QUALIDADE PERCEBIDA PELO CONSUMIDOR DE PRODUTOS LÁCTEOS: MODELO TEÓRICO E EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS [email protected] APRESENTACAO ORAL-Economia e Gestão no Agronegócio JOAO GARIBALDI ALMEIDA VIANA; JEAN PHILIPPE PALMA RÉVILLION. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM AGRONEGÓCIOS - UFRGS, PORTO ALEGRE - RS - BRASIL. Qualidade Percebida pelo Consumidor de Produtos Lácteos: Modelo Teórico e Evidências Empíricas Grupo de Pesquisa: Economia e Gestão no Agronegócio Resumo O presente artigo teve como objetivo desenvolver um modelo teórico sobre a formação de percepção de qualidade pelos consumidores de lácteos e confrontá-lo com as evidências empíricas de qualidade percebida discutidas na literatura nacional e internacional. O modelo foi desenvolvido a partir da revisão teórica de modelos de qualidade percebida nos alimentos, acrescidos de informações específicas de pesquisas de consumidor de produtos lácteos. Posteriormente, foram apresentadas as evidências empíricas sobre percepção de qualidade nos lácteos da literatura internacional e do Brasil e confrontaram-se os resultados com as dimensões do modelo desenvolvido. A percepção de qualidade dos lácteos no estudo proposto segue três etapas: a formação de expectativas de qualidade, a percepção de qualidade a partir da experiência e a crença na qualidade a partir de atributos de confiança. O modelo e as evidências demonstraram que a qualidade percebida nos lácteos está vinculada, fundamentalmente, ao processo de experiência, por meio do desempenho dos atributos sensoriais, dos sinais extrínsecos e intrínsecos inferidos antes do consumo e na crença em atributos de confiança. A revisão teórica apresentada no artigo possibilitou inferir que a temática proposta desafia futuras investigações a desvendar as diferentes formas de percepção de qualidade pelos consumidores de alimentos. Palavras-chave: Laticínios, qualidade percebida, tecnologia dos alimentos. Perceived Quality for Consumers of Dairy Products: Theoretical Model and Empirical Evidences Abstract The aim of this paper is to develop a theoretical model about the perceived quality of dairy products and discuss the extent to which results from previous research support the proposed framework. The theoretical model was developed based on a review of previous research on perceptions of quality of dairy products as well as consumer behavior studies. Subsequently, was presented empirical evidences on the perception of quality of dairy 1 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural products of international and Brazil’s literature and confronted the results with the dimensions of the model. The perceived quality of dairy products follow a process based on tree stages: the formation of expectation of quality, the formation of quality inferences based on experience attributes, and the formation of quality inferences based on credence attributes. The model and the evidences showed that perceived quality is first linked to the product experience, especially to the sensory attributes of the product, linked to the intrinsic and extrinsic product cues assed prior to consumption, and the belief in credence attributes By the theoretical review presented in this paper its possible to infer that the proposed theme challenges future research to uncover the different perceptions of quality by consumers of food. Key words: Dairy products, perceived quality, food technology. 1. INTRODUÇÃO A bovinocultura de leite e os segmentos processadores de produtos lácteos desempenham um papel fundamental no desenvolvimento socioeconômico brasileiro. O setor lácteo no Brasil, durante as décadas de 1970 e 1980, foi subsidiado por instrumentos públicos de comercialização, fundamentalmente por meio da fixação de preços, visando à geração de excedentes ao produtor. O protecionismo resultou em preços de produtos lácteos ao consumidor superiores aos preços internacionais e no desestímulo por investimentos em qualidade e em produtividade dos sistemas produtivos (FARINA et al., 2005). Ao longo da década de 1990, a cadeia láctea passou por intenso processo de reestruturação decorrente das profundas transformações estruturais da economia brasileira. As mudanças tiveram início pela desregulamentação do setor lácteo (1989 a 1993) e, posteriormente, pela abertura de mercado, o ajuste macroeconômico estrutural, o rápido fluxo de investimentos estrangeiros, o estabelecimento de empresas multinacionais, e pela consolidação do MERCOSUL (FARINA et al., 2005; MARGARIDO, BUENO & MARTINS, 2004). Os investimentos externos concentraram-se nas indústrias de transformação e no setor varejista, intensificando a concorrência, reduzindo os preços em nível de consumidor e elevando a diferenciação de produtos e a segmentação de mercado. A expansão da produção e do consumo de produtos lácteos foi acompanhada pela difusão de tecnologias e pela adoção de estratégias competitivas seguidoras. As inovações no setor lácteo brasileiro basearam-se na difusão da técnica de ultra-pasteurização (UHT), em métodos de controle de qualidade e no desenvolvimento de produtos funcionais (FARINA et al., 2005; LIMA, RÉVILLION e PADULA, 2009). As condições favoráveis de mercado permitiram a implementação do Programa de Melhoria da Qualidade do Leite e da Instrução Normativa nº. 51, que estabeleceram critérios para a produção, identidade e qualidade do leite. Os principais elementos do programa de monitoramento da qualidade e segurança do leite foram à obrigatoriedade de realização dos testes de contagem bacteriana total, de células somáticas e de resíduos de 2 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural antibióticos em laboratórios credenciados, e a refrigeração e coleta a granel da matériaprima nas propriedades rurais produtoras (MAPA, 2002; FAGUNDES, 2006). A qualidade dos alimentos tornou-se um atributo fundamental para a transformação dos sistemas agroalimentares e determinante para a competitividade da indústria de laticínios (FARINA et al., 2005). Os investimentos em controle de qualidade no processamento de alimentos lácteos se justificam basicamente por três razões: a. garantia de segurança alimentar; a otimização do uso de recursos; e a conquista e manutenção de mercados consumidores (DÜRR, 2006). A qualidade pode ser identificada por meio de características que assumem dimensões objetivas e subjetivas. No entanto, para a identificação de um parâmetro de qualidade nos laticínios se faz necessária a especificação do conceito (TOLEDO, 2001). Garvin (1987) apresenta uma síntese das abordagens de gestão da qualidade, vinculadas fundamentalmente ao desenvolvimento de produtos e processos, propondo oito dimensões de qualidade que podem servir como um modelo para análise estratégica: desempenho; recursos; confiabilidade; conformidade; durabilidade; manutenção; estética; e qualidade percebida. Para Steenkamp & Van Trijp (1996), os mercados exigem que as empresas busquem melhorar a qualidade do produto a partir da perspectiva do consumidor (qualidade percebida), ao invés de dar atenção apenas às exigências normativas e conformidades de produto e processos. Assim, a percepção dos consumidores frente à qualidade dos alimentos é um fator preponderante para o crescimento do mercado agroalimentar (CARDELLO, 1995; POULSEN et al., 1996). Os produtos como queijos, iogurtes e bebidas lácteas podem ser diferenciados pelo valor organoléptico (sabor, aparência, odor, textura), pelo valor nutricional (composição) e pelo grau de segurança (qualidade microbiológica, presença de resíduos) (DÜRR, 2006). Entretanto, os consumidores apresentam diferentes percepções em relação às dimensões de qualidade e são orientados por uma gama de atributos, sinais e comunicações (MOSKOWITZ, 1995). A literatura internacional destaca a importância da análise da percepção do consumidor frente às dimensões de qualidade dos produtos lácteos (HEKMAT & REID, 2006; GREBITUS et al., 2007; DRAKE, 2007). No entanto, as formas pelas quais os consumidores aceitam ou rejeitam novos produtos lácteos ainda estão longe de serem compreendidas (GRUNERT, BECH-LARSEN & BREDAHL, 2000). Neste sentido, o desafio de futuras pesquisas está em compreender e analisar o processo de percepção dos consumidores frente aos diferentes tipos de dimensões de qualidade dos laticínios (GARVIN, 1987; CARDELO, 1995; CARVALHO et al., 2005; DÜRR, 2006). Como se pode avaliar a qualidade percebida pelos consumidores de laticínios? Quais são as dimensões de qualidade que afetam a percepção do consumidor de produtos lácteos? Quais são as principais percepções dos consumidores brasileiros frente à qualidade destes produtos? Estes questionamentos demonstram a necessidade de maior profundidade de investigações cientificas sobre a percepção no consumo de produtos lácteos no Brasil. Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo desenvolver um modelo teórico sobre a formação de percepções de qualidade dos consumidores de lácteos e confrontá-lo com as evidências empíricas de qualidade percebida discutidas na literatura nacional e 3 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural internacional. A compreensão da qualidade percebida pelo consumidor de laticínios no Brasil auxiliará no desenvolvimento de novos produtos e na formulação de políticas que visem fortalecer o consumo de produtos lácteos no mercado interno. O modelo teórico de formação da percepção de qualidade dos consumidores de produtos lácteos será desenvolvido a partir da revisão bibliográfica dos modelos de Olson & Jacoby (1972), Steenkamp & Van Trijp (1996), Poulsen et al., (1996) e Grunert (2002), acrescidos de informações específicas de pesquisas sobre o consumidor de alimentos na literatura. Posteriormente, busca-se apresentar evidências empíricas sobre percepção de qualidade nos lácteos da literatura internacional e do Brasil, confrontar os resultados com as dimensões do modelo desenvolvido e discutir as relações entre as evidências e os principais desafios para o agronegócio do leite e derivados. O artigo está segmentado em quatro tópicos. Após a introdução, o segundo tópico apresenta os principais modelos para análise da qualidade percebida dos produtos alimentares e propõe um modelo teórico da formação de percepção de qualidade dos produtos lácteos. O terceiro tópico apresenta, confronta e discute as evidências empíricas sobre a qualidade percebida pelo consumidor de laticínios na literatura nacional e internacional com base no modelo teórico desenvolvido. O quarto tópico traz as considerações finais do artigo e provocações para futuras pesquisas. 2. A PERCEPÇÃO DE QUALIDADE NOS CONSUMIDORES DE ALIMENTOS A qualidade percebida é uma dimensão subjetiva baseada na inferência dos consumidores por meio de informações presentes no produto e no ambiente de compra. A tradução das exigências dos consumidores em relação às dimensões de qualidade é um dos fatores essenciais para o desenvolvimento de programas de melhoria da qualidade dos alimentos (POULSEN et al., 1996; STEENKAMP & VAN TRIJP, 1996). A compreensão da qualidade percebida pelo consumidor se torna vital para quem não quer apenas produzir alimentos, mas comercializar e tornar-se competitivo nos mercados globais (OUDE OPHUIS & VAN TRIJP, 1995). O esforço das empresas do setor alimentar em desenvolver constantemente novos produtos é uma tentativa de satisfazer as diferentes necessidades dos consumidores e oferecer a qualidade exigida pelos usuários finais (GRUNERT et al., 2008). A qualidade percebida é o resultado de um processo de percepção. O juízo sobre a qualidade de um alimento é formado a partir de características visíveis ou invisíveis, as quais podem ser experimentadas, ou apenas associadas com o produto avaliado. As dimensões da qualidade percebida podem ser diferentes dependendo do produto ou da categoria de produtos em estudo. A qualidade percebida varia de acordo com as decisões do consumidor, que diferem entre si, por meio de suas habilidades de percepção, preferências pessoais, nível de experiência e pela finalidade do uso do produto alimentar (OUDE OPHUIS & VAN TRIJP, 1995). O estudo da percepção da qualidade do consumidor deve, portanto, mapear os vários aspectos dos produtos alimentares que conduzem a variações de juízos (HANSEN, 2005). A modelagem do processo de percepção de qualidade oferece um quadro útil para explorar a importância dos sinais e atributos de qualidade e suas interações no desenvolvimento de novos produtos alimentares (OUDE OPHUIS & VAN TRIJP, 1995). 4 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Na literatura, autores como Olson & Jacoby (1972), Steenkamp & Van Trijp (1996), Poulsen et al., (1996) e Grunert (2002) oferecem diferentes modelos analíticos para avaliar a percepção das dimensões de qualidade pelos consumidores finais. Olson & Jacoby (1972) foram os primeiros a identificar na literatura a carência de uma estrutura teórica direcionada a avaliar a percepção dos consumidores, a partir de diversas formas de sinalização, frente à qualidade dos produtos. Estes autores desenvolveram um modelo conceitual para avaliar os sinais de qualidade e testaram empiricamente no processo de compra de cinco categorias de produtos (tapetes, secador de cabelos, café moído, shampoo e aspirina). A principal contribuição deste trabalho foi desenvolver e aplicar os conceitos de sinais intrínsecos e extrínsecos de qualidade. Steenkamp & Van Trijp (1996) desenvolveram um modelo conceitual e metodológico para melhorar a qualidade dos produtos alimentares com base nas demandas dos consumidores. O modelo “Quality Guidance”, de Steenkamp & Van Trijp (1996), fundamenta-se na crença de que os produtos alimentares devem ser desenvolvidos e melhorados de modo a refletir os desejos e gostos dos consumidores, onde a percepção de qualidade é um pré-requisito. O modelo é dividido em duas etapas: um processo de abstração, que relaciona as características físicas do produto com os sinais intrínsecos e atributos de qualidade (sensoriais), e um processo de integração, que descreve como as percepções são transformadas em expectativas e experiências de qualidade. Poulsen et al. (1996) propôs uma extensão do modelo de “Quality Guidance” para avaliar a importância relativa das etapas de expectativa e experiência de qualidade. Para Poulsen et al. (1996) as duas etapas no processo de formação de qualidade não são independentes. As expectativas influenciam a percepção da qualidade por experiência e a experiência influencia a percepção de expectativas de qualidade futuras. Assim, os autores inseriram uma estrutura adicional sobre o processo de integração de Steenkamp & Van Trijp (1996), através de indicadores múltiplos, denominado de “Quality Formation”, onde os sinais extrínsecos de qualidade apresentam um papel mais preponderante. Posteriormente, Grunert (2002) apresentou um modelo denominado de “Total Food Quality” para analisar questões relacionadas à escolha e a percepção do consumidor frente à qualidade dos alimentos. A principal contribuição do trabalho do referido autor foi à organização das dimensões em intenção de compra, por meio de atributos de busca (sinais intrínsecos e extrínsecos na qualidade esperada) e em motivação para compras futuras (experiência de qualidade). Os modelos apresentados se complementam e oferecem um amplo arcabouço conceitual e analítico para compreender o processo de percepção de qualidade por parte dos consumidores de alimentos. De uma forma geral, a percepção de qualidade dos alimentos, nestes modelos, segue três etapas: a formação de expectativas de qualidade, a percepção de qualidade a partir da experiência e a crença na qualidade a partir de atributos de confiança. 2.1 A Formação de Expectativas de Qualidade Durante o processo de aquisição de alimentos, as dimensões de qualidade dos produtos são determinadas, de forma limitada, por características de busca. A fim de tomar decisões de compra, os consumidores necessitam formar expectativas de qualidade, sendo 5 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural que, apenas após a compra o consumidor irá determinar a qualidade do produto por meio da experiência (GRUNERT, 2002). A expectativa de qualidade é um fator importante no comportamento de escolha do consumidor. Por este motivo, o consumidor tem que confiar em sinais de qualidade no ponto de venda para direcionar a sua escolha entre as diversas alternativas de produtos (STEENKAMP & VAN TRIJP, 1996). As informações utilizadas para formar as expectativas de qualidade são chamadas de “sinais de qualidade1” (OLSON & JACOBY, 1972; GRUNERT, 2002). A compreensão das expectativas de qualidade dos consumidores fornece a indústria alimentar informações valiosas sobre como priorizar determinados sinais de qualidade no desenvolvimento de novos produtos (POULSEN et al., 1996). 2.1.1. Sinais intrínsecos e extrínsecos de qualidade As expectativas de qualidade são baseadas em sinais, definidos como estímulos informativos que estão, de acordo com o consumidor, relacionados com a qualidade do produto, e podem ser verificados através dos sentidos antes do consumo. A expectativa no ponto de compra é resultante de uma integração dos diferentes sinais intrínsecos e extrínsecos de qualidade na percepção do consumidor (POULSEN et al., 1996; OUDE OPHUIS & VAN TRIJP, 1995). Sinais intrínsecos referem-se a atributos do produto que não podem ser alterados ou manipulados sem alterar as características físicas do produto em si (OLSON & JACOBY, 1972). Nos alimentos, alguns exemplos de sinais intrínsecos são: cor, textura, aparência e consistência (STEENKAMP & VAN TRIJP, 1996). Os sinais extrínsecos referem-se a atributos que não fazem parte da estrutura físico-química do produto, como, por exemplo, marca, publicidade, preço e o estabelecimento de venda (OLSON & JACOBY, 1972; GRUNERT, 2002). Enquanto os sinais intrínsecos estão ligados as características físicas do produtos, os sinais extrínsecos são predominantemente determinados pelos esforços de comunicação e de mercado (STEENKAMP & VAN TRIJP, 1996). A observação de um único sinal intrínseco não necessariamente leva a uma percepção definitiva de qualidade. Por exemplo, a textura do salame pode contribuir positivamente para a percepção do sabor, mas negativamente para a percepção do teor de gordura do produto. As interações entre os diferentes sinais de qualidade também contribuem para a formação de juízos sobre um atributo sensorial. Por exemplo, a percepção sobre o sinal intrínseco "aparência" da carne bovina pode ser influenciada por diferentes sinais intrínsecos e extrínsecos, como a cor, a quantidade de gordura intramuscular e o tempo de prateleira (STEENKAMP & VAN TRIJP, 1996). Os consumidores podem utilizar vários atributos do produto como critérios para decisões de compra. Isto sugere que pesquisas que objetivem avaliar a percepção dos consumidores devem incluir várias combinações de sinais de qualidade. Contudo, verificase que os sinais intrínsecos apresentam uma tendência de indicar de forma mais precisa a qualidade de um alimento (OLSON & JACOBY, 1972). Dentre os sinais extrínsecos, as marcas são os principais estímulos na avaliação da qualidade esperada por parte dos consumidores. Produtos sem marca, como carne fresca, peixe fresco, frutas e legumes, tornam-se mais difíceis para o consumidor formar 1 Os sinais de qualidade também são denominados como atributos de busca (GRUNERT, 2002). 6 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural expectativas de qualidade. Quando os produtos não apresentam marcas, selos podem oferecer aos consumidores um outro meio de inferir a qualidade dos produtos. Evidenciase uma proliferação de selos de qualidade e selos de denominação de origem, o que resultou na emergência de dimensões de qualidade baseadas na confiança (GRUNERT, 2002). 2.2 A Percepção de Qualidade a partir da Experiência Após o consumo, o consumidor é capaz de avaliar a qualidade dos produtos alimentares com base no seu desempenho real. O julgamento realizado no processo de consumo é denominado de desempenho e/ou experiência de qualidade. As experiências de qualidade são formadas com base no desempenho percebido dos atributos sensoriais, ou seja, o benefício funcional e psicossocial oferecido pelo produto (HANSEN, 2005; STEENKAMP & VAN TRIJP, 1996; POULSEN et al., 1996). Durante o consumo, o consumidor terá uma experiência de qualidade que muitas vezes não coincidirá com a qualidade esperada. A relação entre a expectativa e a experiência de qualidade é o fator determinante para a satisfação do consumidor com o produto e, portanto, a probabilidade de repetir a compra (GRUNERT, 2002). Os consumidores ao experimentar determinado alimento realizam seu juízo de qualidade, fundamentalmente, por meio das características sensoriais (sabor, odor, frescor, etc.) e características de conveniência (praticidade, forma de preparo, etc.) do produto (OUDE OPHUIS & VAN TRIJP, 1995). A experiência com a qualidade é influenciada por vários fatores. O produto em si é um fator fundamental, porém muitos outros desempenham um papel relevante: a forma de como o produto foi elaborado e integrado no processo de preparação da refeição, fatores como dia e tipo de refeição, o humor do consumidor, etc. (GRUNERT, 2002). 2.3 A Qualidade a partir de Atributos de Confiança Atributos de confiança referem-se a propriedades dos produtos que não podem ser percebidas e avaliadas pelo consumidor durante o consumo ou apenas podem ser avaliadas por meio da ajuda de um “expert” (HANSEN, 2005). Os atributos de confiança têm sido cada vez mais relevantes na formação da percepção de qualidade esperada e de experiência de alimentos. Um exemplo de atributo de confiança são os selos ou as informações de produção orgânica nos produtos alimentares. O consumidor não tem como avaliar a credibilidade dos procedimentos agroecológicos e nem identificar a qualidade do produto sem acreditar nos benefícios de tais características de produção (GRUNERT, 2002). Na mesma direção, os benefícios desejáveis nos produtos, como valor nutricional e salubridade, não podem ser experimentados de forma direta, os consumidores têm que confiar no julgamento de outros indivíduos ou nas informações contidas no produto para perceber a qualidade desejada. A margarina, por exemplo, apresenta uma alta porcentagem de gorduras poliinsaturadas, que são consideradas benéficas para a saúde devido à sua capacidade de reduzir o colesterol, entretanto, o efeito é projetado em longo prazo e não é mensurável diretamente pelo consumidor (OUDE OPHUIS & VAN TRIJP, 1995). O crescente desenvolvimento de alimentos funcionais fortaleceu as dimensões de qualidades vinculadas aos atributos de confiança. Estes atributos tornaram-se fundamentais no processo de comunicação, uma vez que a maioria dos efeitos dos produtos funcionais na 7 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural saúde é abstrato, e por vezes, imperceptível. Neste sentido, produtos sinalizados por meio de atributos de confiança necessitam de dispositivos de credibilidade para gerar percepções positivas em relação à qualidade do alimento (GRUNERT, 2002). Os valores pessoais afetarão o grau de importância dos atributos de qualidade de confiança. A relevância dos atributos como benefícios à saúde, preservação ambiental e segurança sanitária estarão dependentes dos valores pessoais e dos diferentes níveis sóciodemográficos dos consumidores (OUDE OPHUIS & VAN TRIJP, 1995). 2.4 A Formação da Qualidade Percebida dos Produtos Lácteos A percepção de qualidade de um produto alimentar é determinada pelas relações entre a expectativa de qualidade, por meio dos sinais intrínsecos e extrínsecos; a experiência de qualidade, por meio do desempenho dos atributos sensoriais durante o consumo; e a crença nos atributos de confiança. Alguns consumidores são mais qualitativamente orientados pelas expectativas, pela experiência, e outros pela confiança em comunicações sobre benefícios à saúde e sobre processos de produção naturais e/ou orgânicos. Nesta perspectiva, Grunert, Bech-Larsen & Bredahl (2000) apresentam quatro dimensões de qualidade que norteiam a percepção dos consumidores de produtos lácteos: a) Dimensão hedonista: relacionada ao prazer sensorial e, principalmente, ligada ao sabor, aroma e aparência. A dimensão hedonista está vinculada ao processo de expectativa e experiência de qualidade. b) Dimensão de saúde: relacionada às formas em que o consumo do produto irá afetar a saúde dos consumidores. A dimensão de saúde está vinculada aos sinais intrínsecos e extrínsecos antes da compra e aos atributos de confiança. c) Dimensão de conveniência: relacionada com o tempo e o esforço que tem de ser gasto ao comprar, armazenar, preparar e consumir o produto. A conveniência faz parte do processo de expectativa e experiência de qualidade. d) Dimensão de processo: refere-se ao interesse dos consumidores com as características do processo de produção do produto, mesmo quando estes aspectos não façam parte do produto físico final. Esta dimensão está ligada à credibilidade da comunicação dos atributos de confiança. Assim, para avaliar a qualidade percebida por parte dos consumidores lácteos tornase fundamental a integração destas características em um modelo teórico a fim de identificar as especificidades de percepções do mercado consumidor (Figura 1). 8 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Atributos de Busca Características físico-químicas Acidez, Gordura, Proteínas, Lactose, Vitaminas, Minerais, Adição de Prebióticos e /ou Probióticos. Atributos de Confiança Comunicações de produção orgânica e benefícios à saúde. Sinais Intrínsecos Sinais Extrínsecos Aparência, Forma, Cor, Validade, Tamanho, Umidade, Estrutura, Inspeção sanitária. Preço, Marca, Origem, Informação Nutricional, Embalagens, Loja Propaganda, Conveniência. Expectativa de Qualidade Antes da compra Após a compra Atributos Sensoriais Sabor, Aroma, Odor, Textura, Consistência, Umidade, Cremosidade. Experiência de Qualidade Qualidade percebida Figura 1 – Modelo teórico do processo de formação da qualidade percebida pelo consumidor de produtos lácteos. Fonte: elaborado pelo autor com base em Olson & Jacoby (1972); Steenkamp & Van Trijp (1996); Poulsen et al. (1996); e Grunert (2002). O modelo teórico apresenta as principais formas de percepção e as características sobre as quais se determina a qualidade percebida pelos consumidores de laticínios. O modelo fornece uma visão geral do que influencia o consumidor antes e após a compra de produtos lácteos, e contempla os principais aspectos conceituais destacados pela literatura. A partir deste modelo teórico, se faz necessário confrontar os aspectos conceituais com as evidências empíricas resultantes de pesquisas de consumidor. 3. EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS DA QUALIDADE PERCEBIDA NOS LATICÍNIOS A questão fundamental para o avanço do setor lácteo está na relação entre a introdução de novos produtos no mercado e a evolução das necessidades e preferências do consumidor (GRUNERT et al., 2008). Este tópico busca apresentar e discutir evidências empíricas sobre o processo de percepção de qualidade dos lácteos na literatura internacional e no Brasil. A análise e discussão de evidências são realizadas com base nos pressupostos teóricos apresentados e no modelo proposto no tópico anterior. 3.1 Evidências na Literatura Internacional Os principais formadores da qualidade percebida dos laticínios são os atributos sensoriais. Estes são primordiais para a difusão da imagem dos lácteos como saborosos e saudáveis (DRAKE, 2007). Em pesquisa de percepção do consumidor na Austrália, Bus & Worsley (2003) indicam que o sabor é um dos principais determinantes da escolha do tipo de leite para consumo e está vinculado ao teor de gordura contido no produto. Para os 9 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural consumidores australianos, leite de qualidade é um produto prático e seguro, com boas propriedades sensoriais e que proporciona uma boa fonte de nutrientes. O sabor, por vezes, não é o principal determinante do tipo de leite para consumo. A crença sobre benefícios a saúde é um atributo decisivo para a compra e percepção de qualidade do leite com baixo teor de gordura (BUS & WORSLEY, 2003). Na pesquisa de Grebitus et al. (2007) com consumidores de leite da Alemanha, a validade, o frescor e o preço são os principais fatores que afetam a compra e a percepção de qualidade do produto, enquanto que comunicações de receitas, informações nutricionais e a variedade de produtos têm um baixo impacto nas decisões dos consumidores. Os sinais extrínsecos relacionados às características de conveniência aumentam a freqüência de consumo do leite integral. A pesquisa de Bower & Baxter (2003) sobre a percepção do consumidor de sorvete na Escócia conclui que os consumidores percebem qualidade e adquirem o sorvete devido ao peculiar sabor do produto e pelos aspectos sensoriais de aroma e textura. Segundo os autores, apesar do elevado grau de gordura saturada contida nos sorvetes, os consumidores vinculam o consumo a dimensão hedônica de qualidade, privilegiando o prazer e o sabor do produto. Em Zimbábue, na África, Chimboza & Mutandwa (2007) identificaram cinco fatores determinantes na escolha de produtos lácteos em geral: comunicação, preço, disponibilidade do produto, embalagens e sinais de qualidade. Dentre estes cinco fatores, a percepção de qualidade dos consumidores está vinculada, fundamentalmente, ao sabor e ao tempo na qual o produto pode ser armazenado e consumido sem perder os benefícios nutricionais. Novos produtos lácteos, como os alimentos funcionais, estão sendo lançados nos mercados posicionando-se na dimensão de qualidade relacionada à saúde (GRUNERT, BECH-LARSEN & BREDAHL, 2000). Para Siró et al. (2008) as principais condições para a aceitação dos produtos funcionais estão vinculadas ao sabor, segurança sanitária, preço, conveniência e a confiabilidade das alegações de saúde. A pesquisa de Hekmat & Reid (2006), no Canadá, procurou avaliar e comparar as propriedades sensoriais do iogurte com probiótico e do iogurte padrão. Os resultados demonstraram que a aparência, o sabor, a textura e a qualidade global do iogurte com probiótico foram semelhantes ao do iogurte padrão. Evidencia-se também o crescente desenvolvimento de produtos lácteos orgânicos. Grebitus et al (2007) conclui que os consumidores de leite orgânico são influenciados, em maior grau, pelos atributos de qualidade de confiança associados à credibilidade do processo de produção orgânica. A comunicação da produção orgânica através de um selo funciona como um sinal de qualidade extrínseco que pode ser utilizado em atividades de promoção (GREBITUS et al., 2007). 3.2 Evidências na Literatura Brasileira A pesquisa de Carvalho et al. (2005) buscou identificar, por meio de um estudo de caso em Minas Gerais, os atributos considerados relevantes pelos consumidores para que o leite seja considerado um produto de qualidade. Os resultados indicam que os consumidores valorizam, especialmente, o sabor, o odor, a consistência e a aparência do produto para inferirem-lhe qualidade. Os consumidores afirmaram ser necessário que o 10 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural leite seja limpo, livre de conservantes, e rico em nutrientes. Consumidores de faixa etária mais jovem consideram a gordura do leite um componente maléfico à saúde. Em relação aos sinais extrínsecos, os consumidores atribuem qualidade ao leite pela praticidade, marca, procedência, comunicação de higiene, ponto de venda, e embalagem de fácil abertura, manuseio, armazenamento e descarte. Em relação ao sinal intrínseco de validade alguns consumidores desejam que o leite tenha uma vida de prateleira prolongada, enquanto outros percebem que a maior durabilidade está vinculada à adição de conservantes ao produto. Para alguns consumidores, o leite desnatado é de melhor qualidade por conter baixo teor de gordura, característica físico-química que beneficia a saúde (CARVALHO et al., 2005). O trabalho de Santana et al. (2006) realizou a análise sensorial de qualidade de três amostras de iogurte (produzido com leite integral, com leite desnatado e com leite desnatado adicionado com proteína de soja). Os resultados demonstraram que os três tipos apresentaram boa aceitação, destacando-se a percepção de qualidade em relação à aparência, aroma, sabor e textura. No caso do sorvete, Maia et al. (2008) avaliou a qualidade no consumo de dois tipos de sorvete (produzido com sacarose e com xilitol). A adição de xilitol no sorvete busca a prevenção da cárie dentária e auxilia no tratamento de obesos, diabéticos e em indivíduos com nutrição parenteral. Ambos os tipos de sorvete apresentaram boa aceitabilidade e qualidade percebida nos quesitos aparência, cor, doçura e sabor. Para consumidores obesos e diabéticos, a percepção de qualidade está vinculada à adição de xilitol e as comunicações dos benefícios de tal substância a saúde (MAIA et al., 2008). O estudo de caso de Araujo, Silva & Khan (2004) buscou identificar o motivo de consumo do iogurte na Bahia. Os autores verificaram que o valor nutricional, o sabor, a identificação de um produto natural e o preço são os principais motivadores da compra. A qualidade percebida pelos consumidores do iogurte está atrelada ao registro na embalagem do iogurte que indique a existência de algum órgão que controla a qualidade do produto. No estudo, 53,1% dos consumidores têm a preocupação de fazer a verificação sobre a inspeção sanitária. O perfil de consumo de queijo do município de Campinas foi avaliado por Garcia (2003) que identificou que a percepção de qualidade de diferentes tipos de queijo está vinculada aos sinais intrínsecos de aparência e validade, ao sinal extrínseco de marca e ao atributo sensorial de sabor. Cada vez mais queijos e produtos lácteos fabricados com leite de ovinos e búfalos têm entrado no mercado brasileiro. O consumidor tem procurado os produtos lácteos de leite de búfala, pois atribuem maior qualidade a estes laticínios devido à maciez, paladar suave e aspectos nutricionais (TEIXEIRA, BASTIANETTO & OLIVEIRA, 2005). Na maioria dos estados brasileiros existe a tradição do consumo de produtos artesanais/coloniais por serem considerados, pela população, mais naturais e saborosos, e por vezes, de melhor qualidade devido o produto não ser industrializado e produzido com conservantes (ZAFFARI, MELLO & COSTA, 2007). Entretanto, os estudos de Brant, Fonseca & Silva (2007) e Zaffari, Mello & Costa (2007) demonstram que a qualidade higiênico-sanitária dos queijos coloniais é muito precária e o seu consumo constitui perigo de infecção à população em geral. 11 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 3.3 Análise e Discussão das Evidências A formação da qualidade percebida pelos consumidores de produtos lácteos, tanto no Brasil como em nível internacional, segue três caminhos: a qualidade esperada, qualidade na experiência e a qualidade por meio de atributos de confiança. Uma síntese das evidências empíricas sobre percepção de qualidade e motivação de compra nos diferentes produtos lácteos é apresentada na Tabela 1. Tabela 1 - Principais formas de percepção e características dos laticínios que afetam o processo de inferência da qualidade percebida dos diferentes produtos lácteos. Principais formas de percepção Características do produto Produto Atributos sensoriais Sabor, Frescor. Leite Sinais intrínsecos Sinais extrínsecos Características físico-químicas Atributos de confiança Queijos Industrializados Atributos sensoriais Sinais intrínsecos Sinais extrínsecos Características físico-químicas Aparência, Validade. Embalagem, Conveniência, Preço, Marca, Informações nutricionais. Teor de gordura. Comunicações de benefícios à saúde (leite desnatado e orgânico). Sabor, Consistência Inspeção Sanitária, Validade, Aparência. Preço, Informação nutricional, Marca. Teor de gordura Sabor, Consistência Comunicações do processo de produção natural e/ou orgânico. Atributos sensoriais Sabor, Consistência, Aroma. Iogurtes Sinais intrínsecos Aparência. Sinais extrínsecos Conveniência, Preço, Marca. Atributos de confiança Comunicações dos benefícios à saúde dos iogurtes funcionais Atributos sensoriais Sabor, Aroma, Textura. Sorvetes Sinais intrínsecos Aparência. Sinais extrínsecos Marca. Atributos de confiança Comunicações dos benefícios da adição de xilitol e assemelhados. Fonte: elaborado pelo autor a partir da revisão de evidências empíricas. Coloniais Atributos sensoriais Atributos de confiança Os principais indicativos de qualidade são os atributos sensoriais avaliados no consumo, como: sabor, consistência, textura, aroma, e frescor. Na formação da qualidade esperada, por meio dos atributos de busca, os sinais extrínsecos aparecem com maior relevância, onde os consumidores atribuem qualidade por meio da embalagem, da conveniência, do preço, da marca e das comunicações do valor nutricional. Dentre os sinais intrínsecos mais destacados estão à aparência e a validade do produto. Constata-se que as características e comunicações de inspeção sanitária nem sempre são citadas como um sinal de qualidade percebida nos produtos lácteos. As exigências de controle sanitário através de normativas institucionais e por processos de controle de qualidade industrial crescem à medida que o consumo se fortalece no mercado interno e quando se vislumbra a 12 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural possibilidade de acesso a mercados externos. No Brasil, a conformidade dos produtos às normativas de qualidade deve ser melhor comunicada em sinas intrínsecos e/ou extrínsecos para que os consumidores possam atribuir importância e utilidade aos aspectos de segurança sanitária. Outra questão importante a salientar é a alegação, por parte de consumidores brasileiros, de que os produtos coloniais apresentam melhor qualidade. A qualidade, neste sentido, está apenas baseada na crença em processos de produção naturais e orgânicos, criando um paradoxo, na qual, na visão do consumidor, o produto não industrializado traz benefícios à saúde, enquanto pesquisas2 demonstram que grande parte destes laticínios apresenta um elevado risco de contaminação por microorganismos patogênicos. Um desafio para o setor de lácteos do Brasil está em fortalecer o controle de qualidade sanitária das agroindústrias familiares a fim de prover e comunicar a segurança dos produtos coloniais e orgânicos. Os iogurtes e bebidas lácteas funcionais têm sua qualidade identificada por meio da crença nas comunicações de benefícios à saúde (atributos de confiança). Para a indústria de laticínios se torna imprescindível aliar os atributos sensoriais desejáveis com a adição de probióticos para competir no mercado interno. A percepção de qualidade vinculada a aspectos de saúde e de processo de produção é uma questão de credibilidade de comunicação. Neste sentido, cresce a importância para o setor de lácteos do Brasil de fornecer credibilidade ás informações dos atributos de confiança (selos de produtos naturais e/ou orgânicos e comunicações dos benefícios dos aditivos funcionais), fundamentalmente, por meio de parcerias entre produtores/indústrias com organizações de apoio da cadeia produtiva (instituições de pesquisa e extensão rural, cooperativas, sindicatos, etc.). Por fim, cabe destacar três questões vitais apresentadas por Grunert, Bech-Larsen & Bredahl (2000) para o desenvolvimento e a aceitação de novos produtos lácteos que corroboram com as evidências empíricas de percepção no Brasil e com a discussão até aqui realizada: a) comunicação sobre dimensões de qualidade de confiança; b) as atitudes dos consumidores para dar crédito às características de confiança; e c) os processos de inferência na percepção de qualidade. A compreensão da qualidade percebida no mercado brasileiro auxiliará na difusão e desenvolvimento de novas categorias de produtos, atendendo as diversas demandas dos consumidores finais. Evidencia-se que o caminho para o fortalecimento do setor de lácteos no Brasil passa pelo aperfeiçoamento das comunicações de qualidade, seja elas de aspectos físicosanitários, sensoriais, de conveniência ou funcionais, para que o cliente final realize um consumo consciente a partir das percepções das diferentes dimensões de qualidade. 2 Zaffari, Mello & Costa (2007) constataram que 27 dos 29 estabelecimentos pesquisados que comercializam queijo colonial no litoral norte do Rio Grande do Sul apresentavam queijos com coliformes fecais acima do limite máximo determinado pela ANVISA, e 16% das amostras continham Listeria spp (bactéria que pode causar meningite e septicemia). Brant, Fonseca & Silva (2007) concluíram que 92,5% das amostras pesquisadas de queijo minas colonial de Minas Gerais eram impróprias para o consumo humano, sendo a principal causa de condenação à contagem de Staphylococcus coagulase positiva. 13 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O modelo teórico desenvolvido buscou compreender o processo de percepção de qualidade pelos consumidores dos produtos lácteos. O relato e discussão das evidências empíricas encontradas na literatura internacional e do Brasil possibilitou verificar que o modelo contempla os principais atributos e sinais de qualidade percebidos pelo consumidor de laticínios. Constatou-se que a qualidade percebida está diretamente vinculada ao processo de experiência, por meio do desempenho dos atributos sensoriais do produto, seguidos dos sinais extrínsecos e intrínsecos inferidos antes do consumo e da crença nos atributos de confiança. Assim, fortalecer as comunicações em torno dos benefícios a saúde, dos atributos sensoriais e o desenvolvimento de produtos e embalagens que explorem a dimensão de conveniência são estratégias a serem mais bem exploradas no Brasil. A percepção da qualidade por meio da conformidade a requisitos de controle higiênico-sanitário foi pouco citada nos estudos empíricos pesquisados. Acredita-se que o controle de qualidade higiênico-sanitário é de extrema relevância para a competitividade e credibilidade do setor, porém deve ser comunicado de forma mais contundente nos atributos de busca dos produtos lácteos para que os consumidores se conscientizem da importância de um consumo seguro. Cabe destacar que esta comunicação não deve ser vista como uma forma de diferenciação, mas como uma forma de otimizar as informações relativas a segurança do alimento. A crescente demanda por produtos lácteos naturais/orgânicos e funcionais está atrelada à confiança em atributos de qualidade de difícil mensuração, que devem ser comunicados de forma fidedigna para garantir a segurança sanitária e os benefícios à saúde creditados pelo setor industrial e varejista. O mercado de lácteos funcionais encontra-se em amplo crescimento no Brasil para atender a constante renovação das necessidades dos consumidores. A viabilidade do desenvolvimento de novos produtos passa pelo estudo da percepção de qualidade, o que estimulará a demanda em toda a cadeia produtiva. As pesquisas que avaliam a qualidade percebida pelos consumidores de laticínios no Brasil ainda são restritas e baseadas em estudos de caso com produtos específicos. A revisão teórica apresentada no artigo possibilitou inferir que a temática proposta desafia futuras investigações de caráter multidisciplinar no âmbito do agronegócio do leite e derivados a desvendar as diferentes formas de percepção de qualidade pelos consumidores de alimentos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Araújo, A. C., Silva, L. M. R., & Khan, A. S. (2004). O comportamento do consumidor de iogurte na cidade de Itabuna no estado da Bahia. Artigo apresentado no 42° Congresso da Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural, Cuiabá, MT, Brasil. Bower, J. A., & Baxter, I. A. (2003). Sensory properties and consumer perception of “home-made” and commercial dairy ice cream. Journal of Sensory Studies, 18, 217-234. 14 Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2010, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Brant, L. M. F., Fonseca, L. M., & Silva, M. C. C. (2007). Avaliação da qualidade microbiológica do queijo-de-minas artesanal do Serro - MG. 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