Características Recentes dos Deslocamentos Populacionais na Região Metropolitana de Porto Alegre: características dos anos 80* Tanya M. de Barcellos Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser Palavras-chave: migração, mobilidade espacial; metrópoles. I. Introdução Neste trabalho enfocamos a questão dos movimentos populacionais na dimensão metropolitana, procurando destacar quais as principais características dos deslocamentos em direção aos municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), e dos fluxos intrametropolitanos, de modo a levantar algumas considerações sobre o papel da mobilidade espacial da população na estruturação urbana da metrópole1. Os Censos Demográficos de 1980 e 1991 constituem as fontes básicas das informações utilizadas e nos permitem realizar uma ampla caracterização do fenômeno. Procuramos demarcar os fluxos que alimentaram o incremento demográfico da região, em busca de elementos que nos aproximem da discussão acerca das mudanças em curso nas metrópoles. No que diz respeito ao tema da mobilidade espacial das populações, essa discussão suscita algumas questões, que orientaram a construção do trabalho. Quais os nexos entre mobilidade e crescimento das periferias? Podemos falar * Trabalho apresentado no XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, realizado em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 2002. 1 Estamos apresentando neste texto os primeiros resultados em relação ao tema da mobilidade espacial, como parte da pesquisa Desigualdades sócio-espaciais da RMPA, em desenvolvimento no Núcleo de Estudos Regionais e Urbanos (NERU), da FEE, conforme Convênio com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) através do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ). Esta pesquisa integra um conjunto de estudos comparativos sobre as metrópoles brasileiras, no contexto do Projeto Metrópole, desigualdades socioespaciais e governança urbana: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, tendo mais recentemente incorporado as metrópoles de Curitiba e Recife. O Projeto, coordenado pelo Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal, vinculado ao IPPUR/UFRJ, conta com apoio do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX 97) do Ministério de Ciência e Tecnologia e é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A pesquisa sobre a RMPA recebe financiamento do Programa PróGuaíba (Secretaria de Estado da Coordenação e Planejamento – RS) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul - FAPERGS. Definimos mobilidade espacial da mesma forma que Lago (2000), como uma noção com sentido mais amplo que engloba os movimentos de longa distância – migração – e os deslocamentos de curta distância e que dizem respeito à mobilidade residencial. em um processo de diversificação social das periferias? As categorias médias estão buscando áreas menos valorizadas da região metropolitana? Persiste a relação entre pobreza e migração? Estaria emergindo uma “hiperperiferia”, qualificada pela presença de condições sociais piores do que aquelas que caracterizam as periferias típicas2? (Torres, Marques, 2001, p.52). Foram especialmente examinadas as mobilidades intrametropolitana e interregional, através da identificação dos fluxos3 e de sua caracterização social, ou seja, procuramos mapear as desigualdades sociais entre migrantes que residem em diferentes áreas, utilizando indicadores da situação ocupacional, da renda, do nível de instrução e das condições da moradia. Para a análise efetuada, levamos em consideração a existência, no interior da metrópole, de pelo menos duas configurações específicas em função das características econômicas e históricas, a RMPA 1 e a RMPA 2, e a situação de alguns municípios que se constituem em pólos, tendo em vista a concentração de atividades econômicas e equipamentos4. A problemática que orienta a investigação tem referência em estudos recentes sobre os impactos sociais da reestruturação econômica e da globalização e nos trabalhos que contemplam a questão migratória no país nas últimas décadas. No debate sobre as repercussões da reestruturação e da crise é central a idéia de polarização social e espacial, especialmente as discussões que se travam recentemente em torno da hipótese da global city, formulada por Sassen (1991). Segundo essa hipótese o papel das grandes cidades que integram as redes mundiais da economia se modifica e se altera a divisão social e espacial do trabalho com a redução da atividade industrial e o incremento das 2 Falamos de periferia típica referindo-nos à situação que marcou as grandes cidades (no caso de São Paulo, no período entre 1940 e 1980) onde a relação centro-periferia era crucial para entender a metrópole e a separação entre os grupos sociais era marcada por grandes distâncias e diferenciais de qualidade de vida urbana (Caldeira, apud Souza, Teixeira, 1999). 3 Nossa abordagem da mobilidade espacial da população metropolitana tem suporte nas informações censitárias considerando a Variável 3191, qual seja, Município ou País Estrangeiro de residência anterior, em 1991, e a Variável 518, ou seja, UF do MUNICÍPIO ANTERIOR, em 1980. 4 De um lado, temos uma sub-área que vem sendo chamada de RMPA 1, composta pelos municípios de Campo Bom, Dois Irmãos, Estância Velha, Ivoti, Nova Hartz, Novo Hamburgo, Portão, São Leopoldo e Sapiranga. De outro, está a chamada RMPA 2, que reúne a capital e os municípios do seu entorno: Alvorada, Cachoeirinha, Canoas, Eldorado do Sul, Esteio, Glorinha, Gravataí, Guaíba, Parobé, Porto Alegre, Sapucaia do Sul, Triunfo e Viamão. O município de Parobé não foi incluído na pesquisa em função de dificuldades na compatibilização dos dados para os anos de 1980 e 1991 (Mammarella, Barcellos, Koch, 2000). 2 atividades financeiras e dos serviços. Com isso, estaríamos diante de uma nova estrutura social caracterizada pela concentração da renda e pelo crescimento das camadas superiores e inferiores da escala social junto com uma redução da importância relativa dos segmentos médios (Ribeiro, 1999). Essa polarização social se expressaria no plano espacial através do surgimento de uma segmentação entre áreas cada vez mais exclusivas das camadas superiores da hierarquia social, de um lado, e inferiores, de outro. Tal perspectiva, entretanto, não tem encontrado rebatimento na realidade de algumas metrópoles. Estudo sobre o Rio de Janeiro mostra que, com a crise, a pobreza se difunde, havendo crescimento de favelas em áreas centrais e periféricas. Por outro lado, foi constatado que a periferia tornou-se mais heterogênea em termos sociais, com o surgimento de áreas residenciais e comerciais voltadas para as camadas médias (LAGO, 2000). A própria agudização da pobreza tornaria até a periferia inacessível aos mais pobres, tendo como conseqüência o crescimento das favelas ou o deslocamento para municípios mais afastados do núcleo metropolitano (Souza, Teixeira, 1999). A abordagem da mobilidade espacial é fundamental para entendermos a estruturação urbana, pois é expressão das dinâmicas econômica e urbana e, por sua vez, altera o padrão de organização do espaço (Lago, 2000). A distribuição da atividade econômica, seu dinamismo na criação de emprego e de riqueza, de um lado, e o comportamento do mercado imobiliário e do investimento em infraestrutura, de outro, são fatores cruciais na determinação dos movimentos populacionais. Por outro lado, a mobilidade espacial está estreitamente relacionada com a mobilidade social, ou seja, com as mudanças de emprego e de posição na estrutura social, que podem significar ascensão ou descenso social. Fazem ainda parte do processo as transformações objetivas nas condições sócio-econômicas dos lugares e também aspectos subjetivos relativos à existência de um valor simbólico incidindo no processo de estratificação dos espaços (Lago, 2000). A identificação e qualificação dos fluxos populacionais dirigidos para a metrópole e aqueles que ocorrem no seu interior podem trazer informações sobre a dinâmica de crescimento e segmentação do espaço urbano, permitindo, ainda, avaliar outras relações relevantes encontradas na literatura, como a relação entre pobreza, 3 migração e favelização, e a influência do mercado imobiliário e/ou do empobrecimento, condicionando o acesso à casa própria, no incremento de setores médios na periferia. II. Características do crescimento populacional recente da RMPA Os estudos recentes têm destacado o surgimento de novas características nos deslocamentos populacionais no Brasil a partir dos anos 80. Os últimos levantamentos mostraram uma redução do ritmo de crescimento populacional, inclusive nas áreas metropolitanas, e um incremento das cidades médias (Andrade, Serra, 1999) e de regiões fora do epicentro formado pelo sudeste, expondo uma relevância maior dos deslocamentos intra-regionais e intrametropolitanos (Baeninger, 1998); (Pacheco, Patarra, 1997). Esses deslocamentos intrametropolitanos, embora em queda em termos absolutos tiveram sua importância relativa aumentada entre 1980 e 1991 (Baeninger, 1998). Além dessa desconcentração populacional, outras características começam a se sobressair na configuração dos movimentos populacionais, como a “periferização” da população das aglomerações urbanas, ou seja, o entorno vem crescendo mais intensamente do que o núcleo metropolitano. Tais mudanças refletem processos econômicos, sociais e demográficos em curso nas duas últimas décadas, particularmente as transformações estruturais relacionadas à reestruturação econômica e à globalização. Alguns outros fatores devem ser mencionados, como é o caso da política de atração de investimentos para regiões deprimidas economicamente e a expansão das fronteiras agrícolas. Também o declínio da fecundidade interfere reduzindo o volume dos fluxos migratórios, assim como a crise econômica diminuindo as chances de emprego urbano especialmente industrial e as oportunidades de ascensão social para as camadas de baixa renda. No que diz respeito à RMPA5 podemos observar durante as três últimas décadas um aumento de sua participação na constituição da população do Estado, embora desacelerando seu ritmo de incremento. A região representava 28,70% da população gaúcha em 1980, fatia que cresce para 33,12 % em 1991, alcançando 34,36% em 2000 (Tabela 1), contrariando as expectativas de redução do peso das grandes 5 No que se refere às tendências do crescimento populacional foi possível realizar uma abordagem atualizada da RMPA, incorporando os dados já disponíveis do Censo Demográfico de 2000. 4 metrópoles e de interiorização do crescimento populacional. As cidades médias também crescem, especialmente aquelas que integram a região, o que de certo modo também ocorreu a nível nacional (Andrade, Serra, 1999). Outra tendência que vem sendo relatada pode ser observada no Estado. A sede da RMPA perdeu peso demográfico e reduziu seu ritmo de incremento populacional. A contribuição de Porto Alegre à formação da população urbana gaúcha diminuiu de 21,43% em 1980 para 18,06% em 1991, e para 16,36% em 2000. A taxa de crescimento demográfico, que era de 2,4% ao ano na década de 70, ficou em apenas 1,06% entre 1980 e 1991 (Barcellos, 1995, 1997), caindo para 0,83% ao ano entre 1991 e 2000, bem abaixo da taxa de incremento populacional média do RS, que na última década foi de 1,21% ao ano6. Já as localidades do entorno ampliaram sua fatia na composição da população do Estado e de sua parcela metropolitana. Considerando a RMPA sem a sede, sua participação no conjunto da população do RS aumentou de 14,23% em 1980, para 19,57% em 1991 (Barcellos, 1995), e para 21,01% em 2000 (Tabela 1). A Capital vem expressando em sua dinâmica demográfica as transformações relacionadas com o processo de desconcentração da produção industrial7 e de periferização da moradia da força de trabalho. A concentração demográfica da RMPA expressa uma concentração econômica, que pode ser avaliada pela participação da região no Produto Interno Bruto (PIB) do Estado. Embora caindo entre 1990 e 1998, o peso do produto metropolitano se mantém muito elevado, encontrando-se em torno dos 40% do PIB gaúcho. Na indústria, a contribuição foi de 51,11% à formação desse setor em 1990 e de 48,77% em 1998. No que se refere ao setor terciário (comércio e demais serviços), a economia metropolitana representou em torno de 41% do produto gerado no RS por esse segmento naqueles anos. O comércio, único setor que teve incremento de participação no período, passou de 47,10% em 1990 para 50,44% em 1998. (Alonso, 2001). Dentre os municípios do entorno metropolitano, algumas situações diferenciadas em relação ao crescimento demográfico devem ser registradas. 6 As taxas foram obtidas a partir das informações do Censo Demográfico de 2000 divulgadas pelo IBGE e capturadas via Internet. 7 Mais recentemente, alguns municípios do entorno metropolitano estão recebendo novos investimentos industriais, colocando-se como alternativa locacional, como é o caso de Gravataí. 5 Com altas taxas de incremento populacional entre 1991 e 2000, encontram-se Eldorado do Sul (4,92% a. a.), Nova Hartz (4,65% a. a.), e Viamão (3,34% a. a.). Ainda com ritmo de crescimento elevado considerando a média da RMPA que foi de 1,69% a.a., estão os municípios de Alvorada, Cachoeirinha, Estância Velha, Glorinha, Gravataí, Portão, Sapiranga e Triunfo. Uma boa parte desses municípios fazem parte da RMPA 1, centralizada por Novo Hamburgo e São Leopoldo, que concentra indústrias do setor coureiro-calçadista. Outros, como Eldorado do Sul e Viamão, que funciona como dormitórios em relação ao entorno mais dinâmico, se encontram na RMPA 2, centralizada por Porto Alegre e reunindo os municípios do seu entorno. Esta sub-área tem um parque industrial e um setor terciário diversificados. Em alguns municípios contíguos e conurbados da sub-região polarizada pela capital, ou seja, Cachoeirinha, Canoas, Esteio, Gravataí, Guaíba e Porto Alegre, é alta a concentração da atividade industrial. Verificamos ainda que certos municípios da RMPA apresentaram taxa inferior ao incremento médio observado para o RS em 2000 (1,21% a.a.). Além de Porto Alegre, está nessa situação Campo Bom, Canoas, Esteio, Guaíba, Novo Hamburgo, São Leopoldo e Ivotí. Vemos que também os pólos da área coureiro-calçadista, São Leopoldo e Novo Hamburgo, estão reduzindo a intensidade de seu incremento demográfico enquanto grande parte dos municípios da região cresce a um ritmo mais acentuado, indicando talvez um movimento de periferização semelhante ao que já vem ocorrendo na capital. Igualmente uma relativa desconcentração da atividade econômica está em curso nesses casos8. III. Mobilidade espacial da população na RMPA na década de 80 Neste tópico procuramos identificar a origem e destino dos deslocamentos populacionais na RMPA, com base em informações desagregadas por setor censitário. Primeiramente, tratamos de situar a região no que se refere ao peso da migração nas décadas de 70 e 80. Nesse sentido, os dados disponíveis mostram que houve, na maioria dos municípios da região, uma redução no significado relativo dos 8 Sobre a desconcentração da produção no Vale dos Sinos nas décadas de 70 e 80, ver Alonso, 2001. 6 migrantes9 na constituição das populações. À exceção de alguns municípios da região coureiro-calçadista - Dois Irmãos, Estância Velha e Ivotí -, e de Triunfo, pólo petroquímico implantado no final da década de 70, nas demais localidades diminuiu substancialmente a importância da migração na população. O Censo de 1991 revelou, no entanto, que a participação dos migrantes, era ainda bastante elevada. Somente em Porto Alegre e Canoas, maiores cidades da região, ela se mostrou significativamente inferior à média regional que foi de 18,66%. Os municípios de Eldorado do Sul, Estância Velha e Nova Hartz, por exemplo, apresentavam em torno de 40% de migrantes na sua população (Tabela 2)10. Evidentemente o impacto dos fluxos migratórios é maior em localidades menores. Tomando o incremento populacional bruto dos municípios entre 1980 e 1991 e calculando a participação dos migrantes nesse incremento, constatamos que de fato a migração foi responsável por uma parcela muito significativa dele. Na média da região a participação dos migrantes no crescimento populacional foi de 70,34% e em alguns municípios, como Viamão, ela chegou a 93,11%. Também em Porto Alegre a contribuição das migrações para o crescimento demográfico foi muito grande. Esse resultado é compreensível se tivermos em mente que as taxas de fecundidade se reduziram muito nas últimas décadas (Tabela 2). Concentrando agora a análise nas informações que nos dão conta da origem e destino dos migrantes, abordamos inicialmente a procedência dos migrantes11 residentes na RMPA. Em linhas gerais, constatamos que a migração com destino à RMPA originou-se majoritariamente na própria região ou no interior do RS, ou seja, ela é predominantemente de caráter interno. Os fluxos vindos do resto do país não têm grande significado na dinâmica demográfica de nossa metrópole. Embora tenha aumentado entre 1980 e 1991, a migração oriunda de outros estados do Brasil representava apenas 9 Estamos trabalhando com a definição de migrante utilizada pelo IBGE, e que se refere às pessoas não naturais do município onde residem e que nele chegaram a menos de 10 anos. 10 Devemos considerar que entre 1980 e 1991 alguns municípios como Guaíba, e Sapiranga (que deram origem a Eldorado do Sul e Nova Hartz respectivamente) perderam território. 11 Organizamos os dados de origem dos deslocamentos populacionais, cuja unidade menor é o município, em dois grupos de origem, a intrametropolitana (e dentro dela os municípios) e a origem em municípios do interior do Estado, que procuramos agrupar segundo as grandes regiões, Norte, Nordeste e Sul, em que podemos dividir o RS (Alonso, Benetti, Bandeira, 1994). Levantamos também a origem em outros estados do país, que foi tratada igualmente na dimensão regional. 7 12,67% do total de migrantes computados pelo levantamento censitário de 199112. Os deslocamentos intrametropolitanos representavam 34,36% do total em 1980 e 41,29% em 1991. Como podemos ver, houve aumento considerável da sua importância, seguindo a tendência encontrada em outras metrópoles nacionais (Tabela 3). Considerando apenas a migração intrametropolitana, constatamos que a grande maioria dos deslocamentos se deu entre municípios componentes da sub-região polarizada por Porto Alegre, a RMPA 2. Não obstante aumentou, no período considerado, a proporção de migrantes que se deslocaram para a sub-região coureirocalçadista, a RMPA 1. Assim, em 1980, 83,77% dos migrantes intrametropolitanos escolheram a RMPA 2, percentual que cai para 79,36 em 1991 (Tabela 4). Já os migrantes com procedência no interior do RS embora também tenham concentrado sua residência na RMPA 2, em 1991, o fizeram numa proporção um pouco menor do que em 1980, com um percentual de 67,21%. Naquele ano, essa participação era bastante mais elevada, nos indicando que durante a década de 80 aumentou o deslocamento de população do interior do RS para os municípios da RMPA 1 (Tabelas 5 e 6). Observando o tamanho absoluto dos fluxos populacionais, especificamente os que se deram entre os municípios da RMPA, procuramos identificar as localidades que se destacaram como destino e quais foram mais representativas enquanto locais de origem dos migrantes. Em 1991, o município de Gravataí recebeu quase 40.000 migrantes, encabeçando a lista dos destinos por tamanho, seguido de Viamão (36.264) e Alvorada (32.010), situação que não se alterou muito relativamente ao que se verificava em 1980. Esses municípios localizam-se na RMPA 2, que como vimos, vem concentrando o destino dos deslocamentos intrametropolitanos. No entanto, não podemos deixar de chamar atenção para o fato de que houve um aumento muito importante no volume dos fluxos dirigidos para a RMPA 1 entre 1980 e 1991. Tal crescimento deve ser creditado em especial a São Leopoldo, embora praticamente todas as localidades dessa sub-região tenham experimentado uma expansão do volume de migrantes (Tabela 4). 12 A origem mais freqüente dos migrantes residentes na RMPA em 1991, procedentes de outros estados, era os estados da região sul do país. Somente em Porto Alegre, migrantes procedentes da região sudeste têm importância, superando, inclusive, a proporção dos que vieram dos estados do sul. 8 Com relação à origem dos deslocamentos que ocorreram no interior da RMPA, constatamos que também a sub-região polarizada por Porto Alegre foi responsável por uma proporção muito elevada dos fluxos em 1991, ou seja, nada menos do que 82,59% deles. Aqui, a maior contribuição foi da capital, de onde saíram mais de 47% dos migrantes, alcançando em termos absolutos a cifra considerável de quase 130.000 pessoas. Em 1980, nada menos do que 86,52% dos deslocamentos tiveram origem na RMPA 2 (Tabela 4). Na verdade, quando observamos os deslocamentos entre os municípios da RMPA, considerando a origem e o destino, verificamos que da sede metropolitana saíram os fluxos com maior significado em termos absolutos. Dentre eles, em 1991, o fluxo com destino à Viamão é o maior, seguido, por ordem de grandeza, pelos que se orientaram para Alvorada, Gravataí, Canoas, Cachoeirinha e, por fim, Guaíba, esse já com um tamanho inferior a 10.000 migrantes. Nos casos de Alvorada e Viamão, tradicionais “dormitórios” na RMPA, podemos suspeitar que provavelmente tenham recebido a população mais pobre, expulsa pelo preço cada vez mais alto da moradia na capital do Estado. (Tabela 7). O cálculo do saldo entre saída e entrada dos migrantes intrametropolitanos, em 1991, revela que a RMPA 2 em conjunto, embora atraindo maior quantidade de fluxos, também expulsa em proporção maior, contabilizando um saldo negativo superior a 8.000 habitantes, que foi incorporado à RMPA 1. Na verdade, Porto Alegre é a maior responsável por essa perda, registrando 105.043 pessoas na diferença entre os que chegaram e os que saíram. Os municípios que tiveram os saldos positivos mais altos foram Gravataí, Viamão, Alvorada, com mais de 20.000 e São Leopoldo, com mais de 10.000 migrantes. Em relação à situação de 1980 em geral, os resultados sobre os saldos migratórios não trazem novidades. No que se refere aos saldos negativos, em 1980, Porto Alegre também é o destaque, onde se contabilizou uma diferença de mais de 90.000 migrantes (Tabela 4). Voltando o foco para os migrantes residentes na RMPA e procedentes do interior, e identificando a sua origem (segundo as regiões norte, nordeste e sul do Estado), constatamos que os migrantes que deixaram a região norte do RS tinham, em 1991, a participação mais destacada, seguidos daqueles procedentes do sul do Estado. 9 Em 1980 os resultados nos apontavam o inverso. Quando estratificamos a área metropolitana em duas sub-regiões, vemos que na RMPA 1 é ainda muito mais representativa a participação de migrantes vindos do norte, chegando a 72,75 % em 1991, enquanto na RMPA 2 é maior a parcela dos que vieram do sul do Estado (Tabelas 5 e 6). Isso se explica em parte pelas características dessas áreas. A RMPA 1 mantém um espaço rural importante articulado com as atividades industriais do setor coureiro calçadista13, o que pode ser mais atrativo para migrantes com origem rural, que é o caso da região norte, onde ainda se concentram os estoques de população rural do RS (Barcellos, 1995). Também a história da ocupação do território do Estado é um fator que deve ser levantado, já que grande parte das migrações que se dirigiram para o norte do RS, procediam dessa região de imigração alemã, a colônia velha, que na primeira metade do século XX, pelo processo de esgotamento das terras disponíveis e pela repartição sucessiva dos lotes, viu se reduzirem enormemente as possibilidades de reprodução social da população nas propriedades agrícolas (Barcellos, 1995). IV. Perfil socioocupacional dos migrantes residentes na RMPA Para descrever a estrutura socioocupacional do migrante residente na RMPA utilizamos a distribuição dos migrantes, particularmente dos intrametropolitanos e dos com origem no interior do Estado, segundo categorias sócio-ocupacionais construídas a partir de variáveis que combinam ocupação, instrução e renda14. Para complementar esse quadro, examinamos os migrantes procedentes de localidades situadas fora do RS, especificamente os fluxos mais relevantes em termos absolutos, que são os originados nas regiões sul e sudeste do Brasil. É importante essa análise da composição social desses diferentes grupos de migrantes, a fim de entendermos melhor os processos que estão na base dos deslocamentos populacionais e a influência da mobilidade espacial da população na estruturação urbana da região. O conjunto dos migrantes residentes na RMPA em 1980 apresentava uma estrutura socioocupacional não muito diferente da média da população ocupada na 13 Sobre a articulação entre atividade e moradia urbana e rural nessa área, ver Schneider (1995). Sobre a metodologia de construção das Categorias Sócio-Ocupacionais (CATs) ver Mammarella, Barcellos, Koch (2000). 14 10 RMPA15 naquele ano, ou seja, predomínio de ocupados nas categorias do proletariado secundário e um peso significativo das categorias médias e do proletariado terciário. Em 1991, essa estrutura em geral se mantém, embora tenha reduzido a importância do operariado industrial em ambos os casos. Algumas especificidades, no entanto, devem ser anotadas. Em primeiro lugar ressalta na estrutura dos migrantes a participação significativamente maior dos operários da indústria e um peso relativamente menor dos segmentos médios e das elites. Em 1991 o proletariado secundário detinha entre os migrantes uma fatia de 34% dos ocupados, valor que atingia 28% na estrutura social do conjunto dos ocupados na RMPA. As camadas médias que alcançavam uma parcela de quase 27% quando consideramos todos os ocupados, não chega a 23% no quadro dos migrantes. Outro diferencial digno de ser mencionado é a participação do subproletariado nessas estruturas, que é maior entre os migrantes (11,18% em 1991 na estrutura social dos migrantes e 9% na estrutura social da população da região). Com isso, podemos concluir que o perfil ocupacional da população migrante, embora semelhante ao perfil ocupacional da população da RMPA, era mais concentrado em categorias subalternas, o que indica, numa perspectiva mais ampla, a dominância de deslocamentos da base da pirâmide social em detrimento de uma movimentação de trabalhadores mais qualificados, o que se esperaria tendo em vista a maior seletividade do mercado de trabalho nas últimas décadas. Cotejando as distribuições dos migrantes estratificados por origem, intrametropolitana e interior do RS, em 1991, constatamos algumas diferenças relevantes. Na estrutura dos que têm origem na própria região, as categorias médias, a pequena burguesia e o proletariado terciário são um pouco mais relevantes, enquanto o operariado industrial, o subproletariado e a elite intelectual têm presença relativamente maior entre os migrantes vindos do interior do Estado (Tabelas 8 e 9). Cabe anotar uma outra diferença que identificamos quando comparamos os anos de 1980 e 1991: a maior expressão das camadas médias entre os migrantes intrametropolitanos e do proletariado industrial entre os com procedência no interior não aparecia em 1980. 15 A estrutura socioocupacional da população metropolitana foi analisada em Mammarela, Barcellos, Koch (2000). 11 Quando examinamos a estrutura social dos migrantes contemplando além da sua origem, também as sub-regiões onde se estabeleceram podemos encontrar também diferenças importantes. A primeira constatação que podemos assinalar, examinando primeiramente a distribuição dos migrantes intrametroplitanos, remete ao peso maior do proletariado industrial na estrutura socioocupacional dos residentes na RMPA 1, caracterizada pela concentração de indústrias do setor coureiro-calçadista. Já entre os que se dirigiram para a RMPA 2, polarizada por Porto Alegre, as categorias médias, e, de maneira mais acentuada, o proletariado terciário e o subproletariado ocupavam espaço mais significativo. Se olharmos para a distribuição dos migrantes vindos do interior do Estado, os resultados são muito próximos, embora a importância dos operários industriais seja ainda maior entre os que residiam na RMPA 1. Cabe anotar que nessa estrutura socioocupacional a elite intelectual tem um relevo entre os migrantes que escolheram a RMPA 2, numa proporção semelhante ao que encontramos na distribuição do conjunto da população metropolitana, indicando a existência de fluxos mais qualificados do interior para a região polarizada pela capital. De fato, esse resultado se deve em grande parte à participação da elite intelectual na distribuição dos migrantes vindos do interior para a cidade de Porto Alegre que é significativamente mais elevada do que na média da sub-região (Tabelas 8 e 9). Chama a atenção a posição do subproletariado, que apresenta maior relevância do que na estrutura do total de ocupados da RMPA especialmente na RMPA 2. Isso acontece para os migrantes intrametropolitanos e de maneira muito mais intensa para os procedentes do interior do RS. Tendo em vista a relação “clássica” descrita na literatura sobre a questão urbana dos anos 70, entre migração e crescimento da pobreza nas grandes aglomerações urbanas, a expectativa de que localidades mais pobres tivessem uma maior proporção de subproletários na estrutura social de sua população migrante, se confirmou, particularmente entre os migrantes vindos do interior que apresentavam uma parcela muito mais alta do que na média da população para a categoria dos subproletários em municípios como Alvorada, Eldorado do Sul e Viamão, que funcionam em grande parte como dormitório para as populações que desenvolvem atividades em municípios mais dinâmicos. 12 Examinando, finalmente, a estrutura social dos migrantes que compunham os principais fluxos populacionais em 1991, que como vimos anteriormente, envolvem deslocamentos originados em Porto Alegre e com destino a localidades do seu entorno, podemos encontrar material para avaliar as hipóteses sobre deslocamento de segmentos mais pobres e de categorias médias para áreas mais periféricas, onde a moradia é mais acessível. Efetivamente, podemos encontrar uma estrutura social relativamente diferenciada em alguns desses fluxos. Em 1991, identificamos no perfil socioocupacional dos migrantes que saíram de Porto Alegre com destino a Viamão e Alvorada, um peso elevado das categorias subproletárias, semelhante ao que aparece na distribuição da totalidade dos migrantes nesses municípios. Essas categorias no primeiro caso representavam mais de 15% dos ocupados e no segundo quase 13%, enquanto na estrutura dos migrantes intrametropolitanos em conjunto elas significavam em torno de 10% dos ocupados, e na distribuição socioocupacional da população apenas 9% (Tabela 10). Já as categorias médias ocupavam espaço mais importante especialmente na estrutura social dos migrantes cujo destino foi Canoas e Cachoeirinha. De modo especial no fluxo Porto Alegre - Canoas a proporção de ocupados nas categorias médias (33,24%) supera em muito os valores obtidos na distribuição do conjunto dos migrantes intrametropolitanos naquele município e na estrutura social dos migrantes residentes na RMPA (Tabela 10). Assim, encontramos elementos para reforçar tanto a idéia de concentração da pobreza em áreas mais periféricas em relação ao núcleo metropolitano, como a de deslocamentos de camadas médias em busca de acesso à casa própria em localidades próximas da sede metropolitana. Finalmente, olhando o grupo dos migrantes que vieram de fora do Estado, verificamos que nos fluxos procedentes da região sul do país é enorme a fatia do proletariado industrial entre os migrantes que se dirigiram para a sub-região coureirocalçadista, cujo parque industrial exerce, portanto, uma atração sobre uma área que extrapola os limites do Estado. Nada menos do que 63,69% desses migrantes estavam enquadrados nas categorias do proletariado industrial em 1991. Entre os migrantes procedentes do sudeste do país, são as categorias médias e a elite intelectual que se 13 destacam na estrutura social, sendo que isto é mais forte na RMPA 2 e ainda mais entre os que escolheram a capital para sua residência, demarcando fluxos populacionais mais qualificados nos percursos de maior distância (Tabela 18). V. Perfil social dos migrantes Como vimos, os migrantes têm inserção em diferentes categorias sócioocupacionais no espaço da metrópole, de maneira semelhante à configuração média da população, marcando, porém, com suas especificidades a estrutura ocupacional de algumas espacialidades. Essa caracterização pode ser complementada pela análise de seu perfil social, de modo a nos aproximarmos um pouco mais da realidade metropolitana no que diz respeito ao papel das migrações na sua estruturação. Isto será realizado com base em indicadores de renda, de instrução e da situação dos domicílios, para o ano de 1991. Caracterizamos os migrantes em comparação com a população como um todo, procurando sempre analisar as situações especialmente na dimensão sub-regional. Num segundo momento, enfocamos os principais fluxos já descritos anteriormente. Procuramos ainda examinar esses perfis vis a vis o perfil social dos migrantes com origem externa ao Estado, da mesma maneira que fizemos com relação à caracterização socioocupacional. Colocando nosso foco sobre a distribuição de renda dos migrantes, constatamos que há maior concentração desses nas faixas mais baixas de rendimento, comparativamente ao que podemos observar na distribuição da população total da metrópole. Isso tanto quando se trata dos intrametropolitanos como dos procedentes do interior do Estado, ou seja, os migrantes se situavam, em 1991, numa pior posição na escala de renda. Levando em conta as sub-regiões metropolitanas, no entanto, percebemos que os migrantes intrametropolitanos cujo destino foi a RMPA 1 apresentavam um perfil de renda semelhante ao que caracterizava o conjunto da população e um pouco melhor comparativamente ao da população dessa sub-região e ao dos migrantes com origem no interior do Estado em geral. O segmento mais pobre é constituído pelos que vieram do interior e se estabeleceram na RMPA 1. Já os migrantes melhor situados em termos da variável renda, que são os residentes na Capital, ainda 14 assim expõem uma estrutura de rendimentos pior que a da população de Porto Alegre como um todo (Tabelas 13 e 16). No exame dos principais fluxos intrametropolitanos fica evidente a maior pobreza dos migrantes que compõem o fluxo Porto Alegre – Alvorada e o diferencial positivo que separa a distribuição de renda dos migrantes procedentes de Porto Alegre e que se dirigiram para o município de Canoas, fato absolutamente coerente com o que emergiu da caracterização socioocupacional (Tabela 11). A análise do perfil de renda dos migrantes procedentes de outras regiões do país nos mostra que os migrantes vindos do sul eram mais pobres em comparação com os que tinham origem no sudeste do Brasil, principalmente os que integravam o fluxo sul-RMPA 1, que tinham a pior distribuição de renda, muito semelhante ao que encontramos entre os que se deslocaram do interior do Estado para essa mesma subregião. Os migrantes procedentes do sudeste e que se dirigiram para Porto Alegre apresentam o melhor perfil de renda, mesmo se comparados com a população da Capital como um todo (Tabelas 19 e 16). Com relação ao nível de instrução dos migrantes, podemos constatar em linhas gerais uma pior situação relativamente à média da população metropolitana, especialmente no caso dos migrantes com origem no interior do RS e residentes na RMPA 1. Isto é constatado na proporção de pessoas que não concluíram nenhum curso. Já esses migrantes com origem no interior, mas residentes em Porto Alegre ou na subregião polarizada por Porto Alegre apresentavam um perfil de instrução melhor, semelhante à média da população dessa área, no qual a parcela que tinha nível de instrução superior era significativa. Como já vimos antes, os fluxos migratórios de distância mais longa dirigidos para a capital reuniram uma população melhor situada na escala social (Tabelas 13 e 16). Considerando os principais fluxos intrametropolitanos, as maiores proporções no intervalo dos que não concluíram nenhum curso são observadas nos fluxos com origem em Porto Alegre e destino para Alvorada e Viamão, coincidindo com o que verificamos em relação à renda. Isto, como já vimos, pode estar apontando uma situação de expulsão da pobreza da capital para periferias mais distantes. Já os migrantes que formam o fluxo Porto Alegre – Canoas apresentaram um perfil de instrução mais 15 qualificado, indicando talvez um processo de deslocamento de camadas médias da população em direção a áreas menos valorizadas da RMPA (Tabela 11). O perfil dos migrantes vindos de fora do Estado é mais carregado do que a média no nível superior, especialmente entre os que vieram do sudeste do país e se dirigiram para Porto Alegre. É exceção o quadro dos migrantes procedentes da região sul e com destino à RMPA 1 pois eles se concentravam maciçamente no intervalo dos que não concluíram nenhum curso, muito mais do que a média dos migrantes intrametropolitanos e dos que procediam do interior do RS, tanto considerando a metrópole em conjunto como as sub-áreas (Tabela 19). Para concluir a análise do perfil social dos migrantes residentes na RMPA, abordamos alguns indicadores das condições de moradia dos migrantes, os quais nos permitem uma aproximação com a questão do mercado imobiliário, que se constitui em fator fundamental na abordagem da estruturação urbana da metrópole. Consideramos para tanto a distribuição da população no que diz respeito às variáveis condições de ocupação, localização e tipo de instalação sanitária existente no domicílio. Quando estratificamos os domicílios entre próprios e alugados e entre casa e apartamento, partimos do pressuposto de que as alternativas “domicílio alugado” e “apartamento” tendem a estar referidas a situações mais formalizadas, enquanto a casa própria pode em grande parte corresponder à autoconstrução e outras alternativas de moradia que ficam relativamente à margem do mercado imobiliário16. Examinando a migração interna ao RS segundo o destino, no que se refere às características dos domicílios, verificamos que em termos gerais sua situação se aproxima daquela que tipifica o conjunto da população. Entretanto, aqueles migrantes que se dirigiram para Porto Alegre se diferenciam substancialmente da média dos migrantes e da população. Podemos encontrar claramente um peso maior do aluguel e do apartamento de modo especial quando a procedência foi o interior do RS, mas também quando foi a própria região metropolitana, o que nos faz pensar mais uma vez que a capital atraiu segmentos sociais melhor situados na hierarquia social. Quando 16 Com o recuo da política habitacional que vigorava no país, representado pela extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH), em 1986, e dos programas voltados às faixas de baixas rendas, como é o caso do PROMORAR e PROFILURB (Liedke Filho, Ferreti, 1993) o mercado imobiliário passou a concentrar-se na produção para faixas mais elevadas de renda, dificultando enormemente o acesso à moradia dentro das condições de formalidade. 16 olhamos o dado que nos fala sobre a adequação das instalações sanitárias existentes no domicílio, também os migrantes cujo destino foi Porto Alegre, apresentam diferencial positivo, com uma distribuição praticamente idêntica à da população local como um todo (Tabela 14 e 17). Se olharmos para os migrantes que integram os principais fluxos populacionais intrametropolitanos e que como já vimos têm origem na Capital do Estado verificamos claramente alguns casos que configuram dois tipos de situação. De um lado, temos os deslocamentos com destino a Canoas e em menor escala a Cachoeirinha, que apresentavam maior peso das alternativas regulares de moradia (aluguel e apartamento), bem como uma proporção elevada, bem mais do que a média da população da RMPA e até de Porto Alegre, de domicílios com instalações sanitárias adequadas. De outro, estão os fluxos dirigidos a Alvorada, Viamão e Gravataí, com os percentuais mais baixos nas situações regulares de moradia e na condição adequada das instalações sanitárias. Vemos que de alguma maneira essas informações se somam ao que conseguimos levantar em relação à ocupação, renda e instrução revelando a presença de alguns fluxos que reúnem predominantemente populações mais pobres e de outros que são formados por camadas em melhor situação social e econômica, com destinos diferentes (Tabela 12). Quando olhamos os migrantes procedentes das regiões sul e sudeste do Brasil, constatamos que a Capital aparece como destino para migrantes com maiores possibilidades de acesso à moradia regular. Por outro lado, vemos que isto ocorre de maneira ainda mais forte quando eles têm origem no sudeste do país, o que reforça as constatações que fizemos na análise dos indicadores de renda e instrução. As condições de saneamento nesse caso são coerentes com a situação do domicílio, e as instalações sanitárias adequadas apresentam proporções mais elevadas do que o percentual que caracteriza a situação média dos habitantes de Porto Alegre (Tabelas 20 e 17). VI. Comentários finais Recuperando alguns resultados obtidos nessa análise da mobilidade espacial da população da RMPA, podemos avançar algumas observações que de certo modo respondem às indagações que nos orientaram na concepção do trabalho. 17 Em primeiro lugar, constatamos que as tendências gerais de crescimento da metrópole gaúcha acompanham os processos que têm sido relatados em relação às demais aglomerações metropolitanas do país. Ao lado do aumento dos deslocamentos intrametropolitanos e da diminuição do ritmo de incremento demográfico da RMPA, o núcleo experimenta uma contração maior do crescimento, o que se verifica em favor de uma expansão de localidades situadas no seu entorno, em especial de localidades mais pobres como Alvorada e Viamão, e de alguns municípios da sub-região coureirocalçadista. É importante observar, no entanto, que nossa metrópole continua a ocupar um espaço privilegiado enquanto concentração econômica e ainda tem aumentado a sua participação na formação da população do Estado. O exame da estrutura socioocupacional e do perfil social e habitacional dos migrantes residentes na RMPA revelou, antes de mais nada, uma realidade que em linhas gerais reproduz conclusões já apontadas pela bibliografia. Pobreza e migração são fenômenos correlacionados, ao menos numa visão mais ampla de nossa realidade. O conjunto dos migrantes está pior situado na hierarquia social do que a média da população. Algumas especificidades, porém, devem ser anotadas. Essa pobreza se expressa de modo especial nos fluxos dirigidos para a RMPA 1 e mais ainda, naqueles provenientes do interior do RS, revelando a atração da atividade industrial que vem se intensificando alcançando particularmente a região norte do Estado, onde domina a pequena propriedade agrícola, e como vimos, está ainda concentrada a população rural. Também os movimentos com origem na capital e destino para localidades “dormitório” de seu entorno se caracterizam por serem majoritariamente formados de populações com ocupações subalternas e baixas renda e instrução. São fluxos que reorganizam de certo modo a estrutura urbana da metrópole, contribuindo para homogeneizar em termos sociais certas áreas, jogando a pobreza para espaços mais periféricos. Já os deslocamentos para Porto Alegre, principalmente os que tiveram origem no sudeste brasileiro ou no interior do Estado são compostos por pessoas mais qualificadas e melhor situadas quanto à distribuição de renda e às condições de moradia. Alguns fluxos que se originaram em Porto Alegre, como é o caso especialmente do que se dirigiu para Canoas, igualmente são diferenciados em termos da melhor situação social de seus componentes, indicando talvez a busca de segmentos médios por novas alternativas de moradia e quem sabe de emprego em áreas fora do núcleo metropolitano. 18 BIBLIOGRAFIA ALONSO, José A. F., BENETTI, Maria D., BANDEIRA, Pedro S. Crescimento Econômico da Região Sul do Rio Grande do Sul: causas e perspectivas. Porto Alegre: FEE, 1994. ALONSO, José Antonio Fialho. Caracterização econômica da Região Metropolitana de Porto alegre nos anos 90. Indicadores Econômicos FEE, V. 29, n. 1. FEE, Porto Alegre, 2001; p.253-293. ANDRADE, Thompson Almeida, SERRA, Rodrigo Valente. 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