compilações doutrinais
TRIBUNAIS E MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
COMUNICAÇÃO NA DIVERSIDADE
___________
António José da Ascensão Ramos
JUIZ DE DIREITO AUXILIAR NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
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VERBOJURIDICO TRIBUNAIS E MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – COMUNICAÇÃO NA DIVERSIDADE : 2
VERBOJURIDICO
Tribunais e Meios de Comunicação Social
Comunicação na diversidade
———
António José da Ascensão Ramos
JUIZ DE DIREITO AUXILIAR NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
1.Introdução.
2. Direito e Justiça no Estado de Direito Democrático. Legitimação do Poder
Judicial.
3. Os Tribunais e os Meios de Comunicação Social.
4. A otimização da relação com os Meios de Comunicação Social no contexto da
Organização e Gestão dos Tribunais.
5. Considerações finais.
1. Introdução
Sendo a Justiça administrada pelos Tribunais em nome do Povo (art. 202.º da Constituição
da República Portuguesa1), não se pode negar a importante contribuição que os meios de
comunicação social podem dar para fazer chegar ao cidadão o conhecimento do que se passa nos
Tribunais, permitindo-lhes nessa medida exercer controle e fiscalização da atividade judicial.
Por outro lado, parece-nos também seguro que, na sociedade dos nossos dias, o prestígio da
Justiça perante a sociedade – prestígio esse que se apresenta como um fator determinante para a
aceitação da atividade judicial por parte dos seus destinatários e dos cidadãos em geral – depende
em boa medida da sua imagem.
Ora, como refere José Angel Folguera Crespo2, se a crítica à atuação dos Tribunais é
exercida de maneira excessiva, se se ataca de modo injustificado determinados juízes na sua
reputação pessoal, se se submetem os juízes e os Tribunais a campanhas deliberadas de pressão
para condicionar o sentido das decisões judiciais, não só se pode ver comprometido o prestígio dos
1
2
Doravante designada por CRP.
CRESPO, José Ángel Folguera, Poder Judicial, Medios Informativos y Opinión Pública, em Poder Judicial e
Medios de Comunicación, Estudios de Derecho Judicial, n.º 39, Consejo General del Poder Judicial, Madrid, 2001, p. 15.
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Tribunais, essencial em democracia, mas também se dificulta o cumprimento das responsabilidades
e demandas dirigidas ao Poder Judicial. Ao invés, se se exercitarem de forma adequada os direitos
da liberdade de informação e expressão, tal exercício responsável contribui para reforçar os
vínculos entre os cidadãos e as suas instituições judiciais, de modo a que aqueles percecionem
como sua a Administração da Justiça e expressem confiança nela.
Acresce que a falta de informação, ou o caráter deficiente desta, dará necessariamente espaço
a juízos especulativos sobre a atividade do Poder Judicial que se aprestam a refletir-se
negativamente na imagem do mesmo e da forma como é exercido.
Nessa medida, torna-se imperioso que, entre outras ações a tomar no contexto da procura da
melhoria do sistema de modo a que a Justiça chegue a todos de forma justa e atempada, seja
assegurado que a sociedade adquire uma correta imagem dos Tribunais, reforçando assim a
confiança nos mesmos bem como no Sistema de Justiça em geral.
Com o presente trabalho, pretende-se analisar, ainda que de forma necessariamente
perfunctória, a relação entre os Tribunais e os meios de comunicação social, apontando alguns
caminhos como hipóteses de trabalho a ponderar especialmente no contexto da organização e
gestão dos Tribunais.
2. O Poder Judicial no Estado de Direito Democrático.
Tal como refere Orlando Afonso3, com o desenvolvimento do conceito de Estado de Direito,
foi-se sedimentando a ideia de que o poder do Estado se exerce por intermédio do direito e, por
outro, que o Estado está, ele próprio, sujeito ao direito. “Porque o Estado de direito implica que a
liberdade de decisão dos órgãos do Estado esteja, a todos os níveis, limitada pela existência de
normas jurídicas superiores, cujo respeito deve ser garantido pela intervenção de juízes, os
tribunais tendem a aparecer como pedra angular e condição da realização do Estado de direito: a
hierarquia das normas não se efetiva se não for jurisdicionalmente sancionada e os direitos
fundamentais não são assegurados se não existirem juízes independentes que garantam a sua
proteção (…). Nesta perspetiva os tribunais tendem a aparecer não como uma extensão lateral do
poder executivo (com vista à aplicação da lei), mas como um instrumento e uma exigência do
Estado de direito democrático”.
O poder judicial constitui-se através das opções constitucionais tomadas, advindo assim a
sua legitimidade originária da Constituição (arts. 202.º e 215.º da CRP).
Mas, para além disso, e seguindo o mesmo autor4, a “necessidade da existência de um poder
judicial que dirima os conflitos de interesses públicos e privados, que reprima a violação da
3
AFONSO, Orlando, Poder Judicial – Independência in Dependência, Almedina, junho 2004, pp. 19 e segs..
4
AFONSO, Orlando, obra citada, pp. 54 e segs..
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legalidade, que assegure a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, que
seja freio e contrapeso dos demais Poderes do Estado, não só conduz o enfoque do discurso
legitimador para o plano da legitimidade de exercício como explica as razões porque, na maioria
dos países europeus, se optou por um sistema de legitimação originária não decorrente de qualquer
tipo de sufrágio”.
A legitimidade do poder judicial afere-se, pois, também pelo seu exercício, sendo que, nas
palavras do autor que se vem citando, só “a verdade das formulações judiciais e a liberdade dos
cidadãos constituem fonte de legitimidade da jurisdição. A verdade e a liberdade (desde a pessoal à
de pensamento; dos direitos de defesa às liberdades políticas) têm de ser garantidas por um Poder
que não esteja vinculado aos interesses da maioria”.
Como coadjuvante dessa legitimação, agora numa vertente prática, estará, para além da
própria substância da decisão judicial (a sua verdade intrínseca) a perceção pela comunidade de que
a decisão é justa, verdadeira, numa concretização do velho aforismo de que a justiça, para ser séria,
além de sê-la, deve parecê-la.
Por outro lado, num Estado de Direito democrático, a publicidade é um princípio essencial
da atuação dos poderes públicos, sendo a transparência uma exigência fundamental numa
organização em que o poder provém do Povo. Como refere Pablo de la Cueva5, que se acabou de
citar, em tais condições é natural que não só se dê ênfase à regra da publicidade no comportamento
das autoridades, como também que se insista na importância decisiva de que se reveste a opinião
pública como espaço em que a liberdade das pessoas se projeta sobre o exercício dos poderes
constituídos. Inclusivamente cobra sentido a afirmação categórica de KANT segundo a qual todas
as ações relativas ao direito que não toleram a publicidade são injustas (…). A publicidade é,
portanto, consubstancial ao Estado de Direito: sem ela, simplesmente não existe”.
Porém, como salientam Helena Machado e Filipe Santos6, o acesso “dos cidadãos à justiça é
relativamente restrito, por via da seletividade do desempenho dos tribunais, mas também por ser
grande a diferença entre a procura potencial e a procura efetiva da justiça (…). O acesso à justiça
surge sociologicamente articulado com a questão das representações sociais sobre os tribunais. De
facto, o tema da opinião pública sobre o direito e a justiça tem uma longa tradição ao nível dos
estudos sociais do direito e da sociologia política, afigurando-se relevantes, ao nível da análise
sociológica das representações sociais da justiça, matérias como o que os cidadãos sabem ou
ignoram sobre o direito os tribunais, o que pensam sobre o seu desempenho, como os avaliam à luz
das experiências próprias ou de familiares e conhecidos, e que disponibilidade e motivação revelam
para recorrer ao sistema de justiça oficial. Estudar as representações sociais da justiça significa
5
DE LA CUEVA, Pablo Lucas Murillo, La responsabilidad de los Tribunales ante la Opinión Pública y ante los
Medios Informativos, em Poder Judicial e Medios de Comunicación, Estudios de Derecho Judicial, n.º 39, Consejo
General del Poder Judicial, Madrid, 2001, p. 54.
6
MACHADO, Helena e SANTOS, Filipe, Direito, Justiça e Média – Tópicos de Sociologia, Edições Afrontamento,
2011, p. 142.
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também aferir a distância e proximidade dos cidadãos em relação ao sistema político moderno e a
própria legitimidade do Estado. Numa sociedade democrática é importante perceber as
representações dos cidadãos sobre o direito e justiça. E essa tarefa torna-se tanto mais complicada
de realizar quando, nas sociedades atuais, a formação da opinião pública é vulnerável à ação dos
meios de comunicação social e de outros grupos de pressão”.
3. Os Tribunais e os Meios de Comunicação Social.
Salientam os autores acabados de citar, no mesmo passo, que se admite que a maior parte da
informação que os cidadãos adquirem do sistema de justiça seja a que provém dos meios de
comunicação social. E que, conjugado com um reduzido acesso à justiça, parece verificar-se, em
Portugal, uma prevalência elevada de opiniões negativas sobre os tribunais. Concluem que, na
medida em que apenas uma pequena percentagem de cidadãos tem contactos diretos com os
tribunais, é provável que os media desempenhem um papel relevante na construção de opiniões
negativas da justiça, designadamente por via da saliência do contraste entre os tempos mediáticos e
os tempos judiciais. Salientam ainda que também a eficiência dos tribunais é frequentemente posta
em causa devido ao que Cunha Rodrigues designa por «absorção da incerteza», ou seja, quando os
indícios e as consequências num dado caso são comunicados em lugar da existência de provas
concretas, podendo assim criar expectativas públicas em relação a veredictos que não são
concretizados pela justiça7.
Os mesmos autores, noutra obra8, salientam ainda que o direito e a justiça “representam uma
determinada visão do mundo e impõem um determinado modelo de ordem social, cuja eficácia e
legitimidade estará dependente, sobretudo, da capacidade de ir ao encontro dos valores
determinantes numa determinada sociedade (…). Contudo, também os próprios media produzem e
consolidam uma moral, ou seja, representam imagens da realidade que estão dependentes das
estruturas culturais e económicas que os suportam”.
Descrevendo o pensamento de Habermas, referem9 que o mesmo defende que “a chave de
uma comunicação efetiva reside numa articulação eficaz entre o espaço público e o sistema político
constituído em Estado de direito (…). Como se processa, então, em democracia, a produção do
direito e a sua legitimidade? Como se articula a liberdade de informação e de argumentos com a
necessária força integrativa e coercitiva do direito? A resposta de Habermas reside na ação
comunicativa, sustentada na teoria do discurso e na ideia de que os destinatários do direito devem
poder percecionar-se como autores desse direito. Em suma, Habermas vai pensar a comunicação
como elemento de garantia prática efetiva da justiça e, como tal, da democracia (…). Contudo, é
7
MACHADO, Helena e SANTOS, Filipe, obra citada, pp. 142-143.
8
MACHADO, Helena e SANTOS, Filipe, A Moral da Justiça e a Moral dos Média: Julgamentos Mediáticos e
Dramas Públicos, Oficina n.º 333, Oficina do CES, dezembro de 2009, p. 2.
9
MACHADO, Helena e SANTOS, Filipe, A Moral da Justiça…, p. 6.
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necessário que a linguagem seja clara, defendendo que, nas sociedades atuais, ainda se assiste a
várias espécies de distorção da comunicação, que impedem a comunicação efetiva e a construção
de consenso e, como tal, a prática efetiva da democracia. Qual poderá, então, ser a solução mais
democrática? Empreender transformações nos códigos linguísticos e comunicacionais, tanto da
parte da justiça como dos meios de comunicação social, criando plataformas de adaptação mútua
que levem a alterações de práticas profissionais e que possam tornar a justiça mais compreensível
para o cidadão comum?”
Cremos que, efetivamente, tal transformação, não sendo condição suficiente, é no entanto
necessária para a tal busca de consenso. Tanto mais quando se reconhece que a linguagem jurídica,
e mais concretamente a judiciária, se apresenta com frequência com um caráter elevadamente
técnico e, nessa medida, inacessível ao comum dos cidadãos, dificultando a comunicação
desejada10.
O problema assume maior grandeza num contexto, como o nosso, em que se constata, como
salientam Helena Machado e Filipe Santos11, estar instalada a “mediatização da crise da justiça”, a
qual tem vindo a ser «ampliada pela ênfase mediática atribuída ao “aumento da criminalidade
violenta”, bem como pela cobertura de alguns casos envolvendo figuras públicas. Ambas as
estratégias revertem para uma tendência para a dramatização e sensacionalismo que, acentuando o
escrutínio dos media sobre a justiça, salientou igualmente alguns conflitos existentes no seio da
magistratura (…).»
Justiça e media partilham, afinal, de certa forma, um mesmo espaço, o espaço público, e
ambos reclamam para si finalidades comuns: a defesa do interesse público providenciada por um
terceiro neutro e imparcial.12
No entanto, a forma como atuam é substancialmente distinta, constituindo essa diferença
uma das razões, senão a principal, que levam a que muitas vezes a comunicação entre si seja tão
difícil, ou mesmo inexistente.
O seu campo de ação é distinto: os Tribunais têm de julgar todos os casos que lhes são
10
Sobre este especial aspeto do discurso judiciário, cfr. Rodrigues, Maria da Conceição Carapinha, Discurso
Judiciário, Comunicação e Confiança, em O Discurso Judiciário, a Comunicação e a Justiça, V Encontro Anual do
Conselho Superior da Magistratura, Coimbra Editora, 2008, pp. 33 e segs., onde salienta nomeadamente, como
obstáculos à perfeita comunicação do discurso judiciário: a marcada assimetria dos poderes e deveres interaccionais
afetos a cada participante; a profunda discrepância dos saberes, enciclopédias, crenças, experiências, visões de mundo,
modelos culturais e cognitivos especialmente entre profissionais e leigos; a existência de scripts (ou planos de ação)
diferentes entre profissionais e atores alheios aos rituais forenses. No entanto, à questão sobre se é possível
descomplexificar a linguagem jurídica, chama a atenção para a circunstância de que a densidade e prolixidade da
linguagem jurídica estão, muitas vezes, relacionadas e são consequência direta e visível da procura de rigor jurídico,
sendo que resta saber se a linguagem comum, cheia de ambiguidades, será capaz de dar conta da complexidade dos
problemas que a lei pretende, de modo inequívoco, solucionar e/ou prever. Chama ainda a atenção para a questão de
saber se, afinal, a acessibilidade será ou não um caminho de sentido único, ou seja, se também não terá o leigo a
obrigação de fazer o caminho inverso. Conclui (p. 44-45) no sentido de que, se existe (e funciona bem) uma linguagem
legal interna, usada na comunicação interpares, é porém necessário que a comunicação virada para o exterior seja clara,
transparente e unívoca.
11
MACHADO, Helena e SANTOS, Filipe, A Moral da Justiça, p. 7.
12
MACHADO, Helena e SANTOS, Filipe, A Moral da Justiça, p. 8.
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apresentados; os media noticiam os casos que selecionam segundo os critérios que fixam13.
Os media, enquanto empresas que são, atuam segundo uma lógica de mercado, de obtenção
de lucro, algo que não se verifica com os Tribunais. Nessa medida, tal como salientam Helena
Machado e Filipe Santos, o funcionamento organizacional dos media é estruturado em torno da
elaboração de produtos “vendáveis”.
A linguagem também é algo que os divide14: a linguagem jurídica tende para a precisão e
complexidade, bem como para a neutralidade e sobriedade, enquanto que a linguagem dos media
tende, ao pretender aceder a um público o mais vasto possível, para a simplificação bem como,
mais nuns casos do que noutros, para o sensacionalismo. Ainda aqui, constata-se que por vezes a
linguagem mediática tende a fugir à precisão factual para se refugiar em asserções mais vagas,
dando azo à especulação e, nessa medida, abrindo espaço para a transmissão de novos conteúdos
dirigidos ao consumidor (fóruns de discussão em que os intervenientes dão a sua opinião,
comentários de especialistas, debates, etc.).
Ademais, o tempo de atuação é igualmente muito distinto: como referem os autores acima
citados 15, ao nível temporal, “os tempos da justiça atendem às exigências da tramitação processual
e à burocracia e racionalidade das diferentes fases processuais (…). A tramitação judicial pode ser
considerada extremamente lenta, especialmente quando confrontada com a temporalidade dos
média. A periodicidade ou temporalidade mediática possui um caráter mais imprevisível na medida
em que é afetada por fatores relacionados com o estabelecimento de agendas, critérios de
noticiabilidade, rotinas de produção noticiosa e mesmo mudanças organizacionais. Assim, no que
diz respeito à cobertura da justiça, a lógica mediática procura reduzir a imprevisibilidade e adaptar
os acontecimentos à sua própria lógica de periodicidade, isto é, hora-a-hora, diária ou semanal
(Surette, 1998: 61). Paradoxalmente, é possível que um dado caso judicial possa ser alvo de grande
cobertura mediática no início, quando pouca informação está disponível, mas que na sua fase
13
Sobre esta problemática dos critérios de noticiabilidade, cfr. MACHADO, Helena e SANTOS, Filipe, Direito,
Justiça e Média…, pp. 145 e segs..
14
MACHADO, Helena e SANTOS, Filipe, Direito, Justiça e Média…, p. 156, realçam que, “Ao nível discursivo ou
gramatical, verificam-se traduções nos media que visam adaptar e tornar compreensível ao público leigo a linguagem
técnica e altamente profissionalizada do campo jurídico que permanece hermética e altamente profissionalizada do campo
jurídico que permanece hermética para os profanos de forma a consolidar o poder que advém do monopólio de
competências (Bourdieu, 1989: 232-3). Desse modo, o público leito vê-se limitado na interpretação da informação
veiculada pelos media, na medida em que a formatação do discurso mediático eleva, por vezes, a decisão judicial à
categoria de coisas acontecidas, com reflexos ao nível da certeza, da absolutização e da ressonância. Para além disto, a
necessidade de tornar a informação mais apelativa e compreensível leva frequentemente à introdução de novas
significações por parte dos média (...)”.
Um exemplo do que se perde na tradução está numa situação ocorrida há uns anos no Tribunal de Leiria: a juíza que
presidia a um caso cível que estava a ser acompanhado pela comunicação social escrita local indeferiu, em audiência de
julgamento, o depoimento de parte dos réus, por entender que não era admissível em face da lei processual civil; no
entanto, a situação foi noticiada como a juíza tendo “prescindido” dos referidos depoimentos, o que numa leitura mais
imediata parece inculcar que tal se deveu a uma decisão discricionária da juíza, e não a uma decisão resultante da
aplicação da lei.
15
MACHADO, Helena e SANTOS, Filipe, Direito, Justiça e Média…, pag. 156.
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judicial final seja praticamente ignorado pelos média”.16 17
Outras disjunções podem ainda ser identificadas, como o faz Boaventura de Sousa Santos18:
“A adjudicação judicial moderna tem como característica saliente criar dicotomias drásticas entre
ganhadores e perdedores, mas só depois de aturados e prolongados procedimentos de contraditório
e provas convincentes. A comunicação social partilha com os tribunais a primeira característica
mas não a segunda. A primeira cria até uma cumplicidade entre tribunais e media que nem sempre
é matizada pelas diferenças enormes que os dividem quanto à segunda característica. A
16
Para exemplificar esta última situação, relembramos a cobertura mediática que, no verão do ano de 2011, foi dado
ao caso denominado de “turista italiana violada”, bem demonstrativo de que, sendo alvo de intensa atenção no início,
depois caiu no esquecimento, a par da ênfase dada pela maioria dos média aos detalhes com maior capacidade de
causarem sensação, em detrimento de um esclarecimento factual mais rigoroso.
Assim, em 10 de agosto de 2011, um diário noticiava que “Juiz solta violador de jovem turista”
(http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/exclusivo-cm/juiz-solta-violador-de-jovem-turista220638873),
referindo
ainda que o magistrado habitualmente trabalhava com processos de Direito Civil mas que estava de turno no Tribunal de
Instrução Criminal, devido às férias judiciais.
Ao longo do dia, ampla cobertura foi dada nomeadamente nos serviços informativos dos canais nacionais de
televisão.
Apenas no final desse dia, no jornal das 20.00 horas da TVI, é referido que foi uma juíza quem tomou a decisão – e
não um juiz, sendo certo que a distinção do género em casos de violência sexual é muitas vezes realçada como motivação
do julgador no momento da decisão – e, mais relevante, que, segundo entretanto informado pelo Conselho Superior da
Magistratura, o Ministério Público não tinha pedido a prisão preventiva do arguido (caso em que legalmente estava
vedado ao juiz aplicar tal medida de coação).
Entretanto, já se podiam ler comentários na página online do diário referido comentários de leitores como “se fosse a
filha do juíz eu gostava de saber se as medidas tomadas seriam as mesmas”, “Aqui se vê os bons Juízes que temos em
Portugal, e o burro do nosso governo continua dar-lhes mais férias e chorudos ordenados, governo pobre que continua a
alimentar estes parasitas, que nada fazem pelo cidadão comum”, “Pois é! só quem não está atento é que fica admirado
com estas brilhantes atuações, aos senhores intocáveis não lhes pedem responsabilidades. Os pedófilos de colarinho
branco, políticos corruptos, esses nem lhes deita a mão” ou “É revoltante, um homem abusa de uma mulher e sequestraa,3 dias, em vez de ficar preso, porque representa um perigo para a sociedade, há um Juiz que o põe em liberdade. Há
algo, muito urgente, que precisa de mudança” (sic).
Adianta-se, a talho de foice, ser do nosso conhecimento que a juíza que proferiu a decisão, ao invés do referido na
notícia, não estava colocada em Tribunal Cível (o que inculcava a ideia de que não estaria habituada, ou mesmo apta, a
lidar com o caso, de natureza penal).
Semelhante cobertura foi ainda feita por outros jornais, pelo menos em edição online, e blogues, indicando-se os
seguintes a título de exemplo: http://expresso.sapo.pt/italiana-raptada-e-violada-durante-tres-dias-em-lisboavideo=f667391, http://bloguedofirehead.blogspot.pt/2011/08/violador-de-turista-em-liberdade.html.
Apesar de em 29 de agosto de 2011, o mesmo diário já referir que fora a Procuradora do Ministério Público que não
requerera a prisão preventiva (http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/exclusivo-cm/justica-deixa-fugir-violador-deturista211317000), no entanto a imputação do sucedido ao “juiz” continuava em vários casos, como por exemplo se pode
ler num comentário constante da versão online do referido jornal: “Este Senhor Juiz e outros que como ele só fazem
asneiradas, deviam ser expulsos e castigados devidamente; mas o que vai acontecer é provavelmente um inquérito e na
pior das hipóteses, mais uma reforma dourada à n/custa!”.
No mesmo dia, porém, já outro meio de comunicação social referia, ainda que en passant, outro facto, a nosso ver
importantíssimo, e ao qual os média não deram, nem de perto, nem de longe, a mesma relevância: a turista italiana tinha
desistido da queixa (http://www.tvi24.iol.pt/sociedade/pj-lisboa-italiana-turista-violacao-tvi24/1276409-4071.html).
Independentemente disso, resta ainda saber o seguinte, considerando que o crime de sequestro não admite desistência
de queixa (pressupondo-se assim que o processo respetivo não terminou com a referida desistência): o inquérito já
findou? Houve acusação ou arquivamento? Havia provas que sustentassem a notícia inicial? Passado que está um ano,
nada mais se sabe.
17
A questão do tempo é, nos dias de hoje, ainda mais intensamente sentida, com os novos meios tecnológicos de
partilha de informação: edições online, blogues, redes sociais (Facebook, Twitter, etc.), em que se assiste a uma
atualização permanente de conteúdos e a uma vertiginosa rapidez de transmissão de informação.
18
SANTOS, Boaventura de Sousa, Os Tribunais e as Novas Tecnologias de Comunicação e de Informação, em
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, jan/jun de 2005, pp. 82 e segs – disponível ainda para consulta em
http://www.boaventuradesousasantos.pt/media/Tribunais%20e%20novas%20tecnologias_Sociologias_2005(1).pdf
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TRIBUNAIS E MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – COMUNICAÇÃO NA DIVERSIDADE : 9
cumplicidade ocorre ainda a outro nível: os processos judiciais tiveram sempre o potencial de se
transformarem em dramas. Trata-se, porem, de um teatro para um auditório muito seleto, um teatro
de culto profissional. Hoje, os meios de comunicação social, sobretudo a televisão, transformam
esse teatro de culto num teatro de boulevard, espetáculo como entretenimento segundo uma
linguagem direta e acessível a grandes massas”.
O que se vem realçando ganha maior acuidade no caso dos julgamentos mediáticos, sendo
certo que, como bem alertam Helena Machado e Filipe Santos19, a sua recorrência (dos julgamentos
mediáticos), é passível de produzir consequências profundas acerca do sistema de justiça,
designadamente por via da emocionalização dos discursos, da reivindicação de medidas repressivas
e punitivas ou atitudes negativas perante o sistema de justiça e as forças policiais”.
O potencial de danosidade para imagem da Justiça é ainda maior, quando o certo é que o
funcionamento do dia a dia dos Tribunais desperta pouco interesse mediático, ao que acresce que
raramente o que “funciona bem” é notícia – pelo contrário, são as disfunções do sistema que geram
interesse dos média, pelo que o centrar da sua atenção nestes últimos casos, cuja representatividade
do funcionamento geral do sistema nem sequer está estabelecida, cria uma grande distorção na
perceção que a sociedade tem desse funcionamento.
Conforme salienta Boaventura de Sousa Santos20, citando por sua vez Cunha Rodrigues, são
vários os perigos da mediatização da justiça para a legitimidade social e política desta última:
«a) o de, pelo “excesso de informação”, se transmitir uma dimensão totalizante dos
factos, suscetível de estigmatizar grupos ou classes sociais, gerando sentimentos de indignação, por
um lado, e de indignidade, por outro;
b) a “sofisticação do escândalo”, pela amplificação desproporcionada dos factos,
provocando fraturas entre a opinião pública e a realidade;
c) a sobrepenalização dos arguidos, pelas formas de mediatização utilizadas,
sobretudo quando não se chama a atenção para a garantia constitucional de que os arguidos devem
considerar-se inocentes até ao trânsito em julgado da decisão;
d) a espectacularização da audiência, produzindo na comunidade sentimentos
contraditórios de absolutização ou de trivialização da justiça;
e) a banalização da violência ou dos modus operandi, com os conhecidos perigos
de adesão ou mimetismo;
f) a conversão dos espectadores, ouvintes ou leitores em tribunal de opinião, com
reflexos na produção da prova e nas expectativas de justiça;
g) o uso de linguagem nem sempre ajustada à racionalidade do discurso jurídico.»
Boaventura de Sousa Santos destaca ainda o problema dos “julgamentos paralelos realizados
pelos meios de comunicação social, considerando que a investigação jornalística pode ajudar a
19
MACHADO, Helena e SANTOS, Filipe, Direito, Justiça e Média…, pag. 160.
20
SANTOS, Boaventura de Sousa, obra citada.
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investigação judicial, mas também pode provocar erros ou desvios, quer por intenção das fontes,
quer pelo modo como a notícia se refletiu negativamente na investigação e na fiabilidade das
provas; os efeitos da mediatização nas testemunhas, podendo levar à produção de reflexos de
autocensura ou de vedetismo; e o perigo da feitura de justiça à medida da opinião pública, ao
possibilitar que o elemento opinião pública, que os media ajudaram a formar, entre para a sala do
tribunal, podendo produzir reinterpretações do real no sentido da sua aproximação às expectativas
da comunidade”21.
Afirma-se assim como imperiosa a necessidade de eliminar, até onde seja possível, o ruído
na comunicação entre Tribunais e os meios de comunicação social, de forma a tentar que a
informação que chegue a todos os cidadãos de uma forma rigorosa.
A incapacidade de o sistema judicial fornecer informação atempada e adequada acarreta
ainda consigo o risco de os média procurarem informação em fontes menos fiáveis, ficando mais
sujeitos a manipulação.
Tal como salienta Orlando Afonso22, a “importância da comunicação social tem, sobretudo, a
ver com a possibilidade de responsabilização social do poder judicial; com a possibilidade de se
poder exercer uma crítica pública das atividades jurisdicionais e da jurisprudência corrente. A
crítica da atividade judicial e não, apenas, a dos males da Justiça, a crítica para louvar ou para
desmerecer constitui a forma eficaz de crescimento e aperfeiçoamento das instituições judiciais
(…). Só que esta forma de responsabilização do poder judicial exige a existência de um conjunto
de pressupostos democráticos: amadurecimento civil e político dos cidadãos (incluindo os
jornalistas) acerca das questões da Justiça; atenção e participação constante na vida pública; baixa
conflitualidade social e solidariedade civil com os direitos lesados; existência de uma cultura
jurídica plural e, não menos importante, independência e correção da informação judicial por parte
dos media”.
Outro aspeto a que se deve dar reforçada atenção prende-se com a capacidade, pelo menos
eventual, dos média de exercerem pressão sobre o Poder Judicial e, nessa medida, influenciarem a
decisão.
A pressão da opinião pública é algo que sempre o juiz terá de contar e saber distanciar-se por
forma a manter a serenidade, independência e isenção essenciais à decisão justa. Porém, a
ampliação da força dessa pressão que os meios de comunicação social potenciam é algo que não se
21
Continuando a seguir o mesmo autor, a atuação dos meios de comunicação social veio salientar uma nova
vulnerabilidade dos tribunais, ao destruir a “comunicação simbólica dos mesmos com o público, substituindo-a por uma
comunicação pretensamente descritiva e próxima, desprovida de nuances, interessada no que se passou, por culpa de
quem. Isto significa que, embora se recomende a melhoria da comunicação autónoma dos tribunais, é bem possível que a
socialização mediática dos cidadãos faça com que estes não consigam reconhecer essa comunicação e continuem a
reclamar uma outra, a dos meios de comunicação social. Ou seja, o risco da mediatização da justiça é uma justiça
incomunicável nos seus próprios termos”.
22
AFONSO, Orlando, obra citada, pag. 180.
ANTÓNIO ASCENSÃO RAMOS
TRIBUNAIS E MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – COMUNICAÇÃO NA DIVERSIDADE : 11
deve desprezar23, devendo-se tomar medidas que permitam salvaguardar aquela serenidade,
independência e isenção.
A este respeito, constata-se a tendência atual de centrar cada vez mais a atenção na
identidade pessoal dos atores, focando aspetos da vida pessoal dos mesmos, incluindo os juízes.
Desloca-se, pois, o centro da atenção da decisão para quem a produz, o que, ultrapassados
determinados limites, é idóneo a perturbar a serenidade que deve presidir ao ato de decidir. Tal
como refere José Ángel Folguera Crespo24, se bem que o juiz, como profissional, há de estar
adequadamente preparado para fazer frente às possível pressões externas, incluindo as derivadas da
publicação de informações ou da formulação de críticas relacionadas com a sua atividade, esse
sacrifício pessoal, derivado da sua decisão voluntária de ingresso na função judicial, não deve
estender-se ao âmbito da sua intimidade ou privacidade, nem à honra ou reputação dele ou das
pessoas do seu âmbito familiar. Deve distinguir-se, por isso, de forma adequada entre a publicação
de informações sobre a atuação dos Tribunais e dos seus titulares, incluindo as notícias sobre as
suas condições de independência e imparcialidade, com outras possíveis atuações encaminhadas a
ocasionar um prejuízo irreparável à sua imagem pessoal ou a provocar o seu afastamento
relativamente a determinado caso.
4. A otimização da relação com os Meios de Comunicação Social no contexto da
Organização e Gestão dos Tribunais.
Identificados os problemas acima mencionados, como tentar resolvê-los? Como melhorar a
comunicação entre os Tribunais e os Meios de Comunicação Social?
Um recente relatório da Rede Europeia de Conselhos de Justiça, intitulado “Justice, Society
and the Media – Report 2011-2012”25, aborda a questão oferecendo várias recomendações de
grande valia.
Tentando fazer uma súmula dos pontos mais relevantes, mas adaptando-os à luz da
organização judiciária portuguesa, destacamos os seguintes.
1)
Deve ser designado um juiz para servir de interlocutor entre o sistema judicial e os
meios de comunicação social.
A nível nacional, tal função deve estar centrada no Conselho Superior da Magistratura.
Apesar de na sua Lei Orgânica estar previsto um gabinete de comunicação, relações
23
Sobre este assunto, veja-se a propósito do chamado “Caso Esmeralda” MIDÕES, Miguel, Caso Esmeralda e a
Espiral do Silêncio de Elisabeth Noelle-Neumann, disponível em http://www.bocc.ubi.pt/pag/midoes-miguel-casoesmeralda-espiral-do-silencio.pdf
24
CRESPO, José Ángel Folguera Crespo, obra citada, pag. 22.
25
Disponível em http://www.encj.eu/images/stories/pdf/GA/Dublin/encj_report_justice_society_media_def.pdf
VERBOJURIDICO
TRIBUNAIS E MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – COMUNICAÇÃO NA DIVERSIDADE : 12
institucionais, estudos e planeamento, a integrar obrigatoriamente dois elementos com formação e
experiência na área da comunicação social (cfr. art. 18.º, n.º 3 e n.º 4 da Lei n.º 36/2007, de 14 de
agosto)26, porém as constrições financeiras que se sentem no setor público levaram a que, na
prática, tal não tenha sido levado à prática27.
Parece-nos ainda recomendável que exista, em cada Comarca do novo Mapa
Judiciário, um juiz com idênticas funções, com competências delegadas pelo Conselho Superior da
Magistratura, por forma a permitir uma resposta mais célere às solicitações que se coloquem nesta
área.
O juiz em causa (que poderá nomeadamente ser o Juiz Presidente28) deverá ter um
perfil adequado à função, nomeadamente boas capacidades de comunicação em linguagem simples
e boas capacidades de interação social.
O Conselho Superior da Magistratura deverá regulamentar a atividade do juiz que seja
nomeado para tais funções, nomeadamente por forma a que se saiba de antemão (juízes e meios de
comunicação social) que tipo de informações podem ser prestadas, quando deve tal atividade ter
lugar, qual a forma ou formas de comunicação que podem ser utilizadas29, etc., sempre tendo em
atenção o quadro legal em vigor30.
Deve ser dada formação a tais juízes, preferencialmente com a intervenção de
especialistas de comunicação social, incluindo contacto com jornalistas.
26
Cujas competências passam nomeadamente por: a) Assegurar o atendimento dos cidadãos e dos órgãos de
comunicação social que se dirigem ao Conselho Superior da Magistratura; b) Prestar as informações solicitadas ao
Conselho Superior da Magistratura relativamente ao funcionamento dos tribunais e, em traços gerais, aos trâmites
processuais; c) Receber queixas, sugestões e críticas dos cidadãos relativamente ao funcionamento dos tribunais; d)
Exercer assessoria em matéria de comunicação social; e) Assegurar o serviço de difusão das deliberações do Conselho
Superior da Magistratura; f) Estudar e desenvolver formas de divulgação sistemática da informação sobre a atividade dos
tribunais judiciais e do Conselho Superior da Magistratura, com observância da lei e de diretivas superiores; g) Recolher
e analisar informação e tendências de opinião relativas à ação do Conselho Superior da Magistratura, dos tribunais e da
administração da justiça, em geral; h) Assegurar a organização de reuniões, conferências e seminários da iniciativa do
Conselho Superior da Magistratura; i) Assegurar a produção e edição do Boletim Informativo do Conselho Superior da
Magistratura; j) Apresentar um relatório semestral das questões recebidas; l) Promover a divulgação interna do relatório
semestral, bem como outros elementos recolhidos para efeito de análise e elaboração de propostas de medidas de ação
adequadas e pertinentes.
27
Cfr. Relatório Anual de Atividades do Conselho Superior da Magistratura relativo ao ano de 2010 – em
http://www.csm.org.pt/ficheiros/relatorios/csm-relatorio2010.pdf - onde, na p. 53, se refere que as verbas inscritas no
orçamento próprio não permitem a constituição efetiva dos gabinetes de comunicação, de relações institucionais, de
estudos e de planeamento projetados na Lei Orgânica.
28
Um bom exemplo das virtualidades do sistema proposto pode ser encontrado no processo “Face Oculta”, que corre
termos na Comarca do Baixo Vouga, e em que o respetivo Juiz Presidente tem intervindo em várias ocasiões junto da
comunicação social na prestação atempada de esclarecimentos. A sua intervenção permitiu ainda que o Juiz de Instrução
Criminal que teve o caso em mãos estivesse mais resguardado, sendo assim quase inexistente, por exemplo, a reprodução
da sua imagem nos meios de comunicação social (ao invés do que sucedeu, por exemplo, com o Juiz de Instrução
Criminal no caso “Casa Pia”).
29
Cobra aqui especial interesse, em face dos meios tecnológicos atualmente à disposição, a gravação audiovisual das
audiências de julgamento e sua transmissão televisiva; o uso de telefones ou computadores com acesso à internet a partir
das salas de audiência por parte de jornalistas; a divulgação de informação judiciária através das novas redes sociais –
para tudo isto, cfr. nomeadamente o Relatório da Rede Europeia de Conselhos de Justiça acima referido.
30
Um interessante guia prático sobre como lidar com os média é dado por Adolfo Prego de Oliver y Toliver, em
Indicaciones Prácticas sobre el Modo de Relacionarse con los Medios de Comunicación, em Poder Judicial e Medios de
Comunicación, Estudios de Derecho Judicial, n.º 39, Consejo General del Poder Judicial, Madrid, 2001, pp. 79 e segs.
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2)
TRIBUNAIS E MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – COMUNICAÇÃO NA DIVERSIDADE : 13
Deve ainda ser ponderada a realização, nomeadamente através do Conselho Superior
da Magistratura, de ações de formação conjuntas destinadas a juízes e a jornalistas na área da
justiça.
3)
A atuação do Judiciário não deve ser meramente reativa, neste campo, devendo
assumir uma atitude mais ativa, nomeadamente:
- identificando de antemão os casos que provavelmente suscitarão o interesse dos média, por
forma a tomar antecipadamente as medidas adequadas;
- realizando ações de esclarecimento geral sobre o funcionamento do sistema judicial,
promovendo a transparência e a compreensão pelo público;
- colaborando com a comunicação social a um nível geral por forma a tentar alcançar
consensos sobre a matéria.
4)
Nos casos mediáticos, é aconselhável a que as questões relacionadas com o
acompanhamento, pelos meios de comunicação social, do processo sejam resolvidas antes do início
da audiência, nomeadamente através da realização de uma reunião entre os representantes do
Tribunal e dos meios de comunicação social para discutir os detalhes práticos da intervenção dos
média.
5)
Sugere-se ainda a criação de meios rápidos de difusão de informação nomeadamente
ao nível da Comarca, mormente através da criação de páginas na internet (mas eventualmente
mesmo com o recurso às novas redes sociais).
Tais meios destinar-se-iam a transmitir informações de caráter geral sobre o
funcionamento do sistema judiciário e da Comarca, bem como à publicação de decisões judiciais
de natureza pública – com nota breve explicativa em linguagem simples, quando necessário –, sem
prejuízo de deverem ser eliminadas referências que permitam identificar os intervenientes
processuais.
A gestão destes meios deve estar exclusivamente confiada ao Judiciário,
nomeadamente no que respeita à escolha das decisões a publicar.
Como critérios de seleção das decisões judiciais que devem ser publicadas dessa
forma, avançam-se nomeadamente os seguintes: interesse dos meios de comunicação social no
caso; a decisão reveste-se de importância geral para a sociedade; a decisão pode ter influência na
interpretação da lei; existe interesse por parte de um grupo especial de pessoas; a decisão é
importante para a imprensa especializada na área da Justiça.
Tais critérios devem ser publicitados antecipadamente.
TRIBUNAIS E MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – COMUNICAÇÃO NA DIVERSIDADE : 14
VERBOJURIDICO
6)
Uma prática que se pode revelar de bastante utilidade em casos de grande interesse
mediático está em entregar, imediatamente após a sua leitura, uma cópia em papel contendo a
decisão, ou pelo menos um seu sumário, garantindo-se assim uma maior fiabilidade na transmissão
da informação.
5. Considerações finais
Não sendo o espaço público propriamente um campo de batalha, parece-nos porém seguro
que o Poder Judicial não pode deixar de lutar por reconquistar a boa imagem perdida, como
condição necessária ao desempenho da sua função de confirmação, perante a sociedade, da
validade e eficácia do Direito.
Para tal tarefa, é inultrapassável a necessidade de encontrar uma forma de comunicação
adequada com os meios de comunicação social e, nomeadamente através deles, com os cidadãos
em geral, devendo ser objetivo comum de ambas as instituições o seu contínuo aperfeiçoamento na
procura da realização do interesse geral da realização da justiça e do direito à informação.
Ou, nas palavras de Boaventura de Sousa Santos31, “Há que construir uma relação mais
virtuosa entre a justiça e a comunicação. É preciso desenvolver um programa de conhecimento
recíproco, que permita impedir a perda de legitimidade, tanto dos tribunais como da comunicação
social. A potencial conflitualidade e incomunicação entre os tribunais e a comunicação social tem
raízes profundas. Assenta em práticas discursivas distintas e objetivos e culturas profissionais
diferentes. É preciso partir do conhecimento destas diferenças para desenhar plataformas de
cooperação entre tribunais e media. Numa sociedade democrática, a administração da justiça será
tanto mais legitimada pelos cidadãos quanto mais conhecida e reconhecida por eles”.
ANTÓNIO JOSÉ DA ASCENSÃO RAMOS
Juiz de Direito Auxiliar na Relação
———————————————————
Novembro de 2012 | verbojuridico.net
31
SANTOS, Boaventura de Sousa, obra citada.
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