ISSN 0047-2077 Julho/Agosto 2012 Volume 100 Número 3 Tratamento da fibrilação atrial A razão do uso do rtPA na trombólise do AVE isquêmico Microbiota intestinal Diarreia aguda Tuberculose Doença do refluxo gastroesofágico Endometriose da bexiga Prof. Ismar Chaves da Silveira Editor: José Maria de Sousa e Melo In memoriam Gerente Geral: Daila B. Melo Gerência Executiva: Lícia M.a S. Andrade Assistente: Thereza C. Jouan Alé Redação Editor Científico: Dr. José Galvão-Alves Redator-Chefe: Dr. Almir L. da Fonseca Coordenação Editorial: Sheila Guedes Revisor-Chefe: Waldyr dos Santos Dias Revisores: Joel Vasconcellos Sueli B. dos Santos Contato Médico: Jorge de Moura Bastos Assistente: Julliana P. Rodrigues Tráfego e Logística: Manassés S. Pinto Programação Visual Edson de Oliveira Vilar Editoração Eletrônica Valter Batista dos Santos Sonia R. Vianna e Silva Publicidade Executivo de Contas (RJ): Silvio F. Faria Assistente: Carolina S. de Jesus Gerente (SP): Rodrigo Faccas Executiva de Contas: Anna Maria Caldeira Assistente: Sirlei T.S. de Lima Secretária: M.a das Graças Santos Jornal Brasileiro de Medicina é uma revista médico-científica bimestralmente enviada a mais de 25.000 médicos com clínica ativa em todo o território nacional. JBM NÃO ACEITA EM HIPÓTESE ALGUMA MATÉRIA PAGA EM SEU ESPAÇO EDITORIAL. Editora de Publicações Científicas Ltda. Rio de Janeiro: Av. das Américas, 1.155 — Salas 1401 a 1404 — Barra da Tijuca — Tels.: 2492-1856 e 24932694 — Fax: 2492-1279 — CEP 22631-000 — Inscrição: 81.413.177 — CNPJ 33.897.679/0001-12 — E-mail: [email protected] São Paulo: Rua Dr. Diogo de Faria, 495 — Vila Clementino — Tel./Fax: 5549-2982 — CEP 04037-001 — Inscrição 108.704.425.112 — CNPJ 33.897.679/0002-01 — E-mail: [email protected] Número avulso: R$ 30,00 Registrado na Base de Dados Lilacs, organizada pela Bireme (ex-Index Medicus Latino Americano) Periodicidade: Bimestral Impressão: Gráfica Trena Distribuição: Door to Door e Diremadi Representante no México: Intersistemas S.A. de C.V. - México editorial issn 0047-2077 P rofessor Ismar Chaves da Silveira era filho de farmacêutico de uma ex-pequena e pacata cidade do interior paulista, Jaboticabal, hoje centro avançado de pesquisas médicas. As farmácias naquela época, em plena década de 20, congregavam o que havia de mais culto nas cidades do interior. Aluno brilhante, bacharelou-se em 1938 e, no ginásio da mesma cidade, ainda menino, já dava aulas particulares de química aos colegas. Nos idos da década de 40, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde, na saudosa Faculdade Nacional de Medicina, diplomou-se em Medicina em 1949. Nossa amizade se inicia quando de sua chegada ao Serviço de Pneumologia da Policlínica Geral do Rio de Janeiro, então chefiado pelo nosso mestre maior, Professor Aloysio de Paula. No JBM — Jornal Brasileiro de Medicina ocupou a presidência do Conselho Científico durante décadas, tendo, a cada edição, emitido opiniões e conhecimentos, através de seus memoráveis editoriais. Enquanto seus neurônios o permitiram, vítima de doença crônica, publicou centenas de verbetes nesta tradicional revista e lançou O Pulmão na Prática Médica, livro mais difundido no ensino da especialidade, publicado pela EPUC, editora responsável pelo JBM. Tornou-se professor titular de Pneumologia da UERJ, sucedendo ao nosso mestre comum, Professor Aloysio de Paula, sendo candidato único. Seu brilho potencial e já com numerosos títulos criaram tal situação. Otávio Ribeiro Ratto, fundador da Escola Paulista de Medicina e seu primeiro titular de Pneumologia, como membro de sua banca examinadora, após assistir a sua prova prática, disse para que os presentes todos ouvissem: “Foi o mais perfeito exame clínico que assisti como professor em toda a minha carreira”. Num painel de astros que compunham o corpo clínico da Policlínica Geral do Rio de Janeiro, como Professor Aloysio de Paula, Fernando Carneiro, Fernando Paulino, Walter Benevides, Nelson Libanio, Paulo Pernambuco, Eudorico Rocha Junior, Domingos Junqueira de Moraes, Nelson Vidal, Raul Scheidelmantel, Julio Mário Guimarães, Amado Pedro Caminha, Ismar Chaves da Silveira ainda aparecia como professor de primeira grandeza. Certamente, caso alguma revista se disponha a publicar esta manifestação de saudade, alguns leitores hão de dizer: necrológico curto, omisso e meio desordenado. A esses eu direi: Qual de vocês, num concurso de docência, aplaudiu sua aprovação, deixando o segundo lugar para mim? Qual de vocês o amou mais que eu? JBM reserva-se todos os direitos, inclusive os de tradução, em todos os países signatários da Convenção Pan-Americana e da Convenção Internacional sobre Direitos Autorais. Os trabalhos publicados terão seus direitos autorais resguardados pela EPUC que, em qualquer situação, agirá como detentora dos mesmos. Professor Affonso Berardinelli Tarantino Membro titular da Academia Nacional de Medicina. Publicações do Grupo: JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 3 sumário 3 Prof. Ismar Chaves da Silveira Prof. Affonso Berardinelli Tarantino editorial Conselho Científico Presidente José Galvão-Alves 7 Tratamento da fibrilação atrial — O estado da arte artigos Membros Honorários Drs. Eduardo B. Saad, Luiz Antônio Inácio Jr., Charles Slater e Luiz Eduardo Camanho 19 A razão do uso do rtPA na trombólise do AVE isquêmico 30 Microbiota intestinal — Sua importância e função 41 67 39 51 53 Amaury Coutinho (PE) Affonso Berardinelli Tarantino (RJ) Clementino Fraga Filho (RJ) Mário Barreto Corrêa Lima (RJ) Renato Dani (MG) Dr. Victor Massena Membros Titulares Drs. Claudio Fiocchi e Heitor Siffert Pereira de Souza Bahia Zilton A. Andrade Luis Guilherme Lyra Diarreia aguda Brasília Columbano Junqueira Neto Drs. Antônio Carlos Moraes e Fernando M. M. Castro Espírito Santo Carlos Sandoval Doença do refluxo gastroesofágico Goiás Celmo Celeno Porto Dr. José Galvão-Alves Atualidades médicas seções Minas Gerais Julio Chebli Dra. Andréa F. Mendes Paraná Miguel Riella Sergio Bizinelli Panorama internacional Pernambuco José Roberto de Almeida Dra. Andréa F. Mendes Rio de Janeiro Aderbal Sabrá Azor José de Lima Evandro Tinoco Fábio Cuiabano Gilberto Perez Cardoso Jorge Alberto Costa e Silva José Manoel Jansen Marta C. Galvão Mauro Geller Henrique Sergio Moraes Coelho Glaciomar Machado Diagnóstico laboratorial Tuberculose Dr. Helio Magarinos Torres Filho Relato de caso 59 Tumor secretor de catecolamina negativo para cintilografia com 123Iodo-MIBG Drs. Alan Yazaldy Chambi Cotrado, Maria Fernanda Rezende, Bernardo Sanches L. Vianna, Rodrigo Rodrigues Batista, Marcos F. H. Cavalcanti, Marcelo César G. Carneiro, Jader Cunha de Azevedo, Renata Christian Martins Felix, Nilton Lavatori Correa, Evandro Tinoco Mesquita, Marcus Vinicius J. Santos, Claudio Tinoco Mesquita e José Galvão-Alves São Paulo Capital Adib Jatene Flair José Carrilho José Eduardo Souza José Osmar Medina Pestana Nestor Schor Sender Miszputen Imagem e diagnóstico 72 74 4 Coordenação: Dra. Marta Carvalho Galvão Endometriose da bexiga Drs. Marta Carvalho Galvão, Carolina Souza Nogueira, Edson Balieiro Junior e Guilherme Tabet Noticiário Botucatu Oswaldo Melo da Rocha JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 O estado da arte Tratamento da fibrilação atrial O estado da arte cardiologia Tratamento da fibrilação atrial Eduardo B. Saad Luiz Antônio Inácio Jr. Charles Slater Luiz Eduardo Camanho Do Serviço de Eletrofisiologia e Estimulação Cardíaca Artificial — Centro de Fibrilação Atrial do Hospital Pró-Cardíaco — Rio de Janeiro. Resumo Summary A fibrilação atrial (FA) é a arritmia cardía ca mais comumente encontrada na prática clínica, por vezes associada a cardiopatias estruturais, porém muitas vezes ocorrendo em corações estruturalmente normais. Nos últimos 10 anos, avanços significativos no entendimento de sua fisiopatologia levaram à possibilidade de tratamentos intervencionistas visando à eliminação da arritmia, redução dos sintomas e, principalmente, do risco tromboembólico associado. Destes, destacam-se o uso de novos anticoagulantes de mais fácil manejo clínico, a ablação por cateter e a oclusão percutânea do apêndice atrial esquerdo. Atrial fibrillation (AF) is the most common cardiac arrhythmia in clinical practice, commonly associated with structural heart disease but many times occurring in completely normal hearts. In the past 10 years, significant advances in the understanding of its pathophysiology lead to new interventional treatment options aimed at arrhythmia elimination, symptom reduction and, mostly, reduction on the associated thromboembolic risk. Among them, use of new anticoagulants that are easier to manage, catheter ablation and percutaneous occlusion of the left atrial appendage are the most relevant. Introdução rísticas eletrofisiológicas do NAV podemos encontrar FA com baixa resposta ventricular (FC média abaixo de 60bpm), FA com resposta ventricular controlada (FC entre 60 e 100bpm) e FA com elevada resposta ventricular (FC acima de 100bpm). Quando encontramos FA com RR regular, o principal diagnóstico eletrocardiográfico é bloqueio atrioventricular (BAV) total associado, devendo-se lembrar também da possibilidade de taquicardia juncional. Vale ressaltar que não raramente o flutter atrial e a taquicardia atrial podem ocorrer no mesmo paciente. O diagnóstico eletrocardiográfico destas condições deve ser confirmado nas derivações do plano inferior (D2, D3 e aVF). A fibrilação atrial (FA) é a arritmia mais comum na prática clínica. Portanto, o seu conhecimento e manejo adequados são fundamentais, pelo importante impacto que esta arritmia pode acarretar. Neste artigo serão apresentados aspectos epidemiológicos, propedêuticos e terapêuticos desta entidade. Definição A FA é uma arritmia supraventricular que se caracteriza pela perda da capacidade de contração atrial (perda da sístole atrial). Ao eletrocardiograma manifesta-se pela ausência de onda P, irregularidade do intervalo RR e ondulação da linha de base. O nódulo atrioventricular (NAV) não participa do circuito e, desta forma, serve apenas como um modulador da resposta ventricular. Em função das caracteJBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Unitermos: Fibrilação atrial; tratamento; anticoagulantes; ablação; tromboembolismo. Keywords: Atrial fibrillation; treatment; anticoagulation; catheter ablation; thromboembolism. Classificação A classificação atual da FA é: inicial, paroxística, persistente e permanente (ou crônica). 7 Tratamento da fibrilação atrial O estado da arte Fibrilação atrial é uma arritmia supraventricular que se caracteriza pela perda da capacidade de contração atrial. Ao eletrocardiograma manifesta-se pela ausência de onda P, irregularidade do intervalo RR e ondulação da linha de base. A forma inicial refere-se à documentação do primeiro episódio de FA ou ao diagnóstico de novos episódios. A forma paroxística é definida como episódios recorrentes (≥ 2) com duração inferior a sete dias e reversão espontânea. Surtos de FA com duração ≤ 48 horas que são revertidos com cardioversão química ou elétrica também devem ser classificados como paroxísticos. A forma persistente é aquela que dura mais de sete dias, ou quando se decide realizar cardioversão (química ou elétrica) da FA com duração ≥ 48 horas, porém ainda dentro dos sete dias iniciais. A FA com duração superior a um ano é denominada persistente de longa duração. A forma permanente refere-se à FA em que as tentativas de reversão falharam ou quando se opta apenas por controlar a resposta ventricular. Esta definição baseia-se fundamentalmente na decisão médica (1, 2). Epidemiologia Pontos-chave: > A incidência da FA aumenta significativamente com o avançar da idade, tornando-se mais evidente com o envelhecimento; > Está presente em 1% da população geral, atingindo 10% dos octogenários. 8 A incidência da FA aumenta significativamente com o avançar da idade, tornando-se mais evidente com o envelhecimento. Presente em 1% da população geral, atinge 10% dos octogenários (3). Apesar de frequentemente associada a outras doenças cardíacas, como a doença arterial coronária, as valvulopatias e outras cardiopatias em sentido amplo, a FA comumente acomete corações estruturalmente normais, podendo esta forma de “FA idiopática” representar 20%-30% dos pacientes. A simples presença de FA, como fator independente, aumenta a mortalidade em até duas vezes. Além disto, o risco de fenômenos tromboembólicos é um dos fatores mais importantes quando se considera o tratamento desta arritmia. Um a cada seis AVCs ocorre em pacientes com FA, gerando um risco anual em torno de 7% por ano, o que representa um aumento de até sete vezes em relação ao risco da população em geral. Em pacientes com doença valvar reumática o risco aumenta em até 17 vezes. Cerca de 2,5 milhões de americanos apresentam o problema, responsável por um terço das hospitalizações por distúrbios do ritmo cardíaco. Estima-se, porém, que em 2050 a prevalência dobre, atingindo 5 milhões de pessoas nos EUA, caracterizando uma “nova epidemia”. Estudos recentes mostram que, em pessoas acima dos 40 anos, uma a cada quatro irá desenvolver a arritmia ao longo da vida. A FA é a quinta maior causa de internação no sistema único de saúde (SUS). Apresentação clínica A FA manifesta-se clinicamente de várias maneiras. Os principais sintomas relacionados seriam crises de palpitação com graus variáveis de repercussão hemodinâmica, fenômenos tromboembólicos e pode até mesmo ser assintomática. Não raramente, o paciente apresenta episódios sintomáticos e assintomáticos, e a primeira manifestação clínica pode ser um evento embólico ou a exacerbação de uma IC. Outros sintomas relacionados seriam dispneia, precordialgia, cansaço aos esforços, pré-síncope ou síncope. Em portadores de estenose mitral ou cardiomiopatia hipertrófica, o surgimento de uma FA pode apresentar-se como edema agudo de pulmão. Vale a pena ressaltar que a FA pode levar a um quadro de taquicardiomiopatia (disfunção ventricular reversível e induzida pela resposta ventricular cronicamente elevada). Estratificação de risco O escore mais simples e amplamente utilizado na estratificação de risco de eventos tromboembólicos (4) é o CHADS2, desenvolvido pelos investigadores do estudo Stroke Prevention in Atrial Fibrillation (SPAF) (5), no qual os pacientes são classificados como de alto, moderado ou baixo risco. Os seguintes fatores de risco recebem um ponto: idade > 75 anos, hipertensão arterial sistêmica, diabetes e insuficiência cardíaca. A história de AVC ou ataque isquêmico transitório (fenômeno tromboembólico) recebe dois pontos. Há uma relação progressiva e linear entre o aumento da pontuação do escore e o aumento do risco tromboembólico. O CHADS2 é amplamente utilizado, tanto pela sua importância quanto pela sua simplicidade. Com base neste escore, a diretriz brasileira de fibrilação atrial define os pacientes que devem receber terapia anticoagulante ou antiplaquetária. Duas importantes revisões sistemáticas identificaram novos critérios de risco para tromboembolismo. Embora seja claro que pacientes com FA e idade ≥ 75 anos apresentem aumento significativo do risco de AVC, sabe-se que este risco já começa a se elevar a partir dos 65 anos JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Tratamento da fibrilação atrial O estado da arte e, da mesma forma, a eficácia dos antiagregantes plaquetários nesta faixa etária é reduzida. Assim, o benefício absoluto com o uso da warfarina aumenta com o avançar da idade. Com base nestes achados, originou-se uma nova abordagem para a estratificação (6), que prevê com maior exatidão o risco de fenômeno tromboembólico, definido como CHA2DS2-VASc, reclassificando, desta forma, os critérios previamente reconhecidos. Vale ressaltar que alguns critérios que anteriormente apresentavam menor validação passaram a ser incluídos nos fatores de risco clinicamente relevantes não maiores. São eles: sexo feminino, idade entre 65-74 anos e doença vascular (especificamente, infarto do miocárdio, placa ateromatosa aórtica complexa e doença arterial periférica). Pode-se notar que o risco é cumulativo, e a presença de dois pontos já é suficiente para se requerer anticoagulação com warfarina. A existência de apenas um ponto permite a utilização de AAS ou warfarina, porém com favorecimento à utilização de antagonistas da vitamina K. A decisão de anticoagulação nesta população independe do tipo de apresentação da arritmia. Em presença de fatores de risco, os pacientes com FA paroxística devem ser conduzidos da mesma forma que aqueles com as formas persistente ou permanente. O escore CHADS2 deve ser sempre utilizado como uma forma inicial de avaliação de risco tromboembólico, particularmente adequado para a atenção primária de médicos não especialistas. Em pacientes com pontuação de CHADS2 ≥ 2 é inquestionável a terapia crônica com warfarina, recomendada para se alcançar um INR entre 2 e 3. No entanto, em pacientes com pontuação CHADS2 de 0 a 1 está indicada uma avaliação de risco mais detalhada, devendo-se incorporar outros fatores de risco à abordagem. A avaliação de risco de sangramento, por sua vez, deve fazer parte da abordagem inicial, antes de se começar a anticoagulação. Apesar de a anticoagulação de pacientes idosos com FA ser cada vez mais frequente, houve uma redução da incidência de hemorragia intracerebral, com taxas de aproximadamente 0,1% e 0,6% nos relatos mais recentes. Este achado pode refletir um maior cuidado na regulação da dose do anticoagulante ou um melhor controle da hipertensão arterial. A taxa de hemorragia cerebral tem sua incidência aumentada com valores de INR entre 3,5 e 4. Por outro lado, não há qualquer incremento do risco de sangramento com INR entre 2 e 3, em comparação com valores mais baixos. Vários escores foram validados para a avaliação do risco de sangramento em pacientes anticoagulados. O mais utilizado atualmente é o escore HAS-BLED (7) (Tabela 1), que inclui nove fatores de risco para sangramento em pacientes utilizando warfarina. Cada fator soma um ponto e, na soma final, um escore maior ou igual a 3 indica aumento do risco de sangramento em um ano sob anticoagulação. Tais pacientes não apresentam contraindicação formal à anticoagulação. Entretanto, se forem submetidos a esta terapêutica deve haver maior precaução e uma avaliação mais frequente. Considera-se que o risco aumentado de sangramento com anticoagulante é semelhante TABELA 1: HAS-BLED — escore de pontos para avaliação do risco de sangramento em pacientes sob anticoagulação Fatores de risco H A Hipertensão [Hypertension]: PA sistólica > 160mmHg S AVC [Stroke]1 B História de sangramento [Bleeding] significativo 1 L E INR lábeis [Labile] na faixa terapêutica < 60% 1 Idade avançada [Elderly], > 65 anos 1 D Fármacos [Drugs] antiplaquetários ou consumo de álcool JBM Função renal ou hepática anormal [Abnormal] JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Ponto(s) 1 1 cada um 1 cada um 9 Tratamento da fibrilação atrial O estado da arte ao com uso de aspirina, especialmente em idosos. Este escore, entretanto, não foi validado para o uso dos novos anticoagulantes. Prevenção de fenômenos tromboembólicos Pontos-chave: > O objetivo da anticoagulação é prevenir fenômenos embólicos sem aumentar significativamente as taxas de complicações hemorrágicas; > A dabigatrana é um inibidor direto da trombina com meia-vida de até 17 horas e mais de 80% de excreção renal; > A rivaroxabana é um inibidor direto do fator Xa, com meia-vida de cinco a nove horas em pacientes jovens e de 11 a 13 horas em idosos. 10 Como exposto anteriormente, o principal temor nesta população é a possibilidade de um fenômeno tromboembólico. Inúmeros ensaios clínicos têm demonstrado de forma contundente a importância da terapia antitrombótica nesta população. No início desta década, Hart et al. (8) publicaram uma meta-análise de 29 ensaios clínicos randomizados, que testaram a eficácia e a segurança de agentes antitrombóticos (incluindo a warfarina) em pacientes com FA não valvar. Entre seis ensaios que compararam exclusivamente a warfarina com placebo ou controle, o uso do anticoagulante reduziu o risco relativo de AVC em 64%. Quando analisado o AVC isquêmico isoladamente, a redução do risco relativo foi de 67% e a da mortalidade total, de 26%. Desta forma, fica clara a importância da terapia anticoagulante nesta população. O AAS era amplamente utilizado no passado como profilaxia de tromboembolismo. No entanto, as diretrizes atuais indicam o AAS apenas para pacientes com FA não valvar, de baixo risco e/ou com contraindicação formal ao uso de anticoagulantes. A utilização de dupla antiagregação já foi testada no estudo ACTIVE W (9), que comparou dois grupos: warfarina e AAS associado ao clopidogrel. Esse estudo foi interrompido precocemente, pela clara superioridade da warfarina em relação ao outro grupo (dupla antiagregação). O objetivo da anticoagulação é prevenir fenômenos embólicos sem aumentar significativamente as taxas de complicações hemorrágicas. Para tal, considera-se que o INR deve se manter entre 2 e 3. Os principais preditores de hemorragia maior seriam idade avançada e intensidade da anticoagulação. Recentemente foram aprovados novos anticoagulantes, basicamente com dois principais mecanismos de ação: inibidores diretos da trombina e inibidores diretos do fator Xa (Gráfico). A dabigatrana é um inibidor direto da trombina com meia-vida de até 17 horas e mais de 80% de excreção renal. O estudo RE-LY (10) foi um ensaio de não inferioridade em que pacientes com FA não valvar foram randomizados em três grupos: dabigatrana 110mg (duas vezes ao dia), dabigatrana 150mg (duas vezes ao dia) e warfarina (INR: 2 e 3). A dosagem de 150mg demonstrou superioridade em relação à warfarina quanto à ocorrência de AVC ou embolismo sistêmico. A dosagem de 110mg foi similar à da warfarina na prevenção de tromboembolismo. Observou-se maior ocorrência de infarto do miocárdio no grupo da dabigatrana em relação ao da warfarina, porém sem significância estatística. A ocorrência de sangramento maior foi significativamente mais baixa no grupo da dabigatrana 110mg, em comparação à warfarina, e similar no grupo da dosagem de 150mg. Dentre os efeitos colaterais da droga, o mais prevalente é a dispepsia. Os resultados do estudo RE-LY foram o que levou a FDA a aprovar as dosagens de 150mg duas vezes ao dia para prevenção de tromboembolismo (como opção à warfarina) e de 75mg duas vezes ao dia em pacientes com disfunção renal. A droga não deve ser utilizada em pacientes com clearance de creatinina < 30ml/min. A rivaroxabana é um inibidor direto do fator Xa, com meia-vida de cinco a nove horas em pacientes jovens e de 11 a 13 horas em idosos. Aproximadamente dois terços da droga têm eliminação hepática e o restante, renal. O estudo ROCKET AF (11) comparou 20mg/ dia com warfarina (INR: 2-3) e demonstrou a não inferioridade da rivaroxabana em relação a ela. Análises subsequentes quanto à segurança indicaram que a rivaroxabana é superior à warfarina. Com base nos achados desse estudo, a droga foi aprovada para prevenção de tromboembolismo em portadores de FA, na dosagem de 20mg/dia. Em função de seu perfil, ela pode ser utilizada na dosagem de 15mg/dia em pacientes com disfunção renal (clearance de creatinina: 15-29ml/min). É contraindicação absoluta em pacientes com clearance de creatinina < 15ml/min. A apixabana também é um inibidor direto do fator Xa. Aproximadamente 75% da droga são excretados via fecal e 25%, via renal. O ensaio ARISTOTLE (12) foi um estudo duplo-cego de não inferioridade, que comparou 5mg de apixabana (ou 2,5mg em pacientes selecionados) com warfarina (INR 2-3) em 18.201 pacientes. A droga foi similar à warJBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Tratamento da fibrilação atrial O estado da arte Contato de superfície XII Warfarina Fatores dependentes de vitamina K (II, VII, IX e X) XIIa XI XIa VIIa VII VI A SEC EX RÍN IXa TR ÍN INT SE CA VIA IX A VIIIa Fator tecidual X Xa A abordagem do paciente na sala de emergência depende da forma de apresentação clínica, sintomatologia, duração e risco de eventos tromboembólicos. Em pacientes que se apresentam com instabilidade hemodinâmica, a cardioversão elétrica (CVE) imediata é mandatória para restabelecer o ritmo sinusal e estabilizar as condições clínicas, sendo que heparina intravenosa ou subcutânea deve ser administrada antes da CVE. X Rivaroxabana Apixabana HBPM Va Dabigatrana Protrombina (II) Trombina (IIa) Fibrinogênio (I) Fibrina (Ia) XIIIa COÁGULO Gráfico: Cascata de coagulação — mecanismo de ação dos anticoagulantes disponíveis para uso clínico. farina em relação à ocorrência de fenômenos tromboembólicos. Abordagem terapêutica Na sala de emergência A abordagem do paciente na sala de emergência depende da forma de apresentação clínica, da sintomatologia, duração e risco de eventos tromboembólicos. Em pacientes que se apresentam com instabilidade hemodinâmica (angina, infarto do miocárdio, choque ou edema agudo), a cardioversão elétrica (CVE) imediata é mandatória para restabelecer o ritmo sinusal e estabilizar as condições clínicas, sendo que heparina intravenosa ou JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 subcutânea deve ser administrada antes da CVE. Após a cardioversão deve ser iniciado anticoagulante oral (warfarina), e a heparina deve ser mantida até o INR alcançar nível terapêutico (de 2-3). A duração da terapia anticoagulante (quatro semanas ou ao longo da vida) irá depender da presença de fatores de risco para fenômenos embólicos. Nos pacientes que apresentam FA com alta resposta ventricular, mas sem repercussão hemodinâmica, devem ser utilizadas drogas intravenosas que diminuam rapidamente a frequência ventricular, como betabloqueadores ou antagonistas dos canais de cálcio. Os pacientes com FA paroxística apresentam 11 Tratamento da fibrilação atrial O estado da arte Pontos-chave: > Os portadores de FA de duração ≥ 48 horas ou de tempo indeterminado devem obrigatoriamente ser submetidos à anticoagulação com heparina intravenosa ou subcutânea; > Os pacientes submetidos à CVE sem anticoagulação profilática apresentam risco entre 1% e 7% de sofrerem eventos embólicos; > A CVE eletiva pode ser realizada após três a quatro semanas de anticoagulação plena com INR terapêutico. 12 grande possibilidade de ter a arritmia revertida espontaneamente, podendo a conduta expectante ser suficiente em alguns casos. A grande dificuldade está nos pacientes com a forma permanente. Os portadores de FA de duração ≥ 48 horas ou de tempo indeterminado devem obrigatoriamente ser submetidos à anticoagulação com heparina intravenosa ou subcutânea, associada a anticoagulante oral. Os pacientes submetidos à CVE sem anticoagulação profilática apresentam risco entre 1% e 7% de sofrerem eventos embólicos. A CVE eletiva pode ser realizada após três a quatro semanas de anticoagulação plena com INR terapêutico (de 2-3). Outra estratégia utilizada (13) que visa reduzir o tempo para a realização da CVE é a utilização do ecocardiograma transesofágico (ETE). Esta estratégia tem como principal benefício a redução do tempo de internação e a realização da CVE após heparinização plena e dosagem de PTT terapêutico (1,5 a 2x em relação ao controle). Desta forma não é necessário o uso de warfarina por três semanas antes da CVE. Outra vantagem desta técnica é a identificação de variáveis relacionadas à ocorrência de AVC, como contraste espontâneo no átrio esquerdo, velocidade de fluxo reduzida no apêndice atrial esquerdo e placa ateromatosa na aorta torácica. Após a CVE deve-se manter anticoagulação por no mínimo quatro semanas (INR: 2-3), devido ao risco de tromboembolismo, resultante da disfunção atrial esquerda pós-cardioversão (átrio “atordoado”) (14). Em pacientes com escore CHADS2 elevado ou fatores de risco para recorrência de FA, o tratamento com anticoagulante deve ser continuado ao longo da vida, independentemente da manutenção ou não do ritmo sinusal após a CVE. A CVE envolve a liberação de um choque elétrico sincronizado com a atividade intrínseca do coração, de maneira a evitar a indução de fibrilação ventricular. Cateter de estimulação ou marcapasso transcutâneo devem estar disponíveis para eventuais casos de assistolia ou bradicardia significativa. As diretrizes sustentam a preferência pelo uso de desfibrilador bifásico, devido à menor quantidade de energia requerida e maior eficácia, em comparação com desfibriladores monofásicos. Estudos publicados demonstraram aumento significativo da taxa de sucesso da reversão de FA com o primeiro choque utilizando onda bifásica. Atualmente, duas posições são comumente utilizadas para colocação dos eletrodos, sendo que vários estudos têm mostrado que o posicionamento ântero-posterior é mais eficaz que o ântero-lateral. A CV elétrica deve ser realizada com o paciente em jejum e sob anestesia ou sedação adequada. A carga monofásica inicial para reversão de FA é de 200J. Para choques bifásicos é recomendado iniciar-se com a aplicação de 120 a 200J. A cardioversão (CV) farmacológica é mais simples que a abordagem através de CVE, porém menos eficaz. Está associada a maior risco de pró-arritmia, devido à toxicidade das drogas antiarrítmicas. A CV farmacológica apresenta maior efetividade quando realizada nos sete primeiros dias do início da FA e é menos efetiva em portadores de FA persistente. Aproximadamente 50% dos pacientes com FA de início recente apresentam reversão espontânea para ritmo sinusal dentro de 24 a 48 horas. As drogas disponíveis no Brasil para reversão aguda de FA são a propafenona e a amiodarona. Vários estudos randomizados controlados demonstraram a eficácia da propafenona na reversão para ritmo sinusal de FA de início recente. Dentro de algumas horas, a taxa de reversão com a propafenona foi de 41% a 91% após administração endovenosa, contra uma taxa de 10% a 29% com o placebo. Pode ser administrada tanto por via endovenosa como por via oral (600mg/dose única), com taxas semelhantes de sucesso. Este agente não deve ser utilizado em pacientes com doença arterial coronariana, hipertrofia ventricular esquerda, disfunção ventricular, DPOC ou IC. Além disso, possui eficácia muito reduzida na reversão de flutter atrial e de FA persistente, podendo inclusive levar à organização da FA em flutter atrial com alta resposta ventricular. Por esse motivo, deve-se administrar betabloqueador ou antagonista dos canais de cálcio não diidropiridínico, a fim de prevenir a condução atrioventricular rápida. Fora do ambiente hospitalar, a propafenona pode ser utilizada com eficácia e segurança em pacientes com FA aguda, com menos de 24 horas de duração, em pacientes JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Tratamento da fibrilação atrial O estado da arte sem cardiopatia estrutural e com estabilidade hemodinâmica (15). Deve-se utilizar a propafenona por via oral, com uma dose de 450 a 600mg (pill-in-the pocket). Entretanto, para utilização desta abordagem é necessário que sua segurança tenha sido previamente testada em ambiente hospitalar. A CV farmacológica utilizando amiodarona tende a ocorrer mais tardiamente, quando comparada à propafenona. Pode ser utilizada com segurança em pacientes com cardiopatia estrutural. Quando administrada previamente à CVE em pacientes com FA crônica refratária à reversão química ou elétrica, a amiodarona aumenta a eficácia do choque no restabelecimento do ritmo sinusal. Manutenção do ritmo sinusal: drogas antiarrítmicas A utilização de drogas antiarrítmicas (DAAs) para prevenção de novos surtos de FA é uma medida válida e amplamente difundida. Na maioria das diretrizes sobre FA as DAAs permanecem ainda como primeira opção após o primeiro surto da arritmia. No entanto, algumas considerações devem ficar claras: a eficácia das DAAs é modesta; sua utilização reduz, porém não elimina as recorrências da FA; a probabilidade de uma pró-arritmia ou outros efeitos colaterais é frequente; quanto à escolha da droga, a segurança, mais do que a eficácia, deve ser o principal motivo. Os betabloqueadores apresentam eficácia bastante reduzida na prevenção de novos surtos de FA, exceto nos casos de tireotoxicose e FA induzida por esforço físico. A quinidina, droga amplamente utilizada no passado, demonstrou elevar a mortalidade (16), pelo aumento do intervalo QTc e indução de torsade de pointes. Seu principal efeito colateral é a diarreia (cerca de 30% dos casos). Hoje a droga está praticamente abandonada no arsenal terapêutico da FA. A propafenona também é um bloqueador dos canais de sódio e a única DAA do grupo IC disponível no Brasil. Apresenta eficácia similar à do sotalol e inferior à da amiodarona. As contraindicações formais a sua utilização seriam a presença de IC e cardiopatia isquêmica, devido aos riscos de efeitos pró-arrítmicos. Outra complicação associada ao uso desta droga é a possibilidade de transformar uma FA em flutter atrial mal tolerado hemodinamicamente e com condução AV acelerada. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 O sotalol é um betabloqueador com propriedades do grupo III (prolongamento do período refratário atrial) e com eficácia inferior à da amiodarona, especialmente em pacientes com cardiomiopatia dilatada não isquêmica. Similarmente à propafenona, é contraindicado nos portadores de disfunção ventricular, asma brônquica e insuficiência renal. Alguns fatores se associam a maior risco de pró-arritmia relacionada ao sotalol, como sexo feminino, hipertrofia ventricular esquerda significativa, bradicardia sinusal, disfunção renal e distúrbios eletrolíticos (hipocalemia/ hipomagnesemia). A amiodarona é indiscutivelmente a droga de melhor eficácia na prevenção da FA, por apresentar efeitos eletrofisiológicos mais amplos, tais como antagonista de cálcio, betabloqueador, discreto efeito bloqueador dos canais de sódio e prolongamento do período refratário atrial. Aumenta a taxa de sucesso da CVE. Diferentemente dos outros agentes antiarrítmicos, pode ser utilizada com segurança em portadores de disfunção ventricular. Nos pacientes com cardiomiopatia isquêmica sem disfunção significativa apresenta eficácia similar à do sotalol. O grande fator limitante da utilização deste fármaco é a taxa relativamente elevada de efeitos colaterais (cerca de 20% a 40%). Recomenda-se a dosagem de manutenção de 200mg ou menos, visando minimizar a ocorrência de paraefeitos clinicamente significativos. A dronedarona, não disponível no Brasil, é uma droga bloqueadora de canais de sódio, cálcio e potássio, além de possuir atividade antiadrenérgica. De forma similar a outras DAAs, apresenta eficácia inferior à da amiodarona. O estudo DIONYSOS (17), que comparou a dronedarona e a amiodarona, demonstrou que a eficácia da droga foi inferior, porém com menos efeitos colaterais que a amiodarona. A droga parece apresentar menor taxa de pró-arritmia. Esta droga também não deve ser utilizada em portadores de disfunção ventricular avançada. O estudo ANDROMEDA (18), que recrutou pacientes com FA e IC classe funcional (NYHA) II-IV, foi interrompido precocemente, devido ao aumento da mortalidade nesta população. A utilização de drogas antiarrítmicas (DAAs) para prevenção de novos surtos de FA é uma medida válida e amplamente difundida. Na maioria das diretrizes sobre FA as DAAs permanecem ainda como primeira opção após o primeiro surto da arritmia. 13 Tratamento da fibrilação atrial O estado da arte As drogas disponíveis para prevenção da FA no Brasil são a propafenona, o sotalol e a amiodarona. Vale ressaltar que nos últimos anos o arsenal terapêutico farmacológico para FA praticamente não evoluiu, e a eficácia das DAAs é limitada, independente do cenário clínico (Tabela 2). Manutenção do ritmo sinusal: ablação por cateter Com as observações pioneiras feitas por Haissaguerre et al. (19), demonstrou-se o papel fundamental de focos arritmogênicos nas veias pulmonares (VPs) na fisiopatologia da iniciação e manutenção dos episódios de FA. Neste foi estabelecido o conceito de FA focal, no qual uma arritmia atrial que acomete difusamente ambos os átrios possui origem bem determinada, logo passível de intervenções terapêuticas. Técnicas utilizando a ablação por cateter foram desenvolvidas e aperfeiçoadas, visando à eliminação dos focos geradores da FA através da ablação circunferencial ao redor das VPs (Figura 1), com índices de sucesso superiores, quando comparados à melhor terapêutica farmacológica. Estratégias de ablação Ao longo dos últimos 15 anos, diversas estratégias de ablação foram utilizadas para controle da FA. Em comum, é consenso atual que o isolamento de todas as VPs é fundamental em todos os grupos de pacientes (FA paroxística, persistente ou permanente). Este isolamento deve ser comprovado eletricamente por mapeamento circular no interior das VPs (Figura 1), pois esta etapa é primordial para o sucesso do procedimento. Em pacientes com FA paroxística, apenas o isolamento das VPs é necessário, realizan do-se lesões adicionais em situações específicas (p. ex., focos deflagradores mapeados fora das VPs). É prática rotineira dos autores realizar também o isolamento da veia cava superior, visto que esta estrutura, apesar de rara, pode ser fonte de iniciação da FA. A maioria das publicações demonstra resultados favoráveis, com taxas de sucesso superiores a 80%. Já nas formas persistente e permanente se estabeleceu que apenas o isolamento das VPs é insuficiente, associando-se a altas taxas de recorrência. Os melhores resultados são obtidos com a realização de lesões adicionais: lesões lineares no átrio esquerdo (AE) e extensas aplicações de radiofrequência (RF), guiadas pelos chamados “potenciais elétricos fracionados” (CFAEs) registrados durante a FA em diversas regiões do átrio esquerdo (parede posterior, septo, teto, anel mitral, base da auriculeta esquerda e no interior do seio coronário). Nestes locais está descrita inclusive reversão a ritmo sinusal durante as aplicações de RF (20). Portanto, fica claro que em formas mais persistentes de FA, com significativo remodelamento atrial, há necessidade de mudança do substrato atrial, implicando em maior número e extensão das aplicaçõs de RF. Estas técnicas apresentam resultados mais favoráveis, obtendo em torno de 60%-70% de controle da FA com um único procedimento, mesmo em condições desfavoráveis de remodelamento atrial. Tabela 2: DAA — droga antiarrítmica DAA 14 Dose de manutenção Taxa de recorrência Principais efeitos adversos de FA Necessidade de suspensão Incidência de da droga efeitos Propafenona 450 a 900mg/dia 63% IC, TV, flutter atrial com alta resposta ventricular 15%-20% 25%-30% Sotalol 160 a 320mg/dia 60% Torsades de pointes, IC, bradicardia, broncoespasmo 15% 25%-30% Amiodarona 200 a 400mg/dia 40% QT, fotossensibilidade, toxicidade pulmonar e hepática, bradicardia, polineuropatia, disfunção tireoidiana 18%-35% 50% Dronedarona 800mg/dia 64% Descompensação IC, insuficiência renal, toxicidade hepática, distúrbio gastrointestinal 11%-30% 39% JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Tratamento da fibrilação atrial O estado da arte Tecnologias para auxiliar a ablação Independente da estratégia utilizada, métodos de mapeamento por imagem frequentemente são utilizados em adição ao tradicional mapeamento eletrofisiológico. Dois tipos de tecnologia são apropriados nesta circunstância: Mapeamento eletroanatômico — Esta forma de mapeamento em 3D permite definir com precisão a anatomia da cavidade atrial esquerda e das VPs, marcar as lesões de RF no mapa formado e traduzir em cores a informação elétrica obtida. É possível também navegar em imagens da anatomia real originadas em tomografia computadorizada ou ressonância magnética (Figura 2). Esta metodologia é especialmente útil para reduzir o tempo de exposição à fluoroscopia, tornando de fácil apreciação o circuito ou o foco da arritmia e as lesões realizadas para tratá-la. Dois sistemas atualmente estão disponíveis: CARTO — Biosense Webster e NavX — St. Jude Medical. Ecocardiograma intracardíaco — Através de um cateter posicionado no átrio direito é possível obter imagens ultrassonográficas detalhadas da anatomia cardíaca em tempo real (Figura 3), permitindo uma manipulação precisa e segura dos cateteres através das diversas estruturas visualizadas. Sua utilização permite também a realização segura das punções transeptais sob visualização direta e a detecção precoce de complicações agudas (derrame pericárdico, trombos). Seleção de pacientes e resultados A seleção de pacientes para ablação por cateter da FA baseia-se atualmente na falência do tratamento clínico. Esta técnica pode ser utilizada em pacientes com diversos tipos de cardiopatia (doença arterial coronária, hipertrofia ventricular esquerda, insuficiência cardíaca), porém os melhores resultados são obtidos nos pacientes com coração estruturalmente normal. Em estudos randomizados comparativos, a sobrevida livre de FA é significativamente melhor nos pacientes submetidos à ablação (85%), quando comparados aos que permanecem em uso de múltiplas drogas antiarrítmicas (30%). A seleção de pacientes com as formas persistente e permanente de FA segue o mesmo raciocínio, porém a decisão deve ser individualizada de acordo com o tamanho do AE (que é JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Figura 1: Ablação por cateter da FA. Através de acesso transeptal ao átrio esquerdo, um cateter de mapeamento circular (no interior da veia pulmonar superior esquerda) e o cateter de ablação são utilizados para produzir lesões de RF ao redor das veias pulmonares. Um cateter de eco intracardíaco (ICE) é posicionado no átrio direito, para detalhamento anatômico em tempo real. um importante fator preditor de recorrência) e a duração da FA. É importante notar que, mesmo com a estratégia de extensas aplicações de RF aqui descritas, o índice de recidivas e a necessidade de novos procedimentos são maiores nestes grupos, chegando a 40% dos casos. Na experiência de Natale et al. (21), 60% dos pacientes mantiveram ritmo sinusal sem drogas após o primeiro procedimento. Nos que foram submetidos a uma segunda intervenção, 80% mantiveram ritmo sinusal. O acompanhamento em longo prazo de pacientes submetidos à ablação por cateter mostra que existe a possibilidade de recidivas tardias, na ordem de 7% ao ano nos primeiros cinco anos (71% livres de FA aos cinco anos). Portanto, é importante manter a vigilância, com monitorização periódica dos pacientes, sendo prudente manter a terapia anticoagulante naqueles com mais alto risco que não apresentem contraindicações. Não há limite de idade para a indicação de procedimentos de ablação; evidências demonstram resultados semelhantes em pacientes octogenários, porém há maior taxa de complicações tromboembólicas nesta faixa etária. De acordo com o último consenso de especialistas HRS/EHRA/ECAS de 2012 (2), a indicação primária para ablação de FA por 15 Tratamento da fibrilação atrial O estado da arte Lesões de RF ao redor das VPs Veias Pulmonares Esquerdas Veias Pulmonares Direitas Figura 2: Mapeamento eletroanatômico com sistema NAVx. Neste, a anatomia importada de uma ressonância magnética é utilizada para guiar o procedimento no átrio esquerdo. As lesões de RF são dispostas (pontos em vermelho) no antro das veias pulmonares, em formato circular. cateter é a presença de fibrilação atrial paroxística ou persistente sintomática, refratária ou intolerante a pelo menos uma droga antiarrítmica de classe I ou III. A segurança e a eficácia crescentes do procedimento fizeram com que, em algumas situações especiais (atletas, jovens, corações normais), a ablação de FA possa ser considerada terapia de primeira linha. Complicações O procedimento está associado a pequenas taxas de complicações em centros de excelência com grande volume e experiência (Tabela 3). Entretanto, recente pesquisa mundial envolvendo mais de 16 mil pacientes submetidos à ablação de FA, em 85 centros ao redor do mundo, mostrou que estas taxas podem ser maiores em centros com menor experiência. Apesar disso, as principais complicações são individualmente menores que 0,5%, totalizando aproximadamente 4%. É importante estar atento a uma complicação tardia (nas primeiras semanas) relacionada à lesão esofagiana, devido à proximidade deste órgão com a parede posterior do AE (22). Há relatos de fístulas átrio-esofágicas, frequentemente fatais. Felizmente, esta complicação ocorre em apenas 0,04%, mas seu reconhecimento precoce pode ser fundamental para evitar um desfecho fatal. Ablação da junção AV Muito utilizada no passado (23), a ablação da junção atrioventricular com implante de marcapasso definitivo vem perdendo espaço, em função dos resultados progressivamente melhores da ablação por cateter. Hoje, basicamente dois grupos de pacientes se beneficiam desta terapia: FA gerando terapias inapropriadas em portadores de CDI (cardioversor-desfibrilador implantável), em que outras modalidades terapêuticas foram incapazes de manter o ritmo sinusal, e portadores de FA sintomática, nos quais falharam todas as tentativas de restauração/manutenção do ritmo sinusal. ↑ Septo ↑ AE VPs esquerdo Cateter Circular Figura 3: Ablação de FA guiada por ecocardiografia intracardíaca. Demonstra-se a posição correta do cateter de mapeamento circular ao redor das veias pulmonares (VPs) esquerdas, assim como a passagem de uma bainha pelo septo interatrial. AE — átrio esquerdo. 16 JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Tratamento da fibrilação atrial O estado da arte Ao se indicar esta terapia deve-se ter em mente os seguintes aspectos: necessidade de anticoagulação mantida, possíveis efeitos deletérios da estimulação ventricular direita persistente e o fato de que o paciente se torna dependente do marcapasso. Novas estratégias Oclusão do apêndice atrial esquerdo Há significativas limitações relativas ao uso de anticoagulantes, incluindo o risco de hemorragias cerebrais, níveis subterapêuticos de anticoagulação, janela terapêutica pequena, necessidade de monitorização periódica e diversas interações com outros fármacos e alimentos. Hylek et al. reportaram uma taxa de eventos hemorrágicos excessivamente alta em pacientes acima de 80 anos e naqueles com maior risco segundo o escore CHADS2, justamente os que mais se beneficiam da terapia para prevenção de fenômenos embólicos (24). Nesta série, 26% dos pacientes interromperam a warfarina no primeiro ano de uso. Esta percepção de risco se reflete na subutilização da anticoagulação na prática clínica, especialmente em pacientes idosos e quando uma droga antiarrítmica é também utilizada. Aproximadamente 50% dos pacientes considerados “candidatos ideais” não recebem a terapia. Estima-se que, na comunidade, o INR médio esteja na faixa terapêutica em cerca de 50% do tempo; no restante, em 35% está abaixo da faixa (logo, com risco embólico) e em 15% acima da faixa (logo, com risco hemorrágico aumentado). Em nosso meio é Tabela 3: Principais complicações maiores em procedimentos de ablação de FA • Complicações vasculares (trombose venosa, pseudoaneurisma, fístula AV) • Derrame pericáridico e tamponamento • Estenose de veias pulmonares • Tromboembolismo (isquemia cerebral transitória, AVE) • Paralisia frênica • Fístula átrio-esofágica AV — arteriovenosa. AVE — acidente vascular encefálico. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 possível que ocorram índices ainda piores, devido à dificuldade de realização de exames frequentes e aos baixos níveis de adesão ao tratamento. Importância da auriculeta esquerda na fisiopatologia do tromboembolismo Os fenômenos tromboembólicos em pacientes com FA ocorrem devido à formação de trombo no átrio esquerdo. A auriculeta é a origem de trombos em até 90% dos casos, devido ao baixo fluxo de esvaziamento causado pela ausência de contração durante a FA. Em vista disso, espera-se que estratégias que têm como alvo a auriculeta esquerda reduzam significativamente os acidentes embólicos, apesar de outras possíveis causas, como aterosclerose do arco aórtico e das carótidas — presente especialmente em pacientes com fatores de risco, como hipertensão e diabetes. Porém, a anticoagulação também não tem efeito significativo sobre o risco de aterotrombose. Por isso, apesar de qualquer terapia direcionada à auriculeta esquerda não ser capaz de prevenir todas as formas de embolia, é esperado que reduza as embolias, para as quais a anticoagulação também é eficaz. Evidências de benefícios na redução de fenômenos embólicos Apesar de sua anatomia variável, a auriculeta esquerda é uma estrutura cardíaca distinta, o que torna viável sua exclusão da circulação. Foram desenvolvidos dispositivos para oclusão percutânea, representando a estratégia menos invasiva para exclusão da auriculeta. Esta é uma área em evolução, sendo a literatura ainda carente de trabalhos controlados e com pequenas séries reportando acompanhamento em curto prazo. O WATCHMAN é um dispositivo aprovado na Europa e nos EUA. O primeiro estudo controlado com este dispositivo (25) (PROTECT-AF) envolveu 707 pacientes com FA não valvar e sem contraindicações para o uso de anticoagulantes orais que foram randomizados para uso do dispositivo (e suspensão da anticoagulação) ou para uso crônico da warfarina, com INR-alvo entre 2-3. Nesse estudo demonstrou-se a não inferioridade da intervenção percutânea, com redução de risco relativo de 38%, sugerindo que este 17 Tratamento da fibrilação atrial O estado da arte radores e indicada mais frequentemente na prática clínica. Conclusões AE AAE ACP no óstio do AAE Figura 4: Oclusão percutânea do apêndice atrial esquerdo (AAE) com o dispositivo Amplatzer Cardiac Plug (ACP). Através de acesso transeptal ao átrio esquerdo (AE), o dispositivo é posicionado e liberado de forma a ocluir completamente o apêndice. Endereço para correspondência: Eduardo B. Saad Rua Visconde de Pirajá 351, sala 623 — Ipanema 22410-003 Rio de Janeiro-RJ [email protected] 18 tratamento pode ser uma alternativa à anticoagulação crônica. O risco de hemorragias foi significativamente menor no grupo que recebeu o dispositivo. O Amplatzer Cardiac Plug (Figura 4) atual mente é o único dispositivo disponível no Brasil com registro da Anvisa. A experiência com este dispositivo é maior na Europa, com mais de 400 casos. É importante salientar que significativas complicações foram reportadas com ambos os dispositivos, sendo a principal a ocorrência de derrame pericárdico. Outras complicações possíveis incluem embolias aéreas e migrações do dispositivo. Uma redução expressiva foi, porém, observada com o aumento do número de casos, demonstrando a importância da curva de aprendizado. Desta forma, a seleção dos candidatos deve ser rigorosa. Recentemente realizamos a oclusão do apêndice atrial esquerdo em sete pacientes, no Hospital Pró-Cardíaco. Todos eram idosos (79 a 91 anos) e apresentavam contraindicação para anticoagulação e FA de difícil controle clínico e por ablação por cateter. Em todos os casos o procedimento foi bem-sucedido, com oclusão completa do apêndice atrial (sem shunt residual) e sem complicações. Todos receberam alta hospitalar após 24 horas de internação com dupla antiagregação plaquetária. Nenhum evento embólico foi observado ao acompanhamento. É provável que, com a crescente indicação de anticoagulação em pacientes com FA, principalmente em idosos com maior risco de sangramento, esta técnica venha a ser adotada por um número maior de ope- A FA é a arritmia mais frequente na prática clínica. Pela sua elevada prevalência, apresenta-se em diversos cenários clínicos, sempre desafiadores. As medidas de prevenção de fenômenos tromboembólicos devem ser o principal objetivo terapêutico. O arsenal terapêutico farmacológico pouco evoluiu nos últimos anos, e novas tecnologias estão surgindo a cada dia, na tentativa de agregar esforços visando controlar a doença e oferecer soluções para esta população de pacientes. Referências 11.FUSTER, V. et al. — 2011 ACCF/AHA/HRS focused updates incorporated into the ACC/AHA/ESC 2006 Guidelines for the management of patients with atrial fibrillation: A report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines developed in partnership with the European Society of Cardiology and in collaboration with the European Heart Rhythm Association and the Heart Rhythm Society. J. Am. Coll. Cardiol., 57(11): e101-98, 2011. 12.CALKINS, H. et al. — 2012 HRS/EHRA/ECAS expert consensus statement on catheter and surgical ablation of atrial fibrillation: Recommendations for patient selection, procedural techniques, patient management and follow-up, definitions, endpoints, and research trial design. J. Interv. Card. Electrophysiol., 33(2): 171-257, 2012. 13.STEWART, S. et al. — Population prevalence, incidence, and predictors of atrial fibrillation in the Renfrew/Paisley study. Heart, 86(5): 516-21, 2001. 14.GAGE, B.F. et al. — Validation of clinical classification schemes for predicting stroke: Results from the National Registry of Atrial Fibrillation. JAMA, 285(22): 2864-70, 2001. 15.HART, R.G. et al. — Factors associated with ischemic stroke during aspirin therapy in atrial fibrillation: Analysis of 2,012 participants in the SPAF I-III clinical trials. The Stroke Prevention in Atrial Fibrillation (SPAF) Investigators. Stroke, 30(6): 1223-9, 1999. 16.LIP, G.Y. et al. — Refining clinical risk stratification for predicting stroke and thromboembolism in atrial fibrillation using a novel risk factor-based approach: The euro heart survey on atrial fibrillation. Chest, 137(2): 263-72, 2010. 17.PISTERS, R. et al. — A novel user-friendly score (HAS-BLED) to assess 1-year risk of major bleeding in patients with atrial fibrillation: The Euro Heart Survey. Chest, 138(5): 1093-100, 2010. 18.HART, R.G. et al. — Cardioembolic vs. noncardioembolic strokes in atrial fibrillation: Frequency and effect of antithrombotic agents in the stroke prevention in atrial fibrillation studies. Cerebrovasc. Dis., 10(1): 39-43, 2000. 19.CONNOLLY, S. et al. — Clopidogrel plus aspirin versus oral anticoagulation for atrial fibrillation in the Atrial fibrillation Clopidogrel Trial with Irbesartan for prevention of Vascular Events (ACTIVE W): A randomised controlled trial. Lancet, 367(9526): 1903-12, 2006. 10.CONNOLLY, S.J. et al. — Dabigatran versus warfarin in patients with atrial fibrillation. N. Engl. J. Med., 361(12): 1139-51, 2009. Obs.: As 15 referências restantes que compõem este artigo se encontram na Redação à disposição dos interessados. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 A razão do uso do rtPA na trombólise do AVE isquêmico neurologia A razão do uso do rtPA na trombólise do AVE isquêmico Victor Massena Neurologista e neurointensivista. Médico graduado pela Escola de Medicina Souza Marques. Especialista em Neurologia pela UNIRIO. Especialista em Medicina Intensiva pelo Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo. Título de Especialista em Medicina Intensiva pela AMB/AMIB. Especialista em Neurointensivismo pelo Hospital Sírio-Libanês, São Paulo. Especialista em Neurologia Vascular pelo Hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre, RS. Membro da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, Academia Brasileira de Neurologia, Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares, World Stroke Organization e da Neurocritical Care Society. Professor de Clínica Médica da UFRJ. Neurologista do Hospital Pró-Cardíaco, do Centro Médico Adventista Silvestre e da Clínica Carlos Bacelar. Resumo Summary As doenças cerebrovasculares são atualmente a maior causa de morte no Brasil e uma das três maiores causas de incapacidade permanente. A reabertura de uma artéria ocluída com rtPa em 4,5h mostrou-se extremamente eficaz no tratamento. Muitas outras substâncias ainda prometem estudos mais consistentes, e outras já foram descartadas através de trabalhos anteriores. O presente trabalho disserta sobre todos os mais relevantes estudos que acabaram levando ao uso do rtPa como medicação de eleição para o tratamento, em detrimento de outras substâncias que não vingaram porque não eram factíveis ou porque os trabalhos deixaram a desejar. Cerebrovascular diseases are currently the leading cause of death in Brazil and one of the three major causes of permanent disability. The reopening of an occluded artery with rtPA in 4.5 hours has shown to be an extremely effective treatment. Many other substances are also showing promise, and others have been dismissed by previous papers. This paper discusses the most relevant studies that eventually led to the use of rtPA as the treatment of choice to the detriment of substances which have either proven ineffective or impractical, or because of inconsistent or superficial research. Introdução porém representam, atualmente, a maior causa de morte no Brasil. Os AVCs de etiologia isquêmica (AVCIs) abrangem 70% a 80% dos casos e, portanto, são os principais alvos para o desenvolvimento de terapêuticas que visem à redução da mortalidade e da incapacidade física decorrentes das doenças cerebrovasculares. A medida de maior impacto com redução de risco absoluto populacional na mortalidade e incapacidade por AVC são as unidades de AVC, já que o rtPA só é administrado em torno de 5% dos pacientes em serviços capacitados. No mundo ocidental, as doenças cerebrovasculares são responsáveis pelo comprometimento de boa parte da população economicamente ativa. Estima-se que, nos países industrializados, 300 a 500 pessoas para cada 100 mil habitantes sejam vítimas deste grupo de doenças. Isto concorre para o fato de que as doenças cerebrovasculares, especialmente o acidente vascular cerebral (AVC), sejam a segunda maior causa de morte e a primeira causa de incapacidade física permanente no mundo, Unitermos: Acidente vascular cerebral; isquemia cerebral; trombólise; rtPA. Keywords: Stroke; cerebral ischemia; thrombolysis; rtPA. Trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Neurointensivismo para Adultos — Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa, Hospital Sírio-Libanês. Orientador: Prof. Dr. Fábio Santana Machado. Colaborador: Dr. Daniel Bezerra. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 19 A razão do uso do rtPA na trombólise do AVE isquêmico Mesmo assim, faz-se necessário implementar a difusão do conhecimento já estabelecido sobre o assunto, para que mais e mais serviços e profissionais estejam capacitados. Objetivos Não está na essência deste trabalho revisar os mecanismos básicos e nem os fatores de risco associados ao AVCI, uma vez que é fácil encontrar revisões sólidas sobre tais assuntos na literatura médica. Nosso intuito é discutir o tratamento hiperagudo do mesmo, com ênfase no tratamento trombolítico com rtPA. Considerar-se-á também o porquê de o rtPA ser a medicação de eleição atual para a trombólise, em detrimento de outras possibilidades vigentes na literatura, além da análise crítica da razão pela qual outros trombolíticos não merecem ser usados. Material e métodos Pontos-chave: > Estudos sugerem que a síntese proteica celular começa a diminuir com valores de FSC próximos ao normal; > Os valores de FSC entre 12 e 22ml/100g/min são de extrema importância na trombólise; > O tecido neuronal irrigado através do FSC neste intervalo constitui a preciosa penumbra isquêmica. 20 Uma revisão bibliográfica dos maiores e mais relevantes estudos randomizados, controlados por placebo, do uso do rtPA (alteplase) no tratamento do AVCI hiperagudo, bem como dos estudos com a estreptoquinase, uroquinase, ancrod, desmoteplase, tenecteplase e outras alternativas à trombólise, foi realizada com base na última revisão sistemática da Cochrane. Esses estudos foram o National Institute of Neurological Disorders and Stroke, Recombinant Tissue Plasminogen Activator Stroke Study (NINDS), partes 1 e 2, o Alteplase Thrombolysis for Acute Noninterventional Therapy in Ischemic Stroke (ATLANTIS), o European Cooperative Acute Stroke Study (ECASS) 1, 2 e 3, o Echoplanar Imaging Thrombolysis Evaluation Trial (EPITHET), o Multicenter Acute Stroke Trial Europe (MAST-E) e o Multicenter Acute Stroke Trial Italy (MAST-I), o Australia Streptokinase (ASK), o Intra-arterial Prourokinase for Acute Ischemic Stroke (PROACT) 1 e 2, o Stroke Treatment with Ancrod Trial (STAT), o Dose Escalation Study of Desmoteplase in Acute Ischemic Stroke (DEDAS) e o The Desmoteplase in Acute Ischemic Stroke Trial (DIAS). Fisiopatologia breve do AVCI hiperagudo Trombólise, como o próprio nome já define, diz respeito à lise de um trombo. Como o AVC isquêmico decorre da obstrução de um vaso arterial cerebral, seja por um êmbolo proveniente de um sítio proximal, seja por um trombo formado in situ, a ideia fundamental desta terapia é a desobstrução desta artéria antes que haja um grau de lesão tecidual irreversível. Considerando-se que o fluxo sanguíneo cerebral (FSC) normal é no mínimo de 55ml/100g/min, o tecido neuronal começa a apresentar variados graus de disfunção quando este valor se reduz. Vários estudos em animais, corroborados atualmente por estudos de neuroimagem funcional, sugerem que a síntese proteica celular normal começa a diminuir com valores de FSC próximos ao normal (40 a 50ml/100g/min), seguindo-se a glicólise anaeróbica (35ml/100g/min), a perda de transmissão sináptica (20ml/100g/ min) e, finalmente, a despolarização anóxica das membranas celulares, com cessação de atividade elétrica (15 a 17ml/100g/min). Valores de FSC regional abaixo de 12ml/100g/ min resultam em necrose e morte celular, enquanto déficits transitórios ocorrem quando o FSC se mantém acima de 22ml/100g/min. Os valores de FSC entre 12 e 22ml/100g/ min são de extrema importância na trombólise, já que o tecido neuronal irrigado através do FSC neste intervalo constitui a preciosa penumbra isquêmica. A penumbra isquêmica representa uma área de tecido neuronal comprometido disfuncional, mas com grande capacidade de recuperação, desde que o FSC seja restaurado rapidamente. Atualmente, a terapêutica mais eficaz na restauração do FSC normal é a trombólise (Jones et al. — J. Neurosurg., 54: 773-82, 1981; e Baron, em Cerebrovascular diseases). Visto que o mecanismo patogênico do AVCI é a obstrução tromboembólica de uma artéria cerebral, o uso de um agente com propriedades de lise deste trombo seria a escolha lógica. Foi ainda na década de 50 que ocorreram os primeiros casos de AVCI em que um agente trombolítico foi usado, mas sem sucesso. A ausência de tomografia computadorizada (TC) foi uma das causas deste insucesso, pois alguns pacientes com hemorragia intracraniana foram tratados com trombólise, piorando sobremaneira a evolução natural destes casos. Em 1985, Zivin et al. demonstraram que o ativador tissular de plasminogênio recombinante (rtPA) foi JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 A razão do uso do rtPA na trombólise do AVE isquêmico eficaz em promover recanalização arterial em modelos de ratos. Desde então, a comunidade médica foi tomada por um entusiasmo coletivo, no intuito de se estabelecer um tratamento eficaz e seguro, uma droga que promovesse a recanalização arterial com mínimos efeitos colaterais. Racional do uso de trombolíticos — mecanismo de ação O restabelecimento do FSC em uma artéria obstruída é fundamental para o salvamento do tecido neuronal em risco. Logo após a obstrução do vaso, mecanismos fibrinolíticos endógenos entram em ação, culminando com a ativação do plasminogênio em plasmina que, de uma forma geral, quebra a malha de fibrina, dissolvendo o trombo. Os ativadores fisiológicos do plasminogênio são encontrados no soro em quantidades muito baixas, em concentração 100 mil vezes menor que a concentração do plasminogênio, e incluem o ativador do plasminogênio tissular e o ativador uroquinase do plasminogênio. Entretanto, este mecanismo fibrinolítico endógeno não é tão eficaz. Recanalização espontânea ocorre em uma minoria de pacientes com AVCI, e as drogas trombolíticas passam a ser grandes aliadas para a restauração do fluxo sanguíneo. O rtPA humano, uma glicoproteína de 65kDA, é uma cadeia simples de 527 aminoácidos organizados em cinco diferentes módulos ou domínios — mais carboidratos. Como ocorre naturalmente como ativador plasminogênico tecidual humano, ele é uma enzima que converte plasminogênio em plasmina, que decompõe a fibrina dos coágulos em produtos de decomposição solúveis (PDFs). Esta conversão ocorre mais eficientemente na superfície do coágulo, já que a fibrina oferece locais de ligação específicos para lisina que proporcionam excelente contato entre o plasminogênio e o ativador. Com base em dados in vitro, os agentes trombolíticos podem ser divididos em duas categorias gerais: agentes seletivos e não seletivos para coágulos. Alternativamente, os termos “específico para fibrina” e “inespecífico para fibrina” ou “seletivo” e “não seletivo para fibrina” também são bastante usados. Embora se suponha que todos os agentes trombolíticos atuem segundo o mesmo mecanismo básico, eles são diferentes em JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 alguns aspectos importantes. Já ficou claramente estabelecido que alguns agentes possuem alta afinidade de ligação para fibrina e ativam primária e seletivamente o plasminogênio na superfície dos coágulos (isto é, são seletivos para coágulos), enquanto outros agentes não fazem esta seleção e ativam tanto plasminogênio em coágulos quanto em circulação. A plasmina em circulação é rapidamente desativada pela antiplasmina alfa 2, enquanto a plasmina ligada por fibrina é parcialmente protegida da desativação e está disponível para lise do coágulo. O uso de agentes não seletivos para coágulos também pode resultar em níveis anormais de plasmina circulante. Isto pode provocar depleção das concentrações de fibrinogênio, plasminogênio, proteínas pró-coagulantes e alfa 2 antiplasmina circulante, promovendo altas concentrações de PDFs. Esta série de eventos aparentemente está implicada em complicações hemorrágicas sistêmicas. In vitro, o rtPA tem alta afinidade de ligação para fibrina, o que permite que atue rapidamente na superfície e nos interstícios do coágulo. É um agente trombolítico altamente seletivo para coágulos e específico para fibrina. É o único ativador plasminogênico tecidual recombinante com a mesma sequência primária de aminoácidos que o tPA humano. Ao contrário disto, a reteplase (rPA), um ativador plasminogênico mutante de deleção, não possui os domínios finger, epidermal growth factor e kringle-1, existentes no tPA humano. Assim, a afinidade de ligação da reteplase é bem mais baixa que a do rtPA, sendo também menos seletiva para coágulos. O desenvolvimento de trombolíticos seletivos para coágulos baseou-se na suposição de que a seletividade para os mesmos forneceria rápida lise sem causar um estado lítico sistêmico, comprometimento hemostático ou reoclusão prematura. Além disto, acredita-se que agentes específicos para fibrina evitem o fenômeno do “roubo de plasminogênio”, o processo pelo qual o plasminogênio sofre depleção do trombo enquanto tenta manter um equilíbrio com o plasminogênio circulante decomposto por agentes não seletivos para fibrina. A perda de plasminogênio no coágulo deixa menos material para ser convertido em plasmina pelo agente trombolítico dentro do coágulo, In vitro, o rtPA tem alta afinidade de ligação para fibrina, o que permite que atue rapidamente na superfície e nos interstícios do coágulo. É um agente trombolítico altamente seletivo para coágulos e específico para fibrina. Pontos-chave: > O restabelecimento do FSC em uma artéria obstruída é fundamental para o salvamento do tecido neuronal em risco; > Logo após a obstrução do vaso, mecanismos fibrinolíticos endógenos entram em ação; > A ativação do plasminogênio em plasmina, de uma forma geral, quebra a malha de fibrina, dissolvendo o trombo. 21 A razão do uso do rtPA na trombólise do AVE isquêmico teoricamente diminuindo a atividade lítica do agente trombolítico. Estudos com rtPA Pontos-chave: > Com base no sucesso do rtPA em promover recanalização em modelos experimentais, estudos pilotos com esta droga foram iniciados na década de 80; > O primeiro grande estudo randomizado demonstrou benefício do uso de um agente trombolítico no AVCI na fase hiperaguda; > Foi desenhado com o objetivo de se evidenciar a proporção de pacientes com melhora ou resolução completa e precoce dos sintomas neurológicos. 22 Com base no sucesso do rtPA em promover recanalização em modelos experimentais, estudos pilotos com esta droga foram iniciados na década de 80, a fim de se estabelecer o tempo ideal e a dose segura no AVCI. Os resultados dos estudos pilotos foram fundamentais para o planejamento do NINDS tPA Stroke Study, o primeiro grande estudo randomizado que demonstrou benefício do uso de um agente trombolítico no AVCI na fase hiperaguda. Foram basicamente os resultados desse estudo que fundamentaram a aprovação do uso do rtPA pela Food and Drug Administration (FDA), para o tratamento do AVCI, desde que usado numa janela de até três horas do início da instalação do quadro. O estudo NINDS foi executado em duas partes, e foi o primeiro estudo randomizado a demonstrar o benefício do uso do rtPA em até três horas de instalação do quadro. A primeira parte do estudo foi desenhada com o objetivo de se evidenciar a proporção de pacientes com melhora ou resolução completa e precoce dos sintomas neurológicos, o que era definido como uma redução de quatro pontos ou mais na escala NIHSS (escala de déficit neurológico), dentro de um período de 24 horas. Pacientes foram randomizados para receberem placebo ou rtPA na dose de 0,9mg/kg, sendo 10% da dose administrados em bolus e o restante através de infusão contínua em uma hora, sem exceder a dose máxima de 90mg. Tais valores foram determinados a partir dos estudos pilotos que precederam o estudo NINDS. Pacientes com todos os tipos de AVC isquêmico foram incluídos, desde que a duração dos sintomas não ultrapassasse 180 minutos. Foram incluídos 291 pacientes, 139 (48%) com até 90 minutos de início dos sintomas. Dos 144 pacientes randomizados para o tratamento com rtPA, 67 (46%) apresentaram melhora precoce, enquanto 57 (39%) dos 147 que receberam placebo apresentaram o mesmo grau de melhora (risco relativo: 1,2; p = 0,21). Hemorragia intracraniana sintomática aconteceu em 6% dos pacientes que receberam rtPA e não foi observada em nenhum paciente randomizado para o placebo. Embora o desfecho já estivesse definido desde o protocolo do estudo, os resultados da primeira parte do estudo não foram suficientes para se estabelecer um benefício claro, tendo sido necessária a extensão do mesmo, utilizando a mesma droga na mesma dose, mas com objetivos um pouco diferentes. Desta vez, a variável testada foi uma boa recuperação funcional dos pacientes três meses após o tratamento, definida como: escala NIHSS (que mensura o déficit neurológico), índice de Barthel (que mensura a independência para as atividades cotidianas), Rankin modificada (que mensura a incapacidade física) e a escala de evolução de Glasgow, ou outcome scale (que mensura o estado funcional). Nesta segunda parte do estudo, 333 pacientes foram randomizados para receberem rtPA ou placebo, e 163 (49%) pacientes foram tratados com até 90 minutos da instalação do quadro. Os pacientes que foram randomizados para receberem rtPA apresentaram resultados melhores que os pacientes submetidos ao tratamento com placebo. A razão de probabilidade para um resultado favorável no grupo tratado com rtPA foi de 1,7 (IC: 1,2-2,6; p = 0,008). Ao se analisar a diferença absoluta das proporções de bons resultados nos dois grupos, seriam necessários oito pacientes tratados com rtPA para que um paciente adicional apresentasse resolução completa ou recuperação com déficits mínimos. Numa análise combinada das partes 1 e 2 do estudo NINDS, os benefícios do rtPA em três meses foram comprovados em cada escala de avaliação funcional utilizada. Hemorragia intracraniana sintomática em até 36 horas após o início do quadro foi observada em 7% dos pacientes do grupo tratado com rtPA, comparado a apenas 1% dos pacientes que fizeram uso do placebo na parte 2 do estudo. A análise combinada das duas partes do estudo evidenciou uma incidência de hemorragia intracraniana sintomática em 6,4% dos pacientes que fizeram uso de rtPA, em comparação com 0,6% dos pacientes tratados com placebo (p < 0,001). Em uma análise multivariada, os únicos fatores que contribuíram independentemente para um risco maior de sangramento foram a gravidade do déficit clínico medido pela escala do NIHSS (> 20), com uma razão de JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 A razão do uso do rtPA na trombólise do AVE isquêmico probabilidade de 1,8 (IC: 1,2-2,9), e a presença de edema cerebral, evidenciado por hipodensidade hiperaguda ou efeito de massa — razão de probabilidade: 7,8 (IC: 2,2-27,1). Entretanto, os benefícios do tratamento se mantiveram nesse grupo de pacientes que apresentavam estes achados clínicos ou radiológicos de, em tese, maior risco de sangramento, com melhor recuperação funcional em três meses e semelhante probabilidade de óbito ou incapacidade física grave, quando comparado ao grupo placebo. Ainda no NINDS, numa análise diferenciada de subtipos de AVCI, os benefícios do uso do rtPA no estudo foram observados em pacientes representativos de diferentes graus de comprometimento neurológico assim como em todos os tipos de AVCI, segundo a escala TOAST (elaborada em 1990, e que pode ser subdividida em evidente, provável ou possível), em cinco modalidades de AVC: aterotrombótico de grandes vasos, de pequenos vasos lacunar, cardioembólico, outras etiologias e criptogênico. A probabilidade do uso do rtPA resultar em recuperação completa ou quase completa no grupo tratado em até 90 minutos da instalação do quadro (razão de probabilidade: 2,11; IC: 1,33-3,35) foi maior que a do grupo tratado entre 90 e 180 minutos (razão de probabilidade: 1,69; IC: 1,09-2,62), quando comparados ao grupo placebo. Os benefícios do tratamento com rtPA mantiveram-se por um período mínimo de um ano. Outros estudos com rtPA foram realizados no intuito de se analisar a possibilidade do uso dessa droga em uma janela de tempo superior a três horas — como o ECASS III. Antes deste, dois grandes estudos randomizados foram realizados na Europa com este objetivo. O ECASS I foi publicado dois meses antes da publicação do estudo NINDS e sete meses antes da aprovação do uso do rtPA pela FDA. O ECASS foi o primeiro grande estudo multicêntrico, duplo-cego, randomizado, que comparou o uso do rtPA com placebo. O ECASS incluiu pacientes maiores de 18 anos, com diagnóstico clínico de AVCI moderado a grave e com até seis horas de instalação do quadro clínico. Um total de 620 pacientes foram randomizados para receberem rtPA ou placebo. A dose recomendada JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 para ser administrada no grupo que receberia rtPA foi de 1,1mg/kg. Foram excluídos pacientes que apresentassem coma, hemiplegia associada a desvio conjugado do olhar, afasia global, AVC do sistema vertebrobasilar ou TC inicial evidenciando hipodensidade em mais de um terço do território da artéria cerebral média. Os objetivos primários foram a análise da melhora funcional, definida por índice de Barthel em 15 pontos e escala de Rankin modificada em 1 ponto, com avaliação tendo sido realizada 90 dias depois do tratamento. O objetivo secundário foi a análise da mortalidade em 30 dias. Os resultados do ECASS não foram empolgantes, pois não houve diferença significativa na análise dos resultados dos objetivos primários entre os grupos rtPA e placebo. A mortalidade em 90 dias foi de 22,4% no grupo tratado com rtPA e de 16% no grupo placebo (p = 0,04). Entretanto, houve inúmeras violações de protocolo nesse estudo. Dos pacientes incluídos, 18% apresentavam algum critério de exclusão. A violação de protocolo mais comum foi a inclusão de pacientes com hipodensidade maior que 30% da área da artéria cerebral média. Em uma análise diferenciada excluindo os pacientes com violação do protocolo, observou-se uma diferença significativa nos resultados da escala Rankin modificada, favorecendo o grupo que recebeu rtPA. A mortalidade não foi diferente entre os dois grupos. Infartos hemorrágicos aconteceram com maior frequência no grupo placebo (30,3% versus 23%; p < 0,001). Entretanto, hematomas intracranianos foram mais comuns no grupo que recebeu rtPA (19,8% versus 6,5%; p < 0,005). Com o objetivo de excluir o excesso de violações de protocolo e responder outras questões, foi planejado o ECASS II. O estudo foi também duplo-cego, randomizado, multicêntrico, e testou a eficácia e segurança do rtPA em até seis horas da instalação do quadro clínico. Diferente do ECASS I, a dose de rtPA utilizada foi de 0,9mg/kg, e antes do início do estudo os centros envolvidos foram instruídos a cumprir rigorosamente os critérios de inclusão e exclusão, tendo sido inclusive treinados para uma avaliação mais precisa da TC de crânio. Mesmo com todos estes cuidados, houve 72 violações de protocolo no universo de 800 pacientes randomizados. Outros estudos com rtPA foram realizados no intuito de se analisar a possibilidade do uso dessa droga em uma janela de tempo superior a três horas — como o ECASS III. 23 A razão do uso do rtPA na trombólise do AVE isquêmico Pontos-chave: > Duas grandes meta-análises foram realizadas para avaliar o benefício do tratamento trombolítico no AVCI; > Os pacientes tratados com trombolítico apresentaram leve tendência de redução da mortalidade quando tratados até três horas do início dos sintomas; > A hemorragia intracraniana foi mais comum entre os pacientes que receberam o tratamento do que entre aqueles que receberam placebo. 24 O objetivo principal desse estudo era avaliar a escala de Rankin modificada em 90 dias, sendo os resultados dicotomizados em favoráveis (escores 0-1) ou desfavoráveis (escores 2-6). Nesta análise não houve diferença significativa na proporção de resultados favoráveis ou desfavoráveis entre os dois grupos ( 40,3% versus 36,6%). Entretanto, numa análise post-hoc, foram redefinidos dois grupos fisicamente independentes (mRS 0-2) e dependentes (mRS 3-6). Esta análise revelou um maior número de pacientes independentes entre aqueles que foram tratados com rtPA, quando comparados com o grupo que recebeu placebo (54,3% versus 46%; p = 0,024). A incidência de hemorragia intracraniana sintomática foi significativamente maior no grupo tratado com rtPA (8,8% versus 3,4%), mas não houve diferença significativa na mortalidade em 30 ou 90 dias entre os dois grupos. Em setembro de 2008 (The New England Journal of Medicine) foi publicado o ECASS III, que alargou o tempo para 4,5 horas. Foram 821 pacientes, dentre os quais 418 utilizaram alteplase e 403, placebo. O tempo médio do uso de alteplase (rtPA) foi de 3 horas de 59 minutos. Mais pacientes tiveram desfecho favorável com rtPA do que com placebo (52,4% versus 45,2%; razão de probabilidade: 1,34; IC 95%: 1,02-1,76; p = 0,04). Esse ensaio clínico foi de 3 a 4,5h apenas, tendo como desfecho mRS ≤ 1, da mesma forma que os estudos anteriores. Numa análise geral, a melhora com rtPA foi maior do que com placebo (razão de probabilidade: 1,28; IC 95%: 1 a 1,65; p < 0,05). A incidência de hemorragia intracraniana foi maior com rtPA do que com placebo (para qualquer hemorragia intracraniana, 27% versus 17,6%; p = 0,001; hemorragia intracraniana sintomática, 2,4% versus 0,2%; p = 0,008). A mortalidade não foi estatisticamente diferente entre rtPA e placebo (7,7% e 8,4%, respectivamente; p = 0,68). Com isto, uma janela maior para o tratamento foi estabelecida, propiciando maior oportunidade de combate à doença. O ECASS III foi realizado porque, na meta-análise dos estudos com rtPA em Hacke (Lancet, 2004), o intervalo de confiança para mRS ≤ 1 tocava a unidade até 4,5h da instalação dos sintomas, mas isto não tinha sido desfecho primário de nenhum estudo até então. Outro estudo que avaliou a eficácia do rtPA foi o ATLANTIS. Tal estudo foi duplo-cego, randomizado e inicialmente tentou estudar o uso do rtPA em pacientes com AVCI até seis horas de instalação do quadro. Após randomização de 142 pacientes, o comitê de segurança do estudo mudou os critérios de inclusão para até cinco horas, pois havia uma grande preocupação com o grupo de pacientes com 5-6 horas de instalação do quadro. Após a aprovação do uso do rtPA em 1996 dentro da janela de até três horas, o protocolo desse estudo foi mais uma vez alterado e focalizou a análise de um eventual benefício em pacientes tratados com 3-5 horas do ictus. Em 1998 esse estudo foi prematuramente interrompido, com base no parecer do comitê de segurança, que concluiu pela improbabilidade do estudo em demonstrar benefício com o tratamento trombolítico. Duas grandes meta-análises foram realizadas para avaliar o benefício do tratamento trombolítico no AVCI. A primeira delas, publicada em 1999, incluiu 2.044 pacientes dos estudos NINDS e ECASS I e II (1.034 pacientes submetidos à trombólise). Os pacientes tratados com trombolítico apresentaram leve tendência de redução da mortalidade quando tratados até três horas do início dos sintomas (razão de probabilidade: 0,91; IC: 0,63-1,32). Já a variável morte ou dependência foi reduzida em 37% entre aqueles tratados com trombolítico, independente da janela temporal (razão de probabilidade: 0,63; IC: 0,53-0,76). A hemorragia intracraniana foi mais comum entre os pacientes que receberam o tratamento (144/1.034) do que entre aqueles que receberam placebo (43/1.010). A outra meta-análise é do banco de dados da Cochrane e avaliou 17 estudos, incluindo aqueles que usaram estreptoquinase, além dos estudos intra-arteriais randomizados (PROACT I e II). Apesar dos pacientes submetidos à trombólise demonstrarem aumento do número de hemorragias intracranianas sintomáticas (razão de probabilidade: 3,53; IC: 2,79-4,45) e fatais (razão de probabilidade: 4,15; IC: 2,96-5,84), menos pacientes apresentaram morte ou dependência ao final de 3-6 meses (razão de probabilidade: 0,83; IC: 0,73-0,94). Quando o tratamento foi realizado nas primeiras três horas após o início dos sintomas, a redução de morte ou JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 A razão do uso do rtPA na trombólise do AVE isquêmico dependência foi ainda maior (razão de probabilidade: 0,58; IC: 0,46-0,74) — Warlaw, Neurology 1999; Hacke, Lancet 2004; e Lees, Lancet 2010. Avaliando-se somente os pacientes tratados com rtPA, evita-se morte ou dependência em 57/1.000 pacientes tratados dentro das seis horas do início dos sintomas, e em 140/1.000 se antes das três horas, um resultado de alto impacto clínico. Assim, fica comprovado mais uma vez que se torna má prática médica a negligência do uso do rtPA intravenoso nas primeiras 4,5 horas do AVCI quando se estabelecem os critérios de inclusão. Estudos com outros trombolíticos A estreptoquinase e a uroquinase são os agentes fibrinolíticos de primeira geração e, apesar de serem efetivos, não têm especificidade para fibrina, criando um estado trombolítico sistêmico. Os agentes trombolíticos de segunda geração (alteplase e pró-uroquinase) já são seletivos à fibrina, e apesar de terem sido desenvolvidos para reduzir os efeitos sistêmicos, as doses necessárias para recanalização com estas drogas podem levar a uma redução do plasminogênio e fibrina sistêmicos. Tentando extrapolar os resultados obtidos no tratamento do infarto agudo do miocárdio (IAM), vários estudos com estreptoquinase foram planejados e executados. Entretanto, tais estudos evidenciaram altos níveis de hemorragia intracraniana, hipotensão e desfechos desfavoráveis. Os estudos MAST-E, ASK e MAS-I avaliaram o uso de estreptoquinase intravenosa na dose de 1,5MUI em pacientes com AVCI na fase hiperaguda. Tiveram que ser prematuramente encerrados, em razão da excessiva mortalidade e das hemorragias intracranianas sintomáticas nos pacientes tratados, quando comparados com o grupo que fez uso de placebo. A estreptoquinase foi a primeira droga trombolítica utilizada em seres humanos, mas sua eficácia no AVCI não pôde ser comprovada. Vários fatores contribuíram para o insucesso da estreptoquinase. Os pacientes foram tratados em média 4,2 horas após a instalação dos sintomas, janela temporal maior que a utilizada nos estudos posteriores com rtPA. Os critérios de inclusão também não JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 foram tão rigorosos quanto os estudos com rtPA, e pacientes com sinais precoces de infarto maior à TC não foram excluídos. É bom lembrar que também não houve exclusão de pacientes com base em área extensa (> 1/3 da artéria cerebral média) de hipodensidade nos estudos de rtPA com o NINDS, ECASS I e II e ATLANTIS. Este critério somente veio a ser adotado no ECASS III e nos estudos de janela mais tardia como DEDAS e DIAS. Outro aspecto negativo na metodologia desses estudos foi que a dose da estreptoquinase utilizada foi a mesma usada nos estudos de IAM, e não houve escalonamento prévio da dose a fim de se estabelecer qual seria a menor dose eficaz. Tais críticas suscitam a possibilidade de uma eventual eficácia da estreptoquinase no AVCI, caso a mesma seja utilizada em doses menores e numa janela de tempo mais curta. Esta hipótese ainda não foi testada. O ancrod, por exemplo, é uma droga derivada do veneno de uma cobra existente na Malásia. Seu comportamento biológico é o de uma serase com propriedades de retirar o fibrinogênio do sangue. O STAT é um grande estudo duplo-cego, randomizado e multicêntrico, que avaliou a eficácia do ancrod no AVCI hiperagudo. Nesse estudo foram randomizados 500 pacientes para receber ancrod ou placebo, sendo o início do tratamento com até três horas da instalação do quadro. Os pacientes que receberam ancrod apresentaram menor incapacidade física após três meses do tratamento, comparados ao grupo que recebeu placebo. Houve também maior tendência a sangramento intracraniano no grupo que recebeu a droga do que no grupo placebo. Em recente revisão do banco de dados da Cochrane, concluiu-se que apesar de o ancrod ser promissor, ainda não existem dados suficientes para garantir o seu uso em AVCI na fase hiperaguda. Uma quinase com altíssima seletividade para fibrina, promissora, pois seu mecanismo de ação é voltado para o plasminogênio ligado à fibrina parcialmente degradada e à plasmina, facilitando sua ação sobre o trombo em lise, é a estafiloquinase. Até o momento, porém, esta droga só foi utilizada em estudos experimentais. A tenecteplase é uma droga ativadora do plasminogênio, 14 vezes mais seletiva para a Pontos-chave: > A estreptoquinase e a uroquinase são os agentes fibrinolíticos de primeira geração; > Apesar de serem efetivos, não têm especificidade para fibrina, criando um estado trombolítico sistêmico; > Os agentes trombolíticos de segunda geração (alteplase e pró-uroquinase) já são seletivos à fibrina. 25 A razão do uso do rtPA na trombólise do AVE isquêmico O abciximab é um bloqueador dos receptores IIb/IIIa (GPIIb/IIIa), que são os mediadores finais da agregação plaquetária intermediada pelo fibrinogênio. É um fármaco amplamente usado em Cardiologia. 26 fibrina que o alteplase, e também apresenta relativa resistência ao inibidor do ativador de plasminogênio (PAI). Apresenta também meia-vida maior, sendo possível o seu uso em bolus. Esta droga já foi utilizada em alguns estudos de IAM e parece não estar associada com maior chance de hemorragia intracraniana. Para o tratamento do AVCI, esta droga ainda não foi testada em humanos, mas estudos com ratos já demonstram alguns benefícios. Um estudo experimental testou a associação tenecteplase-alteplase, com bons resultados. A desmoteplase é outro ativador do plasminogênio gerado por biotecnologia, a partir de células de ovários de hamsters chineses. O composto original foi isolado na saliva de um morcego chamado Desmodus rotundus. É provável que esta droga tenha uma afinidade seletiva pela fibrina maior que o alteplase, e, portanto, com menor probabilidade de transformação hemorrágica do AVCI. Já foi realizado um estudo de fase IIA com esta droga em IAM, e um estudo em AVC, denominado Dose Escalation Study of Desmoteplase in Acute Ischemic Stroke (DEDAS), já foi publicado — Furlan, Stroke, 2006. O DIAS-4 é um estudo randomizado, duplo-cego, de grupos paralelos, controlado por placebo e fase III, para avaliação de segurança da desmoteplase em indivíduos com AVCI hiperagudo. Com aproximadamente 80 centros participantes, com planejamento de aproximadamente 160 indivídos por grupo, tem como objetivo avaliar a desmoteplase na dose de 90mcg/kg versus placebo em relação ao resultado favorável em três meses. Estudo em andamento, tem ainda uma alíquota pequena de pacientes selecionados, devido aos rígidos critérios de inclusão e exclusão. Esforços da bioengenharia para a criação de mutantes moleculares do rtPA mais eficazes levaram ao desenvolvimento do reteplase obtido através da Escherichia coli. Tem menor afinidade de ligação às células endoteliais e monócitos, e maior meia-vida, comparado ao alteplase. Estudos realizados com pacientes com IAM revelaram maior potência trombolítica que o alteplase. Também apresenta menor especificidade pela fibrina e nenhum grande estudo em AVC usou a droga como trombolítico de escolha. O abciximab é um bloqueador dos receptores IIb/IIIa (GPIIb/IIIa), que são os mediadores finais da agregação plaquetária intermediada pelo fibrinogênio. É um fármaco amplamente usado em Cardiologia para redução da incidência de complicações isquêmicas periprocedurais em angioplastia/stent coronarianos. Apesar de ser considerado um agente antitrombótico, há um corpo crescente de evidências demonstrando seu efeito trombolítico. O estudo AbESTT fase II (Stroke, 2005) avaliou o abciximab no AVCI e demonstrou que ele é uma droga segura, mas com eficácia muito discreta. Nenhum dos pacientes que recebeu a droga apresentou hemorragia intracraniana sintomática e ainda houve tendência a um melhor prognóstico entre estes pacientes, comparados ao grupo que recebeu placebo. Na fase III o estudo foi interrompido, devido a um aumento na frequência de hemorragia intracraniana sintomática e fatal (Adams AbESTT II, Stroke, 2008). A combinação da trombólise intravenosa e intra-arterial parte do princípio do potencial aproveitamento do que há de melhor em cada uma destas modalidades, a rapidez de início do tratamento intravenoso associada à melhor definição diagnóstica e efetividade do tratamento intra-arterial. Após exclusão inicial de hemorragia intracraniana, inicia-se a trombólise intravenosa enquanto se aprimora o diagnóstico (angiografia precedida ou não por outros exames de neuroimagem), e na presença de oclusão arterial que sabidamente responde melhor à trombólise arterial (oclusão de tronco da artéria cerebral média), interrompe-se a trombólise intravenosa e inicia-se a intra-arterial. Alguns estudos já mostraram resultados bastante encorajadores com esta estratégia, mas estudos controlados com maior número de pacientes precisam ser realizados, para melhor apreciação. Já existe um grande corpo de evidências sobre o efeito trombolítico do ultrassom, sobretudo em baixas frequências (< 300kHz). O mecanismo de ação mais provável é a facilitação da quebra de ligações moleculares dos polímeros de fibrina, aumentando assim a superfície de exposição do trombo aos trombolíticos endógenos ou exógenos. Algumas séries de pacientes com AVCI hiperagudo submetidos à insonação proJBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 A razão do uso do rtPA na trombólise do AVE isquêmico longada da artéria obstruída sugerem que o Doppler transcraniano (DTC) exerce efeito potencializador na recanalização arterial, com ou sem o uso concomitante de trombolíticos. Esta é uma estratégia terapêutica bastante interessante, devido ao baixo custo e fácil disponibilização do DTC. A simples manipulação do trombo com um microcateter pode promover recanalização do vaso ocluído. A técnica aparentemente é mais eficaz quando associada à trombólise química, já que a fragmentação do trombo permite maior superfície de contato do trombo com a droga trombolítica. Nestes casos o trombolítico pode ser usado em doses menores e é de grande utilidade, devido à potencial embolização distal pós-manipulação do trombo. Vários dispositivos têm sido desenvolvidos com o objetivo de quebrar ou até mesmo retirar o trombo com a maior rapidez e menores riscos de complicações possíveis. Entre estes dispositivos destacam-se microbalões e microcateteres com alças de sucção ou captura de trombos, além de dispositivos para ablação do trombo através de ultrassom ou laser. Uma das razões mais importantes para eventual ineficácia do tratamento trombolítico é a resistência à trombólise de um êmbolo de maiores dimensões ou de uma oclusão aterotrombótica, não permitindo uma recanalização adequada e, quando permite, apresenta grandes chances de reoclusão. Embora o uso de stents intracranianos não caracterize boa estratégia, a restauração do fluxo sanguíneo por meio de trombectomia mecânica e o rtPA intravenoso ainda constituem as únicas opções autorizadas pela FDA nos Estados Unidos. O manejo clínico do paciente com suspeita de AVCI na fase hiperaguda requer inicialmente a pronta confirmação do evento isquêmico, além da definição do tipo de AVC (lacunar, embólico, etc.), do território arterial acometido (grandes vasos, pequenos vasos) e, se possível, também do mecanismo etiológico envolvido (tromboembólico, cardioembólico, lacunar, hipotensão, etc.). Devido à grande heterogeneidade dos pacientes com AVCI, é absolutamente necessária a definição de critérios cada vez mais refinados para seleção dos pacientes nos quais o tratamento trombolítico é eficaz. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Evitar-se-ia assim o aumento do risco de sangramento intra e extracraniano em pacientes nos quais a trombólise não tem utilidade. A neuroimagem tem sido uma das ferramentas que mais têm proporcionado progressos na precisão da seleção de pacientes, ajudando a predizer quais deles se beneficiarão com o tratamento trombolítico. O objetivo principal do tratamento trombolítico é a recanalização precoce de uma artéria intracraniana ocluída. O candidato ideal à trombólise é aquele com um grave déficit neurológico em que se identifica oclusão de grande vaso sem sinais precoces de infarto no parênquima cerebral. Apesar de não ser indispensável, a identificação de oclusão arterial é altamente recomendável. Um dos métodos mais disponíveis para o acesso não invasivo do status neurovascular intra e extracraniano é o eco-Doppler, que permite não só a identificação da oclusão arterial pré-tratamento, mas possibilita também a monitorização do processo de recanalização. O grupo de pesquisadores da Universidade do Texas-Houston, liderado por Andrei Alexandrov, realizou vários estudos demonstrando excelente acurácia do DTC na identificação de oclusão arterial e acompanhamento da recanalização após trombólise, além de ótima correlação com os achados da angiografia digital. O DTC tem a vantagem do baixo custo e de ser portátil, podendo ser realizado à beira do leito do paciente quantas vezes for necessário, mas apresenta potenciais desvantagens em relação a outros métodos de neuroimagem: depende muito da experiência do examinador e em até 10% dos indivíduos a janela de insonação não é adequada. Da mesma forma que o DTC, a angiografia por TC ou por ressonância magnética (RM) é método reconhecidamente sensível para a detecção de oclusão intra-arterial nos segmentos proximais dos principais vasos intracranianos, mas pouco sensível na detecção de oclusões em ramos mais distais. A angiografia é outra ferramenta de grande valor, mas seu uso deve ser habitualmente reservado aos pacientes candidatos à trombólise intra-arterial, após análise não invasiva do status neurovascular. O estudo NINDS usou como único critério de neuroimagem para exclusão de pa- Pontos-chave: > Vários dispositivos têm sido desenvolvidos com o objetivo de quebrar ou até mesmo retirar o trombo com a maior rapidez e menores riscos de complicações possíveis; > Entre estes dispositivos destacam-se microbalões e microcateteres com alças de sucção ou captura de trombos; > Uma das razões mais importantes para eventual ineficácia do tratamento trombolítico é a resistência à trombólise de um êmbolo de maiores dimensões ou de uma oclusão aterotrombótica. 27 A razão do uso do rtPA na trombólise do AVE isquêmico Pontos-chave: > Um dos conceitos mais relevantes no tratamento do AVC na fase hiperaguda é o de penumbra isquêmica; > Este tecido potencialmente viável deve ser distinguido do tecido já com morte irreversível (centro do infarto); > E também do tecido que não está em risco de desenvolver lesão, apesar de apresentar leve hipoperfusão. 28 cientes a presença de hemorragia na TC. O estudo ECASS analisou a presença de sinais precoces de infarto na TC e o impacto sobre o prognóstico. Os sinais de infarto precoce mais comuns são hipodensidade do parênquima cerebral, desaparecimento da fita insular (borramento da interface entre o córtex, substância branca e núcleos da base), apagamento de sulcos por edema e o sinal hiperdenso da artéria cerebral média. O tratamento trombolítico não se mostrou eficaz na presença de hipodensidade precoce maior que um terço da extensão do território da artéria cerebral média, e ainda aumentou o risco de hemorragia intracraniana. Quanto aos sinais precoces mais sutis de infarto, ainda não se pode definir com segurança se estes têm real impacto no resultado do tratamento trombolítico. Além disso, a detecção destes sinais por neurologistas e radiologistas tem baixa uniformidade e sensibilidade, o que os torna ferramentas pouco acuradas na seleção de pacientes. Um bom sistema de pontuação, em que o território da artéria cerebral média é dividido em 10 regiões, para melhor definir a extensão de sinais de infarto precoce, é o ASPECTS, na TC. Tem sido utilizado em vários centros de AVC, como mais um instrumento para o neurologista no AVC hiperagudo. Um dos conceitos mais relevantes no tratamento do AVC na fase hiperaguda é o de penumbra isquêmica. Este tecido potencialmente viável deve ser distinguido do tecido já com morte irreversível (centro do infarto) e do tecido que não está em risco de desenvolver lesão, apesar de apresentar leve hipoperfusão. A RM, particularmente as técnicas ponderadas em difusão e perfusão, revolucionou o papel da neuroimagem na avaliação dos pacientes com doença cerebrovascular aguda. As imagens ponderadas em difusão refletem o status bioenergético do cérebro, enquanto as imagens ponderadas em perfusão refletem o status hemodinâmico. A análise conjunta destas duas técnicas propicia um modelo bastante atraente para a delimitação da área de penumbra isquêmica: a anormalidade de difusão representaria o tecido com lesão irreversível, enquanto a margem externa da anormalidade perfusional representaria a periferia da região de penumbra isquêmica. A região de mismatch é aquela com perfusão alterada, mas sem alteração de difusão, e representaria a região de penumbra isquêmica. Há um robusto corpo de evidências que apoiam o modelo de mismatch para a identificação da penumbra isquêmica. Em pacientes não tratados, anormalidades de difusão precocemente discordantes das de perfusão evoluem rapidamente para as dimensões da anormalidade perfusional inicial. Por outro lado, em pacientes em que a reperfusão foi possível, há inibição do crescimento da anormalidade de difusão. A duração do mismatch depende de inúmeros fatores; entre eles talvez o mais importante seja a competência da circulação colateral. Bastante relevante é o fato de ainda se poder observar mismatch mesmo após 24h do início do processo isquêmico, o que sugere que, em pacientes selecionados, a janela temporal para se atuar na preservação da região de penumbra isquêmica poderia ser maior que as tradicionais 4,5 horas. O modelo de penumbra isquêmica pelo mismatch, entretanto, não é exato. Há dados suficientes demonstrando que a extensão da anormalidade de perfusão superestima a região de penumbra isquêmica ao incluir regiões de oligoperfusão benigna. Além disto, as anormalidades de difusão precoces são parcialmente reversíveis, sugerindo que as mesmas refletem uma combinação de tecido com infarto irreversível e penumbra isquêmica. Vários grupos de pesquisa têm investido no aperfeiçoamento deste modelo, através de análises envolvendo múltiplas variáveis obtidas de diferentes aquisições de imagens de RM, no sentido de obter uma delimitação mais exata da penumbra isquêmica. Caplan e colaboradores chegam a considerar a decisão de trombólise guiada pela TC sem contraste como uma estratégia do tipo “roleta russa”. A simples exclusão de hemorragia ou sinais precoces de edema extenso pela TC não é suficiente para prevenir a indicação de trombólise em pacientes com grave déficit neurológico, mas com quadros que sabidamente não respondem bem ao tratamento trombolítico. Apesar da menor disponibilidade da RM em comparação à TC, a RM na avaliação do AVC hiperagudo já é uma rotina em vários centros, e é crescente o número de hospitais que vêm disponibilizando serviço de RM em JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 A razão do uso do rtPA na trombólise do AVE isquêmico regime de 24h. Além disto, já há evidências de que a RM é capaz de detectar hemorragia intraparenquimatosa hiperaguda de forma acurada, sugerindo que a TC possa vir a ser dispensada para exclusão de hemorragia. Talvez o maior impacto do modelo do mismatch no AVC seja a possibilidade de otimizar a seleção de candidatos à trombólise, mesmo numa janela temporal maior que três horas. Apesar de o PET (tomografia por emissão de pósitrons) e o SPECT (tomografia computadorizada por emissão de fótons únicos) permitirem valiosas análises da hemodinâmica cerebral, são modalidades de neuroimagem que têm aplicabilidade limitada no paciente com AVC, na fase hiperaguda, além da baixa disponibilidade. Conclusões O paradigma no tratamento do AVCI hiperagudo mudou completamente nos últimos anos, colocando o neurologista na ponta do atendimento, e o neurointensivismo como foco horizontal na gestão intra-hospitalar destes pacientes. Apesar do ganho de 4,5h para a introdução do rtPA nos pacientes elegíveis, ainda se observa grande necessiReferências 11. HACKE, W.; KASTE, M. et al. — Intravenous thrombolysis with recombinant tissue plasminogen activator for acute hemispheric stroke. The European Cooperative Acute Stroke Study. JAMA, 274: 1017-25, 1995. 12. SOCIEDADE BRASILEIRA DE DOENÇAS CEREBROVASCULARES — Brazilian consensus for the thrombolysis in acute ischemic stroke. Arq. Neuropsiquiatr., 60(3-A): 675-80, 2002. 13. CAPLAN, L.R. (ed.) — Stroke: A clinical approach. Boston, Butterworth-Heinemann, 2000. p. 115-61. 14. ZIVIN, J.A.; FISH, M. et al. — Tissue plasminogen activator reduces neurological damage after cerebral embolism. Science, 230(4731): 1289-92, 1985. 15. MULTICENTER ACUTE STROKE TRIAL-ITALY (MAST-1) GROUP — Randomised controlled trial of streptokinase, aspirin, and combination of both in treatment of acute ischemic stroke. Lancet, 346: 1509-14, 1995. 16. MULTICENTER ACUTE STROKE TRIAL-EUROPE STUDY GROUP — Thrombolytic therapy with streptokinase in acute ischemic stroke. N. Engl. J. Med., 335: 145-50, 1996. 17. DONNANM, G.A.; DAVIS, S.M. et al. — Streptokinase for acute ischemic stroke with relationship to time of administration: Australian Streptokinase (ASK) Trial Study Group. JAMA, 276: 961-6, 1996. 18. THE NATIONAL INSTITUTE OF NEUROLOGICAL DISOR DERS AND STROKE rtPA STROKE STUDY GROUP — Tissue plasminogen activator for acute ischemic stroke. N. Engl. J. Med., 333: 1581-7, 1995. 19. HACKE, W.; KASTE, M. et al. — Randomized double-blind placebo-controlled trial of thrombolytic therapy with intravenous alteplase in acute ischaemic stroke (ECASS II). Lancet, 352: 1245-51, 1998. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 dade de informação e educação continuada na abordagem da doença. As doenças cerebrovasculares andam em disparada como causa mais comum de óbito no Brasil. Com o envelhecimento da população e a modificação de nossa pirâmide etária, o AVC ganha proporções de peso como um fato real de saúde pública, aquilatando a gravidade e impondo uma necessidade de tratamento mais integrado. Como vimos anteriormente, fica claro que o uso do rtPA, hoje, se assemelha ao uso de ceftriaxona nas meningites ou de corticoide no herpes temporal. Seu impacto muda a história natural da doença, e o não uso, quando indicado, constitui má prática médica. A estreptoquinase, por exemplo, causou hipotensão e hemorragia, ficando atrás do rtPA nos AVCIs hiperagudos. A tenecteplase, a desmoteplase e outras substâncias que possam vir ficam na fila de horizontes claros de uma mudança que pode ser próxima e que nos ajude a combater a doença. As abordagens arteriais têm em si próprias tanto facilidades como alto poder iatrogênico intrínseco, deixando-nos uma impressão de que ensaios clínicos ainda precisam acontecer. 10. CLARK, W.M.; WISSMAN, S. et al. — Recombinant tissue-type plasminogen activator (alteplase) for ischemic stroke 3 to 5 hours after symptom onset. The ATLANTIS Study: A randomized controlled trial. Alteplase thrombolysis for acute noninterventional therapy in ischemic stroke. JAMA, 2019-26, 1999. 11. WARDLAW, J.M.; DEL ZOPPO, G. & YAMAGUCHI, T. — Thrombolysis for acute ischaemic stroke. In: The Cochrane Library, Issue 4. Oxford, Update Software, 2001. 12. SHERMAN, D.G.; ATKINSON, R.P. et al. — Intravenous ancrod for treatment of acute ischemic stroke: The STAT study: A randomized controlled trial. Stroke treatment with ancrod trial. JAMA, 283(18): 2395-403, 2000. 13. THE ABCIXIMAB IN ISCHAEMIC STROKE INVESTIGATORS — Abciximab in acute ischaemic stroke: A randomized, double-blind, placebo-controlled, dose-escalation study. Stroke, 31: 601-9, 2000. 14. ALEXANDROV, A.V.; DEMCHUK, A.M. et al. — High rate of complete recanalization and dramatic clinical recovery during tPA infusion when continuously monitored with 2MHz transcranial Doppler monitoring. Stroke, 31: 610-4, 2000. 15. SCHELLINGER, P.D.; FLEBACH, J.B. & HACKE, W. — Imaging-based decision making in thrombolytic therapy for ischaemic stroke. Present status. Stroke, 34: 575-83, 2003. 16. Estudo randomizado, duplo-cego, de grupos paralelos, controlado por placebo e fase III para avaliação da eficácia e segurança de desmoteplase em indivíduos que apresentam acidente vascular cerebral isquêmico agudo. DIAS 4 — International Clinical Research H. Lundbeck A/S 2500 Valby Copenhagen/Denmark 2008. Obs.: As quatro referências restantes que compõem este artigo se encontram na Redação à disposição dos interessados. Endereço para correspondência: Victor Massena Rua São Francisco Xavier, 150 — Tijuca 20550-012 Rio de Janeiro-RJ [email protected] 29 gastroenterologia Microbiota intestinal Sua importância e função Microbiota intestinal Sua importância e função Claudio Fiocchi Do Departamento de Patobiologia, Instituto de Pesquisa Lerner. Do Departamento de Gastroenterologia e Hepatologia, Instituto de Doenças Digestivas — Cleveland Clinic. Heitor Siffert Pereira de Souza Da Universidade Federal do Rio de Janeiro — Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Serviço de Gastroenterologia e Laboratório Multidisciplinar de Pesquisa. Unitermos: Microbiota intestinal; dieta; imunidade; homeostase. Keywords: Intestinal microbiota; diet; immunity; homeostasis. 30 Resumo Summary O corpo humano alberga mais microrganismos do que as próprias células constituintes do corpo. O trato gastrointestinal é o local de maior densidade e diversidade de comunidades bacterianas, e a microbiota intestinal exerce enorme impacto sobre a função e a saúde do sistema digestivo e sobre a saúde do organismo humano como um todo. Evidências indicam que a dieta pode determinar a quantidade e o tipo de microrganismos da microbiota gastrointestinal, mesmo quando há enterótipos estabelecidos por padrões dietéticos de longo prazo. A microbiota intestinal também constitui fator ambiental capaz de aumentar o rendimento energético a partir da dieta, e de regular o metabolismo periférico, podendo resultar em ganho de peso. Nesta revisão abordaremos o desenvolvimento, a composição e a função da microbiota intestinal, oferecendo uma visão geral de como suas anormalidades podem relacionar-se com enfermidade, incluindo doenças intestinais. The human body hosts more microbial cells than our own body cells. The gastrointestinal tract is the site where bacterial communities reach the greatest density and diversity within the body, and the intestinal microbiota plays a crucial role on the function and health of the digestive system, and the health of the whole human organism. Recent evidence indicates that the diet can affect the gut microbiome composition even when there are enterotypes established by long-term dietary patterns. The intestinal microbiota also constitutes an environmental factor capable of increasing the energy yield from diet, regulating peripheral metabolism and increasing body weight. In this review, we discuss the development, composition, and function of the intestinal microbiota presenting an overview of how its derangements may relate to diseases in general, including intestinal diseases. Introdução de alcançar e manter um equilíbrio (homeostase) que beneficie tanto micróbios quanto seres humanos de maneira mutualística e simbiótica. Diferentes componentes do corpo humano são povoados por comunidades bacterianas que, embora relativamente restritas e personalizadas para cada indivíduo, variam constantemente ao longo do espaço e do tempo. Por conseguinte, se o microbioma humano é dinâmico, isso implica que interações ativas e variáveis entre bactérias e Os micróbios, infinitamente mais numerosos, diversos e complexos que os seres humanos, são representados por várias comunidades que, em conjunto, formam o que atualmente se intitula microbioma, constituído por três grupos principais: Archaea, Bacteria e Eucarya. Humanos e micróbios têm coexistido e evoluído juntamente por milhares e milhares de anos. O propósito desta coevolução é o JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Microbiota intestinal Sua importância e função Atualmente a microbiota intestinal é reconhecida como tendo não somente enorme impacto sobre a função e a saúde do sistema digestivo, mas também sobre a saúde do organismo humano como um todo. hospedeiro estejam ocorrendo continuamente. Não há nenhum outro local onde a diversidade do microbioma seja mais pronunciada do que no trato gastrointestinal, e em particular no cólon, com significante variabilidade interindividual e notáveis diferenças entre a composição de comunidades bacterianas no lúmen e na mucosa. Atualmente a microbiota intestinal é reconhecida como tendo não somente enorme impacto sobre a função e a saúde do sistema digestivo, mas também sobre a saúde do organismo humano como um todo. De fato, a análise comparativa da composição celular e genética do hospedeiro e de sua microbiota intestinal revela o seguinte: o corpo humano contém aproximadamente 1012 células e 104 genes, constituindo o metaboloma mamífero; enquanto a microbiota intestinal contém 1014 bactérias e 106 genes, constituindo o metaboloma microbiano; a combinação dos dois metabolomas forma o “superorganismo” que depende da função e de interações apropriadas entre eles para alcançar e manter a saúde (ver figura). testinal. Este capítulo introdutório destina-se principalmente à abordagem do desenvolvimento, da composição e da função da microbiota intestinal e pretende oferecer uma visão geral de como suas anormalidades podem relacionar-se com enfermidade, incluindo doenças intestinais. Capítulos subsequentes irão abordar o papel da microbiota intestinal em relação a anormalidades gastrointestinais específicas, tais como constipação e diarreia, doenças inflamatórias intestinais, infecções, bem como outras condições clínicas. Aquisição e desenvolvimento da microbiota intestinal Durante a vida intrauterina o trato gastrointestinal é completamente estéril, mas torna-se colonizado imediatamente após o parto. O tipo de parto influencia a colonização, conforme resultados de estudos demonstrando que bebês nascidos através de parto vaginal e aqueles nascidos por parto cesáreo apresentam diferenças significantes na composição do microbioma gastrointestinal. 1012 células 104 genes Metaboloma mamífero 1014 bactérias 106 genes Metaboloma microbiano Hospedeiro Pontos-chave: > Durante a vida intrauterina o trato gastrointestinal é completamente estéril, mas torna-se colonizado imediatamente após o parto; > O tipo de parto influencia a colonização; > Bebês nascidos através de parto vaginal e cesáreo apresentam diferenças na composição do microbioma gastrointestinal. 34 Superorganismo Microbiota intestinal Saúde Adaptado de: Eberl G. Mucosal Immunol 2010; 3:450-460. Figura: Saúde: a homeóstase do “superorganismo”, a combinação do metaboloma mamífero e microbiano. Recentemente o inesperado papel dominante da microbiota comensal intestinal sobre a saúde em geral e as consequências de alterações da microbiota na patogênese de doenças têm despertado grande interesse na pesquisa, rendendo um número crescente de informações relacionadas à saúde gastroin- Após o nascimento, a exposição ao leite, alimentos e outros fatores ambientais também têm poderoso impacto no desenvolvimento da microbiota intestinal. Por sua vez, a microbiota também afeta o desenvolvimento do sistema imunitário precocemente na vida, e tanto os ramos inato quanto o adaptativo JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Microbiota intestinal Sua importância e função da imunidade são afetados pela composição microbiana e sua variação com alimentos e outros agentes ambientais. O desenvolvimento e a adaptação da microbiota gastrointestinal, de fato, continuam através da vida. Cedo na infância, novas cepas suplantam as anteriores, a diversidade microbiana aumenta e a composição bacteriana torna-se mais suscetível a modificações causadas pela dieta e doenças; na vida adulta, a microbiota torna-se mais estável e comunidades microbianas podem ainda se modificar, todavia em ritmo mais lento do que na infância; posteriormente, em fases mais avançadas da vida, as comunidades bacterianas são substancialmente diferentes daquelas observadas em adultos jovens. Composição da microbiota intestinal Conforme mencionado anteriormente, o corpo humano pode ser visto como um superorganismo composto por 10 vezes mais células microbianas do que as próprias células constituintes do corpo. A microbiota comensal é distribuída por toda a extensão do trato gastrointestinal, e sua densidade e diversidade aumentam progressivamente dos segmentos superiores aos inferiores, atingindo as mais altas concentrações no cólon e no reto. Estudos metagenômicos do microbioma humano têm demonstrado que existem 3,3 milhões de genes no trato gastrointestinal, 150 vezes mais do que o nosso próprio genoma, e a análise da diversidade bacteriana revela que cerca de 1.000 espécies bacterianas vivem no trato gastrointestinal, sendo a maioria pertencente às divisões Firmicutes e Bacteroidetes. Isto mostra que um enorme grau de diversidade está presente no intestino e principalmente no cólon, que contém um número de bactérias muito maior do que qualquer outro órgão do corpo humano, incluindo a pele, a boca, o trato respiratório e a vagina. A classificação da composição da microbiota intestinal humana com as mais modernas técnicas moleculares tem sido pesquisada por diversos grupos, em várias partes do mundo, como, por exemplo, o Projeto Microbioma Humano, nos EUA. Contudo, trata-se de um empreendimento altamente complexo e dispendioso, tamanha a compleJBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 xidade da microbiota. Entretanto, registros recentes, baseados em análise metagenômica de amostras de fezes, identificaram agrupamentos bacterianos robustos — ou enterótipos — estáveis e independentes da origem das amostras. Esses enterótipos baseiam-se na composição de espécies bacterianas e apoiam a hipótese da existência de um número relativamente limitado de estados de simbiose hospedeiro-micróbio bem estabelecidos que, todavia, podem comportar-se diferentemente em resposta a alimentos, medicamentos e xenobióticos. Para aumentar ainda mais a complexidade do estudo em questão, há que se considerar a organização espacial e a variabilidade dos microrganismos ao longo da luz intestinal. Diferentes bactérias vivem em diferentes segmentos do cólon (ascendente, transverso, descendente, reto), e até mesmo a amostragem de bactérias pode representar um grande desafio, uma vez que comunidades bacterianas diferem, em amostras de fezes obtidas do lúmen, daquelas obtidas junto à mucosa ou embebidas na camada de muco. Tais achados têm sido interpretados como uma indicação de que a microbiota autóctone provavelmente vem sofrendo modificações significativas para promover uma especialização funcional, de tal forma que cada nicho do intestino abrigue os microrganismos que sejam mais úteis para manter a homeostase tecidual local e, consequentemente, um mutualismo benéfico global com o hospedeiro como um todo. Um componente importante da homeostase intestinal é a secreção de peptídeos antimicrobianos naturais, que eliminam seletivamente certas bactérias a fim de manter controle quantitativo e qualitativo, de forma que a composição da microbiota intestinal permaneça relativamente constante. Um exemplo de tais peptídeos antimicrobianos são as defensinas, tipicamente secretadas de grânulos contidos nas células de Paneth, células epiteliais específicas do intestino delgado. Impacto da dieta sobre a microbiota intestinal A importância da nutrição logo no início da vida, moldando a microbiota intestinal, já é bem reconhecida. Entretanto, esta importância parece ser muito maior do que a pre- Pontos-chave: > Estudos têm demonstrado que existem 3,3 milhões de genes no trato gastrointestinal, 150 vezes mais do que o nosso próprio genoma; > Um enorme grau de diversidade está presente no intestino e principalmente no cólon; > O cólon contém um número de bactérias maior do que qualquer outro órgão. 35 Microbiota intestinal Sua importância e função Pontos-chave: > A homeostase energética é regulada por dois fatores básicos, a entrada e a saída de energia; > Estudos apontam a microbiota intestinal como um fator capaz de aumentar o rendimento energético; > A microbiota também desempenha um papel no metabolismo, através da influência e modulação da expressão gênica em vários tecidos do hospedeiro. 36 sumida, com efeitos de longa duração sobre o risco futuro de desenvolvimento de doenças, como consequência direta ou indireta do impacto inicial causado pela dieta e de como ela continua a modular a composição microbiana intestinal. Todavia, a ideia de que o alimento ingerido pode afetar a quantidade e o tipo de microrganismos no trato gastrointestinal é há muito aceita com base no senso comum, mas carecendo de evidências experimentais. Recentemente, contudo, surgiram dados científicos mais consistentes que dão suporte a tais conjecturas. A dieta influencia a diversidade bacteriana, que aumenta do carnívoro para o onívoro e para o herbívoro, e as comunidades bacterianas sofrem uma codiversificação com seus hospedeiros. A microbiota gastrointestinal de pessoas levando um estilo moderno de vida é a mesma típica dos primatas onívoros, fato não observado em pessoas vivendo estilo mais primitivo de vida. Um estudo comparando a microbiota intestinal de crianças residentes na Europa com aquelas vivendo em remotas comunidades rurais africanas revelou diferenças dramáticas: o intestino das crianças africanas é rico em Bacteroidetes, mas significantemente deficiente em Firmicutes e Enterobacteriaceae. Evidência adicional de que a dieta afeta fortemente a composição do microbioma intestinal foi publicada recentemente, mostrando que dietas baseadas em carboidratos e em gordura animal resultam, respectivamente, em um enriquecimento de Bacteroides e Prevotella em indivíduos adultos. É interessante notar que quando os indivíduos eram submetidos a uma dieta rica em gorduras e pobre em fibras, ou pobre em gorduras e rica em fibras, a composição do microbioma intestinal mudava em 24 horas, sugerindo a possibilidade de que manipulações dietéticas poderiam ainda modificar a microbiota intestinal, mesmo quando há enterótipos estabelecidos por padrões dietéticos de longo prazo. Efeitos da microbiota intestinal sobre metabolismo e energia Um aspecto fundamental da simbiose entre o hospedeiro humano e seu microbioma é a dependência da microbiota intestinal para a geração de produtos essenciais para a nutrição e, portanto, para a saúde. Os humanos não são naturalmente dotados de todos os produtos gênicos necessários para a otimização da utilização de nutrientes, dependendo do auxílio de produtos do genoma bacteriano para alcançar tal êxito. Consequentemente, tanto um metabolismo normal quanto a disponibilidade de energia suficiente para as tarefas diárias estão intimamente relacionados com a composição e a função de bactérias intestinais. A homeostase energética é regulada por dois fatores básicos, a entrada e a saída de energia. Vários estudos têm se dirigido à microbiota intestinal como um fator ambiental capaz de aumentar o rendimento energético a partir da dieta, e de regular o metabolismo periférico, podendo resultar em ganho de peso. Esses eventos críticos ocorrem como resultado das interações entre a composição da microbiota intestinal, a extração de energia dos alimentos, a síntese de hormônios gastrointestinais envolvidos na homeostase energética, a produção de butirato e a regulação do acúmulo de gordura. Diversos metabólitos humanos estão associados ao metabolismo microbiano ou ao cometabolismo micróbio-hospedeiro; alguns exemplos incluem os ácidos graxos de cadeia curta, poliaminas, metilaminas, bozoatos, ácidos clorogênicos, produtos da putrefação proteica, tirosina, triptofano, fenilalanina e ácidos biliares, todos podendo estar associados com estados de doença. Além disso, a microbiota também desempenha um papel no metabolismo, através da influência e modulação da expressão gênica em vários tecidos do hospedeiro. Moldando a imunidade local e sistêmica pela microbiota intestinal Uma das funções essenciais da microbiota intestinal, não relacionada com a nutrição, o metabolismo e a produção energética, é a educação do sistema imunitário. Tal processo educacional pode ser demonstrado em animais criados em condições livres de germes, resultando no desenvolvimento precário e esparso do tecido linfoide associado à mucosa e na suscetibilidade a várias imunodeficiências, tanto locais quanto sistêmicas. Em condições fisiológicas, bactérias intestinais são reconhecidas pelo sistema imunitário inato, principalmente por receptores Toll-like e NOD-like, predominantemente encontrados JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Microbiota intestinal Sua importância e função em células epiteliais e imunitárias, em um processo de reconhecimento que induz a ativação da resposta imunitária, sendo também essencial para a homeostase intestinal. A colonização bacteriana molda a resposta imunitária não somente no trato gastrointestinal como também no nível sistêmico, e já existe um considerável acúmulo de evidências mostrando que a microbiota intestinal modula amplamente a imunidade em estados de saúde e de doença. Complementando a resposta moldada pela microbiota e executada pelo sistema imunitário, aparece a dieta, criando uma combinação poderosa de três elementos biológicos capazes de controlar a saúde e induzir doença, em interações que serão mais detalhadas a seguir. Interações da microbiota intestinal com o hospedeiro no desenvolvimento de doenças O interesse em investigar o papel da microbiota intestinal como um determinante de saúde e doença ganhou maior impulso na última década. De fato, a melhor compreensão das interações hospedeiro-microbiota intestinal certamente auxiliará no entendimento de como essa relação pode desvirtuar e contribuir para uma gama de transtornos imunológicos, inflamatórios e metabólicos, além de poder revelar os mecanismos patogênicos subjacentes aos respectivos transtornos. A microbiota gastrointestinal tem agora um reconhecido papel na regulação da imunidade, e alterações de sua composição podem constituir a base para explicar o aumento recente na incidência de doenças autoimunes e inflamatórias. Uma das linhas de evidência mais consistentes, demonstrando a poderosa influência da microbiota intestinal na patogênese de doenças, está relacionada às doenças inflamatórias intestinais. A hipótese de que anormalidades da microbiota intestinal estejam presentes na doença de Crohn, em que ocorre uma alteração da composição da microbiota ou uma resposta imunitária anormal contra a microbiota comensal, ou ambas, tem sido amplamente aceita. Na retocolite ulcerativa idiopática, por outro lado, evidências de uma importante participação da microbiota na patogênese da doença são muito limitadas, mas não podem ser descartadas ainda. A investigação continuada de outras doenças JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 intestinais também vem gerando novas evidências que sugerem a participação da microbiota em condições comuns, tais como a síndrome do intestino irritável e a diarreia crônica idiopática. A influência da microbiota intestinal na patogênese de doenças vai muito além das doenças gastrointestinais, incluindo uma variedade de condições mediadas imunologicamente, como o diabetes mellitus tipo 1, doenças cardiovasculares, doenças desmielinizantes autoimunes, alergia e asma. Outro exemplo drástico de como as bactérias, em associação com a dieta, podem causar impacto sobre a saúde do hospedeiro está no desenvolvimento da obesidade. Pesquisas mostram que a microbiota do intestino distal de camundongos obesos, assim como a microbiota de pacientes obesos, está associada com alterações na abundância relativa das duas divisões dominantes de bactérias, Bacteroidetes e Firmicutes. Essas alterações afetam o potencial metabólico da microbiota gastrointestinal, indicando que o microbioma do paciente obeso tem uma capacidade aumentada de extrair energia da dieta. Evidências mostram que a microbiota intestinal pode afetar a resistência à insulina, inflamação e acúmulo de adiposidade, através de interações com células epiteliais e endócrinas. Tomados em conjunto, esses resultados consolidam a microbiota intestinal como um fator de importante contribuição para a fisiopatologia da obesidade. Finalmente, a importância da microbiota intestinal talvez alcance áreas da fisiopatologia humana previamente impensáveis, tais como a função cerebral e possivelmente até mesmo o comportamento. Alguns achados recentes apontam para uma localização fora do cérebro como a origem de transtornos da alimentação, bem como de alguns outros transtornos neuropsiquiátricos, sugerindo a existência de associação dessas condições com uma possível disfunção do eixo intestino-cérebro. A microbiota gastrointestinal tem agora um reconhecido papel na regulação da imunidade, e alterações de sua composição podem constituir a base para explicar o aumento recente na incidência de doenças autoimunes e inflamatórias. Implicações terapêuticas da microbiota intestinal A melhor compreensão de ambos os parceiros na interação intestino-microbiota poderá esclarecer como defeitos dessa relação contribuem para o desenvolvimento de doenças imunitárias, inflamatórias e metabólicas, mas também ajudará a revelar mecanismos pelos quais essa interação pode 37 Microbiota intestinal Sua importância e função Endereço para correspondência: Heitor Siffert Pereira de Souza Rua Prof. Rodolpho Paulo Rocco, 255/subsolo 21941-913 Rio de Janeiro-RJ [email protected] 38 ser manipulada com finalidade terapêutica. Portanto, é chegada a hora de explorar por completo o potencial terapêutico da microbiota intestinal. Uma abordagem lógica seria tentar modular a microbiota através do uso de antibióticos, prebióticos, probióticos e simbióticos para condições clínicas comuns comprometendo o trato gastrointestinal, tema que será discutido posteriormente. Contudo, já é tempo também de considerar mesmo novas e mais ousadas abordagens terapêuticas, tais como o transplante da mi- crobiota intestinal, um processo em que a microbiota patológica putativa é eliminada, para ser então substituída por outra saudável. Tal procedimento pode parecer uma forma muito radical de terapia; no entanto, já se demonstrou sua efetividade em pacientes com infecções recorrentes por Clostridium difficile, por exemplo. Talvez esses resultados favoráveis constituam apenas um prelúdio para benefícios terapêuticos ainda mais amplos e abrangentes para doenças intestinais e não intestinais no futuro. Referências 18. LEY, R.E.; BACKHED, F. et al. — Obesity alters gut microbial ecology. Proc. Natl. Acad. Sci. 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JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 atualidades médicas Diretrizes da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas para o manejo de pacientes com pé diabético Clin. Infect. Dis. Entre as diversas complicações que podem acometer o portador de diabetes mellitus (DM), contribuindo para a morbidade e mortalidade relacionadas à doença, estão as complicações infecciosas dos pés — o chamado pé diabético. Constitui um problema clínico frequente na prática médica que, quando bem conduzido, pode ser curado. Entretanto, não é incomum que pacientes venham a necessitar amputação, especialmente quando o diagnóstico e o tratamento não são realizados de modo rápido e eficaz. O periódico Clinical Infectious Diseases traz o artigo “2012 Infectious Diseases Society of America Clinical Practice Guideline for the Diagnosis and Treatment of Diabetic Foot Infections” (Lipsky, B.A. et al. Clin. Infect. Dis. (2012) 54(12): 1679-1684), que resume diretrizes recentemente elaboradas por membros da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas a respeito do manejo das infecções do pé diabético. Os autores lembram que as lesões nos pés de pacientes com DM geralmente têm início como pequenas feridas ulceradas, relacionadas à existência de vasculopatia e neuropatia diabéticas. A presença de dois ou mais dos clássicos sinais inflamatórios (calor, rubor, eritema, edema), em associação à secreção purulenta, indica que a ulceração está infectada. Nesses casos, as lesões podem ser classificadas, conforme a gravidade, em leves (superficiais e limitadas em tamanho e profundidade), moderadas (profundas e extensas) ou graves (acompanhadas por manifestações sistêmicas e distúrbios metabólicos). Tal classificação é fundamental para a decisão sobre a necessidade ou não de internação hospitalar e de procedimento cirúrgico associado às medidas farmacológicas. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Em geral, as infecções do pé diabético são polimicrobianas, sendo os cocos Gram-positivos os principais agentes etiológicos, em especial o Staphylococcus. Em situações específicas, as lesões podem estar coinfectadas, seja por bacilos aeróbios Gram-negativos (quadros crônicos, nos quais já se tentou uma ou mais opções antimicrobianas) ou por anaeróbios (úlceras necróticas ou isquêmicas). Assim, uma vez indicada a terapia antimicrobiana, pode-se realizá-la empiricamente, mas sempre que possível deve-se preferir a realização de cultura (tecido necrótico, pós-desbridamento). A avaliação por imagem — radiografia simples, ressonância nuclear magnética — é útil ao permitir a identificação de acometimento ósseo. Se houver osteomielite, o tratamento é ainda mais desafiador, pois frequentemente requer terapia antimicrobiana prolongada, desbridamento, ressecção ou mesmo amputação. A documentação de lesões de caráter isquêmico é fundamental, pois exigem revascularização. Os autores destacam que o sucesso do tratamento depende diretamente de um rigoroso acompanhamento desses pacientes, preferencialmente por uma equipe multidisciplinar. Estudos reforçam a importância da colonoscopia no rastreamento do câncer colorretal N. Engl. J. Med. Em todo o mundo, o câncer colorretal (CCR) é a terceira neoplasia mais comum, representando a segunda maior causa de óbito por câncer. As manifestações clínicas podem desenvolver-se tardiamente no curso da doença, sendo fundamental detectar lesões precursoras (adenomas), por serem essas facilmente removidas à colonoscopia. Diversos estudos comprovam que o rastreamento da população de risco — realizado por colonoscopia e pesquisa de sangue oculto nas fezes — é eficaz no sentido de promover a detecção precoce Profa. Dra. Andréa F. Mendes da doença, favorecendo o prognóstico. Dois artigos publicados recentemente no periódico The New England Journal of Medicine reforçam o valor da colonoscopia e demonstram seu real impacto no sentido de reduzir a mortalidade por CCR. Os resultados do primeiro estudo (National Polyp Study — NPS) foram descritos por Zauber, A.G. et al. no artigo intitulado “Colonoscopic Polypectomy and Long-Term Prevention of Colorectal-Cancer Death” (N. Engl. J. Med. 2012; 366:687-96). O NPS teve como objetivo avaliar a eficácia da polipectomia colonoscópica no sentido de reduzir a mortalidade por CCR. Para isso, foram analisados prospectivamente 2.602 pacientes que tiveram pólipos adenomatosos removidos à colonoscopia. A mortalidade por CCR nesse grupo foi comparada à de um grupo-controle e àquela de pacientes com pólipos não adenomatosos (este último denominado grupo-controle interno). Após um período médio de acompanhamento de aproximadamente 16 anos, verificou-se que a polipectomia colonoscópica foi capaz de reduzir a mortalidade por CCR em 53%. No segundo estudo — randomizado e controlado, envolvendo mais de 50 mil pacientes assintomáticos, com idades entre 50 e 69 anos — buscou-se comparar a eficácia dos dois principais métodos atualmente disponíveis para rastreamento do CCR em populações de risco: a colonoscopia e a pesquisa de sangue oculto nas fezes, através de teste imunoquímico fecal (TIF). A colonoscopia foi realizada em uma única ocasião e o TIF a cada dois anos. O desfecho primário avaliado foi o índice de mortalidade por CCR, após 10 anos. Os resultados são descritos no artigo “Colonoscopy versus Fecal Immunochemical Testing in Colorectal-Cancer Screening” (N. Engl. J. Med. 2012; 366:697-706). Quintero et al. verificaram que o diagnóstico de CCR foi semelhante em ambos os grupos, mas a colonoscopia foi superior ao primeiro TIF na detecção de adenomas avançados (1,9% versus 0,9%) ou não (4,2% versus 0,4%). Cabe ressaltar que os pacientes aderiram melhor ao rastreamento quando esse foi realizado através de TIF. Finalmente, os editorialistas da edição de 23 de fevereiro de 2012 do The New England Journal of Medicine (N. Engl. J. Med. 2012; 366:759-760) concluem que a colonoscopia é um teste eficaz para o rastreamento do CCR e, apesar de os pacientes aderirem melhor ao TIF, a colonoscopia deve ser o método preferido, por ser superior na detecção de lesões adenomatosas. 39 Diarreia aguda Antônio Carlos Moraes Gastroenterologista. Membro da Federação Brasileira de Gastroenterologia. Chefe do Serviço de Clínica Médica do Hospital Copa D’Or — Rio de Janeiro. clínica médica Diarreia aguda Fernando M. M. Castro Membro do Serviço de Clínica Médica do Hospital Copa D’Or. Resumo Summary Introdução microrganismos levam à diarreia através de interações variadas com a mucosa intestinal. Por exemplo, a E. coli enterotóxica e o Vibrio cholerae não se disseminam além da mucosa intestinal e causam o quadro sem qualquer invasão do epitélio intestinal, através da produção de enterotoxinas, que induzem à secreção de fluidos. Apesar de menos comuns, alguns casos são por microrganismos invasivos. Estes penetram o epitélio intestinal, resultando em distúrbio inflamatório. O melhor exemplo é o da infecção por Shigella. Segundo a mais recente edição do livro-texto Sleisenger and Fordtran’s gastrointestinal and liver disease (2), o diagnóstico diferencial nos casos de diarreia aguda deve ter como enfoque cinco fatores principais (Quadro 1): infecções (Quadro 2), alergias alimentares, intoxicação alimentar, uso de medicações (Quadro 3) e apresentação inicial de diarreia crônica. Diarreia aguda é a passagem de quantidade acima do normal de fezes amolecidas associada ao aumento do número de evacuações. No diagnóstico diferencial das diarreias agudas devem ser enfocados as infecções, as alergias alimentares, a intoxicação alimentar, o uso de medicações e a apresentação inicial de diarreia crônica. Dentre estas possíveis etiologias, especialmente em nosso meio, as causas infecciosas devem sempre vir à mente e constituir uma das primeiras opções na investigação diagnóstica. As infecções intestinais associadas a quadros diarreicos são a segunda causa de mortes de origem infecciosa em todo o mundo, com prevalência estimada de 3 a 5 bilhões de casos/ano. Os autores atualizam as novidades e peculiaridades a respeito do diagnóstico e dos tratamentos — geral e/ou específico — dos diferentes agentes associados à diarreia aguda infecciosa. Segundo a Organização Mundial de Gastroenterologia (WGO), diarreia aguda é a passagem de uma quantidade maior do que o normal de fezes amolecidas, além do aumento do número de evacuações, que durem menos de 14 dias (1). Pode ser interpretada como um aumento na quantidade de água e eletrólitos nas fezes, levando à produção frequente de fezes malformadas. É esse comprometimento no equilíbrio entre reabsorção e secreção pela mucosa intestinal que leva à liquidificação das fezes. As causas da diarreia aguda podem ser agrupadas em quatro categorias principais: bacterianas, virais, parasitárias e não infecciosas. Frequentemente, nos quadros infecciosos, estão envolvidos microrganismos não invasivos, que são especialmente ativos no intestino, causando diarreia aquosa. Esses JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Acute diarrhea is the passage of above normal quantities of soft faeces also associated with increased bowel movements. Differential diagnosis of acute diarrhea should be focused on infections, food allergies, food poisoning, use of medications and the initial presentation of chronic diarrhea. Among these possible etiologies, given the environment we live in, infectious causes should always be taken into account and be one of the first options in diagnostic investigation. Intestinal infections associated with diarrheal frames are the second leading cause of infectious deaths worldwide, with an estimated to 3-5 billion cases/per year. In this review, the authors intend to review the new features and aspects concerning diagnosis and treatment — general and/or specific — of the different agents associated with acute infectious diarrhea. Unitermos: Diarreia; etiologia; abordagem diagnóstica; terapêutica geral; terapêutica específica. Keywords: Diarrhea; etiology; diagnostic approach; treatment generally; specific therapy. 41 Diarreia aguda QUADRO 1: Diagnóstico diferencial da diarreia aguda Infecção Bactérias Parasitas Protozoários Viroses Alergia alimentar Intoxicação alimentar Medicamentos Quadro inicial de diarreia crônica Fonte: Sleisenger and Fordtran’s gastrointestinal and liver disease. 9. ed., p. 217. QUADRO 2: Infecções que causam diarreia QUADRO 3: Medicamentos e toxinas associadas à diarreia Bacterianas Aeromonas spp. Campylobacter spp. Clostridium difficile Escherichia coli (êntero-hemorrágica, enterotoxigênica, êntero-invasiva) Plesiomonas spp. Salmonella spp. Shigella spp. Redutores da secreção ácida (p. ex.: antagonistas H2, IBPs) Virais Adenovírus Norovírus Rotavírus Anti-hipertensivos Parasitas ou protozoários Criptosporidia Cyclospora Entamoeba histolytica Giardia lamblia Microsporidia Colchicina Fonte: Sleisenger and Fordtran’s gastrointestinal and liver disease. 9. ed., p. 217. Fatores de risco para diarreias Pontos-chave: > As gastroenterites apresentam grande gama de etiologias possíveis; > Comportamentos e/ou circunstâncias são considerados fatores de risco para a doença; > Dados epidemiológicos também contribuem para o raciocínio diagnóstico. 42 Conforme exposto, as gastroenterites apresentam grande gama de etiologias possíveis. No contexto das gastroenterites infecciosas, determinados comportamentos e/ou circunstâncias às quais os pacientes se expõem, bem como algumas comorbidades que apresentam, são considerados fatores de risco para a doença. São eles: viagem recente (especialmente para países em desenvolvimento — áreas tropicais); alimentos ou circunstâncias alimentares incomuns (frutos do mar, especialmente crus; refeições em restaurantes ou lanchonetes); homossexualidade, atividade sexual remunerada, uso de drogas intravenosas (pessoas em risco de infecção por HIV e de desenvolvimento de SIDA); uso recente de antibióticos. Convém ressaltar também que diversos dados epidemiológicos contribuem para o raciocínio diagnóstico. Tendo em vista a epidemiologia de cada caso, é possível identificar maior suspeição sobre determinados agentes etiológicos. As associações mais clássicas entre veículo de contaminação e patógeno estão dispostas no Quadro 4 (1). Diarreias agudas infecciosas Nos últimos anos, estudos, pesquisas e revisões — especialmente na área de Gas- Antiácidos Antiarrítmicos Antibióticos Anti-inflamatórios (AINEs) Antineoplásicos Antirretrovirais Metais pesados Análogos da prostaglandina (p. ex.: misoprostol) Suplementos vitamínicos e minerais Fonte: Sleisenger and Fordtran’s gastrointestinal and liver disease. 9. ed., p. 217. troenterologia — têm sido direcionados para doenças neoplásicas e autoimunes. Com isso, as doenças infecciosas estão recebendo menor investimento. Há autores que chegam a afirmar que vivemos uma “verdadeira epidemia de doenças neoplásicas e imunológicas”. Tal afirmação é baseada na simples observação de que, nos rounds e discussões de casos clínicos, nas escolas de Medicina, é frequente a dificuldade dos estudantes em pensar em causas infecciosas, em detrimento das mais diversas e raras doenças inflamatórias, neoplásicas e até genéticas, como possíveis diagnósticos diferenciais. Contudo, em virtude de sua importância e prevalência, especialmente em nosso meio, as causas infecciosas devem sempre vir à mente e figurar como uma das primeiras opções dentre os possíveis diagnósticos diferenciais. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, as infecções intestinais associadas a quadros diarreicos são a segunda causa de morte de origem infecciosa em todo o mundo (3). A prevalência estimada é de 3 a 5 bilhões de casos por ano. Nos países em desenvolvimento estima-se a ocorrência de quatro a 10 episódios por habitante/ano. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Diarreia aguda QUADRO 4 Veículo Patógeno clássico Água Vibrio cholerae, agente Norwalk, Giardia sp. e Cryptosporidium sp. Alimentos Aves domésticas Carne bovina Carne suína Frutos do mar Queijo Ovos Alimentos contendo maionese Tortas Salmonella, Campylobacter e Shigella sp. E. coli êntero-hemorrágica, Taenia saginata Tênia Vibrio cholerae, Vibrio parahaemolyticus e Vibrio vulnificus; Salmonella sp.; tênia e anisaquíase Listeria sp. Salmonella sp. Intoxicações alimentares por Staphylococcus e Clostridium; Salmonella Salmonella, Campylobacter, Cryptosporidium e Giardia sp. Zoonoses (animais de estimação e gado) Maioria das bactérias, vírus e parasitas entéricos Interpessoal (incluindo contato sexual) Creches Hospital, antibióticos ou quimioterapia Piscina Viagem internacional Shigella, Campylobacter, Cryptosporidium e Giardia sp.; vírus; Clostridium difficile Clostridium difficile Giardia e Cryptosporidium sp. E. coli de vários tipos; Salmonella, Shigella, Campylobacter, Giardia e Cryptosporidium sp.; Entamoeba histolytica Fonte: WGO practice guidelines — Diarreia aguda em adultos, p. 3. Diarreia aguda de etiologia viral A gastroenterite viral é muito frequente, com distribuição mundial. Estudos epidemiológicos mostram que é a segunda doença mais frequente entre as famílias norte-americanas (4). Afeta as diversas faixas etárias em todos os períodos do ano, embora eventualmente apresente picos sazonais. A gastroenterite viral causa um significativo número de mortes nos países em desenvolvimento. Estima-se que apenas o rotavírus seja responsável pela morte de aproximadamente 500 mil indivíduos/ano (5). Nos EUA ocorrem algumas centenas de mortes por gastroenterite, especialmente devido ao rotavírus e ao norovírus. No entanto, o número de hospitalizações causadas por rotavirose e norovirose é significativo, ultrapassando a marca de 65 mil/ano. Durante o furacão Katrina, o norovírus foi responsável por um grande número de gastroenterites agudas nos desabrigados, rapidamente acometendo profissionais de saúde, policiais, bombeiros e equipes de resgate, que tinham contato direto com estes pacientes (6). Agentes etiológicos A maioria dos casos de gastroenterite é causada por vírus, como observado em JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 estudos que avaliaram coproculturas de pacientes com diarreia aguda. Apenas 1,5% a 5,6% das coproculturas foram positivas (7). No entanto, os casos mais graves em adultos geralmente se devem a agentes bacterianos. Há quatro agentes virais causadores de gastroenterite aguda: norovírus, rotavírus, adenovírus entérico e astrovírus. Mais de 90% dos surtos de gastroenterite viral nos EUA são causados por norovírus. Os cenários são os mais variados possíveis, tais como cruzeiros, asilos e quartéis. Dentre os métodos diagnósticos, a microscopia eletrônica é considerada o padrão ouro, porém é um exame caro, sendo mais indicado para pesquisa. Outro exame caro, apesar de sua boa sensibilidade e especificidade, é a análise por PCR. Assim sendo, os métodos imunológicos de diagnóstico são os mais valorizados na prática clínica. São capazes de diagnosticar infecções pelos três principais agentes com sensibilidade entre 80% e 90% e especificidade de 98% (8). Em publicação recente (9), um novo teste de PCR com transcriptase reversa — o Seeplex Diarrhea-V ACE (Seeplex DV) — demonstrou resultados promissores no diagnóstico de cinco agentes virais comumente causadores de diarreia: adenovírus, rotavírus, norovírus genogrupos I (GI) e II (GII) e astrovírus. Pontos-chave: > A maioria dos casos de gastroenterite é causada por vírus; > Os casos mais graves em adultos geralmente se devem a agentes bacterianos; > Os métodos imunológicos de diagnóstico são os mais valorizados na prática clínica. 43 Diarreia aguda A diarreia é o principal problema de saúde durante viagens, afetando 10% a 50% dos viajantes. Anualmente, um número estimado de 10 milhões de pessoas — 20% a 50% dos viajantes internacionais — desenvolve a doença. 44 Diarreia aguda de etiologia bacteriana As gastroenterites bacterianas apresentam prevalência de aproximadamente 2 bilhões de casos/ano e são a segunda causa de morte em menores de cinco anos (3). O diagnóstico laboratorial é feito através de coprocultura, nos casos em que este exame está indicado (ver adiante). Uma vez solicitado, é importante que a coleta do material seja apropriada, bem como a entrega, que deve ser feita em até duas horas, para análise. Além disso, é de grande valia o conhecimento de uma possível deficiência do método, mesmo que sejam respeitadas todas as medidas i deais de coleta. Os germes pesquisados va riam entre os diferentes laboratórios e, em muitos casos, o Campylobacter jejuni e a E. coli O157 H7 não são pesquisados. O Campylobacter jejuni apresenta frequência duas e sete vezes maior do que a Salmonella sp. e a Shigella sp., respectivamente, como agente etiológico de diarreia aguda. A apresentação clínica pode cursar com diarreia sanguinolenta, associada ou não a dores intensas do tipo cólica. Geralmente o quadro é autolimitado, com duração de três a sete dias, apesar de o agente continuar sendo eliminado por até um mês. Uma importante complicação desta infecção é o desenvolvimento da síndrome de Guillain-Barré. Um em cada mil pacientes irá desenvolver esta síndrome uma a três semanas após o quadro diarreico inicial. Em relação às diarreias nosocomiais e institucionais, o Clostridium difficile é o agente bacteriano que merece maior destaque. A transmissão deste bacilo Gram-positivo é feita por mãos contaminadas, e a infecção está fortemente relacionada ao uso de antibióticos. Os esporos sobrevivem por longos períodos no ambiente e são extremamente resistentes, inclusive à higienização com álcool gel. O controle ambiental deve ser feito com solução de hipoclorito. Um novo ribotipo foi detectado no Canadá e nos EUA a partir de 2003, o Clostridium difficile ribotipo-PCR 027 (10). Em diversos estudos, conduzidos entre 2001 e 2009, não foi evidenciada a presença deste sorotipo em países da América do Sul (11). Contudo, em pesquisa conduzida entre junho e novembro de 2011, em um hospital chileno, foram realizadas as primeiras identificações deste agente em um país sul-americano (12). Está associado a uma produção 16 vezes maior de toxina A e 23 vezes maior de toxina B, gerando com isso maior risco de complicações, como o megacólon tóxico. O diagnóstico para esta infecção é geralmente feito através da pesquisa das toxinas. Apesar de ter sensibilidade variável, este é o teste mais usado, por ser mais rápido e mais disponível do que a cultura. Ainda no contexto das diarreias hospitalares, cabe ressaltar que estudos recentes (13) vêm demonstrando uma etiologia polimicrobiana para estes casos. Em reanálises de amostras fecais pelo método de SYBR-Green-based real-time PCR comprovou-se maior prevalência de infecções polimicrobianas nos casos de diarreia em Kolkata, Índia. Aguardemos novos estudos que corroborem ou não esta informação. Dados epidemiológicos do CDC, de junho deste ano, revelam um surto recente de diarreia por Escherichia coli O145 produtora da toxina de Shiga, nos EUA (14). Esta é a E. coli produtora de toxina de Shiga (sorogrupo STEC) mais prevalente naquele país. Em abril e maio de 2012 foram diagnosticadas 14 pessoas com gastroenterite por esse agente. Os casos ocorreram em seis estados: Alabama (dois), Georgia (cinco), Louisiana (quatro), Califórnia, Flórida e Tennessee (um em cada). O intervalo entre a contaminação e o início dos sintomas foi, em média, de duas a três semanas. A gravidade variou, ocorrendo uma morte e três hospitalizações. Diarreia dos viajantes A diarreia é o principal problema de saúde durante viagens, afetando 10% a 50% dos viajantes. Anualmente, um número estimado de 10 milhões de pessoas — 20% a 50% dos viajantes internacionais — desenvolve a doença (15). O termo “diarreia dos viajantes” define um grupo de doenças resultante da ingestão de água e alimentos contaminados por agentes infecciosos e que tem a diarreia como manifestação principal. O início dos sintomas se dá, geralmente, na primeira semana de viagem. Contudo, eles podem surgir em qualquer momento, e até após o retorno. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Diarreia aguda Pontos-chave: > Infecções parasitárias são responsáveis por grande parte dos casos de diarreia aguda; > O exame parasitológico de fezes (EPF) é um bom método para o diagnóstico destes agentes causais; > É importante o conhecimento não só de algumas de suas limitações, mas também da forma correta de coleta. 46 O maior fator de risco para o desenvolvimento da patologia é o local de destino. Os países da América Latina, da África, do Oriente Médio e da Ásia são destinos com maior risco associado. Dentre os fatores de risco populacionais específicos, adultos jovens, pessoas imunocomprometidas, portadores de doenças inflamatórias intestinais, diabetes e indivíduos em uso de inibidores da bomba de prótons e/ou antiácidos representam grupos de maior risco (15). As bactérias são responsáveis por cerca de 80% dos casos. Dentre elas, o agente causal mais isolado tem sido a Escherichia coli enterotoxigênica (ETEC). Esta cepa chega a ser responsável por 25%-50% dos casos, seguida em frequência por espécies de Shigella, Salmonella e Campylobacter. Os vírus (adenovírus, astrovírus, rotavírus e calicivírus) podem ser causa significativa de diarreia em viajantes, e surtos em navios causados pelo norovírus (um dos calicivírus) são relativamente comuns. Os parasitas intestinais (Giardia lamblia, Entamoeba histolytica, Cryptosporidium parvum e Cyclospora cayetanensis) geralmente são os responsáveis pelas diarreias mais prolongadas, com duração superior 14 dias. As principais causas de intoxicações alimentares são as enterotoxinas produzidas por Staphylococcus aureus e Bacillus cereus (toxina emética e toxina diarreica), bactérias que podem contaminar os alimentos antes, durante ou depois da preparação. A influência do consumo de bebidas alcoólicas, do estresse e da mudança na dieta como causas de diarreia ainda não está claramente definida e, provavelmente, estes fatores são responsáveis por uma parcela dos casos leves que evoluem sem febre ou comprometimento significativo da saúde do viajante (16). O risco de infecção pode ser significativamente reduzido com a adoção sistemática de medidas de proteção contra doenças transmitidas por água e alimentos. A seleção de alimentos seguros e o consumo de água tratada são essenciais, ainda que não sejam tarefas simples, por envolverem mudanças individuais de percepção de riscos, atitudes e hábitos (16). Diarreia aguda de etiologia parasitária As diversas formas de infecções parasitárias são responsáveis por grande parte dos casos de diarreia aguda, especialmente em regiões com más condições higiênico-sanitárias. Devido à imensa diversidade epidemiológica e aos diferentes ciclos de vida apresentados pelos parasitas intestinais, o principal enfoque do presente texto será em medidas diagnósticas, bem como nas suas características. O exame parasitológico de fezes (EPF) é um bom método para o diagnóstico destes agentes causais. Contudo, é importante o conhecimento não só de algumas de suas limitações, mas também da forma correta de coleta. O exame deve ser feito com múltiplas coletas, para que haja boa sensibilidade e, com isso, maior valor diagnóstico. Idealmente, devem ser colhidas três a seis amostras, consecutivas ou não, em até 10 dias (17). De acordo com a OMS (3), anualmente ocorrem 50 milhões de casos e 10 mil mortes por conta da amebíase. O EPF não é mais considerado o teste de primeira escolha para o diagnóstico desta enfermidade. Apesar de mais caros, os métodos de PCR (sensibilidade entre 98% e 100% e especificidade de 100%) e os testes imunológicos de pesquisa de antígenos fecais (sensibilidade de 95% a 100% e especificidade de 100%) têm maior valor, já que são capazes de fazer a diferenciação entre a E. histolytica e a E. dispar. Outra disenteria causada por protozoários é a giardíase. Para seu diagnóstico por EPF geralmente são necessárias cinco a seis amostras. Existem dois fatores associados a essa dificuldade: são expelidos nas fezes em ciclos e são organismos aderidos à mucosa através do “disco sugador”. O diagnóstico com testes imunológicos é mais simples, rápido e menos dependente do observador. Apresenta sensibilidade entre 95% e 100% e especificidade de 98%. Convém ressaltar que, nos casos de elevada suspeição, pode ser necessário mais de um teste para a confirmação diagnóstica (17). A estrongiloidíase também merece destaque. Esta parasitose intestinal é causada pelo nemátode Strongyloides stercoralis. Ao contrário de outros parasitas, estes nemátodes podem viver indefinidamente no solo JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Diarreia aguda como formas livres e, com isso, apresentam alta prevalência de infecção. Segundo a OMS (3), existem cerca de 100 milhões de pessoas infectadas em todo o mundo. O contágio se dá pela penetração das larvas na pele. A localização preferencial deste nemátode no trato gastrointestinal é no duodeno e jejuno proximal. Isto confere enorme importância à doença, quer pela multiplicidade de sintomas, quer pela dificuldade no diagnóstico diferencial. Com relação ao diagnóstico, solicitar o método de Baermann-Moraes é fundamental. Idealmente, deve-se solicitar, pelo menos, três amostras (18). • Abordagem diagnóstica Na abordagem do paciente com quadro de diarreia aguda, a anamnese e o exame físico são fundamentais. Não só pela contribuição para a suspeição quanto a determinados agentes etiológicos, mas também na orientação das próximas medidas diagnósticas a serem instituídas. A solicitação de exames laboratoriais não é custo-efetiva; assim, a maioria dos pacientes não necessita dos mesmos (19). A presença de pelo menos um dos “sinais de alarme” expostos a seguir justifica a solicitação de exames laboratoriais: 11.Desidratação grave e/ou repercussões sistêmicas (taquicardia, hipotensão ortostática, redução da diurese, letargia). 12.Idade maior ou igual a 70 anos. 13.Diarreia por mais de três ou sete dias (apesar de adequadamente tratada). 14.Sangue/muco nas fezes. 15.Imunossupressão (por droga/HIV). 16.Dor abdominal em paciente com mais de 50 anos. 17.Temperatura axilar maior ou igual a 38,5°C. 18.Mais de seis a 10 evacuações/dia. 19.Diarreia do viajante (se cursar com disenteria). 10.Diarreias nosocomiais e/ou institucionais. Uma vez que a solicitação de exames é necessária, devem ser priorizadas as pesquisas de coprocultura, pesquisa de leucócitos fecais, testes imunológicos (ELISA) e a pesquisa de sangue oculto nas fezes. Conforme previamente exposto, a solicitação de coprocultura de rotina não se justifica, já que JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 apresentaria diversos fatores negativos, como positividade menor do que 10%. Vale ressaltar também que, de acordo com dados norte-americanos (20), em relação a valores financeiros o custo do exame de rotina ficaria entre 950 e 1.200 dólares (1.920 e 2.420 reais) por caso positivo. A solicitação do exame parasitológico de fezes também não deve ser feita rotineiramente, sendo sua indicação reservada a casos especiais, como diarreia persistente ou diarreia do viajante (Giardia, Cryptosporidium, Entamoeba histolytica, Cyclospora); cuidadores de crianças em escolas ou creches (Giardia, Cryptosporidium); surto diarreico associado à água contaminada; diarreia hemorrágica com pouco ou nenhum leucócito nas fezes (amebíase). • Abordagem terapêutica Na abordagem terapêutica, a principal medida a ser instituída é a terapia de reidratação. Independentemente de sua etiologia e forma de apresentação clínica, as medidas de suporte são fundamentais para o manejo adequado da doença. De acordo com orientação da OMS, a terapia de reidratação deve ser por via oral, sempre que possível. Convém ressaltar que é de fundamental importância que os antidiarreicos (por exemplo, a loperamida) não sejam administrados nos casos de diarreia com sangue ou na suspeita de infecção por E. coli, sob risco de desenvolvimento de complicações, como o megacólon tóxico e a síndrome hemolítico-urêmica. Além da loperamida, outro antidiarreico que pode ser utilizado atualmente é o racecadotril. Este é um fármaco que age como inibidor da encefalinase e se mostrou eficaz na redução do tempo da terapia de reposição hídrica em adultos e crianças com diarreia aguda (21). Estudos posteriores (22) demonstraram que ele apresenta ação tão efetiva quanto a da loperamida na resolução da diarreia aguda, mas proporciona maior redução da dor e distensão abdominais. Os probióticos têm sido cada vez mais valorizados em diversas áreas da Gastroenterologia, mas nos casos de diarreia aguda sua indicação permanece controversa. Em revisão sistemática publicada em 2010 (23), o S. boulardii foi fortemente recomendado Na abordagem do paciente com quadro de diarreia aguda, a anamnese e o exame físico são fundamentais. A solicitação de exames laboratoriais não é custo-efetiva; assim, a maioria dos pacientes não necessita dos mesmos. Pontos-chave: > A anamnese e o exame físico são fundamentais; > Devem ser priorizadas as pesquisas de coprocultura, pesquisa de leucócitos fecais, testes imunológicos (ELISA) e a pesquisa de sangue oculto nas fezes; > Exame parasitológico tem indicação reservada a casos especiais. 47 Diarreia aguda QUADRO 5: Terapia antimicrobiana em adultos (via oral) Causa Terapia Shigelose grave S. (para)typhi Ciprofloxacino 500mg 2x/d, 3 dias Ciprofloxacino 500mg 2x/d, 10 dias (primeira escolha); amoxicilina 750mg 4dd, 14 dias (alternativa 1); cotrimoxazol 960mg 2x/d, 14 dias (alternativa 2) Outras salmoneloses Ciprofloxacino 500mg 2x/d, 10 dias (primeira escolha); amoxicilina 750mg 4dd, 14 dias (alternativa 1); cotrimoxazol 960mg 2x/d, 14 dias (alternativa 2) Campylobacter (queixas graves e persistentes) Eritromicina 250mg 4x/d, 5 dias; claritromicina 250mg 4x/d, 5 dias Yersinia Doxiciclina 200mg no primeiro dia, depois 100mg 1x/d, 4 dias; cotrimoxazol 960mg 2x/d, 5 dias (alternativa 1); ciprofloxacino 500mg 2x/d, 5 dias (alternativa 2) Disenteria amebiana Tinidazol 2g 1x/d, 3 dias (primeira escolha); metronidazol 750mg 3dd, 5 dias (alternativa 1) (seguida de furoato de diloxanida 500mg 3x/d, 10 dias) Vibrio cholerae Ciprofloxacino 1g dose única; doxiciclina 300mg dose única Giardia lamblia Tinidazol 2g dose única Schistosoma spp. Praziquantel 40mg/kg dose única Strongyloides stercoralis Albendazol 400mg 1x/d, 3 dias; ivermectina 150-200mcg/kg dose única; tiabendazol 25mg/kg 2x/d, 2 dias (máximo 1.500mg por dose) Trichuris trichiura Mebendazol 100mg 2x/d, 3 dias Criptosporidiose; recuperação espontânea em imunocompetentes; se imunocomprometido com diarreia persistente Paromomicina 500-1.000mg 3x/d, 14 dias; azitromicina 500 mg 1x/d, 3 dias Cyclospora Sulfametoxazol + trimetoprima 960mg 3x/d, 14 dias Isospora belli Sulfametoxazol + trimetoprima 960mg 3x/d, 14 dias Clostridium difficile — geralmente há recuperação espontânea após suspensão dos antibióticos Metronidazol 500mg 3x/d, 7-10 dias (se necessário); vancomicina 125mg 4x/d, 7-10 dias (alternativa) Fonte: WGO practice guidelines — diarreia aguda em adultos, p. 6. para prevenção dos casos de diarreia associada ao uso de antibiótico e diarreia dos viajantes. Além das medidas de suporte, pode ou não haver necessidade de antibioticoterapia. Em média, apenas 1% a 5% dos casos necessitarão de antibióticos. A imensa maioria dos pacientes responde à terapia de reposição hidroeletrolítica adequada em três a sete dias, com melhora evidente nas primeiras 48 horas. Com isso, os antibióticos devem ser indicados para pacientes que cursem com: seis a 10 evacuações diárias; diarreia com sangue, muco ou pus; 48 pesquisa de polimorfonucleares positiva nas fezes; presença de dor abdominal significativa; repercussões sistêmicas e/ou instabilidade hemodinâmica; sintomas há mais de 48 horas; diarreia dos viajantes em casos moderados a graves; presença de focos metastáticos extraintestinais; necessidade de internação hospitalar e/ou pacientes imunocomprometidos. Para a maioria dos pacientes com 18 anos ou mais está indicada a terapia com ciprofloxacino (500mg, de 12/12h) ou azitromicina (500mg, de 24/24h), por três a cinco dias. O esquema com sulfametoxazol 800mg-trimetoprima 160mg a JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Diarreia aguda cada 12h não deve ser recomendado empiricamente, principalmente nos casos graves, em função da crescente resistência bacteriana. Convém ressaltar que nos últimos anos o padrão de resistência às fluoroquinolonas vem aumentando e, por isso, é importante observar o padrão local antes de decidir a medicação a ser prescrita. O Quadro 5 relaciona alguns dos principais agentes etiológicos e a orientação terapêutica específica. • Terapia com nitazoxanida Atualmente não é possível falar em terapia para casos de diarreia sem conside- Referências Endereço para correspondência: Antônio Carlos Moraes Rua Dona Mariana 143, sala A-29 — Botafogo 22280-020 Rio de Janeiro-RJ, [email protected] 50 11. WGO Practice Guidelines — Diarreia aguda em adultos. 12. FELDMAN — Sleisenger and Fordtran’s gastrointestinal and liver disease. 9. ed., p. 211-32. 13. http://apps.who.int/ghodata/?vid=2250-global_burden_disease_death_estimates_sex_age_2008. 14. BLACKLOW, N.R. & GREENBERG, H.B. — Viral gastroenteritis. N. Engl. J. Med., 325(4): 252, 1991. 15. PARASHAR, U.D.; BURTON, A. et al. — Global mortality associated with rotavirus disease among children in 2004. N. Engl. J. Med., 360(11): 1063, 2009. 16. CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION — Norovirus outbreak among evacuees from hurricane Katrina — Houston, Texas, September 2005. MMWR Morb. Mortal. Wkly. Rep., 54(40): 1016, 2005. rar a nitazoxanida (NTZ). Este fármaco, da classe de drogas das tiazolidas (nitro-drug family), possui amplo espectro de ação documentado contra parasitas (especialmente protozoários e helmintos) e bactérias aeróbicas (25). Diferentemente da maioria das drogas de sua classe (26-28), a NTZ é metabolicamente estável e não é reduzida como parte do mecanismo de ação (MoA) (29, 30). Assim, este fármaco representa um avanço significativo no tratamento das infecções parasitárias intestinais em todo o mundo (31). 17. GUERRANT, R.L.; VAN GILDER, T. et al. — Practice guidelines for the management of infectious diarrhea. Clin. Infect. Dis., 32(3): 331, 2001. 18. KONEMAN’S — Color atlas and textbook of diagnostic microbiology. 6. ed., 2005. 19. HIGGINS, R.R.; BENIPRASHAD, M. et al. — Evaluation and verification of the Seeplex Diarrhea-V ACE assay for simultaneous detection of adenovirus, rotavirus, and norovirus genogroups I and II in clinical stool specimens. J. Clin. Microbiol., 49(9): 3154-62, 2011. 10. http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM :2009:0228:FIN:PT:PDF. Obs.: As 21 referências restantes que compõem este artigo se encontram na Redação à disposição dos interessados. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 panorama internacional Síndrome de Guillain-Barré N. Engl. J. Med. A síndrome de Guillain-Barré (SGB) representa a causa mais frequente de paralisia muscular flácida em todo o mundo. Apesar de, felizmente, o prognóstico ser bom na maior parte dos casos, até 20% dos pacientes acometidos podem evoluir com incapacidade física, e a mortalidade chega a 5%. O periódico The New England Journal of Medicine traz o artigo “Guillain-Barré Syndrome”, no qual Yuki, N. e Hartung, H.P. revisam aspectos relacionados à fisiopatologia, diagnóstico e manejo dos pacientes acometidos pela doença, com foco em novos conhecimentos científicos (NEJM 2012; 366:2294-304). Em dois terços dos casos, a SGB — que tem etiologia de base autoimune — é precedida por sintomas infecciosos do trato respiratório superior ou gastroenterite aguda (diarreia). Os principais agentes etiológicos identificados como desencadeantes são Campylobacter jejuni (cerca de 30% dos casos) e citomegalovírus (cerca de 10%), apesar de já terem sido descritos casos relacionados ao vírus Epstein-Barr, varicela-zoster e ao Mycoplasma pneumoniae. O mimetismo molecular entre esses agentes etiológicos e estruturas neurais parece ser o mecanismo principal que desencadeia o desenvolvimento de autoanticorpos. Desse modo, os pacientes referem que, cerca de três dias até seis semanas após o quadro infeccioso intestinal ou respiratório, surge o cortejo sintomático típico da SGB: fraqueza muscular dos membros (bilateral, simétrica, progressiva e ascendente), parestesia e dor neurogênica. Hipo ou arreflexia generalizada estão presentes em praticamente todos os pacientes e constituem um forte indicativo da doença. Com a evolução do quadro podem ocorrer incapacidade de deambulação e insuficiência respiratória. Os óbitos, quando ocorrem, correlacionam-se a complicações como infecção respiratória grave e sepse, embolia pulmonar, sangramento gastrointestinal ou instabilidade hemodinâmica por distúrbios autonômiJBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 cos. Entende-se atualmente que as manifestações neurológicas decorrem de polineuropatia desmielinizante inflamatória aguda e degeneração axonal, esta última detectada tanto nas raízes neurais quanto nos pequenos e grandes nervos sensoriais e motores. Em relação à confirmação do diagnóstico da SGB, os autores destacam que cerca de 50% dos pacientes apresentam a dissociação albuminocitológica, ou seja, alto teor proteico com celularidade normal à análise do fluido cerebroespinhal (por punção lombar). Sobre o tratamento, descrevem que os pacientes devem ser mantidos em ambiente hospitalar, sob monitoramento cardiorrespiratório, até que se defina a progressão clínica do quadro neurológico. A terapia de suporte visa medidas como controle da dor (opioides, gabapentina ou carbamazepina), profilaxia de fenômenos tromboembólicos e programas individualizados de reabilitação física. Finalmente, destacam que a pedra angular do tratamento da SGB é a imunoterapia, através de plasmaférese ou de imunoglobulinas por via intravenosa. Deve ser iniciada preferencialmente nas primeiras duas semanas após o início do quadro, em especial nos casos em que há comprometimento da capacidade de deambular. Seu uso é capaz de melhorar o prognóstico, por resultar em menor índice de lesão neural e recuperação clínica mais rápida. Nefrite lúpica Arthritis Care Res. O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é um distúrbio sistêmico de etiologia autoimune, no qual ocorre acometimento de órgãos e sistemas diversos, com evolução clínica caracterizada por períodos de remissão espontânea e recorrências, variando em gravidade desde formas leves até quadros rapidamente progressivos e que põem em risco a vida dos pacientes. Acomete principalmente mulheres em fase reprodutiva, da raça negra e com his- Profa. Dra. Andréa F. Mendes tórico familial positivo. As manifestações clínicas são heterogêneas, mas a maioria dos pacientes descreve sintomas sistêmicos (febre, astenia, anorexia, perda ponderal), além de exibir a típica lesão eritematosa cutânea em região malar, descrita como “em asa de borboleta”. Pode haver acometimento articular (artrite, sinovite), alopecia, serosites (pleurite, pericardite) e manifestações oftalmológicas (conjuntivite, fotofobia, perda de visão transitória ou permanente), além de lesão em sistemas vitais, como sangue (citopenias), sistema nervoso central (psicose, comprometimento de pares cranianos, convulsões) e rins (glomerulonefrite — GMN). O American College of Rheumatology (ACR) publicou recentemente novas diretrizes sobre o manejo da nefrite lúpica (Hahn, B.H. et al. — American College of Rheumatology guidelines for screening, treatment, and management of lupus nephritis. Arthritis Care Res., 2012; 64:797-808), que, de acordo com os autores, acomete cerca de 35% dos portadores de LES à época do diagnóstico e está presente em até 50%-60% dos casos, após 10 anos de doença. O acometimento renal é considerado o principal fator capaz de predizer a morbidade e a mortalidade entre os portadores de LES. Entre as principais recomendações do ACR estão: 1. todos os pacientes com evidências clínicas de nefrite lúpica devem ser submetidos à biopsia renal, exceto se houver contraindicação formal; 2. a base do tratamento de todos os pacientes deve ser com hidroxicloroquina, exceto se contraindicada; 3. aqueles com proteinúria ≥ 0,5g/24h devem usar inibidores da ECA, os que tiverem colesterol LDL > 100mg/dl devem receber estatinas e a pressão arterial não deve ultrapassar 130/80mmHg; 4. as nefrites lúpicas classes I (GMN lúpica mesangial mínima) e II (GMN lúpica mesangial proliferativa) — de acordo com os critérios da Sociedade Internacional de Nefrologia/Sociedade de Patologia Renal, ISN/RPS — não necessitam terapia imunossupressora, devendo-se reservar o micofenolato mofetil e a ciclofosfamida intravenosa, em associação aos glicocorticoides, para os casos classe III (GMN lúpica focal) ou IV (GMN lúpica difusa segmentar ou global); 5. tanto a azatioprina quanto o micofenolato mofetil podem ser usados como terapia de manutenção naqueles que responderam à terapia inicial; e, finalmente, 6. os autores fornecem instruções sobre as doses ideais de glicocorticoides (inclusive pulsoterapia), além de instruções sobre como alterar o esquema medicamentoso naqueles que não respondem inicialmente (incluindo a possibilidade de usar rituximabe). 51 Helio Magarinos Torres Filho Patologista clínico, diretor médico do Laboratório Richet (RJ). Presidente regional RJ da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica (SBPC). Tuberculose Introdução Resumo O diagnóstico laboratorial da tuberculose é de fundamental importância para o correto tratamento e controle da disseminação da doença. Dentre os principais métodos diagnósticos, os testes baseados em biologia molecular vêm ocupando cada vez mais um papel de destaque; entretanto, ainda não substituem por completo os métodos tradicionais, como a cultura e a pesquisa direta. A dosagem da adenosina deaminase (ADA) tem utilidade no diagnóstico de doença extrapulmonar e o teste de liberação de interferon gama linfocitário (IGRA) é de utilidade no diagnóstico de tuberculose latente. A utilização conjunta dos diferentes métodos disponíveis tem trazido grandes vantagens clínicas. Unitermos: Tuberculose; PCR MTB; IGRA; GeneXpert MTB. Summary The laboratory diagnosis of tuberculosis is of fundamental importance for the correct treatment and control the spread of the disease. Among the main diagnostic methods, the tests based on molecular biology are occupying an increasingly prominent role, however, has not yet completely replace traditional methods such as culture and direct search. The determination of adenosine deaminase (ADA) has useful in diagnosis of extrapulmonary disease and the interferon gamma release assay (IGRA) is useful in the diagnosis of latent tuberculosis. The combination use of different methods available has brought great clinical advantages. Keywords: Tuberculosis; MTB PCR; IGRA; MTB GeneXpert. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 De todas as doenças que afetam a humanidade, a tuberculose (Tb) é uma das mais antigas e também uma das que mais desafiam médicos e pesquisadores. A proximidade do M. tuberculosis com o M. bovis leva à estimativa de que a doença circule entre a humanidade desde que os humanos começaram a conviver com animais domesticados, há aproximadamente 15 mil anos. Diversos achados arqueológicos evidenciam a sua presença nas antigas civilizações, como Antigo Egito, Grécia Antiga e Império Inca. Uma das primeiras descrições foi registrada por Hipócrates, entre 400 e 350 a.C. Calcula-se que um terço de toda a população mundial se encontre infectada pelo bacilo da tuberculose, e que a cada segundo ocorra um novo caso. Em 2009, a Organização Mundial da Saúde (OMS) registrou 9,4 milhões de novos casos de doença em atividade, sendo 1,1 milhão em pacientes HIV+, e 1,7 milhão de mortes, o que corresponde a 4.700 mortes/dia. Em regiões mais pobres, a tuberculose pediátrica avança, correspondendo a 15%-20% dos casos. O Brasil, apesar de ter apresentado progressos em relação à diminuição de novos casos, ainda figura entre os 22 países detentores de 80% de todos os casos do mundo, ocupando a 19a posição. O Ministério da Saúde anunciou que houve redução na taxa de novos casos entre os anos de 2008 e 2010, que representa cerca de 3 mil novos casos a menos no período; entretanto, na quantidade de casos totais, a doença ainda representa um grave problema de saúde pública, atingindo cerca de 38 a cada 100 mil pessoas. A tuberculose é a terceira maior causa de morte por doenças infecciosas e a primeira entre pacientes com AIDS. O Estado do Rio de Janeiro ocupa a primeira posição do Brasil em número de casos, com cerca de 70 a cada 100 mil habitantes. Durante muitos anos a tuberculose permaneceu de certa forma controlada e decrescente; entretanto, nos últimos anos não apenas a quantidade de casos aumentou, como também ocorreu o aumento dos casos de resistência antimicrobiana. Em algumas regiões da Europa Oriental e da Ásia já se registram até 20% de casos de resistência a pelo menos duas das drogas primárias, caracterizada como multirresistência (MDR-TB). Em 2009 foram registrados cerca de 250 mil casos de MDR-TB, correspondendo a 3,3% de todos os novos casos. Metade de todos os casos de MDR-TB está concentrada na China e Índia. A OMS estima que apenas 2% de todos os casos de MDR-TB sejam corretamente diagnosticados e tratados. A emergência de casos de super-resistência, também conhecidos como XDR-TB, nos quais existe resistência não apenas às drogas primárias, como também às drogas secundárias, se tornou mais acentuada nos últimos anos. Em julho de 2010, casos de XDR-TB já haviam sido reportados em 58 países. A mortalidade nestes casos atinge 65% a 100% dos pacientes. Uma das dificuldades no combate à tuberculose está no caráter fastidioso do M. tuberculosis, que faz com que o seu isolamento seja difícil e demorado. A história dos métodos laboratoriais para o auxílio no diagnóstico da tuberculose começou junto com a descoberta do agente etiológico, pelo próprio Robert Koch, em 1882, há 130 anos. diagnóstico laboratorial Tuberculose 53 Tuberculose Amostras Uma das etapas mais importantes no diagnóstico é a seleção da amostra correta. Principalmente nas fases iniciais, nas quais as lesões produzem pouca quantidade de bacilos (paucibacilares), a escolha da amostra correta é de fundamental importância. As amostras de escarro, apesar de serem de fácil obtenção, com coleta não invasiva, devem ser avaliadas quanto à sua qualidade. A presença de leucócitos e macrófagos pulmonares e a sua relação com a quantidade de células epiteliais (presentes somente em saliva) devem ser maiores que 2:1. Esta relação pode ser facilmente obtida, mesmo durante o exame para a pesquisa de BAAR, e alguns serviços optam por incluí-la nos seus laudos. Quando a suspeita é de Tb pulmonar, as amostras de escarro são preferenciais. O paciente deve ser orientado a coletar amostras matinais, sem secreção nasal ou saliva. O acréscimo de mais amostras aumenta a sensibilidade do teste (ideal: três amostras matinais, coletadas em dias consecutivos, usando-se frascos distintos, encaminhadas ao laboratório no mesmo dia). O volume mínimo de escarro é de 10 a 15ml e as amostras, quando não entregues no laboratório em até duas horas, devem ser mantidas sob refrigeração (2°C-8°C). Em pacientes que não produzem expectoração, a indução com solução de salina hipertônica (5%-15%), com inalador ultrassônico, pode ser considerada — entretanto, este procedimento requer ambiente especial para coleta, o que dificulta a disponibilidade do teste na maioria dos serviços. No caso de negatividade da amostra de escarro e necessidade de definição diagnóstica em curto prazo, a broncoscopia com coleta de lavado broncoalveolar deve ser o próximo passo. Neste caso será necessário um mínimo de 100ml, coletados em frasco de Lukens. Amostras de líquido pleural devem ser coletadas em frascos e seringas que não contenham heparina, pois a reação enzimática de PCR pode ser inibida. Como neste tipo de amostra a sensibilidade de todos os testes é bastante limitada, quanto maior o volume enviado ao laboratório melhor, limitando-o entre 10 e 100ml. Vale lembrar que se for solicitada citometria, a coleta de um frasco com anticoagulante, preferencialmente EDTA, será necessária. Outros tipos de amostra, como liquor, líquidos pericárdico, sinovial e peritoneal, devem seguir as mesmas recomendações, com exceção do volume. Linfonodos, fragmentos pulmonares e outros tecidos obtidos por biopsia devem ser coletados em frascos contendo soro fisiológico (solução de NaCl a 9%), com o cuidado de que o tecido fique totalmente submerso na solução, para evitar o seu dessecamento. As secreções, purulentas ou não, devem preferentemente ser coletadas com uma seringa, que deve ser encaminhada ao laboratório sem a agulha. Amostras coletadas em zaragatoas (swabs) não são apropriadas, porque os bacilos podem ficar aderidos. A coleta de aspirados gástricos, utilizados para a pesquisa de Tb em crianças, não apresenta bons resultados, e requer processamento rápido. As amostras de fezes, utilizadas para a pesquisa de Tb intestinal, apresentam elevado grau de contaminação, tendo suas indicações limitadas ao diagnóstico de M. avium em pacientes com AIDS. O diagnóstico de tuberculose renal pode ser feito através de amostras de urina, três a cinco amostras matinais, jato médio, em frascos distintos, em dias consecutivos. Amostras de urina de 24 horas são inapropriadas. Testes Basicamente, dispomos atualmente de cinco tipos de testes diagnósticos laboratoriais para a tuberculose: pesquisas diretas, cultura, testes moleculares, diagnóstico de tuberculose latente (PPD e IGRA) e adenosina deaminase. Pesquisas diretas Figura: Frasco de Lukens, utilizado para a coleta de lavado broncoalveolar. 54 As pesquisas diretas se baseiam na coloração dos bacilos. O componente lipídico do Mycobacterium torna o corante fucsina resistente à descoloração pelo álcool e pelo ácido (bacilo álcool-ácido resistente, ou BAAR). Trata-se de um método já com mais de 130 anos, introduzido pelo próprio Robert Koch, ainda muito utilizado em todo o mundo. A realização do teste é muito simples, rápida e barata; entretanto, a sua eficácia é bastante limitada. A sensibilidade é bastante variável e dependente JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Tuberculose TABELA 1: Tipo de amostra e forma de coleta para cultura de micobactérias AmostraColeta Acondicionamento Conservação Escarro 3 amostras matinais — dias consecutivos Frascos estéreis separados 2ºC-8ºC Líquido pleural 10-100ml Frasco estéril sem heparina 2ºC-8ºC Liquor 1-100ml Frasco estéril 2ºC-8ºC Lavado broncoalveolar 100-500ml Frasco de Lukens 2ºC-8ºC Líquido peritoneal 100-500ml Frasco estéril 2ºC-8ºC Líquido sinovial 1-100ml Frasco estéril 2ºC-8ºC Fragmentos de tecido Mínimo de 1cm Frasco estéril com soro fisiológico 2ºC-8ºC Secreções Mínimo de 0,5ml Seringa ou frasco estéril (não usar swab)2ºC-8ºC Medula óssea Mínimo 1ml Seringa sem anticoagulantes 2ºC-8ºC Urina 3 amostras matinais (jato médio) — dias consecutivos Frascos estéreis separados 2ºC-8ºC da quantidade de bacilos na amostra. Enquanto amostras com 106 bacilos/ml apresentam sensibilidade de 100%, este índice cai para 60% se a quantidade de bacilos for de 104 por ml. Estudos mostram uma variação de 22% a 80% na sensibilidade da pesquisa de BAAR. A composição lipídica da parede celular do Mycobacterium contribui para que ele não se sedimente facilmente em amostras aquosas, como aquelas preparadas no laboratório, o que faz com que o processo de centrifugação e de liquefação seja fundamental para a sensibilidade de todos os testes diagnósticos para Tb. Existem algumas variações das pesquisas diretas. A pesquisa utilizando um corante que se torna fluorescente (auramina-rodamina) é bastante popular nos EUA, pois permite a visualização de maior quantidade de campos em menor tempo, diferente da coloração de Ziehl-Neelsen, em que os bacilos só podem ser visualizados com grande aumento. A falta de sensibilidade da pesquisa de BAAR causa um grande impacto no controle da disseminação da tuberculose. Estima-se que 30% das amostras podem ser BAAR-negativas e culturaJBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 -positivas, e que estes casos correspondem a 20% das transmissões da doença. Cultura A primeira descrição de um meio de cultura específico para micobactérias data de 1902 (Dorset), aperfeiçoado em 1915 por Löwenstein. O meio de Löwenstein-Jensen, até hoje utilizado, é um dos mais eficazes; entretanto, o tempo para o surgimento de colônias em geral é superior a 20 dias, devido à reprodução demorada do M. tuberculosis in vitro. Outros meios de base líquida foram desenvolvidos e se mostraram um pouco mais eficazes. Quando associados a equipamentos capazes de detectar componentes do metabolismo bacteriano, como o CO2, antes da formação de colônias visíveis, o tempo para a detecção se reduz consideravelmente para 12-14 dias. Existem diversos equipamentos automatizados para a cultura de micobactérias, sendo os mais utilizados em nosso meio o MGIT (Becton Dickinson) e o MB/BACT (Biomerieux). O MGIT tem a vantagem de também possibilitar a realização do teste de sensibilidade para drogas primárias. Assim como acontece com a pesquisa direta, a eficácia da cultura depende essencialmente da amostra e de como ela é processada. Amostras contaminadas por outras bactérias, como escarro, necessitam ser submetidas a um processo de descontaminação, geralmente utilizando uma solução de agentes antimicrobianos aos quais as micobactérias são resistentes. O processo de concentração da amostra através da liquefação do escarro utilizando enzimas e a centrifugação também são de extrema importância. A sensibilidade em amostras centrifugadas é aproximadamente o dobro da que ocorre em amostras sem centrifugação. Outro dado importante é o agrupamento dos organismos em grumos coesos, que acontece com maior frequência em amostras de pacientes paucibacilares. O processo de digestão e centrifugação ajuda a desfazer os grumos, tornando o teste mais sensível. Existem espécies de micobactérias que crescem melhor em meios líquidos, como os utilizados nos equipamentos automatizados, e outras que crescem melhor em meios sólidos, como o meio de Löwenstein55 Tuberculose -Jensen. Portanto, é importante que o laboratório utilize sempre mais de uma metodologia de cultivo. Testes moleculares Os testes moleculares surgiram nos laboratórios clínicos nos meados da década de 90, e o teste para detecção de DNA de M. tuberculosis foi um dos primeiros a ser lançado pela indústria diagnóstica. Na época, havia a perspectiva de que o teste viria para resolver todas as dificuldades que tínhamos com o diagnóstico de Tb; entretanto, os estudos clínicos ainda não eram inteiramente conclusivos e havia certa confusão em relação à interpretação dos resultados. Havia os que acreditavam que o teste fornecesse resultados falso-positivos, por ser capaz de detectar fragmentos de DNA bacteriano em casos de tuberculose latente, ou até mesmo de simples contato com o bacilo, sem o desenvolvimento de qualquer tipo de processo infeccioso. Chegamos a presenciar relatos em apresentações que afirmavam que se o teste fosse feito em todos os que estavam na sala, o resultado seria positivo na maioria, pelo simples fato de já terem lidado com pacientes portadores de bacilo. Entretanto, com o tempo, os estudos mais robustos mostraram que a limitação do teste era justamente o contrário. O resultado não se mostrava suficientemente sensível para a detecção de todos os casos, deixando ainda uma parcela de cerca de 10% a 15% de Tb sem o diagnóstico definitivo até a obtenção do resultado da cultura. Atualmente sabemos que os testes moleculares de Tb evoluíram consideravelmente e se tornaram uma ferramenta de fundamental importância para o diagnóstico rápido. No entanto, apesar de mais sensíveis, os testes ainda deixam de diagnosticar cerca de 5% a 10% dos casos. Em amostras BAAR-positivas, a sensibilidade é próxima a 100%, mas nas amostras BAAR-negativas, que são justamente os casos de maior dificuldade diagnóstica, a sensibilidade ainda é menor do que a da cultura. Algumas explicações foram postuladas, sendo 56 uma das principais o fato de que em alguns casos os bacilos são expelidos em grupamentos coesos e de difícil dissociação. Portanto, como a quantidade de amostra utilizada na realização do teste é bastante reduzida, se não houver um grupo coeso de bacilos o resultado acaba sendo falso-negativo. E este fenômeno ocorre com maior frequência justamente nos casos paucibacilares. Por este motivo, o processo de concentração da amostra é de fundamental importância. Outro detalhe que aumenta consideravelmente a sensibilidade é a realização em mais de uma amostra. Estudos mostram que ao realizarmos o teste em pelo menos três amostras de escarro temos um aumento da sensibilidade em cerca de 10%. A evolução dos testes moleculares para Tb atingiu grande importância com o lançamento de um novo equipamento, no qual o teste, que anteriormente demandava um grau considerável de complexidade técnica, passou a ser feito de forma muito mais simples e rápida. O teste chamado GeneXpert MTB (Cepheid, EUA) é capaz de fornecer resultados em menos de duas horas, pode ser realizado em ambientes laboratoriais menos complexos e dispensa mão-de-obra especializada. Na verdade, continua sendo um teste de biologia molecular, utilizando técnica de PCR em tempo real como os outros, entretanto, feito de uma forma bastante simples e prática. Outro importante ponto a ser destacado é que o resultado é semiquantitativo, dando uma ideia da quantidade de DNA de M. tuberculosis presente na amostra. Além disso, ele também fornece informação sobre a presença de mutações que conferem resistência à rifampicina, quando a pesquisa se encontra positiva. A codificação para a resistência à rifampicina se localiza no gene rpoB, e 95% a 98% de todos os casos de resistência à rifampicina também apresentam resistência à isoniazida, caracterizando multirresistência. O estudo que consagrou a utilização clínica deste teste foi publicado em 2010 (Boheme C. et al., NEJM, 363: 105, 2010) e utilizou 4.386 amostras, de 1.462 pacientes. Além de apresentar graus de sensibilidade e especificidade bastante semelhantes e até um pouco superiores ao descrito com as técnicas de PCR em tempo real tradicionais, foi assinalado pelos autores um ponto extremamente importante: em amostras BAAR-negativas, a sensibilidade, tal como acontece com os outros testes de PCR, não era boa quando o teste era rea lizado com amostra única (72,5%), mas passou para 85,1% acrescentando-se uma segunda amostra do mesmo paciente e para 90,2% com o acréscimo da terceira amostra, aumentando o grau de sensibilidade em 17,7% e atingindo um índice bastante razoável para amostras BAAR-negativas. Alguns estudos mostram que o teste pode também ser aplicado com razoável êxito em amostras extrapulmonares; entretanto, a configuração do kit é apenas para amostras pulmonares. Diagnóstico de tuberculose latente — teste de estímulo à produção de interferon gama linfocitário Estima-se que cerca de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo possam ser portadoras da forma latente da tuberculose, na qual tiveram contato com o bacilo, que foi inativado pelo sistema de TABELA 2: Sensibilidade e especificidade do teste GeneXpert MTB Cultura+Cultura+ Resistência BAAR+ BAAR– rifampicina 2 amostras 3 amostras Sensibilidade (%) 98,20 72,5099,10 85,1090,20 Especificidade (%) 99,20 99,20100 98,6098,10 Adaptado de Boheme, C. et al., NEJM, 363: 105, 2010. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Tuberculose defesa, mas não completamente destruí do, podendo se reativar e gerar doença em ocasiões de fragilidades imunológicas, como estados de imunossupressão, má nutrição e doenças crônicas. A resposta à infecção pelo bacilo da tuberculose começa cerca de duas semanas após a infecção. A imunorrea ção acontece após a fagocitose dos bacilos pelos macrófagos pulmonares, que enviam a mensagem antigênica aos linfócitos T, que produzem citocinas que mediam todos os mecanismos de defesa, sendo as principais do grupo Th1 (interleucina 2, interleucina 12 e interferon gama). Com base neste princípio, foi desenvolvido um teste em que o sangue do paciente é coletado em tubos impregnados com antígenos do bacilo da tuberculose sinteticamente produzidos (ESAT-6, CFP-10 e TB 7.7/p4). Após um período de incubação, é medida a quantidade de interferon gama produzida pelos linfócitos do paciente. Em alguns estudos, o teste denominado IGRA (interferon gama release assay), mais conhecido e disponível em nosso meio como QuantiFERON-Tb Gold Referências 1. LIPSKY, G.J. — Factors affecting the clinical value of microscopy for acid-fast bacilli. Rev. Infect. Dis., 6: 214, 1984. 2. BOEHME, C.C.; NEBETS, P. et al. — Rapid molecular detection of tuberculosis and rifampicin resistence. N. Engl. J. Med., 363: 1005-15, 2010. 3. WIN JR., W. et al. — Koneman’s color atlas and textbook of diagnostic microbiology. 6. ed., 2006. 4. PANAIOTYS, I. et al. — Cepheid GeneXpert MTB/RIF assay for Mycobacterium tuberculosis detection JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 (Cellestis/Quiagen, EUA), se mostra — quando comparado com o teste tradicionalmente utilizado para detecção de tuberculose latente, o PPD ou o teste de Mantoux — com sensibilidade semelhante (91% versus 95%), mas significativamente mais específico (99% versus 85%). Esta diferença acontece pelo fato de o PPD poder apresentar reatividade cruzada com a BCG e também com outras espécies de micobactérias diferentes do M. tuberculosis. Em um estudo conduzido nos EUA, em profissionais de saúde, Baha, A. et al., utilizando o teste PPD como rastreamento e o Tb Gold como confirmatório nos casos de PPD+, detectaram significativa redução de 50% nos custos com a prevenção terapêutica de Tb latente. A limitação do teste recai sobre o diagnóstico de doença ativa, já que não é possível fazer distinção entre Tb ativa e latente. Adenosina deaminase A adenosina deaminase (ADA) é uma enzima produzida pelos linfócitos durante a resposta do tipo celular em alguns processos, incluindo a tuberculose. and rifampicin resistence identification in patients with substantial clinical indications of tuberculosis and smear-negative microscopy results. J. Clin. Microbiol., 49: 8, 2011. 5. BAHA, A. et al. — Utilization of the QuantiFERON-TB Gold Test in a two-step process with the tuberculin skin test to evaluate health care workers for latent tuberculosis. J. Clin. Microbiol., 48: 8, 2010. 6. MORRISON, P. et al. — J. Bras. Pneum., 2008. 7. SCHLOSSBERG, D. — Tuberculosis and nontuberculous mycobacteria infection. 6. ed., ASM Press, 2012. Tem utilidade no diagnóstico de tuberculose extrapulmonar, principalmente em amostras de líquido pleural e li quor, apresentando sensibilidade maior que 90% e especificidade em torno de 88% (Morrison, P. et al., J. Bras. Pneum., 2008). Suas limitações consistem nos casos de doenças linfoproliferativas e imunodeficiências. Conclusão A tuberculose é uma doença que, apesar de ter etiologia e tratamento bem conhecidos e definidos, vem desafiando a Medicina há milhares de anos. Com o avanço dos métodos diagnósticos, temos mais condições de combatê-la de forma mais eficaz, com o diagnóstico e instituição de tratamento precoces, evitando a disseminação de novos casos. Agradecimento À equipe de médicos, biólogos, biomédicos, farmacêuticos, analistas e demais profissionais do Laboratório Richet, que com muito afinco nos ajuda na implementação e estudo de novos testes diagnósticos. Endereço para correspondência: Helio Magarinos Torres Filho Av. das Américas, 4801/Loja D 22631-004 Rio de Janeiro-RJ [email protected] 57 Alan Yazaldy Chambi Cotrado Maria Fernanda Rezende Bernardo Sanches L. Vianna Rodrigo Rodrigues Batista Marcos F. H. Cavalcanti Marcelo César G. Carneiro Jader Cunha de Azevedo Renata Christian Martins Felix Nilton Lavatori Correa Evandro Tinoco Mesquita Marcus Vinicius J. Santos Claudio Tinoco Mesquita José Galvão-Alves Do Hospital Pró-Cardíaco, da Universidade Federal Fluminense e da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Relato do caso F.C.B., sexo feminino, 35 anos de idade, casada, natural do Rio de Janeiro, com queixa de palpitações, cefaleia occipital, calor na face e picos hipertensivos com três meses de evolução. Há um mês apresentou episódio de angina pectoris, associado a pico hipertensivo e taquicardia. Foi submetida a cineangiocoronariografia, que não evidenciou lesão coronariana obstrutiva, apenas ponte intramiocárdica na artéria descendente anterior. À época a paciente estava em uso regular de atenolol, besilato de anlodipino, ácido acetilsalicílico e alprazolam. A investigação através de exames laboratoriais evidenciou: ácido vanilmandélico duas vezes acima do valor de referência; níveis séricos de adrenalina (94pg/ml; valor de referência: até 85pg/ml), noradrenalina (681pg/ml; valor de referência: 420pg/ml) e dopamina (90pg/ml; valor de referência: 64pg/ml) aumentados. Com a suspeição de tumor produtor de catecolaminas, foi iniciada a investigação por métodos de imagem, sendo realizada cintilografia com 123Iodo-MIBG, que foi normal. Após, foi solicitada cintilografia com 99mTc-octreotida, um peptídeo análogo à somatostatina, que demonstrou a presença de captaJBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Tumor secretor de catecolamina negativo para cintilografia com 123 Iodo-MIBG ção anormal focal na região abdominal superior. O corregistro das imagens cintilográficas com tomografia computadorizada de baixa dose, realizada no aparelho híbrido de SPECT-CT (do inglês single photon emission computed tomography-computed tomography), demonstrou projeção da anormalidade em uma lesão expansiva na área para-aórtica à direita, após a origem do tronco celíaco, sugerindo a presença de tecido com expressão de receptores com afinidade por somatostatina. A paciente foi encaminhada para a realização de tomografia computadorizada de alta resolução e contrastada, de abdome e pelve, a qual evidenciou formação ovalada, sólida, medindo 2,7 x 0,8cm, na região para-aórtica celíaca, entre a cabeça do pâncreas e a veia cava inferior, relacionada à captação anômala descrita no exame SPECT-CT. Foi submetida à cirurgia para retirada da lesão, sendo que a histopatologia por congelação intraoperatória confirmou o tumor neuroendócrino. O ato operatório transcorreu sem complicações e a paciente evoluiu bem após o procedimento, com normalização dos níveis tensionais, sem necessidade de manutenção do esquema anti-hipertensivo. Introdução A hipertensão arterial é uma das doenças mais prevalentes em nossa sociedade. No Brasil, segundo as estatísticas, até um terço da população apresenta esta condição. Entretanto, na maioria das vezes sua causa é desconhecida, sendo o diagnóstico de hipertensão secundária uma exceção. Entre as apresentações que levam à suspeição de relato de caso Tumor secretor de catecolamina negativo para cintilografia com 123Iodo-MIBG hipertensão secundária encontramos o início da HAS em extremos de idade, a presença de hipertensão grave, a presença de distúrbios eletrolíticos secundários ou sintomas associados. A suspeição de um tumor produtor de catecolaminas frequentemente ocorre frente ao quadro de HAS associada a outras manifestações adrenérgicas, como taquicardia, piloereção e sintomas paroxísticos. Os tumores secretores de catecolaminas derivados das células cromafins da medula adrenal e gânglios simpáticos são denominados feocromocitomas (85%) e paragangliomas (15%), respectivamente (1). Os sítios de localização extra-adrenal destes tumores podem ser tão diversos como o órgão de Zuckerkandl (na bifurcação da aorta) e a bexiga. Os tumores localizados nos nervos simpáticos se encontram mais frequentemente no abdome e na pelve e com menor frequência no tórax (< 2%) e pescoço (< 0,1%), sendo estes últimos derivados parassimpáticos com rara produção de catecolaminas (2). A distinção entre feocromocitoma e paraganglioma é importante, devido às associações com outras neoplasias, risco de malignidade e necessidade de testes genéticos específicos, embora tenham apresentação clínica e tratamento semelhantes. Estes tumores ocorrem em menos de 0,05% dos pacientes com hipertensão arterial, são mais comuns entre a quarta e a quinta década da vida e sua distribuição é semelhante entre homens e mulheres (3). Etiologia A grande maioria destes tumores é esporádica; entretanto, 15% a 20% dos pacientes possuem história familiar, 59 Tumor secretor de catecolamina negativo para cintilografia com 123Iodo-MIBG sendo estes mais suscetíveis a desenvolverem comprometimento bilateral de adrenais ou paragangliomas. Os tumores familiares se apresentam numa idade menor em relação à doença esporádica (4). A síndrome de von Hippel-Lindau (VHL), a síndrome de neoplasia endócrina múltipla tipo 2 (NEM 2) e, menos comum, a neurofibromatose tipo 1 estão relacionadas ao feocromocitoma familiar, o qual tem herança autossômica dominante. As manifestações das síndromes genéticas incluem feocromocitoma (bilateral), paraganglioma, hemangioblastoma (sistema nervoso central), angioma de retina, carcinoma de células renais e tumores neuroendócrinos do pâncreas, entre outros (5). O gene supressor de tumor VHL, localizado no cromossomo 3p25-26, codifica uma proteína que regula a hipoxia induzida por proteínas. Foram identificadas mais de 500 mutações que levam à perda da função da proteína de VHL (6). Os pacientes com VHL são divididos em dois tipos, e somente os do grupo VHL II desenvolvem feocromocitoma. Estes, por sua vez, são subdivididos em tipos IIA (baixo risco para carcinoma de células renais), IIB (alto risco para carcinoma de células renais) e IIC (apenas feocromocitoma) (7). A síndrome de NEM 2 subdivide-se em NEM 2A e NEM 2B. A NEM 2A abrange carcinoma medular da tireoide, feocromocitoma (50%), hiperparatireoidismo, amiloidose e líquen cutâneo, a maioria com mutações envolvendo um dos seis resíduos de cisteína na região rica em cisteína no domínio extracelular da proteína RET. A NEM 2B representa somente 5% de todos os casos de NEM 2. Caracteriza-se por carcinoma medular de tireoide em todos os pacientes, feocromocitoma (50%), neuromas mucocutâneos, deformidades ósseas, instabilidade articular e ganglioneuromas intestinais (8). Existem ainda outras mutações descobertas e em fase de estudo, como as do gene FP/TMEM127, encontradas nos pacientes com feocromocitomas familiar e esporádicos, mas não nos paragan60 gliomas (9); mutações do gene MAX (componente dos fatores MYC-MAX-MXD1 de transcrição, que regulam a proliferação, diferenciação e apoptose) foram identificadas em pacientes com feocromocitoma familiar (10). O paraganglioma familiar é uma doença autossômica dominante de localização mais frequente na cabeça e pescoço, mas também em abdome, pelve e bexiga; 50% dos abdominais produzem catecolaminas, ao contrário de 5% dos cervicais (11). A maioria dos paragangliomas familiares é causada por mutações na succinato desidrogenase, nas subunidades (SDHC, SDHD, SDHAF2 e SDHA) que compõem o complexo mitocondrial II. Este complexo é um gene supressor de tumor envolvido na cadeia de transporte de elétrons e ácido tricarboxílico. Os portadores da mutação SDHB desenvolvem doença mais precoce (idade média: 34 anos) e possuem maior tendência a malignidade e a neoplasia adicional, como carcinoma renal (12). Em relação ao feocromocitoma esporádico, os resultados são conflitantes. Em mutações estudadas nos genes de populações da Alemanha e Polônia, 66 (24%) dos pacientes apresentavam uma mutação, sendo 30 (11%) no gene VHL, 13 (4,8%) no gene RET, 11 (4,4%) no gene SDHB e 12 pacientes (4%) no gene SDHD; todos tinham história familiar negativa, porém tornou-se positiva no acompanhamento em 12 de 30 pacientes com mutação no VHL, em seis de 13 no RET e em nenhum no SDHD (4). Apresentação clínica Geralmente é suspeitado pela história de um paciente sintomático, pela descoberta de massa adrenal incidental ou através da história familiar. A apresentação clínica pode manifestar a tríade clássica, que consiste em cefaleia episódica, sudorese e taquicardia. A maioria dos pacientes não apresenta a tríade clássica. Metade deles parece ter hipertensão arterial paroxística e a grande maioria hipertensão essencial ou pressão arterial normal (5% a 15%). Alguns com hipertensão arterial podem apresentar sintomas paroxísticos (13) (Tabela 1). Sinais e sintomas como disúria, poliúria e hematúria sugerem comprometimento vesical. Alguns são pouco frequentes, como constipação, hiperglicemia devido à resistência insulínica, distúrbios psiquiátricos, cardiomiopatia por excesso de catecolaminas estresse-induzida (Takotsubo), hipertensão paradoxal em procedimentos diagnósticos (p. ex., colonoscopia), indução de anestesia, cirurgia, alimentos contendo tiramina ou drogas (p. ex., inibidores da monoaminoxidase). Quando suspeitar de feocromocitoma Deve ser suspeitado em pacientes que apresentam uma ou mais das seguintes condições: — Crises hiperadrenérgicas (p. ex., episódios autolimitados de palpitações não relacionadas ao exercício, diaforese, cefaleia ou palidez). — Hipertensão arterial resistente. — Síndrome familiar de tumor secretor de catecolaminas. — História familiar de feocromocitoma. — Descoberta de massa adrenal incidental. — Hipertensão e diabetes mellitus de início recente ou atípicos. — Resposta hipertensiva durante anestesia, cirurgia ou angiografia. — Hipertensão de início recente em jovens (menos de 20 anos de idade). — Cardiomiopatia idiopática dilatada. — História de tumor gástrico estromal ou condromas pulmonares (tríade de Carney). Testes diagnósticos Muitos pacientes com suspeita de feocromocitoma não têm o diagnóstico confirmado. Numa série, por exemplo, somente um diagnóstico foi estabelecido em 300 casos suspeitos investigados (14). JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Tumor secretor de catecolamina negativo para cintilografia com 123Iodo-MIBG TABELA 1: Manifestações clínicas mais frequentes nos pacientes hipertensos com suspeita de tumor produtor de catecolamina Sintomas Cefaleia Sudorese excessiva Palpitações com ou sem taquicardia Ansiedade Tremores Dor torácica ou abdominal Náuseas com ou sem vômitos Fraqueza, fadiga, prostração Perda de peso Dispneia Calor ou intolerância ao calor Paroxística (%) Persistente (%) 92 65 73 60 51 48 43 38 14 11 13 72 69 51 28 26 28 26 15 15 18 15 Sinais Modificado de Clinical and experimental pheochromocytoma (13). — Norepinefrina > 170µg/24 horas. — Epinefrina > 35µg/24 horas. — Dopamina > 700µg/24 horas. —Normetanefrina > 900µg/24 horas ou metanefrina > 400µg/24 horas. A dosagem urinária é o teste de primeira escolha nos pacientes com suspeita clínica baixa de feocromocitoma (Tabela 2). Metanefrinas fracionadas plasmáticas — Preferidas por alguns devido à facilidaJBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Embora seja preferível que o paciente não receba medicações durante a avaliação diagnóstica, anti-hipertensivos podem ser continuados. Os inibidores da monoaminoxidase interferem na interpretação de catecolaminas urinárias. Entre outras drogas que aumentam os níveis de catecolaminas e metanefrinas se encontram: antidepressivos tricíclicos, levodopa (principalmente da dopamina), drogas contendo agonistas adrenérgicos (p. ex., descongestionantes), anfetaminas, buspirona, procloroperazina, reserpina, retirada de clonidina e similares, etanol e acetaminofeno. Outros testes Hipertensão associada ou não com flutuações Hipertensão induzida por atividade física Hipotensão ortostática Resposta paradoxal a anti-hipertensivos, indução anestésica Taquicardia Palidez em face ou tórax (raramente flushing) Catecolaminas e metanefrinas fracionadas em urina de 24 horas — A maior parte do metabolismo de catecolaminas é intratumoral, com formação de catecolaminas fracionadas (dopamina, norepinefrina e epinefrina) e metanefrinas (metanefrina e normetanefrina). Este método tem sensibilidade e especificidade de 98% (15). Sempre deve incluir a medida de creatinina urinária, para garantir colheita adequada. Um caso positivo de feocromocitoma inclui um dos seguintes achados: Interferência medicamentosa de na colheita da amostra e ao seu valor preditivo negativo elevado, um valor normal exclui feocromocitoma, exceto em pacientes com doença precoce pré-clínica ou tumor estritamente secretor de dopamina. Possuem sensibilidade de 96% a 100% e especificidade de 85% a 89%. Esta última cai para 77% em pacientes maiores de 60 anos de idade. Apresentam elevado índice de falso-positivos, e por isto sua medida é reservada para casos com suspeita clínica elevada (Tabela 3) e para crianças, nas quais a colheita de urina de 24 horas é mais difícil (15, 16). TABELA 2: Cenários de baixa suspeição de tumor secretor de catecolaminas Hipertensão resistente Crises hiperadrenérgicas Descoberta incidental de massa adrenal que não contempla as características de feocromocitoma Supressão de clonidina — Tem por objetivo diferenciar o feocromocitoma de falsas elevações das catecolaminas plasmáticas e metanefrinas fracionadas. É realizada com a ingestão oral de 0,3mg de clonidina, que tem efeito central (alfa-2) que suprime a retroalimentação de catecolaminas na hipertensão essencial, provocando queda na concentração plasmática de catecolaminas (queda > 50%) e de normetanefrina (queda > 40%) — ao contrário do feocromocitoma, no qual os valores permanecem elevados. Cromogranina A — Não é específica para feocromocitoma. O neuropeptídeo Y plasmático é menos acurado que a dosagem de catecolaminas urinárias. O ácido vanilmandélico em urina de 24 horas apresenta sensibilidade insuficiente, em comparação com catecolaminas e metanefrinas urinárias. Métodos de imagem Uma das regras da investigação do feocromocitoma é que a confirmação bioquímica deve preceder a investigação radiológica, não devendo acontecer o contrário. A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) são capazes de detectar tumores > 3cm com 61 Tumor secretor de catecolamina negativo para cintilografia com 123Iodo-MIBG TABELA 3: Cenários de alta suspeição de tumor secretor de catecolaminas História familiar de feocromocitoma Síndrome genética que predispõe a feocromocitoma (p. ex., NEM 2) Histórico de feocromocitoma ressecado Descoberta incidental de massa adrenal com características de feocromocitoma (TC sem contraste com alta densidade, marcado realce na TC com contraste com clareamento tardio do contraste < 50% em 10 minutos, sinal alto em T2 na RMN) Alterações císticas ou hemorrágicas nas adrenais Presença de lesões bilaterais ou tamanho > 4cm sensibilidade de 98% a 100%, porém com especificidade de 70%. Um dos riscos inerentes à tomografia é a exacerbação dos sintomas com contraste venoso, porém o uso de contraste de baixa osmolaridade é seguro para pacientes com feocromocitoma sem pré-tratamento com alfa ou betabloqueadores (17). A ressonância magnética apresenta a vantagem de não expor o paciente à radiação e distingue outras massas adrenais de feocromocitomas, aparecendo nestas como áreas hiperintensas em T2. Cintilografia com metaiodobenzilguanidina (MIBG) Quando a TC ou RM são negativas e existe evidência bioquímica de feocromocitoma, a cintilografia com I-123 MIBG (metaiodobenzilguanidina) pode ser realizada. Esta se baseia na captação do radiotraçador nos tecidos que possuem inervação adrenérgica ou que excretam catecolaminas. A MIBG é análoga da noradrenalina, sendo captada ativamente nas terminações pré-sinápticas por mecanismos de captação de aminas precursoras adrenérgicas e de receptação de noradrenalina, com posterior armazenamento nas vesículas pré-sinápticas dos nervos adrenérgicos e medula adrenal. É liberada nas vias excretórias comuns da noradrenalina, porém sem ser metabolizada. Pode ser marcada com I-123 ou I-131, sendo preferível o primeiro, pela meia62 -vida curta (13 horas), melhor resolução espacial e pela possibilidade de realizar imagens tomográficas; o I-131 também é útil para o tratamento, porém com baixa resolução espacial (18). Para a correta interpretação do exame é preciso preparo, já que algumas drogas interferem na captação da MIBG, como mostra a Tabela 4. A cintilografia com MIBG frequentemente não beneficia os pacientes com feocromocitoma com identificação radiológica da massa adrenal, exceto aqueles com tumor > 10cm, já que apresentam maior risco de malignidade e também de paragangliomas, pelo risco de múltiplos tumores e malignidade (19). O tratamento cirúrgico não deve ser guiado apenas pela captação da MIBG; deve ser associado à imagem da tomografia. Eventualmente a cintilografia da adrenal normal pode captar a MIBG, e esta pode ser assimétrica (20). Figura 1: Cintilografia com 99mTc-octreotida nos cortes coronal e tranversal do abdome demonstrando captação anômala para-aórtica (setas). Figura 2: SPECT-CT com 99mTc-octreotida. Demonstra fusão de imagens nos cortes coronal e tranversal do abdome, indicando que a captação anômala para-aórtica se projeta em massa ganglionar (setas). JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Tumor secretor de catecolamina negativo para cintilografia com 123Iodo-MIBG TABELA 4: Medicamentos que interferem na captação de MIBG Classe de droga Suspender antes de MIBG Mecanismo Labetalol 72 horas Inibição da captação Reserpina 21 dias Depleção de grânulos Bloq. dos canais de cálcio 72 horas Captação aumentada e retenção Antidepressivos tricíclicos 21 dias Depleção de grânulos Fenilefrina 48 horas Depleção de grânulos Pseudoefedrina 48 horas Depleção de grânulos Fenilpropanolamina 48 horas Depleção de grânulos Efedrina 48 horas Depleção de grânulos Antidepressivos atípicos 21 dias Inibição da captação Cocaína 14 dias Inibição da captação 7-14 dias Depleção de grânulos Terbutalina, salbutamol, fenoterol Extraído de Solankiet et al. — Pharmacological guide to medicines which interfere with the biodistribution of radiolabeled meta-iodo-benzylguanidine. Nucl. Med. Commun., 13: 513-30, 1992. Extraído do algoritmo de investigação proposto por Young Jr., W.F. — Trends in Endocrinology and metabolism, 1993. p. 122. 64 A interpretação da cintilografia obedece ao critério da intensidade de captação. Captações mais intensas serão mais sugestivas de lesões verdadeiras. A avaliação obedece ao seguinte escore: 1. captação ausente ou inferior ao fígado; 2. captação equivalente ao fígado; 3. captação moderadamente intensa em relação ao fígado; 4. captação intensa. Um resultado positivo corresponde à captação maior ou igual a 3 neste escore. Pode haver resultados subótimos, devido a tumores neuroendócrinos com baixa afinidade por MIBG, interferência de algumas medicações (Tabela 4) e tamanho do tumor gerando resultados falso-negativos. Tem sido descrita sensibilidade reduzida à MIBG na síndrome de paraganglioma familiar e doença maligna, com redução da sensibilidade (58%) na localização extra-adrenal (21). A cintilografia com análogos da somatostatina (111In ou 99mTc-octreotida) pode ser usada para localizações incomuns (p. ex., coração) ou quando os outros métodos não foram conclusivos (22). Em geral é empregada para detecção de tumores neuroendócrinos, como os carcinoides e gastrinoma; entretanto, tumores simpático-adrenais podem expressar receptores de somatostatina na superfície da membrana celular. A sensibilidade desta técnica é menor do que a da MIBG para feocromocitomas, porém no caso de paragangliomas, especialmente os de cabeça e pescoço, a cintilografia com octreotida pode ser mais sensível do que a MIBG. Outra limitação para a cintilografia com MIBG é o adequado preparo, com a suspensão dos medicamentos que podem interferir na captação do traçador, o que pode explicar a MIBG negativa neste caso (23). Em resumo, este caso demonstra que a investigação de etiologia secundária de HAS deve ser realizada dentro do contexto de suspeição adequada. Esta investigação pode requerer múltiplos testes laboratoriais e de imagem, com o objetivo de descobrir uma condição passível de tratamento. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Tumor secretor de catecolamina negativo para cintilografia com 123Iodo-MIBG Referências 1. MANGER, W.M. & GILFORD, R.W. — Pheochromocytoma. J. Clin. Hypertens., 4: 62, 2002. 2. HAVEKES, B. & LAI, E.W. — Detection and treatment of pheochromocytomas and paragangliomas: Current standing of MIBG scintigraphy and future role of PET imaging. Q. J. Nucl. Med. Mol. Imaging, 52: 419-29, 2008. 3. STEIN, P.P. & BLACK, H.R. — A simplified diagnostic approach to pheochromocytoma. A review of the literature and report of one institution’s experience. Medicine, 70(1): 46, 1991. 4. NEUMANN, H.P.; BAUSCH, B. & COLUMBUS PHEOCHROMOCYTOMA STUDY GROUP — Germ-line mutations in non syndromic pheochromocytoma. N. Engl. J. Med., 346(19): 1459, 2002. 5. LONSER, R.R.; GLENN, G.M. et al. — von HippelLindau disease. Lancet, 361: 2059, 2003. 6. BEROUD, C.; JOLY, D. et al. — Software and database for the analysis of mutations in the VHL gene. Nucleic Acids Res., 26: 256-8, 1998. 7. WILLIAM, Y. & KIM — Role of VHL gene mutation in human cancer. JCO, 22(24): 4991-5004, 2004. 8. PAWLU, C.; BAUSCH, B. et al. — Genetic testing for pheochromocytoma-associated syndromes. Ann. Endocrinol. (Paris), 66: 178, 2005. 9. YAO, L.; SCHIAVI, F. et al. — Spectrum and prevalence of FP/TMEM127 gene mutations in pheochromocytomas and paragangliomas. JAMA, 304: 2611, 2010. 10. COMINO-MÉNDEZ, I.; GRACIA-AZNÁREZ, F.J. et al. — Exome sequencing identifies MAX mutations as a cause of hereditary pheochromocytoma. Nat. Genet., 43: 663, 2011. 11. ERICKSON, D.; KUDVA, Y.C. et al. — Benign paragangliomas: Clinical presentation and treatment outcomes in 236 patients. J. Clin. Endocrinol. Metab., 86: 5210, 2001. 12. YOUNG JR., W.F. & ABBOUD, A.L. — Editorial: Paraganglioma — all in the family. J. Clin. Endocrinol. Metab., 91: 790, 2006. 13. MANGER, W.M. & GIFFORD JR., R.W. — Clinical and experimental pheochromocytoma. Cambridge, MA, Blackwell Science, 1996. 14. FOGARTY, J.; ENGEL, C. et al. — Hypertension and pheochromocytoma testing: The association with anxiety disorders. Arch. Fam. Med., 3: 55, 1994. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 15. SAWKA, A.M.; JAESCHKE, R. et al. — A comparison of biochemical tests for pheochromocytoma: Measurement of fractionated plasma metanephrines compared with the combination of 24-hour urinary metanephrines and catecholamines. J. Clin. Endocrinol. Metab., 88: 553, 2003. 16. SAWKA, A.M. & PREBTANI, A.P. — A systematic review of the literature examining the diagnostic efficacy of measurement of fractionated plasma free metanephrines in the biochemical diagnosis of pheochromocytoma. BMC Endocr. Disord., 4(1): 2, 2004. 17. BAID, S.K.; LAI, E.W. & WESLEY, R.A. — Brief communication: Radiographic contrast infusion and catecholamine release in patients with pheochromocytoma. Ann. Intern. 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Endereço para correspondência: José Galvão-Alves Rua Real Grandeza, 108/Sala 123 — Botafogo 22281-034 Rio de Janeiro-RJ [email protected] 65 Doença do refluxo gastroesofágico José Galvão-Alves Chefe da 18a Enfermaria do Hospital Geral da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro — Serviço de Clínica Médica. Professor titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques. Professor titular de Pós-graduação em Gastroenterologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Membro titular da Academia Nacional de Medicina. Presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia (2010-2012). Professor de Clínica Médica da UniFOA — Universidade da Fundação Osvaldo Aranha. Resumo A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é uma afecção crônica frequente na prática médica, interferindo negativamente na qualidade de vida dos pacientes. Apresenta um amplo espectro de sintomas, classificados como típicos e atípicos, sendo a pirose a principal manifestação. O tratamento inclui medidas comportamentais farmacológicas e eventualmente cirúrgicas. Introdução A doença do refluxo gastroesofágico representa uma frequente afecção crônica na prática médica, que, por vezes, interfere na qualidade de vida do paciente. Estima-se que 20% a 44% da população ocidental apresentem sintomas mensais e 20%, sintomas semanais (1). Em nosso meio, o problema também atinge números consideráveis, conforme estudos citados por Moraes-Filho e Pereira Lima (2, 3). Definição Afecção crônica decorrente do fluxo retrógrado de parte do conteúdo gastroduodenal para o esôfago ou órgãos adjacentes a ele, acarretando um espectro variável de sintomas e/ou sinais esofagianos e/ou extraesofagianos, associados ou não a lesões teciduais (4). Fisiopatologia O refluxo do conteúdo gástrico ocorre de forma fisiológica após as refeições, quando se acompanha frequentemente de eructação, e, em pequena quantidade, nos períodos interprandiais. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 gastroenterologia Doença do refluxo gastroesofágico Summary Gastroesophageal reflux disease (GERD) is a common chronic condition that affects negatively the patient’s quality of life. Patients with GERD can exhibit a wide variety of symptoms, both typical and atypical. Heartburn is the main clinical presentation. Treatment consists of supportive and pharmacological measures; surgery may eventually be required. Quando a ocorrência deste refluxo adquire uma frequência mais elevada, torna-se patológico, devido à intensa exposição da mucosa esofagiana ao conteúdo ácido do estômago. Advém, portanto, a DRGE, manifestando-se de formas as mais variadas, porém classicamente por azia (pirose). A DRGE apresenta uma variedade de mecanismos patogênicos (Quadro 1), sendo considerada uma doença multifatorial. Porém, a incompetência do esfíncter esofagiano inferior (EEI) é a mais significativa alteração funcional, e está presente em mais de 50% das esofagites pépticas graves (5). Unitermos: Refluxo gastroesofágico; fisiopatologia; tratamento; medidas comportamentais. Keywords: Gastroesophageal reflux; pathophysiology; treatment; behavioral measures. QUADRO 1: DRGE — fisiopatologia EEI incompetente Hérnia hiatal Clearance esofagiano anormal Esvaziamento gástrico diminuído Efeito lesivo do ácido na mucosa esofagiana 67 Doença do refluxo gastroesofágico A principal e mais comum manifestação da DRGE é a pirose, referida pelos pacientes como azia, que é a sensação de queimação que se inicia no epigástrio e ascende para a região retroesternal, podendo atingir a hipofaringe. Pontos-chave: > A principal e mais comum manifestação da DRGE é a pirose; > É a sensação de queimação que se inicia no epigástrio e ascende para a região retroesternal, podendo atingir a hipofaringe; > Outra manifestação comum é a regurgitação do conteúdo esofagiano até a cavidade oral. 68 O EEI perde sua capacidade de válvula antirrefluxo quando sua pressão de repouso (normal: 10-30mmHg) torna-se anormalmente baixa, ou seja, inferior a 10mmHg (esfíncter hipotenso); quando seu comprimento é pequeno (esfíncter curto), menor que 2cm; ou quando sua localização na junção toracoabdominal é inadequada (esfíncter intratorácico). A hérnia de hiato — definida como mais de 2cm de mucosa gástrica acima do pinçamento diafragmático — isoladamente não é causa de refluxo; no entanto, sua presença em vigência de DRGE agrava o quadro, tornando-o mais sintomático e mais grave. O clearance esofagiano, ou seja, a limpeza do esôfago do conteúdo gástrico re fluído, dá-se através dos movimentos peristálticos e do efeito antiácido da saliva. Quando este clearance se encontra anormal, o fluido ácido do estômago (pH < 4) permanece em contato com a mucosa esofagiana por mais tempo, sendo um grande agente lesivo na DRGE. Condições como a síndrome de Sjögren, que cursa com débito baixo de saliva, bem como as doenças que diminuem a motilidade esofagiana (esclerose sistêmica progressiva), são causas de clea rance esofagiano diminuído (6). Por fim, estados de comprometimento do esvaziamento gástrico — gastroparesia ou obstrução — potencializam o refluxo gastroesofágico. cebidas pelos especialistas, já que podem simular condições cardíacas, pulmonares ou mesmo otorrinolaringológicas, atrasando o diagnóstico da DRGE (7, 8). Manifestações clínicas Diagnóstico A principal e mais comum manifestação da DRGE é a pirose, referida pelos pacientes como azia, que é a sensação de queimação que se inicia no epigástrio e ascende para a região retroesternal, podendo atingir a hipofaringe (1, 5). Outra manifestação muito comum é a regurgitação do conteúdo esofagiano até a cavidade oral, podendo ser ácida ou não. Na DRGE, a regurgitação ácida é a mais frequente. Neste caso, o paciente refere a percepção de um líquido azedo na boca, podendo estar associado a tosse, sensação de asfixia, disfonia e mesmo dor nos ouvidos. Consideração importante deve ser feita em relação às manifestações atípicas (Quadro 2), cuja incidência parece estar aumentando e, por muitas vezes, passam desper- QUADRO 2: DRGE — manifestações atípicas Vias aéreas superiores Erosões dentárias Sensação de globus Síndrome de queimação da boca Dor de garganta crônica Laringoespasmo (sensação de asfixia) Apneia central reflexa Laringite posterior Estenose subglótica Vias aéreas inferiores Asma Pneumonite por aspiração Abscesso pulmonar Displasia broncopulmonar Bronquiectasia Fibrose pulmonar Bronquite crônica Outras Dor torácica atípica Bradicardia O diagnóstico da DRGE deve ser baseado inicialmente na história clínica do paciente, valorizando os sintomas típicos de pirose e regurgitação, avaliando sua intensidade, duração e frequência, bem como seus fatores desencadeantes. Algumas vezes, tais sintomas podem estar ausentes ou mesmo acrescidos dos sintomas atípicos, citados anteriormente, podendo dificultar um pouco mais o diagnóstico (1). Além da anamnese, o exame físico deve ser feito de forma detalhada, principalmente para excluir outras patologias cardíacas e pulmonares que podem simular os sintomas de DRGE ou mesmo com eles coexistir. Diante de um paciente com sintomas típicos, na ausência dos sinais de alarme (anemia, disfagia, sangramento ou perda de JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Doença do refluxo gastroesofágico peso), a conduta inicial é o tratamento empírico com inibidores de bombas de prótons, em dose única, por seis a oito semanas. Se não houver melhora dos sintomas, deve-se avaliar a adesão ou aderência ao uso da medicação. Se mesmo com o tratamento correto não há resposta adequada, está indicada a endoscopia digestiva alta (EDA). É importante salientar que a EDA deve ser a primeira conduta complementar diante de um paciente com os sinais de alarme. A EDA é o método mais utilizado na avaliação do paciente com suspeita de DRGE. No entanto, este exame não se presta para diagnóstico da doença, e sim para avaliar a presença de doença erosiva ou não erosiva. Nesta última, o paciente pode ser portador de DRGE “endoscopicamente negativa”, mesmo quando de “alterações mínimas”, como eritema, espessamento de mucosa, etc. (8). Se a EDA demonstra doença erosiva no paciente com sintomas do tipo pirose, está confirmada a hipótese de DRGE. Já a EDA normal não exclui este diagnóstico, devendo haver progressão na investigação. Neste caso, a realização de pHmetria ambulatorial de 24 horas deve ser considerada, para identificar a presença de refluxo. Considera-se o refluxo ácido quando o pH do esôfago se encontra abaixo de 4. Para identificarmos o paciente como refluidor, o refluxo ácido deve ocorrer em mais de 4% das 24 horas. Outros parâmetros que devem ser avaliados são o número de episódios de refluxo e o episódio de maior duração. Além disso, a pHmetria pode correlacionar o momento do refluxo com a manifestação clínica e, quando coincidentes, reforça nossa hipótese de DRGE. Logo, uma pHmetria positiva em paciente sintomático, mesmo com EDA normal, confirma o diagnóstico de DRGE (não erosiva), enquanto que uma pHmetria normal praticamente não o faz, e este paciente deve ser enquadrado no grupo de doença funcional, ou seja, indivíduos que são hipersensíveis a quantidades mínimas de refluxo ou portadores de refluxo não ácido. Este diagnóstico deve ser confirmado por impedanciometria (9). Portanto, diante de um paciente com sintomas de pirose, a orientação é responder a duas questões: JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 1. Há DRGE? 2. Há esofagite? Com isso, obtemos três situações (Quadro 3): 1. Não há DRGE. Neste grupo deve-se prosseguir a avaliação com outros exames (esofagomanometria, esofagografia baritada, impedanciometria). 2. Há DRGE não erosiva. 3. Há DRGE erosiva. A DRGE com manifestações atípicas comumente é “endoscopicamente negativa” e a pHmetria tem papel relevante na investigação desta condição (7, 8). A dor torácica não cardíaca (DTNC) e os sintomas otorrinolaringológicos e respiratórios, sem sinais endoscópicos de esofagite, têm nos métodos complementares, como pHmetria prolongada e impedanciopHmetria prolongada, um grande aliado para a confirmação diagnóstica. QUADRO 3: Sintomas de DRGE EDA normal EDA normal EDA com esofagite + + + pHmetria negativa pHmetria positiva pHmetria não necessária ↓ ↓ DRGE não erosiva DRGE erosiva ↓ ↓ ↓ Não DRGE/funcional ↓ 5%-10% 50%-60% 30%-40% Complicações A DRGE pode evoluir de forma grave, com complicações que elevam a morbidade dos pacientes, principalmente quando seu tratamento é negligenciado. Dentre as complicações mais graves, encontra-se a estenose péptica do esôfago, que ocorre em aproximadamente 10% dos casos, sendo mais frequente naqueles com esofagite grave. Inicialmente, manifesta-se apenas no terço inferior do esôfago, com progressão ascendente, cursando com disfagia por obstrução mecânica. Úlceras esofagianas também podem advir de quadros arrastados de esofagite, manifestando-se com dor e sangramentos. 69 Doença do refluxo gastroesofágico O tratamento da DRGE baseia-se em medidas não farmacológicas e farmacológicas, com o objetivo de aliviar os sintomas e cicatrizar a mucosa esofágica, prevenindo o desenvolvimento das complicações. Alguns sintomas respiratórios podem decorrer da evolução da doença, como asma, faringite (o paciente refere pigarro frequente), laringite (rouquidão) ou tosse seca, principalmente noturna. Entretanto, uma das complicações mais importantes é o esôfago de Barrett, encontrado em 4% a 10% das EDAs, que consiste na substituição do epitélio escamoso do esôfago pelo epitélio colunar intestinal (10). Tal condição decorre de refluxo extenso e persistente, especialmente em pacientes com predisposição genética, que desencadeia metaplasia, podendo progredir para displasia e adenocarcinoma. Tratamento Pontos-chave: > A DRGE com manifestações atípicas comumente é “endoscopicamente negativa”; > A pHmetria tem papel relevante na investigação desta condição; > A dor torácica não cardíaca tem nos métodos complementares um grande aliado para a confirmação diagnóstica. 70 Os inibidores de bombas de prótons (IBPs) são as drogas de primeira escolha neste tratamento, proporcionando rápido alívio dos sintomas e cura das lesões da mucosa esofágica em cerca de 80%-90% dos pacientes. Quando estes não estão disponíveis, podem ser utilizados os bloqueadores H2, o sucralfato e o alginato (11). Porém, estes são comprovadamente menos eficazes (Quadros 4 e 5). O sucralfato e o alginato têm a vantagem de não apresentarem teratogenicidade, podendo ser usados durante a gravidez. QUADRO 4: Inibidores de bombas de prótons O tratamento da DRGE baseia-se em medidas não farmacológicas e farmacológicas, com o objetivo de aliviar os sintomas e cicatrizar a mucosa esofágica, prevenindo o desenvolvimento das complicações. Sal Medidas não farmacológicas Embora haja uma controvérsia atual em relação às restrições alimentares, hábitos como repouso pós-prandial e outros, esses recursos são considerados úteis, por serem medidas comportamentais e consagradas pelo tempo. As principais recomendações são: Rabeprazol20mg/dia 1.Elevar a cabeceira da cama (30° a 45°). 2.Evitar alimentações copiosas. 3.Evitar a ingestão de alimentos gordurosos, frutas ácidas, condimentos, cafeína, chocolate e álcool. 4.Não se deitar imediatamente após as refeições (menos de duas horas). 5.Suspender o fumo. 6.Redução de peso em pacientes acima do peso ideal. 7.Uso cuidadoso de drogas que relaxem o esfíncter esofagiano inferior, como os bloqueadores do canal de cálcio. Cimetidina 200 a 800mg/dia Ranitidina 150 a 600mg/dia Nizatidina 300 a 600mg/dia Famotidina 20 a 40mg/dia Além destas recomendações, deve-se individualizar a dieta dos pacientes, levando em consideração as queixas individuais com relação a cada alimento. Tais medidas melhoram a relação médico-paciente e aumentam a adesão ao tratamento. Medidas farmacológicas O princípio básico da terapia farmacológica da DRGE é a supressão ácida. Dose convencional Omeprazol20mg/dia Lansoprazol30mg/dia Pantoprazol40mg/dia Esomeprazol40mg/dia QUADRO 5: Bloqueadores H2 de histamina Sal Dose convencional Outras classes de medicamentos também podem ser usadas no tratamento da DRGE: Antiácidos — Proporcionam alívio imediato dos sintomas; não devem ser utilizados regularmente. Mais recentemente temos recomendado a associação de alginato de sódio, bicarbonato de sódio e carbonato de cálcio, que provoca um rápido alívio da azia, através da formação de uma camada protetora, quando em contato com o ácido gástrico. É utilizado especialmente no alívio dos sintomas (11). Procinéticos — Os disponíveis têm ação apenas como aceleradores do esvaziamento gástrico e estariam bem indicados quando o componente de gastroparesia estivesse presente. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Doença do refluxo gastroesofágico Os representantes desta classe são: metoclopramida, domperidona e bromoprida, todos na dose de 10mg via oral, três vezes ao dia. DRGE não erosiva (12, 13, 14) Além das medidas não farmacológicas, deve-se utilizar IBPs em dose convencional diária por seis a oito semanas, quando o paciente deve retornar para reavaliação. Estudos demonstram que o uso de bloqueadores H2 acarreta uma resposta inferior, quando comparados aos IBPs. O alívio completo dos sintomas é esperado em 80% dos casos, devendo-se suspender ou reduzir à metade a droga, mantendo apenas as medidas gerais. Naquele que permanecer com sintomas ou que apresentar recidiva com esta conduta, deve-se manter o tratamento anterior por período mais prolongado. Este tipo de paciente pode ainda se beneficiar do uso on demand, que consiste na utilização irregular do medicamento, conforme a necessidade. A associação de bloqueadores H2 antes de dormir com a terapia de IBPs foi amplamente difundida a partir da década de 90. Porém, estudos recentes demonstram que, devido à tolerância desenvolvida ao uso regular de bloqueadores H2, não há benefício desta associação na melhora dos sintomas. Referências 1. DEVAULT, K.R. & CASTELL, D.O. — Guidelines for the diagnosis and treatment of gastresophageal reflux disease. Arch. Intern. Med., 155: 2165, 1995. 2. MORAES-FILHO, J.P.P.; CHINZON, D. et al. — Prevalence of heartburn and gastroesophageal reflux disease in the urban Brazilian population. Arq. Gastroenterol., 42: 122-7, 2005. 3. PEREIRA-LIMA, J.; BLAYA, C. et al. — Prevalência da doença do refluxo gastroesofágico: estudo populacional em Porto Alegre. GED, 19(2): 73-8, 2000. 4. MORAES-FILHO, J.P.; NAVARRO-RODRIGUEZ, T. et al. — Guidelines for the diagnosis and management of GERD: An evidence-based consensus. Arq. Gastroenterol., 47: 99-115, 2010. 5. LEMME, E.P.O. — Doença do refluxo gastroesofágico — como diagnosticar? J. Bras. Gastroenterol., 12(1): 27-31, 2012. 6. KAHRILAS, P.J. et al. — American Gastroenterological Association Medical Position Statement on the management of gastroesophageal reflux disease. Gastroenterology, 135(4): 1383-91, 2008. 7. HIRANO, I. & RICHTER, J. — ACG Practice Guidelines: Esophageal reflux testing. Am. J. Gastroenterol., 102: 668-85, 2007. 8. DENT, J.; BRUN, J. et al. — An evidence based appraisal of disease management. The Genval Work-shop report. Gut, 44(Suppl.): S1-S16, 1999. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 DRGE erosiva (12, 13, 14) Da mesma forma que o anterior, este grupo de pacientes se beneficia com as medidas gerais, devendo associá-las ao uso de IBPs em dose dupla (em jejum e antes do jantar) por oito a 12 semanas. O alívio dos sintomas é esperado em uma a duas semanas, sendo importante alertar o paciente quanto a esta demora na resposta. Ao final deste período (três meses), repete-se a EDA, para decidir quanto à manutenção ou modificação do tratamento. Se há cicatrização completa, reduz-se a dose para uma vez ao dia por mais três meses, quando se deve reavaliar o quadro. Se, na tentativa de retirada da droga, há recidiva do quadro, deve-se tentar a terapia de manutenção com IBPs em baixa dose, por período indeterminado. Se não é evidenciada qualquer melhora com o tratamento, deve-se considerar cirurgia antirrefluxo. Cirurgia antirrefluxo O tratamento cirúrgico visa restabelecer a competência do EEI. Está indicado quando há recidiva frequente da esofagite ou quando não é verificada melhora do quadro com seis meses de tratamento adequado (15). A cirurgia antirrefluxo deve ser precedida de um estudo manométrico do esôfago e seus esfíncteres, para que possamos avaliar, em especial, a força contrátil do corpo esofágico (16). 9. SAVARINO, E. et al. — Characteristics of reflux episodes and symptom association in patients with erosive esophagitis and nonerosive reflux disease: Study using combined impedance-pH off therapy. Am. J. Gastroenterol., 105(5): 1053-61, 2010. 10. SHARMA, P. — Barrett’s esophagus. N. Engl. J. Med., 361(26): 2548-56, 2009. 11. MENDEL, K.G.; DAGGY, B.P. et al. — Review article: Alginate-raft formulations in treatment of heartburn and acid reflux. Aliment. Pharmacol. Ther., 14: 669-90, 2000. 12. TYTGAT, G.N. — Management of mild and severe gastroesophageal reflux disease. Aliment. Pharmacol. Ther., 17(Suppl. 2): 52, 2003. 13. SPECHLER, S.J. — Medical or invasive therapy for GERD: An acidulous analysis. Clin. Gastroenterol. Hepatol., 1: 81, 2003. 14. WANG, C. & HUNT, R.H. — Medical management of gastroesophageal reflux disease. Gastroenterol. Clin. Am., 37: 879-99, 2008. 15. LUNDELL, L. et al. — Comparison of outcomes twelve years after antireflux surgery or omeprazole maintenance therapy for reflux esophagitis. Clin. Gastroenterol. Hepatol., 7(12): 1292-8, 2009. 16. KAHRILAS, P.J. — Refractory heartburn. Gastroenterology, 124: 1941, 2003. Endereço para correspondência: José Galvão-Alves Rua Real Grandeza, 108/Sala 123 — Botafogo 22281-034 Rio de Janeiro-RJ [email protected] 71 imagem e diagnóstico Endometriose da bexiga Coordenação: Marta Carvalho Galvão Marta Carvalho Galvão Professora de Radiologia da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques — FTESM. Radiologista do Hospital Federal da Lagoa, RJ. Professora mestre responsável do Curso de Radiologia da UniFOA — Universidade da Fundação Osvaldo Aranha. Carolina Souza Nogueira Edson Balieiro Junior Guilherme Tabet Residentes (R2) do Hospital Federal da Lagoa, RJ. Introdução Endometriose é a presença de tecido endometrial funcionante fora de sua localização normal na cavidade uterina. Endometrioma refere-se ao aspecto tumoral ou invasivo em determinado órgão. A doença afeta cerca de 3% a 10% das mulheres em idade reprodutiva, sobretudo na segunda e terceira décadas da vida. Estima-se que seja a segunda condição patológica mais comum da pelve feminina. Embora seja condição benigna, pode exibir um comportamento agressivo e afetar a qualidade de vida das mulheres em sua fase reprodutiva. O crescimento dos endometriomas é estrogênio-dependente; portanto, fatores hormonais influenciam no seu desenvolvimento. Esta entidade nunca acontece antes da menarca e é rara na pós-menopausa e em homens, nos quais pode raramente ocorrer naqueles pacientes em terapia estrogênica para tumores prostáticos. Estas lesões ectópicas contêm glândulas endometriais e/ou estroma e podem causar distúrbios funcionais ou anatômicos, por sua natureza infiltrativa e propensão à formação de aderências. 72 Endometriose da bexiga Sua capacidade de crescer, de se infiltrar e disseminar-se demonstra comportamento semelhante a tecido neoplásico. Os locais mais comuns de acometimento são os ovários (55%), ligamento uterossacral, fundo de saco, peritônio pélvico, trompa e cérvix. Sítios distantes de acometimento (pulmão, pleura, extremidades e linfonodos) podem derivar de disseminação metastática linfovascular. A tríade clássica inclui infertilidade, dispareunia e dismenorreia, que estão presentes em 40% das pacientes. A dor resulta de crescimento cíclico do tecido endometrial ectópico, seguido por necrose hemorrágica e extravasamento de sangue e debris para os tecidos vizinhos. A patogênese da doença ainda é controversa, sendo aceitas três principais categorias (isoladamente ou em combinação) que buscam explicar sua ocorrência: embriogênica (crescimento através de restos embriônicos), migratória (regurgitação tubária ou extensão direta) e imunológica (eliminação deficiente ou sobrecarga de debris de menstruação retrógrada). A teoria migratória parece ser hoje a mais difundida e aceita. As pacientes propensas são aquelas com condições que aumentam a quantidade de debris menstruais, como obstruções anatômicas ao fluxo menstrual, menarca precoce ou ciclos curtos com longos períodos de fluxo, e as obesas com níveis aumentados de estrogênio. O envolvimento do trato urinário (bexiga, ureter, rim ou uretra) é incomum, ocorrendo em cerca de 1% a 2% dos casos. Quando acometido, a bexiga é o sítio mais comum, seguida pelo ureter e rins, numa razão estimada de 40:5:1. Há envolvimento do músculo detrusor, frequentemente afetando a parede vesical de forma transmural, sendo a mucosa envolvida com menos frequência. Clinicamente os sintomas variam em função da localização e tamanho da lesão e da fase do ciclo menstrual. O local mais acometido na bexiga é o trígono vesical, obrigando-nos, portanto, a afastar o diagnóstico de neoplasia através de material biopsiado. A dor resulta de crescimento cíclico do tecido endometrial ectópico, seguido por necrose hemorrágica e extravasamento de sangue e debris para os tecidos vizinhos. É mais intensa durante o período pré-menstrual. O diagnóstico é usualmente baseado na apresentação clínica e no exame físico. A laparoscopia e a biopsia do tecido suspeito são os métodos mais úteis. Tem sido relatado aumento do CA-125 nestas pacientes, um antígeno presente, mas não específico de neoplasias do epitélio derivado do ducto mülleriano. Este antígeno tem sido usado para monitorar o tratamento. Figura 1: Ultrassonografia da pelve — observa-se massa ecogênica de contornos lobulados, medindo aproximadamente 2,4cm, junto à parede póstero-lateral direita da bexiga. Não se observou mobilidade com mudança de decúbito. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Endometriose da bexiga O diagnóstico por imagem é usual mente iniciado com ultrassonografia, que poderá demonstrar a massa junto à parede vesical. A técnica endovaginal pode ser mais acurada que a suprapúbica. Usualmente é complementada com tomografia computadorizada e/ou ressonância magnética, para melhor definição e delimitação do grau de invasibilidade da lesão, mas nenhuma delas tem especificidade diagnóstica, obrigando-nos a colher material para estudo histopatológico. A ressonância magnética é mais útil para diferenciar o endometrioma de teratomas, cistos hemorrágicos e cistoadenomas. O método de melhor custo-efetividade é a cistoscopia, com biopsia. O diagnóstico diferencial da imagem inclui cistite intersticial, carcinoma in situ, tuberculose, angioma e leiomioma. O tratamento deve ser individualizado (médico-hormonal e/ou cirúrgico), variando de acordo com a idade da paciente, seu desejo de engravidar, a gravidade dos sintomas e os órgãos afetados. Esterilização cirúrgica pode ser necessária. A endometriose raramente torna-se maligna, o que pode acontecer em 0,3%-0,8% dos casos de localização ovariana. A ultrassonografia é usualmente o primeiro método de investigação, baseado nos sintomas urinários. É capaz de distinguir entre uma lesão cística ou sólida, e avaliar o envolvimento do trato urinário, como infiltração do óstio ureteral com dilatação a montante do ureter e dos sistemas pielocalicinais. A técnica transvaginal também pode complemen- Figura 3: Tomografia computadorizada com contraste venoso, em fase tardia — pelve. Massa de contornos lobulados condicionando falha de enchimento no interior da bexiga em seu aspecto póstero-lateral direito. Figura 4: Tomografia computadorizada sem contraste — corte coronal. Nota-se dilatação dos sistemas pielocalicinais à direita. Figura 5: Tomografia computadorizada com contraste — moderada dilatação do ureter direito em sua porção mediana, que apresentava retardo na eliminação do contraste. tar os achados, pela proximidade com a parede vesical. A tomografia corrobora os achados da ultrassonografia, e a ressonância magnética é o método mais útil para diferenciar o endometrioma de teratomas, cistos hemorrágicos e cistoadenomas. Relato do caso Paciente com 38 anos de idade, parda, doméstica. Queixava-se de dor pélvica, infecções urinárias de repetição, urgência urinária, hematúrias ocasionais e irregularidade nos ciclos menstruais. Negava história pregressa de cirurgia. Foi encaminhada à ultrassonografia e posteriormente à tomografia computadorizada, que demonstraram massa envolvendo a parede póstero-lateral direita da bexiga e o óstio ureteral, que condicionava dilatação a montante do ureter e sistemas pielocalicinais ipsilaterais. Foi investigada com cistoscopia e biopsia, que confirmou o diagnóstico de endometriose vesical. Como em nosso serviço não dispomos de ressonância magnética, a paciente foi encaminhada para sua realização. Resultado histopatológico: endometriose vesical. Foi tratada clinicamente com te rapia hormonal, apresentando recidivas do quadro. Posteriormente realizou-se cirurgia para ressecção parcial da bexiga. Referências 1. COMITER, C.V. — Endometriosis of the urinary tract. Urol. Clin. N. Am., 29: 625-35, 2002. 2. BERLANDA, N.; VERCELLINI, P. et al. — Ureteral and vesical endometriosis. Two different clinical entities sharing the same pathogenesis. Obstet. Gynec. Survey, 64(12): 830-42, 2009. 3. PASTOR-NAVARRO, H.; GIMÉNEZ-BACHS, J.M. et al. — Update on the diagnosis and treatment of bladder endometriosis. Int. Urogynecol. J., 18: 949-54, 2007. Endereço para correspondência: Figura 2: Tomografia computadorizada sem contraste venoso — pelve: massa hiperdensa condicionando falha de enchimento vesical junto à parede póstero-lateral direita da bexiga, em topografia do óstio ureteral deste lado. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3 Figura 6: Tomografia computadorizada com contraste — pelve. Dilatação do ureter distal próximo a sua implantação vesical, com retardo na eliminação do contraste. Marta Galvão Santa Casa da Misericórdia do RJ Enfermaria 18 Rua Santa Luzia, 206 — Centro 20030-041 Rio de Janeiro-RJ 73 noticiário prorroga o uso da levodopa, e isso traz um benefício ao paciente”, diz Nancy Huang, gerente-médica de sistema nervoso central do Aché. Toxina botulínica contra o bruxismo FDA aprova stent vascular da Abbott A FDA aprovou um novo stent para tratamento da doença arterial ilíaca nos membros inferiores. Trata-se do Sistema de Stent Vascular Expansível por Balão Omnilink Elite, que deve estar disponível também no Brasil no próximo ano. A aprovação se baseou em dados clínicos positivos do estudo MOBILITY, que demonstrou que o Omnilink Elite é seguro e eficaz, inclusive quando usado em pacientes difíceis de tratar devido à complexidade da doença, resultante de lesões bastante calcificadas. O Omnilink Elite tem como base o design do stent MULTI-LINK, e é produzido com uma liga de cromo-cobalto de última geração. O cromo-cobalto é mais flexível e mais radiopaco do que o aço inoxidável, permitindo que o stent seja facilmente visualizado em exames de raios-X, ao mesmo tempo em que mantém sua flexibilidade e navegabilidade. Estas características facilitam o transporte do stent por uma anatomia complexa e permitem a colocação precisa do dispositivo — importante para resultados em longo prazo. “O estudo MOBILITY demonstrou que o tratamento com o Omnilink Elite resultou em maior qualidade de vida para os pacientes difíceis de tratar, como acontece na prática clínica real. Em nove meses, os pacientes apresentaram melhoras significativas em caminhadas de curta distância e foram capazes de subir mais degraus do que podiam antes do tratamento”, disse o médico Tony S. Das, diretor da Divisão de Intervenções Periféricas Vasculares em Cardiologia do Instituto Presbiteriano do Coração, em Dallas, Texas, e um dos principais pesquisadores do estudo. Tony S. Das afirma que “melhorar a qualidade de vida dos pacientes continua a ser um objetivo fundamental no tratamento da doença arterial periférica. Com o MOBILITY temos novas evidências de que podemos tratar com sucesso pacientes com lesões graves com o stent Omnilink Elite e alcançar resultados clínicos significativos”. Aché lança Stabil O laboratório Aché está lançando o primeiro medicamento de seu portfólio para o tratamento da doença de Parkinson. Stabil (dicloridrato de pramipexol) é uma molécula de perfil único que age como agonista de receptores de dopa74 mina, oferecendo certa proteção aos neurônios. Stabil, que promove estabilidade motora desde o início dos sintomas da doença, chega ao mercado em três apresentações: 0,125mg, 0,250mg e 1mg. Pode ser usado como monoterapia ou em associação com a levodopa, o tratamento mais tradicional para a doença de Parkinson. “O uso de Stabil no início do aparecimento dos sintomas A utilização da toxina botulínica agora extrapola o tratamento estético. Ultimamente ela tem sido usada com muita frequência para o controle dos quadros de bruxismo, uma disfunção que atinge pelo menos 30% dos brasileiros durante o sono e que pode ter diversas causas, variando de distúrbios neurológicos, como o mal de Parkinson, a distúrbios do sono, como a apneia e o ronco. No combate ao bruxismo, a toxina botulínica é aplicada em pontos localizados nos músculos temporal anterior e masseter, na mandíbula. Ela “age no neurônio motor, impedindo a liberação de acetilcolina, que é a substância que promove a contração da musculatura. Quando aplicada nos músculos mastigatórios, a toxina botulínica impede a contração, que ocasiona o ranger dos dentes”, explica a dentista Juliana Stuginski-Barbosa, membro da Sociedade Brasileira de Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial. Não obstante os resultados satisfatórios, a aplicação da toxina botulínica não garante a cura, mas controla o quadro, devendo ser aliada às placas de mordida e à correção da mordida. Ainda são necessários estudos científicos que comprovem a real eficácia do tratamento. Osteoban: prevenção e tratamento da osteoporose Osteoban (ibandronato de sódio) é o novo medicamento da classe dos bifosfonatos de terceira geração do laboratório Aché para o tratamento da osteoporose. Indicado para mulheres na pós-menopausa, auxilia na prevenção da osteoporose e das fraturas vertebrais (coluna). A adesão ao tratamento é facilitada através de uma posologia cômoda de uma única dose mensal, aliada a um custo mais acessível, quando comparado às outras opções disponíveis com a mesma posologia. JBM JULHO/AGOSTO VOL. 100 No 3