PDF elaborado pela Datajuris Processo nº 710/2004 Acórdão de: 25-11-2010 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1. Na fase contenciosa da presente acção emergente de acidente de trabalho, o sinistrado AA demandou a Companhia de Seguros BB, S. A., pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe € 8.717, 21, a título de indemnização por incapacidade temporária, € 6.532,80, a título de pensão anual e vitalícia, acrescida de € 816,60, a título de pensão devida a seu filho CC (estudante universitário a seu cargo) e € 7.266,43, a título de despesas de transportes, médicas e medicamentosas, umas e outras acrescidas de juros de mora contados desde a citação. Em resumo, o autor alegou ter sofrido um acidente de trabalho no dia 15 de Junho de 2004 (posteriormente rectificado para 15 de Julho de 2004 - despacho de fls. 456), quando, remunerada e subordinadamente, exercia as funções de gerente da sociedade DD, L.da, que tinha transferido para a ré a sua responsabilidade por acidentes de trabalho, acidente esse que consistiu em ter caído ao solo, quando se encontrava em cima de uma placa, a cerca de 7 metros do solo, de que lhe resultaram lesões determinantes de incapacidade temporária absoluta para o trabalho que, por terem decorrido mais de 18 meses, se converteu em permanente. A ré seguradora contestou, alegando, em resumo e de relevante para o recurso de revista, que o acidente tinha ocorrido quando o sinistrado se encontrava em cima do telhado, a proceder à substituição das telhas, devendo o mesmo ser descaracterizado por ter resultado exclusivamente da conduta negligentemente grosseira e da violação das regras de segurança por parte do sinistrado, por este não ter implementado quaisquer medidas de segurança destinadas a prevenir o risco de queda, risco esse que era manifestamente elevado. E, sem prescindir, alegou que o acidente se ficou a dever à violação, por parte da entidade empregadora, das condições de segurança, pelo que a sua responsabilidade, a existir, sempre seria meramente subsidiária. Chamada a intervir, a entidade empregadora (DD, L.da) contestou rejeitando a violação das regras sobre a segurança no trabalho que lhe foi assacada pela ré seguradora. Proferido o despacho saneador, seleccionada a matéria de facto assente, elaborada a base instrutória que foi objecto de reclamação que veio a ser indeferida, realizado o julgamento e dadas as respostas aos quesitos, a ré seguradora foi considerada a única e principal responsável pela reparação do acidente, tendo sido condenada a pagar ao autor a pensão anual e vitalícia e demais prestações referidas na sentença. A companhia de seguros apelou da sentença, continuando a defender a tese da descaracterização do acidente – nas vertentes da negligência grosseira e da violação das regras de segurança, por parte do sinistrado – e, sem prescindir, a tese da imputação do acidente à violação, por banda da empregadora, das regras de segurança no trabalho. Fê-lo, todavia, sem sucesso, uma vez que o Tribunal da Relação do Porto confirmou a sentença da 1.ª instância. Mantendo o seu inconformismo, a seguradora interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: «I. Com o devido respeito por diferente opinião, entende a Recorrente que a sentença fez incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos em discussão nos presentes autos relativamente a duas questões essenciais, a saber, a descaracterização do acidente e a violação das regras de segurança pela entidade empregadora. II. E ainda, relativamente à questão do nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança impostas por lei à entidade empregadora e a ocorrência do acidente, conexa com as duas questões referidas na conclusão anterior. III. Perante o factualismo provado nos autos, para o qual se remete e aqui se dá por reproduzido, dúvidas não restam de que o acidente dos autos ocorreu por negligência grosseira e violação de regras de segurança, quer por parte do sinistrado, sem causa justificativa, quer por parte da entidade empregadora. IV. Em relação à descaracterização prevista na al. a) do art. 7.º da Lei 100/97, o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão - e a consequente condenação da ora Recorrente - no facto da matéria apurada não permitir "( ... ) sustentar que o A. tenha actuado com intenção ou dolo de violar essas regras de segurança, ou seja, que se verifiquem os citados requisitos condicionadores da descaracterização do acidente nos termos prescritos. na al. a) do art. 7° da Lei 100/97, de 13.09." V. No entanto, o próprio Tribunal a quo reconhece que "Da apreciação crítica e conjugada da matéria de facto, verifica-se que, do ponto de vista objectivo, o A. efectivamente não usou algumas das medidas de segurança previstas nas disposições legais citadas, pois não usava cinto de segurança ou arnês numa linha de vida e não tinha instalado previamente uma plataforma de trabalho, escadas de telhador, tábuas de rojo ou redes de suspensão" (sublinhado nosso). VI. Ou seja, reconhece-se, novamente nesta sede, a violação por parte do sinistrado de regras de segurança previstas na lei, designadamente no art. 44.º do Decreto n.º 41821, de 11.08.1958, no art. 11.º da Portaria n.º 101/96, de 03.04. e o DL n.º 348/93, de 01.10, as quais existem precisamente para evitar acidentes de queda em altura como o que ocorreu na situação em análise. VII. Ora, no caso dos autos, está provado que o telhado onde o sinistrado se encontrava a trabalhar é inclinado (cfr. ponto 20. da matéria de facto), logo, a previsão do citado art. 44.º é aplicável ao caso em análise. VIII. A lei não exige, para efeitos da sua aplicação, que o telhado seja inclinado num grau superior a "x" ou "y"; prevê de forma clara que "No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação (...) tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como (…)" (sombreado nosso). IX. Face à factualidade dada como assente, nomeadamente a vertida nos pontos da matéria de facto provada citados no corpo da presente alegação, resulta que no momento em que ocorreu o acidente inexistiam as medidas de protecção colectiva e individual adequadas e eficazes susceptíveis de assegurar a segurança do A./sinistrado e evitar o acidente. X. O pressuposto em que assenta a decisão do Tribunal a quo – a existência de dolo ou intenção de violação das regras de segurança no trabalho por parte do A. sinistrado – não resulta da lei. XI. O que se refere expressamente na al. a) do art. 7.º são duas situações distintas: por um lado, a actuação/omissão que a violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei. XII. No caso de actuação/omissão, sem causa justificativa, a citada norma legal não prevê o pressuposto referido na decisão recorrida, a saber, a existência de dolo ou intenção de violação de normas legais. XIII. Dos autos resulta que: - O sinistrado subiu ao telhado sem se munir previamente de quaisquer meios de protecção individual ou colectiva. (cfr. pontos 21, 22 e 23 da matéria de facto). - O A. sinistrado era um profissional experiente e conhecedor dos riscos de queda em altura, já que além de sócio e gerente da R. "DD, Lda.", exercia as funções de acompanhamento e supervisão das obras de construção civil efectuadas por aquela Ré (cfr. Alíneas A) e B) da matéria assente). - Como gerente da entidade empregadora, o A./sinistrado tinha a obrigação de dar o exemplo quanto ao cumprimento rigoroso das regras de segurança no trabalho. - O caso em análise não traduz qualquer situação de urgência que justificasse a violação daquelas regras de segurança. XIV. O A. sinistrado propôs-se subir ao telhado sem adoptar qualquer medida de protecção adequada, sabendo – porque é um trabalhador experiente e conhecedor dos riscos de queda em altura e porque é o legal representante da Ré empregadora – que essa atitude constituiria sempre um risco de queda. XV. Assim, o sinistrado não só agiu de forma inconsiderada, imprudente e desapropriada, como ainda, violou normas de segurança previstas na lei sem qualquer justificação. XVI. Na verdade, a mais elementar prudência impunha que tal trabalho – ainda que simples e de mera rotina – fosse efectuado, pelo menos, com um cinto de segurança colocado de forma a evitar uma queda desamparada de uma altura de 7 metros! XVII. Aliás, no mesmo sentido já se pronunciou o STJ, em caso rigorosamente idêntico ao dos presentes autos (vide Ac. STJ de 14.03.2007, proferido no processo n.º 0654907, disponível em www.dgsi.pt/jstj), citado no corpo da presente alegação e que aqui se dá por reproduzido. XVIII. Assim, o Tribunal a quo, ao sustentar a sua decisão na inexistência de dolo ou intenção de violação das regras de segurança impostas por lei, violou o disposto no art. 7.º, n.º 1, al. a) da LAT. XIX. A este propósito, cita-se ainda nesta sede o recente Acórdão do STJ, proferido em 23.09.2009, no processo n.º 323/04.1TTVCT.S1, disponível em www.dgsi.pt.jstj): “ A recorrente discorda do entendimento e da decisão da Relação, por continuar a defender a tese que o sinistrado violou o disposto no art.º 44.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41.281, de 11 de Agosto de 1958, e no art.º 11.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, ao ter subido ao telhado do pavilhão sem cinto ou arnês de segurança, sem tábuas de rojo, sem escalas de telhador e sem ter utilizado uma adequada plataforma de trabalho, uma vez que o risco de queda era real e perfeitamente previsível e por considerar que a descaracterização do acidente com fundamento na violação das regras de segurança não depende da intensidade da violação por parte do sinistrado, bastando que a mesma tenha ocorrido sem causa justificativa. E a discordância da recorrente é inteiramente pertinente quando alega que a violação das normas de segurança não está dependente da intensidade dessa violação, pois, como se disse no acórdão de 14.3.2007, deste Supremo Tribunal (www.dgs.pt, processo 06S4907), a propósito da violação das normas de segurança, a alínea a) do art.º 7.º, n.º 1, da LAT "não exige qualquer comportamento doloso ou voluntário, mas unicamente a prática de acto ou omissão que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei". Na verdade, como da letra da referida alínea a) resulta, o dolo e a violação, sem causa justificativa, por parte do sinistrado das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei constituem, pois, dois fundamentos autónomos de descaracterização do acidente e o legislador não fez depender a descaracterização com base no segundo dos referidos fundamentos do grau de culpa do sinistrado. Considerou que a simples violação das condições de segurança era fundamento suficiente para descaracterizar o acidente, desde que tal violação tivesse ocorrido sem causa justificativa, entendida esta nos termos expressos no art.º 8.º, n.º 1, da Lei n.º 143/99. E compreende-se que assim seja, na medida em que a violação das condições de segurança, sem causa justificativa, constitui um comportamento que denota já um acentuado grau de negligência, por não estar em causa a simples inobservância dos deveres gerais de cuidado, mas o incumprimento de específicos deveres de diligência estabelecidos pelo empregador ou previstos na lei que o trabalhador está obrigado a implementar, seja por força do dever de obediência a que está sujeito nos termos do contrato de trabalho (art. ° 20.º, n. ° 1, alínea c), da LCT (em vigor à data do acidente), seja por força do disposto no art.º 15.°, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro. E é, por esta razão, que a violação, sem causa justificativa, das condições de segurança no trabalho constitui um fundamento de descaracterização do acidente, ao contrário do que sucede com a violação dos deveres gerais de cuidado, cuja inobservância só determina a descaracterização do acidente, se na base dessa inobservância estiver a negligência grosseira do sinistrado (art.º 7.º, n.º 1, al. b), da LAT)." (sombreado e sublinhados nossos). XX. Além da violação, sem causa justificativa de normas de segurança, a conduta do A. sinistrado foi grosseiramente negligente, como, aliás, se acaba por reconhecer na decisão recorrida. XXI. Na verdade, resulta da fundamentação da decisão em análise que, "No caso concreto, não obstante ter resultado provado que o A. estava a efectuar obras num telhado, inclinado, e a uma altura de sete metros, existindo, por isso, risco de queda em altura e, em consequência, necessidade de providenciar pela implementação de medidas especiais de segurança com vista a evitar esse risco (…), não se apuraram factos que nos permitam concluir que a atitude do autor é qualificável, como legalmente exigível, como temerária em alto e relevante grau (…)." XXII. Com todo o respeito, a matéria de facto assente demonstra de forma inquestionável a total ausência de meios de protecção colectiva e individual numa obra que decorria a sete metros de altura, num telhado inclinado, executada pelo sinistrado, que era simultaneamente gerente da Ré empregadora! XXIII. De notar, com relevância para o caso dos autos, que o sinistrado não era um mero trabalhador da Ré "DD, Lda.", inexperiente e desconhecedor dos riscos que corria – o sinistrado é o legal representante da entidade empregadora que tem a obrigação de conhecer e implementar em obra as medidas de protecção adequadas e eficazes e de as fazer cumprir! XXIV. Carlos Alegre define a negligência grosseira nos seguintes termos: “(…) é grosseira, parque é grave e por ser aquela que in concreto não seria praticada por um suposto homo dilligentissimus ou bonus pater-familias”. XXV. É precisamente por referência ao critério de "homo diligentissimus ou bonus paterfamilias” que o acidente em discussão nos presentes autos resulta de negligência grosseira do sinistrado. XXVI. Há um aspecto que é essencial no conjunto das circunstâncias em que o acidente se verifica: o risco é enorme, pois trata-se de movimentação a 7 metros de altura, num telhado inclinado e sem qualquer protecção. Ou seja, o risco de acidente existia e era absolutamente previsível para um ser humano de mediana cautela, logo, por maioria de razão, também o era para o sinistrado, uma vez que o mesmo exercia as funções de sóciogerente da entidade empregadora. XXVII. Assim, o sinistrado, ao optar por subir ao telhado sem qualquer protecção individual ou colectiva, desconsiderou e descuidou riscos e perigos previsíveis e por si conhecidos, violando, assim, além das normas de segurança no trabalho, um dever de cuidado que devia e podia ter acautelado, com manifesto desprezo pelo risco iminente que o seu posicionamento representava. XXVIII. E no que respeita à suscitada questão da exclusividade – a negligência grosseira do sinistrado deve ser causa exclusiva do acidente reafirma-se o que já acima se expôs: o sinistrado era simultaneamente trabalhador da Ré empregadora e gerente da mesma, pelo que era ao próprio sinistrado que incumbia. em representação da empregadora, implementar em obra e fazer cumprir as regras de segurança, mas não o fez! XXIX. Razão pela qual, a violação das regras de segurança não afasta a negligência grosseira do sinistrado, que bem conhecia tais regras assim como os riscos inerentes à falta de utilização dos meios de protecção colectiva e individual na execução dos trabalhos em causa nos autos. XXX. Pelo que, a conduta do sinistrado acima descrita é causa de exclusão do direito à reparação, nos termos das previsões das als. a) e b) do n.º 1 do art. 7.º da Lei n.º 100/97, devendo, em consequência, ter-se por descaracterizado o acidente em discussão nos autos. XXXI. Sem prescindir, é manifesta, também, a violação de regras de segurança por parte da entidade empregadora. XXXII. Apesar de expressamente se reconhecer a violação das diversas normas legais que impunham a necessidade de implementação de medidas de protecção individual e colectiva, o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão no facto de não se ter provado "(…) o necessário nexo de causalidade (…)" entre a inobservância das normas de segurança e a produção do acidente. XXXIII. Com todo o respeito, reafirma-se nesta sede: a conclusão que o Tribunal a quo retira reconduz-se à já "estafada" questão da falta de prova quanto ao nexo causal entre a violação das regras de segurança impostas por lei à entidade empregadora e a ocorrência do acidente. XXXIV. Deve o Direito regular e resolver de forma efectiva as situações reais e concretas do quotidiano laboral ou, pelo contrário, limitar-se a equacionar hipóteses teóricas, sem decidir a questão essencial do nexo causal, "adequando-o" à realidade desse mesmo quotidiano? XXXV. “(…) apenas não existirá causalidade adequada se o facto, de todo em todo, nada tiver a ver com o dano, dentro de juízos de previsibilidade e segundo critérios da experiência comum" (Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", 1970, pág. 659). (sublinhado nosso). XXXVI. Deve, pois, apelar-se às realidades do quotidiano, a juízos de probabilidade, às regras da experiência, para se concluir pela adequação, ou não, de um determinado facto para a produção do dano. XXXVII. A realidade dos autos evidencia o nexo causal entre o acidente e a inexistência das medidas de protecção individual e colectiva adequadas a evitar a sua ocorrência, ou seja, a inobservância, por parte da entidade empregadora, das regras de segurança como causa adequada do acidente. XXXVIII. Na esteira do aqui defendido pela Recorrente, cita-se novamente o recente Acórdão do STJ, de 23.09.2009, proferido no processo n.º 323/04.0TTVCT.S1, que analisa a suscitada questão da "causalidade adequada" numa situação em tudo idêntica à que se discute nos presentes autos – queda em altura de um telhado: "Como se verifica do teor do art.º 44.º do citado Regulamento a adopção de medidas especiais de segurança, relativamente a trabalhos a efectuar em telhados, nomeadamente as previstas no corpo daquele artigo, só são obrigatórias quando os telhados ofereçam perigo, seja pela sua inclinação, seja pela sua natureza ou estado, seja por efeito das condições climatéricas, e o uso do cinto de segurança também só é obrigatório quando o telhado ofereça perigo e as soluções indicadas no corpo do artigo não sejam exequíveis. Por sua vez, como do teor do art.º 11.º da Portaria 101/96 também resulta, a implementação das medidas de protecção a que o mesmo se refere só é obrigatória quando haja risco de queda em altura. Está provado que o sinistrado não utilizava cinto de segurança, nem plataforma de trabalho, escadas de telhador ou tábuas de rojo. A questão que se coloca é, pois, a de saber se o telhado oferecia perigo de queda em altura, para quem aí andasse a trabalhar, como sucedia como autor. E, com interesse para esta questão, provou-se que as condições atmosféricas eram boas, que o edifício estava dotado de "platibandas" laterais com metro e meio de altura, que o telhado do pavilhão só tinha uma inclinação de sete graus, que era constituído por chapas metálicas e por chapas translúcidas em plástico, que as chapas translúcidas tinham fraca resistência ao peso, o que era do conhecimento do autor e que era composto maioritariamente por chapas metálicas. A referida factualidade permite concluir que o risco de queda por deslizamento não existia, dada a existência das platibandas, sendo que esse risco também já era muito reduzido dada a pouca inclinação do telhado e as boas condições atmosféricas que então se faziam sentir. Mas também permite concluir que o risco de queda em altura existia e em relevante grau, devido ao facto de parte do telhado ser constituído por chapas translúcidas de plástico, com fraca resistência ao peso. A existência desse risco impunha que o sinistrado não subisse ao telhado, sem previamente implementar alguma das medidas de protecção previstas nos normativos legais acima referidos e transcritos, tanto mais que ele tinha perfeito conhecimento da fragilidade das chapas de plástico Ao subir ao telhado, sem ter adoptado nenhuma daquelas medidas, o sinistrado tinha a obrigação de saber, não só porque era serralheiro de 1.ª, mas também porque era sóciogerente da empresa ré, que corria sério risco de cair, ao pisar uma daquelas chapas, como efectivamente veio a suceder. A implementação das medidas de protecção previstas nos normativos legais referidos visa prevenir o simples risco de queda em altura, mesmo o decorrente dos meros descuidos, de momentânea distracção ou de outra situação imprevista. E, no caso em apreço, aquele risco existia efectivamente, apesar do telhado ser composto maioritariamente por chapas metálicas. O sinistrado estava, pois, obrigado a cumprir o disposto nos normativos legais em causa. Não o tendo feito, violou as normas de segurança previstas na lei e, face ao circunstancialismo em que a queda ocorreu (uma das chapas translúcidas cedeu quando foi pisada pelo autor), tal violação mostra-se causal do acidente, por ter integrado o processo naturalístico que conduziu à queda e por não ter sido indiferente para a produção desta. Tal violação constitui motivo de descaracterização do acidente. Só assim não seria se para essa violação tivesse existido uma causa justificativa, sendo que o autor nunca tal alegou e que os factos provados nenhum contributo fornecem nesse sentido.” (sombreados nossos). XXXIX. Na fundamentação da decisão ora recorrida enumeram-se todas as normas legais invocadas pela ora Recorrente e que impõem à entidade empregadora a implementação de medidas de segurança com vista a evitar acidentes como o que está em causal nos presentes autos. XL. E o Tribunal a quo reconhece expressamente que "(…) do ponto de vista objectivo, resulta da matéria de facto a violação das normas supra referidas, nomeadamente o art. 44° do Regulamento do Trabalho e da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41 821 de 11/08/1958, uma vez que a R. empregadora não providenciou pela existência na obra em questão de cinto de segurança ou arnês numa linha de vida e instalação de plataforma de trabalho, escadas de telhador, tábuas de rojo ou redes de suspensão.” XLI. Ou seja, os factos dados como provados nos autos são precisamente os que determinam a ocorrência do acidente e a responsabilidade da entidade empregadora, por violação clara das normas legais de segurança no trabalho. XLII. A responsabilidade pela implementação, observância e fiscalização do cumprimento das regras de segurança está adstrita à entidade empregadora, face ao que dispõem, designadamente, os arts. 8.º, nºs. 1, 2 e 3 do DL n.º 441/91, de 14.11, e 5.º, 8.º e 9.º do DL n.º 155/95, de 01.06. XLIII. É sobre a entidade empregadora que recaem os deveres e obrigações de cumprimento das regras de segurança, com vista a acautelar a saúde, a integridade e a higiene dos seus trabalhadores. XLIV. É a entidade empregadora que deve planificar de forma adequada os riscos profissionais e implementar todas as medidas necessárias a evitá-los. XLV. Note-se que é sobre a entidade empregadora – no caso representada pelo próprio sinistrado – que recaem os deveres e obrigações de cumprimento das regras de segurança, com vista a acautelar a saúde, a integridade e a higiene dos seus trabalhadores. XLVI. No caso dos presentes autos, e de acordo com a citada doutrina da causalidade adequada, a violação das regras sobre segurança pela entidade empregadora foi decisiva e determinante na ocorrência do acidente – "(…) tal violação mostra-se causal do acidente, por ter integrado o processo naturalístico que conduziu à queda e por não ter sido indiferente para a produção desta." O nexo de causalidade entre essa violação e acidente existe e está demonstrado nos autos. XLVII. Na verdade, a perfilhar-se a posição da decisão recorrida, conclui-se que a causa adequada nunca existirá! XLVIII. Pelo que, sem prescindir da descaracterização do acidente, ao abrigo do art. 7.º, n.º 1, da LAT, o acidente em discussão nos autos resultou também da violação de normas e regras de segurança por parte da entidade empregadora, aplicando-se a previsão do art. 18.º, n.º 1 da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro. XLIX. Face ao acima exposto, a decisão sub judice fez uma errada interpretação dos factos dados como provados e, consequentemente, uma incorrecta aplicação do direito aos mesmos, designadamente do art. 8°, nºs. 1 e 2, als. a), b) d), f) e m) do DL n.º 441/91, de 14.11. (com a alteração do DL n.º 133/9, de 21.04 e da Lei 118/99, de 11.08), bem como do art. 44.º do Regulamento do Trabalho e da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41 821 de 11.08.1958 e, ainda, dos arts. 7.º, n.º 1, als. a) e b) e 18.º, n.º 1, da Lei 100/97, de 13.09, e do art. 342.º, n.º 2, do CPC [a recorrente quis certamente dizer do C.C.], devendo, assim, ser revogada.» O autor contra-alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida. Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se pela improcedência do recurso, em “parecer” a que as partes não reagiram. Corridos os vistos dos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir. 2. Os factos Os factos que, sem qualquer impugnação, vêm dados como provados, desde a 1.ª instância, são os seguintes: 1 - O A. exerce a sua actividade profissional de gerente da R. "DD, Lda", com sede no Lugar da …, …, desta comarca, que tem como objecto a construção civil (al. A) da matéria de facto assente). 2 - O A. desempenhava, entre outras funções, o acompanhamento e supervisão das obras de construção civil efectuadas por aquela R. (al. B) da matéria de facto assente). 3 - O A. auferia a retribuição mensal de € 498,79 x 14 meses/ano, acrescida de € 107,54 x 11 meses/ano de subsídio de alimentação (al. C) da matéria de facto assente). 4 - No dia 15 de Junho de 2004, cerca das 15 horas, em …, …, o A. encontrava-se num prédio, onde a R. "DD, Lda", estava a efectuar obras de remodelação e ampliação, incluindo restauro do telhado e pintura exterior do prédio (al. O) da matéria de facto assente). 5 - Nas circunstâncias descritas no número anterior quando o A. se encontrava em cima do telhado, por motivos e também em circunstâncias que não foi possível apurar, desequilibrou-se e caiu ao solo de uma altura de 7 metros (resposta aos quesitos 1.º a 5.º e 37.º a 39.º). 6 - O A. foi de imediato transportado para o Hospital da …, em … (resposta ao quesito 6.º). 7 - Onde esteve internado durante 3 meses (resposta ao quesito 7.º). 8 - Com múltiplas complicações que obrigaram a 2 internamentos na Unidade de Cuidados Intensivos (resposta ao quesito 8.º). 9 - O A. terminou o mencionado internamento em 14 de Outubro de 2004 (resposta ao quesito 9.º). 10 - Mas em cadeira de rodas e utilizou o auxílio de canadianas até Julho de 2005 (resposta aos quesitos 10.º e 11.º). 11 - Da citada queda resultaram para o A., as seguintes lesões: - fractura de 5 arcos costa os do lado direito; - fractura occipital; - fracturas das apófises transversas de L2 a L5 ; - fractura - luxação pélvica; e - lesão do tronco principal do nervo ciático esquerdo (resposta ao quesito 12.º). 12 - Essas lesões determinaram ao A. claudicação na marcha, dificuldade em estar de pé ou sentado durante muito tempo, impossibilidade de colocar-se de cócoras e de se deslocar correndo (resposta aos quesitos 13.º a 16.º). 13 - E, perturbações da esfera anímica e sexual – disfunção eréctil, dores na bacia, pé esquerdo pendente, sem mobilidade da tíbio-társica, insensibilidade do pé, hipotrofia da coxa de pelo menos 3,5 cm, hipotrofia da perna de cerca de 2,5 cm, encurtamento real do membro inferior em cerca de 2,5 cm, consequente à fractura-luxação pélvica (resposta aos quesitos 17.º a 23.º). 14 - Em consequência da situação c1ínica descrita nos quesitos 13.º a 23.º, o A. tem limitações ao subir e descer escadas, para se lavar e calçar, na utilização de transportes, na sua vida afectiva, social e familiar (respostas aos quesitos 24.º a 27.º). 15 - O A. ficou afectado de uma IPP de 60,50%, desde o dia 3 de Fevereiro de 2009 (cfr. auto de fls. 198 e 199 e decisão de fls. 200 do incidente de fixação de incapacidade). 16 - O A. na sua vida profissional necessita de se deslocar, subir escadas e rampas e pegar em pesos (resposta aos quesitos 28.º a 30.º). 17 - O A. despendeu a quantia de € 20,00 com transportes em deslocações a tribunal (resposta ao quesito 31.º). 18 - E a quantia de € 916,80 com medicamentos e a quantia de € 34, 50 com taxas moderadoras em consultas no centro de saúde de …/Extensão … (resposta aos quesitos 32.º e 33.º). 19 - O A. despendeu a quantia € 7.126,55 relativa a exames, tratamentos e consultas de fisioterapia efectuadas na Clínica Laboratorial de …, Lda, Clínica de Medicina Física e Reabilitação de …, Lda, Clínica …, Instituto de Cirurgia Reconstrutiva …, Lda, …, Lda, Laboratório de Neurobiologia …, Lda, Centro Clínico …, U…, Casa de Saúde …, Santa Casa de Misericórdia de …, Clínica de Reabilitação H… e em despesas médicas e cirúrgicas na clínica M… C…, em .... (resposta aos quesitos 34.º e 36.º). 20 - O telhado é inclinado (resposta ao quesito 41.º). 21 - O A. não utilizava cinto de segurança ou arnês numa linha de vida (resposta ao quesito 42.º). 22 - E não tinha instalado previamente uma plataforma de trabalho, escadas de telhador, tábuas de rojo ou redes de suspensão (resposta aos quesitos 42.º a 45.º e 47.º). 23 - Na citada obra não existiam os equipamentos mencionados nos números anteriores (resposta ao quesito 48.º). 24 - A Co-R. "DD, Lda" transferiu para a R. Companhia de Seguros BB, SA, por meio de acordo de seguro, titulado pela apólice n.º 1900/92892 a sua responsabilidade infortunística, sendo a do A. pelo salário referido no n.º 3 (al. E) da matéria de facto assente). 25 - O A. nasceu no dia … de Julho de 19… (cfr. documento de fls. 185) (al. F) da matéria de facto assente). 26 - Frustrou-se a tentativa de conciliação - cfr. auto de fls.179 a 182, cujo teor dou aqui por integralmente reproduzido (al. G) da matéria de facto assente). Por não se vislumbrar que a matéria de facto provada sofre de algum dos vícios previstos no art.º 729.º, n.º 3, do CPC, será com base na referida factualidade que o recurso irá ser apreciado. 3. O direito As questões que a recorrente pretende ver reapreciadas são as seguintes: - saber se o acidente deve ser descaracterizado; - e na hipótese negativa, saber se o mesmo resultou de falta de observação das regras sobre segurança por banda da entidade empregadora. 3.2 Da descaracterização do acidente Conforme está provado, o acidente a que os autos se reportam ocorreu em 15 de Junho de 2004, ou seja, na vigência da Lei n.º 100/97, de 3 de Setembro, uma vez que esta só veio a ser revogada pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (vide alínea a) do seu art.º 186.º). Por isso, há-de ser à luz do disposto na Lei n.º 100/97 e no seu regulamento (o Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril) que as questões suscitadas no recurso terão de ser apreciadas. O art.º 7.º da Lei n.º 100/97 trata da chamada descaracterização do acidente, ou seja, das situações em que o acidente, sendo embora de trabalho, não confere direito a reparação. É o que acontece, nomeadamente, quando o acidente “for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei” – art.º 7.º, n.º 1, alínea a) – ou quando “provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado” – art.º 7.º, n.º 1, alínea b) –. No caso dos autos, a ré seguradora alegou que o acidente se tinha ficado a dever à conduta do próprio sinistrado, a qual, segundo ela, configurava não só um caso de violação das regras de segurança no trabalho previstas no art.º 44.º do Regulamento do Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41.821, de 11 de Agosto de 1958, e no n.º 1 do Anexo II do Decreto-Lei n.º 155/95, de 1 de Julho, conjugado com o art.º 11.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, mas também um caso de negligência grosseira. As instâncias entenderam que o acidente não era de descaracterizar, mas a ré seguradora continua inconformada. Vejamos se lhe assiste razão. 3.2.1 Da negligência grosseira Nos termos do n.º 2 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 143/99, “[e]ntende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão”. Como é pacífico na jurisprudência e na doutrina, a negligência grosseira corresponde à chamada culpa grave, ou seja, a inobservância dos deveres gerais de cuidado que só uma pessoa especialmente descuidada e incauta deixaria de cumprir. Para descaracterizar o acidente com base na negligência grosseira do sinistrado, não basta, pois, a designada culpa leve (que se traduz na omissão por parte do agente dos deveres de cuidado que uma pessoa normalmente diligente teria observado) e muito menos a culpa levíssima (que ocorre quando o agente tiver omitido os deveres de cuidado que só uma pessoa excepcionalmente diligente teria observado). Por outras palavras, a simples incúria, desleixo, distracção, falta de cuidado, imprevidência ou comportamentos semelhantes não são suficientes para se concluir pela verificação da negligência grosseira. Esta exige um comportamento “temerário em alto e relevante grau”, da parte do sinistrado, ou seja, um comportamento altamente reprovável, indesculpável e injustificado, à luz do mais elementar sentido de prudência. Exige, em suma, na terminologia que era utilizada na Lei n.º 2.127, de 3 de Agosto de 1965, que a conduta do sinistrado se traduza numa “falta grave e indesculpável” e que essa conduta não decorra de “acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão”. A negligência grosseira corresponde, pois, ao conceito que a doutrina e a jurisprudência haviam construído acerca da “falta grave e indesculpável da vítima” contida na Base VI, n.º 1, al. b), da Lei n.º 2.127, de 3/8/1965, que consensualmente era entendida como um comportamento temerário, reprovado pelo mais elementar sentido de prudência, uma imprudência e temeridade inútil e indesculpável, mas voluntária, embora não intencional. Por outro lado, importa salientar que, para ajuizar da negligência grosseira, há que levar em conta as circunstâncias concretas que, no caso concreto, se verificavam antes do acidente e que do sinistrado eram ou deviam ser conhecidas, se ele tivesse agido com um mínimo de diligência. E há que atender, ainda, à conduta que, face a essas circunstâncias, ele devia ter adoptado, o que vale por dizer que a culpa do sinistrado deve ser apreciada em concreto, conforme as circunstâncias do caso e não em relação a um tipo abstracto de comportamento (vide, entre outros, o acórdão do STJ, de 29.11.2005, processo n.º 1924/05, 4.ª Secção). E também importa referir que, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil, o ónus de alegar e provar os factos integradores da negligência grosseira recai sobre a parte (entidade empregadora ou seguradora) que, com esse fundamento, pretenda beneficiar da descaracterização do acidente, uma vez que a descaracterização constitui um facto impeditivo do direito à reparação que a lei confere ao trabalhador que seja vítima de acidente de trabalho ou, em caso de morte, aos seus legais beneficiários. Revertendo ao caso em apreço e compulsada a contestação apresentada pela ré seguradora, verificamos que esta alegou, em abono da, por si invocada, descaracterização do acidente com fundamento na negligência grosseira do sinistrado, em resumo, o seguinte: - o sinistrado encontrava-se junto da empena do telhado, ou seja, junto ao limite do telhado, a substituir as telhas mais antigas e, certamente devido à acentuada inclinação do telhado e irregularidade das telhas, desequilibrou-se e caiu ao solo, de uma altura de cerca de 7 metros; - a queda ocorreu por ele não usar qualquer tipo de equipamento de protecção contra quedas em altura, designadamente por não utilizar cinto de segurança ou arnês devidamente ligado a uma linha de vida, plataforma de trabalho, escadas de telhador, tábuas de rojo, guarda--corpos e redes de suspensão; - o sinistrado era um profissional competente e com reconhecida experiência no seu ramo de actividade e sabia perfeitamente que o trabalho em cima de telhados, a mais de 7 metros de altura, exigia especiais precauções em matéria de segurança; - só por manifesta incúria, com absoluto desprezo pelo perigo, é que um trabalhador qualificado e experiente, como era o sinistrado, efectua um trabalho a grande altura, em condições de equilíbrio mais que precário, sem previamente se munir do cinto de segurança ou sem antes ter instalado guarda-corpos ou os restantes equipamentos de segurança referidos. Como da referida alegação se constata, na tese da seguradora, a negligência grosseira por parte do sinistrado advinha de ele não ter utilizado qualquer equipamento de protecção contra quedas em altura, apesar de, in casu, esse risco ser muito elevado, quer pela acentuada inclinação do telhado quer pela altura a que o mesmo se situava. Com relevância para esta questão, apenas foram dados como provados os seguintes factos: - no dia 15 de Junho de 2004, cerca das 15 horas, em S…, …, o A. encontrava-se num prédio, onde a R. "DD, Lda", estava a efectuar obras de remodelação e ampliação, incluindo restauro do telhado e pintura exterior do prédio (facto n.º 4); - nas circunstâncias descritas no número anterior, quando o A. se encontrava em cima do telhado, por motivos e também em circunstâncias que não foi possível apurar, desequilibrou-se e caiu ao solo, de uma altura de 7 metros (facto n.º 5); - o telhado era inclinado (facto n.º 20); - o A. não utilizava cinto de segurança ou arnês numa linha de vida e não tinha instalado previamente uma plataforma de trabalho, escadas de telhador, tábuas de rojo ou redes de suspensão (factos n.os 21 e 22); - na obra não existiam os equipamentos mencionados nos números anteriores (facto n.º 23). Ora, como da factualidade referida decorre, não se apuraram os motivos e também em que circunstâncias o sinistrado se encontrava no telhado, nem nada se provou relativamente ao grau de inclinação do telhado e à irregularidade dos elementos que o compunham. E também nada se provou no que toca às condições atmosféricas então existentes, sendo que a este respeito a seguradora nada alegou sequer. Não há, por isso, elementos de facto que nos permitam afirmar que a subida ao telhado tivesse constituído, in casu, uma verdadeira temeridade, pois, ainda que se entendesse que o sinistrado não tinha utilizado nenhum equipamento de protecção contra quedas em altura (o que não se provou – cfr. resposta ao quesito 46), a verdade é que, como bem se disse no acórdão deste tribunal, de 18.4.2007, proferido no processo n.º 52/07, da 4.ª Secção, “subir a um telhado não constitui sempre um acto de grande perigo. Tal só acontecerá quando o telhado apresentar forte inclinação, quando a sua estrutura for demasiado frágil ou quando as condições meteorológicas forem naturalmente adversas”. Improcede, pois, o recurso no que toca à invocada descaracterização do acidente com base na negligência grosseira, por parte do sinistrado. 3.2.2 Da violação das regras de segurança no trabalho, por parte do sinistrado Nos termos do art.º 7.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 100/97, não dá direito a reparação o acidente “que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei”. A violação das regras de segurança no trabalho constitui, pois, um dos fundamentos da descaracterização do acidente, desde que o acidente seja uma consequência dessa violação e desde que esta tenha ocorrido sem causa justificativa, considerando-se que esta existe – diz o art.º 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 143/99 – “se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pela entidade empregadora da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la”. Como já foi referido, a ré seguradora excepcionou a descaracterização do acidente com fundamento não só na negligência grosseira, mas também na violação, por parte do sinistrado, das normas sobre a segurança no trabalho, mais concretamente, por violação do disposto no art.º 44.º, n.º 1, do Regulamento do Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41 821, de 11 de Agosto de 1958, no n.º 1 do anexo II do Decreto-Lei n.º 155/95, de 1 de Julho, conjugado com o art.º 11.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, e na Portaria n.º 53/71, de 3 de Fevereiro. E, a esse propósito, alegou, em resumo, que havia risco de queda em altura e que esse risco era elevado, quer pela altura do telhado (7 m), quer pela sua acentuada inclinação, quer, ainda, pelo local onde o trabalho estava a ser realizado (junto à empena do telhado), daí decorrendo, para o sinistrado, a obrigação de adoptar “medidas particulares de protecção, tais como a colocação de plataformas de trabalho, escadas de telhador ou tábuas de rojo e, mais importante ainda, de guarda-corpos ou redes de suspensão” e, para além destas, a utilização de cinto de segurança ou arnês, devidamente ligado a uma linha de vida, sucedendo, porém, que o sinistrado nenhum destes equipamentos estava instalado ou era usado pelo sinistrado. Com relevo para a questão agora em análise, provou-se que o telhado era inclinado e tinha 7 metros de altura, que o sinistrado não utilizava cinto de segurança ou arnês numa linha de vida, que não tinha instalado previamente uma plataforma de trabalho, escadas de telhador, tábuas de rojo ou redes de suspensão e que tais equipamentos não existiam na obra, mas, como se alcança de resposta de não provado dada ao quesito 46 da base instrutória - (1). Relativamente a esta questão, a M.ma Juíza decidiu que não havia lugar à descaracterização do acidente, com base na seguinte fundamentação: «O artº 7º, nº 1 da Lei nº 100/97 enumera os casos em que não há direito a reparação, entre as quais prevê: Al. a) Que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei. Tem, no entanto, sido sustentado pela doutrina que para o acidente ser descaracterizado nos termos previstos na disposição legal citada, é necessário que se verifiquem cumulativamente, as seguintes condições: 1º - Que sejam voluntariamente violadas as condições de segurança, exigindo-se aqui a intencionalidade ou dolo, na prática ou omissão, o que exclui as chamadas culpas leves, desde a inadvertência, a imperícia, a distracção, esquecimento ou outras atitudes que se prendem com actos involuntários, resultantes ou não de habituação ao risco; 2º - Que a violação das condições de segurança sejam sem causa justificativa (do ponto de vista do trabalhador) o que passa pelo claro conhecimento do perigo que possa resultar do acto ou omissão; a causa justificativa não tem que ter um carácter lógico ou normal em relação à actividade laboral, pode ser uma brincadeira a que não se associam consequências danosas, uma inadvertência ou momentânea negligência, uma imprudência ou mesmo um impulso instintivo ou altruísta; 3º - Que as condições de segurança sejam as estabelecidas na lei ou pela entidade empregadora; 4º - O acidente deve ser consequência necessária do acto ou omissão do sinistrado (cfr. Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, Almedina, pág. 61). Fundamenta a R. a descaracterização do acidente nos termos da al. a) do citado artº 7, na violação pelo A. do artº 44º do Regulamento do Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto nº 41 821 de 11/08/1958, no nº 1 do anexo II do Dec.-Lei nº 155/95, de 1/07, conjugado com o artº 11º da Portaria nº 101/96, de 3/04 e Portaria nº 53/71, de 03/02. O artº 44º, nº 1 do Decreto nº 41 821, de 11 de Agosto de 1958 prevê que: "No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador ou tábuas de rojo". Quanto à forma como o acidente em apreço ocorreu resultou provado o seguinte: "No dia 15 de Junho de 2004, cerca das 15 horas, em S…, G…, o A. encontrava-se num prédio, onde a R. "DD, Ldª”, estava a efectuar obras de remodelação e ampliação, incluindo restauro do telhado e pintura exterior do prédio (al. D) da matéria de facto assente). Nas circunstâncias descritas no número anterior quando o A. se encontrava em cima do telhado, por motivos e também em circunstâncias que não foi possível apurar, desequilibrou-se e caiu ao solo de uma altura de 7 metros (resposta aos quesitos 1º a 5º e 37º a 39º). O telhado é inclinado (resposta ao quesito 41º). O A. não utilizava cinto de segurança ou arnês numa linha de vida (resposta ao quesito 42º). E, não tinha instalado previamente uma plataforma de trabalho, escadas de telhador, tábuas de rojo ou redes de suspensão (resposta aos quesitos 42º a 45º e 47º). Na citada obra não existiam os equipamentos mencionados no número anterior (resposta ao quesito 48º)”. Da apreciação crítica e conjugada da matéria de facto, verifica-se que, do ponto de vista objectivo, o A., efectivamente, não usou algumas das medidas de segurança previstas nas disposições legais citadas, pois não utilizava cinto de segurança ou arnês numa linha de vida e não tinha instalado previamente uma plataforma de trabalho, escadas de telhador, tábuas de rojo ou redes de suspensão. Sucede, porém, que a matéria de facto apurada não permite sustentar que o A. tenha actuado com a intenção ou dolo de violar essas regras de segurança, ou seja, que se verifiquem os citados requisitos condicionadores da descaracterização do acidente nos termos prescritos na al. a) do artº 7º da Lei nº 100/97, de 13/09.» (Fim da transcrição) Por sua vez, o Tribunal da Relação, depois de ter transcrito a sentença da 1.ª instância e de ter referido que estava de acordo, “em geral”, com a fundamentação na mesma produzida, considerou, todavia, que se impunha “fazer algumas, ainda que breves, considerações e precisões”, o que fez nos seguintes termos: «Previamente, convirá relembrar que a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro [de ora em diante, designada, abreviadamente, por LAT], alargou o seu âmbito subjectivo quando, no seu Art.º 2.º, n.º 3, dispõe: É aplicável aos administradores, directores, gerentes ou equiparados, quando remunerados, o regime previsto na presente lei para os trabalhadores por conta de outrem. Tal disposição legal superou a divergência que existia na jurisprudência no domínio do direito anterior[-], sendo hoje claro que os sócios gerentes das sociedades por quotas, por exemplo, desde que aufiram retribuição, são equiparados no direito infortunístico-laboral a trabalhadores por conta de outrem, pelo que se lhes aplica o mesmo regime jurídico, a LAT e respectivo regulamento[-]. Por outro lado, verificamos que toda a fundamentação explanada pela R. seguradora no seu recurso assenta num dado indemonstrado: que, na situação concreta em que ocorre o acidente, atento o previsto na lei, houvesse necessidade de implementar medidas de segurança. Na verdade, estabelecendo o Art.º 44.º, n.º 1 do Decreto nº 41 821, de 11 de Agosto de 1958, que "No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador ou tábuas de rojo", nada foi alegado – e muito menos provado – acerca da inclinação, natureza ou estado da superfície do telhado donde caiu o sinistrado A., o mesmo sucedendo relativamente às condições atmosféricas que se verificavam no dia do acidente. Ora, nada se provando nesta sede, ficamos sem saber se o trabalho em cima do telhado oferecia perigo tal que fosse necessário, para o evitar, a implementação das referidas medidas de segurança colectivas. Igualmente, em relação às medidas de segurança individuais, pois estas apenas intervêm na falta ou insuficiências daquelas. Partindo a [apelante] da consideração de que houve violação das regras de segurança, quer pelo A., enquanto trabalhador, quer enquanto legal representante da entidade empregadora, quer por banda da entidade empregadora, propriamente dita, sem ter provado a existência de perigo – derivado da inclinação, natureza ou estado da superfície do telhado donde caiu o sinistrado A., ou das condições atmosféricas que se verificavam no dia do acidente – que conduzisse, legalmente, à obrigação de implementar as medidas de segurança respectivas, acabou por construir um castelo sem alicerces, o que se afirma com o devido respeito, também pessoal, pelo seu Autor. No entanto e mesmo que a apelante tivesse cumprido os seus ónus de alegação e prova dos perigos inerentes ao telhado, a verdade é que, como consta da sentença e acima se deixou transcrito, “…não se provou que não houvesse guarda-corpos no limite do telhado, medida que podia ter sido por ele considerada suficiente e adequada a evitar o referido risco…” [sublinhado nosso]. De resto, desconhecendo-se as circunstâncias em que o acidente ocorreu, pois elas não se conseguiram apurar, como vem provado, desconhece-se se o acidente é imputável a título de culpa, a quem e em que forma. A verdade é que a apelante também não o sabe, pois de outra forma não o teria imputado a mais do que uma pessoa, como o fez: à entidade empregadora e ao sinistrado e, mesmo relativamente a este, a diversos títulos, como vítima [aliás, enquanto vítima, a imputação é feita em todas as modalidades de culpa] e como representante da entidade empregadora. Daí que o acidente dos autos não seja mais, como amiúde ocorre, do que um acidente que aconteceu apenas por causas objectivas. Desta arte, quando a apelante pergunta na conclusão XXXIX do recurso [Que outros factos teria a ora Recorrente de alegar e demonstrar para "convencer" o Tribunal de que se verifica a "causa adequada" a que a lei alude e que se tem por necessária à responsabilização da entidade empregadora?] a resposta é que não foram alegados – e, muito menos, provados – os factos relativos à inclinação, natureza ou estado da superfície do telhado donde caiu o sinistrado A., ou às condições atmosféricas que se verificavam no dia do acidente, bem como os factos relativos às demais circunstâncias em que o acidente se verificou, sendo certo que o respectivo ónus lhe cabia, atento o disposto no Art.º 342.º, n.º 2 do Cód. Civil. Improcedem, assim, todas as conclusões da apelação, pelo que a sentença deverá ser confirmada.» (Fim da transcrição) Segundo se depreende da fundamentação do acórdão recorrido, a Relação considerou – ao contrário do que implicitamente parece ter sido entendido na sentença da 1.ª instância –, que não havia elementos de facto bastantes para se concluir pela violação das regras de segurança invocadas pela ré seguradora, seja por parte do autor, seja por banda da ré empregadora, uma vez que da factualidade dada como provada não resultava que houvesse um efectivo risco de queda, por nada se ter provado acerca da inclinação, natureza ou estado da superfície do telhado, o mesmo sucedendo relativamente às condições atmosféricas existentes no dia e hora do acidente. Por outras palavras, a Relação considerou que a implementação das medidas de protecção anti-queda, previstas nas disposições legais invocadas pela seguradora, só são obrigatórias relativamente a trabalhos a realizar em cima de telhados, quando estes, pela sua inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféridas adversas, ofereçam um efectivo perigo de queda em altura e que, não estando provada, in casu, a existência de tal risco, não estava o autor/sinistrado obrigado a implementar as referidas medidas, o que obstava a que o acidente lhe fosse imputado por ter havido da sua parte violação das normas sobre segurança no trabalho, com a consequente descaracterização do acidente. A recorrente discorda, por continuar a entender que o sinistrado estava obrigado a implementar medidas de protecção contra a queda em altura. Não tem, todavia, razão, pelas razões aduzidas na fundamentação do acórdão recorrido e que subscrevemos, por estarem de acordo com a jurisprudência que, nesta matéria, tem vindo a ser reiteradamente afirmada por este Supremo Tribunal, nomeadamente no acórdão de 18.4.2007, proferido no processo n.º 52/07, da 4.ª Secção, onde, a tal respeito, se disse o seguinte: «Na verdade, como resulta do normativo em questão e tal como resulta, aliás, do disposto nos artigos 44.º e 45º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, a adopção de medidas de protecção contra quedas em altura só é obrigatória quando os trabalhos a realizar impliquem um efectivo risco de queda em altura, o que naturalmente dependerá, antes de mais, da natureza do trabalho a efectuar. E, no caso dos telhados, da natureza, estrutura e estado da superfície dos mesmos.» O trabalhador está, efectivamente, obrigado a “cumprir as prescrições de segurança, higiene e saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, bem como as instruções emanadas com esse fim pelo empregador” (art.º 274.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho/2003, em vigor à data do acidente). No caso em apreço, a seguradora não invocou o incumprimento, por parte do sinistrado, de instruções emanadas pelo empregador (o que se compreende, uma vez que o sinistrado era o gerente da empresa empregadora), nem a inobservância de disposições contidas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. Limitou-se a invocar a inobservância de normas legais, mais concretamente o incumprimento do disposto no art.º 44.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41 408, de 11 de Agosto de 1958, e no art.º 11.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril. O referido art.º 44.º insere-se no Título III do mencionado Regulamento que versa, precisamente, sobre as “Obras em telhados” que é o título do Título III. Aquele Título III tem dois artigos, cujo teor é o seguinte: «Art. 44.º - No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo. § 1.º As plataformas terão a largura mínima de 0,40 m e serão suportadas com toda a segurança. As escadas de telhador e as tábuas de rojo serão fixadas solidamente. § 2.º Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente da construção. Art. 45.º Nos telhados de fraca resistência e nos envidraçados usar-se-á das prevenções necessárias para que os trabalhos decorram sem perigo e os operários não se apoiem inadvertidamente sobre pontos frágeis.» Por sua vez, a Portaria n.º 101/96 regulamenta as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis (art.º 1.º) e o seu art.º 11.º, cujo título é “Quedas em altura”, tem o seguinte teor: «1 - Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil. 2 - Quando, por razões técnicas, as medidas de protecção colectiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adoptadas medidas complementares de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável.» Ora, como inequivocamente decorre do teor dos normativos referidos, a adopção de medidas de protecção – colectivas ou individuais –, contra quedas em altura, nomeadamente nos telhados, só é obrigatória quando esse risco ou perigo exista. Competia à seguradora alegar e provar que, in casu, o telhado apresentava esse risco, através da alegação e prova do grau de inclinação do telhado, da natureza e estado da sua superfície e das condições atmosféricas que então se verificavam, sendo que a tal respeito apenas foi dado como provado que o telhado era inclinado e que ficava a 7 metros do solo. Não o tendo feito, não é possível concluir-se pela necessidade de implementação das medidas de protecção previstas nos normativos referidos e, consequentemente, pela violação sem causa justificativa, por parte do sinistrado, das normas sobre segurança no trabalho. E, não sendo possível imputar o acidente à violação das regras de segurança no trabalho, por parte do sinistrado, prejudicado fica o conhecimento da questão de saber se essa violação só é relevante quando for dolosa (tese da sentença) e da questão do nexo de causalidade entre essa violação e a produção do acidente. Acrescente-se que, em prol da sua tese, a recorrente invocou o acórdão deste Supremo Tribunal, proferido em 14.3.2007, no processo n.º 4907/06, da 4.ª Secção (disponível na base de dados jurídico-documentais do ITIJ - processo n.º 06S4907), alegando que o caso dos presentes autos é idêntico ao que foi apreciado naquele acórdão, sendo que aí se decidiu pela descaracterização do acidente, com o fundamento de ter havido violação, sem causa justificativa, das regras de segurança no trabalho, por parte do trabalhador sinistrado, por este ter decidido subir ao telhado sem adoptar as adequadas medidas de protecção contra quedas em altura. Lido o acórdão referido, verifica-se, porém, que a factualidade sobre que o mesmo incidiu não é idêntica à dos presentes autos, uma vez que, naquele processo, se deu como provado que o telhado tinha uma inclinação de 10% e que era constituído por chapas metálicas e telhas transparentes de fibra de vidro, assentes numa estrutura metálica, tendo o acidente ocorrido quando o sinistrado, inadvertidamente, pisou uma telha de fibra de vidro, o que originou a sua queda de uma altura de 5 metros. Improcede, pois, o recurso, no que concerne à descaracterização do acidente. 3.3 Da violação das regras sobre a segurança no trabalho, por parte da entidade empregadora Nos termos do art.º 18.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações devidas por incapacidade absoluta ou temporária e por morte são agravadas. E, quando tal acontecer – diz o art.º 37.º, n.º 2, da Lei n.º 100/97 –, a responsabilidade da companhia de seguros, para quem a entidade empregadora tiver transferido a sua responsabilidade, será meramente subsidiária e restringe-se ao pagamento das prestações que normalmente seriam devidas ao sinistrado ou, em caso de morte, aos seus beneficiários, ou seja, ao pagamento das prestações que seriam devidas sem o agravamento previsto no n.º 1 do citado art.º 18.º. No caso em apreço, a seguradora imputou o acidente à violação, por parte da ré empregadora, das regras sobre a segurança no trabalho, por não ter implementado as medidas de protecção contra quedas em altura que invocara para a descaracterização do acidente. Ora, como a propósito da descaracterização do acidente já foi referido, a implementação daquelas medidas só seria obrigatória se o telhado oferecesse um efectivo risco de queda em altura, o que à seguradora competia provar, o que não fez, como já ficou dito. Deste modo, pelas mesmas razões por que não é possível imputar a produção do acidente à violação das regras de segurança por parte do sinistrado também não é possível fazer tal imputação à ré entidade empregadora, ficando, por isso, prejudicado o conhecimento da questão do nexo de causalidade entre essa violação e a produção do acidente. Improcedente se mostra, portanto, o recurso também nesta parte. 4. Decisão Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar a decisão recorrida. Custas pela seguradora. Lisboa, 25 de Novembro de 2010 Sousa Peixoto (Relator) Sousa Grandão Pinto Hespanhol _________________ 1) - No quesito 46 perguntava-se se o autor não tinha instalado previamente guarda-corpos no limite do telhado., não se provou que o sinistrado não tivesse instalado guarda-corpos no limite do telhado.