VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA. INCUMPRIMENTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA ÓTICA DO SEGURADOR Pedro Ribeiro e Silva Advogado e Diretor dos Serviços Jurídicos da MAPFRE Seguros Esta responsabilidade é uma responsabilidade sem culpa (objetiva), considerada decorrente do chamado risco económico ou de autoridade do empregador, sendo, por isso, afastada quando existe culpa, nomeadamente, quando o acidente ocorra por violação das regras de segurança no trabalho. Daí que, se o acidente ocorrer devido a ato ou omissão do sinistrado que importe a violação das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei, é descaracterizado e, portanto, não dá direito a reparação. Se o acidente resultar da falta de observação, por parte do empregador, das regras de segurança no trabalho, a seguradora é obrigada a reparar o acidente de trabalho, apenas pelas chamadas prestações normais, estabelecidas na Lei, ficando com direito de regresso sobre o empregador. Enquadramento – Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro Artigo 14.º Descaracterização do acidente 1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que: a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; 2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la. Artigo 18.º Atuação culposa do empregador 1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais. 2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido. 3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele. 4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes: a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição; b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível; c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente. 5 - No caso de morte, a pensão prevista no número anterior é repartida pelos beneficiários do sinistrado, de acordo com as proporções previstas nos artigos 59.º a 61.º 6 - No caso de se verificar uma alteração na situação dos beneficiários, a pensão é modificada, de acordo com as regras previstas no número anterior. Artigo 79.º Sistema e unidade de seguro 3 - Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso. O art. 18.º, n.º 1 reporta-se a duas situações distintas: 1.ª - O acidente ter sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante – acidente produzido por atuação dolosa – direta ou eventual – daquelas entidades. Neste caso o acidente é querido ou admitido como resultado possível de conduta assumida voluntariamente. 2.ª - O acidente ter resultado da falta de observação das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho – atuação meramente culposa – por parte das mesmas entidades. Neste caso não se respeitam as regras de segurança adequadas a prevenir o acidente, quer estas decorram dos deveres gerais de diligência, quer de estipulações decorrentes da lei ou contidas em diretivas da entidade empregadora. Num caso como noutro a entidade empregadora sempre responderá pelas prestações agravadas, quer a responsabilidade lhe seja imputável diretamente, quer a quem no ato a represente. Evidentemente, incumbe a quem invoca a violação das regras de segurança no trabalho a respetiva prova (art. 342.º Código Civil). A responsabilidade por violação das regras de segurança exige a verificação dos seguintes pressupostos legais: a) Que exista uma violação de regras de segurança, higiene e saúde no trabalho – que a entidade empregadora se encontrava obrigada a observar determinadas regras de segurança, que não observou; b) Que essa violação seja causal do acidente, que o evento seja consequência direta e necessária da violação da norma de segurança – que foi o desrespeito dessas regras de segurança que originou o acidente; c) Que a violação seja imputável à entidade patronal a título de culpa, bastando, para tanto, a mera culpa. O problema é que os nossos tribunais do trabalho têm tornado esta prova verdadeiramente diabólica, por vezes até em detrimento dos próprios trabalhadores/sinistrados, uma vez que, em caso de violação das regras de segurança por parte do empregador, o trabalhador tem direito a ser indemnizado por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais, em vez de receber apenas as prestações previstas na Lei de Acidentes de Trabalho. A orientação jurisprudencial dominante vai no sentido da necessidade de se provar a violação das normas de segurança e o nexo de causalidade entre essa violação e o acidente, para se poder concluir pela responsabilidade da entidade patronal de forma agravada, cabendo a quem invoca tais fundamentos o ónus da prova dessa violação e deste nexo causal. Não existindo norma expressa a definir em que condições mínimas de segurança é que uma máquina ou prensa mecânica pode funcionar, não se pode concluir pela violação das normas do DL n.º 441/91, de 14 de Novembro, e Portaria n.º 53/71, de 3 de Abril, ou de quaisquer outras. Os referidos diplomas contêm dispositivos legais genéricos ou princípios gerais, à luz dos quais devem ser interpretadas as normas que, em concreto, estabeleçam determinadas condições de segurança, higiene e saúde no trabalho. Jurisprudência mais recente: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Ac. do S.T.J. (P. 188/07.TTCTB.C1.S1), de 6.12.2011; Ac. do S.T.J. (P. 817/07.5TTBRG.P1.S1), de 16.11.2011 Ac. da Rel. de Évora (P. 139/09.7TTEVR.E1), de 13.09.2011 Ac. do S.T.J. (P. 1530/04.0TTCBR.C1.S1), de 08.06.2011 Ac. do S.T.J. (P. 1368/05.8TTVNG-C1.S1), de 18.05.2011 Ac. do S.T.J. (P. 414/06.2TTVFX.L1.S1), de 18.05.2011 Ac. do S.T.J. (P. 199/07.5TTVCT.P1.S1), 04.05.2011 Ac. da Rel. de Lisboa (P. 64/07.6TTVFX.L1-4), de 23.02.2011 Ac. da Rel. de Lisboa (P. 88/06.6TTFUN.L1-4), de 02.02.2011 (todos disponíveis no site da dgsi.pt) 1. (Trabalhos na via férrea – REFER) À entidade empregadora, que possuía normas internas de segurança destinadas à realização de trabalhos na via férrea, competia-lhe implementar no terreno as condições para o cumprimentos de tais normas, bem assim os cuidados gerais para acautelar a produção de acidentes com os trabalhadores envolvidos nos mesmos trabalhos. Não decorrendo dos factos que a entidade empregadora tenha estabelecido na concreta situação as condições necessárias ao cumprimento das normas de segurança internas, nem das gerais impostas pelo dever de elementar diligência, tem de ser responsabilizada pelo pagamento de prestações agravadas, devidas como reparação por acidente de trabalho sofrido, por trabalhador ao seu serviço, em consequência da violação de tais normas. 2. (Queda em altura) A mera prova que, nos momentos que precederam o acidente o sócio gerente da entidade empregadora ordenou ao sinistrado que arrumasse as ferramentas utilizadas na limpeza do telhado – ordem que o sinistrado cumpriu – e que o sinistrado pegou numa mangueira e percorreu o telhado a pé, vindo a cair pelo espaço existente entre o telhado do bloco C, onde decorriam os trabalhos, e o telhado de outro edifício que lhe é contíguo, é insuficiente para que se afirme, por um lado, a violação, pela empregadora, de qualquer norma de segurança, e, por outro, a existência de nexo de causalidade entre a alegada inobservância dessa norma e a produção do acidente. 3. (Queda em altura) A circunstância de o trabalhador se deslocar à parte superior das cubas, que tinham cerca de 7,5 metros de altura, e ter caído de uma delas, não é, só por si, suficiente para se poder concluir que a mesmas ofereciam perigo de queda, de modo a impor a implementação de especiais medidas de segurança, uma vez que se desconhece a concreta estrutura e composição das cubas. Porém, ainda que se admita que a entidade empregadora não observou as regras de segurança, designadamente por se considerar como facto notório a estrutura inclinada e escorregadia das cubas, não é possível concluir pela existência de nexo causal entre essa inobservância e o acidente, se apenas se encontra demonstrado que a vítima caiu do topo de uma das cubas, desconhecendo-se o circunstancialismo que terá originado a queda. 4. (Excesso de velocidade na condução de um dumper) Não resultando da matéria de facto provada que a omissão praticada pela ré no tocante ao dever de informação/formação sobre os riscos inerentes à circulação do veículo conduzido pelo sinistrado, de proceder à colocação de sinalização adequada na via e de proteger a zona da curva tenha integrado o processo causal que conduziu ao acidente, antes decorrendo este do facto de o veículo conduzido pelo sinistrado, que procedia ao transporte de uma carga de pedra e de pó de pedra, ter entrado “em total descontrolo de condução, desgovernado”, apesar de o sinistrado ter “experiência profissional na condução de dumpers e de veículos idênticos”, e “(p)or causa da velocidade que o veículo atingiu na reta que antecede o início da curva”, não se pode concluir que se verifica nexo de causalidade entre a inobservância daquelas regras sobre segurança no trabalho e a eclosão do acidente, sendo que cabia à autora alegar e provar os factos conducentes a essa conclusão, ónus que não se mostra cumprido. 5. (Queda em altura) Provando-se que a entidade empregadora estabeleceu condições de segurança a observar nos trabalhos a efetuar e que essas condições de segurança foram comunicadas aos seus trabalhadores, incluindo ao sinistrado, este trabalhado, ao sair da plataforma elevatória (equipada com um cesto de, com cerca de 1,30 m de altura, elevado pelo gancho de uma mini-grua) para o telhado, sem que fosse necessário, já que o trabalho de montagem de decorações luminosas na fachada de um edifício podia ser realizado dentro do cesto da plataforma elevatória, violou conscientemente as condições de segurança impostas pela empregadora. Neste contexto, é bem patente o nexo de causalidade entre a sua conduta ilícita – execução do trabalho em cima do telhado – e a queda do telhado para o solo, que lhe causou a morte. A ótica do segurador: - A importância das seguradoras na prevenção versus reparação; - A análise do risco; - A previsibilidade do acidente; - Os desequilíbrios jurisprudenciais; - Ou é patente a conduta ilícita do trabalhador e descaracteriza-se o acidente de trabalho ou …; - A propensão marginal para a condenação; - O papel da função social do seguro – não ir mais além do que aquilo que foi realmente transferido; - A responsabilidade subsidiária deixou de existir; - A responsabilidade solidária; - O exercício do direito de regresso; - A importância dos técnicos de SHT na implementação de normas internas de segurança nas empresas e no convencimento dos empregadores da necessidade da sua divulgação a todos os trabalhadores. De iure condendo: Estabelecer, em caso de acidente de trabalho, uma presunção de incumprimento das regras de segurança por parte da entidade empregadora, cabendo-lhe ilidir essa presunção….