TRANSMIDIALIDADE E ESTILO DE OPOSIÇÃO NA ARTE PÓSMODERNA Edgar Roberto Kirchof 1 1. ESTILO O estilo, enquanto signo, possui um caráter paradoxal: de um lado, pode constituir-se de um conjunto delimitado de padrões estéticos que são copiados ou imitados durante várias gerações, por milhares de anos. Esse fenômeno é especialmente comum em sociedades mais tradicionais, nas quais as similaridades dos padrões estéticos possuem como principal objetivo criar e reforçar laços de identidade e pertença social.2 Por outro lado, o estilo evolui e se multiplica dinamicamente através de sucessivas transgressões dos padrões anteriores, o que pode ser observado, entre outros, já nas manifestações artísticas da Grécia Antiga (a maneira como o drama grego evoluiu desde Ésquilo até Sófocles e Eurípides, por exemplo), mas principalmente na velocidade com que as escolas artísticas do século XX substituem umas às outras. Essa mesma velocidade também pode ser observada em outros níveis da cultura, principalmente na moda. Esse aparente paradoxo entre o caráter dinâmico e estático do estilo foi notado, entre outros, por Iury Lotman, e elaborado através dos conceitos “arte de identidade” e “arte de oposição”.3 Ao passo que a primeira é composta de estruturas que procuram corresponder à maior parte das expectativas do receptor, a segunda procura violar e transgredir tais estruturas, buscando seus principais efeitos no estranhamento provocado pelas transgressões. 1 Edgar Roberto Kirchof 2 Irinäus Eibl-Eibesfeldt, Die Biologie des menschlichen Verhaltens, p. 933. 3 Iury Lotman, A estrutura do texto literário, p. 460. A tradição da semiótica estética e literária tem priorizado o estudo da evolução dos estilos a partir de seus desvios e transgressões em relação a sistemas anteriores, em detrimento dos estilos de identidade, o que se explica pelo fato de que a arte contemporânea tende inequivocamente para os estilos de oposição. Destacam-se, quanto a essa abordagem, os trabalhos de Tynianov, Mukarovsky, Dubois, Eco, Koch, entre outros. Em seu estudo sobre o estilo, em uma perspectiva etológica, Eibl-Eibesfeldt define-o como aqueles padrões estéticos, geralmente visuais, criados com o fim de reforçar a identidade de pertença ao grupo ou cultura mais abrangente. Por outro lado, o autor afirma existirem também estilos individuais, cuja principal função é veicular uma imagem positiva do indivíduo perante o grupo a fim de obter benefícios e de se tornar mais apto do que os concorrentes. EibelEibesfeldt afirma que o estilo individual também pode ser utilizado para codificar mensagens, de forma que apenas os membros do grupo específico sejam capazes de compreendê-las.4 No presente trabalho, elabora-se a hipótese de que o conflito entre estilos coletivos e estilos individuais revela a dinâmica da evolução dos estilos, que se resume em um percurso que parte de “grandes” estilos coletivos e segue em direção à multiplicação de estilos cada vez mais individualizados. A sobreposição cada vez mais veloz de novos estilos sobre estilos antigos, nas artes e nos demais âmbitos da cultura, leva à multiplicação dos estilos individuais e à conseqüente fragmentação dos estilos coletivos mais abrangentes, de um lado, minando ou destruindo sua função original de reforço da identidade grupal (ainda encontrado em sociedades tribais) e, de outro, reforçando as qualidades específicas de indivíduos, grupos ou tendências artísticas e estéticas. Pretende-se argumentar em favor dessa hipótese analisando a obra icônica a Última ceia, em duas etapas evolutivas: sua versão de 4 Irinäus Eibl-Eibesfeldt, Die Biologie des menschlichen Verhaltens, p. 949. Leonardo da Vinci; sua versão “pós-moderna”, de Andy Wahrol. O principal argumento da análise é que a Última ceia de da Vinci faz parte de um projeto estilístico mais amplo, reconhecido como o Cinquecento, e vários de seus elementos formais e temáticos podem ser reconhecidos claramente nas obras de artistas como Michelangelo, Raffael, Tiziano, Corregio, entre outros. Já o projeto de Wahrol não segue um programa estilístico rígido, sendo que sua ligação com autores como Beuys, Duchamp e Pollock, entre outros, consiste mais na liberdade com que esses artistas elaboram os temas e as formas de suas obras do que na partilha de temas e técnicas. 2. DA IDENTIDADE À TRANSGRESSÃO 2.1. ESTILOS DE IDENTIDADE Na tradição da semiótica literária, Lotman designou as mensagens estéticas que se repetem durante várias gerações de “arte de identidade”. Para o autor, esta se caracteriza por fornecer, antecipadamente, estruturas que correspondem às expectativas do receptor, sendo que suas estruturas ou regras determinadas podem se manifestar nos mais diversos níveis da mensagem. Quando o artista, ao invés de respeitar esse conjunto de expectativas, decide destruí-lo (no todo ou em parte), o receptor tende a considerar a obra como de má qualidade, fruto de incompetência, sacrilégio ou insolência por parte do autor. Lotman considera que, no conjunto da arte mundial, tomada historicamente, predominam os sistemas artísticos canônicos ou de identidade, caracterizados mais pela observância de regras determinadas e esperadas pelo receptor do que pela sua transgressão. Como exemplo desse tipo de arte, Lotman cita o folclore de todos os povos do mundo, a arte medieval, a Commedia dell´Arte e o Classicismo, entre outros. Em uma perspectiva etológica, a arte de identidade revela similaridades de padrões estéticos cujo principal objetivo é criar e reforçar laços de identidade e pertença social. Os padrões, geralmente visuais, criados com esse fim, também atuam sobre a percepção estética do receptor, embora de forma secundária. Segundo Eibl-Eibesfeldt, esse fenômeno ocorre tanto nas complexas sociedades modernas como em sociedades mais simples, compostas de caçadores e coletores.5 Para Eibl-Eibesfeldt, assim como há diversos níveis de identidade, também há diversos níveis de estilo, que podem variar quanto ao espectro de abrangência: há estilos extremamente amplos, que envolvem muitos povos e culturas; há outros mais específicos, destinados a marcar diferenças entre esses povos; além disso, cada cultura específica possui uma infinidade de grupos sociais, sendo que cada um deles cultiva seu próprio estilo. Por fim, existem inclusive os estilos pessoais, cuja principal função é assinalar a identidade pessoal frente ao grupo. 2.2. ESTILOS DE TRANSGRESSÃO Na tradição da semiótica literária, a evolução dos estilos começou a ser estudada a partir dos trabalhos desenvolvidos pelos formalistas russos, especialmente J. Tynianov,6 que, pioneiramente, sugeriu o estudo da evolução literária como “um sistema posto em correlação com outras séries ou sistemas e condicionados por eles”.7 Posteriormente, Mukarovsky levou adiante essa reflexão a partir da relação de tensão entre a função e a norma estética. Ao passo que a função possui como objetivo principal a realização do prazer estético, a norma pretende ditar as regras necessárias para a obtenção desse prazer. No entanto, a norma estética não só pode como é freqüentemente violada, sendo que Mukarovsky considera como arte mais autêntica justamente aquela que viola os preceitos e as regras anteriores a si mesma, gerando, no receptor, uma espécie 5 Irinäus Eibl-Eibesfeldt, Die Biologie des menschlichen Verhaltens, p. 933. 6 Cf. Michael Fleischer, Die Evolution der Literatur und Kultur, p. 82. 7 J. Tynianov, Da evolução literária, p. 142. de desagrado ou estranhamento. Segundo Mukarovsky, essa sensação é uma espécie de contraste dialético, necessário para a arte quando pretende obter a sua máxima intensidade estética.8 Em outros termos, Mukarovsky prefere a arte de transgressão à arte de identidade. Por outro lado, mesmo violando certas regras, uma obra de arte autêntica jamais chega a violar a todas, pois necessita de um ponto de contato com o passado para ser reconhecida como tal. Aliás, há períodos estéticos em que o cumprimento da norma prevalece sobre a sua negação, o que, como se viu, caracteriza a arte de identidade. Ao negar uma norma anterior, a obra acaba criando uma nova norma, que tende a ser imitada por epígonos, até o momento em que passa a ser consumida sem gerar aquela sensação de desagrado, típica da obra de vanguarda. A partir de então, também passa a ser transgredida. Umberto Eco explica esse fenômeno afirmando que a mensagem estética se estrutura de modo ambíguo com relação ao sistema de expectativas que é o código. Na medida em que constrói relações homólogas em todos os seus níveis estruturais, a mensagem acaba criando um código particular, que parece se desviar ou mesmo agredir o código mais geral da cultura. No entanto, deve-se ressaltar que essa transgressão não é aleatória: “Todos os níveis da mensagem transgridem a norma segundo a mesma regra.”9 Essa ‘mesma regra’, que pode se manifestar em uma obra específica, no estilo de um autor ou mesmo no estilo de uma época ou período, equivale a um código privado e individual; devido ao seu caráter de regra, mesmo se tratando de uma mensagem que não respeita o código geral da cultura ou da língua da qual é parasitário, esse 8 id. Função, norma e valor estético como fatos sociais, p. 47. 9 id. ibid., p. 58. idioleto estético (o conjunto das características criadas a partir da transgressão) pode ser reconhecido por qualquer um. Iury Lotman, por sua vez, elabora esse fenômeno a partir do conceito “arte de transgressão”. Ao contrário da arte de identidade, a arte de oposição se caracteriza pela transgressão das estruturas esperadas pelo receptor. Ao invés de simplificar e generalizar o conhecimento, dispondo-o em estruturas facilmente reconhecíveis, o artista de oposição decide impor sua “decisão original”, contrariando, dessa forma, as expectativas do leitor. Essa atitude leva à complexificação da obra e de sua percepção. Em um primeiro momento, a transgressão da arte de identidade tende a reforçar o estilo individual em oposição ao estilo coletivo. Somente quando o novo estilo adquire seguidores – o que nem sempre acontece – pode-se falar de um novo estilo coletivo. Para Eibl-Eibesfeldt, o estilo individual possui a função de veicular uma determinada imagem do indivíduo perante o grupo, geralmente uma imagem que lhe possa trazer algum benefício. Sob o ponto de vista evolutivo, o motivo principal por que alguém procura chamar a atenção sobre si, diferenciando-se dos demais, é tornar-se mais apto do que os seus concorrentes, por exemplo, persuadindo o grupo sobre a qualidade positiva das próprias ações ou qualidades. EibelEibesfeldt afirma que o estilo individual também pode ser utilizado para codificar mensagens, através de recursos estéticos, de forma que apenas os membros do grupo específico sejam capazes de compreendê-las. O hermetismo característico de várias correntes artísticas contemporâneas pode ser interpretado sob essa perspectiva. 3. A ÚLTIMA CEIA: DE DA VINCI A WARHOL O conflito entre “estilo de transgressão” e “estilo de identidade” pode ser exemplificado a partir do modo como a temática da Última Ceia foi sendo apropriada e remidializada ao longo dos séculos, na tradição cultural do Ocidente. Esse mito, originalmente, encontra-se em alguns textos bíblicos, Mateus 26, 26-29; Marcos 14, 22-25; Lucas 22, 15-20; Jo 13, 1-30, sendo que adquire, em cada um deles, nuances semânticas específicas e, por vezes, mesmo contraditórias. Do texto religioso, eminentemente verbal, esse texto migrou para outras mídias, sendo que, principalmente na Idade Média, seu principal meio de expressão foi a pintura. Neste artigo, será realizada uma breve análise comparativa entre Última ceia de da Vinci e sua versão pós-moderna, de Warhol. Ao passo que a primeira obra faz parte de um projeto estilístico mais amplo, reconhecido como o Cinquecento, e vários de seus elementos formais e temáticos podem ser reconhecidos claramente nas obras de artistas como Michelangelo, Raffael, Tiziano, Corregio, entre outros, o projeto de Wahrol não segue um programa estilístico rígido, sendo que sua ligação com autores como Beuys, Duchamp e Pollock, entre outros, consiste mais na liberdade com que esses artistas elaboram os temas e as formas de suas obras do que na partilha de temas e técnicas comuns. Esse argumento permite reforçar a tese segundo a qual evolução dos estilos, ao longo da história da arte, ocorre, de um lado, como um processo de constante transmidialidade, revelando, de outro lado, uma dinâmica de conflito entre estilos coletivos e estilos individuais, cuja principal conseqüência, na arte contemporânea, é a multiplicação vertiginosa de estilos individuais e a conseqüente fragmentação de estilos coletivos mais abrangentes. A pintura realizada por Leonardo da Vinci data de 1498 e se encontra no refeitório do mosteiro Santa Maria delle Gratia, em Milão. Para os objetivos do presente artigo, interessa notar que a Última Ceia de da Vinci está dotada de várias características temáticas e estruturais típicas daquilo que se convencionou chamar, na história da arte, de Cinquecento. Quanto aos temas, há o predomínio de uma visão cristã e bíblica, que se manifesta pela representação da celebração da Páscoa. Os detalhes visuais estão na repartição dos alimentos, na presença de Jesus e dos discípulos, sendo Jesus o protagonista das ações – na pintura de da Vinci, esse elemento se evidencia através da colocação de Jesus no centro da cena; no anúncio da traição por parte de um dos discípulos – evidenciada, na pintura, através dos gestos de surpresa e consternação por parte dos discípulos, de um lado, e, de outro, pelo fato de Judas apresentar-se em um plano anterior aos demais discípulos, comprimido por João e Pedro. Tanto os textos bíblicos quanto as obras artísticas produzidas até então, inclusive a obra de Leonardo da Vinci, veiculam representações muito semelhantes do ponto de vista temático, embora utilizando mídias diferentes. No que respeita à estrutura, é interessante notar que da Vinci utiliza principalmente técnicas recém descobertas oriundas dos campos da matemática – principalmente a perspectiva – e a anatomia, sendo que essas técnicas são usadas por vários outros pintores do Cinquecento. Note a simetria construída intencionalmente pelo fato de Jesus ocupar o centro da cena, ao passo que os discípulos estão divididos, primeiro, quanto ao lado direito e esquerdo em relação a Cristo e, segundo, de acordo com quatro grupos de três. A repetição dos discípulos, isoladamente, bem como a repetição dos grupos, caracterizam uma simetria translativa. Já a oposição dos dois grupos da esquerda aos dois grupos da direita caracteriza uma espécie de especularização. Esse mesmo jogo de simetrias translativas e especulares ocorre na representação das janelas por trás das personagens. Em nenhuma pintura anterior dedicada a esse tema, encontra-se uma divisão tão proporcional.10 Além disso, existem vários outros jogos de reiteração: os efeitos atingidos com o uso da perspectiva não se limitam à ilusão de tamanho proporcionada pela cena da janela; a fidelidade quanto às características dos objetos 10 Sobre as características estéticas da obra de da Vinci, verificar, entre outros, E. H. Gombrich, op. cit., p. 298-99. representados pode ser buscada em todos os elementos representados. Da mesma forma, todos os elementos da obra estabelecem relações simétricas uns com os outros, e não apenas as personagens entre si. Imagem 1 – Última Ceia, de Leonardo da Vinci. Entre 1985 e 1986, o artista americano vinculado ao movimento Pop art realizou uma obra composta de 24 serigrafias, 27 pinturas e 47 colagens em papel como parte do projeto “Warhol – II Cenacolo”, a serem expostas no Palazzo Stelline, sede do banco Credito Vatellinese, em Milão. Um dos aspectos mais interessantes quanto ao Pallazo é o fato de estar situado em frente ao mosteiro Santa Maria delle Gratia, onde se encontra a obra original de Leonardo da Vinci.11 Todas as obras realizadas por Warhol para esse projeto copiam, de forma mais ou menos direta, a obra de da Vinci. No entanto, ao contrário do que pode parecer, a interpretação que Warhol realiza de da Vinci é dotada de muito mais liberdade do que a interpretação que da Vinci realiza tanto das pinturas já existentes até então quanto dos textos bíblicos. 11 Sobre esse trabalho de Warhol, verificar, entre outros, Corinna Thierolf, All the catholic things, p. 23. Andy Warhol, apesar de pertencer ao movimento Pop art, juntamente com artistas como Robert Rauschberg, Jasper Johns, Roy Lichtenstein, Claes Oldenburg, Peter Blake, Richard Hamilton e David Hockney, entre outros, não utiliza os mesmos padrões estéticos e estilísticos que esses artistas em sua obra. Na verdade, o que liga todos esses nomes é mais a sua habilidade para expressar o espírito de uma época a partir de meios diversos e menos a utilização de padrões estéticos e estilísticos em comum. Conforme notou Osterwold, “o conceito Pop art não se refere a estilo, mas a uma concepção geral em relação a fenômenos artísticos ligados concretamente com os sentimentos de vida de um período histórico específico.”12 A maior parte das características atribuídas a esse movimento se refere, portanto, à maneira como seus correligionários tratam de temas como consumismo, euforia em relação ao progresso tecnológico, a popularização da informação através dos meios de comunicação de massa.13 Além disso, a Pop art se define como a negação de todos os estilos bem como de todas as definições tradicionais da arte, o que permite caracterizar suas obras como antiarte.14 Para realizar suas reproduções, Warhol não utilizou a pintura do mosteiro Santa Maria delle Gratia como modelo original, mas várias réplicas da obra de da Vinci: uma cópia do século XIX, alguns esboços produzidos por artistas famosos (como Rembrant), retirados de uma enciclopédia de obras e artistas, juntamente com algumas maquetes de plástico.15 Além disso, Warhol combinou as reproduções da obra de da Vinci com a reprodução de vários objetos triviais, como embalagens, motos, etiquetas de preços, etc. Para os artistas pop, de forma geral, a reprodução de objetos triviais possui a finalidade de 12 Tilman Osterwold, Pop art, p. 6. 13 id., ibid., p. 11. 14 id., ibid., p. 55. 15 Corinna Thierolf, op.cit., p. 25. apontar para o problema do consumismo na sociedade contemporânea. Nesse contexto, Andy Warhol é considerado um dos artistas mais radicais, pois não pretende apenas apresentar objetos vulgares através de sua arte e sim, transformar a própria arte em objeto vulgar.16 Na reprodução abaixo, podem-se ver, entre outros, algumas motos bem como a etiqueta com o preço 6,99. Imagem 2 – A última ceia, de Andy Warhol. Outro recurso utilizado por Warhol é a combinação das reproduções com marcas e logotipos de produtos conhecidos. As principais marcas utilizadas, nesse caso, são as do cigarro Camel, Mr. Peanuts, a de companhias como a General Eletrics ou a marca do sabonete Dove, mas também de algumas companhias menos conhecidas, como uma fábrica de molhos original de Pittsburg (a cidade natal de Warhol), cujo logotipo é o número 57 (57 tipos de molho), ou da companhia Wise, que produz batatas fritas e possui, como logotipo, o olho de uma coruja. 16 Tilman Osterwold, op. cit., p. 167. Imagem 3 – A última ceia, de Andy Warhol. Como se percebe, ao passo que a arte de da Vinci está imersa na aura do cristianismo, respectivamente, na simbologia ligada ao ritual da Santa Ceia, a obra de Warhol caracteriza-se como uma afronta ou um ataque a essa aura. O próprio tema da originalidade é questionado pelo fato de o artista desconsiderar o original enquanto modelo e pelo fato de a obra constituir-se de uma série de reproduções: a instalação realizada em Milão possui de mais de 80 trabalhos. Conseqüentemente, o conteúdo propriamente religioso e metafísico, presente na obra de da Vinci, sofre um esvaziamento ou um apagamento através da obra de Warhol. Além disso, em termos estruturais, as obras de Warhol não veiculam qualquer efeito realista, buscado por da Vinci e seus contemporâneos. A maior parte das recorrências estéticas da versão original são como que apagadas na obra de Warhol, não apenas devido ao não-realismo das reproduções, mas também devido às sobreposições de objetos, marcas, logotipos, cores, camuflagens e outros recursos, que, em muitos casos, impedem uma visualização clara da cena. Pode-se dizer que a combinação de uma obra renascentista com símbolos oriundos da cultura comercial e massificada do século XX é uma incongruência estética per se, contribuindo para o apagamento do ideal estético atingido pela arte de Leonardo da Vinci. Desse modo, podemos concluir que, a partir da comparação entre a obra de da Vinci e a de Warhol, existe um dialogismo claramente transmidial, pois, apesar de Warhol fazer uso de uma matriz pertencente à tradição artística ocidental, não se limita a copiá-la, realizando uma verdadeira transfiguração midiática. Além disso, essa transmidialidade também permite perceber que, na dinâmica da evolução dos estilos da arte ocidental, tem ocorrido uma espécie de fragmentação cada vez mais intensa dos “grandes estilos”, abrindo-se espaço para estilos cada vez mais individualizados. Em poucos termos, na arte contemporânea, o estilo de oposição prevalece sobre o estilo de identidade. REFERÊNCIAS EIBL-EIBESFELDT, Irinäus. 1995. Die Biologie des menschlichen Verhaltens: Grundriss der Humanethologie. München & Zürich: Piper. GOMBRICH, E. H. Die Geschichte der Kunst. 2002. Berlin: Phaidon. KIRCHOF, Edgar Roberto. Estética e biossemiótica. Porto Alegre: IEL & Ed. da PUCRS, 2008. LOTMAN, Jurij M. 1970. Die Struktur literarischer Texte. München: Fink. OSTERWOLD, Tilman. Pop art. 2003. Köln: Taschen. SCHNECKENBURGER, Manfred. Die direkte Sprache der Realität. In: WALTHER, Ingo F. Kunst des 20. Jahrhunderts. 2005. Köln: Taschen, 2. Band, p. 509-523. 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