73 1ª Jornada Científica de Comunicação Social A pesquisa em Comunicação: tendências e desafios DA CRIAÇÃO À GLOBALIZAÇÃO: MICHELANGELO E O PROCESSO DE RECRIAÇÃO1. Léa Sílvia Braga de Castro Sá2 Palavras-chave: Leitor. Gestualidade. Intertextualidade. INTRODUÇÃO - A imagem atravessa os textos e os tempos, palavras e imagens interagem, possibilitam a re-vitalização e a socialização de um saber, antes restrito a uma minoria. Neste “canto de metamorfose”, participamos deste “museu imaginário”. O legível e o visível cruzam-se e entrecruzam-se nos olhares do ler e do ver, que são os mesmos acrescidos do mundo do texto e do mundo do leitor. O leitor produtor de sentidos - traz, para o interior do mundo do papel, toda uma gama de elementos extratextuais. Um olhar diferente leva a uma composição diferente, o que possibilita ao autor interversões e intervenções. E é justamente a mobilidade do ponto de vista que permite a atualização no ato de criação. Ler levantando a cabeça aponta o trabalho de tessitura dos significados que não estão circunscritos, limitados ao texto, assim como não estão no autor ou no leitor exclusivamente, mas no cruzamento de olhares entre eles. RELEVÂNCIA - Como leitor - caçador de sentidos e participante da construção do sentido -, estabelecemos a intertextualidade, buscando um dos pontos de isotopia o gesto, o significado da mão no ato de criar; o ato performativo da criação através das mãos. Como no ato de ler e ver, o gesto é muito importante, não só “a leitura tornou-se um gesto do olho”, como disse De Certeau, como também o gestual se tornou, além de visível, lisível (possível de ler). O gesto - precursor da palavra - é universal, sintético. É a linguagem sem palavras, é o silêncio que fala. Utilizando-se de signos não verbais, cria significação. METODOLOGIA - Numa volta ao Gênesis (“No princípio Deus criou o céu e a terra... separou a luz e as trevas... E criou o homem a Sua imagem; criou-o à imagem de Deus...E, da costela de Adão, formou o Senhor Deus uma mulher – Eva...”) e a Michelangelo (A Criação – Capela Sistina), buscamos a chave para algumas re-leituras que se tem feito, acompanhando o processo de intervenções e interversões (na Arte e na Mídia), caminhando pela trama de unidades sígnicas do verbal e do não verbal. Tentamos resgatar no passado o presente, analisando, neste constante re-criar, a complexidade da relação entre o texto e o leitor. PRINCIPAIS DISCUSSÕES / RESULTADOS DA PESQUISA - Michelangelo enfatizou o gestual e a grande recorrência do gesto revela sua importância, transforma-o em um verdadeiro signo. No afresco da Capela Sistina, a gestualidade 1 Trabalho apresentado na 1ª Jornada Científica de Comunicação Social, sob o título A pesquisa em Comunicação: tendências e desafios, realizada na Universidade Sagrado Coração – Bauru – SP, no período de 27 a 29 de agosto de 2009. 2 Professora com Doutorado em Comunicação e Poéticas Visuais. Professora do Centro de Humanas – Universidade Sagrado Coração – e-mail: [email protected] 74 da mão foi a constante. Michelangelo teve o cuidado de distinguir dois gestos para as mãos pelos quais o Criador instaura Sua criação: gestos do indicador apontado – símbolo do poder – para a criação dos astros e para a criação de Adão; e, da mão espalmada – símbolo da autoridade – para a separação da luz e das trevas, para a separação dos astros e para a criação de Eva. O indicador apontado é a imagem do Logos performativo, do Verbo. O gesto da mão espalmada corresponde à criação pela separação dos elementos existentes anteriormente. Nada mais que dois gestos - o indicador e a mão espalmada - e o Caos se transforma em Cosmos, a não vida se transforma em vida. À criação pela palavra “Deus disse”, acrescenta-se a criação pelo ato “Deus fez”. A palavra bíblica - o dito - fixa o significado da imagem - o visto. Entre o visto e o dito, pode-se estabelecer relações de complementaridade em relação ao gestual: o encontro da mão de Deus com a mão do homem. Michelangelo transforma o texto verbal em pictórico. Seus afrescos impressionam pelas marcas significativas: a gestualidade tem sido utilizada pelos mais diferentes Meios de Comunicação, procurando entrecruzar linguagens para eternizar e reavivar constantemente o potencial criativo do homem. Hoje Michelangelo - o criador - se atualiza nos mais diversos Meios de Comunicação de Massa. Recreia-se através de Cópia, como em envólucros de papel e envelopes (Filipaper), em propagandas (Petrobrás), em Os Quadrões de Maurício de Sousa, na literatura (O Criador de Semíramis Paterno), em um Mural (no Metrô de Milão/2003 ...); através da Estilização (como no Selo comemorativo do ano 2000 na Itália), em propaganda (Caterpillar...), em capas de revistas; através de Sugestão, como no enredo e alegorias da Escola de Samba São Clemente do Rio de Janeiro (Carnaval / 2002)), em filme (ET), na vinheta de novelas (Tieta do Agreste, O Anjo que caiu do Céu, O Clone...). A vinheta do novela O Clone, numa atualização da Criação do Homem, faz repensar o ato da criação. Assim como o Criador criou o homem à Sua imagem e semelhança, também criou Eva - o primeiro clone -, tirando-a da costela de Adão. Criou o varão e a fêmea. O homem inerte levanta-se, divide-se em dois e a tênue fita do DNA estabelece a ligação. É uma tessitura polifônica: um texto fala de outro texto, é um diálogo de um texto com outro texto. Como diz Malraux “é um canto de metamorfose”. Entramos num museu imaginário. O agora-presente representa-se como a modificação do agora-passado. CONCLUSÃO - A releitura arrasta o texto para fora da cronologia e reencontra um tempo mítico (sem antes nem depois) e é através dela que obtemos não o “verdadeiro” texto, mas o texto plural: o mesmo e o novo. Cabe ao leitor puxar os fios, destecer nós, ao mesmo tempo em que amarra outros fios, tece outros nós. Os hipertextos, inseridos numa rede de outros textos, libertam da ideia da obra como objeto absoluto e fechado, pois, com a inserção de textos particulares em contextos textuais variáveis, permite ao leitor-usuário mudanças incontroláveis. REFERÊNCIAS ARASSE, D. L’index de Michel-Ange. In: Communications 34. Paris: Seuil, 1981. BERTRAND, D. Caminhos da Semiótica Literária. Tradução do Grupo CASA. Bauru, SP: EDUSC, 2003. 75 CHASTEL, A. Lê geste dans l’art. Paris: Editions Liana Levi, 2001. COSNIER, J. Geste, cognition et communication. In: Nouveaux Acts Semiothiques. Pulim. Limoges, FR: Université de Limoges, 1997. JOLY, M. Introduction à l’Analyse de l’image.Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1996. (Coleção Ofício e Arte). RIO, M. Lê dite et le vu. In: DEGRÉES. Bruxelles, 1987. p. 49-50.