REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ®
Portar arma desmuniciada ou portar somente muni? pode ser considerado crime?
Resumo: O artigo jurídico trata sobre a aplicação da Teoria da Imputação Objetiva para excluir a tipicidade nos crimes de porte de arma, quando o
agente portar arma desmuniciada ou portar apenas munição.
Palavras-chaves: Portar arma desmuniciada. Portar apenas munição. Teoria Finalista. Teoria da Imputação Objetiva. Crime de mera conduta.
Sumário: 1. Crime de Prote de Arma e Posse de Munição. 2. Teoria da Imputação Objetiva. 3. Não existe crime para porte de arma demuniciada ou
simples posse de munição. 4. Bibliografia.
1. Crime de Porte de Arma e Posse de Munição
A Lei 10.826/03 foi promulgada para proteção da ordem pública, sujeito passivo do crime de porte de arma no plano imediato. E, no plano mediato,
consiste na proteção a integridade física do ser humano.
O delito de porte ilegal ou porte irregular de arma é um crime de lesão à segurança coletiva, que ocorre através da mera conduta do sujeito de portar
uma arma fora das condições impostas pela lei.
O porte irregular de arma de fogo está prescrito no art. 12 da Lei 10.826/03 e consiste no ato de manter uma arma de fogo sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Ao passo que o porte ilegal de arma está prescrito no art. 14 e consiste no ato de manter arma de fogo sem autorização e em desacordo com a
determinação legal ou regulamentar. Diferença sutil, mas o próprio legislador estabeleceu essa diferença e graduação de penas distintas.
Em ambos os crimes, a tipicidade objetiva do crime de porte de arma consiste na mera conduta do agente portar uma arma em desacordo com a Lei
10.826/03. A tipicidade subjetiva do crime de porte ilegal ou irregular de arma consiste no agente, sabendo da irregularidade de portar uma arma em
desacordo com a lei, continuar com a posse.
Mas, será que o simples fato de uma pessoa portar uma arma desmuniciada ou simplesmente possuir munição, sem autorização ou em desacordo
com a lei, consistiria na imputação do crime dos dispositivos supracitados?
Se afirmativa a resposta, o operador do direito deve demonstrar como o bem jurídico tutelado está sendo ofendido pela conduta do agente de possuir
artefatos bélicos nas condições problematizadas.
A seguir, será demonstrado que o porte de arma desmuniciada e a simples posse de punição não podem ser enquadrados como crimes contra a
incolumidade pública, por não apresentarem lesão ou potencialidade de lesão à ordem jurídica.
2. Teoria da Imputação Objetiva
A Teoria da Imputação Objetiva equaciona uma relação jurídica entre a conduta, um risco permitido e um resultado jurídico prescrito em lei.
Aplicar a Teoria da Imputação Objetiva significa imputar a alguém realização de uma conduta criadora de um relevante risco juridicamente proibido e
a produção de um resultado jurídico prescrito em lei. É uma teoria que vem a complementar a teoria finalista[1], que utiliza a teoria dos equivalentes
causais[2] para delimitar as fronteiras entre o penalmente permitido e o proibido.
Para verificar se determinada pessoa cometeu um crime, a teoria da imputação objetiva oferece quatro elementos ou condições que devem estar
presentes na conduta do sujeito ativo:
1) causalidade material entre a conduta e o resultado; 2) criação de um risco ao bem jurídico relevante e juridicamente não autorizado; 3) resultado
jurídico advindo do risco; 4) correspondência entre o resultado jurídico e o perigo juridicamente desaprovado.
Dessa forma, a causalidade prevista na teoria finalista, tipicidade objetiva e subjetiva (dolo e culpa), torna-se uma condição mínima, devendo a ela
agregar-se a relação normativa entre o comportamento do sujeito ativo e a produção do resultado. A Teoria da Imputação Objetiva vem preencher
essa lacuna entre o comportamento do sujeito ativo e o resultado ou risco que se produziu advindo dessa conduta.
O crime de posse de arma ou munição é um crime de mera conduta. Logo, inexiste resultado material, não se podendo aplicar a primeira condição da
Teoria da Imputação Objetiva. Ora, é evidente que não há relação de causalidade objetiva entre possuir uma arma e produzir um resultado material.
Entretanto, existe o resultado jurídico daquele que ilegalmente porta arma de fogo ou munição, que é o perigo de lesão à coletividade.
A conduta do agente de portar uma arma de fogo não carregada ou simples fato de portar munição não pode ser visto como uma ameaça a
sociedade ou uma agressão a incolumidade pública, porque não houve um resultado jurídico na mera conduta do agente.
Uma arma descarregada ou a simples posse de munição nunca gera a potencialidade de causar dano a incolumidade pública, porque uma arma
descarregada ou simples posse de munição não são objetos aptos para agredir um bem jurídico.
Destarte, a arma descarregada ou a simples posse de munição não podem gerar a tipicidade do fato previsto no art. 12 e art. 14 da Lei 10.826/03,
porque o meio (arma descarregada ou somente a munição) é inviável para lesionar a objetividade jurídica tutelada pelos dispositivos.
A potencialidade lesiva do artefato bélico é necessária para que haja crime contra a incolumidade pública. Sem a potencialidade lesiva, não existe
criação de risco relevante (2ª Condição da Teoria da Imputação Objetiva) e, sem risco relevante, sequer poderemos falar em resultado jurídico da
conduta do agente.
Nesse sentido: STF, RO em HC 81.057, 1ª Turma, j. 25.5.2004, m. v., rel. Ministra Helen Gracie; TACrimSP, HC 345.330, 8ª Câm., rel. Juiz René
Nunes, RT, 772:590; TAPR, ACrim 150.433, 3ª Câm., rel. Juiz Renato Naves Barcellos, RT, 787:709 e 712.
3. Não existe crime para porte de arma desmuniciada ou a simples posse de munição
O art. 12 e art. 14 da Lei 10.826/03 não podem ser aplicados, quando a arma não estiver à disposição do agente para funcionar. Estando a arma
desmuniciada não pode ocorrer o crime contra a incolumidade pública porque não há afetação ou potencialidade de lesão ao bem jurídico.
A simples posse de munição também não pode ser imputada como crime. Pelo mesmo argumento do porte de arma desmuniciada, tem-se que a
simples posse de munição não oferece perigo a incolumidade pública e, em um plano secundário, não oferece potencialidade de lesão à integridade
física das pessoas.
Ante tudo que foi esposado, com supedâneo na Teoria da Imputação Objetiva, conclui-se que o porte de arma desmuniciada ou simples posse de
munição não são crimes, devido à ausência de tipicidade, advinda da ausência de potencialidade lesiva ou perigo concreto à ordem pública.
Referências bibliográficas:JESUS, Damásio E. de. Imputação Objetiva. 3ª Edição. Editora Saraiva 2007. JESUS, Damásio E. de. Direito Penal do
Desarmamento. 6ª Edição. Editora Saraiva 2007. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal I. 19ª Edição. Editora Saraiva 2003.
Notas:
[1] Para os Finalistas, dolo e culpa são elementos psicológicos que compõem a conduta, ligando o agente ao seu fato. O dolo e culpa são os
elementos que compõem o tipo subjetivo, quando não estão presentes, ocorre atipicidade e, portanto, não existe crime. [2] Também chamado de
teoria da equivalência dos antecedentes afirma que todos os fatos que concorrem para a eclosão do evento devem ser considerada causa deste.
Basta que a ação tenha sido condição para o resultado, mesmo que tenha concorrido para o evento de outros fatos, a ação é a causa e o agente é o
causador dele. Dessa forma, para os finalistas, só pratica conduta típica quem age com dolo ou culpa.
Download

REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ® Portar arma desmuniciada ou portar