Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação Universidade de Coimbra DO SIMPLES AO COMPLEXO TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER Dissertação de Mestrado em Educação e Sociedade do Conhecimento Paula Cristina Martins Cruto Coimbra, 2011 Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação Universidade de Coimbra DO SIMPLES AO COMPLEXO TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação na especialidade de Educação e Sociedade do Conhecimento, apresentada à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e realizada sob orientação das Professoras Doutoras Maria Isabel Ferraz Festas e Maria Helena Lopes Damião da Silva. Paula Cristina Martins Cruto Coimbra, 2011 Ao meu Pai António Garcia Cruto (em memória) que na sua simplicidade soube transmitir a importância do querer aprender. Qualquer projecto, ainda que realizado em nome individual, envolve outras pessoas sem as quais, de uma forma ou de outra, não seria possível a sua concretização. A todos aqueles que tornaram possível a realização do presente trabalho académico sentidamente agradeço: Às Professoras Doutoras Maria Helena Lopes Damião da Silva e Maria Isabel Ferraz Festas, pela imprescindível orientação, disponibilidade e sentido crítico, que com o seu permanente incentivo e colaboração, me ajudaram a superar as dificuldades que foram surgindo. Aos meus familiares mais próximos, em especial ao meu filho, que foram capazes de perceber o tempo e a dedicação que um projecto destes requer. Aos meus amigos e colegas, que me incentivaram e me apoiaram incondicionalmente no que foi necessário, em particular para os que me acompanharam neste projecto. A todos os docentes das diferentes escolas, que de forma voluntária e empenhada, participaram respondendo ao questionário que permitiu concretizar o estudo empírico componente essencial de uma dissertação de Mestrado. Índice Resumo / Palavras-chave .......................................................................................................... 13 Abstract / Keywords ................................................................................................................. 15 Introdução.................................................................................................................................. 17 Parte I: Enquadramento da Temática .................................................................................... 21 Capítulo 1: Enquadramento normativo-legal e curricular ................................................... 23 1.1. Enquadramento Normativo legal ........................................................................ 23 1.2. Enquadramento Curricular .................................................................................. 25 Capítulo 2: A aprendizagem..................................................................................................... 37 2.1. A diversidade de teorizações de aprendizagem .................................................. 37 2.1. A organização taxonómica da aprendizagem ..................................................... 45 Capítulo 3: Os manuais escolares no ensino e na aprendizagem .......................................... 49 3.1. Orientações da tutela relativas aos manuais escolares ........................................ 50 3.2. Estudos em torno dos manuais escolares ............................................................ 54 Parte II: Estudo Empírico ........................................................................................................ 61 Capítulo 4: Planificação da investigação ................................................................................. 63 4.1. Primeiro Estudo – Estudo com manuais ............................................................. 67 4.2. Segundo Estudo – Estudo com professores ........................................................ 71 Capítulo 5: Apresentação de resultados e sua análise............................................................ 75 5.1. Resultados do primeiro estudo e sua análise....................................................... 75 5.2. Resultados do segundo estudo e sua análise ....................................................... 79 Reflexão final ............................................................................................................................. 89 Bibliografia ................................................................................................................................ 97 Anexos ...................................................................................................................................... 105 Índice de figuras e quadros Figura 1 – Esquema organizador do trabalho.............................................................................. 19 Figura 2 – Esquema organizador dos quatro temas gerais das Ciências ..................................... 30 Quadro 1 – Sequência de aprendizagem - Lei de Lavoisier ........................................................ 67 Quadro 2 – Identificação dos manuais escolares......................................................................... 68 Quadro 3 – Sequência de aprendizagem e respectiva codificação .............................................. 69 Quadro 4 – Grelha de registo da sequência de aprendizagem ..................................................... 69 Quadro 5 – Caracterização da amostra quanto ao sexo, tempo de serviço e situação profissional ... 72 Quadro 6 – Estrutura do questionário e itens correspondentes ................................................... 74 Quadro 7 – Sequência didáctica preconizada pelas OCCFN ...................................................... 75 Quadro 8 – Sequência didáctica preconizada pelas Metas de Aprendizagem ............................. 76 Quadro 9 – Sequencia didáctica por manual ............................................................................... 77 Quadro 10 – Número de sujeitos por manual e sua utilização .................................................... 79 Quadro 11 – Critérios de escolha do manual .............................................................................. 80 Quadro 12 – Critérios de escolha do manual .............................................................................. 81 Quadro 13 – Sequências didácticas que os professores referem usar nas suas práticas .............. 82 Quadro 14 – Abordagem didáctica Simples → Complexo ......................................................... 83 Quadro 15 – Abordagem didáctica Complexo → Simples ......................................................... 84 Quadro 16 – Concordância sequência professor / manual .......................................................... 85 Quadro 17 – Justificação da concordância sequência professor / manual................................... 85 Paula Cruto Resumo Nesta dissertação parte-se do princípio de que, no âmbito de educação formal, a abordagem pedagógico-didáctica decorre das complexas relações entre as orientações curriculares, a informação patente nos manuais escolares e as decisões dos professores. Após a apresentação das orientações curriculares da tutela, para o ensino das ciências, vigentes no sistema educativo português e de uma sistematização dos estudos sobre os referidos recursos, faz-se referência às grandes linhas teóricas da aprendizagem, que sustentarão as ditas decisões. Deste exercício resulta uma ideia forte: o ensino deve permitir a contextualização em vivências concretas do quotidiano dos alunos, com incidência na descoberta e na resolução de problemas, privilegiando-se a abordagem "do mais complexo para o simples". Foi esta ideia que sustentou a investigação empírica empreendida, que teve como objectivo apurar o papel dessa abordagem na leccionação da linguagem química na temática das “Reacções Químicas” no 8º ano de escolaridade. Trata-se de uma investigação que teve concretização em dois estudos: o primeiro revelou que a abordagem predominante nos manuais analisados é a que acima se refere, estando, globalmente, em consonância com as orientações curriculares; o segundo revelou que a maioria dos professores de ciências inquiridos segue a abordagem contrária. Palavras-chave Orientações tutelares; Manuais escolares; Ensino-aprendizagem das ciências; Práticas de ensino; Estratégias de ensino. 13 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER 14 Paula Cruto Abstract In this dissertation it is believed that, in the scope of formal education, the pedagogical and didactical approaches elapses from the complex relationships between curricular orientations, information present in course books and teachers’ decisions. After the presentation of the official curricular orientations for the teaching of science in the Portuguese educational system and after a systematization of the studies on the mentioned resources, we revise the major theoretical lines of learning which will support the mentioned decisions. A strong idea arises from this exercise: teaching should allow the contextualization in concrete experiences of the pupils’ everyday life, focusing on discovery and problem solving, privileging the approach "from the complex to the simple". It was this idea that sustained the empirical research undertaken, which had the purpose of finding out the role of such pedagogical approach on the teaching of the chemical language, through the theme of “Chemical Reactions” in the 8th grade. This is an investigation which resulted in two studies: the first one revealed that the predominant approach in the analysed course books is the one mentioned above, thus, being in consonance with the curricular orientations; the second one revealed that the majority of the questioned science teachers follow the contrary approach. Keywords Orientations tutelary; Schoolbooks; Teaching and learning of science; Teaching practices; Teaching strategies. 15 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER 16 Paula Cruto Introdução Sem escola, sem a transmissão do conhecimento científico sequencial e integrado, assim como das metodologias necessárias para obter esse conhecimento, o saber científico absorvido por outras vias revelar-se-á frágil e fragmentado. Carlos Fiolhais, 2011, p. 56. A última Revisão Curricular do Ensino Básico, iniciada na década de 90 e publicada em 2001 (Decreto-Lei 6/2001, de 18 de Janeiro), alterou a filosofia de aprendizagem das Ciências Experimentais onde a disciplina de Físico-Química se inclui. Em concreto, tais Ciências passaram a ser apresentadas numa dimensão que se diz “global” e “integrada”, devendo os seus conteúdos ser ligados à realidade concreta. Para que os conhecimentos científicos possam ser compreendidos pelos alunos, entendeu-se que deverão ser trabalhados em estreita relação com o quotidiano que os rodeia (ME/DEB, 2001; OCCFN, 2001). Privilegiou-se, pois, uma abordagem pedagógica contextualizada na vivência próxima dos aprendizes, com recurso, preferencialmente, à resolução de problemas complexos que emergem de tal vivência e que nela fazem sentido. Estas orientações da tutela reflectem-se no material didáctico elaborado para apoiar o ensino e a aprendizagem, nomeadamente dos manuais escolares. Podendo, em sequência, reflectir-se nas práticas de sala de aula. Quase exclusivamente baseados em critérios estabelecidos pela tutela, os docentes seleccionam o manual escolar que irão usar ao longo do ano lectivo. Tendo em conta os 17 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER diversos livros submetidos a análise, o tempo disponibilizado para essa função e a responsabilidade de tal escolha, estamos perante uma tarefa que nem sempre é fácil de concretizar. Na dissertação que apresentamos e que intitulámos Do simples ao complexo – Tendências de organização psico-pedagógica do ensino da Lei de Lavoisier, que foi desenvolvida no âmbito do Mestrado de Educação e Sociedade do Conhecimento, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Universidade de Coimbra e realizada sob a orientação das Professoras Doutoras Maria Isabel Ferraz Festas e Maria Helena Lopes Damião da Silva, procurámos analisar os pressupostos normativos e teóricos acima explicitados que guiam e/ou podem guiar a acção docente na área das ciências experimentais, bem como desenvolver um trabalho empírico que permitisse esclarecer, para uma sequência didáctica de Físico-Química, a orientação de ensino constante nos manuais escolares e nas práticas dos professores relatadas por eles próprios. A abordagem que seguimos reflecte, sobretudo, a preocupação com o modo de ensinar, num sistema educativo que visa preparar futuros cidadãos para a sociedade e que, nesse sentido, afirma o valor da ciência e da tecnologia. Ainda que as metodologias estejam referidas nos documentos curriculares e programáticos, podem e devem ser seleccionadas pelos professores, sendo certo que a sua adequação condiciona a aprendizagem. Para que essa selecção seja informada, Festas (2006) assinala que a Psicologia da Educação possui um conjunto de conhecimentos que apontam formas de ensinar que evitam ou ultrapassam muitas das dificuldades apresentadas pelos alunos. Afirma, igualmente, que a análise de tarefas, seguindo uma lógica de trabalho (do que é mais simples para o que é mais complexo) está ajustada do ponto de vista cognitivo. Como professora do Ensino Básico que lecciona os anos de iniciação das Ciências Físico-Químicas, e à semelhança de alguns colegas, temos por assente esta lógica e, nessa medida, consideramos a importância da aprendizagem da linguagem química simbólica para o desenvolvimento de aprendizagens posteriores. Porém, temos vindo a verificar, não sem alguma surpresa, que as orientações didácticas para concretizar as 18 Paula Cruto aprendizagens sofreram alterações substanciais derivadas da Revisão Curricular a que acima aludimos, o que se torna evidente nos manuais escolares. Considerando, complementarmente, que a investigação em educação deverá fundamentar opções didácticas fulcrais, questionámos a eficácia da opção da tutela, que privilegia abertamente uma abordagem que, por partir de situações globais do quotidiano, é, inevitavelmente, complexa. Nesta linha dubitativa, procurámos, no presente trabalho, saber até que ponto o conhecimento pedagógico actual poderá fundamentar uma opção didáctica para o ensino do conteúdo: Reacções Químicas - Lei de Lavoisier. Em concreto, e depois de algum estudo e discussão, formulámos a pergunta que orientou no nosso estudo e que é a seguinte: qual será a metodologia mais indicada para ensinar e aprender a linguagem própria das ciências? Convictos que estamos de que o todo resultante das intrincadas relações entre as orientações curriculares e programáticos, as opções didácticas patentes nos manuais escolares e as opções metodológicas dos professores converge em práticas de ensino que condicionam as aprendizagens, a preocupação deste trabalho é esclarecer as tendências destas três instâncias e as suas relações. Isto mesmo representamos no esquema que se segue. Figura 1 - Esquema organizador do trabalho APRENDIZAGEM 19 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER Posto isto, orientámos o nosso trabalho tendo em conta dois grandes objectivos: por um lado, apurar as escolhas didácticas veiculadas pela tutela e pelos manuais em uso no ano de escolaridade em que decorreu; e, por outro lado, conhecer percepções que os docentes têm das suas práticas, bem como o seu posicionamento perante as referidas escolhas didácticas. Com base nestes objectivos, organizámos as duas partes que compõem a presente dissertação e que lhe imprimem um carácter teórico-empírico. Na primeira parte, que integra três capítulos referentes à revisão da literatura e a uma delimitação normativo-legal e curricular, procurámos contextualizar a temática de modo a enquadrar e fundamentar os dois estudos que empreendemos e que descrevemos nos dois últimos capítulos. Mais concretamente, no primeiro capítulo - Enquadramento normativo-legal e curricular - procurámos conhecer e sintetizar a filosofia e as opções do nosso sistema educativo, em particular as que dizem respeito ao ensino das ciências. No segundo capítulo - A aprendizagem - procurámos, ainda que de forma sucinta, caracterizar as teorias de aprendizagem que poderão influenciam o pensamento pedagógico actual. No terceiro capítulo - O lugar dos manuais escolares no ensino e na aprendizagem analisámos o papel que o manual escolar ocupa no processo de ensino-aprendizagem, privilegiando o enfoque no ensino das ciências. No quarto capítulo - Planificação da investigação - justificamos os estudos, que realizámos, explicitamos os seus objectivos, apresentamos os instrumentos que utilizámos e os procedimentos de recolha de dados a que recorremos. No quinto e último capítulo - Apresentação de resultados e sua análise - damos a conhecer os dados a que ambos os estudos nos permitiram chegar. Terminamos com uma reflexão que procura articular os dados obtidos nos dois estudos de carácter empírico que concretizámos com o sistematizado na primeira parte. Nesta reflexão realçamos a necessidade de ponderar as opções didácticas tomadas pelos diversos intervenientes no ensino. 20 Paula Cruto Parte I: Enquadramento da Temática 21 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER 22 Paula Cruto Capítulo 1: Enquadramento normativo-legal e curricular “Todos os portugueses têm direito à educação e à cultura, nos termos da Constituição da República.” Lei de Bases do Sistema Educativo, Artigo 2.o, Ponto 1. Neste primeiro capítulo, procederemos ao enquadramento normativo-legal e curricular do ensino das Ciências no 3.º Ciclo Ensino Básico visando particularmente as orientações para as Ciências Físico-Químicas, ciclo e disciplina onde se encontra o objecto do nosso estudo. Para tanto, incidiremos nos documentos que contêm as linhas estruturantes da acção pedagógica, a saber: Lei de Bases do Sistema Educativo (2005); Decreto-lei 6/2001, de 18 de Janeiro; Currículo Nacional do Ensino Básico: Competências essenciais (2001); Orientações Curriculares e Programas (revisão de 2004) e Metas de Aprendizagem (2010). 1.1. Enquadramento Normativo legal A Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 49/2005, de 30 de Agosto, revisão da Lei n.º 49/86, de 14 de Outubro) estabelece o quadro geral do sistema educativo. Em consonância com a Constituição da República firma o direito universal à 23 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER educação e à cultura de todos os portugueses, imputando ao Estado a responsabilidade de garantir a equidade de oportunidades de sucesso escolar. Neste diploma se esclarece que o Ensino Básico compreende três ciclos sequenciais, sendo o primeiro de quatro anos, o segundo de dois anos e o terceiro de três anos, articulados e organizados de forma que cada um deles complete, aprofunde e alargue o ciclo anterior. Para uma escolaridade de nove anos, de acesso universal, obrigatório e gratuito, funcionando como unidade global, estabelece-se como finalidade, proporcionar “… uma formação geral comum a todos os portugueses que lhes garanta a descoberta e o desenvolvimento dos seus interesses e aptidões, capacidade de raciocínio, memória e espírito crítico, criatividade, sentido moral e sensibilidade estética, promovendo a realização individual em harmonia com os valores da solidariedade social;” bem como “… que nesta formação sejam equilibradamente inter-relacionados o saber e o saber fazer, a teoria e a prática, a cultura escolar e a cultura do quotidiano.” Lei de Bases do Sistema Educativo, Artigo 7.º Daqui se depreende que a escolaridade básica possibilitará aos cidadãos uma formação completa e habilitá-los para qualquer percurso subsequente. No que concerne em particular ao ensino das ciências, a lei em questão atribui à escola a incumbência de se organizar de forma a fomentar a “igualdade no acesso aos benefícios da educação, da cultura e da ciência” (artigo 3.º). Complementarmente, no seu artigo 9.º, refere-se que os métodos de trabalho e os objectivos do ensino das ciências estão em consonância como os objectivos para o ensino secundário, tendo em vista a preparação dos alunos para o prosseguimento de estudos ou, em alternativa, para os desafios de uma sociedade tecnológica. O Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro, que legitima a reorganização do Ensino Básico, define, no seu artigo 2.o, o currículo como sendo o conjunto de aprendizagens e competências a desenvolver pelos alunos ao longo dos três ciclos que o concretizam. 24 Paula Cruto Em consonância com a Lei de Bases do Sistema Educativo, este documento explicita que a organização e a gestão do currículo se deve submeter a princípios fundamentais, de entre os quais se destaca a “Valorização das aprendizagens experimentais nas diferentes áreas e disciplinas, em particular, e com carácter obrigatório, no ensino das ciências, promovendo a integração das dimensões teórica e prática.” Decreto-Lei n.º 6/2001, Artigo 3.º, alínea c) O referido diploma estabelece que, no quadro da Autonomia de Escola (DecretoLei n.º 75/2008 de 22 de Abril) e da Gestão Flexível do Currículo (Despacho n.º 9590/99 de 14 de Maio) que, cada estabelecimento de ensino elaborará o seu Projecto Curricular e, subsequentemente, os Projectos Curriculares de Turma, apresentados como os instrumentos de adequação do currículo nacional ao contexto de cada escola e de cada turma. 1.2. Enquadramento Curricular O Currículo Nacional do Ensino Básico: Competências Essenciais (2001), decorrente das decisões patentes no Decreto-Lei antes considerado, organiza as aprendizagens a adquirir em torno da noção de competência, que, assim, se apresenta como a trave mestra para a etapa de escolaridade em que nos concentramos. Logo na introdução do referido documento (ME/DEB, 2001, pp. 9-10), esta noção é apresentada como um conjunto de “saberes que se consideram fundamentais para todos os cidadãos, na nossa sociedade actual”, estabelecendo-se um paralelismo com o conceito de literacia. Desta maneira, a passagem pelo Ensino Básico deve proporcionar a “cultura geral” que pressupõe conhecimentos e processos fundamentais. Estamos, afirma-se, perante uma capacidade que “diz respeito ao processo de activar recursos”, que requer 25 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER “em primeiro plano o desenvolvimento de capacidades de pensamento e de atitudes favoráveis à aprendizagem”, podendo inferir-se a secundarização da aquisição de conhecimentos e procedimentos, sobretudo do “conhecimento memorizado de termos, factos e procedimentos”, isto em favor da “compreensão, interpretação e resolução de problemas”. A noção remete, ainda, para a lógica de aprendizagem ao longo da vida, reforçando-se a necessidade de articulação entre os vários ciclos de ensino, o que só é possível com o trabalho em torno de um conjunto de dez competências gerais numa perspectiva global e de ciclo. São elas: 1) Mobilizar saberes culturais, científicos e tecnológicos para compreender a realidade e para abordar situações e problemas do quotidiano; 2) Usar adequadamente linguagens das diferentes áreas do saber cultural, científico e tecnológico para se expressar; 3) Usar correctamente a língua portuguesa para comunicar de forma adequada e para estruturar pensamento próprio; 4) Usar línguas estrangeiras para comunicar adequadamente em situações do quotidiano e para apropriação de informação; 5) Adoptar metodologias personalizadas de trabalho e de aprendizagem adequadas a objectivos visados; 6) Pesquisar, seleccionar e organizar informação para a transformar em conhecimento mobilizável; 7) Adoptar estratégias adequadas à resolução de problemas e à tomada de decisões; 8) Realizar actividades de forma autónoma, responsável e criativa; 9) Cooperar com outros em tarefas e projectos comuns; 10) Relacionar harmoniosamente o corpo com o espaço, numa perspectiva pessoal e interpessoal promotora da saúde e da qualidade de vida. A operacionalização destas competências deve ocorrer de forma transversal, quer para as áreas curriculares disciplinares, quer para as áreas curriculares não disciplinares. No que respeita ao ensino das Ciências Físicas e Naturais, valorizam-se no Currículo Nacional relações de proximidade com a Tecnologia e o seu impacto na Sociedade e no Ambiente. Nessa medida, as aprendizagens devem ser sobretudo de carácter experimental e em contexto próximo ao aluno, para “despertar a curiosidade; 26 Paula Cruto adquirir compreensão geral das ideias e procedimentos da investigação científica e questionar”. Desta maneira, deve ser-lhe proporcionada a possibilidade de “analisar, interpretar e avaliar; reconhecer a evolução do conhecimento científico; aprender a construir argumentos; discutir e planear” (ME/DEB, 2001,pp. 129-130). Ao acentuar a importância de “pesquisar, seleccionar, organizar e interpretar informação… em função de questões, necessidades ou problemas a resolver”, de “identificar situações problemáticas” e de “adquirir uma compreensão global e alargada… dos procedimentos da investigação científica”, a tutela assinala a importância que atribui, em particular, à componente laboratorial (ME/DEB, 2001, pp. 22, 23 e 129). A importância do papel das ciências no Currículo é justificada, em parte, pelo interesse que as suas temáticas despertam na maior parte das pessoas e pelo seu contributo para a evolução tecnológica global e para o desenvolvimento dos cidadãos. Em paralelo destacam-se os processos utilizados que apelam ao uso da evidência e do raciocínio, ao método da resolução de problemas. Assim, a operacionalização transversal das competências gerais 1 e 2, antes referidas, reporta a sua consecução aos métodos de trabalho associados directamente às ciências Físicas e Naturais e ao uso de linguagem científica, pelo que as transcrevemos, destacando os termos que se nos apresentam como evidências da referida relação. Competência geral 1: Mobilizar saberes culturais, científicos e tecnológicos para compreender a realidade e para abordar situações e problemas do quotidiano. Prestar atenção a situações e problemas manifestando envolvimento e curiosidade. Questionar a realidade observada. Identificar e articular saberes e conhecimentos para compreender uma situação ou problema. Pôr em acção procedimentos necessários para a compreensão da realidade e para a resolução de problemas. (ME/DEB, 2001, p. 17). 27 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER Competência geral 2: Usar adequadamente linguagens de diferentes áreas do saber cultural, científico e tecnológico para se expressar. Reconhecer, confrontar e harmonizar diversas linguagens para a comunicação de uma informação, de uma ideia, de uma intenção. Utilizar formas de comunicação diversificadas, adequando linguagens e técnicas aos contextos e às necessidades. Comunicar, discutir e defender ideias próprias mobilizando adequadamente diferentes linguagens. Traduzir ideias e informações expressas numa linguagem para outras linguagens. Valorizar as diferentes formas de linguagem. (ME/DEB, 2001, p. 18). De notar que a operacionalização transversal da primeira competência incide na resolução de situações e problemas do contexto em que o aluno está inserido e com as quais ele se identifica; a segunda incide no uso e interpretação da linguagem simbólica, fundamental na Física e na Química. O Currículo Nacional, entre as páginas 17 e 26, “explicita ainda o tipo de experiências de aprendizagem” e as “acções a desenvolver por cada professor”, relativamente a cada uma das competências gerais. Tendo em conta o objecto deste trabalho, transcrevemos as acções relativas às duas primeiras competências por entendermos que vincadamente se associam ao ensino das ciências. Assim, para concretizar da primeira competência, o professor deve: Abordar os conteúdos da área do saber com base em situações e problemas. Rentabilizar as questões emergentes do quotidiano e da vida do aluno. Organizar o ensino com base em materiais e recursos diversificados, dando atenção a situações do quotidiano. Organizar o ensino prevendo a experimentação de técnicas, instrumentos e formas de trabalho diversificados. Promover intencionalmente, na sala de aula e fora dela, actividades dirigidas à observação e ao questionamento da realidade e à integração de saberes.” (ME/DEB, 2001, p. 17). 28 Paula Cruto Para concretização da segunda competência, o professor deve: Organizar o ensino prevendo a diversificadas. Organizar o ensino com base em linguagens específicas. Promover intencionalmente, na diferenciadas de comunicação e de utilização de linguagens de comunicação materiais e recursos em que são utilizadas sala de aula e fora dela, actividades expressão. … Apoiar o aluno na escolha de linguagens que melhor se adeqúem aos objectivos visados, em articulação com os seus interesses. Desenvolver a realização de projectos que impliquem o uso de diferentes linguagens. (ME/DEB, 2001, p. 18). Na secção do Currículo Nacional destinada às Ciências (página 131 e seguintes) reitera-se a linha geral do documento, apresentando-se as experiências de aprendizagem consideradas fundamentais para os “conhecimentos científicos serem compreendidos em estreita relação com a realidade que os rodeia”, sem, no entanto, se clarificar a importância da transmissão e aquisição de conhecimentos neste processo. Entre tais experiências, centradas na acção do aluno, contam-se: observar o meio ambiente; recolher, organizar e classificar materiais; planificar e desenvolver pesquisas; conceber projectos; planear e realizar actividade experimental. No que respeita ao desenvolvimento das Competências Específicas para a Literacia Científica, esclarece-se na página 132 que esta se efectua nos domínios do Conhecimento (substantivo, processual e epistemológico), do Raciocínio, da Comunicação e das Atitudes, preconizando-se a sua simultaneidade e transversalidade. Complementarmente, estabelece-se que o ensino das ciências nos três ciclos, apesar e se apresentar como um projecto interdisciplinar, deverá decorrer em torno de quatro temas organizadores: “Terra no espaço”; “Terra em Transformação; “Sustentabilidade na Terra” e “ Viver melhor na Terra” (Figura 2). 29 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER Figura 2 - Esquema organizador dos quatro temas gerais das Ciências (Retirado do Currículo Nacional do Ensino Básico – Competências Essenciais, 2001, p. 134) O esquema reproduzido pretende, pois salientar as inter-relações entre os temas e, consequentemente, a importância da interdisciplinaridade no tratamento dos mesmos, enquadrados na antes referida perspectiva Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente (CTSA), que constitui a vertente “integradora e globalizante da organização e da aquisição dos saberes científicos” (ME/DEB, 2001, p. 134). Prosseguindo a análise do documento, mais uma vez constatamos a tónica posta na compreensão e a aplicação de conceitos em situações reais e para a resolução de problemas. Nesse sentido, salienta-se entre as páginas 140 e 143, que as experiências de aprendizagem, devem ser vivenciadas de forma “activa e contextualizada”, numa perspectiva “global e interdisciplinar”, sugerindo-se a realização de actividades experimentais de vários tipos: investigativas, partindo de uma questão problema, avaliando as soluções encontradas; ilustrativas de leis científicas e de aquisição de técnicas. Passando para as Orientações Curriculares (2004), e no que respeita às Ciências Físicas e Naturais, logo na introdução, percebe-se que também aqui se estabelece um paralelismo entre a noção de competência e de literacia e reafirmam-se as competências 30 Paula Cruto específicas para a Literacia Científica a desenvolver no 3.º Ciclo, nos quatro temas organizadores que antes referimos. De acordo com as orientações da tutela para a Gestão flexível do Currículo antes referida, na página 4 do documento em apreço, apresenta-se o professor como construtor de currículo e gestor de conteúdos e de experiências educativas, daí o termo “orientações” para realçar a ideia de uma flexibilização, em que cada escola e grupo de docentes tomam decisões adequadas a contextos diferentes. Sendo aqui determinado que o currículo é, não um documento mas sim, “o que professores e alunos vivem, pensando e resolvendo problemas sobre objectos e acontecimentos tornados familiares”, ao professor é atribuída a função de o construir e gerir, em que tão importante como “a definição de uma matriz de aprendizagens, é o modo como essas aprendizagens são desenvolvidas” (ME/OCEB, 2004, p. 4). As Orientações Curriculares para as Ciências Físicas e Naturais interligam os conteúdos das duas disciplinas, devendo os alunos ser orientados no desenvolvimento de projectos globais e interdisciplinares. A abordagem dos quatro temas organizadores acima mencionados (Figura 2) é feita a partir de um conjunto de questões comuns que dão lugar a dois conjuntos de conteúdos a tratar nas duas disciplinas. Além disso, a organização do ensino deverá basear-se na perspectiva Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente para se formarem cidadãos informados que sejam capazes de dar resposta às exigências que a sociedade lhes apresenta. O documento em análise, em consonância com o Currículo Nacional, apresenta a literacia científica como o conjunto de competências fundamentais para o “exercício pleno da cidadania” (ME/OCEB, 2004, p. 6), sendo as competências específicas para a Literacia Científica as seguintes: conhecimento (substantivo, processual e epistemológico), raciocínio, comunicação e atitudes. Tal como o Currículo Nacional, este mesmo documento apresenta também sugestões de experiências educativas com indicações do desenvolvimento dos conteúdos 31 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER que, de acordo com “os alunos e os contextos educativos” poderão ser seguidas com vista ao desenvolvimento das competências gerais e transversais. Centrando-se o objecto do nosso trabalho no terceiro tema “Sustentabilidade na Terra” que, tal como os restantes, deverá dar resposta a questões/problemas de carácter geral, está determinado que os alunos estudarão três capítulos: “Som e luz”, “Reacções químicas”, e “Mudança global”. Como antes notámos, a comunicação é uma das competências específicas da literacia científica sendo que, para se adquirir, prevêem-se experiências educativas que, entre outros pontos, recorram à utilização de linguagem científica e a diferentes modos de representar informação. A aprendizagem da linguagem própria da Química deverá concretizar-se no capítulo “Reacções Químicas”, da forma mais eficaz possível potencializando aprendizagens posteriores e consequentes. Efectivamente, sublinha-se nas Orientações Curriculares (2004) que um conhecimento adequado da referida linguagem permite a apreensão correcta de conceitos que possibilitem construir conhecimento, a sua utilização de forma estruturada e correcta e diferentes formas de comunicação. Se numa fase introdutória as Orientações apresentam, como referimos, o professor como gestor e construtor do conteúdo, a margem de autonomia que lhe é conferida parece ficar condicionada, quando se apresenta o tipo e a forma das experiências educativas propostas para cada capítulo, pondo em causa o afirmado que “o currículo formal possa dar lugar a decisões curriculares que implementem práticas de ensino e aprendizagens diferentes” (ME/OCEB, 2004, p. 4). As experiências educativas apresentam, quase passo a passo, a actuação do professor impondo a sequência didáctica e as estratégias a pôr em prática. Sempre na perspectiva Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente, as experiências educativas, para as duas ciências (Ciências Naturais e Ciências Físico-Químicas), são apresentadas por tema e em paralelo, reforçando a ideia de complementaridade. 32 Paula Cruto Para as Ciências Físico-Químicas, este documento, no que se refere ao tema “Sustentabilidade na Terra”, estipula o pretendido para o capítulo “Reacções Químicas”, onde se enquadra o objecto deste trabalho: “Pretende-se que os alunos compreendam que a Química se refere ao modo como os materiais se transformam para originar outras substâncias. A matéria pode sofrer uma variedade de mudanças, rápidas ou lentas, espectaculares ou imperceptíveis, com ou sem libertação de calor. Incentivar os alunos a identificar, no mundo à sua volta, reacções químicas e a apresentar evidências (mudanças de cor ou da temperatura, produção de gases ou de sólidos) que apoiam os seus resultados.” ME/OCEB, 2004, p. 25 Podemos verificar que as experiências educativas apresentadas são de tal forma pormenorizadas que sugerem mesmo os reagentes a utilizar nas reacções que propõem. Assim, de modo a facilitar a leitura das experiências educativas, apresenta-se a sequência proposta com supressões (sendo que a totalidade do texto encontra-se no Anexo I). Sugere-se a realização de experiências (...), permitindo aos alunos a identificação de reagentes e produtos (…). É fundamental começar a escrever equações de palavras para traduzir as reacções químicas. Incentivar os alunos a escrever as equações de palavras correspondentes às reacções químicas realizadas e a investigar o que acontece à massa das substâncias que tomam parte numa reacção química. … É oportuno referir a diferença entre átomo e molécula. … Sensibilizá-los para a linguagem química de representação de substâncias (símbolos e formulas químicas) e para a necessidade de uma convenção universal para os símbolos químicos. Explicar as reacções químicas em termos de rearranjo de átomos, com referência à ruptura de ligações químicas e formação de novas ligações. Representar, com exemplos simples, as reacções químicas por equações químicas. (ME/OCEB, 2004, pp. 25-26). Da análise desta sequência didáctica, apuramos que a linguagem científica é desvalorizada e apresentada a posteriori à verificação experimental da conservação da massa (Lei de Lavoisier). Não é claro o momento em que estabelece a relação do dado experimental com a escrita das equações químicas, fundamental à compreensão integral da referida lei. 33 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER Recentemente, o Ministério da Educação, através da Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, publicou as Metas de Aprendizagem de Ciências (2010), apresentando na introdução do documento o objectivo das mesmas: “traduzir e enunciar as aprendizagens que os alunos devem ser capazes de alcançar e de evidenciar, de forma explícita, no final de cada um dos três ciclos da Escolaridade Básica”. Afirma-se, ainda, nessa secção, que a construção das Metas teve em conta os princípios organizadores do Currículo Nacional e os Programas das áreas, numa abordagem articulada entre e intra-ciclos. No que respeita à “Sustentabilidade na Terra”, o objecto deste trabalho tem como Meta Final (número 6, em 10) (Anexo II): “O aluno interpreta a diversidade de materiais existentes, naturais e não naturais, através das unidades estruturais das substâncias constituintes e reconhece que ocorrem reacções químicas entre substâncias em determinadas condições, as quais podem ser controladas, verificando-se sempre a conservação da massa. Compreende o significado da simbologia química e reconhece a importância da sua aplicação na representação de substâncias e de reacções químicas.” Metas de Aprendizagem de Ciências, 2010. Ao capítulo em estudo, “Reacções Químicas”, correspondem vários tópicos que representam as “aprendizagens específicas traduzidas em enunciados de cariz analítico”, sendo designados por “Metas Intermédias”, a saber: O aluno associa a diferentes substâncias, diferentes unidades estruturais electricamente neutras – átomos e moléculas, e com carga eléctrica – iões; identifica o tipo de unidades estruturais em rótulos, tabelas ou gráficos de produtos do quotidiano (exemplo: diferentes tipos de água). O aluno associa átomos do mesmo tipo, a um mesmo elemento químico, que se representa por um símbolo químico universal, e fórmula química de uma substância, aos diferentes elementos químicos que a constituem (significado qualitativo) e à relação em que átomos/iões se ligam entre si para formar a unidade estrutural (significado quantitativo), classificando-as como simples ou compostas. O aluno explicita procedimentos de escrita e de leitura de fórmulas químicas e aplica-os em situações particulares. O aluno descreve principais etapas do trabalho desenvolvido experimentalmente por Lavoisier, há mais de dois séculos, e identifica a Lei da Conservação da Massa com a lei por ele formulada – Lei de Lavoisier. 34 Paula Cruto O aluno explica as reacções químicas em termos de rearranjo de átomos dos reagentes, conduzindo à formação de novas substâncias (constituídas por unidades estruturais diferentes), conservando-se o número total dos átomos de cada elemento. O aluno revela pensamento científico (prevendo, planificando, executando, …) para verificar experimentalmente a Lei da Conservação da Massa em situações diversas e aplicaa à escrita de equações químicas simples. O aluno identifica reacções químicas que ocorrem à sua volta por explicitação de evidências macroscópicas da formação de novas substâncias (exemplos: formação de substância(s) de cor e/ou estado físico diferente). O aluno identifica, em reacções de combustão em contextos do quotidiano e/ou laboratoriais, as substâncias que se transformam (reagentes) e as substâncias que se formam (produtos da reacção) e representa-as por equações químicas; identifica, após pesquisa, consequências para o ambiente de óxidos e partículas provenientes de queimas. Uma análise atenta permite-nos verificar uma filosofia de base para a sequência didáctica diferente da preconizada nos anteriores documentos analisados. O recurso à actividade experimental continua a ser valorizado mas o conhecimento da linguagem química principia a sequência de aprendizagem. Assim, para atingir o preconizado pela Meta 6, o aluno recorre repetidamente à linguagem química e, na posse dessa competência, verifica em laboratório e contextualiza as aprendizagens com exemplos do quotidiano. 35 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER 36 Paula Cruto Capítulo 2: A aprendizagem “Não existe inteligência sem memória.” Fernando Savater, 1997, p. 5. “Tirar partido dos seus conhecimentos, servir-se deles para acção e como ponto de partida para novas conquistas, eis, em suma, o que importa na vida.” Émile Planchard, 1961, p. 376. Quando nos debruçamos sobre as teorias de aprendizagem, a primeira constatação que nos é dada fazer é a sua diversidade. Não surgindo de modo sucessivo, essas teorias convivem, com os seus defensores e os seus críticos. Decorrendo, de alguma forma, das preocupações e do pensar do momento em que são delineadas e se desenvolvem, influenciam também a essência e direcção da educação através dos pressupostos que defendem e da actuação pedagógico-didáctica que preconizam. Neste capítulo iremos, ainda que de forma sucinta e não exaustiva, abordar as teorias de aprendizagem mais presentes nas políticas educativas dos últimos tempos. 2.1. A diversidade de teorizações de aprendizagem As teorias behavioristas, emergentes nas primeiras décadas do século XX e com larga aceitação até finais dos anos de 1970, foram integradas nas políticas educativas de 37 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER diferentes países, devido à relação clara de eficácia que estabeleciam entre o ensino e a aprendizagem. Nestas teorias, designadas também de comportamentalistas, a aprendizagem diz respeito a alterações do comportamento. Assim procura-se promover as aprendizagens modificando o meio exterior utilizando reforços adequados para obter a resposta que se pretende (Shuell, 1986) e cuja natureza dependerá do nível etário e do esforço dos alunos (Almeida, Praia & Vasconcelos, 2003). Para cada situação é espectável que o uso de reforços adequados conduzirá à obtenção da resposta pretendida. Pode afirmar-se que estas teorias são marcadas pela ênfase dada ao ensino: o comportamento do professor determinaria o comportamento dos alunos. A sua mais-valia prende-se com o facto de conjecturar poder levar os alunos a adquirir comportamentos que antes não manifestavam por apropriação e modificação de respostas. Para tanto, é fundamental clarificar-se o que se pretende ensinar e, sobretudo, os objectivos que devem guiar tanto o ensino como a aprendizagem, os quais terão de ser minuciosamente definidos. O trabalho para a aquisição de cada objectivo deve ser devidamente avaliado, sendo o uso dos reforços adequados fundamental para a consolidação das aprendizagens conseguidas. Neste tipo de ensino privilegia-se o saber fazer ou a aquisição e manutenção de respostas (Almeida et. al., 2003). Perante aprendizagens complexas, a tarefa é dividida em pequenos passos, fornecendo, para cada um deles, o reforço positivo. A análise de tarefas na perspectiva comportamentalista recai, assim, sobre os próprios conteúdos da tarefa e a aprendizagem resultará das ligações entre os estímulos e as respostas dos alunos (Festas, 2009). Significativamente distantes desta orientação estão as teorias construtivistas, em particular a sócio-construtivista, as quais têm uma presença forte no sistema educativo, com reflexos nas orientações emanadas da tutela para as diferentes vertentes desse mesmo sistema (Bidarra & Festas, 2005). As diferentes versões do construtivismo apresentam como tronco central a “ênfase atribuída à actividade do aluno como factor primordial da aprendizagem” (Bidarra & 38 Paula Cruto Festas, 2005, p. 178). O discente envolve-se na construção do seu conhecimento, sendo que essa aprendizagem é condicionada pelas suas próprias pré-concepções. Em termos estratégicos recorre-se preferencialmente à experimentação contextualizada, pois entende-se que o aluno aprende a partir do meio e em interacção com ele, favorecendo-se-lhe a descoberta do conhecimento. Parte-se, pois, do pressuposto que possui uma capacidade inata para construir o “seu próprio conhecimento”, reconhecendo-se nele uma capacidade científica semelhante à do cientista (Bidarra & Festas, 2005, p. 178). O aluno é manifestamente considerado como um agente activo na procura de informação que lhe permita compreender o meio em que se encontra inserido. Nesta medida, devem prevalecer situações pedagógicas complexas, em contexto, da vida real, nas quais os alunos, individual ou colaborativamente, com acompanhamento pouco directivo por parte do professor, encontram verdadeiros significados para as suas aprendizagens. Na investigação a ênfase é posta no processo desvalorizando-se o conteúdo da aprendizagem (Domingos, Galhardo & Neves, 1987). As diferentes formas de apresentação do método da descoberta são equivalentes na sua essência e traduzem-se em abordagens pedagógicas semelhantes: os alunos são colocados perante questõesproblema como se de investigadores profissionais se tratassem (Van Joolingen, De Jong, Lazonder, Savelsbergh & Manlove, 2005). O que se baseia na premissa de que, ao serem desafiados a encontrarem as soluções em ambientes repletos de informação, os alunos realizam aprendizagens mais significativas. A actividade do aluno é, nesta medida, considerada como factor primordial da sua aprendizagem, encontrando-se assim a construção do conhecimento centrada no aluno, sendo este o agente dinâmico na procura de informação que lhe permita compreender o meio em que se encontra inserido. Sendo fundamental que o aluno desempenhe um papel activo durante a aprendizagem, recursos como livros, apresentações on-line, aulas e palestras, são classificados como formas de ensino não construtivistas, enquanto meios activos como jogos interactivos, discussões de grupo, actividades de “mãos na massa”, são classificadas como ensino construtivista. Nesta perspectiva a teoria construtivista de 39 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER aprendizagem traduz-se num ensino em que o aluno é apenas comportamentalmente activo (Mayer, 2004). A defesa da aprendizagem pela descoberta atribui ao aluno autonomia para atingir o conhecimento. Considera-se que o aluno é um agente activo da construção do conhecimento e que, dessa forma, aprende a aprender. O professor, mero gestor de conteúdos, limita-se a guiar o aluno no seu processo de descoberta, desvalorizando-se assim a transmissão de conhecimentos. Os modelos de ensino defendidos assentam na importância dada às concepções alternativas do aluno e no fomento da mudança que deve provocar. Espera-se que o aluno explicite as suas ideias alternativas e as altere. O ensino deve criar situações geradoras de conflito e sua resolução, assim como possibilitar oportunidade de aplicação das novas ideias. O contexto das actividades deve ser agradável e motivante e partir do dia-a-dia do aluno (Duarte, 1999). Para Duarte (1999), as diferentes perspectivas construtivistas apresentam pressupostos comuns, de onde salientamos a necessária insatisfação geradora de mudança. Esta pode ser conseguida pelo confronto entre as ideias do aluno em diferentes situações ou resultados experimentais e as dos outros, dando-se, assim, como aceite que a interacção social é facilitadora de mudança. Mas a propósito disto, algumas questões se podem levantar. A realidade da sala de aula é compatível com a gestão, por parte do professor, dessa insatisfação, podendo apontar estratégias individualizadas que permitam dar resposta a esse conflito? Como gerir a diversidade de interacções pessoais com a situação criada? E se o aluno nunca sentir essa insatisfação, como promover a aprendizagem? A linha sócio-construtivista que aparece nos documentos oficiais do Ministério da Educação e em que o processo de aprendizagem parte da experiência do aluno e é da sua iniciativa ― devendo o professor ser apenas um facilitador do processo ― surge referenciada por vários autores na literatura (Bidarra, 2007; Festas, 2009). O professor é apontado como o gestor dos conteúdos, tendo em consideração as características da população escolar a que são dirigidos. Cabe ao professor a tarefa de introduzir os conteúdos em contextos diferenciados, tornando-os familiares para os 40 Paula Cruto alunos, fomentando a organização progressiva do conhecimento do discente. Esta teoria apresenta como um dos seus grandes princípios psicopedagógicos a concepção de que “o conhecimento é construído e não pode ser transmitido” (Bidarra & Festas, 2005, p. 180). O recurso sistemático a métodos que evidenciam preferencialmente a descoberta pelo aluno, a resolução de problemas, a criatividade, entre outros, desvaloriza a relevância da transmissão de conhecimento pelo método expositivo, a repetição ou o treino da resolução de exercícios (Bidarra & Festas, 2005, Bidarra, et al., 2007). Nas diferentes linhas construtivistas não há unanimidade nem em relação ao grau de directividade, nem quanto à necessidade de definição de objectivos de aprendizagem e pedagogicamente aparece desvalorizada a “análise de tarefas” (Bidarra & Festas, 2005, p. 185). Defende-se que as aprendizagens devem ser efectuadas em contexto, reforçando a defesa da abordagem que vai do geral para a unidade (Roubtsov, 1991; Lesh & Zawojeski, 1992, citado por Bidarra & Festas, 2005, p. 185). Tendo presente o conhecimento já existente sobre o modo como aprendemos - o funcionamento cognitivo - há outras formas de entender a aprendizagem activa, em que o papel activo do aluno é desejavelmente compatível com o papel do professor como conhecedor e transmissor de conhecimentos. Na concepção cognitivista a ênfase da aprendizagem é colocada na aquisição do conhecimento e nas estruturas cognitivas. Promover as aprendizagens é trabalhar o aluno, modificando as próprias estratégias de aprendizagem (Shuell, 1986). Na psicologia cognitiva a aprendizagem aparece descrita como um processo complexo, que só pode ser analisado através da consideração de múltiplos sub-processos referentes às características da memória de trabalho e da memória de longo prazo e às intrincadas relações entre ambas que permitem a construção e a reconstrução do conhecimento Como somos capazes de adquirir conhecimento e de o usar é uma das preocupações recorrentes de todos os que se preocupam com a educação. A aprendizagem tem sido mote de investigação científica, em especial na área da psicologia cognitiva, de onde advêm importantes contributos para a área da Pedagogia. 41 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER A psicologia cognitiva estabeleceu as relações existentes entre o estímulo e as memórias sensorial, de trabalho e de longo prazo. Kirshner (2006) preocupou-se com a forma como a nossa estrutura cognitiva está organizada. As relações entre as memórias de trabalho e a longo prazo, juntamente com os processos cognitivos que suportam a aprendizagem, são de importância fulcral. O objectivo de toda a instrução é alterar a memória de longo prazo. Se nada se altera nesta, nada se aprendeu. Qualquer método de ensino que não possa ou não consiga especificar o que se vai alterando na memória a longo prazo, ou que não aumenta a eficiência com a qual a informação é armazenada ou recuperada, tem grande probabilidade de ser ineficaz. Segundo os modelos de processamento de informação, numa situação de aprendizagem, perante diferentes estímulos, é activada a memória sensorial, onde a informação permanece por fracção de segundos. A informação seleccionada que acedeu à memória de trabalho poderá originar uma resposta ao estímulo inicial, no entanto a memória de trabalho, ou de curto prazo, tem limitações quanto à quantidade de informação que comporta em simultâneo e em relação ao tempo que a mantém. Para que se atinja uma aprendizagem efectiva, a informação deve ser integrada e posteriormente recuperada da memória a longo prazo. Este processo requer muito treino e esforço. A psicologia cognitiva reforça a necessidade de que o aluno desempenhe um papel activo na sua aprendizagem para que ela realmente se efective. Esta premissa pressupõem trabalho do aluno, que, perante determinada informação, a selecciona, organiza, integra nos conhecimentos anteriores, armazena e mais tarde recupera. Isto é conseguido recorrendo a situações de ensino que desenvolvam estratégias cognitivas adequadas (Festas, 2009). Nesta perspectiva, os métodos activos visam colocar o aluno, usando os meios adequados, a trabalhar cognitivamente a informação na construção do seu conhecimento. As estratégias apropriadas devem ser trabalhadas nas diferentes situações de ensinoaprendizagem. O aluno é, tal como qualquer ser humano, um “processador activo de informação” capaz de construir o seu conhecimento (Duarte, 1999, p. 228). O professor é essencial para potencializar as aprendizagens dos conteúdos e das estratégias, que serão mais eficazes se associadas a um certo grau de directividade e orientação (Kirshener, 2006). 42 Paula Cruto Tal como afirma Festas (2006) e reitera Damião (2008), o conhecimento das características da memória de trabalho, com as suas limitações quanto ao tempo e à quantidade de informação que consegue ter presente em simultâneo, aponta ainda para a necessidade de desenvolver estratégias que ajudem os processos de organização e de transformação de informação. Assim, o trabalhar da informação recorre necessariamente à organização, codificação, transformação e repetição da mesma. Só recorrendo à memorização se pode aspirar a chegar a patamares mais altos no conhecimento e a repetição permite um grau de automatização necessário à verdadeira aquisição dos mesmos. Esta convicção é reforçada pelo desenvolvimento das neurociências cognitivas e o consequente conhecimento dos mecanismos cerebrais. Relembrando a afirmação de Savater, “não existe inteligência sem memória” (1997, p. 5), podemos dizer que só recorrendo à memorização se pode aspirar a chegar a patamares mais complexos de aprendizagem. O conhecimento das limitações na quantidade de informação e no tempo que a informação se mantém na memória de trabalho tem implicações pedagógicas e condiciona a selecção e a forma como se deve organizar a sequência das situações de aprendizagem. Na construção do conhecimento o aluno deve trabalhar pequenas unidades, actuando sobre cada componente da tarefa possibilitando, assim, a transformação e o armazenamento da informação em conhecimento recuperável e utilizável futuramente na análise e resolução de situações complexas (cf. Kirshener, Sweller & Clark, 2006; Festas, 2009) Festas (2006) afirma que, na linha comportamental, a análise de tarefas estava restringida à análise do seu conteúdo, enquanto as teses cognitivistas aliam a essa análise a identificação dos componentes cognitivos necessários à sua realização. O saber e o saber fazer que o aluno possui é determinante na realização da tarefa e a aprendizagem depende de todo o trabalho cognitivo por ele efectuado. A análise cognitiva de tarefas requer a definição dos objectivos, a categorização da tarefa, a análise da informação necessária à realização da mesma e a definição dos prérequisitos para a sua execução. Esta análise é oposta à resolução de problemas, uma vez 43 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER que, tendo em conta os processos cognitivos, a resolução de problemas requer uma capacidade de análise que o aluno ainda não possui. A aprendizagem a partir de situações complexas, tal como defendido pela linha actualmente dominante, não estimula o trabalho de cada um dos componentes de uma tarefa. Na perspectiva cognitivista, em qualquer aprendizagem, a análise da tarefa é uma ferramenta essencial. Assim, será mais adequado trabalhar cada uma das fases de uma tarefa ou componente, para que a informação possa ser transformada e armazenada sob a forma de conhecimento e ser recuperada, mais tarde, na resolução de problemas (Bidarra & Festas, 2005; 2006). Há sempre dois aspectos ou duas fases de aprendizagem. Primeiramente, acumulam-se conhecimentos de forma necessariamente acrítica. Em seguida, questionase o aprendido. Um dos erros mais graves da teoria construtivista da aprendizagem, em que se inspira a pedagogia dominante, é o não reconhecimento, e consequente a desvalorização, da fase transmissiva, que permite a aquisição de conhecimentos e que precede a fase de análise de situações problema, que sendo mais globais e complexas requerem uma capacidade crítica só atingível em patamares de aprendizagem mais avançados. A aprendizagem processa-se do simples para o complexo e o ensino deve ser estruturado nesse sentido fornecendo ao aluno os procedimentos e o conhecimento de que ele necessita. O aluno apresenta um “potencial cognitivo sustentado por estruturas cerebrais”, pelo que a educação formal deverá ser arquitectada de forma a potencializar as suas capacidades “orientando o ensino numa lógica de complexidade crescente” com vantagens acrescidas no desenvolvimento do pensamento concreto e abstracto (Damião, 2008). Os patamares de desenvolvimento e de ensino evoluem do mais concreto (mais simples) para o mais abstracto (mais complexo) que, a serem tidos em conta nas diferentes fases do processo de ensino – aprendizagem, resultariam numa melhor aprendizagem à luz do que hoje se sabe da psicologia cognitiva. O conhecimento dos modelos de processamento de informação estabelecido pela psicologia cognitiva vem de alguma forma fundamentar a hierarquia de objectivos 44 Paula Cruto proposta por Bloom (1956), Gagné (1965) e D’Hainaut (1983) e outros autores que se preocuparam com a organização do ensino. Mais recentemente, Anderson e Krathwohl (2001) argumentam que praticamente todas as actividades complexas de ensino requerem o uso de várias capacidades cognitivas diferentes. 2.1. A organização taxonómica da aprendizagem Dada a importância da ideia acima referida, tratamo-la, de modo mais desenvolvido, neste tópico. As taxonomias desenvolvidas desde de objectivos 1930, são pedagógicos, hierarquias de de inspiração intenções de behaviorista, aprendizagem correspondentes a capacidades que supostamente os humanos têm. Independentemente das suas especificidades, todas assentam no princípio de que essas capacidades têm de ser estimuladas para se manifestarem e isto numa lógica de complexidade crescente. Para Gerard (2000), a aprendizagem ocorre pela integração progressiva e consolidação de conhecimento sucessivamente mais complexos. Pela sua importância e actualidade damos destaque ao esquema taxonómico de Bloom, que apresenta os patamares correspondentes a níveis de desenvolvimento de aprendizagem na forma de um substantivo com a devida correspondência a acções esperadas no aluno. No primeiro nível, conhecimento, o aluno deve recordar os conteúdos aprendidos. Este nível reflecte a capacidade de memorização de factos específicos, de padrões de procedimentos e de conceitos e corresponde ao nível cognitivo mais baixo. A capacidade de entender o significado do conteúdo, corresponde já ao nível seguinte da compreensão e revela-se quando o aluno é capaz de traduzir por palavras suas o que leu ou ouviu, interpretando, prevendo consequências ou efeitos. Este desempenho corresponde a um nível mais elevado do que a simples memorização, mas é ainda o nível mais baixo da compreensão. No nível da aplicação, o aluno adquire a capacidade de usar a informação 45 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER ou o conceito numa nova situação. A análise traduz a capacidade de dividir a informação ou o conceito em partes, visando um entendimento mais completo. A capacidade de reunir ideias para formar algo novo representa o alcançar da capacidade de síntese e a avaliação a capacidade de fazer julgamentos (Bloom, 1981). Em 1999, foi publicada uma versão actualizada desta taxonomia que considera uma gama maior de factores que afectam o ensino e a aprendizagem. Além disso, tenta corrigir alguns problemas apontados à taxonomia original, nomeadamente, diferenciando o “saber o quê” (o conteúdo do raciocínio) do “saber como” (os procedimentos para resolver problemas) (Anderson e Krathwohl, 2001). Mantém, no entanto, seis níveis que explicitam os processos cognitivos envolvidos nas aprendizagens. Usando formas verbais, pretende-se traduzir acções que os alunos devem efectuar, e que devem progredir do mais simples e mais concreto ao mais complexo e abstracto: lembrar, entender, aplicar, analisar, avaliar e criar. O lembrar consiste em reconhecer e recordar informações importantes da memória de longo prazo. O entender é a capacidade de fazer a sua própria interpretação do material educativo (leituras e explicações do professor). Esse processo pressupõe interpretação, exemplificação, classificação, resumo, conclusão, comparação e explicação. O aplicar refere-se ao usar o procedimento aprendido numa situação familiar ou nova. O analisar consiste em dividir o conhecimento em partes e relacioná-las com a estrutura geral. Ao analisar, os alunos diferenciam, organizam e atribuem significado. O avaliar é o item mais avançado da taxonomia original, é o quinto dos seis processos da versão revista englobando verificação e crítica. O criar, um processo que não fazia parte da primeira taxonomia, é o patamar mais elevado da nova versão e envolve o acto de reunir elementos para dar origem a algo novo. Para conseguir criar, os alunos têm de gerar, planear e produzir (Bloom, 1981). Landsheere (1979) considerava que, mais do que hierarquizar aprendizagens, uma abordagem taxonómica permite “ajudar o educador a não esquecer certas etapas” (p.76) e gradualmente elevar o nível de ensino. O conhecimento dos modelos de processamento de informação, que emergiram no quadro da Psicologia Cognitiva, vem sustentar a hierarquia de objectivos propostos por 46 Paula Cruto Bloom. Efectivamente, sendo a taxonomia apresentada por este autor, tal como outras, uma resposta behaviorista às situações de ensino-aprendizagem, apresenta características que se coadunam com o que se sabe sobre o funcionamento da memória e com a necessidade de trabalhar o conhecimento por patamares em termos de complexidade crescente. Estamos, assim, perante propostas alternativas àquelas que são predominantes nas actuais orientações tutelares. De facto, não nos podemos esquecer de que o aluno apresenta um “potencial cognitivo sustentado por estruturas cerebrais”, a educação formal deverá ser arquitectada de forma a potencializar as suas capacidades “orientando o ensino numa lógica de complexidade crescente” com vantagens acrescidas no desenvolvimento do pensamento concreto e abstracto (Damião, 2008). Gérard & Roegiers (1998) consideram que a “aprendizagem” consiste em “tornarmo-nos capazes de exercer uma actividade sobre um determinado objecto”. Usando a proposta taxonómica apresentada por D’Hainaut (1983), estes autores classificaram os objectivos de aprendizagem, segundo uma hierarquia de abstracção, em quatro estruturas cognitivas: “factos particulares”, “classes”, “relações” e “estruturas” (Gérard & Roegiers, 1998, pp. 47-48). É este processo gradativo que vai de elementos ou acontecimentos singulares, logo mais simples, para o estabelecer de relações complexas, que deverá conduzir a construção e utilização de manuais escolares. Isto na linha de pensamento de Anderson & Krathwohl (2001) quando sublinham que praticamente todas as actividades de ensino requerem o uso de capacidades cognitivas diferentes, que se devem trabalhar de modo articulado. 47 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER 48 Paula Cruto Capítulo 3: Os manuais escolares no ensino e na aprendizagem “…o problema dos manuais está no centro da pedagogia e todos os aspectos desta se reflectem neles”. Émile Planchard, 1961, p. 375 Os manuais escolares ocupam um lugar central em toda a actividade pedagógica o que é reconhecido por diversos autores (por exemplo Planchard, 1961; Choppin, 1992; Gérard & Roegiers, 1998; Brito, 1999) e em letra de lei (Lei nº 47/2006, de 28 de Agosto). Representam o meio de ensino mais utilizado do mundo (Tormenta, 1996) sendo essencial no apoio ao trabalho autónomo do aluno (Choppin, 1992; Jorge, 2003), mas também dos professores (Tormenta, 1996; Gérard & Roegiers, 1998; Castro, 1999). Segundo Gérard & Roegiers (1998), o manual veicula aspectos da política educativa, da evolução científica e, desejavelmente, da investigação pedagógica. Sendo, contudo, desejável a independência mútua destes aspectos de modo que um não secundarize os restantes. A selecção de manuais, e correspondente adopção, sendo feita por professores é pois, de grande responsabilidade e resulta de um processo pelo qual a escola ou agrupamento de escolas valida a sua adequação ao respectivo projecto educativo (art.º 16.º da Lei n.º 47/2006, de 28 de Agosto). É assim, que sem qualquer formação específica, com tempo destinado para tal muito limitado e, apenas enquadrados pelas grelhas de apreciação elaboradas para o efeito pelo Ministério da Educação, 49 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER periodicamente os docentes têm a função de analisar e seleccionar um, de entre muitos, os manuais que as editoras directa ou indirectamente fazem chegar às escolas. Neste capítulo, incidiremos a nossa reflexão sobre esses recursos, em destaque para os de ciências. 3.1. Orientações da tutela relativas aos manuais escolares Na página da Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, o enquadramento legislativo dos manuais escolares distribui-se, desde o ano de 2006, por dezassete diplomas, os quais contêm as linhas estruturantes da actuação dos diversos intervenientes, desde aqueles que o concebem àqueles que o usam. Incidiremos, no entanto, a nossa atenção nos seguintes documentos: Lei de Bases do Sistema Educativo, Lei n.º 49/2005, de 30 de Agosto; Lei n.º 47/2006, de 28 de Agosto; Decreto-Lei n.º 261/2007, de 17 de Julho; Despacho n.º 29864/2007, de 30 de Novembro; Despacho n.º 415/2008, 30 de Novembro; Despacho n.º 22025/2009, de 21 de Setembro; Despacho n.º 25190/2009, de 17 de Novembro. Deter-nos-emos também no Parecer nº 7/1989, n.º 8/2011 e 2/2006 do Conselho Nacional de Educação. A importância dos manuais escolares no processo de ensino-aprendizagem é reconhecida na Lei de Bases do Sistema Educativo que, no n.º1do artigo 44.º, alínea 2, os constitui como “recursos educativos privilegiados, a exigirem especial atenção” sendo que, recursos educativos são “todos os materiais utilizados para conveniente realização da actividade educativa.” A Lei n.º 47/2006, de 28 de Agosto, define o regime de avaliação, certificação e adopção aplicável a diversos recursos didáctico-pedagógicos para o ensino básico e secundário, onde se incluem os manuais, bem como os princípios e objectivos a que deve obedecer o apoio sócio-educativo relativamente à sua aquisição e empréstimo. Neste documento, o manual é definido na alínea b) do artigo 3.o, como: 50 Paula Cruto “o recurso didáctico-pedagógico relevante, ainda que não exclusivo, do processo de ensino e aprendizagem, concebido por ano ou ciclo, de apoio ao trabalho autónomo do aluno que visa contribuir para o desenvolvimento das competências e das aprendizagens definidas no currículo nacional para o ensino básico e para o ensino secundário, apresentando informação correspondente aos conteúdos nucleares dos programas em vigor, bem como propostas de actividades didácticas e de avaliação das aprendizagens, podendo incluir orientações de trabalho para o professor”. Tendo como assente o princípio da liberdade e autonomia científica e pedagógica na concepção e elaboração destes recursos, assim como a sua escolha por parte dos agentes educativos, a referida Lei propõe-se assegurar a qualidade científica e pedagógica e a respectiva “conformidade com os objectivos e conteúdos do Currículo Nacional e dos Programas e Orientações Curriculares” (artigo 2.o), atestando que se trata de instrumentos adequados ao apoio ao ensino e aprendizagem e logo, à promoção do sucesso educativo. O artigo 5.o atribui a iniciativa da elaboração dos manuais escolares aos seus autores. Paralelamente a avaliação para a sua certificação fica a cargo de comissões de avaliação, da responsabilidade do Ministério da Educação ou de entidades devidamente certificadas para o efeito, que possuem autonomia para atribuir certificação de qualidade científico-pedagógica (artigo 8.o, alínea a) e ponto n.º 7 do artigo 9.o). No ponto 1 do artigo 11.o, definem-se os critérios que, obrigatoriamente, essas comissões aplicarão: “a) Rigor científico, linguístico e conceptual; b) Adequação ao desenvolvimento das competências definidas no currículo nacional; c) Conformidade com os objectivos e conteúdos dos programas ou orientações curriculares em vigor; d) Qualidade pedagógica e didáctica, designadamente no que se refere ao método, à organização, a informação e a comunicação; e) Possibilidade de reutilização e adequação ao período de vigência previsto; f) A qualidade material, nomeadamente a robustez e o peso.” Como o objectivo de garantir a qualidade científico-pedagógica dos manuais escolares foi criado, complementarmente, pela Lei n.º 47/2006 de 28 de Agosto, um regime de avaliação e certificação, a realizar por comissões de peritos ou por entidades especialmente acreditadas para o efeito. Enquanto tal procedimento não é prática generalizada, clarifica-se na página electrónica da Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular que “pode o membro do governo responsável pela área da 51 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER educação, determinar a avaliação dos manuais adoptados e em utilização referentes a qualquer ano de escolaridade e disciplina ou área curricular disciplinar”. O Decreto-Lei n.º 261/2007, de 17 de Julho, regulamenta a Lei n.º 47/2006, de 28 de Agosto e nele se reconhece a variedade de materiais de apoio à actividade lectiva que o mercado associado à concepção e divulgação de recursos didácticos disponibilizam às escolas, aos docentes e aos alunos nos mais diversos formatos. Aqui se reconhece explicitamente a importância do manual, ao referir-se que estes “continuam a ser na prática instituída um instrumento fundamental do ensino e da aprendizagem”. No que respeita à avaliação e certificação destes recursos, o Decreto reforça o sentido da Lei, uma vez que esta “definiu os princípios orientadores e os parâmetros normativos no sentido de garantir a conformidade dos manuais escolares com os objectivos e conteúdos dos programas ou orientações curriculares…” Apontando no mesmo sentido, no ponto 3 alínea a) do anexo ao Despacho n.º 29864/2007, de 30 de Novembro, clarifica-se que, para garantir a conformidade com os Programas e Orientações Curriculares é também necessário “Apresentar os conhecimentos da disciplina ou área curricular no respeito pelos programas e orientações curriculares oficiais”. A comissão de avaliação procede à certificação dos manuais e s divulgação do resultado é da responsabilidade da tutela. O papel dos docentes e das escolas na escolha dos manuais estará assim balizado pela sua certificação e o Estado assegura “que nenhum manual desadequado ao currículo ou aos programas em vigor ou com erros ou deficiências seja instrumento da aprendizagem dos alunos”. Em anexo a este despacho especificam-se os critérios de qualidade pedagógica e didáctica que o manual certificado deve denotar, para que, nomeadamente os de Ciências, passem por “promover as aprendizagens com base na resolução de problemas e de carácter experimental (…) e nos termos dos programas e das orientações curriculares em vigor”. A avaliação de manuais escolares adoptados e em utilização está regulamentada pelo Despacho n.º 415/2008 de 4 de Janeiro, alterado pelo Despacho n.º 22025/2009 de 52 Paula Cruto 2 de Outubro. Estes documentos estipulam a abertura e os procedimentos de avaliação dos manuais adoptados e em utilização em diferentes áreas curriculares ou disciplinas e anos de escolaridade, incluindo os que são destinados à Físico-Química dos três anos de escolaridade do 3.º ciclo. A lista de entidades acreditadas como avaliadoras e certificadoras de manuais escolares, para as várias áreas curriculares e anos de escolaridade foi tornada pública no Despacho n.º 25190/2009, de 17 de Novembro, no entanto dela ainda não constam as entidades avaliadoras e certificadoras dos manuais de Ciências Físico-Químicas. O Conselho Nacional de Educação reconheceu, no Parecer nº 7/1989, o manual como um dos meios didácticos mais eficazes que permite renovadas utilizações, alertando para o facto de não favorecer uma pedagogia baseada “no esforço e reflexão crítica”, por transmitir conhecimentos preparados por outrem e por acarretar o risco de o seu conteúdo ser dogmatizado por parte de alguns docentes. Por outro lado no Parecer n.º 6/2001, afirma na introdução a concordância da comissão com a legislação vigente, ao considerar o mesmo recurso, quando certificado cientificamente e didacticamente, um valioso auxiliar do processo de aprendizagem. O mesmo organismo, reafirma no Parecer n.º 8/2011, posições anteriormente tomadas sobre a temática dos manuais escolares e no ponto 4 – Situação actual, considera que o manual é entendido por muitos professores e encarregados de educação como um apoio relevante às aulas e ao estudo dos alunos. No Parecer nº 8/2011, referindo um estudo efectuado pelo Observatório de Recursos Educativos, os seus autores reconhecem o valor social e cultural do manual escolar quando, no ponto 5.2, afirmam que este constitui frequentemente “ o único acervo bibliográfico disponível nos lares dos alunos”. A relevância da temática do papel do manual no ensino é reafirmada pelo interesse que desperta a muitos autores ou investigadores da área das ciências da educação. 53 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER 3.2. Estudos em torno dos manuais escolares Planchard (1961, p. 374) define o manual escolar como o “instrumento de aprendizagem escolar em relação com um programa determinado”, cujo valor depende não só do que contém, mas também do uso que dele se pode fazer. Segundo Gérard & Roegiers (1998, p. 19) este recurso dever ser entendido como “um instrumento impresso, intencionalmente estruturado para se inscrever num processo de aprendizagem, com o fim de lhe melhorar a eficácia”. Uma ideia que se associa no presente ao manual escolar é a sua complexidade, característica que foi adquirindo ao longo do tempo. Choppin (1992, 8) refere que tradicionalmente o manual correspondia à apresentação organizada de um conjunto de saberes de uma forma estereotipada, hoje “tornou-se uma ferramenta polifónica”, dela se esperando que permita avaliar a aquisição de conhecimentos, integre o recurso a diferentes meios de comunicação, leve à apropriação de métodos transferíveis para novas situações e promova a heterogeneidade. Utilizando o exemplo francês, que consideramos extensível ao português, este autor, entende que a utilização do manual é dificultada pela instrumentalização de que tem sido alvo em detrimento do conteúdo, devendo-se isto à necessidade de recorrer à sua apresentação funcional por parte das editoras, como forma de esclarecer e agilizar a sua utilização. Castro (1999, pp. 189 e 191) é da mesma opinião, afirmando que os manuais são “objectos particularmente complexos”, o que atribui à rede de relações entre os diferentes intervenientes, desde a elaboração, distribuição e utilização. De facto, a “crescente complexificação deste dispositivo pedagógico”, está associada, entre outros factores, à “progressiva generalização de uma escola de massas”. Uma outra óptica de análise dos manuais é considerar as suas finalidades. Choppin (1992) defende que devem auxiliar e guiar o aluno nas aprendizagens de determinadas disciplinas. Esta opinião é reforçada por Jorge (2003, p. 35), que os considera como “ferramenta de trabalho do aluno”, mas que não deve substituir o professor no traçar “de estratégias e a adopção das metodologias mais adequadas a uma boa aprendizagem”. Para 54 Paula Cruto este autor ao promover a autonomia do aluno, o manual prolonga, no tempo e no espaço, a acção do professor. O aluno pode, pois, recorrer ao livro e à mensagem nele impressa sempre que necessitar, pois, “o que está escrito permanece escrito” (Brito, 1999, p. 147). Os manuais devem dar resposta a diferentes necessidades. Para lá da função de transmissores de conhecimentos, espera-se também que promovam a aquisição de métodos e hábitos de trabalho e atitudes por parte do aluno, o desafiem, o motivem, o apoiem e lhe permitam autoavaliar-se no processo de consolidação de novos saberes. Para Brito (1999), tais recursos configuram as práticas pedagógicas, uma vez que “fornecem elementos de leitura e descodificação do real, esclarecem objectivos de aprendizagem e transmitem valores”, sendo incentivadores do “desenvolvimento ou desinteresse” dos alunos (pp. 139 e 145). Para Jorge (2003) e Duarte (1999) os manuais podem, ainda, estimular a criatividade e a organização do trabalho, quer de alunos, quer de professores, condicionando, dessa forma, as actividades desenvolvidas. Para Stinner (1992) e Duarte (1999) o manual constitui um dos recursos educativos mais utilizados pelos professores substituindo por vezes o próprio programa na orientação das práticas pedagógicas (Brito, 1999) a sua posição torna-se essencial e central, quer na sala de aula quer fora quando usado autonomamente pelo aluno (Gérard & Roegiers, 1998), apesar do incremento do uso dos meios informáticos, reafirma-o como um meio privilegiado de aprendizagem. O manual escolar, na sua concepção e elaboração, sendo destinado ao aluno, revela-se um instrumento de trabalho essencial para o professor, com grande poder de influência no “como” e no “que” ensinar (Castro, 1999; Gérard & Roegiers, 1998). Se o manual serve de guia para o discente, informando, estruturando e organizando aprendizagem, também é a partir dele que o “professor planifica as suas aulas e organiza as actividades dos alunos” (Tormenta, 1996, p. 11). Este protagonismo contrasta, segundo Choppin (1992) com uma certa desvalorização de que é alvo resultado, por um lado, da crescente diversificação de meios de comunicação e, por outro, da tendência de afirmação dos métodos designados por activos que secundarizam a função de transmitir conhecimentos a ele associado. 55 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER Castro (1999, p. 190) admite que o manual é também concebido em função do professor. Mais: que é ele o destinatário preferencial uma vez que dele depende, num determinado momento, a adopção. Assim, as funções pedagógicas do recurso aparecem associadas às de um “bem de consumo” de importância relevante pelo valor crescente que representa na economia das famílias e, pelo número de exemplares vendidos, também na economia do país. Como resultado da interdependência entre o docente e a indústria livreira, o manual assume, de certa maneira, o “controlo do acto pedagógico” (Tormenta 1996, p. 61), que pode não estar sempre de acordo com o que é desejável em termos de aprendizagem. A utilização do manual, ao induzir práticas pedagógicas, tem um papel importante nas teorias de aprendizagem que veicula e na sua concordância com as orientações tutelares (Figueiroa, 2003). A ideologia dominante é apresentada nos manuais de uma forma “demasiado silenciosa” (Brito, 1999, p. 139). Já em 1961 Planchard apontava o possível antagonismo das funções do manual. Se por um lado pode estimular o pensamento e a acção, quando mal concebido e/ou mal usado pode apenas limitar-se a um apoio de memória não se revertendo de carácter formativo. Assim, o professor, para ensinar, não se deve limitar a usar o manual, cabendo-lhe a tarefa de estabelecer o equilíbrio entre o “saber” e o “saber fazer”. Jorge (2003, p. 35) sublinha que o professor, em vez de estar condicionado pelo manual, deve decidir o seu trabalho com base no programa da disciplina, gerindo e desenvolvendo as estratégias de ensino de acordo com “as suas próprias opções, com as lições colhidas na sua experiência e com o acréscimo de formação que, continuadamente, terá obtido”. Desta maneira, para lá das orientações provenientes da tutela, por vezes pouco claras e contraditórias, a formação inicial e contínua dos professores pode assumir a função de capacitar os docentes para tal função. Independentemente da discussão em torno da concepção, escolha e utilização do manual deverá ter-se em conta a política educativa, a evolução na área disciplinar e na investigação em pedagogia (Planchard, 1961; Gérard & Roegiers, 1998), sendo estes 56 Paula Cruto aspectos que determinam o “papel que nele é reservado aos alunos e professores” (Castro, 1999, p. 90). Planchard (1961), defende que a civilização transmite-se sobretudo pelo livro, sendo atribuído ao manual escolar um elevado grau de confiança nessa tarefa, pela sociedade, em geral e pelos docentes, em particular. Para este autor, o livro é indispensável na transmissão de cultura, tendo “o seu lugar marcado na escola que prepara para a vida”, no entanto, não deixa de associar ao conteúdo, a forma como ele é usado, valorizando o papel do professor nessa tarefa, o qual se traduz na estimulação e orientação do treino do que foi ensinado, do pensamento activo, do auto-investimento no conhecimento. Depois de uma abordagem geral sobre os manuais escolares, dirigimos a nossa atenção para os manuais de ciências e, mais especificamente, para a representação que neles têm o ensino experimental e o método de resolução de problemas, abordagens pedagógicas, que como antes referimos, são preconizadas no Currículo Nacional (2001) e nas Orientações Curriculares (2004). Considerando que o currículo das ciências valoriza as “ideias alternativas dos alunos” e a utilização de “estratégias de ensino facilitadoras da mudança conceptual”, Duarte (1999, p. 235) analisou manuais de Ciências da Natureza do 5.º e 6.º ano de escolaridade, tendo verificado uma grande diversidade metodológica patentes nestes recursos, o que na sua opinião, acarreta uma responsabilidade acrescida aos docentes a quando do processo de selecção e utilização. Em estudos distintos, Leite (1999) e Figueiroa (2001; 2003) investigaram as actividades laboratoriais incluídas, respectivamente, em manuais do 5.º ano de Ciências da Natureza e do 8.º ano de Ciências Físico-Químicas, visando analisar a sua concordância com os princípios gerais defendidos para o ensino das ciências no que diz respeito às actividades de laboratório. As duas investigadoras concluíram que os manuais, embora em graus distintos, apresentam actividades laboratoriais pouco diversificadas e fechadas, incluem maior número de actividades laboratoriais do tipo ilustrativo e, em muitos casos, pouco concordantes com os resultados provenientes da 57 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER investigação em educação para as ciências ou mesmo com as veiculadas pelas orientações programáticas. Considerando o manual escolar como um “mediador do currículo”, Dourado e Leite (2010, p. 133) entendem que para cumprir tal função deveria promover a aprendizagem baseada na resolução de problemas. Assim, analisaram manuais para o Ensino Básico, de Ciências Naturais e de Ciências Físico-Químicas relativamente ao uso desta abordagem no tema “Sustentabilidade na Terra”, tendo verificado uma grande diversidade quanto ao número e ao tipo de questões colocadas, havendo também diferenças significativas na abordagem desenvolvida pelas duas disciplinas que trabalham o tema. Ainda em 2008 os referidos autores analisaram as actividades laboratoriais propostas em manuais do Ensino Secundário (Geologia do 10.º e 11.º ano), de modo a identificar formas diversificadas de lidar com modelos de fenómenos geológicos impossíveis de reproduzir no laboratório. Considerando que as actividades laboratoriais podem contribuir para o desenvolvimento das capacidades de compreensão do mundo, Leite (2006) analisou manuais de ciências de diversos anos tendo constatado a existência de desajustamentos entre os objectivos pretendidos e o procedimento escolhido. A pretendida simplificação da abordagem revela-se por vezes insuficiente para estabelecer as conclusões pretendidas, uma vez que a realidade é mais complexa do que se pretende apresentar. Os manuais de ciências podem ser analisados em diversas vertentes que não só a pedagógico-didáctica. Assim, Morais, Borges e Botelho (2002) efectuaram um estudo sociológico, em manuais de Ciências Naturais do 8.º ano, em que focaram a investigação nos princípios de igualdade entre homens e mulheres, analisando as imagens aí presentes. Os investigadores constataram a existência de uma “desigual promoção social entre homens e mulheres, privilegiando-se o homem, quer no número de imagens em que aparece, quer na sua associação a estatutos sociais elevados” (p. 15). 58 Paula Cruto As Ciências trabalham com a inevitável e desejada evolução científica. O tempo de vigência dos manuais escolares acarreta, por vezes, reflexo na actualidade do mesmo, que as reedições pretendem atenuar. Este facto contribui para um acréscimo de complexidade na tarefa de selecção do manual de ciências que pode ser minimizada pelo reforço de formação que prepare os docentes para a observação e análise do manual tendo em conta as suas finalidades e a sua adaptabilidade a essa realidade. 59 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER 60 Paula Cruto Parte II: Estudo Empírico 61 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER 62 Paula Cruto Capítulo 4: Planificação da investigação Depois de realizado o enquadramento normativo-legal e curricular bem como um enquadramento teórico que consideramos relevante para o nosso caso que nos esclareceu acerca das linhas orientadores da actual política educativa para o ensino das ciências, dos pressupostos fundamentais inerentes às diferentes teorias de aprendizagem e da importância do manual escolar como suporte do ensino, delineámos o nosso trabalho empírico. Este trabalho, como referimos na Introdução, incide na sequência didáctica referente às reacções químicas, conteúdo trabalhado no 8.º ano de escolaridade, no tema “Sustentabilidade na Terra” nas Ciências Físico-Químicas e, de importância central no estudo desta ciência pois aí se desenrola a aprendizagem da linguagem química. A sequência em causa apela sobretudo para a competência geral 2, explanada no Currículo Nacional do Ensino Básico (2001), explicitada na página 26 do Capítulo 1, associada à linguagem científica e à forma como esta é comunicada. De notar que, ao contrário da linguagem do quotidiano, a linguagem científica é “universal, tendo cada termo um significado preciso” (Sousa, 2003), pelo que, ao longo da escolaridade, os alunos deverão apropriar-se dela e a ela recorrer como forma privilegiada de comunicação. A linguagem química, em particular, associa representações simbólicas a objectos estruturais microscópicos. O seu “alfabeto” é composto pelos elementos químicos 63 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER conhecidos, os quais, como é sabido, constituem a tabela periódica dos elementos. A partir da simbologia criada por Berzelius, em que, cada elemento é representado pela primeira letra, maiúscula do nome em latim (para os mais antigos) e, quando necessário, a segunda letra diferenciadora em minúscula. Por seu lado, a fórmula química representa as ligações químicas entre os elementos, formando as substâncias elementares ou compostas, isto é, constituídas, respectivamente, por um ou mais elementos distintos. Símbolo e fórmula química traduzem, pois, em linguagem própria o que consensualmente é a química, a “ciência que estuda a composição e as propriedades das diferentes matérias e suas transformações” (Universal, 2006, p. 1240). A evolução dos vários ramos da química criou a necessidade de padronizar a nomenclatura e outras representações simbólicas que iam surgindo, o que, desde 1921, compete, por recomendação, à União Internacional de Química Pura e Aplicada – IUPAC –, que é uma organização científica não-governamental. Segundo Neto (2009) a simbologia na química facilita a compreensão de aspectos abstractos inerentes a um determinado assunto. Se o elemento químico representa o átomo (partícula básica da matéria), a fórmula representa a substância e informa qual a sua constituição qualitativa e quantitativa. A equação química traduz o que ocorre antes e depois da reacção, significando de forma esquemática e universalmente reconhecida a realidade. A informação quantitativa nela contida traduz e explica a lei que integra a referida sequência didáctica. Assim, e antes de avançarmos, queremos deixar claro que a escrita de uma equação química pressupõe o conhecimento cimentado da simbologia referente às substâncias envolvidas na transformação, bem como do significado e regras de escrita das fórmulas químicas, o que dificilmente é conseguido sem um razoável domínio da linguagem química. Detendo-nos na Lei de Lavoisier, de estudo obrigatório no capítulo e no ano em questão, poderemos perguntar: compreenderá o aluno todas as implicações desta Lei se não souber a constituição e a representação simbólica das substâncias intervenientes? 64 Paula Cruto Ao analisarmos as Orientações Curriculares e Programáticas vigentes, percebemos que, no estudo dessa Lei, a “reacção química”, traduzida numa equação química, pode ser considerada a questão global, a qual deve ser contextualizada no quotidiano dos alunos. Usando outra expressão, poderá ser a situação-problema, em que os intervenientes (reagentes e produtos da reacção) se apresentam como as partes. Na abordagem preconizada nas Orientações Curriculares, a dita Lei resulta, primeiramente, da generalização de uma verificação experimental, em que o aluno ainda não possui a requisitos que lhe facultem a sua compreensão. Desta maneira, no que respeita ao ensino da Lei de Lavoisier no 8.º ano de escolaridade, é pertinente questionar a eficácia da sua introdução sem o domínio prévio da linguagem química. Poderá esta escolha influenciar a compreensão da Lei e as aprendizagens daí decorrentes? Mais concretamente, tendo em conta o conhecimento científico actual sobre a forma como se processa a aprendizagem, estará esta orientação certa? No fundo, a nossa interrogação é se, em termos pedagógico-didácticos se deverá optar por uma abordagem que parte do todo, mais complexo ou uma abordagem que parte do mais elementar, mais simples. Tendo em conta estas perguntas, pretendemos, neste trabalho, identificar qual dessas abordagens prevalece nos manuais escolares e nas práticas docentes, reportadas por eles próprios. Para tanto, realizámos dois estudos com carácter complementar: o primeiro incidente na análise de manuais escolares, o segundo incidente na análise das opções apontadas pelos docentes. Antes de passarmos para a apresentação desses estudos, devemos relembrar que, no Ensino Básico, a organização das Ciências Físicas e Naturais faz-se por temas comuns às duas áreas científicas, para que se trabalhem, de forma complementar, questões comuns. 65 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER Como referido anteriormente, o tema que elegemos como objecto deste trabalho é o terceiro do programa do 8.º ano de escolaridade – “Sustentabilidade na Terra” – que, tal como os restantes, está organizado para dar resposta a problemas de carácter geral. A sua organização faz-se em três capítulos: “Som e luz”, “Reacções químicas” e “Mudança global”. A aprendizagem da linguagem química situa-se no capítulo “Reacções Químicas” e, tendo presente que cada ciência possui uma linguagem própria, esta necessariamente deve ser aprendida da forma mais eficaz possível potencializando aprendizagens posteriores e consequentes. A referida aprendizagem culmina na escrita da equação química que representa, em notação científica, as reacções químicas realizadas ou observadas no dia-a-dia. Sendo o universo da química, o mundo microscópico, a tradução desta realidade, que trespassa na verificação da Lei de Lavoisier, só é perceptível com o domínio da linguagem química. Na verdade, estamos face a uma aprendizagem que apela primeiramente para a aquisição da simbologia que representa e permite comunicar conceitos químicos, sustentáculo do trabalho de compreensão. Só a linguagem química fornece as ferramentas necessárias ao acerto das equações químicas representadoras da realidade. A competência geral 2, anteriormente referida, apela à utilização de linguagens adequadas à comunicação de diferentes saberes e, entre outras, encontra a sua operacionalização nas Ciências Físico-Químicas na escrita da equação química no capítulo das “Reacções químicas”. Com vista ao desenvolvimento das competências específicas deste conteúdo, os diferentes documentos oficiais – curriculares, programáticos e metas – e os diferentes manuais analisados coincidem nos passos necessários à aprendizagem do conteúdo em causa. A sequência desses passos, que registamos no quadro 1, servirá de referência ao nosso trabalho empírico. 66 Paula Cruto Quadro 1 - Sequência de aprendizagem - Lei de Lavoisier Etapas de aprendizagem … transformação química - pré requisito … tipos de reacções químicas … equação de palavras … Lei de Lavoisier … do símbolo químico … da fórmula química … equação química Passamos, então, a apresentar nos tópicos seguintes, os dois estudos a que acima aludimos. 4.1. Primeiro Estudo – Estudo com manuais Considerando que os manuais escolares, onde se incluem os de ciências, representam um recurso privilegiado pelos professores (por exemplo, Castro, 1999; Gérard & Roegiers, 1998; Leite 2008; Tormenta, 1996; Stinner, 1992), substituindo por vezes o próprio programa (Brito, 1999), ocupam um lugar de especial importância no processo de ensino-aprendizagem. A abordagem didáctica sugerida no manual está, em princípio, balizada pelas Orientações Curriculares e Programáticas vigentes e pelas opções dos seus autores. A utilização que é dada ao manual escolar pelo professor influencia a relação que o aluno estabelece com o mesmo e, tendo presente que o livro escolar é possivelmente o principal suporte do trabalho autónomo do aluno (Choppin, 1992; Jorge, 2003) a sua utilização condiciona as aprendizagens realizadas. Objectivos Centrando-nos nas duas abordagens pedagógico-didácticas antes referidas (a que parte do que é mais complexo e a que parte do que é mais simples), pretendemos 67 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER verificar nos manuais escolares do 8.º ano de escolaridade, em relação ao tema “Reacções Químicas”, incluído no tema “Sustentabilidade na Terra”: (A) qual é a abordagem que estes recursos veiculam; (B) a concordância dessa abordagem com as directrizes da tutela patentes nas Orientações Curriculares para as Ciências Físicas e Naturais (2004) e nas Metas de Aprendizagem (2010). Corpus Seleccionámos oito manuais de Ciências Físico-Químicas destinados ao 8.º ano de escolaridade existentes no mercado no ano lectivo de 2010/2011, editados por seis editoras e escritos por autores diferentes. Atribuímos a esses manuais uma codificação, a que se segue o seu título, autor editora e número de escolas em que o nosso segundo estudo decorreu (Quadro 2). De referir que o manual codificado como M1 foi adoptado em cinco das onze dessas escolas. Quadro 2 – Identificação dos manuais escolares Manual Autor M1 FQ 8 - Sustentabilidade na Terra ASA Editora N.º de escolas 5 M2 8 CFQ - Sustentabilidade na Terra Texto Editora 2 M3 Eu e o Planeta Azul - Ciências Físico-Químicas - 8.º Ano Física e Química na Nossa Vida – 8.º Ano Porto Editora 1 Porto Editora 1 Texto Editora 1 Editora M5 H2O – Sustentabilidade na Terra M. Neli G.C.Cavaleiro; Domingas Beleza C. Morais, C. Fiolhais, J. Paiva, M. Fiolhais, S. Ventura, V. Gil A. Miranda, M.C.Marques, N. Maciel F. Morão Lopes Dias, M.Margarida R.D.Rodrigues A. Roque M6 Terra.lab 8.º Sustentabilidade na Terra A. Amaro Rebelo; F. Rebelo Lisboa Editora 1 M7 (CFQ) 8 - Sustentabilidade na Terra A. J. Silva; C. Simões; F. Resende; M. Ribeiro Areal Editores 0 M8 Ciências Físico.Química 8.ºano Sustentabilidade na Terra C. Caldeira; J. Valadares; M. Vicente; M. Neves Didáctica editora 0 M4 68 Paula Cruto Instrumentos A sequência de aprendizagem objecto de estudo deste trabalho, acima explicitada, foi codificada a partir das orientações Curriculares e registada da seguinte maneira: à etapa “transformação química - pré requisito” corresponde o código “0”; ao passo “tipos de reacções químicas” o código 1; a “equação química” codificámos com o número 2; à etapa de aprendizagem designada por “Lei de Lavoisier” atribuímos o código 3; as etapas “do símbolo químico”, “da fórmula química” e da “equação química” foram codificadas respectivamente com os números 4, 5 e 6 (Quadro 3). Quadro 3 - Sequência de aprendizagem e respectiva codificação Aprendizagem: Codificação … transformação química - pré requisito … tipos de reacções químicas … equação de palavras … Lei de Lavoisier … do símbolo químico … da fórmula química … equação química 0 1 2 3 4 5 6 Com base na conceptualização apresentada nos quadros 1 e 3 e com a preocupação de concretizar o nosso objectivo construímos uma grelha de registo da sequência didáctica patente em cada um dos oitos manuais, bem como o acordo com as orientações da tutela para o ensino (Quadro 4). Quadro 4 – Grelha de registo da sequência de aprendizagem Manual Acordo com as orientações da tutela OOCFN Metas Sequência didáctica M1 M2 M3 M4 M5 M6 M7 M8 69 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER Procedimentos Como ficou subjacente acima, iniciámos a operacionalização do nosso estudo fazendo uma recolha de manuais para a área disciplinar de Ciências Físico-Químicas do 8.º ano de escolaridade. No caso, de manuais adoptados pelas Escolas de Coimbra e zonas limítrofes. Uma vez que na página da Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, do Ministério da Educação, na secção Manual escolar/Lista de manuais disponíveis, não foi possível aceder às listas de manuais e, no sentido da concretização do referido objectivo, fizemos uma pesquisa na Internet: consultámos os portais das escolas em causa, a fim de identificarmos os manuais adoptados por cada uma delas (Manuais M1, M2, M3, M4, M5 e M6). Posteriormente, optámos por incluir os restantes manuais existentes no mercado uma vez que não fariam aumentar significativamente o alvo do nosso estudo (Manuais M7 e M8). A informação recolhida ficou registada no quadro 2. Após análise das orientações da tutela para o tema em estudo, efectuada no Capítulo 1 desta dissertação, sistematizámos os aspectos essenciais no que respeita à abordagem pedagógico-didáctica (Quadro 1). De seguida, com base na codificação criada e registada no quadro 3 e com apoio da grelha de registo da sequência de aprendizagem, apresentada no quadro 4, procedemos à sistematização da abordagem didáctica seguida nos diversos manuais assim como a concordância dessa abordagem com as Orientações Curriculares e pelas Metas de Aprendizagem. 70 Paula Cruto 4.2. Segundo Estudo – Estudo com professores A prática pedagógica dos docentes é fulcral na compreensão do processo de ensino. Tal como referido por Figueiroa (2003), o manual induz nesse processo determinadas teorizações de aprendizagem, podendo, no caso, influenciar a opção pela abordagem didáctica do simples para o complexo ou do complexo para o simples. Assim, ao aceitar ou rejeitar uma determinada sequência didáctica, patente no manual, o docente desenvolve uma prática em consonância, ou não, com as orientações emanadas pela tutela. Objectivos Tendo em conta o acima explicitado, para este estudo estabelecemos os objectivos que se seguem. (A) Conhecer: A.1. o uso que professores atribuem ao manual como suporte de ensino; A.2. a identificação que fazem do manual adoptado; A.3. os critérios que referem ter sido utilizados para seleccionar o manual na escola onde leccionam. (B) Conhecer: B.1. a sequência didáctica que professores dizem utilizar na abordagem do conteúdo em causa; B.2. a relação que estabelecem entre a sequência didáctica que dizem utilizar e aquela que supõem constar do manual adoptado. 71 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER Amostra A amostra foi constituída por 44 professores de sete escolas do concelho de Coimbra e de três de concelhos limítrofes situados até um máximo de 24 Km. Todos eles pertencem ao grupo de docência 510 e, independentemente da formação inicial que tiveram, possuem habilitação própria para leccionar o ano e o tema em causa. Destes, 36 são do sexo feminino (81,8%) e 7 são do sexo masculino, não se tendo identificado um deles. Relativamente ao tempo de serviço, são sobretudo professores experientes, o que resulta da localização das escolas a que pertencem. O tempo mínimo de trabalho registado foi de 4 anos e o máximo de 39 anos. A média é de 21,58 anos (Quadro 5). Quadro 5 - Caracterização da amostra quanto ao sexo, tempo de serviço e situação profissional Variável Nível N % Feminino 36 81,8 Masculino 7 15,9 NR 1 2,3 < 10 anos 3 6,8 10;15 anos 7 15,9 15;20 anos 8 18,2 20;25 anos 8 18,2 25;30 anos 6 13,6 > 30 anos 8 18,2 Não Responde 4 9,1 A leccionar o 8.º ano no ano lectivo 2010/11 21 47,7 Não leccionam o 8.º ano no presente ano mas já leccionaram ao longo da carreira Nunca leccionaram o 8.º ano 19 43,2 2 4,5 Não Responde 2 4,5 Sexo Tempo de serviço Situação em relação ao ano de escolaridade em estudo É de referir, ainda, que 2 professores nunca leccionaram o ano lectivo em que se ensina o capítulo “Reacções Químicas”, sendo docentes com 28 e 38 anos de serviço, que leccionaram, até ao presente, apenas o ensino secundário. 72 Paula Cruto Instrumentos Para procedermos ao levantamento dos dados, elaborámos um questionário de carácter estruturado, que, na sua versão final é constituído por três partes distintas (Anexo III): A parte introdutória inclui quatro itens destinados à caracterização dos sujeitos: sexo, tempo de serviço, leccionação do ano de escolaridade a que se reporta o estudo e ano(s) de escolaridade que lecciona no presente ano lectivo. Todas as respostas requeridas, com excepto de uma, são fechadas, dando-se nalgumas a possibilidade de escolha de uma ou mais opções. A resposta aberta diz respeito ao tempo de serviço do docente; A primeira parte, contém três itens destinados a conhecer a identificação do manual utilizado na escola onde o docente lecciona, os critérios de selecção do manual e a utilização que o docente faz do mesmo. Dois dos itens são de resposta fechada, embora um deles permita mais do que uma opção e o outro solicite uma resposta mais pormenorizada por parte dos docentes; A segunda parte contém dois itens onde se solicita ao docente informação justificada sobre a sua prática lectiva e a relação com a opção preconizada pelo manual utilizado na sua escola. Um dos itens é de resposta aberta, efectuada mediante codificação pré-estabelecida e com solicitação de justificação para a resposta dada. O segundo item, sendo de resposta fechada, na justificação à opção tomada permite mais do que uma resposta, sendo que numa delas o docente poderá especificar a escolha. Para uma melhor compreensão da estrutura deste instrumento sintetizamos, de seguida, os objectivos, a sua discriminação e os itens correspondentes (Quadro 6). 73 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER Quadro 6 - Estrutura do questionário e itens correspondentes (A) Conhecer: (B) Conhecer: Objectivos A.1. o uso que professores atribuem ao manual como suporte de ensino; A.2. a identificação que fazem do manual adoptado; A.3. os critérios que referem ter sido utilizados para seleccionar o manual na escola onde leccionam. B.1. a sequência didáctica que professores dizem utilizar na abordagem do conteúdo em causa; B.2. a relação que estabelecem entre a sequência didáctica que dizem utilizar e a aquela que supõem constar do manual adoptado; Itens 1 2 3 4 5 Após a preparação do instrumento, testámo-lo com dois professores de escolas e graus de ensino distintos. Este procedimento permitiu perceber dificuldades na resposta a alguns itens e aferir a consonância entre a interpretação do docente e os objectivos subjacentes a cada item. Seguiu-se, naturalmente, a reformulação das questões onde detectámos problemas. Procedimentos O questionário reformulado foi entregue pessoalmente aos sujeitos, sendo o seu preenchimento efectuado de forma esclarecida e voluntária. Uma análise de conteúdo das respostas à pergunta aberta permitiu a sua organização em três categorias: pedagógicas, científicas e normativas. As primeiras reportam-se às práticas ou processos de ensino, as segundas reportamse ao conhecimento do assunto e as terceiras ao estabelecido em documentos normativos. 74 Paula Cruto Capítulo 5: Apresentação de resultados e sua análise Neste capítulo apresentaremos os dados dos dois estudos antes enunciados seguindo de perto os objectivos traçados. 5.1. Resultados do primeiro estudo e sua análise Visando a concretização do objectivo A (verificar qual abordagem que os manuais escolares veiculam) iniciamos efectuando a análise da sequência didáctica preconizada pela tutela e reflectida nos documentos oficiais para o capítulo “Reacções Químicas”, leccionado no tema “Sustentabilidade na Terra”. A sequência foi codificada, utilizando o código anteriormente referido (cf. Quadro 3). Em relação ao Currículo Nacional a sequência apresentada nas experiências de aprendizagem preconizadas para as Ciências Físicas e Naturais foram registadas no quadro 7. Quadro 7 - Sequência didáctica preconizada pelas OCCFN Sequência didáctica Experiências de aprendizagem das OCCFN 1–2–3–4–5–6 As Orientações Curriculares recomendam a identificação “no mundo à sua volta” das reacções químicas e a realização de experiências conducentes à “fundamental” 75 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER equação de palavras. Os “tipos de reacções” são trabalhadas, preferencialmente, recorrendo ao quotidiano do aluno e na perspectiva Ciência – Tecnologia – Sociedade – Ambiente – CTSA. A Lei de Lavoisier é, nesta abordagem, resultado de um processo investigativo e a posterior a abordagem à linguagem química aparece, de alguma forma, desvalorizada uma vez que as experiências educativas apontam para uma sensibilização do aluno para “a necessidade de uma convenção universal para os símbolos químicos” e a representação por símbolos e fórmulas químicas. Termina a sequência com a representação “com exemplos simples” das reacções químicas pelas respectivas equações químicas. Passamos às Metas de Aprendizagem, sendo que no quadro 8 sistematizamos a sequência didáctica das experiências de aprendizagem que traduzem. Quadro 8 - Sequência didáctica preconizada pelas Metas de Aprendizagem Experiências de aprendizagem das metas de aprendizagem Sequência didáctica 4–5–2–3–6–1 Uma análise atenta desta sequência permite-nos verificar a não total concordância com a sequência didáctica preconizada nas Orientações Curriculares. Nas experiências educativas apontadas nas Metas de Aprendizagem é dada prioridade à aprendizagem da linguagem química. Espera-se que concretizando a meta final, número seis, o aluno compreenda o “significado da simbologia química” e a sua importância na representação de substâncias e reacções químicas. Recomenda-se como ponto de partida, que faça a associação do átomo ao elemento químico, representado pelo símbolo químico para a posterior escrita com significado qualitativo e quantitativo da fórmula química. A reacção química é escrita não sequencialmente mas em paralelo, em palavras e utilizando a simbologia química, só possível numa etapa subsequente à memorização e repetição dos símbolos e fórmulas químicas. 76 Paula Cruto A Lei de Lavoisier surge como resultado do trabalho experimental do seu autor e é explicada também em termos quantitativos ao aluno. A verificação experimental desta lei aparece numa fase conclusiva da sequência em que o aluno já domina toda a linguagem necessária à escrita da equação química, sendo esta uma ferramenta de grande importância para a compreensão da Lei, culminar desta sequência. Procurando concretizar o Objectivo B (concordância da abordagem com as directrizes da tutela), procedemos à análise da sequência didáctica, para ensinar o conteúdo em estudo, nos oito referidos manuais, tendo verificado que, em função da abordagem didáctica, eles podem ser agrupados em 2 grupos distintos. No primeiro grupo, constituído por seis manuais (M1, M2, M3, M4, M5 e M8) preconiza-se, no essencial, a mesma sequência didáctica em que a Lei de Lavoisier antecede a linguagem química. No segundo grupo, constituído por 2 manuais (M6 e M7) preconiza-se uma opção distinta, em que a linguagem química é introduzida numa fase mais inicial da sequência e anterior à Lei de Lavoisier (Quadro 9, coluna “Sequência didáctica”). Quadro 9 - Sequencia didáctica por manual Manual Sequência didáctica M1 M2 M3 M4 M5 M6 M7 M8 0–2–1–3–4–5–6 0–2–1–3–4–5–6 0–2–1–3–4–5–6 0–2–1–3–4–5–6 2–1–3–4–5–6 0–4–5–2–3–6–1 0–2–4–5–1–3–6 0–2–1–3–4–5–6–1 Acordo com as orientações da tutela OCCFN Metas X X X X X X X X Uma observação do conteúdo da sequência do primeiro grupo de manuais permitenos registar que apenas o manual M5 não inicia a aprendizagem com a referência aos 77 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER pré-requisitos necessários à abordagem do conteúdo em causa, logo às concepções préexistentes no aluno e condicionantes de novas aprendizagens. Por outro lado, a sequência apresentada pelo manual M8 apenas difere das restantes no retomar, no final de toda a sequência a aprendizagem do “tipos de reacções químicas”. Aqui optou-se pela sequência em que se inicia a nova aprendizagem pelos diferentes tipos de reacções químicas até à Lei de Lavoisier, usando sempre uma linguagem comum, por vezes em esquema químico, mas não científica. As etapas seguintes da sequência adoptada são para a aprendizagem da linguagem química que vai desde o símbolo, fórmula química à escrita da equação química. Os manuais do segundo grupo coincidem na opção de primeiro incidirem sobre a linguagem universal utilizada pelos Químicos e só depois avançarem para as reacções químicas com o estudo dos tipos existentes, suas equações e terminarem com o estudo da Lei de Lavoisier. Fazendo uma análise comparativa entre a sequência adoptada nos diferentes manuais e a preconizada pelos diferentes documentos oficiais (Objectivo B) podemos verificar que o primeiro grupo, salvaguardando algumas diferenças pontuais, no essencial, coincidem com a sequência das Orientações Curriculares em que a linguagem química é subsequente à Lei de Lavoisier (Quadro 9, colunas “Acordo com as orientações da tutela”). Os manuais M6 e M7 apesar da diferente sequência, coincidem na precedência dada à linguagem química, estando, por isso, mais próximos da sequência apresentada pelas Metas de Aprendizagem (cf. quadro 9, colunas “Acordo com as orientações da tutela”). Sendo o manual M1 adoptado em mais escolas do concelho de Coimbra e dos concelhos limítrofes, podemos constatar que a sequência mais difundida por esse manual corresponde à preconizada no Currículo Nacional. 78 Paula Cruto 5.2. Resultados do segundo estudo e sua análise Como já referido anteriormente, a parte introdutória do questionário visava a caracterização da amostra. De seguida, passamos a estudar, de modo quantitativo e qualitativo, as respostas às diversas perguntas (primeira e segunda partes) iniciando, sempre que se revele necessário, no posicionamento dos sujeitos e depois apresentando a justificação. As respostas aos itens da primeira parte permitem conhecer a identificação do manual utilizado na escola onde o docente lecciona, os critérios de selecção do manual e a utilização que o docente faz do mesmo. Em relação ao objectivo A.2 e, perante a questão “Sabe qual o manual adoptado para o 8.º ano de escolaridade na sua Escola” (item 2) todos os docentes identificam, por vezes de forma parcial, o manual adoptado na sua escola. Da análise deste item, apurámos também a distribuição dos docentes inquiridos pelos diferentes manuais investigados no primeiro estudo, sendo que, dos 44 sujeitos, 28 estão a utilizar o manual M1 (Quadro 10). Quadro 10 – Número de sujeitos por manual e sua utilização Variável N.º de sujeitos por manual Uso do manual Nível N % M1 28 63,6 M2 8 18,2 M3 1 2,3 M4 1 2,3 M5 4 9,1 M6 2 4,5 Preparar as aulas 35 25,5 Apoio às aulas 39 28,5 Dar orientações de estudo aos alunos 39 28,5 Realizar avaliação das aprendizagens 22 16,1 Outras possibilidades 1 0,7 Não Respondeu 1 0,7 79 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER Esta situação vai ao encontro do facto de este ser o manual mais adoptado nas escolas do Concelho de Coimbra e limítrofes. Procurando concretizar o objectivo A.1, verificámos que na sua prática o docente atribui ao manual diferentes funções, sendo que no total das 137 respostas dadas, foram o “apoio às aulas” e o “dar orientações de estudo aos alunos” as opções mais apontadas. A utilização do manual na preparação das aulas é também apontada por 35 dos docentes envolvidos (Quadro 10) No entanto, quando questionados se conhecem os critérios que foram usados para seleccionar o manual indicado (item 3), os sujeitos afirmaram, maioritariamente, desconhecer esses critérios (Quadro 11). Quadro 11 – Critérios de escolha do manual Variável Nível N % Sim 18 40,9 Não 25 56,8 NR 1 2,3 Científico 11 19,0 Pedagógicos 33 56,9 Normativos 8 13,8 NR 6 10,3 Conhecimento dos critérios usados na escolha do manual Critérios usados na escolha do manual Em relação aos indivíduos que responderam afirmativamente à questão anterior, perante o pedido de enunciar os referidos critérios, verificámos uma grande variedade de respostas. Sendo um item de resposta aberta, os docentes envolvidos, quase sempre, apresentaram mais do que um critério. Tendo em conta a organização das respostas apresentada na página 70, verificámos que os docentes concederam prioridade aos critérios de carácter pedagógico e científico. Uma análise do conteúdo das respostas dadas pelos docentes permite-nos afirmar que o rigor científico (10 sujeitos) e a linguagem adequada (8 sujeitos) são duas das suas 80 Paula Cruto principais preocupações, aquando da selecção do manual. O tipo de exercícios contidos no manual e o apoio multimédia são também apontados por 5 docentes como critério de escolha do manual (Quadro 12). Quadro 12 – Critérios de escolha do manual Critérios apontados Científico Pedagógico Normativos N Rigor científico 10 Autor conceituado 1 Ilustrações adequadas ao nível etário 2 Resumos de matéria por aula 2 Exercícios de aplicação de diferentes graus 5 Funcionalidade 2 Objectividade 2 Linguagem clara Organização/Projecto (caderno de exercícios, laboratório, etc.) 8 Sequência programática 2 Problematização dos assuntos 1 Ligação a situações do dia-a-dia 1 Suporte informático/ manual multimédia 5 Critérios legalmente estabelecidos 3 Peso, volume e materiais 3 Adequação ao programa 2 Não Respondeu 3 6 Tendo em conta o número de docentes que referiram desconhecer os critérios utilizados na adopção do manual na sua escola e a diversidade de respostas dadas pelos que afirmaram o contrário, e se este resultado for considerado para o global da população docente, reforça-se a convicção da necessidade de investimento nesta área na formação contínua dos professores e/ou alteração na forma como decorre essa função. Visando o objectivo B.1, na segunda parte do questionário era solicitado ao docente que, considerando os passos de aprendizagem apresentados anteriormente e a 81 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER respectiva codificação (Quadro 3), explicitasse a sequência por si utilizada no ensino do referido conteúdo. As respostas foram agrupadas em dois tipos de abordagem pedagógico-didáctica. Sempre que, na sequência apresentada, o docente apelasse primeiramente para a aquisição da simbologia que permita representar e comunicar a reacção química e a Lei de Lavoisier, considerámos estar perante uma abordagem “do simples para o complexo”. Se, pelo contrário, o docente referisse trabalhar a linguagem química a posteriori, considerámos estar perante uma abordagem “do complexo para o simples”. Considerámos, ainda, como uma sequência mista aquela que, independente da forma de iniciar a sequência, não apresenta coerência. Após análise das sequências didácticas que os docentes da nossa amostra referem utilizar, verificamos que 61,4% deles privilegiam uma abordagem do simples para o complexo, 29,5% dizem utilizar uma abordagem do complexo para o simples e 9,1% apresenta uma sequência que se nos apresenta pouco coerente (Quadro 13). Quadro 13 – Sequências didácticas que os professores referem usar nas suas práticas de ensino Sequência N % Simples → Complexo 27 61,4 Complexo → Simples 13 29,5 Mistas 4 9,1 Estes resultados estão em divergência com a sequência preconizada pelas Orientações Curriculares (Quadro 7) em que a abordagem utilizada parte do complexo para o simples. Independentemente da abordagem escolhida, a justificação da escolha, dada pelos professores recai, principalmente, sobre argumentos de ordem pedagógico-didáctica: “mais lógica”, “aprendem mais facilmente” ou “boa em termos de aprendizagem”, são razões apresentadas para ambas as abordagens. Salientamos que alguns dos sujeitos que optaram pela sequência do simples para o complexo justificaram a escolha com a “experiência no ensino mostra...”, o que poderá 82 Paula Cruto ser revelador de uma reflexão e consciencialização dos efeitos das escolhas didácticas nas aprendizagens. Estes docentes consideram que se é “mais lógica”, “o aluno compreende”, se “os alunos aprendem mais facilmente” e “devido à estrutura mental que o aluno estabelece”, este caminho é então o “mais proveitoso”. Os professores estabelecem um paralelismo entre a aprendizagem do conteúdo em estudo com a aprendizagem inicial: “permite conhecimentos necessários aos passos seguintes”, “deve ser introduzida primeiro a linguagem”, “é assim que iniciam no seu percurso escolar: primeiro a linguagem” ou “mais fácil a compreensão caminhar do particular/pequeno para o geral/grande” (Quadro 14). Quadro 14 – Abordagem didáctica Simples → Complexo Justificação Sequência N % 0-1-2-4-5-6-3 13 48,1 0-2-4-5-6-3-1 2 7,4 0-4-5-1-3-2-6 1 3,7 0-4-5-2-6-3-1 2 7,4 4-5-0-1-2-3-6 6 22,2 4-5-0-2-1-3-6 1 3,7 4-5-0-2-6-3-1 1 3,7 4-5-2-6-1-3-0 1 3,7 Pedagógico/Didáctica “experiência no ensino mostra…”; “mais lógica”; “mais proveitoso”; “o aluno compreende”; “aprendem mais facilmente”; “devido à estrutura mental que o aluno estabelece”; “partir do que compreende”; “permite conhecimentos necessários aos passos seguintes”; “evita repetições desnecessárias”; “deve ser introduzida primeiro a linguagem…”; “é assim que iniciam no seu percurso escolar: primeiro a linguagem…”; “mais fácil a compreensão caminhar do particular/pequeno para o geral/grande”; “Lei de Lavoisier…após…símbolos, fórmulas e equações”; “torna-se mais óbvia” Normativos “rentabiliza o tempo destinado à sua leccionação”; Quando a justificação da opção por uma determinada sequência recai num critério normativo, no caso da abordagem que parte do complexo para o simples, verificámos preocupação com as orientações provenientes da tutela ou do manual utilizado e, na 83 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER opção inversa preocupação com a rentabilização do tempo destinado à leccionação do conteúdo em causa (Quadro 15). Quadro 15 – Abordagem didáctica Complexo → Simples Justificação Sequência N % 0-1-2-3-4-5-6 7 53,8 0-2-1-3-4-5-6 0-1-3-2-4-5-6 4 2 30,8 15,4 Pedagógico/Didácticos “mais lógica para uma aprendizagem eficaz”; “boa em termos de aprendizagem”; “é mais útil compreender primeiro a conservação da massa do que a representação simbólica”; “estratégia de ensino em função dos alunos”; “…mais fácil atingir metas de aprendizagem. Normativos “… é a do livro” “está de acordo com as orientações curriculares e/ou programa” “princípios organizadores das orientações curriculares” Pretendendo analisar a concordância da sequência escolhida pelo docente com a sequência do manual adoptado na escola onde lecciona (objectivo B.2), optámos por agrupar as respostas à pergunta 5 do questionário por manual (Quadro 16). Verificámos que 24 docentes (54,5%) optaram por uma sequência distinta da do manual escolhido. Fazendo uma análise por manual e relativa à sua concordância com as orientações dos documentos oficiais (Quadro 16), verificamos que o posicionamento dos docentes relativo a este aspecto é distinto do preconizado pelas Orientações Curriculares. Tendo presente que apenas o manual M6 não apresenta a sequência didáctica de acordo com as Orientações Curriculares (Quadro 16), o posicionamento dos docentes revela que apenas 29,5% dos sujeitos (13 docentes) seguem estas Orientações na abordagem do conteúdo em estudo. 84 Paula Cruto Quadro 16 – Concordância sequência professor / manual Manual M1 M2 M3 M4 M5 M6 TOTAL Sim 9 3 1 Coincide Não NS/NR 15 4 5 1 4 2 15 24 4 N 28 8 1 1 4 2 44 A resposta ao item em que se aferia a coincidência da sequência escolhida pelo docente com a do manual adoptado era feita por escolha de uma ou mais possibilidades de resposta. Assim, e no caso das respostas afirmativas, 11 docentes referiram ser a mais eficaz, 5 referiram ser a sugerida pelas Orientações Curriculares e 6 referiram ser a sugerida no manual. Quando a escolha do docente é diferente da do manual, 19 dos 24 professores que apresentam essa resposta apontam como justificação o facto de considerarem que o livro não apresenta a escolha mais eficaz para a aprendizagem (Quadro 17). Há ainda a considerar 1 docente que não identifica a sequência do manual com a que é sugerida pelas Orientações Curriculares. Uma vez que o docente em causa não utiliza o manual M6, nos parece ter uma das seguintes explicações: ou desconhece o manual utilizado na escola onde lecciona, ou não conhece as Orientações Curriculares. Quadro 17 – Justificação da concordância sequência professor/manual Resposta Sim Não Justificação N.º de respostas a mais eficaz 11 sugerida pelo manual 6 sugerida pelas orientações 5 não é a mais eficaz 19 não é sugerida pelas orientações 1 outra alternativa 1 85 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER Retomando os objectivos previamente definidos, procedemos, de seguida, a uma breve reflexão em torno dos dados apurados que se nos afiguraram mais relevantes. Assim, e em relação ao objectivo A (ver página 67), salientamos que os docentes inquiridos identificam o manual em utilização na escola onde leccionam e, na sua prática profissional, utilizam-no para as diversas funções de ensino previstas, destacando-se o apoio às aulas e ao estudo autónomo dos alunos. Este resultado aponta para uma confirmação do lugar central atribuído ao manual escolar no processo de ensino aprendizagem (Brito, 1999; Gérard & Roegiers, 1998). No entanto, dos resultados obtidos, realçamos, com preocupação, o facto de os docentes desconhecerem os critérios usados na selecção dos manuais periodicamente pedida aos docentes. Acresce referir que sendo os critérios pedagógicos os que mais mobilizam os docentes na escolha do manual, esta problemática deve ser posta na primeira linha de prioridades da formação docente. Tendo presente que, com este estudo, pretendíamos também conhecer as práticas de ensino dos docentes envolvidos, em relação à temática em estudo (objectivo B), verificámos que a maior parte dos sujeitos (61,4%) utiliza uma sequência didáctica que privilegia uma abordagem do simples para o complexo. A justificação desta escolha recai novamente em argumentos pedagógicos. Verificámos que, em relação à sequência didáctica utilizada pelos docentes, a opção da maioria não coincide nem com a apresentada pelo manual em utilização na escola onde leccionam, nem com a preconizada pelas Orientações Curriculares, mostrando uma maior convergência com a sequência recentemente apresentada pelas Metas de Aprendizagem. Efectivamente, as suas opções recaem sobre a sequência que consideram mais eficaz em termos de aprendizagem. No entanto, esta eficácia poderá estar condicionada pelos possíveis efeitos contraditórios entre a utilização pretendida pelo manual e a prática da sala de aula. Tendo presente as respostas dadas ao item 1 do questionário (Quadro 10), em que se percebe que os docentes usam o manual para apoio à aula e ao trabalho autónomo do 86 Paula Cruto aluno, pelo menos no conteúdo em análise, a abordagem preconizada pelo manual não coincide com a utilizada pelo professor na sua prática de sala de aula. Tal facto poderá diminuir a eficácia pretendida e gerar alguma dificuldade à compreensão ambicionada para a sequência programática em análise. 87 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER 88 Paula Cruto Reflexão final “Um sábio não é necessariamente um bom pedagogo. Sabe com certeza o que convém ensinar, mas ignora quase sempre quando, como e a quem o ensinar.” Émile Planchard, 1961, p. 378. As orientações curriculares e programáticas devem permitir tomar decisões na construção de manuais escolares e na actuação didáctica dos professores pelo que começámos esta dissertação fazendo o enquadramento normativo-legal do ensino das Ciências no 3.º Ciclo Ensino Básico, em geral, e da disciplina de Físico-Químicas, em particular. Não se sabendo, em concreto, como é que essas orientações afectam as referidas decisões pode conjecturar-se que tenham impacto significativo nas mesmas. Um aspecto que se destaca neste enquadramento é a noção de competência, que deve guiar todas as aprendizagens básicas, pretendo-se, no caso das ciências, promover a literacia com vista à formação de cidadãos científica e tecnologicamente aptos a viver e intervir na sociedade, conscientes do que os rodeia. Esta abordagem, que nos ocupou o Capítulo 1, designada por Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente, organiza-se por temas no âmbito dos quais o ensino desenvolve-se centrado no aluno e naquilo que o rodeiam, privilegiando-se experiências de aprendizagem em contexto que facultem a auto-descoberta e a resolução de problemas. No Capítulo 2, apresentámos resumidamente as teorias de aprendizagem mais relevantes nas actuais discussões sobre o ensino, destacando a que se inferimos ser a predominante no nosso sistema de ensino. Por outro lado, procurámos confrontar os pressupostos desta teoria com os dados da investigação na área da psicologia cognitiva 89 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER que dá indicações preciosas acerca da nossa estrutura cognitiva, estabelecendo a forma como esta se organiza, de onde se podem retirar implicações directas para a área da pedagogia. No Capítulo 3 incidimos no manual escolar, em particular de ciências. Considerado unanimemente como um recurso central, tem despertado o interesse de diferentes autores que analisaram a sua posição central no processo de ensino-aprendizagem, abordando diferentes vertentes que vão da componente laboratorial, concordância ou não com as teorias científicas, imagens usadas, tendências sociológicas, entre outras. Tal atenção estende-se à tutela, que sobre eles tem legislado abundantemente. Na posse do conhecimento sistematizado que a primeira parte da dissertação nos facultou, delineámos o nosso estudo empírico (Capítulo 4 e 5) cujo objectivo principal era, tendo em conta a sequência didáctica relativa à linguagem química, apurar qual a abordagem pedagógico-didáctica – do complexo para o simples ou partindo do simples para o complexo – seguida em manuais escolares e eleita por professores para ensinarem a Lei de Lavoisier no capítulo das Reacções Químicas. Assim, no Capítulo 4 estabelecemos, para os dois estudos que iríamos efectuar, os objectivos, o corpus e a amostra, respectivamente para o primeiro e segundo estudo, apresentámos os instrumentos e explicámos os procedimentos que seguimos visando a concretização de cada um dos referidos estudos. Nesta parte final, e para melhor se compreenderem algumas das reflexões efectuadas, procuraremos enquadrar, ainda que muito sinteticamente, os resultados apresentados no Capítulo 5, com a abordagem teórica anterior. Tendo iniciado o primeiro estudo pela análise das propostas de experiências de aprendizagem constantes das Orientações Curriculares para as Ciências Físicas e Naturais e das Metas de Aprendizagem, para o ensino da já referida sequência de ensino, verificámos que elas não são coincidentes nestes dois documentos. Mais concretamente, as Orientações Curriculares privilegiam a abordagem do complexo para o simples, enquanto nas Metas de Aprendizagem acontece o inverso. Sabendo que este documento, 90 Paula Cruto apresentado mais recentemente, tem apenas um carácter indicativo, podendo as escolas e os professores segui-lo ou não, desconhecemos se ele representa uma alteração efectiva e alargada da abordagem da tutela. Tendo em conta a referida sequência temática, no primeiro estudo verificámos que a tendência pedagógico-didáctica patente nos manuais seleccionados está em consonância com as Orientações Curriculares. Assim sendo, prevalece a abordagem do complexo para o simples, uma vez que a linguagem química é apenas introduzida já no final da sequência em análise. Tendo em conta estes resultados, e considerando o manual escolar, em certa medida, um “método didáctico” (Planchard, 1961, p. 375), não podemos deixar de salientar que este marca o trabalho do professor e é também considerado pelo aluno como o principal auxiliar da sua aprendizagem e um “indispensável recurso que complementa e/ou reforça o ensino do professor” (Bento, 1999, p. 118). Se mais não houvesse, os motivos apresentados são extremamente relevantes no processo de ensino, logo de especial importância na concepção e escolha do manual. Partilhamos, assim, a opinião Bento (1999) quando refere que o processo de escolha do manual deve reflectir a preocupação de que este facilite a acção pedagógica do professor e também a aprendizagem dos alunos. Considerando a possibilidade de a ideologia estar presente nos manuais escolares, por vezes de forma pouco clara e mesmo contraditória Valadares (1999), cabe aos professores, mais do que conhecer as Orientações Curriculares, reflectirem sobre elas, para assim poderem adoptar uma atitude crítica face às orientações e ao próprio manual, quer na selecção quer mesmo na sua utilização. Com base nos resultados apurados no segundo estudo pudemos concluir que, apesar da maioria dos docentes inquiridos admitir desconhecer os critérios que conduziram à escolha do manual adoptado na escola onde leccionam, afirmam que o utiliza, entre outras funções, na preparação das actividades lectivas. 91 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER Constatámos também de que a maioria destes sujeitos não segue as orientações da tutela no que diz respeito à sequência a utilizar no conteúdo programático alvo nesta investigação. Ao privilegiarem a aquisição prévia da linguagem química, optam pela abordagem do simples para o complexo, a qual diverge da do manual escolhido. Tendo em conta estes resultados, relembramos que para compreender a Química é necessário aprender primeiro a sua linguagem, que é, por natureza, simbólica (Roque e Silva, 2008). Só em posse de uma linguagem matemática é possível prever as quantidades relativas envolvidas numa reacção, possibilitando perspectivar a sua aplicação na realidade e a novas situações, contribuindo para o desenvolvimento da ciência numa perspectiva CTSA. Assim, sendo a literacia científica um propósito do ensino e, conscientes que o conhecimento e utilização linguagem científica faz parte das competências específicas a desenvolver para a atingir, a opção didáctica usada na sua leccionação pode constituir um entrave à sua consecução. A equação química, que traduz de forma simbólica a realidade, requer o domínio da linguagem científica fornecendo cognitivamente a possibilidade de compreensão da lei da conservação da massa designada por Lei de Lavoisier. Para Neto (1999), a introdução e desenvolvimento da linguagem química facilitam o raciocínio e permitem a resolução de situações-problemas cada vez mais complexos. Tendo em conta o funcionamento cognitivo do discente, a sequência que privilegia a abordagem do simples para o complexo permite “trabalhar cada uma dos componentes da tarefa” (Festas, 2009, p. 53), facultando a apropriação da informação que mais tarde poderá ser recuperada na resolução de tarefas mais complexas. Afirmando que “aprendem mais facilmente” ou “devido à estrutura mental que o aluno estabelece” ou ainda “permite conhecimentos necessários aos passos seguintes”, os docentes optam por esta sequência porque ela clarifica o que o aluno tem que saber ou saber fazer para poder atingir a compreensão da Lei de Lavoisier. A utilização da escrita simbólica corresponde a uma tradução em linguagem científica da realidade e encontra-se ao nível da compreensão. Este patamar, na lógica da taxonómica de Benjamim Bloom, por exemplo, só poderá ser atingido quando o patamar 92 Paula Cruto do conhecimento, neste caso de terminologia científica, tiver sido concretizado. O domínio da linguagem química corresponde a um patamar mais baixo dos objectivos de aprendizagem, sendo um pré-requisito para a compreensão integral da Lei de Lavoisier. A opção por esta abordagem pedagógica permite ainda o necessário treino e memorização de símbolos facilitadores da execução de tarefas e formas de pensamento mais complexas. Para que o aluno possa estar apto a aprender pelo método da resolução de problemas, recorrendo, nomeadamente, à estratégia da descoberta, teria de se situar no início de uma aprendizagem, nos dois últimos patamares da taxonomia acima referida, que equivalem a um elevado nível de conhecimentos, de domínio de procedimentos e de autonomia. Ora, existe uma pequena probabilidade de o aluno atingir e consolidar processos de compreensão, sem orientações concretas do professor. Se qualquer sistema educativo deve ter como objectivo melhorar as aprendizagens, o manual, como recurso pedagógico privilegiado que se afigura ser, deve ser elaborado e utilizado correctamente, apoiando o desempenho do docente (Choppin, 1992, citado por Silva 1999). Tendo observado que a maioria dos manuais segue as Orientações Curriculares, consideramos que a sequência dada aos conteúdos, não pode ser vista como uma imposição da qual o docente não se deverá desviar. No entanto este facto implica, por vezes, uma divergência entre a metodologia que os docentes dizem utilizar na aula e o próprio manual que, de alguma forma, poderá condicionar o trabalho autónomo do aluno, uma vez que, neste caso, não está a “reforçar o ensino do professor” (Bento, 1999, p.118). Estando cientes que os manuais estão sujeitos a um processo de certificação poderemos questionar se esta circunstância é condicionante da acção do autor. A certificação do manual, com todas as regras inerentes ao processo não pode ser limitador do papel do professor como “construtor” do conhecimento em estreita relação com o aluno. A sobrecarga e diversidade de trabalho, hoje exigida ao professor, acarretam o risco de o tornar “consumidor passivo” dos projectos apresentados pelas editoras, tornando o manual escolar apenas mais um objecto de interesse económico. 93 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER A rápida evolução científica e tecnológica que se verifica na sociedade actual requer uma permanente adaptação do ensino das ciências com a consequente necessidade de formação que habilite o docente a tomar decisões de forma informada, sem a qual, serão os manuais escolares a influenciarem o que e o como se ensina ciências (Sá, 1999). Já Émile Planchard afirmava: “Ensinar a escolher os livros e a servir-se deles deve ser, por isso, uma das preocupações da escola moderna” (1961, p. 373). O cruzar dos resultado dos dois estudos efectuados revela divergência entre a linha seguida pela tutela e manuais com a abordagem privilegiada pela maioria dos docentes parecendo assim, recolocar a necessidade de investigação nos métodos e estratégias adequados ao ensino dos diferentes conteúdos e áreas e reforça a necessidade de formação dos professores no âmbito da selecção dos manuais. Os professores de Ciências Físico-Química envolvidos no segundo estudo deste trabalho e, que leccionam aos anos de escolaridade de iniciação a esta ciência, reconhecem a importância da aprendizagem da linguagem simbólica, para o desenvolvimento de posteriores aprendizagens. Com a última reforma curricular os docentes foram confrontados com alteração de abordagem à iniciação da linguagem química e correspondentes recursos de apoio didáctico, nomeadamente os manuais. De acordo com o que os professores envolvidos neste estudo afirmam fazer, a sua acção pedagógica parece distanciar-se do que é preconizado pelas Orientações Curriculares e pelos manuais escolares mais difundidos, aproximando-se do que é defendido pelas Metas de Aprendizagem, por autores como Bloom e do que se sabe actualmente acerca do nosso funcionamento cognitivo. O tempo disponível para a concretização deste trabalho constituíu a principal restrição à sua realização. Esta limitação condicionou significativamente o número de docentes envolvidos. Assim, o tamanho da amostra não potenciou o tratamento estatístico dos resultados que foram unicamente trabalhados em termos de frequências. Quanto à composição da amostra em género e em níveis etários, foi arbitrária e decorreu da composição do grupo disciplinar das escolas envolvidas, não pretendendo, por isso, representar o universo dos docentes. A limitação temporal associada ao facto de este estudo decorrer em paralelo com a prática profissional do investigador limitou também as linhas de trabalho. Assim, para os 94 Paula Cruto objectivos visados limitou-se a questionar os professores, deixando em aberto a possibilidade de recorrer também à observação das suas práticas. Perante os resultados aqui apresentados e, visando futuras investigações, o alargar da amostra e a observação das práticas lectivas poderão complementar e alargar os resultados e as questões aqui levantadas. A observação da prática pedagógica possibilitaria o confrontar entre aquilo que os professores dizem e o que realmente é a sua prática de sala de aula, abrindo a possibilidade para uma possível avaliação do resultado de uma determinada opção de ensino na aprendizagem dos alunos. Outras práticas pedagógicas poderiam ser estudadas no sentido de ver se esta distância em relação às Orientações e aos Manuais igualmente se verifica, ficando por explorar as razões que leva a que muitos professores não sigam o que é prescrito nas Orientações Curriculares e mesmo manuais escolares, em aparente desfasamento com a importância que diferentes autores lhe atribuem. Podendo ainda ser questionado se tal facto está de algum modo condicionado com a faixa etária ou com o tempo de serviço dos docentes. 95 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER 96 Paula Cruto Bibliografia Almeida, L. S., Praia, J. F. & Vasconcelos, C. (2003). Teorias de aprendizagem e o ensino/aprendizagem das Ciências: da instrução à aprendizagem. Psicologia Escolar e Educacional, 7 (1), pp. 11-19. Anderson, L. W. & Krathwohl, D. R. (2001). A taxonomy for learning, teaching, and assessing. New York: Longman. Bento, M. C. R. L. (1999). 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Pretende-se sensibilizar os alunos para o desgaste dos materiais, para a corrosão dos metais e a para a necessidade de uma constante vigilância e manutenção (referência às tintas e vernizes e ao seu papel de protecção dos materiais). Os alunos podem visitar fábricas de tintas e vernizes para se aperceberem dos processos de fabrico e das substâncias que as constituem. Partindo de soluções do dia-a-dia (por ex., sumo de limão, vinagre, limpa-vidros amoniacal) realizar experiências usando vários indicadores para caracterizar soluções ácidas e básicas. Realizar uma experiência simples de ácido-base. Relacionar com situações comuns (por ex., a azia e o que se faz para a combater). Questionar os alunos acerca da solubilidade de diferentes substâncias em água. Incentivá-los a pesquisar as propriedades da água existente em diferentes regiões do país, a dureza da água em diversas amostras e métodos usados para diminuir a dureza da água de consumo. Realizar reacções de precipitação e verificar a formação de sais pouco solúveis (precipitados) a partir de sais solúveis. Este conteúdo pode ser relacionado com aprendizagens já realizadas em Ciências Naturais; por ex. relacionar com a formação de estalactites e estalagmites nas grutas calcárias e com a formação de conchas e de corais. Incentivar os alunos a escrever as equações de palavras correspondentes às reacções químicas realizadas e a investigar o que acontece à massa das substâncias que tomam parte numa reacção química. … Velocidade das reacções químicas Sugere-se que os alunos dêem exemplos de reacções químicas correntes e as classifiquem de acordo com a rapidez a que se processam. É importante a realização de experiências de modo a identificar factores que influenciam a velocidade das reacções químicas. Relacionar com o que se faz no dia-a-dia para diminuir a velocidade das reacções químicas (por ex. o uso do frigorífico ou a utilização de conservantes para a conservação dos alimentos). Explicação e representação das reacções químicas Numa primeira abordagem, pretende-se que os alunos compreendam que a matéria tem estrutura, da qual dependem as suas propriedades. Sugere-se a pesquisa de como a estrutura da matéria tem sido entendida ao longo do tempo e a procura de evidências que suportam a teoria corpuscular da matéria. Inferir o pequeníssimo tamanho dos corpúsculos constituintes da matéria e alertar para a impossibilidade dos nossos sentidos permitirem a sua observação. É oportuno referir a diferença entre átomo e molécula. Explicar os estados físicos da matéria em termos da agregação corpuscular. A exploração de modelos, discutindo semelhanças e diferenças é uma estratégia a seguir. Programas de simulação em computador ilustrando a teoria cinético-molecular devem ser usados nesta fase. Realizar experiências que permitam relacionar volume, pressão e temperatura de amostras de gases. Confrontar os alunos com a existência de substâncias constituídas por átomos iguais (substâncias elementares) e substâncias constituídas por átomos diferentes (substâncias compostas). Sensibilizá-los para a linguagem química de representação de substâncias (símbolos e formulas químicas) e para a necessidade de uma convenção universal para os símbolos químicos. Partindo de exemplos anteriores, reconhecer que há substâncias cujas unidades estruturais têm carga eléctrica: iões. Explicar as reacções químicas em termos de rearranjo de átomos, com referência à ruptura de ligações químicas e formação de novas ligações. Representar, com exemplos simples, as reacções químicas por equações químicas. Juntar uma solução ácida a uma solução básica, indicando os produtos, e traduzir a reacção por uma equação química. 107 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER ANEXO II Metas de Aprendizagem para Ciências Físico-Químicas (In http://sitio.dgidc.min-edu.pt/Paginas/default.aspx ) 1) O aluno constrói uma interpretação sobre a origem e compos ição do Universo, situando o Planeta Terra em outras estruturas mais complexas e explica as inter relações Ciência-Tecnologia no desenvolvimento das Ciências do Espaço 2) O aluno interpreta o Sistema Solar com base na teoria heliocêntrica, distinguindo -a do geocentrismo, e compreendendo-o como um sistema de partes interligadas mas distintas umas das outras; identifica e caracteriza tipos de astros que o constituem 3) O aluno constrói uma interpretação sobre o que acontece num dado local do Planeta ao longo de um dia e ao longo de um ano; estabelece comparações entre locais distanciados segundo a latitude e/ou longitude e explica o movimento de planetas e outros fenómenos (marés e variação de peso de um corpo) em termos de forças de interacção gravítica 4) O aluno observa materiais, organiza-os segundo diferentes critérios e explica implicações da utilização excessiva e desregrada de recursos naturais; diferencia o significado de material “puro” no dia-a-dia e em Química; prepara laboratorialmente soluções de concentração mássica definida com rigor técnico e em condições de segurança; distingue transformações físicas de químicas; compreende transformações que ocorrem na Terra, reconhecendo o contributo da Ciência para o conhecimento da diversidade de materiais, seres vivos e fenómenos essenciais à vida no Planeta 5) O aluno elabora justificações sobre a importância de questões energéticas para a sustentabilidade do Planeta no que respeita a fontes de energia e eficiência energética 6) O aluno interpreta a diversidade de materiais existentes, naturais e não naturais, através das unidades estruturais das substâncias constituintes e reconhece que ocorrem reacções químicas entre substâncias em determinadas condições, as quais podem ser controladas, verificando-se sempre a conservação da massa. Compreende o significado da simbologia química e reconhece a importância da sua aplicação na representação de substâncias e de reacções químicas 7) O aluno descreve elementos do clima que determinam o estado do tempo e interpre ta fenómenos atmosféricos e previsões do tempo apresentados em diferentes formas; relaciona a emissão de poluentes atmosféricos com problemas ambientais 8) O aluno interpreta fenómenos sonoros, relaciona -os com características do som e identifica algumas aplicações tecnológicas dos mesmos 9) O aluno interpreta fenómenos ópticos recorrendo à propagação da luz no mesmo meio ou em meios distintos, explica o mecanismo da visão e limitações que podem ocorrer e percepciona a cor como propriedade não intrínseca do objecto 10) O aluno interpreta e classifica movimentos reais ou simulados, de veículos e de outros móveis e justifica medidas de segurança e prevenção de acidentes rodoviários, com base em leis de movimentos 11) O aluno analisa informação técnica e de se gurança relativamente a electrodomésticos e/ou a componentes eléctricos e electrónicos e explica funções específicas de cada um para o funcionamento global de circuitos simples; procede a montagens práticas e em segurança e mede correctamente grandezas elé ctricas em circuitos; elabora resposta a questões/situações problema, através de experimentação adequada 12) O aluno explica a organização actual da Tabela Periódica e usa informação sobre os elementos representativos e respectivas substâncias elementares para explicar a diversidade de substâncias e algumas propriedades físicas e químicas de algumas delas. 108 Paula Cruto ANEXO III Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação Universidade de Coimbra Mestrado em Educação e Sociedade do Conhecimento Questionário a Professores de Química Senhor(a) Professor(a) No âmbito da dissertação de Mestrado que estou a realizar na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra investigo aspectos do ensino de conteúdos de Química abordados no 8.º ano de escolaridade. Venho solicitar a sua colaboração no preenchimento do presente questionário, pedindo-lhe que responda com sinceridade, na certeza de que as suas respostas serão mantidas confidenciais e só servirão para os fins científicos já referidos. Agradeço, desde já, a sua colaboração. Paula Cruto 1. Sexo: Feminino Masculino 2. Tempo de serviço: ___ anos 3. Durante a sua actividade já leccionou Química ao 8.º ano? Sim Não 4. Ano(s) de escolaridade que lecciona no presente ano lectivo: 7.º ano 8.º ano 9.º ano 10.º ano 11.º ano 12.º ano 1.ª Parte 1. Na sua prática docente usa o manual para (pode assinalar mais do que uma opção): Preparar as aulas Apoio às aulas Dar orientações de estudo aos alunos Realizar avaliação das aprendizagens Outra possibilidade. Qual? _____________________________________________ 2. Sabe qual é o manual adoptado para o 8.º ano de escolaridade na sua Escola? Título _________________________________________________________________ Autor(es) ______________________________________________________________ Editora ________________________________________________________________ 109 DO SIMPLES AO COMPLEXO – TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO PSICO-PEDAGÓGICA DO ENSINO DA LEI DE LAVOISIER 3. Sabe que critérios foram usados para seleccionar esse manual? Sim Não Se respondeu sim, poderá enunciá-los, por favor? _______________________________ ___________________________________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________________________________________ 2.ª Parte Considere os seguintes passos de aprendizagem das “Reacções Químicas”. PASSOS DE APRENDIZAGEM CÓDIGO … Transformação química - pré requisito … Tipos de reacções químicas … Equação de palavras … Lei de Lavoisier … Do símbolo químico … Da fórmula química … Equação química -0 -1 -2 -3 -4 -5 -6 4. Utilizando o código numérico acima estabelecido, escreva a sequência que utiliza ou utilizaria para concretizar essa aprendizagem: _____ _____ _____ _____ _____ _____ _____ Poderá justificar a sua opção, por favor? ______________________________________ _______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ 5. Essa sequência que escolheu coincide com a do manual adoptado Justifique por favor (pode assinalar mais do que uma opção). Se respondeu, SIM, a sua escolha decorre dessa sequência… Sim Não … ser a mais eficaz em termos de aprendizagem … ser a sugerida pelo manual … ser a sugerida pelas orientações curriculares … outra alternativa. Qual? _______________________ Se respondeu, NÃO, … não ser a mais eficaz em termos de aprendizagem a sua escolha decorre … não ser a sugerida nas orientações curriculares dessa sequência… … outra alternativa. Qual? ______________________ Obrigada. 110