,
in spite of the crescent number of related studies.
Such difficulty is due to the fact of the obesity to
be characterized as a multifatorial disease and, as
such, the aetiology may be controverted, seen that
behavioral contributions, lifestyle and physiologic
aspects exist in the development and maintenance
of this disease. The obesity is one of the main risk
factors for the development of the type 2 diabetes
mellitus. The mechanisms involved in this process
are not still totally explained. Therefore, many
studies are necessary to elucidate the responsible
physiopathologic mechanisms for the obesity and
insulin resistance. The purpose of this revision is
to focus the physiologic alterations found in the
obesity conditions and insulin resistance.
KEYWORDS: Obesity. Metabolic syndrome. Insulin
resistance.
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12 a 15 de abril de 2007
XIII Congresso de G&O
da Região Sudeste da FEBRASGO
XXXI Congresso Estadual de G&O
Local: Hotel Sofitel Rio de Janeiro
Realização: SGORJ
Tel.: 55(21)2265-1525
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