Rudolf Smend e os direitos fundamentais como integração: esboço para uma crítica da fundação axiológica dos direitos. Paulo Sávio Peixoto Maia* 1. Introdução: a atualidade de Rudolf Smend. Nos últimos tempos a República de Weimar passou a receber notável atenção acadêmica. Um interesse que em muito se deve à qualidade do debate instaurado na Alemanha a partir de 1919. Um debate que tinha a seguinte questão de fundo: o que é uma Constituição? Como ela pode acoplar direito e política sem que estes domínios não percam as suas respectivas identidades1? As soluções para tanto, fornecidas pelo “laboratório Weimar”, foram inúmeras. A busca pela melhor descrição de uma ordem constitucional baseada na soberania popular em um tempo de democracia de massas deu luz a uma fábrica de idéias das mais ricas que a história constitucional dá notícia 2. A esse debate intenso se costuma chamar Methodenstreit, “luta pelo método”3. Os constitucionalistas, de todos os lugares, têm valorado esse debate, que tem se mostrado fértil na tarefa de problematizar o tempo presente. Os debates agônicos dos * Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Professor na Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Advogado. 1 LUHMANN, Niklas. “La Costituzione come acquisizione evolutiva”. In: ZAGREBELSKY, Gustavo. PORTINARO, Pier Paolo. LUTHER, Jörg (orgs.). Il Futuro della Constituzione. Torino: Einaudi, 1996, pp. 83-128. 2 FROSINI, Tommaso Edoardo. “Costituzione e sovranità nella dottrina della Germania di Weimar”. In: Il Politico: Rivista Italiana di Scienze Politiche. Ano LXI, nº 1. Pavia: Università degli Studi di Pavia, janeiro-março de 1996, pp. 96-97. Para o leitor brasileiro, a introdução mais acessível e de excepcional qualidade é: BERCOVICI, Gilberto. Constituição e estado de exceção permanente: atualidade de Weimar. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2004, pp. 25-50 (nas quais o autor analisa como os direitos fundamentais, mormente aqueles que disciplinavam a ordem econômico-social, foram percebidos em Weimar, por seus juristas coevos). 3 STOLLEIS, Michael. A History of Public Law in Germany 1914-1945. Trad. Thomas Dunlap. Oxford: Oxford University Press, 2004, pp. 139-145. 2 publicistas de Weimar foram objeto de várias obras de alento, como a de David Dyzenhaus4, ou de coletâneas como a de Carlos-Miguel Herrera5 e a de Jean-François Kérvegan6. Em comum a todas elas: nenhum capítulo sequer é devotado a Rudolf Smend. Isso seria um indício de que o autor a ser estudado neste ensaio não mais possui atualidade ou utilidade? Decididamente, não. O fato de pouquíssimos livros e artigos serem voltados a Smend talvez apenas signifique que aquilo que não foi esquecido não precisa ser lembrado: Smend não foi “resgatado” porque não deixou de ser utilizado. Com efeito, as contribuições teoréticas de Smend balizam tanto a doutrina quanto a jurisprudência alemãs7. Um exemplo é o conceito de “lealdade federal” (bundesfreundliches Verhalten), cunhado por Smend em escrito de 1916 e que é utilizado como razão de decidir em questões federativas enfrentadas pelo Tribunal Constitucional Alemão (Bundesverfassungsgericht – BVerfG)8. Um outro exemplo, decididamente o mais importante, é fornecido pela noção de “ordem concreta de valores”: em nenhum outro lugar o legado de Smend foi tão influente. O BVerfG tem uma autocompreensão de que é sua missão institucional concretizar uma ordem concreta de valores; ordem essa que se encontra subjacente ao arcabouço constitucional do Estado ao mesmo tempo que lhe confere legitimação. Essa crença irracional torna possível ao Tribunal se desvincular da lei e, assim, utilizar-se de qualquer argumento para a decisão de um caso concreto9. Tal postura teve início tão 4 DYZENHAUS, David. Legality and Legitimacy: Carl Schmitt, Hans Kelsen and Hermann Heller in Weimar. Oxford: Oxford University Press, 1999. 5 HERRERA, Carlos-Miguel. Le droit, le politique: autour de Max Weber, Hans Kelsen, Carl Schmitt. Paris: L’Harmattan, 1995. 6 KÉRVEGAN, Jean-François (org.). Crise et pensée de la crise en droit: Weimar, sa république et ses juristes. Paris: ENS Éditions, 2002. 7 Em sua polêmica com Jürgen Habermas acerca da (des)necessidade de uma Constituição para a Europa (ante a realidade da integração que já acontece no âmbito do mercado), Dieter Grimm se vale precisamente do conceito de integração, embora com significado um pouco diverso daquele utilizado por Smend: GRIMM, Dieter. “Integration by Constitution”. In: International Journal of Constitutional Law. Volume 3, Números 2 & 3. Oxford, New York: Oxford Jounals; New York University School of Law, 2005, pp. 193-208. 8 Disse o tribunal por ocasião do acórdão BVerfGE 12, 205: “No Estado federal alemão, a totalidade das relações constitucionais entre a Federação e seus Estados, assim como as relações entre os Estados, devem ser regidas pelo princípio constitucional – não escrito – do dever recíproco, por parte da Federação e dos Estados, de um comportamento leal (ver Smend, Ungeschriebenes Verfassungsrecht im monarchischen Bundesstaat, Festschrift für Otto Mayer, 1916, pp. 247 e ss.). O Tribunal Constitucional tem desenvolvido sobre esse ponto uma série de deveres legais concretos”. Cf. SCHWABE, Jürgen (org.). Cincuenta años de jurisprudencia del tribunal constitucional federal alemán. Trad. Marcela Gil. Bogotá: Ediciones Jurídicas Gustavo Ibañez; Sankt Augustin bei Bonn: Konrad Adenauer Stiftung, 2003, p. 347. Cf., também, sobre a “lealdade federal” as observações de: KOMMERS, Donald P. The Constitutional Jurisprudence of the Federal Republic of Germany. 2ª ed. Durham: Duke University Press, 1997, pp. 69-75. 9 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, pp. 315 e 321. 3 logo o BVerfG foi instalado, em 195110. Em um primeiro momento, o BVerfG chegava ao ponto de falar que haveria um direito suprapositivo, consubstanciado em uma ordem concreta de valores, a ser identificada pelo Tribunal, que tornaria possível jogar na vala da inconstitucionalidade até mesmo artigos da Lei Fundamental (Grundgesetz) de 194911. Em um segundo momento, inaugurado pela sentença-Lüth (1958), o Tribunal começa a adotar uma posição menos megalomaníaca, mas não menos metafísica: a ordem concreta de valores é personificada nos direitos fundamentais12. Robert Alexy consiste, concomitantemente, no grande entusiasta, expositor e fundamentador dessa posição13. Segundo ele, a importância da sentença-Lüth reside no fato de que ela “une três idéias que enformaram (sic) fundamentalmente o Direito Constitucional Alemão”14: A primeira é que a garantia jurídico-constitucional de direitos individuais não se esgota em uma garantia de direitos de defesa do cidadão clássicos (sic) contra o Estado. Os direitos fundamentais personificam, como diz o tribunal constitucional federal, “também um ordenamento de valores objetivos”. (...). A segunda idéia, estritamente unida com a primeira, é que os valores jurídico-fundamentais ou princípios valem não somente para a relação entre o Estado e o cidadão, mas muito além disso “para todos os âmbitos do direito”. (...). A terceira idéia resulta da estrutura dos valores e dos princípios. Valores como princípios são propensos a colidir. Uma colisão de princípios somente por ponderação pode ser resolvida. A mensagem mais importante para a vida cotidiana jurídica da decisão-Lüth diz, por isso: “torna-se necessária, por conseguinte, uma ponderação de bens”15. 10 Para uma descrição da institucionalização do BVerfG, Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, pp. 3-6. 11 BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? (1951) Trad. José Manuel Cardoso da Costa. Coimbra: Ed. Almedina, 2008, pp. 18-35, principalmente. 12 Uma profunda desconstrução dessa postura do BVerfG e do Supremo Tribunal Federal, foi feita por Juliano Zaiden Benvindo, Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília por ocasião de sua tese de doutorado (que fora orientada por Bernhard Schlink na Humbolt Universität zu Berlin, Alemanha, e aprovada com a menção summa cum laude). Tese recém-publicada no idioma de Shakespeare: BENVINDO, Juliano Zaiden. Towards a concept of limited rationality in constitutional adjudication: a critical response to balancing in German and Brazilian constitutional cultures. Heildelberg: Springer Verlag, 2009. 13 Para uma crítica do posicionamento teorético de Alexy, adotado pelo Supremo Tribunal Federal à condição de seu “marco teórico oficial”, Cf. BARBOSA, Leonardo A. de Andrade. “Notas sobre colisão de direitos fundamentais e argumentação jurídica: um diálogo entre Robert Alexy e Klaus Günther”. In: Novos Estudos Jurídicos. Vol. 13, Nº 2. Itajaí: Univali, julho-dezembro de 2008, pp. 23-37. 14 ALEXY, Robert. “Direitos fundamentais, ponderação e racionalidade”. Trad. Luís Afonso Heck. Revista de Direito Privado. Ano 6, vol. 24. São Paulo: Ed. RT, outubro-dezembro de 2005, p. 336. 15 ALEXY, Robert. “Direitos fundamentais, ponderação e racionalidade”. Trad. Luís Afonso Heck. Revista de Direito Privado, pp. 336-337. 4 O nexo interno entre a doutrina de Rudolf Smend e o método decisório do BVerfG, que por meio de uma ponderação “revela” a ordem concreta de valores, é traçado por ninguém menos que o próprio Robert Alexy. A posição de proeminência dos tribunais constitucionais, aduz Alexy, é resultado da conjugação de uma força de validade formal com uma densidade de normatização material16. Do ponto de vista formal (isto é, da força cogente de suas decisões) a fundamentação dos tribunais constitucionais se deve a Hans Kelsen17. De um ponto de vista material, todavia, foi Smend quem deu a melhor contribuição. Foi com a sentença-Lüth que o BVerfG conseguiu unir forma e matéria: “Com isso, o postulado de Kelsen da força de validade formal foi, com a intepretação de Smend do catálogo de direitos fundamentais como expressão de um ‘sistema de valores ou de bens, um sistema de cultura’, unido”18. Para Alexy, são estes os pressupostos da supremacia dos tribunais constitucionais pelo mundo; entre eles o nosso Supremo Tribunal Federal, que há algum tempo realiza a “ponderação”, principalmente quando é o caso de desrespeitar direitos fundamentais (como mostra o exemplo da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 9)19. Tudo isso faz revelar a importância da teoria da integração de Smend para a conformação do conceito de direitos fundamentais. Neste trabalho, problematizaremos esse senso comum do direito constitucional contemporâneo. Para tanto, propomos um roteiro. Primeiro, teceremos algumas palavras sobre o pano de fundo teológico e conservador existente nos escritos de Smend. Segundo, descreveremos o conceito central do pensamento de Smend, a “integração”. Terceiro, situaremos a “integração” no contexto histórico da “desintegrada” República de Weimar. Quarto, abordaremos o conceito de Constituição de Smend, e sua busca por uma “matéria constitucional”, 16 ALEXY, Robert. “Direito constitucional e direito ordinário. Jurisdição constitucional e jurisdição especializada”. Trad. Luís Afonso Heck. Revista dos Tribunais. Ano 91, volume 799. São Paulo: Ed. RT, maio de 2002, p. 33. 17 Alexy cita, como contribuição decisiva de Kelsen, para o tema, sua comunicação apresentada por ocasião do encontro de 1928 da Vereinigung der Duetschen Staatsrechtlehrer (Associação dos Professores Alemães de Direito Público). Como tal exposição de Kelsen foi publicada um pouco antes em Francês – fruto de palestra proferida no Institut International de Droit Public, no mesmo ano de 1928, em sessão presidida por Raymond Carré de Malberg – ela fez fortuna pela América Latina. Cf. KELSEN, Hans. “La garantie jurisdictionelle de la Constitution (La justice constitutionelle)”. In: Revue de Droit Public et de la Science Politique en France et a l’Étranger. Tomo 35, Ano 35. Paris: E. Brière, 1928, pp. 197-257. Há tradução para o português: KELSEN, Hans. “A jurisdição constitucional” (1928). In: Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 121-186. 18 ALEXY, Robert. Direito constitucional e direito ordinário. Jurisdição constitucional e jurisdição especializada. Trad. Luís Afonso Heck. Revista dos Tribunais, pp. 34-35. 19 Trata-se de uma repaginação da raison d’État medieval: em um juízo (irracional) de ponderação, o Código de Defesa do Consumidor foi derrogado judicialmente por meio de um terrorismo argumentativo que previa o colapso do país em caso de decisão contrária àquela postulada pela Advocacia-Geral da União. 5 concebendo-o como uma resposta ao seu contexto histórico. Quinto, veremos o porquê de Smend acreditar que os direitos fundamentais são aptos a doar “materialidade”: isso é percebido quando analisamos a polêmica palestra de Smend de 1933, na qual critica Carl Schmitt abertamente. É aí que encontraremos um ponto em comum que muito diz sobre a teoria dos direitos fundamentais. 2. Projeções biográficas na teoria: entre autoritarismo e iconoclastia. Nascido em uma família composta por vários teólogos e juristas, a tensão entre “igreja” e “Estado” sempre se fez presente na vida de Smend. Conquanto tenha conseguido importantes cargos de professor de Direito Público (Staatsrecht) em universidades como Tübingen (1911), Bonn (1915), Berlin (1922) e Göttingen (1935), Smend também ocupou, entre 1945-1955, assento no Conselho da Igreja Protestante na Alemanha (Rat der Evangelischen Kirche in Deutschland), que é o órgão de direção da Igreja Protestante20. Smend exerceu, também, atividade político-partidária, uma vez que pertenceu, até 1930, ao DNVP, sigla de Deutschsnationale Volkspartei21: um partido de extrema-direita que sempre assumiu uma postura anti-República de Weimar, desde a constituinte de 1919 até o golpe nazista de 193322. Quando se leva em consideração essas esquemáticas notas acerca das opções políticas da vida de um literato, não é de se assustar caso se encontre, em sua produção bibliográfica, uma ou outra declaração favorável ao fascismo: Uma das grandes virtudes do fascismo (independentemente da valoração que se faça do fascismo como um todo) é precisamente a de ter sabido detectar a necessidade de uma integração global. Não obstante a recusa do liberalismo e do parlamentarismo, o fascismo soube manejar com maestria as técnicas de integração funcional, e soube substituir conscientemente a integração substantiva do socialismo por outros elementos muito eficazes, tais como o mito da Nação, o Estado coorporativo, etc.23 20 KORIOTH, Stefan. “Rudolf Smend: introduction”. In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard (orgs.). Weimar: a jurisprudence of crisis. Berkeley: University of California Press, 2002, p. 208. 21 CALDWELL, Peter C. Popular sovereignty and the crisis of the German constitutional law: the theory and practice of Weimar constitutionalism. Durham: Duke University Press, 1997, p. 123. 22 Cf. GRAIG, Gordon A. Germany: 1866-1945. Oxford: Oxford University Press, 1978, pp. 505-511. 23 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional. Trad. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, pp. 112-113. 6 E quando o pano de fundo teológico que subjaz à formação de Smend é conduzido ao primeiro plano, o leitor não pode se assombrar com o conceito de democracia de Smend, delineado em Protestantismus und Demokratie (1932). Em tal escrito Smend entende a democracia a partir de um raciocínio puramente religioso, quando afirma que “também na democracia há a necessidade de crença: em si mesma, nos próprios valores, na própria dignidade”. O protestantismo poderia contribuir com a democracia na medida em que poderia “dar aquele grau de homogeneidade espiritual que constitui o pressuposto de uma democracia internalizada”24. De se ressaltar que a doutrina de Smend não é ontologicamente autoritária. Entretanto, é fato que seus escritos se prestam muito bem a um uso antidemocrático 25. Por mais que Smend não tenha colaborado pessoalmente com o III Reich26, quando a democracia é definida como a “homogeneidade espiritual de uma comunidade de valores”, isso em quase nada difere, por exemplo, da pretensão do Partido NacionalSocialista dos Trabalhadores alemães (NSDAP) de ser o “elemento de ordem da comunidade”, ante o surgimento do völkischer Führerstaat inaugurado com o assalto nazista ao poder27. Isso porque tanto os conceitos de “democracia” dos totalitarismos do século XX quanto o conceito smendiano de democracia tem uma coisa em comum: buscam a homogeneidade com o mesmo vigor em que abominam as diferenças, o “outro”28. Entretanto, por mais que as consequências reacionárias das escolhas de Smend saltem aos olhos, Peter C. Caldwell mostrou-se perspicaz quando vislumbrou que o iter 24 LUTHER, Jörg. “Rudolf Smend: genesi e sviluppo della dottrina dell’integrazione”. In: GOZZI, Gustavo. SCHIERA, Pierangelo (orgs.). Crise istituzionale e Teoria dello Stato in Germania dopo la Prima Guerra mondiale. Bologna: il Mulino, 1987, p. 196. 25 CALDWELL, Peter C. Popular sovereignty and the crisis of the German constitutional law: the theory and practice of Weimar constitutionalism, p. 126. 26 KORIOTH, Stefan. “Rudolf Smend: introduction”. In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard (orgs.). Weimar: a jurisprudence of crisis, p. 208 27 STOLLEIS, Michael. “Que signifiait la querelle autour de l’État de droit sous le Troisième Reich”. In: JOUANJAN, Olivier (org.). Figures de l’État de droit: Le Rechtsstaat dans l’histoire intellectuelle et constitutionnelle de l’Allemagne. Strasbourg: Presses Universitaires de Strasbourg, 2001, p. 377. 28 Uma reflexão acerca do conceito de democracia na contemporaneidade, chamando a atenção para os riscos dos “democratas” que desconsideram as diferenças ao acreditarem que a vontade da maioria é sempre democrática por antonomásia, pode ser encontrada em: MOUFFE, Chantal. “Pensando a democracia moderna com, e contra, Carl Schmitt”. Trad. Menelick de Carvalho Netto. In: Cadernos da Escola do Legislativo. Ano 1, Vol. 2. Belo Horizonte: Assembléia Legislativa, julho-dezembro de 1994, pp. 91-107. Cf. também, na mesma linha de valorização das diferenças para a confecção da identidade constitucional de um país: ROSENFELD, Michel. A identidade do sujeito constitucional. Trad. Menelick de Carvalho Netto. Belo Horizonte: Editora Mandamentos, 2003. 7 acadêmico de Smend também ostenta um quê de iconoclastia29. Mormente no plano da epistemologia jurídica. Em um ambiente dominado pelo positivismo legalista, Smend, desde seus primeiros escritos, tomou como missão sua a de criticar essa compreensão teorética que entende que todo o direito está contido em regras gerais e abstratas. Essa postura é perfeitamente ilustrada quando se observa a sua trajetória acadêmica. Sua tese de doutorado, defendida em Göttingen, aos 22 anos, tratou de fazer uma comparação entre a Constituição da Prússia de 1850 e a Constituição belga, de 183130. Essas duas constituições têm muitas regras que são absolutamente idênticas; caso o intérprete adote um enfoque legalista que se prende somente ao texto, acredita Smend, as diferenças passam por alto: entrementes, é a valorização do contexto subjacente a cada texto que faz surgir diferentes significados para cada um dos dois textos 31. Ele aponta, então, que as diferenças só se fazem perceber quando se leva em conta que a Constituição belga é do tipo “revolucionária abstrata” – pelo fato de ser baseada no princípio da soberania popular – por sua vez a da Prússia é do tipo “histórica”, porquanto assentada no princípio monárquico32. Já em sua tese de livre-docência (Habilitationschrift), aos 24 anos em Kiel, Smend confeccionou um estudo de história do direito, acerca do Reichskammergericht, sob a orientação de Albert Hänel, que era um dos mais destacados críticos do teóricochefe do positivismo jurídico daquela época: Paul Laband33. Ainda no que toca a seus escritos de juventude, seu artigo de 1916, Ungeschriebenes Verfassungsrecht im monarchischen Bunsdesstaat, conclui que as relações entre o ente federal central (Reich) e os Estados (Länder) não são regidas pelas regras contidas na Constituição de 1871, mas sim por um “direito não-escrito” oriundo de uma práxis constitucional informada por uma “lealdade federal” (Bundestreu)34. O que essas três obras noticiam? Diríamos que elas exemplificam a postura, encampada por Smend, de combate ao positivismo. Uma “interpretação autêntica” 29 CALDWELL, Peter C. Popular sovereignty and the crisis of the German constitutional law: the theory and practice of Weimar constitutionalism, p. 122. 30 Trata-se de: Die preuβische Verfassungsurkunde im Vergleich mit der Belgischen, de 1904. 31 KORIOTH, Stefan. “Rudolf Smend: introduction”. In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard (orgs.). Weimar: a jurisprudence of crisis, p. 207. 32 LUTHER, Jörg. “Rudolf Smend: genesi e sviluppo della dottrina dell’integrazione”. In: GOZZI, Gustavo. SCHIERA, Pierangelo (orgs.). Crise istituzionale e Teoria dello Stato in Germania dopo la Prima Guerra mondiale, pp. 178-179. 33 KORIOTH, Stefan. “Rudolf Smend: introduction”. In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard (orgs.). Weimar: a jurisprudence of crisis, p. 208. 34 KORIOTH, Stefan. “Rudolf Smend: introduction”. In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard (orgs.). Weimar: a jurisprudence of crisis, p. 208. 8 confirma isso: em escrito de 1973, aos noventa e um anos, Smend interpretou que os seus esforços, durante a República de Weimar, se inseriam em um contexto de uma Kampfgemeinschaft (comunidade de luta) contra o positivismo jurídico35. Comunidade integrada por Carl Schmitt, Hermann Heller e todos os juristas que buscavam superar o positivismo36. A sua obra-prima, Verfassung und Verfassungsrecht (1928), se insere nessa assim-chamada “luta”; seu caráter “polêmico” se mostra com nitidez. Nela, Smend busca refundar a teoria do Estado com um enfoque material, para além do positivismo jurídico, para além do mero texto constitucional37. Suas palavras, nesse sentido, são bem claras: O que a teoria jurídica do Estado precisa é, por isso, de uma teoria material do Estado. Uma teoria do Estado que, independentemente de toda aquela anterior, possua uma justificação própria, enquanto ciência do espírito que abarca o âmbito cultural e espiritual da dinâmica estatal. Nesse ponto, em grandes linhas, usualmente se está de acordo: claro, desde que não se venha de Viena. Há duas coisas a serem valorizadas nessa transcrição. A primeira é a enunciação do método geisteswissenschaftlich, “próprio às ciências do espírito”, para compreender a “dinâmica estatal”. A segunda é o caráter polêmico existente no tempo Weimar entre, de um lado, Hans Kelsen – identificado como o grande representante do positivismo formalista – e, de outro lado, a Kampfgemeischaft, isto é, todos os outros teóricos que buscavam uma materialização da teoria do Estado, para além e contra o positivismo. Isso fica evidenciado na sentença “desde que não se venha de Viena”. Esses dois elementos – centrais não só na transcrição supra, mas em todo o pensamento de Smend – se entrelaçam: o método geisteswissenschaftlich é o modo de doar “substância” à teoria do Estado e, ao mesmo tempo, a mais eficaz forma de combater o positivismo “de Viena” (rectius, de Kelsen)38. Vejamos. 35 ZAGREBELSKY, Gustavo. “Introduzione”. In: SMEND, Rudolf. Costituzione e diritto costituzionale. Trad. F. Fiore e J. Luther. Milano: Giuffrè, 1988, p. 5. 36 BISOGNI, Giovanni. Weimar e l’unità politica e giuridica dello Stato: saggio su Rudolf Smend, Hermann Heller, Carl Schmitt. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2005, p. 87. 37 GUSY, Christoph. “Le principe du Rechtsstaat dans la République de Weimar: crise de l’État de droit et crise de la science du droit public”. In: JOUANJAN, Olivier (org.). Figures de l’État de droit: Le Rechtsstaat dans l’histoire intellectuelle et constitutionnelle de l’Allemagne. Strasbourg: Presses Universitaires de Strasbourg, 2001, pp. 335-337. 38 BISOGNI, Giovanni. Weimar e l’unità politica e giuridica dello Stato: saggio su Rudolf Smend, Hermann Heller, Carl Schmitt, pp. 58-73, passim. 9 As inquietações de Smend se voltam contra o predomínio da impostação formalista que “proíbe considerar o Estado como um âmbito autônomo da realidade”. Impostação inaugurada por Georg Jellinek, que esvazia as grandes questões da filosofia do Estado por meio de um “enfoque gnoseológico cético, carente, ademais, de qualquer justificação e seriedade”; impostação seguida por Hans Kelsen, que prossegue nessa “lamentável história dos erros humanos”39. Smend aponta como principal erro de Kelsen aquele de não considerar o Estado como uma realidade social40. Esse “niilismo” se deve ao fato de Kelsen “apoiarse em uma teoria do conhecimento amplamente superada” 41. A crise na teoria do Estado seria devida, aliás, não à derrota alemã na I Guerra ou mesmo à Revolução Alemã (que proclamou a República), mas sim ao predomínio da “teoria do conhecimento” adotada por Kelsen, qual seja o neokantismo: “com razão buscaram derivá-la da crise do neokantismo ou, mais genericamente, da concepção científica cuja manifestação filosófica é o neokantismo”42. No juízo de Smend, Kelsen dá continuidade à postura alemã “estática” de se considerar que a “união dos membros de um grupo juridicamente normatizado” seria um dado, um fenômeno natural, automático, derivado da deontologicidade das normas43. Daí, Smend acredita no método “próprio às ciências do espírito” para se fazer um contraponto ao neokantismo: É missão deste trabalho mostrar como uma filosofia do Estado que atua assim passa por alto do objeto que lhe é próprio, construindo-se – tal como se criticou justamente – sob a base de um conceito jurídico de Estado puramente normativo, que é também interpretado em sentido meramente estático, espacialista e mecanicista, o que impossibilita qualquer elaboração de uma metodologia própria no marco das ciências do espírito. Essa construção equivocada é trasladada posteriormente à teoria jurídica do Estado, o que acarreta também a perda do seu objeto imediato e – como conseqüência do abandono de sua temática essencial e, por fim, da sua sistematicidade 39 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional. Trad. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, p. 44. 40 As teses de Kelsen nesse sentido estão expostas em: KELSEN, Hans. Il concetto sociologico e il concetto giuridico dello Stato: studio critico sul rapporto tra Stato e diritto (1922). Ed. Agostino Carrino. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 1997. Smend critica essa obra em várias oportunidades. 41 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 57. 42 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 44. 43 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 52-61. 10 própria – a consideração exclusiva de questões muito secundárias da realidade constitucional normatizada.44 No diagnóstico de Smend, a superação do paradigma positivista que, apoiado na rígida separação neokantiana entre ser e dever-ser, entre norma e realidade, aborda o Estado de uma forma “estática” é conseguida quando se percebe que a integração consiste na principal tarefa do Estado. A centralidade que esse conceito assume para o pensamento de Smend faz merecer o seu exame neste estudo. 3. Integração como teologia constitucional. O embrião da “teoria da integração” se encontra em escrito da lavra de Smend que data de 1919. Nele, Smend critica o sistema eleitoral proporcional instituído pela Constituição de Weimar. Utilizando-se de argumentos um tanto reacionários e bem semelhantes aos de Carl Schmitt, Smend sutilmente acusa a Constituição de Weimar de não ter decidido entre as “difusas tendências político-constitucionais” da época45; afirma, ainda, que o parlamentarismo é uma mera “fachada”46, instrumentalizado pelo liberalismo47. Tudo isso se traduz, no plano jurídico, por um positivismo jurídico estático e cético. Seria necessária, ante esse estado de coisas, uma “ótica distinta, que considere primariamente não a anatomia do Estado, mas sim a sua fisiologia” 48. Destarte, “a base necessária para uma nova teoria do Estado na nova Alemanha não se encontra em construções conceituais e sistematizadoras, nem em uma hermenêutica atrelada ao legalismo, mas sim em uma teoria do Estado fundamentada sociologicamente”49. Essa teoria do Estado “fundamentada sociologicamente” tem seu início em artigo publicado em 1923, no qual Smend lança o termo “integração”50. Já a partir daí o 44 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 61-62. 45 SMEND, Rudolf. “La transformación del orden constitucional liberal por el sistema proporcional” (1919). In: Constitución y Derecho Constitucional. Trad. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, p. 35. 46 SMEND, Rudolf. “La transformación del orden constitucional liberal por el sistema proporcional” (1919). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 30 47 SMEND, Rudolf. “La transformación del orden constitucional liberal por el sistema proporcional” (1919). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 31 48 SMEND, Rudolf. “La transformación del orden constitucional liberal por el sistema proporcional” (1919). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 35. 49 SMEND, Rudolf. “La transformación del orden constitucional liberal por el sistema proporcional” (1919). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 36. 50 Trata-se de: “Die politische Gewalt im Verfassungsstaat und das Problem der Staatsform”. In: Festgabe der Berliner Juristischen Fakultät für Wilhelm Kahl, Vol. III, 1923, pp. 16 e ss. Citado pelo próprio: 11 termo se converte em expressão de grande uso no direito alemão. Mas foi em Verfassung und Verfassungsrecht (1928), que Smend explicitou a integração, ao mesmo tempo em que a alçou à condição de Leitmotiv de seu pensamento constitucional. Isso porque foi em tal oportunidade que Smend concebeu a integração como a razão de ser do Estado, o seu fundamento; em um duplo sentido: (i) o Estado tem a missão de integrar as diversas realidades nele contidas e (ii) o Estado existe e se desenvolve a partir de uma integração que nada mais é que uma permanente renovação, um “plebiscito que se renova a cada dia”51. A integração, por isso, serviria para combater o “ceticismo” jurídico propiciado pelo positivismo jurídico. Hans Kelsen era particularmente intransigente com esse traço da doutrina da integração; para o jurista de Viena, a irritação com a postura relativista e cética do positivismo é expressão de um ranço teológico que também não aceita os homens que não crêem, os “agnósticos”; era por isso que Kelsen afirmava: “Smend representa um caso clássico de teologia política e, em sua natureza mais íntima, ele é um teólogo do Estado”52. Com efeito, o matiz teológico apontado por Kelsen é plenamente verificável. Em 1959, Smend confeccionou verbete no Evangelisches Staatslexikon, no qual as raízes teológicas de seu conceito-chave ficaram mais que evidenciadas (até pelo título da publicação). Nas palavras de Smend, a integração: (...) é o ponto de partida material para uma ética protestante do indivíduo no Estado. Esta deve tomar a frente do processo vital no qual o indivíduo é solicitado a se empenhar na comunidade: em particular na comunidade estatal.53 O “protestantismo prussiano” de Smend advoga a utilização dessa manifestação de teologia política, no âmbito da República de Weimar, uma vez que na democracia, assim como na religião, existe a necessidade não de agnosticismo, mas de SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 63. Para uma genealogia mais profunda do conceito de integração – coisa que escapa aos modestos limites deste ensaio – dando atenção aos “escritos de juventude” de Smend, Cf. LUTHER, Jörg. “Rudolf Smend: genesi e sviluppo della dottrina dell’integrazione”. In: GOZZI, Gustavo. SCHIERA, Pierangelo (orgs.). Crise istituzionale e Teoria dello Stato in Germania dopo la Prima Guerra mondiale, pp. 177-187. 51 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 63. 52 KELSEN, Hans. O Estado como integração: um confronto de princípios. Trad. Plínio Toledo. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 44. 53 SMEND, Rudolf. “Integrazione” (1959). In: SMEND, Rudolf. Costituzione e diritto costituzionale. Trad. F. Fiore e J. Luther. Milano: Giuffrè, 1988, p. 288. 12 crença54. Para formar essa comunidade de crença, Smend sustenta que a integração pode agir em três frentes: (i) integração pessoal, (ii) integração funcional e (iii) integração material. Necessário realizar duas ressalvas antes de examinar cada uma das “integrações”. A primeira: é vã a procura por um conceito preciso de integração. Utilizando-se de um estilo um tanto “pendular”, “oscilante” para assim dizer, Smend não se preocupa em dar definições rígidas e precisas. Sintomático dessa impostação é o exemplo dado pelo próprio Smend: convidado para confeccionar um verbete sobre o que vem a ser a “teoria da integração”, ele sublinhou bem o caráter oscilante desse conceito ao afirmar que em seus escritos a integração é definida de modo “ora mais intransitivo enquanto conexão de experiências vividas, ora mais transitivo enquanto atividade ou efeito dos fatores que animam (sorregono) o Estado”55. Smend colheu desafetos por causa da sua postura “oscilante”. Kelsen, o principal afetado pela postura belicosa de Smend, era particularmente intransigente com esse estilo. Ao ponto de dar-se o trabalho de redigir livro no qual exclusivamente critica a teoria da integração exposta no Verfassung und Verfassungsrecht (1928). Quando Kelsen justifica a extensão de sua crítica, é desferido um forte ataque a Smend: O que obriga o crítico a uma análise mais pormenorizada do que o normal é, sobretudo, a peculiaridade da exposição de Smend: uma total falta de uniformidade sistemática, uma certa insegurança da concepção, que se desvia das posições claras e unívocas e permanece em insinuações vagas sobrecarregando qualquer posição inteligível com prudentes limitações, daí um estilo de linguagem obscuro, difícil, inçado de palavras estrangeiras.56 A segunda ressalva a ser feita avisa que essas três modalidades de integração não devem ser entendidas como tipos-ideais no sentido weberiano, uma vez que não são passíveis de isolamento: a unidade do sistema de integração só é percebida caso se observe que as frentes de integração se influenciam reciprocamente57. Bem explicado, o sucesso da integração, pelo medium do Estado, depende dessa conjugação das técnicas 54 LUTHER, Jörg. “Rudolf Smend: genesi e sviluppo della dottrina dell’integrazione”. In: GOZZI, Gustavo. SCHIERA, Pierangelo (orgs.). Crise istituzionale e Teoria dello Stato in Germania dopo la Prima Guerra mondiale, p. 197. 55 SMEND, Rudolf. “Dottrina dell’integrazione” (1956). In: SMEND, Rudolf. Costituzione e diritto costituzionale. Trad. F. Fiore e J. Luther. Milano: Giuffrè, 1988, p. 272. 56 KELSEN, Hans. O Estado como integração: um confronto de princípios, p. 2. 57 GOZZI, Gustavo. “La crisi della dottrina dello Stato nell’età di Weimar”. In: GOZZI, Gustavo. SCHIERA, Pierangelo (orgs.). Crise istituzionale e Teoria dello Stato in Germania dopo la Prima Guerra mondiale. Bologna: il Mulino, 1987, p. 145. 13 de integração: Smend não tem nenhum pudor em afirmar que “uma das grandes virtudes do fascismo” consiste precisamente nisso58. Passemos à análise de cada uma delas, ainda que sem nenhuma pretensão de exaustão. A integração pessoal é aquela que é feita por meio de líderes. Smend valoriza, aqui, aquelas pessoas capazes de gozar da confiança daqueles que são dirigidos59. Esse tipo de integração – diz ele – é desqualificado pela “mentalidade tipicamente liberal”, que, influenciada por Max Weber, a denomina de “caudilhagem” 60. O que o liberalismo desconhece, aduz Smend, é que “não há vida do espírito sem um princípio reitor”, de sorte que o Estado precisa dessas pessoas que, por meio de suas qualidades pessoais (Weber diria: carismáticas61), conseguem uma coesão no âmbito do grupo político62. Em uma passagem que ostenta nítido culto à personalidade do Presidente Paul von Hindenburg, Smend aponta a importância dessa função para a integração no Estado: “os Chefes de Estado cumprem uma função similar àquela realizada (...) pelas bandeiras, brasões e pelos hinos nacionais”, porquanto seu sentido reside “na ‘encarnação’ da unidade política do povo”63 Por sua vez, a integração funcional é realizada por “processos que tendem a produzir uma síntese social”64. Processos sociais como uma parada militar, uma manifestação popular. Até mesmo uma linha de produção de uma fábrica: tudo isso gera um processo, uma concatenação que tem como produto “uma contínua restauração da comunidade política enquanto agrupamento de vontades”65. Smend faz uma importante ressalva – e que é mostra fiel de seu conservadorismo. Ele acredita que o processo legislativo não consiste em um meio integrador, uma vez que o parlamento nada mais é do que uma “dialética teatral e retórica dos acontecimentos políticos, tão cara à 58 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 113. 59 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 72. 60 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, pp. 70-71. 61 WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Trad. Regis Barbosa e Karen Barbosa. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2000, pp. 158-161. 62 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 72. 63 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 73. 64 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 78. 65 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, pp. 79-80. 14 burguesia latina”66 – Smend se refere, aqui, à França, que sob a égide das Leis Constitucionais de 1875 se pautava, praticamente, pelo princípio da supremacia do parlamento67. Por último, a integração material é aquela que valoriza os objetivos comuns do Estado, que leva em consideração que o Estado é uma “comunidade cultural ativa” e que, por isso, “a condição para que os valores tenham uma eficácia e vida próprias é a mesma comunidade na qual eles são vividos e na qual se atualizam”. E vice-versa: também a comunidade depende dos valores que a sustentam. Os valores históricos, culturais, símbolos políticos, o território nacional, bandeiras, hinos, isso produz uma base institucional, material, que integra o indivíduo ao Estado68 e que faz com que a ordem jurídica seja válida69. Por tudo isso, podemos verificar que, do ponto de vista epistemológico, o significado da integração smendiana traduz-se por uma tentativa de superação da perspectiva “estática” que é própria ao positivismo jurídico que dominava o ambiente intelectual da República de Weimar. A integração assim o faria porquanto encara o Estado como uma “realidade” alinhavada de forma “dinâmica”. Entretanto, o significado de uma teoria constitucional não é percebido com uma mera análise das categorias que a constitui. Qualquer texto sempre tem um contexto, que é constitutivo para a sua significação; no que toca aos textos constitucionais essa impostação é ainda mais verificável70. O que se vai perquirir, no próximo item, é o significado histórico, contextual, da integração. O que existia no contexto de Smend que, em seu juízo, urgia ser integrado? 4. A “desintegrada” República de Weimar como aquilo a ser “integrado”. 66 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 83. 67 Daí porque Carré de Malberg não aceitava a idéia de “lei em sentido material” para a França da República de 1875, ou seja, um elenco de matérias que consistiria no domínio material da lei. Segundo ele, “le domaine de la loi est sans bornes, comme celui de la volonté générale”. O que o Parlamento decide, é lei. CARRÉ DE MALBERG, Raymond. La Loi, expression de la volonté générale. Étude sur le concept de la loi dans la Constitution de 1875. Paris : Librarie du Recueil Sirey, 1931, p. 54. 68 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, pp. 96-97. 69 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 101. 70 FARR, James. “Conceptual change and constitutional innovation”. In: BALL, Terence; POCOCK, John G. A. (orgs.). Conceptual change and the Constitution. Lawrence: University Press of Kansas, 1988, pp. 15 e ss., principalmente. 15 A teoria da integração vem a lume em um período extremamente conturbado da história alemã; um período de transição: com todas as angústias e inseguranças daí decorrentes. O povo alemão debitou quase que exclusivamente na conta da monarquia a responsabilidade pela derrota militar advinda com o termo da I Guerra: o desgaste foi tão severo que lhe custou a existência71. Com a queda da monarquia, a Alemanha se parlamentariza e a República é proclamada72. Independentemente do juízo de valor que um ou outro constitucionalista fazia acerca do regime de Weimar, eles precisavam assumir o suposto de que aquilo se tratava de uma república, e não de uma monarquia73. Quantas consequências para o direito público teve essa assunção inicial. Como apontou Michael Stolleis, “tudo teve que ser repensado”, pois “o desaparecimento das monarquias, em particular, destruiu o ponto de referência intelectual e a legitimação interna de muitas instituições”74. O princípio monárquico fazia com que o monarca fosse entendido como centro e vértice do Estado, a ponto de poder considerar os direitos fundamentais como bondosas concessões unilaterais por parte do monarca75 e o Parlamento como uma “simples comissão legislativa”76. O art. 1º da Constituição de Weimar confronta esse referencial histórico da dogmática do direito público, uma vez que adotou, explicitamente, o princípio da soberania popular: “o Reich alemão é uma república. O poder do Estado emana do povo”77. Ante esse contexto, à publicística se impôs a seguinte questão: como é possível observar a unidade do Estado em um Estado cujo ápice não é o monarca, mas o povo? Um problema que, por um lado, é muito hobbesiano, pois quer saber como unir a multidão em uma unidade monolítica de poder denominada “Estado”78; por outro, é 71 Cf. LOUREIRO, Isabel. A Revolução Alemã (1918-1923). São Paulo: Unesp, 2005. LANCHESTER, Fulco. Alle origini di Weimar: il dibattito costituzionalistico tedesco tra il 1900 e il 1918. Milano: Giuffrè, 1985, pp. 153, 154, 184-188. 73 STOLLEIS, Michael. A History of Public Law in Germany 1914-1945, p. 142. 74 STOLLEIS, Michael. A History of Public Law in Germany 1914-1945, p. 47. 75 SCHÖNBERGER, Christoph. “État de droit et État conservateur: Friedrich Julius Stahl”. In: JOUANJAN, Olivier (org.). Figures de l’État de droit: Le Rechtsstaat dans l’histoire intellectuelle et constitutionnelle de l’Allemagne. Strasbourg: Presses Universitaires de Strasbourg, 2001, p. 183. Stahl foi um dos grandes arquitetos conceituais para esse esvaziamento do caráter “prospectivo” dos direitos fundamentais, em sua condição de Kronjurist do Rei da Prússia quando da Restauração de 1850, ocasião histórica em que os postulados liberais do “Pré-Março” foram (militarmente) derrotados. 76 BARTHÉLEMY, Joseph. “Les théories royalistes dans la doctrine allemande contemporaine: sur les rapports du Roi et des Chambres dans les Monarchies particulières de l’Empire”. In: Revue du Droit Public et de la Science Politique en France et a l’étranger. Tomo 22, 12º Ano. Paris: E. Brière, 1905, pp. 744-745, especialmente. 77 Edição utilizada: “La Costituzione di Weimar dell’11 agosto 1919” (Reichsgesetzblatt, n. 152, p. 1383)”. In: LANCHESTER, Fulco. Le Costituzione tedesche da Francoforte a Bonn: introduzione e testi. Milano: Giuffrè, 2002, pp. 189-230. 78 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Trad. João Paulo Monteiro e Maria Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1974, p.109. Trata-se do célebre Cap. XVII. Em De Cive, Hobbes expressa tal diferença de modo bem direto: “Em último lugar, constitui um grande 72 16 muito hegeliano, porquanto parte do suposto de que sem um Estado que encarna um momento superior da eticidade, somente se tem o irracional, uma potência informe, um vulgus, mas não um populus79. A unidade do Estado, assim, é o problema que desafia os publicistas. Até aqui nenhuma novidade, porquanto o problema da unidade do Estado também era o principal desafio dos juristas quando do regime constitucional de Bismarck, normatizado pela Constituição de 187180. Todavia, o regime constitucional de Weimar traz desafios novos ao constitucionalismo alemão. Ao contrário da Constituição de 1871, a Constituição de Weimar possui superioridade jurídica em relação à legislação ordinária, uma vez que estipula processo diferenciado de emenda (art. 76(1) WRV). Não se limita, também, a traçar obrigações para os súditos, porquanto possuía um catálogo de direitos fundamentais. O tempo era diferente do regime bismarckiano de 1871, em que “questões constitucionais” eram reduzidas a meras “questões de poder”81. Como lidar com essa Constituição dotada de supremacia e que, por ser assentada no princípio da soberania popular, não considerava direitos fundamentais como concessões outorgadas do monarca, mas sim algo que é inerentemente de pertença do cidadão? Smend aceita esse desafio. Ele parece perceber que a função dos direitos fundamentais não mais se reduz àquela de ser um limite negativo ao poder; mostra-se cônscio de que a ordem constitucional de Weimar expressa – conjuntamente com a sua coetânea, a Constituição do México de 1917 – um deslocamento semântico da noção de direitos fundamentais. Direitos fundamentais agora traduzem, também, meios juridicamente aptos para se requerer que o sistema da política adote certas programações decisórias82. Quando contextualizado historicamente, podemos ver o porquê dessa oscilação semântica: o Estado deveria compensar a imensa exclusão social perigo para o governo civil, em especial o monárquico, que não se faça suficiente distinção entre o que é um povo e o que é uma multidão. O povo é uno, tendo uma só vontade, e a ele pode atribuir-se uma ação; mas nada disso se pode dizer de uma multidão. Em qualquer governo é o povo quem governa. Pois até nas monarquias é o povo quem manda (porque nesse caso o povo diz sua vontade através da vontade de um homem), ao passo que a multidão é o mesmo que os cidadãos, isto é, os súditos.” HOBBES, Thomas. Do Cidadão. Edição de Renato Janine Ribeiro. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, pp. 189-190. 79 HEGEL, Georg Friedrich Wilhelm. Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio III: a filosofia do Espírito (1830). Trad. Paulo Meneses. São Paulo: Edições Loyola, 1995, § 544, p. 316. 80 SCHLINK, Bernhard. JACOBSON, Arthur J. “Introduction – Constitutional Crisis: The German and the American Experience”. In: SCHLINK, Bernhard. JACOBSON, Arthur J. (orgs.). Weimar: a Jurisprudence of Crisis. Berkeley: University of California Press, 2002, p. 20. 81 HUMMEL, Jacky. Le constitutionnalisme allemand (1815-1918): le modèle allemand de la monarchie limitée. Paris: Presses Universitaires de France, 2002, p. 301. 82 DE GIORGI, Raffaele. “Semântica da idéia de direito subjetivo”. In: Direito, democracia e risco: vínculos com o futuro. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1998, pp. 109-110; LUHMANN, Niklas. Teoría Política en el Estado de Bienestar. Ed. Fernando Vallespín. Madrid: Alianza Editorial, 1997, pp. 47-52. 17 herdada pelo liberalismo econômico do Oitocentos83. E, dessa forma, “o desafio que se colocava ao Estado em termos de direitos fundamentais era, sem dúvida alguma, imenso, transformar aquela massa de desvalidos, antes vista como sociedade civil, em cidadãos”84. O fardo que a história colocou sob os ombros do Estado tem seu peso ainda mais evidenciado quando se recorda que a vida política e econômica da República de Weimar foi uma constante crise. O Tratado de Versalhes (1919) imposto pelos vencedores da I Guerra só dificultou a recuperação econômica alemã, de modo que o Estado simplesmente não conseguia suprir as prestações mais básicas dos indivíduos. Um autor representativo do pensamento conservador da época, Carl Schmitt, costumava dizer que a Alemanha não existia mais como Estado, mas sim como “uma unidade de pagamento de reparações”85, porquanto o Tratado de Versalhes não passava de um artifício que tinha por finalidade manter uma situação intermediária que nem era de paz e nem de guerra declarada e que fazia da Alemanha a grande prejudicada 86. A ausência do poder público era aproveitada por agrupamentos sociais fortemente organizados que faziam as funções que em tese caberiam ao Estado alemão, gerando assim o que os “modernistas reacionários” do tempo chamavam de “pluralismo”87. Os constitucionalistas da época descreviam esse “rito de passagem” alemão com palavras um tanto negativas – e Smend, aqui, não se afigurava como exceção. Era comum se falar que a República de Weimar tinha trazido uma “desintegração” social, isto é, a queda da monarquia tinha provocado uma autonomização do indivíduo em relação ao todo social88. 83 PINTO, Cristiano Paixão Araujo. “Arqueologia de uma distinção: o público e o privado na experiência histórica do direito”. In: PEREIRA, Cláudia Fernanda Oliveira (org.). In: O novo direito administrativo brasileiro: o Estado, as agências e o terceiro setor. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2003, p. 40. 84 CARVALHO NETTO, Menelick de. “A hermenêutica constitucional e os desafios postos aos direitos fundamentais”. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (org.). Jurisdição constitucional e os direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 149. 85 SCHMITT, Carl. “The Liberal Rule of Law” [Der bürgerliche Rechtsstaat] (1928). In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard (orgs.). Weimar: a jurisprudence of crisis. Berkeley: University of California Press, 2002, p. 300. 86 SCHMITT, Carl. “The status quo and the Peace” (1925) In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard (orgs.). Weimar: a jurisprudence of crisis. Berkeley: University of California Press, 2002, pp. 290-294. 87 BERCOVICI, Gilberto. Constituição e estado de exceção permanente: atualidade de Weimar, p. 107: a superação desse pluralismo tinha a etiqueta “Estado Total” e era desejada por teóricos reacionários como Heinz Ziegler e Carl Schmitt. 88 MANGIAMELI, Agata C. Amato. “Lo Stato tra diritto e politica. A partire dall’integrazione di Rudolf Smend”. In: Rivista internazionale di filosofia del diritto. IV Série, Volume LXVI, Número 2. Milano: Giuffrè, abril-junho de 1989, p. 360. 18 Transformado no “arquiteto que erige a catedral para o culto da sua própria personalidade”89, o indivíduo ocupava esse novo status por causa da dissolução dos estamentos sociais (Stände)90, que, ao tempo do Império, organizavam as pessoas em grupos a partir de sua ascendência, sendo assim o critério para inclusão/exclusão dos cidadãos no aparato decisório do Estado. Esse critério estamental lembrava que o fundamento da vontade do povo “não pode ser a vontade atomizada de cada um dos indivíduos, pois a vontade de todo o povo não é nunca o resultado da soma das vontades individuais”, mas sim dos estamentos, aqueles “órgãos coletivos”, “entes supraindividuais”, “forças vivificantes sobre as quais se constrói a comunidade”91. Só que, com o advento da República de Weimar, os estamentos caíram por terra, ante a instalação do princípio da igualdade formal entre os cidadãos. Smend analisa esse estado de coisas como uma transformação na “mentalidade alemã frente ao Estado”; estava presente entre os indivíduos uma espécie de “sentimento de distanciamento em relação ao Estado”, uma atitude absenteísta em relação ao Estado92: no seio da sociedade havia a crença de que o cidadão (Bürger) estava reduzido a um mero “burguês” (Bourgeois), “o egoísta calculista e argentário da era capitalista, incapaz de qualquer ato heróico ou valoroso”93, porquanto preocupado unicamente com os seus próprios interesses privados. Pois bem. Esse contexto histórico – informado por uma tradição monárquica, recessão econômica e insegurança frente aos efeitos oriundos das novas instituições republicanas (efeitos amiúde descritos como “pluralismo”, “atomismo burguês”) – gera 89 SCHMITT, Carl. Romanticismo politico (1924, 2ª ed.). Ed. Carlo Galli. Milano: Giuffrè, 1981, p. 24. Para uma erudita análise de como os diplomas normativos organizavam uma sociedade disciplinada em estamentos, Cf. KOSELLECK, Reinhart. La Prussia tra riforma e rivoluzione (1791-1848). Trad. Marco Cupellaro. Bolonha: il Mulino, 1988, pp. 55-83, 131-164, 323-372, principalmente. 91 SMEND, Rudolf. “Criterios del derecho electoral en la teoría alemana del Estado del siglo XIX” (1911). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional. Ed. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, p. 9. De se conceder que em tal escrito – ocasião em que a Alemanha ainda se pautava pelo princípio monárquico – Smend critica o tradicional método estamental (das três classes) da Prússia, e advoga a adoção do critério proporcional. Contudo, foi só a República de Weimar se instalar, e implementar o sistema proporcional, que Smend publica estudo, em 1919, com ácidas considerações acerca do novo método de voto universal e com sistema proporcional. Em seu juízo, esse método enfraquece o Parlamento porquanto o transforma em uma mera “fachada atrás da qual se realizam com toda liberdade as negociações entre os partidos” (p. 30), sendo nada mais que um “abstruso racionalismo” típico do liberalismo (p. 31). Cf. SMEND, Rudolf. “La transformación del orden constitucional liberal por el sistema proporcional” (1919). In: Constitución y Derecho Constitucional, pp. 27-36. 92 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 46. 93 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional. Ed. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, p. 251. 90 19 questionamentos à ordem constitucional. Smend enfrentou, diretamente, essas questões. É o que será tratado a seguir. 5. Constituição em sentido material: contraponto à “dissolução social”. Toda a produção acadêmica de Smend no período de Weimar tem como hipótese de trabalho esse cenário, acima descrito, de queda da monarquia, e consequente instalação da república. Sob sua ótica, é com o início do regime democrático que o quadro de dissolução social se instala e a necessidade de “integrar” começa a se fazer presente94. Verifica-se isso quando se leva em conta os copiosos elogios que Smend faz ao passado monárquico alemão. A monarquia não precisa se preocupar com um processo “dinâmico”, “espiritual” de integração, porque a integração já é de sua essência; afinal, o “efeito integrador da monarquia atua através de um conjunto de valores que, no essencial, são indiscutíveis; valores que ela mesma simboliza e representa, através dos quais se legitima”95. O fascínio com o passado imperial alemão é tão incontrolável que Smend chega a afirmar que, entre as Constituições modernas que ele conhece, aquela de Bismarck, de 1871, é a única que “responde conscientemente à sua função integradora”96, “apesar de sua escassa reflexão teórica”97. Mas a Alemanha, agora, é uma república; a Constituição de 1871, assentada no princípio monárquico, deixou de viger porquanto foi substituída pela Constituição republicana de 1919. O Estado continua com a sua tarefa de integrar, porém não possui mais, ao seu auxílio, a forma monárquica. Smend lembra que a “eficácia integradora é condicionada à existência de uma comunidade de valores que não é questionada pela luta política uma vez que se mantém a salvo dela”98 (grifamos). Na monarquia o não questionamento da “ordem concreta de valores” é conseguido com facilidade, mediante a integração pessoal realizada pelo monarca, aliado ao simbolismo da cultura 94 Aliás, o só fato de se confeccionar uma teoria que busca “integrar a realidade social” já consiste em um atestado de que essa ordem é considerada “fragmentada” e que por isso faz-se necessário conjugar as partes em um todo. Consoante apontou: MANGIAMELI, Agata C. Amato. “Lo Stato tra diritto e política. A partire dall’integrazione di Rudolf Smend”. In: Rivista internazionale di filosofia del diritto, p. 365. 95 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 172. 96 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 134. 97 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 69. 98 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 87. 20 monárquica (integração material) que cria ritos (integração funcional) que doam o Estado de substância. Mas: e numa república? Como se conseguir aquela “crença” que Smend reputa como imprescindível a uma democracia? Mesmo em uma república o Estado continuará com a séria tarefa de forjar uma realidade cultural integradora; porque o Estado consiste em uma “forma espiritual coletiva” em constante “processo de atualização funcional”, e que “existe e se desenvolve exclusivamente nesse processo de contínua renovação e permanente renascimento”99. Assim, citando Renan, Smend acredita que o Estado “vive de um plebiscito que se renova a cada dia”100. Essa característica “dinâmica” do Estado faz com que a insuficiência dos enfoques positivistas da Escola de Viena e da “Teoria Geral do Estado” (allgemeine Staatslehre) do século XIX se revelem, porquanto são vítimas de um pensamento profundamente “estático e territorial” que reduz o Estado a um conjunto de “homens, território e poder”101. Nesse marco de idéias, essa tradicional postura positivista “estática” da allgemeine Staatslehre – que insiste em fechar os olhos para os fatos em nome de uma exclusiva valoração do dever-ser – não consegue responder àquele desafio colocado à publicística da República de Weimar, qual seja, transformar o vulgus em populus. Por tudo isso é que Smend, fazendo coro a Carl Schmitt 102, acredita que é hora de substituir a Teoria Geral do Estado por uma Teoria da Constituição103. E a passagem 99 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, pp. 62-63. 100 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 63. 101 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 52. Para a descrição clássica desses três elementos, Cf., por todos: JELLINEK, Georg. Teoría General del Estado. Trad. Fernando de los Rios. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 2004, pp. 368-400. 102 No relevante “prólogo” da Teoria da Constituição de Carl Schmitt, verificamos: “É necessário, aliás, esforçar-se para erigir também uma Teoria da Constituição e considerar o âmbito da Teoria da Constituição como um ramo especial da Teoria do Direito Público. Este importante e autônomo setor da literatura não experimentou cultivo algum na última geração. Suas questões e matérias foram discutidas, mais ou menos esporádica e incidentalmente, seja no Direito Político, como diversos temas do Direito Público, seja na Teoria Geral do Estado. Isto se explica historicamente pela situação do Direito Político na monarquia constitucional; talvez também pela peculiaridade da Constituição de Bismarck, cuja genial concepção reunia simplicidade elementar e complicada torpeza”. SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Trad. Francisco Ayala. Madrid: Alianza Editorial, 2001, p. 21. 103 Diz Smend: “não se pretende, a seguir, desenvolver um esquema de uma teoria do Estado, mas sim de expor simplesmente os pressupostos filosóficos de uma teoria da Constituição”. SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 52. Para uma explicitação acerca da transição da Teoria Geral do Estado para a Teoria da Constituição, é imprescindível, ainda: CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 2002, pp. 1315-1318; VERDÚ, Pablo Lucas. “Lugar de la Teoría de la Constitución en el marco del derecho político”. In: Revista de Estudios Politicos. Nº 188. Madrid: 21 da Teoria do Estado para a Teoria da Constituição é um atestado de que Smend enxerga na Constituição republicana um ponto de partida promissor para se construir a tão desejada “integração”. Para que isso seja possível, Smend acredita ser necessária uma mudança conceitual de “Constituição”. Em franca oposição à tradição alemã positivista, Smend não conceituará a Constituição como um documento jurídico que se resume a separar os poderes do Estado, a demarcar competências e instituir órgãos104. Sua definição é mais abrangente, ou como apraz Smend, “dinâmica”: A Constituição é a ordenação jurídica do Estado, melhor dizendo: da dinâmica vital na qual se desenvolve a vida do Estado, quer dizer, de seu processo de integração. A finalidade desse processo é a perpétua recolocação da realidade total do Estado: e a Constituição é a modelagem legal ou normativa dos aspectos singulares desse processo105. Smend prossegue: Enquanto direito positivo, a Constituição é norma, mas também realidade; enquanto Constituição, é também realidade integradora, integração que se realiza historicamente (...). A natureza da Constituição – como realidade integradora permanente e contínua – enquanto pressuposto especialmente significativo da eficácia integradora de toda a comunidade jurídica, resulta evidente (...). Essa eficácia integradora não é fruto da Constituição, quando entendida como um “momento estático e permanente da vida do Estado”, mas sim da contínua criação e renovação da dinâmica constitucional.106 Nos excertos acima transcritos, podemos observar que Smend paga um preço quando tecer um nexo interno entre “Constituição” e “integração”: uma certa “oscilação” conceitual. Ao definir, concomitantemente, a Constituição como norma e realidade, Smend transita entre o “mundo do ser” (Sein) e o “mundo do dever-ser” Instituto de Estudios Políticos, marzo-abril de 1973, pp. 5-10, principalmente. Realizando o caminho inverso, o erudito Gilberto Bercovici se recusa a conceber a Teoria do Estado como uma disciplina meramente “histórica”, e advoga a sua atualidade: “a compreensão das relações entre política, direito e economia, buscando a supremacia da soberania popular e da democracia sobre o poder econômico privado é um bom motivo para entender possível, e necessária, hoje, uma Teoria do Estado”, Cf. BERCOVICI, Gilberto. “As possibilidades de uma Teoria do Estado”. In: LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto. ALBUQUERQUE, Paulo Antonio de Menezes (orgs.). Democracia, direito e política: estudos internacionais em homenagem a Friedrich Müller. Florianópolis: Fundação Boiteux; Conceito Editorial, 2006, p. 343. 104 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 129. 105 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 132. 106 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 136. 22 (Sollen) a todo instante, sem nenhum pudor. Uma atitude que pode tirar um positivista do sério107, mas que não é nenhum problema para o método geisteswissenschaftlich, que parte do suposto de que “toda realidade espiritual contém (...) uma estrutura inteligível e ideal, um princípio de formalização imanente e atemporal”108. Esse modo “oscilante” mediante o qual Smend definiu a Constituição levou a doutrina a desencontros de compreensão. É verdade que há um certo consenso no seio da doutrina constitucional em afirmar que Smend não só possui um conceito material de Constituição como é um dos idealizadores dessa noção109. Contudo, há vozes dissonantes. Um contemporâneo de Smend, o italiano Costantino Mortati – um dos grandes artífices e propagadores do conceito material de Constituição no Ocidente latino – não consegue vislumbrar uma “matéria” na descrição smendiana de Constituição: e o critica por isso. A seu juízo, Smend falha ao entender a Constituição como o “princípio dinâmico do devir do Estado” precisamente no momento em que não explica de que maneira essa integração é realizada e, tampouco, de que maneira a integração poderia ser um elemento específico da Constituição estatal 110. Essa vacilação faz com que a integração não seja nada “material”, mas sim “processual”, um “processo de fazer-se”, de contínuo recriar-se111. E quando se compara essa Constituição – que pretende continuamente atualizar os valores políticos – com o Estado, a impressão que assalta Mortati é a de que essas duas ordens, Estado/Constituição, permanecem – no discurso de Smend – como “justapostas, momentos distintos de realidade, expressões de 107 Nos termos da ácida crítica de Hans Kelsen, o esse “oscilar do pensamento” de Smend (por sua vez inspirado em Theodor Litt) nada mais é do que cair na mesma vala da tradicional Teoria Geral do Estado (allgemeine Staatslehre), uma vez que essa “recaída na teoria dualista” do Estado de Jellinek. Isso porque Smend “não tem uma sílaba a mais para dizer do que, anteriormente, já havia sido dito por Jellinek, quando este afirmava que o Estado tem um aspecto sociológico-real e um jurídico-ideal, ficando assim, porém, devedor de uma resposta à pergunta sobre como esses dois aspectos, que, em princípio, representam contradições conceituais, podem ser conceitualmente ligados”. KELSEN, Hans. O Estado como integração: um confronto de princípios, p. 22. 108 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 131. 109 No Brasil, Cf., por todos, BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, pp. 147 e 154. Na Alemanha, um autor como Otto Bachof, quando vai definir o conceito de Constituição em sentido material, simplesmente abre aspas e transcreve Smend: BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? (1951), p. 39. Nesse sentido, também: JOUANJAN, Olivier. “Présentation”. In: JOUANJAN, Olivier (org.). Figures de l’État de droit: Le Rechtsstaat dans l’histoire intellectuelle et constitutionnelle de l’Allemagne. Strasbourg: Presses Universitaires de Strasbourg, 2001, p. 49. 110 MORTATI, Costantino. La Costituzione in senso materiale (1940). Milano: Giuffrè, 1998, p. 39. 111 Possivelmente Smend rebateria esse argumento de Mortati afirmando que forma e conteúdo nada mais são que “momentos de um fenômeno único”. SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 95. 23 dois mundos, aquele do ser e do dever-ser, entre eles não comunicantes e por isso incapazes de exprimir aquela plenitude da vida que deveria resultar de sua síntese”112. Destarte, na crítica de Mortati, Smend aparece como portador de um conceito de Constituição que a teoria do direito contemporânea adjetiva de “procedimental”, e que tem em Jürgen Habermas seu grande representante. Mas será adequado compreender Smend uma espécie de Habermas avant la lettre? De maneira alguma. Isso porque, segundo a pena do próprio Habermas, a teoria do discurso “concebe os direitos fundamentais e princípios do Estado de direito como uma resposta consequente à pergunta sobre como institucionalizar as exigentes condições de comunicação do procedimento democrático”113. Por seu turno, em Smend os direitos fundamentais cumprem a função de doar materialidade à Constituição114, pois são havidos como “um sistema de valores concretos, que resumiria o sentido da vida estatal na Constituição” 115. É precisamente esse o fio condutor que, a um só tempo, justifica que a doutrina veja em Smend um conceito material de Constituição e mostra o erro de Mortati em descrever um Smend “procedimental”: na construção smendiana, direitos fundamentais consistem no “conteúdo material de caráter integrador das Constituições”116. Por mais que a busca por uma integração tenha sido explicitada desde 1923 (conquanto insinuada em 1919), foi só com Verfassung und Verfassungsrecht, de 1928, que Smend confeccionou o nexo interno entre os direitos fundamentais e essa função “material integradora”. A data é relevante; é a época em que a República de Weimar começa a anunciar seu crepúsculo. Um período final – que tem como fecho o fatídico 24 de março de 1933, ocasião em que o Parlamento (Reichstag) alemão aprovou a “Lei para a cura do infortúnio do Povo e do Reich” (Gesetz zur Behebung der Not von Volk und Reich), que concedera plenos poderes a Hitler117 – que é marcado por um profundo radicalismo do debate político. É um tempo em que agremiações políticas, como o 112 MORTATI, Costantino. La Costituzione in senso materiale (1940), p. 40-41. HABERMAS, Jürgen. “Três modelos normativos de democracia”. In: A inclusão do outro: estudos de teoria política. Trad. George Spenber e Paulo Soethe. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 280. 114 O que é bem diferente de enxergar nos direitos fundamentais a função de institucionalização dos pressupostos da comunicação social, como faz Habermas apoiado em Niklas Luhmann – por mais que Habermas e muito menos os habermasianos nunca estejam em condições psicológicas de assumir essa influência. As primeiras consideração teóricas desse “giro procedimental” foram lançadas em: LUHMANN, Niklas. I diritti fondamentali come istituzione. Ed. Gianluigi Palombella e Luigi Pannarale. Bari: Dedalo, 2002. 115 BERCOVICI, Gilberto. Constituição e estado de exceção permanente: atualidade de Weimar, p. 37. 116 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 225. 117 STOLLEIS, Michael. A History of Public Law in Germany 1914-1945, p. 332. 113 24 Partido Nacional-Socialista, começam a exercer funções paramilitares118, beneficiandose da profunda anomia política causada, em grande parte, pelos partidos políticos com assento no Reichstag que, em sua imaturidade, eram incapazes de qualquer acordo, porquanto agiam como verdadeiras “comunidades de crença”119. Foi nessa época que finalmente Smend cessa os seus ataques àquela República de Weimar que ele tanto combateu, e passa a ver nos direitos fundamentais um expediente apto a gerar a integração por meio da Constituição. E mais. Smend se sentiu tão confortável na sua novel posição de “defensor republicano” que proferiu palestra, em 18 de janeiro de 1933, na qual explicitamente criticou o decisionismo jurídico de Carl Schmitt. Na mesma oportunidade, sustentou a manutenção da Constituição de Weimar e, especialmente, de sua 2ª Parte, que elencava aqueles direitos fundamentais que agiam como “laço de união” entre o cidadão e o Estado120, e que, assim, salvaguardavam “o conteúdo essencial da Constituição, qual seja, o de formar um povo”121. A pergunta que advém não é outra: essa defesa quase que póstuma da República de Weimar, que levou Smend, inclusive, a se contrapor a Carl Schmitt, é capaz de fazer com que a sua noção de direitos fundamentais possa ser tida como “democrática”? 6. Direitos fundamentais em Smend: contra ou com Carl Schmitt? Em conferência realizada na Universidade Friedrich-Wilhelm de Berlin, em 18 de janeiro de 1933, Smend deixou claro qual seria a “missão histórica” da sua concepção de direitos fundamentais enquanto ordem concreta de valores. O título da palestra em muito auxilia na sua interpretação: “cidadão e burguês no direito público alemão” (Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht)122. 118 MARABINI, Jean. Berlim no tempo de Hitler. Trad. Marina Appenzeller. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, pp. 17-19. 119 SCHLINK, Bernhard. JACOBSON, Arthur J. “Introduction – Constitutional Crisis: The German and the American Experience”. In: SCHLINK, Bernhard. JACOBSON, Arthur J. (orgs.). Weimar: a Jurisprudence of Crisis. Berkeley: University of California Press, 2002, p. 12. 120 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional, p. 258. 121 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional, p. 266. 122 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional. Ed. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, pp. 249-268. 25 A data era muito significativa para os alemães, porquanto consistia no aniversário de fundação do Reich de Bismarck, o que aconteceu em 1871. Reich que finalmente conseguiu forjar a tão almejada unidade para os alemães. Às vésperas do coup nazista, Smend denunciava a falta de honestidade intelectual de uma parcela da intelectualidade alemã que, comprometida com os movimentos de extrema-direita, interpretavam o presente alemão como uma vítima do Reich de Bismarck. Para esses pensadores, 1871 teria sido “o momento histórico no qual a burguesia alemã e o Estado alemão se confundem definitivamente”123. Isso teria inaugurado uma mentalidade burguesa que consistiu “no ponto de onde partem a industrialização e o materialismo, a esterilidade espiritual e moral, a mecanização e massificação”124. Ou seja: o princípio do fim. E Smend não tem dúvidas em apontar Carl Schmitt – que em poucos meses ocuparia a posição de Kronjurist do III Reich, este fundado sob os cuidados de Adolf Hitler125 – como o grande representante deste posicionamento no âmbito da doutrina constitucional da República de Weimar: O ponto culminante desta interpretação é, coerentemente, uma das teorias mais discutidas atualmente [1933] no âmbito do Direito Público e da política: a teoria da Constituição de Carl Schmitt, na qual, a partir da história constitucional do século XIX, os direitos fundamentais e a divisão de poderes são concebidos como a Carta Magna do individualismo burguês e apolítico, como parte apolítica 123 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional, p. 250 124 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional, p. 250. Jeffrey Herf cunhou o conceito “modernismo reacionário” para descrever essa postura ambígua desses teóricos alemães, mencionada nas lamentações de Smend, frente à modernidade: os modernistas reacionários entendiam os problemas alemães como uma decorrência necessária de um excesso de intelectualismo ocidental e burguês. À procura de uma “barbárie revigorante”, os modernistas reacionários atacavam as conseqüências da modernidade, usualmente descrita como Zivilization, ao associá-la ao Ocidente, à racionalidade fria da técnica, ao artificial, ao comércio, aos judeus, à democracia parlamentar, à Inglaterra e França, ao individualismo, aos limites ao poder. Essa Zivilization supostamente afeminada e frágil deveria ser substituída pela Kultur germânica, um conceito mediante o qual se descreve o instinto, o orgânico, a alma, a guerra, a virilidade, o primado da política, as qualidades de uma comunidade eticamente coesa que pode exigir o sacrifício da vida. A “decadência do Ocidente” devia ser combatida, então, com um ataque à racionalidade ocidental, que deveria ser negada. HERF, Jeffrey. O modernismo reacionário: tecnologia, cultura e política na República de Weimar e no 3º Reich. Trad. Cláudio Ramos. Campinas: Unicamp; Editora Ensaio, 1993, pp. 24, 26, 27, 34, 49-50, 65. SPENGLER, Oswald. La decadencia de Occidente: bosquejo de una morfologia de la historia universal. Trad. Manuel Morente. Vol. IV. Madrid: Espasa-Calpe, 1937, pp. 349-350. Cf., também, SPENGLER, Oswald. El hombre y la técnica: contribuición a una filosofía de la vida. 2ª ed. Trad. Manuel Morente. Madrid: Espasa-Calpe, 1934, pp. 13, 20, 28. 125 Para um perfil biográfico de Schmitt nesse período, Cf. BENDERSKY, Joseph. “The Expendable Kronjurist: Carl Schmitt and National Socialism, 1933-1936”. In: Journal of Contemporary History. Vol. 14. London: Sage, 1979. 26 das Constituições e como a própria essência do Estado de Direito – dito mais radicalmente como Estado “burguês” de Direito.126 Rudolf Smend estava bem correto quanto a Carl Schmitt; de fato, ele foi um dos principais mandarins do “modernismo reacionário”127. Embora já mencionadas incidentalmente em escritos do tempo Weimar128, as teses de Schmitt em relação ao II Reich foram explanadas de forma mais incisiva em uma publicação de 1934: Staatsgefüge und Zusammenbruch des Zweiten Reiches: der Sieg des Bürgers über den Soldaten (“Estrutura estatal e colapso do Segundo Reich: a vitória do cidadão sobre o soldado”). Nesse estudo, Schmitt aduz que o Reich de Bismarck não era uma forma política determinada, mas sim intermediária, que evitou tomar uma decisão entre monarquia e parlamentarismo. Essa forma política aparentemente mista revela, contudo, uma derrota do “princípio monárquico”, pois o conflito que realmente existia aí era travado entre “Estado-soldado prussiano” e “Estado constitucional burguês”, sendo este último o grande vencedor intelectual (e por isso político, também) desse embate129. Essa apropriação da história por parte de Schmitt, que desconsidera que a Alemanha durante o século XIX – e o Reich de Bismarck não é exceção – foi um regime semi-absolutista130, tinha um objetivo certo, como Smend muito bem percebeu: Schmitt entendia o passado e o presente constitucional alemão como um Estado de Direito “burguês”, com um intuito “polêmico”, para assim advogar a passagem para um 126 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional, p. 254. 127 A caracterização de Schmitt como modernista reacionário é possível não só pela utilização das mesmas categorias de autores como um Spengler e Ernest Jünger, mas sim pela semelhança de objetivo. A esse respeito, cumpre afirmar que já em 1914 Schmitt fazia coro ao gênero de autores que não se conforma com o predomínio do “dinheiro e da técnica”, que aliás seria algo característico da época moderna, Cf. SCHMITT, Carl. La valeur de l’État et la signification de l’individu (1914). Edição de Sandrine Baume. Genève: Librarie Droz, 2003, p. 64. 128 Schmitt acreditava que a Alemanha do século XIX não se dirigia politicamente pelo “princípio monárquico”, uma vez que o regime político daquele tempo era notoriamente “pactuado”. O “centro de gravidade” da política não estava exclusivamente nas mãos do monarca, porquanto o parlamento tinha peso igual nessas formas políticas: Cf. SCHMITT, Carl. “Neutralité et neutralisations. À propôs de: Christoph Steding, Das Reich und die Krankheit der europäischen Kultur” (1939). In: SCHMITT, Carl. Du Politique: “légatité et légitimité” et autres essais. Puiseaux: Pardès, 1990, pp. 103-115. A tese não possui sustentação histórica. Para uma refutação dessa corrente historiográfica do direito constitucional Cf. JOUANJAN, Olivier. “Le contrôle incident des normes et les contradictions de l’État monarchique en Allemagne (1815-1860). In: JOUANJAN, Olivier (org.). Figures de l’État de droit: Le Rechtsstaat dans l’histoire intellectuelle et constitutionnelle de l’Allemagne. Strasbourg: Presses Universitaires de Strasbourg, 2001, pp. 268-287, principalmente. 129 BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. “The German Type of Constitutional Monarchy in the Nineteenth Century”. In: State, Society and Liberty: Studies in Political Theory and Constitutional Law. New York: Berg, 1991, p. 89. 130 BERGHAHN, Volker R. Imperial Germany, 1871-1914: Economy, Society, Culture and Politics. Oxford: Berghahn Books, 1994, p. 190. Com mais ênfase ainda, compreendendo o II Reich como um semi-absolutismo pseudoconstitucional: WEHLER, Hans-Ulrich. The German Empire 1871-1918. Trad. Kim Traynor. Leamington Spa: Berg Publishers, 1985, pp. 52-55. 27 Estado “total”131. A crítica de Schmitt ao Reich de Bismarck era a mesma tecida para a República de Weimar: uma fórmula de compromisso que dissolve a substância política devido à aposição de elementos “ocidentais”, “liberais”. No caso da Constituição de Weimar, seu defeito de nascença foi a sua filiação ao conceito burguês de Constituição, uma vez que nela predominava a separação dos poderes e os direitos individuais contidos na segunda parte da Constituição e que nada mais eram do que uma forma “de proteção da liberdade burguesa frente ao Estado”132. Até 1928, Smend compartilhava da mesma opinião quanto ao traço “liberalesco” da Constituição de Weimar133; mas a partir daquela data, munido de sua interpretação “integradora”, Smend não mais vai concordar com a descrição que Schmitt faz dos direitos fundamentais. No entender de Smend, os direitos fundamentais contidos na 2ª Parte da Constituição de Weimar não consistem em um “mosaico das mais variadas cores políticas”, uma indecisão entre burguesia ou socialismo, ou mesmo um “programa apolítico”134. A seu sentir, direitos fundamentais não podem ser compreendidos como “uma barreira ou reserva que separa o cidadão do Estado, mas sim um laço de união com ele”135. No marco da teoria da integração, direitos fundamentais formam um povo no mesmo instante em que dão forma a um determinado sistema cultural de uma nação. Smend aduz que isso pode ser facilmente vislumbrado nos artigos que compõem a 2ª Parte da Constituição. Eles começam com fórmulas do tipo “Todos os alemães...”, “Cada alemão...”136. É dessa forma que os direitos fundamentais: (...) expressam de forma unívoca os dois elementos que compõe o sentido do catálogo dos direitos fundamentais, o qual pretende regular, por uma parte, uma série material autônoma, quer dizer, um sistema de valores, de bens, um sistema cultural e, por outra parte, o regula enquanto sistema nacional, isto é, o sistema de todos os alemães, o qual afirma o caráter nacional de valores mais gerais (...). Nesses dois sentidos, o de fundamentação de um sistema cultural e no de 131 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional, p. 255. 132 SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución (1928), p. 62, de forma clara e concisa. 133 Cf., por todos: SMEND, Rudolf. “La transformación del orden constitucional liberal por el sistema proporcional” (1919). In: Constitución y Derecho Constitucional. Trad. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, várias vezes citado, acima. 134 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constituciona, p. 259. 135 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional, p. 258. 136 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 230. 28 integração popular, reside a orientação positiva dos direitos fundamentais (...).137 Dessa maneira, a integração material, aquela que busca produzir uma base institucional que, ao valorizar os objetivos comuns do Estado, une o indivíduo à comunidade na qual ele se situa, consegue ser realizada. Aquilo que os rituais e o simbolismo monárquico faziam no passado pré-republicano tem seu equivalente nos direitos fundamentais trazidos na 2ª Parte da Constituição de Weimar. Daí Smend não concordar com os primeiros escritos de Schmitt que concebiam os direitos fundamentais como meros elementos burgueses que propiciariam o atomismo liberal que assolava a República de Weimar. Pelo contrário. A diferença entre Smend e Schmitt pode ser demarcada de modo mais eficiente quando nos atemos a um mote mais concreto: o direito fundamental à liberdade de expressão é o exemplo aqui escolhido. No entender de Carl Schmitt, a liberdade de expressão não passa de um requisito para que a burguesia possa confrontar livremente opiniões, o que se pauta na crença liberal de que a verdade emerge entre a melhor das vontades confrontadas 138. Smend tem outra interpretação. Diz ele que “essa liberdade, enquanto direito fundamental, não constitui uma forma de emancipação burguesa com relação ao Estado; ao contrário, trata da fundamentação cidadã do mesmo [Estado]”139. Citando – e se contrapondo a – Staatsethik und pluralistischer Staat140, de Carl Schmitt, Smend aduz que direitos fundamentais somente podem ser tidos como uma ordenação que permite a cada indivíduo perseguir o seu bem particular (sem se sentir obrigado com o todo social) caso se desconheça que, na verdade, os direitos fundamentais da Constituição “constituem” um cidadão moralmente ligado ao Estado141. Em síntese: os direitos fundamentais não são estruturas pré-estatais pertencentes ao indivíduo abstratamente considerado. Direitos fundamentais são transubjetivos, porquanto externos ao indivíduo, consistem em uma ordem concreta142. 137 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 230-231. 138 SCHMITT, Carl. The Crisis of Parliamentary Democracy (1926). Ed. Ellen Kenedy. Cambridge: MIT Press, 1994, p. 35. 139 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional, p. 259. 140 SCHMITT, Carl. “State Ethics and the Pluralist State” (1930). In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard. Weimar: a jurisprudence of crisis. Berkeley: University of California Press, 2002, pp. 300-312. 141 SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional, pp. 264-265. 29 E mais: somam esforços no sentido de evitar uma dissolução atomista da sociedade, pois só têm sentido no Estado. E aqui aparece o lado perverso da “integração”: uma vez que os direitos fundamentais encontram o seu fundamento de validade em uma ordem concreta de valores mediada pelo Estado, os direitos fundamentais só valem no Estado, não podendo consistir em um elemento que possa ser antagônico ao Estado. Assim, direitos fundamentais não se contrapõem ao Estado. O paradoxo é curioso. Na busca por superar a atitude “agnóstica” e “cética”143 dos positivistas representantes da Teoria Geral do Estado do século XIX, o “protestantismo prussiano” de Smend propõe uma “crença” nos direitos fundamentais. Todavia, “agnósticos” e “crentes” incidem no mesmo “pecado capital”: a estatolatria. Destarte, por incrível que pareça, não há nada de efetivamente novo na atitude de Smend de querer valorizar o “caráter político dos direitos fundamentais” e propor, para tanto, “uma interpretação distinta do seu conteúdo material e uma nova caracterização do sentido formal de sua validade”144. Há, aqui, a mesma postura da dogmática do direito público alemão de alçar o Estado à condição de centro e vértice da sociedade145. Como percebeu Michael Stolleis, esse anti-positivismo na verdade guarda traços anti-democráticos. Não é obra da “astúcia da Razão” o repentino interesse dos publicistas alemães pelo tópico direitos fundamentais. Em um primeiro momento (1919-1924) os juristas alemães com “um misto de criticismo e descaso” concebiam direitos fundamentais como “declarações políticas” desprovidas de conteúdo jurídico. Entretanto, quando as conseqüências da parlamentarização da Alemanha começaram a se fazer sentir, principalmente após 1924, “os direitos fundamentais providenciaram um meio de contenção de legisladores socialistas ou extremamente reformistas”. Foi assim que os direitos fundamentais se transformaram em um sistema de “valores legislados”146. 142 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, pp. 77 e 82. 143 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 235. 144 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 229. 145 LUHMANN, Niklas. I diritti fondamentali come istituzione, pp. 47-50. 146 STOLLEIS, Michael. “Judicial review, administrative review, and constitutional review in the Weimar Republic”. In: Ratio Juris. Vol. 16, nº 2. Oxford: Blackwell, junho de 2003, p. 273. 30 Com isso fica mais fácil de perceber porque os “direitos fundamentais” tiveram como grandes divulgadores, durante a República de Weimar, juristas reacionários. É o exemplo de Heinrich Triepel, Gerhard Leibholz, Hans-Carl Nipperdey, Erich Kauffman etc. É o caso de Smend, um autor que de maneira audaz propugnava uma submissão de tudo que é legislado à observância de uma ordem concreta de valores: “este ordenamento positivo é válido somente enquanto representa esse sistema de valores”147. A tese é audaz porque a formulação é inédita; entrementes, o efeito buscado não é inovador: a neutralização do potencial democrático que uma República tem. Aqui, nenhuma distância em relação ao decisionismo jurídico de Schmitt: metodologias diversas, conciliações reacionárias. 7. Conclusão Há uma atitude conservadora, notoriamente contraposta ao constitucionalismo moderno148, no conceito smendiano de “direitos fundamentais”. Tal como os expoentes do pensamento monárquico do século XIX e consoante aos publicistas da República de Weimar, Smend rejeita claramente a afirmação de que cidadãos têm direitos inatos. Na verdade, os direitos derivam de um meio comum, de um ethos, uma ordem concreta da qual o Estado é o grande porta-voz. Aceitar que os cidadãos sejam portadores de direitos levaria a uma dissolução da unidade do Estado, ao atomismo burguês: direitos existem no Estado. Por expressar os valores de um Estado-Nação, os direitos fundamentais teriam, também, antecedência em relação ao ordenamento jurídico positivo, pois este deve a sua validade à ordem concreta de valores que o antecede e o legitima. O legislador democrático é um perigo: a “ordem de valores” controla-o. Consoante a abalizada análise de Peter C. Caldwell149, afigura-se possível afirmar que Rudolf Smend, com sua teoria da integração, foi a principal referência intelectual no cenário alemão pós-guerra. Seu seminário na Universidade de Göttingen foi freqüentado por uma audiência composta de nomes como Peter Häberle, Horst 147 SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional, p. 232. 148 Cf. DIPPEL, Horst. “O surgimento do constitucionalismo moderno e as primeiras constituições latinoamericanas”. Trad. Paulo Sávio Peixoto Maia. In: Notícia do Direito Brasileiro. Nº 13 (nova série). Brasília: Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, 2006, p. 64: um dos componentes do constitucionalismo moderno é a noção de que os indivíduos têm direitos que lhes são inerentes. Esse elemento é esvaziado quando se concebe que os direitos seriam, na verdade, outorgados. 149 CALDWELL, Peter C. Popular sovereignty and the crisis of the German constitutional law: the theory and practice of Weimar constitutionalism, p. 142. 31 Ehmke e Konrad Hesse. Smend formou, portanto, a “doutrina dominante”, que pauta, como foi demonstrado na introdução, a autocompreensão do BVerfG de que sua tarefa é “concretizar” a ordem de valores que funda o ordenamento jurídico positivo, o que é feito com o auxílio metodológico do princípio da proporcionalidade150. Esse posicionamento, que conjuga o conceito smendiano de direitos fundamentais enquanto decorrência de um ethos, com a noção de que cabe aos tribunais constitucionais (monoliticamente) a decisão acerca de qual é a correta ordem dos valores, fez fortuna pela Europa Continental e América Latina – Brasil, inclusive 151. A esse posicionamento, a doutrina do Ocidente latino denomina neoconstitucionalismo. Esse rótulo, o neoconstitucionalismo, anuncia “novos tempos para o constitucionalismo”152. A novidade consistiria em uma refundação do “Estado de Direito”, o Rechtsstaat, que agora é “Estado Constitucional”, Verfassungsstaat. A mudança efetiva residiria no seguinte: com o neoconstitucionalismo, abandona-se a concepção, própria ao século XIX, de que um Estado só é politicamente limitado caso todo o direito que afeta a vida dos cidadãos seja oriundo exclusivamente do Poder Legislativo. O Verfassungsstaat teria a (pretensa) qualidade de não considerar a unidade do ordenamento jurídico como um dado natural – oriundo do Poder Legislativo – mas sim como uma tarefa a ser desenvolvida pela concretização dos valores que informam os princípios contidos na Constituição153. O Verfassungsstaat, portanto, consiste na superação de um positivismo jurídico cego aos valores que (supostamente) informam a ordem constitucional154. Só que, muito antes de ser a descoberta da “quadratura do círculo” o que essa “passagem para o Verfassungsstaat” denota, a rigor, é a atitude de alçar à posição de vértice da sociedade uma corte constitucional que, tal como escabinos medievais, vão dizer quais são os “valores” corretos a se seguir e quais os malditos155. Pelos motivos mais tortos possíveis, portanto, a doutrina da integração sofre uma mutação. Antes o seu problema era o de como construir uma significação em 150 NEUMAN, Gerald L. “The U.S. constitutional conception of the rule of law and the Rechtsstaatprinzip of the Grundgesetz”. In: Columbia Law School – Public Law & Legal Theory Working Paper Group. Paper nº 5. New York: University of Columbia, 15 de junho de 1999 (manuscrito), p. 22. 151 Cf. BARROSO, Luís Roberto. “Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito”. In: Revista de Direito Administrativo. Vol. 240. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2005, pp. 1-42. 152 CARBONELL, Miguel. “Nuevos tiempos para el constitucionalismo”. In: CARBONELL, Miguel (org.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Editorial Trotta, 2003, p. 9. 153 ZAGREBELSKY, Gustavo. Il diritto mitte: legge, diritti, giustizia. Torino: Einaudi, 1992, pp. 20-50. 154 ALEXY, Robert. Concetto e validità del diritto. Trad. Fabio Fiore. Torino: Einaudi, 1997, pp. 3-10. 155 MAUS, Ingeborg. “Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na ‘sociedade órfã’”. In: Novos Estudos. Trad. Martonio Mont’Alverne Lima e Paulo Albuquerque. N° 58. São Paulo: Cebrap, novembro de 2000, p. 192. 32 comum aos vários indivíduos que integram um Estado em situação de anomia; atualmente, a integração de Smend sobrevive para garantir um verniz teorético a “um suposto ordenamento de valores pré-estabelecido, reduzindo-a a uma degeneração do direito natural”156. É de se questionar, portanto, se vale a pena simplesmente transferir a posição do legislador decimonônico europeu para tribunais que se colocam como um super-ego da sociedade, para assim gerar paternalisticamente cidadania aos seus tutelados, olvidando, dessa forma, que a tutela paternalística elimina precisamente aquilo que ela promete preservar: a cidadania157. Com efeito, cumpre ressaltar que não estamos a afirmar que os direitos fundamentais no marco smendiano sejam ontologicamente anti-democráticos. Contudo, se prestam muito bem a um uso autoritário sim. Isso porque, a “dinamização” que Smend promove em seu conceito de Constituição – uma vez que a concebe como realidade e norma – acaba dissolvendo a normatividade constitucional. Porque a Constituição será aquilo que o “leitor da ordem concreta de valores” disser que é. A normatividade descamba em voluntarismo porque aquele que guarda os valores os tem como “disponíveis”158. Ao fim e ao cabo, o que a doutrina e a praxis judicial precisa perceber é que a força normativa da Constituição não depende de uma mística “vontade de Constituição” tal como propagada pelo jusnaturalismo voluntarista de Konrad Hesse. Ao contrário, a força de uma Constituição é tanto maior quanto mais a cidadania conseguir determinar a pauta daquilo que vai ser direito positivo, a programação decisória do Poder Legislativo. A Constituição é tanto mais vivenciada quanto mais a Administração Pública for lembrada, pela cidadania, de que a população é também co-autora das políticas públicas, e não meramente uma massa passiva, informe e sem voz. A Constituição é tão mais forte quanto mais o Poder Judiciário, como um todo, puder debater qual é a conformação de um direito fundamental, e não somente um tribunal superior da capital federal a milhas distante da produção da prova. A Constituição será tanto mais forte quanto mais os direitos fundamentais sejam havidos como conquistas históricas da cidadania e não uma mera outorga tribunalesca, a qual se chega após uma mítica ponderação de valores cuja prática jurisprudencial denuncia sua função precípua: ser uma capa teorética para um decisionismo irracional que neutraliza, assim, o 156 LUHMANN, Niklas. I diritti fondamentali come istituzione, p. 91. CARVALHO NETTO, Menelick de. “Apresentação”. In: ROSENFELD, Michel. A identidade do sujeito constitucional. Trad. Menelick de Carvalho Netto. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 11. 158 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade, p. 82. 157 33 potencial prospectivo e até contramajoritário que é inerente ao constitucionalismo moderno159, porquanto vive a serviço dos setores conservadores que não descansam em sua tarefa de neutralizar as conquistas da Constituição de 1988. 8. Bibliografia citada. ALEXY, Robert. “Direito constitucional e direito ordinário. Jurisdição constitucional e jurisdição especializada”. Trad. Luís Afonso Heck. Revista dos Tribunais. Ano 91, volume 799. São Paulo: Ed. RT, maio de 2002. ALEXY, Robert. “Direitos fundamentais, ponderação e racionalidade”. Trad. Luís Afonso Heck. Revista de Direito Privado. Ano 6, vol. 24. São Paulo: Ed. RT, outubrodezembro de 2005. ALEXY, Robert. Concetto e validità del diritto. Trad. Fabio Fiore. Torino: Einaudi, 1997. BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? (1951) Trad. José Manuel Cardoso da Costa. Coimbra: Ed. Almedina, 2008. BARBOSA, Leonardo A. de Andrade. “Notas sobre colisão de direitos fundamentais e argumentação jurídica: um diálogo entre Robert Alexy e Klaus Günther”. In: Novos Estudos Jurídicos. Vol. 13, Nº 2. Itajaí: Univali, julho-dezembro de 2008, pp. 23-37. BARROSO, Luís Roberto. “Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito”. In: Revista de Direito Administrativo. Vol. 240. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2005. BARTHÉLEMY, Joseph. “Les théories royalistes dans la doctrine allemande contemporaine: sur les rapports du Roi et des Chambres dans les Monarchies particulières de l’Empire”. In: Revue du Droit Public et de la Science Politique en France et a l’étranger. Tomo 22, 12º Ano. Paris: E. Brière, 1905. BENDERSKY, Joseph. “The Expendable Kronjurist: Carl Schmitt and National Socialism, 1933-1936”. In: Journal of Contemporary History. Vol. 14. London: Sage, 1979. BENVINDO, Juliano Zaiden. Towards a concept of limited rationality in constitutional adjudication: a critical response to balancing in German and Brazilian constitutional cultures. Heildelberg: Springer Verlag, 2009. BERCOVICI, Gilberto. “As possibilidades de uma Teoria do Estado”. In: LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto. ALBUQUERQUE, Paulo Antonio de Menezes (orgs.). Democracia, direito e política: estudos internacionais em homenagem a Friedrich Müller. Florianópolis: Fundação Boiteux; Conceito Editorial, 2006. 159 SAJÓ, András. Limiting Government: an Introduction to Constitutionalism. Budapeste: Central European University Press, 1999, p. 9. 34 BERCOVICI, Gilberto. Constituição e estado de exceção permanente: atualidade de Weimar. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2004. BERGHAHN, Volker R. Imperial Germany, 1871-1914: Economy, Society, Culture and Politics. Oxford: Berghahn Books, 1994. BISOGNI, Giovanni. Weimar e l’unità politica e giuridica dello Stato: saggio su Rudolf Smend, Hermann Heller, Carl Schmitt. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2005. BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. “The German Type of Constitutional Monarchy in the Nineteenth Century”. In: State, Society and Liberty: Studies in Political Theory and Constitutional Law. New York: Berg, 1991. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001. CALDWELL, Peter C. Popular sovereignty and the crisis of the German constitutional law: the theory and practice of Weimar constitutionalism. Durham: Duke University Press, 1997. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 2002. CARBONELL, Miguel. “Nuevos tiempos para el constitucionalismo”. In: CARBONELL, Miguel (org.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Editorial Trotta, 2003. CARRÉ DE MALBERG, Raymond. La Loi, expression de la volonté générale. Étude sur le concept de la loi dans la Constitution de 1875. Paris : Librarie du Recueil Sirey, 1931. CARVALHO NETTO, Menelick de. “A hermenêutica constitucional e os desafios postos aos direitos fundamentais”. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (org.). Jurisdição constitucional e os direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. CARVALHO NETTO, Menelick de. “Apresentação”. In: ROSENFELD, Michel. A identidade do sujeito constitucional. Trad. Menelick de Carvalho Netto. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. DE GIORGI, Raffaele. “Semântica da idéia de direito subjetivo”. In: Direito, democracia e risco: vínculos com o futuro. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1998. DIPPEL, Horst. “O surgimento do constitucionalismo moderno e as primeiras constituições latino-americanas”. Trad. Paulo Sávio Peixoto Maia. In: Notícia do Direito Brasileiro. Nº 13 (nova série). Brasília: Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, 2006, pp. 59-76. DYZENHAUS, David. Legality and Legitimacy: Carl Schmitt, Hans Kelsen and Hermann Heller in Weimar. Oxford: Oxford University Press, 1999. 35 FARR, James. “Conceptual change and constitutional innovation”. In: BALL, Terence; POCOCK, John G. A. (orgs.). Conceptual change and the Constitution. Lawrence: University Press of Kansas, 1988. FROSINI, Tommaso Edoardo. “Costituzione e sovranità nella dottrina della Germania di Weimar”. In: Il Politico: Rivista Italiana di Scienze Politiche. Ano LXI, nº 1. Pavia: Università degli Studi di Pavia, janeiro-março de 1996. GOZZI, Gustavo. “La crisi della dottrina dello Stato nell’età di Weimar”. In: GOZZI, Gustavo. SCHIERA, Pierangelo (orgs.). Crise istituzionale e Teoria dello Stato in Germania dopo la Prima Guerra mondiale. Bologna: il Mulino, 1987. GRAIG, Gordon A. Germany: 1866-1945. Oxford: Oxford University Press, 1978. GRIMM, Dieter. “Integration by Constitution”. In: International Journal of Constitutional Law. Volume 3, Números 2 & 3. Oxford, New York: Oxford Jounals; New York University School of Law, 2005. GUSY, Christoph. “Le principe du Rechtsstaat dans la République de Weimar: crise de l’État de droit et crise de la science du droit public”. In: JOUANJAN, Olivier (org.). Figures de l’État de droit: Le Rechtsstaat dans l’histoire intellectuelle et constitutionnelle de l’Allemagne. Strasbourg: Presses Universitaires de Strasbourg, 2001. HABERMAS, Jürgen. “Três modelos normativos de democracia”. In: A inclusão do outro: estudos de teoria política. Trad. George Spenber e Paulo Soethe. São Paulo: Edições Loyola, 2002. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. HEGEL, Georg Friedrich Wilhelm. Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio III: a filosofia do Espírito (1830). Trad. Paulo Meneses. São Paulo: Edições Loyola, 1995. HERF, Jeffrey. O modernismo reacionário: tecnologia, cultura e política na República de Weimar e no 3º Reich. Trad. Cláudio Ramos. Campinas: Unicamp; Editora Ensaio, 1993. HERRERA, Carlos-Miguel. Le droit, le politique: autour de Max Weber, Hans Kelsen, Carl Schmitt. Paris: L’Harmattan, 1995. HOBBES, Thomas. Do Cidadão. Edição de Renato Janine Ribeiro. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Trad. João Paulo Monteiro e Maria Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1974. HUMMEL, Jacky. Le constitutionnalisme allemand (1815-1918): le modèle allemand de la monarchie limitée. Paris: Presses Universitaires de France, 2002. 36 JELLINEK, Georg. Teoría General del Estado. Trad. Fernando de los Rios. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 2004. JOUANJAN, Olivier. “Le contrôle incident des normes et les contradictions de l’État monarchique en Allemagne (1815-1860). In: JOUANJAN, Olivier (org.). Figures de l’État de droit: Le Rechtsstaat dans l’histoire intellectuelle et constitutionnelle de l’Allemagne. Strasbourg: Presses Universitaires de Strasbourg, 2001. JOUANJAN, Olivier. “Présentation”. In: JOUANJAN, Olivier (org.). Figures de l’État de droit: Le Rechtsstaat dans l’histoire intellectuelle et constitutionnelle de l’Allemagne. Strasbourg: Presses Universitaires de Strasbourg, 2001. KELSEN, Hans. “A jurisdição constitucional” (1928). In: Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003. KELSEN, Hans. “La garantie jurisdictionelle de la Constitution (La justice constitutionelle)”. In: Revue de Droit Public et de la Science Politique en France et a l’Étranger. Tomo 35, Ano 35. Paris: E. Brière, 1928. KELSEN, Hans. Il concetto sociologico e il concetto giuridico dello Stato: studio critico sul rapporto tra Stato e diritto (1922). Ed. Agostino Carrino. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 1997. KELSEN, Hans. O Estado como integração: um confronto de princípios. Trad. Plínio Toledo. São Paulo: Martins Fontes, 2003. KÉRVEGAN, Jean-François (org.). Crise et pensée de la crise en droit: Weimar, sa république et ses juristes. Paris: ENS Éditions, 2002. KOMMERS, Donald P. The Constitutional Jurisprudence of the Federal Republic of Germany. 2ª ed. Durham: Duke University Press, 1997. KORIOTH, Stefan. “Rudolf Smend: introduction”. In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard (orgs.). Weimar: a jurisprudence of crisis. Berkeley: University of California Press, 2002. KOSELLECK, Reinhart. La Prussia tra riforma e rivoluzione (1791-1848). Trad. Marco Cupellaro. Bolonha: il Mulino, 1988. LANCHESTER, Fulco. Alle origini di Weimar: il dibattito costituzionalistico tedesco tra il 1900 e il 1918. Milano: Giuffrè, 1985. LANCHESTER, Fulco. Le Costituzione tedesche da Francoforte a Bonn: introduzione e testi. Milano: Giuffrè, 2002. LOUREIRO, Isabel. A Revolução Alemã (1918-1923). São Paulo: Unesp, 2005. LUHMANN, Niklas. “La Costituzione come acquisizione evolutiva”. In: ZAGREBELSKY, Gustavo. PORTINARO, Pier Paolo. LUTHER, Jörg (orgs.). Il Futuro della Constituzione. Torino: Einaudi, 1996. 37 LUHMANN, Niklas. I diritti fondamentali come istituzione. Ed. Gianluigi Palombella e Luigi Pannarale. Bari: Dedalo, 2002. LUHMANN, Niklas. Teoría Política en el Estado de Bienestar. Ed. Fernando Vallespín. Madrid: Alianza Editorial, 1997. LUTHER, Jörg. “Rudolf Smend: genesi e sviluppo della dottrina dell’integrazione”. In: GOZZI, Gustavo. SCHIERA, Pierangelo (orgs.). Crise istituzionale e Teoria dello Stato in Germania dopo la Prima Guerra mondiale. Bologna: il Mulino, 1987. MANGIAMELI, Agata C. Amato. “Lo Stato tra diritto e política. A partire dall’integrazione di Rudolf Smend”. In: Rivista internazionale di filosofia del diritto. IV Série, Volume LXVI, Número 2. Milano: Giuffrè, abril-junho de 1989. MARABINI, Jean. Berlim no tempo de Hitler. Trad. Marina Appenzeller. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. MAUS, Ingeborg. “Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na ‘sociedade órfã’”. In: Novos Estudos. Trad. Martonio Mont’Alverne Lima e Paulo Albuquerque. N° 58. São Paulo: Cebrap, novembro de 2000. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004. MORTATI, Costantino. La Costituzione in senso materiale (1940). Milano: Giuffrè, 1998. MOUFFE, Chantal. “Pensando a democracia moderna com, e contra, Carl Schmitt”. Trad. Menelick de Carvalho Netto. In: Cadernos da Escola do Legislativo. Ano 1, Vol. 2. Belo Horizonte: Assembléia Legislativa, julho-dezembro de 1994. NEUMAN, Gerald L. “The U.S. constitutional conception of the rule of law and the Rechtsstaatprinzip of the Grundgesetz”. In: Columbia Law School – Public Law & Legal Theory Working Paper Group. Paper nº 5. New York: University of Columbia, 15 de junho de 1999 (manuscrito). PINTO, Cristiano Paixão Araujo. “Arqueologia de uma distinção: o público e o privado na experiência histórica do direito”. In: PEREIRA, Cláudia Fernanda Oliveira (org.). In: O novo direito administrativo brasileiro: o Estado, as agências e o terceiro setor. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2003. ROSENFELD, Michel. A identidade do sujeito constitucional. Trad. Menelick de Carvalho Netto. Belo Horizonte: Editora Mandamentos, 2003. SAJÓ, András. Limiting Government: an Introduction to Constitutionalism. Budapeste: Central European University Press, 1999. SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. SCHLINK, Bernhard. JACOBSON, Arthur J. “Introduction – Constitutional Crisis: The German and the American Experience”. In: SCHLINK, Bernhard. JACOBSON, Arthur 38 J. (orgs.). Weimar: a Jurisprudence of Crisis. Berkeley: University of California Press, 2002. SCHMITT, Carl. “Neutralité et neutralisations. À propôs de: Christoph Steding, Das Reich und die Krankheit der europäischen Kultur” (1939). In: SCHMITT, Carl. Du Politique: “légatité et légitimité” et autres essais. Puiseaux: Pardès, 1990. SCHMITT, Carl. “State Ethics and the Pluralist State” (1930). In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard. Weimar: a jurisprudence of crisis. Berkeley: University of California Press, 2002. SCHMITT, Carl. “The Liberal Rule of Law” [Der bürgerliche Rechtsstaat] (1928). In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard (orgs.). Weimar: a jurisprudence of crisis. Berkeley: University of California Press, 2002. SCHMITT, Carl. “The status quo and the Peace” (1925) In: JACOBSON, Arthur. SCHLINK, Bernhard (orgs.). Weimar: a jurisprudence of crisis. Berkeley: University of California Press, 2002. SCHMITT, Carl. La valeur de l’État et la signification de l’individu (1914). Edição de Sandrine Baume. Genève: Librarie Droz, 2003. SCHMITT, Carl. Romanticismo politico (1924, 2ª ed.). Ed. Carlo Galli. Milano: Giuffrè, 1981. SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Trad. Francisco Ayala. Madrid: Alianza Editorial, 2001. SCHMITT, Carl. The Crisis of Parliamentary Democracy (1926). Ed. Ellen Kenedy. Cambridge: MIT Press, 1994. SCHÖNBERGER, Christoph. “État de droit et État conservateur: Friedrich Julius Stahl”. In: JOUANJAN, Olivier (org.). Figures de l’État de droit: Le Rechtsstaat dans l’histoire intellectuelle et constitutionnelle de l’Allemagne. Strasbourg: Presses Universitaires de Strasbourg, 2001. SCHWABE, Jürgen (org.). Cincuenta años de jurisprudencia del tribunal constitucional federal alemán. Trad. Marcela Gil. Bogotá: Ediciones Jurídicas Gustavo Ibañez; Sankt Augustin bei Bonn: Konrad Adenauer Stiftung, 2003. SMEND, Rudolf. “Ciudadano e burgués en el derecho político alemán” [Bürger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht] (1933). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional. Ed. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985. SMEND, Rudolf. “Constitución y Derecho Constitucional” (1928). In: Constitución y Derecho Constitucional. Trad. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985. SMEND, Rudolf. “Criterios del derecho electoral en la teoría alemana del Estado del siglo XIX” (1911). In: SMEND, Rudolf. Constitución y Derecho Constitucional. Ed. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985. 39 SMEND, Rudolf. “Dottrina dell’integrazione” (1956). In: SMEND, Rudolf. Costituzione e diritto costituzionale. Trad. F. Fiore e J. Luther. Milano: Giuffrè, 1988. SMEND, Rudolf. “Integrazione” (1959). In: SMEND, Rudolf. Costituzione e diritto costituzionale. Trad. F. Fiore e J. Luther. Milano: Giuffrè, 1988. SMEND, Rudolf. “La transformación del orden constitucional liberal por el sistema proporcional” (1919). In: Constitución y Derecho Constitucional. Trad. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985. SPENGLER, Oswald. El hombre y la técnica: contribuición a una filosofía de la vida. 2ª ed. Trad. Manuel Morente. Madrid: Espasa-Calpe, 1934. SPENGLER, Oswald. La decadencia de Occidente: bosquejo de una morfologia de la historia universal. Trad. Manuel Morente. Vol. IV. Madrid: Espasa-Calpe, 1937. STOLLEIS, Michael. “Judicial review, administrative review, and constitutional review in the Weimar Republic”. In: Ratio Juris. Vol. 16, nº 2. Oxford: Blackwell, junho de 2003. STOLLEIS, Michael. “Que signifiait la querelle autour de l’État de droit sous le Troisième Reich”. In: JOUANJAN, Olivier (org.). Figures de l’État de droit: Le Rechtsstaat dans l’histoire intellectuelle et constitutionnelle de l’Allemagne. Strasbourg: Presses Universitaires de Strasbourg, 2001. STOLLEIS, Michael. A History of Public Law in Germany 1914-1945. Trad. Thomas Dunlap. Oxford: Oxford University Press, 2004. VERDÚ, Pablo Lucas. “Lugar de la Teoría de la Constitución en el marco del derecho político”. In: Revista de Estudios Politicos. Nº 188. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, marzo-abril de 1973. WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Trad. Regis Barbosa e Karen Barbosa. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2000. WEHLER, Hans-Ulrich. The German Empire 1871-1918. Trad. Kim Traynor. Leamington Spa: Berg Publishers, 1985. ZAGREBELSKY, Gustavo. “Introduzione”. In: SMEND, Rudolf. Costituzione e diritto costituzionale. Trad. F. Fiore e J. Luther. Milano: Giuffrè, 1988. ZAGREBELSKY, Gustavo. Il diritto mitte: legge, diritti, giustizia. Torino: Einaudi, 1992.