Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP
Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em
Direito Constitucional
Sidraque David Monteiro Anacleto
O Federalismo Brasileiro e a Jurisdição
Constitucional
Brasília – DF
2008
Sidraque David Monteiro Anacleto
O Federalismo Brasileiro e a Jurisdição
Constitucional
Monografia apresentada como requisito
parcial à obtenção do título de Especialista
em Direito Constitucional, no Curso de PósGraduação Lato Sensu do Instituto
Brasiliense de Direito Público – IDP.
Orientador: Prof. Paulo Gustavo
Gonet Branco
Brasília
2008
Sidraque David Monteiro Anacleto
TÍTULO: O Federalismo Brasileiro e a Jurisdição
Constitucional
Monografia apresentada como requisito
parcial à obtenção do título de Especialista
em Direito Constitucional, no Curso de PósGraduação Lato Sensu do Instituto
Brasiliense de Direito Público – IDP.
Orientador: Prof. Paulo Gustavo
Gonet Branco
Aprovado pelos membros da banca examinadora em ____/____/____, com
menção_____ (__________________________________________).
Banca Examinadora:
______________________________
Presidente: Prof. Dr.
Instituição a que pertence
______________________________ ______________________________
Integrante: Prof. Dr.
Instituição a que pertence
pertence
Integrante: Prof. Dr.
Instituição a que
Dedico o presente trabalho à
minha esposa Cris, minhas filha Débora,
Júlia e Natalia, minha irmã Vânia e aos
meus amigos de IDP Cristiane, Noemy e
Augusto....
Agradeço a Vânia e Edivagner
pelo insubstituível auxílio na discussão do
tema e pela revisão do trabalho. Minha
sincera gratidão.
“A União tornou-se absolutista na
sua ambição de poder, e para servir ao
autoritarismo do Governo Central a
Constituição cancelou a autonomia do
Estado-Membro” – Raul Machado Horta.
“The Power to tax is the Power to
destroy” – Marshall
“O princípio federativo é uma das
vigas mestras sobre as quais se eleva o
travejamento constitucional. É mesmo tão
encarecido e enfatizado pela lei maior, a
ponto de ser subtraído da possibilidade de
ser alterado até mesmo por via de
emenda constitucional. No entanto, a
realidade não confirma a significação
dada à federação. É muito provável que
nenhum princípio tenha sido tão
fortemente
degradado
quanto
o
federativo”. Celso Bastos
RESUMO
O Federalismo é uma forma de partilhar o poder do Estado dentre vários
entes num determinado território. Possui um forte componente democrático. Surgiu
na experiência histórica das antigas Colônias Inglesas da América do Norte e foi
adotado na primeira Constituição Brasileira da República de 1889. O Federalismo
como forma de Estado deve ser entendido como um processo, em razão de seu
constante aperfeiçoamento. Constitui cláusula pétrea na Carta Política atual. O
Constituinte de segundo grau alterou vários dispositivos do texto constitucional de
1988 que afetaram o modelo de federalismo definido pelo Constituinte originário,
aumentando o poder da União, reduzindo a autonomia dos Estados e Municípios. O
Supremo Tribunal Federal que tem a competência para examinar as emendas
constitucionais e decidir se maculam ou não o núcleo essencial do federalismo. A
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal aponta para uma centralização cada
vez maior de poder em torno da União Federal em face dos demais entes federais.
Palavras-chave: Federalismo, democracia, jurisdição constitucional.
Sumário
TÍTULO: O FEDERALISMO BRASILEIRO E A JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL..................................................................................................... 3
RESUMO ........................................................................................................ 7
INTRODUÇÃO.............................................................................................. 17
PRIMEIRA PARTE ....................................................................................... 18
O FEDERALISMO, ONTEM E HOJE, COMO INSTRUMENTO DE
GARANTIA DA DEMOCRACIA ................................................................................ 18
CAPÍTULO 1................................................................................................. 19
ESTADO, FORMAS DE ESTADO, PODER, GOVERNO, ESTADO
DEMOCRÁTICO E DEMOCRACIA – NOÇÕES ELEMENTARES........................... 19
1.1 ESTADO ................................................................................................. 19
1.2 FORMAS DE ESTADO .......................................................................... 19
1.3 PODER ................................................................................................... 20
1.4 GOVERNO.............................................................................................. 21
1.5 FEDERALISMO ...................................................................................... 21
1.6 ESTADO DEMOCRÁTICO E DEMOCRACIA........................................ 23
CAPÍTULO 2................................................................................................. 26
O FEDERALISMO ........................................................................................ 26
2.1 O FEDERALISMO HISTÓRICO ............................................................. 27
2.2 MODELOS DE FEDERALISMO............................................................. 28
2.3 A CRISE DO FEDERALISMO ................................................................ 29
CAPÍTULO 3................................................................................................. 31
O FEDERALISMO BRASILEIRO ................................................................. 31
3.1 O FEDERALISMO NO BRASIL ............................................................. 33
3.2 DIAGNÓSTICO DOUTRINÁRIO DO FEDERALISMO BRASILEIRO
PRÉ-CONSTITUINTE DE 1988................................................................................. 37
3.3 EXPECTATIVAS DOUTRINÁRIAS PRÉ-CONSTITUINTE DE 1988..... 39
CAPÍTULO 4................................................................................................. 43
O ESTADO FEDERAL BRASILEIRO ATUAL ............................................. 43
4.1 UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS
................................................................................................................................... 43
4.2 COMPETÊNCIA ..................................................................................... 44
4.3 RECEITAS .............................................................................................. 46
4.4 DESPESAS ............................................................................................ 47
CAPÍTULO 5................................................................................................. 49
PODER CONSTITUINTE.............................................................................. 49
5.1 CONCEITO, ESPÉCIES E NATUREZA ................................................. 49
5.2 LIMITAÇÕES DE CONTEÚDO OU MATERIAIS ................................... 51
5.3 CLÁUSULA PÉTREA EM ESPÉCIE – FORMA FEDERATIVA DO
ESTADO .................................................................................................................... 52
5.4 MÍNIMO FEDERATIVO E CLÁUSULA PÉTREA................................... 53
5.5 MODIFICAÇÕES CONSTITUCIONAIS.................................................. 56
5.6 EMENDAS CONSTITUCIONAIS QUE ENVOLVEM O FEDERALISMO
................................................................................................................................... 57
SEGUNDA PARTE ....................................................................................... 61
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E O FEDERALISMO ............................ 61
CAPÍTULO 6................................................................................................. 62
A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ........................................................... 62
6.1 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL..................................................... 63
6.2 A CRIAÇÃO DO DIREITO PELA CORTE CONSTITUCIONAL ............ 63
CAPÍTULO 7................................................................................................. 68
TEMAS FEDERALISTAS E JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ................. 68
7.1 A AUTONOMIA DO ENTE FEDERATIVO ............................................. 68
7.1.1 .............................................. AUTONOMIA FINANCEIRA E TRIBUTÁRIA
68
7.1.2.1 DESCARACTERIZAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS – EC
20/98, QUE PERMITIRAM A UNIÃO MUDAR A DESTINAÇÃO DOS RECURSOS
DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS – ART. 167, XI ................................................... 72
7.1.2.2 INSTITUIÇÃO DE RESTRIÇÕES AO PODER DE ISENTAR DOS
MUNICÍPIOS ............................................................................................................. 73
7.1.3 A AUTO-ORGANIZAÇÃO E A CRIAÇÃO E O DESMEMBRAMENTO
DE MUNICÍPIOS ....................................................................................................... 76
7.1.3.1 CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS ENTRE 5 DE OUTUBRO DE 1988 ATÉ
10 DE SETEMBRO DE 1996, VÉSPERA DA PROMULGAÇÃO DA EC 15/96 ....... 77
7.1.3.2 CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS APÓS 11 DE SETEMBRO DE 1996,
PROMULGAÇÃO DA EC N. 15/96, QUE ALTEROU O § 4º DO ART. 18 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL ATÉ O JULGAMENTO DA ADI 3682 ......................... 81
7.1.3.3 CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS APÓS 11 DE SETEMBRO DE 1996,
PROMULGAÇÃO DA EC N. 15/96, QUE ALTEROU O § 4º DO ART. 18 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM QUE O STF NÃO DECLAROU A NULIDADE DAS
LEIS ESTADUAIS ..................................................................................................... 84
7.1.4 ANÁLISE CRÍTICA – AUTO-ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOSMEMBROS ................................................................................................................ 84
7.1.5 LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE VEREADORES PELA
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL ................................................................................... 85
CONCLUSÃO ............................................................................................... 87
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .................................................................. 90
ALMEIDA, F. D. COMPETÊNCIAS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 (3ª
EDIÇÃO ED.). SÃO PAULO: ATLAS, 2005. ............................................................ 90
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BRASIL: PROMULGADA EM 5 DE OUTUBRO DE 1988 (VOLS. VI, TOMO I). SÃO
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SÃO PAULO: SARAIVA, 2000. ...................... ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.
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JANEIRO: PAZ E TERRA, 1992..................... ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.
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MALHEIROS EDITORES, 1994. ..................... ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.
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GARCIA-PELAYO, M. DERECHO CONSTITUCIONAL COMPARADO (2
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MENDES, G. F. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ASPECTOS
JURÍDICOS E POLÍTICOS. SÃO PAULO: SARAIVA, 1990.... ERROR! BOOKMARK
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MENDES, G. F., COELHO, I. M., & GONET BRANCO, P. G. CURSO DE
DIREITO CONSTITUCIONAL. SÃO PAULO: SARAIVA, 2007. .................... ERROR!
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MONTEIRO, W. D. CURSO DE DIREITO CIVIL (29 ED., VOL. 1). SÃO
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OLIVEIRA, E. P. O SUPREMO E AS GARANTIAS PROCESSUAIS:
VERDADES, MENTIRAS E OUTRAS INDAGAÇÕES. IN: J. A. SAMPAIO, & Á. R.
CRUZ, HERMENÊUTICA E JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL (PP. 295-326).
BELO HORIZONTE: DEL REY, 2001. ............ ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.
PERELMAN, ,. C. LA MOTIVATION DES DÉCISIONS DE JUSTICE.
BRUXELAS: PERELMAN/FORIERS, 1978.... ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.
PIRES, T. M. FEDERALISMO E DEMOCRACIA: PARÂMETROS PARA A
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2006. ................................................................ ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.
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COIMBRA: COIMBRA EDITORA, 2000. ........ ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.
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TRIBUNAIS , 352, 518-538. ............................ ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.
ROMANO, S. PRINCÍPIOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL GERAL. (M.
H. DINIZ, TRAD.) SÃO PAULO: REVISTA DOS TRIBUNAIS, 1977. ............ ERROR!
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SAMPAIO, J. A. A CONSTITUIÇÃO REINVENTADA PELA JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL. BELO HORIZONTE: DEL REY, 2002..... ERROR! BOOKMARK
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SILVA, C. O. (29 DE MARÇO DE 2008). CHRISTINE PETER. ACESSO EM
29 DE MARÇO DE 2008, DISPONÍVEL EM SITE DA CHRISTINE PETER:
HTTP://WWW.CHRISTINE.PETER.NOM.BR/CONSTITUCIONALI/APONTAMENTO
SPRINCIPIOFEDERATIVO.DOC .................... ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.
SILVA, J. A. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO (22ª
EDIÇÃO ED.). SÃO PAULO: MALHEIRSO EDITORES, 2003. ERROR! BOOKMARK
NOT DEFINED.
SILVA, J. C. (XVIII, 1º SEM. 1984). O FEDERALISMO SEMÂNTICO NO
BRASIL, ALGUNS ASPECTOS DO ROMANTISMO DO EQUILÍBRIO POLÍTICOJURÍDICO ENTRE A UNIÃO E OS ESTADOS-MEMBROS NO PERÍODO PÓSREVOLUCIONÁRIO. REVISTA DO INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS
, 62, 37. ............................................................ ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.
TEIXEIRA, J. M. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL. RIO DE
JANEIRO: FORENSE UNIVERSITÁRIA, 1991. ............... ERROR! BOOKMARK NOT
DEFINED.
Introdução
O trabalho tem por escopo definir e apresentar os institutos, de direito
constitucional, intimamente ligados ao federalismo, evoluindo para a análise desses
nas Constituições Republicanas Brasileiras e em especial na Carta Magna de 1988.
Identificar o processo de enfraquecimento e, numa análise mais profunda, de
superação do federalismo, como forma de organização do Estado Brasileiro na
Constituição de 1988.
A metodologia consiste no exame dos principais institutos que dão forma e
identidade a essa forma de Estado no texto original da Carta Política atual, e a
evolução trazida pelas emendas constitucionais, à luz dos principais institutos que a
doutrina denomina de: núcleo essencial do federalismo.
A caracterização desse núcleo essencial exige o cotejamento dos textos das
Constituições Republicanas passadas, exceto a Carta de 1934, para a seleção dos
dispositivos normativos mais relevantes sobre o tema, segundo a ótica doutrinária
que auxiliarão no refinamento da pesquisa e na eliminação de informações em
duplicidade.
Por último, o autor tem a consciência de que alterações constitucionais são
inevitáveis e ocorrem por múltiplos fatores: a maleabilidade do próprio federalismo,
aplicado em países com cultura e com instituições tão díspares; e velocidade das
transformações num mundo globalizado. Sem, contudo, abrir mão do dogma da
intangibilidade do núcleo essencial do federalismo brasileiro sob risco de sufragação
do próprio modelo. Sem esquecer ainda o exame das decisões proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal em temas relacionados com o presente estudo.
PRIMEIRA PARTE
O Federalismo, ontem e hoje, como instrumento de garantia da
democracia
Capítulo 1
Estado, Formas de Estado, Poder, Governo, Estado
Democrático e Democracia – noções elementares
1.1 Estado
O termo Estado, na acepção moderna adotada por Maquiavel em sua obra
O Príncipe1, pode ser entendido como o domínio ou império sobre os homens, sem
desconhecer a noção de Estado como ordem política da Sociedade desde a
antiguidade2. Jellinek3 define os elementos do Estado como: “a corporação de um
povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de
mando”.
O Estado pode ser caracterizado segundo a posição filosófica, sociológica
ou ainda pelo lado jurídico. Quanto a esse último, “o Estado se forma quando o
poder assenta numa instituição e não num homem” e “o Estado só existirá onde for
concebido como um poder independentemente da pessoa dos governantes” 4.
Chega-se a esse resultado mediante uma operação jurídica chamada de “a
institucionalização do Poder” 5.
1.2 Formas de Estado
O Estado evoluiu ao longo da história, sem obedecer um curso uniforme,
muitas vezes exercendo influência em períodos descontínuos. Por uma questão
didática, esse processo evolutivo é disposto cronologicamente para que o leitor
descubra os movimentos constantes, dando um apoio valioso, “à formulação das
probabilidades quanto à evolução futura do Estado”6.
1
p. 10.
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política, p. 62.
3
Apud BONAVIDES, ibid,pp. 66-67..
4
Id.ibid. p. 63.
5
Jena-Yves Calves apud, BONAVIDES, Ciência Política, p. 64.
6
DALLARI, Dalmo de Abreu, Elementos de teoria geral do Estado, p. 60.
2
Dallari7 aponta uma seqüência cronológica, que compreende as seguintes
fases: “Estado Antigo, Estado Grego, Estado Romano, Estado Medieval e Estado
Moderno”. O Estado Moderno8 tem como ponto de partida a “forma unitária”, que é a
mais simples, lógica e homogênea, pois a ordem jurídica, política e administrativa se
acham conjugados em perfeita unidade orgânica, referidas a um só povo, território e
titular do poder público de império9.
A superação do Estado centralizador que cede e decai historicamente,
“quando as concepções mais democráticas e menos autoritárias do poder, fundadas
nos postulados do consentimento de algumas doutrinas contratuais [...]”10, terminam
por separar o Estado da pessoa do soberano. Nessa marcha a organização do
Estado evolui da forma unitária, passando pela confederação e sedimenta-se no
federalismo. O federalismo, como forma de Estado, se ocupa em organizar e em
partilhar esse “poder originário de mando”3, num dado território, pelos entes que o
compõe.
1.3 Poder
“O poder representa sumariamente aquela energia básica que anima a
existência de uma comunidade humana num determinado território, conservando-a
unida, coesa e solidária”
11
. Com o poder se entrelaçam a força e a competência,
compreendida esta última como a legitimidade oriunda do consentimento. A
prevalência de uma ou de outra transmuda a natureza do poder entre poder de fato
ou poder de direito. Sendo este último apoiado, “menos na coerção do que no
consentimento dos governados”11. Relevante ainda, a assertiva que: “O governo
depende, se não da aprovação ativa, pelo menos da submissão dos governados” 12.
Dentro do federalismo o poder é partilhado por determinação expressa na
constituição, dentre os entes federais, que no Brasil estão sedimentados em três
7
Id.ibid., p. 62.
Que após intenso debate doutrinário, Dallari identifica quatro características – a soberania, o
território, o povo e a finalidade, Ibid.,p. 72.
9
BONAVIDES, Ciência Política, p. 149.
10
Id.ibid. p. 150.
11
BONAVIDES, Ibid. p. 106.
12
LUCAS, John Randolph, Democracia e participação, p. 207.
8
níveis13. “O Estado moderno resume basicamente o processo de despersonalização
do poder, a saber, a passagem de um poder de pessoa a um poder de instituições,
de poder imposto pela força a um poder fundado na aprovação do grupo, de um
poder de fato a um poder de direito”11.
1.4 Governo
Santi Romano14 define a palavra governo15 como o “conjunto dos indivíduos
que detêm tal poder ou o seu exercício e que são seus governantes”. O termo
governo, em termos atuais, pressupõe um Estado Democrático e Constitucional,
democrático por deitar raízes no século XVIII, quando ocorreu a afirmação de
valores fundamentais da pessoa humana, bem como a exigência de organização e
funcionamento do Estado tendo em vista a proteção daqueles valores16; e
constitucional, em razão de um sistema normativo fundamental que consagra três
objetivos: a afirmação da supremacia do indivíduo, a necessidade de limitação do
poder dos governantes e a crença quase religiosa nas virtudes da razão, apoiando a
busca da racionalização do poder17.
Essa divisão entre os governantes se faz mediante regras estabelecidas
pela Constituição Federal, em face de princípios e fundamentos por ela erigidos que
serão capitais para a análise e solução dos problemas do federalismo brasileiro.
1.5 Federalismo
O Federalismo, tema comum à ciência política e ao direito constitucional,
abrange uma pluralidade de aspectos intimamente ligados aos destinos da liberdade
e da segurança humana, dentro do contexto contemporâneo, caracterizado pelo
13
CF, art. 1º.
Princípios de direito constitucional geral, p. 64.
15
O termo governo possui vários significados.
16
DALLARI, Elementos de teoria geral do Estado, p. 145.
17
DALLARI, Ibid., p.198.
14
lento esforço dos que promovem, tanto quanto possível, uma organização sábia e
racional do poder, e ainda mais ostenta traços tão sedutores para aqueles que se
ocupam com a partilha de poder num dado território sobre uma mesma população.
Há, segundo Georges Scelle18, dois princípios capitais que são a chave de
todo o sistema federativo: a lei da participação e da autonomia. Sendo que a
participação e a autonomia são processos que se inserem na ampla moldura da
Federação, envolvidos pelas garantias e pela certeza do ordenamento constitucional
superior – a Constituição federal, cimento de todo o sistema federativo. Tanto a
participação como a autonomia existem em função das regras constitucionais
supremas, que permitem ver na Federação, como viu Tocqueville18 no século XIX,
duas sociedades distintas, “encaixadas uma na outra”, a saber, o Estado federal e
os Estados federados harmonicamente superpostos e conexos.
Os baldrames do Estado federal assentam-se no direito constitucional,
quando o Poder Constituinte soberano dispõe na Constituição Federal os
lineamentos básicos da organização federal, traça ali o raio de competências, dá
forma às suas instituições e estatui órgãos legislativos com competência para
elaborar regras jurídicas de amplitude nacional, cujos destinatários diretos e
imediatos não são os Estados-membros, mas as pessoas que vivem nestes,
cidadãos sujeitos à observância tanto das leis específicas dos Estados-membros a
que pertencem, como da legislação federal19.
A presença do Estado Federal nos demais entes, segundo os termos que lhe
faculta a Constituição Federal, não se faz tão-somente por via legislativa, mas
alcança o exercício de atribuições administrativas, que variam segundo o modelo da
organização federal, e por último, em razão da disposição pelo Estado Federal de
um terceiro poder próprio – o poder judiciário, com seus tribunais e sobretudo com
uma Corte de justiça federal, de caráter supremo, destinada a dirimir os litígios da
Federação com os Estados-membros e destes entre si19.
Toda organização federal possui um lado unitário característico, pois o
Estado federal, sede da soberania summa potestas, aparece por único sujeito de
direito na ordem internacional, e do outro, Estados-membros dotados de autonomia,
18
19
Apud BONAVIDES, Ciência Política, p. 181.
BONAVIDES, Idib.p. 182.
poder que lhes consente organização própria, “uma vez que o poder de que são
titulares é da mesma natureza, da mesma espécie e da mesma substância daquele
de que se compõe o poder do Estado federal”19. A capacidade de autoorganização20 do Estado federado “decorre de um direito próprio, de uma faculdade
autodeterminativa, de uma autonomia constitucional”21.
A supremacia do Estado federal sobre o Estado federado se manifesta
indeclinavelmente, mediante três pontos fundamentais: observância obrigatória de
princípios básicos ou mínimos da organização federal pelos Estados-membros,
adoção de um sistema de competência pela Constituição Federal, que as reparte no
seio da ordem federativa e, por último, a instituição de um tribunal supremo,
guardião da Constituição Federal22.
Alexis de Tocqueville23 expressava que o sistema federativo é “uma das
mais poderosas combinações a favor da prosperidade e da liberdade humana”,
invejando as nações a que coubera a sorte de poder adotá-lo.
1.6 Estado Democrático e Democracia
A base do conceito de Estado Democrático é, sem dúvida, a noção de
“governo do povo”24, revelada pela própria etimologia do “termo democracia”, que
chegou à supremacia da preferência pelo governo popular após um longo e penoso
processo histórico-evolutivo marcado por guerras, lutas e revoluções.
O Estado Democrático moderno nasceu das lutas contra o absolutismo,
sobretudo através da afirmação dos direitos naturais da pessoa humana. É através
de três grandes movimentos político-sociais que se transpõem do plano teórico para
o prático os princípios que iriam conduzir o Estado Democrático: a Revolução
Inglesa, fortemente influenciada por Locke e que teve sua expressão mais
20
Segundo traço essencial que deriva da existência do poder estatal em Bonavides, Idib.p. 108. Que
se manifestará posteriormente no estudo da auto-organização do ente federal.
21
BONAVIDES, Idib. p. 106.
22
BONAVIDES, Ciência Política, pp. 184-185.
23
Apud BONAVIDES, Teoria do Estado, p. 77.
24
DALLARI, Elementos de teoria geral do Estado, p. 145.
significativa no Bill of Rights, de 1689; o segundo foi a Revolução Americana, cujos
princípios foram expressos na Declaração de Independência das treze colônias
americanas, em 1776; e o terceiro foi a Revolução Francesa, que teve sobre os
demais a virtude de dar universalidade aos seus princípios, os quais foram
expressos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, sendo
evidente nesta a influência direta de Rousseau25.
Democracia, na precisa síntese de Bobbio26 “foi sempre empregado (sic)
para designar uma das formas de governo, ou melhor, um dos diversos modos com
que pode ser exercido o poder político”. Tendo presente a tônica sobre a distinção
entre a democracia direta (dos antigos) e a democracia representativa (dos
modernos)27, em que o voto28 é exercido “não para decidir, mas sim para eleger
quem deverá decidir” 29.
O advento do federalismo sucedendo o Estado Unitário tem um caráter
essencialmente democrático, em face da repartição do poder estatal entre os
diversos representantes eleitos nos diversos entes federais com a finalidade de
melhor
atender
os
anseios
da
população.
Tais
anseios
aumentaram
exponencialmente com o incremento das sucessivas “Eras do Direito30
31
”, que
serviram de mola propulsora da partilha do poder e ao mesmo tempo como germe
de enfraquecimento do federalismo, diante da incapacidade econômico-financeira
dos entes parciais de suprir as crescentes necessidades de seus residentes.
Celso Bastos32 defende a idéia de que o federalismo e assim como a
democracia não é um esquema jurídico que se transforma em realidade “tão-só pela
sua enunciação no Texto Constitucional” [...] “ mas um processo que necessita
constante aperfeiçoamento e adaptação a novas realidades”, e “serve ao mesmo
princípio de que o poder repartido é mais difícil de ser arbitrário”.
25
DALLARI, Elementos de teoria geral do Estado, p. 147.
BOBBIO, Norberto, Estado, Governo, Sociedade, p. 135.
27
Id.,Teoria geral da política, p. 371.
28
Entendido como relevante ato de uma democracia atual.
29
Id.ibid., p. 372.
30
O termo identifica a doutrina desenvolvida por Norberto Bobbio sobre os processos de evolução na
história dos direitos do homem, conversão em direito positivo, generalização, internacionalização.
31
Id.,A Era dos direitos, p. 50.
32
Curso de direito constitucional, p. 249.
26
Existe um movimento diuturno tendente ao fortalecimento do ente central do
Estado em detrimento dos demais. Isso pode ser explicado em face das novas
exigências da sociedade em bens e serviços que demanda um aumento das
atribuições do poder central em extensão e em profundidade, que passa a tomar a
iniciativa, inclusive no campo econômico. Mas há também a exigência de que esse
fortalecimento seja democrático, com uma permanente atenção à vontade do povo,
sem degenerar numa ditadura33.
Os especialistas, cujas observações críticas devem ser respeitadas porque
são úteis ao próprio povo, na sua inteireza, evidenciam que só no Estado
Democrático o povo é senhor de seus interesses34.
33
34
DALLARI, Elementos de teoria geral do Estado, pp. 251-252.
DALLARI, Ibid., p. 253.
Capítulo 2
O Federalismo
Louis Le Fur35 aponta a Grécia Antiga como a terra clássica das
confederações surgidas em decorrência de tratados civis e políticos, em termos
temporários ou perpétuos, em alianças ofensivas ou defensivas. Tais características
não são suficientes para identificá-las como a gênesis do federalismo em razão da
independência de cada ente confederado e da inexistência de um poder central
instituído.
Quando se analisa as raízes da Cidade Antiga mais o estudioso se afasta do
Estado Nacional Moderno36, pois aquela tem sua razão de ser no espírito municipal,
enquanto este último, representado pelos Estados Unitários e pelas Confederações
que se localizam em vasto território37, identifica-se por ocupar vasto território.
O Estado federal, como conceito ou forma de organização surge apenas em
1787 com a Constituição Americana38. A organização do Estado Federal é tarefa de
laboriosa engenharia constitucional 39, e suas modificações resultam de experiências
passadas. Por isso, é importe divisar que o federalismo surgiu nos Estados Unidos
sem um esquema prévio, mas com o escopo de atender necessidades práticas, por
meio de uma fórmula híbrida capaz de compatibilizar a existência de Estados
individuais com um poder central dotado de faculdades para bastar-se por si mesmo
na esfera de suas funções, tornando possível a organização política racional de
grandes espaços, debaixo de relações de paridade entre as partes componentes, ao
35
Apud BARACHO, Teoria Geral do Federalismo, p. 12.
Trata-se de uma diferenciação do conceito de Estado, que consiste na progressiva centralização do
poder segundo uma instância sempre ampla, que termina por compreender o âmbito completo das
relações políticas. Que se funda, por sua vez sobre a concomitante afirmação do princípio da
territorialidade da obrigação política e sobre a progressiva aquisição da impessoalidade do comando
político, através da evolução do conceito de officium, nascem os traços essenciais de uma nova
forma de organização política: precisamente o Estado moderno. BOBBIO, Dicionário de Política, v. I,
p. 426.
37
BARACHO, Teoria Geral do Federalismo, p. 13.
38
José Luiz de Anhaia Mello apud BARACHO, Teoria Geral do Federalismo, p. 11.
39
HORTA, Estudos de Direito Constitucional, p. 346.
36
mesmo tempo em que é particularmente próprio para salvaguardar a existência de
nações culturais, dentro de uma organização estatal ou nação política40.
2.1 O Federalismo histórico
Os Estados Unidos é apontado pela maioria da doutrina constitucional como
o berço do federalismo. Comulsando sua história verificamos que as treze colônias
inglesas da América do Norte revoltadas contra a matriz, adotaram em 1781, os
“Artigos de Confederação”. Onde cada Estado conservava sua soberania, liberdade
e independência.
A Confederação surgida em razão de um tratado de direito internacional
firmado pelas antigas colônias britânicas, em que se preservava a soberania a cada
um de seus membros revelou-se muito flácida na formação de uma identidade
nacional própria e coesa de modo a satisfazer as necessidades parciais, sem o risco
de esfacelamento do todo. Por isso, diante da manifesta ineficácia do governo
federal das antigas treze colônias britânicas, os representantes dos Estados foram
“chamados a deliberar sobre uma nova Constituição para os Estados Unidos da
América”41.
O Federalismo propriamente dito, tal como o conhecemos, pode ser
examinado na Constituição resultante da Convenção de Filadélfia de 178742, quando
os antigos Estados confederados e soberanos abdicaram da soberania individual,
mas conservaram a sua autonomia, criando uma nova entidade, a União, com
poderes bastantes para exercer tarefas necessárias ao bem comum de todos os
Estados reunidos. Criando ainda um órgão em que os Estados compunham a
vontade da União, por meio de representantes no Senado43.
40
GARCIA-PELAYO apud BARACHO, Teoria Geral do Federalismo, p. 35.
MADISON, HAMILTO M e JAY, Os artigos federalistas, p. 93.
42
Carlos Maximiliano, Comentários à Constituição brasileira de 1891, p. 132, explica que elaborada
uma Constituição, ratificaram-na onze Estados em 1788; mais um (Carolina do Norte, em 1789, e por
fim Rhode Island, em 1790.
43
MENDES, COELHO e GONET BRANCO, Curso de direito constitucional, p. 753.
41
2.2 Modelos de Federalismo
Gonet Branco44 entende que: “O modo como se repartem as competências
indica que tipo de federalismo é adotado em cada país”.
Pinto Ferreira propõe a seguinte classificação para os tipos de federalismo:
a) o federalismo clássico ou de equilíbrio, que é o federalismo norteamericano interpretado segundo a Emenda X da reserva de poderes aos
estados-membros;
b) o federalismo neoclássico, que é o novo federalismo norte-americano,
aumentando gradativamente os poderes da União perante os estadosmembros, e que é também o atual federalismo brasileiro;
c) o
federalismo
racionalizado
ou
hegemônico,
como
ocorreu
na
Constituição social-weimariana e nas vigentes constituições da República
Democrática da Alemanha, URSS, Áustria, Canadá e Índia.
Machado Horta45 sustenta que, em função do tempo, o federalismo evoluiu
de um tipo originário, chamado federalismo dualista, para outro tipo mais recente, o
federalismo contemporâneo ou novo federalismo. O federalismo dualista surgiu nos
fins do século XVIII, identificou-se com os objetivos anti-intervencionistas do Estado
Liberal e o seu declínio coincide com o desfavor dessa filosofia governamental.
O federalismo contemporâneo, por outro lado, surge com o Estado
intervencionista, para oferecer a este último, nova repartição de competências,
funcionalmente vinculada aos objetivos econômicos e sociais do intervencionismo. A
amplitude nacional das intervenções requer centro decisório dotado de competência
correspondente e no Estado federal o intervencionismo encontra pré-determinado
esse centro de poder. Nos Estados Unidos, o período de Franklin Roosevelt
assinalou o fim do federalismo dualista e inaugurou a expansão do federalismo
contemporâneo ou new federalism.
44
45
Curso de direito constitucional, p. 755.
Perspectiva do Federalismo Brasileiro, p. .
O federalismo segregador, entricheirado nas resistências estaduais, cedeu
lugar ao federalismo cooperativo, fundado na ajuda financeira federal e na
intensidade das relações intergovernamentais. Sendo que este último, não é
antinômico com o federalismo contemporâneo servindo tal classificação como uma
evolução do segundo.
Atualmente, segue a tendência de um federalismo cada vez mais centrípeto
ou por agregação, com predomínio da União em face dos entes federados, sob a
tônica cooperativa, “fundado na ajuda financeira federal e na intensidade das
relações intergovernamentais”46. Outras categorias ou modelos existentes na
doutrina constitucional brasileira, ou derivam da ora exposta ou não acrescentam
questões relevantes para o presente estudo.
2.3 A Crise do Federalismo
Paulo Bonavides47 sintetiza com precisão e espírito.
Afigura-se nos todavia que não é tanto o federalismo como
fenômeno político associativo que está em crise senão uma forma
doutrinária do federalismo, aquela a que se prende desde as origens e que
gerou determinada moldura jurídica aparentemente intocável, ainda agora
subsistente e no interior da qual porém se vão processando as inevitáveis
transformações do sistema, ditadas pela mudança dos tempos e por
imperativo das necessidades políticas e sociais, mais poderosas talvez que
a vontade dos propugnadores das teses federalistas rigorosas do século
XIX.
A mencionada crise decorre da decadência do Estado liberal e de sua
ideologia, o que reflete nessa forma de Estado no mundo inteiro48.
46
MACHADO HORTA, Perspectivas do Federalismo Brasileiro, p. 22.
BONAVIDES, Ciência Política, p. 187.
48
BONAVIDES, Ciência Política, pp. 189-190, sustenta que: a expansão industrial do
século XX, o considerável alargamento das vias de comércio entre os Estados, o imenso progresso
tecnológico de caráter unificador, a propagação das ideologias que apagam e crestam as variações
do particularismo político, erigindo camadas maciças e uniformes de opinião, o conseqüente
incremento da legislação social apaziguadora do conflito entre o trabalho e o capital e o excesso de
dirigismo econômico se apresentam como fatores principais da transformação já operada. Tal
transformação, sacrificando a competência efetiva dos Estados-membros, deixou quase revogada a
lei da autonomia, fez do intervencionismo estatal necessidade indeclinável à subsistência mesma do
Estado federal, tornou o poder central mais sensível e sujeito ao influxo maior da massa nacional dos
47
cidadãos que ao influxo dos Estados-membros, colocou os Estados, em face da deficiência de seus
recursos, debaixo da servidão financeira do poder federal (de sorte que já não podem estes
sobreviver fora das subvenções do erário da União) e desenvolveu em suma nos cidadãos mesmos
certo sentimento de menoscabo ou de ruinosa indiferença às prerrogativas autonomistas das
unidades componentes, o que em algumas Federações, como o Brasil e os Estados Unidos, veio
avolumar as correntes de opinião mais favoráveis aos interesses da União, identificados portanto com
o interesse nacional, contraposto ao dos Estados, o qual se principiou a condenar por representativo
de formas de egoísmo e particularismo.
Capítulo 3
O Federalismo Brasileiro
O Estado Federal “é criação jurídico-política e pressupõe na sua origem a
existência da Constituição Federal, para institui-lo”49. O federalismo no Brasil foi
adotado com o advento do movimento republicano por influência e determinação de
Ruy Barbosa, que, sob os auspícios do sistema adotado nos Estados Unidos da
América, transpôs para os primeiros atos normativos dos vencedores50 e
posteriormente para a constituição republicana aquele modelo de Estado, dissociado
da experiência histórica vivenciada nas terras do norte.
O novo sistema de governo e a nova configuração estatal foi inaugurada
totalmente desagregada da realidade política, social e econômica brasileira. Nelson
Saldanha51 anota com precisão “não foi [...] uma revolução propriamente”. A
realidade social ante e depois do “movimento político”52 , pouco progresso
apresentou em relação ao tipo de vida correspondente aos tempos de plenitude da
monarquia: “o povo era o mesmo, o atraso igualmente, e uma minoria culta, mas
uma minoria possuidora, pairava sobre as populações ignorantes e desamparadas.
[...] No interior,[...], abrigavam-se formas de vida ainda em chocante atraso [...].”53
Assim, como a campanha abolicionista se fez através de uma série de medidas
legais, de interferências inglesas, iniciativas, obstáculos, gestões, conciliações,
concessões54.
49
HORTA, Estudos de direito constitucional, p.345.
Brasil. Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889. Proclama provisoriamente e decreta como forma
de governo da Nação Brazileira a República Federativa, estabelece as normas pelas quais se devem
reger os Estados Federaes.
O Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brazil decreta:
Art. 1º Fica proclamada provisoriamente e decretada como a forma de governo da nação brazileira a
República Federativa.
Art. 2º As províncias do Brazil, reunidas pelo laço da Federação, ficam constituindo os Estados
Unidos do Brazil.
[...].
51
SALDANHA, Nelson Nogueira, História das Idéias Políticas no Brasil, Brasília: Senado Federal,
2001, p. 229.
52
SALDANHA, p. 229.
53
SALDANHA, p. 230.
54
SALDANHA, p. 230.
50
O enfrentamento de um tema tão tormentoso na história brasileira quanto à
abolição da escravatura, que teria custado a coroa da Princesa Isabel nas palavras
do Barão de Cotegipe55, sem merecer dos governantes um exame mais acurado
com formulação de políticas governamentais seja para indenizar os antigos
proprietários seja para organizar e direcionar os libertos para atividades laboriais
produtivas.
Depois de um desfile militar e de um ato normativo, o Império alça vôo para
uma mudança do sistema de governo: da monarquia para a república, do
parlamentarismo para o presidencialismo e do Estado unitário para o Estado
Federal.
O Federalismo Brasileiro e os demais institutos nasceram sob a prática
condenável da copilação de sistemas jurídicos dissociada de seu contexto histórico
e cultural. Por todos, Juary C. Silva56:
Aliás, o próprio transplante de instituições jurídicas de um para
outro país tem-se revelado na prática como algo muito falível, sobremodo
sujeito a fracassos e desvirtuamentos. Como o Direito é fenômeno por
excelência cultural, na verdade a transmutação de um instituto jurídico para
outro país exigiria, por assim dizer, a implantação neste da própria cultura
do país transmitente, ao menos em parte. As normas jurídicas, não sendo
apenas proposições lógicas, mas segmentos de vida humana objetivada,
57
como o acentuou RECASENS SICHES , pouco se prestam a vicejar num
meio onde não foram criadas, nem submetidas ao crisol do tempo. O
provável, pois, se não certo, é que, ao serem transplantadas para outro
solo, elas se modifiquem profundamente, a ponto de perderem a
individualidade originária. Uma coisa que se modifique muito, embora
conserve o nome que antes portava, decerto não terá, da primitiva situação,
senão o nome”.
Fundado
ainda
no
pensamento
de
Torquato
Jardim58,
percebe-se
claramente que existe uma grande revolução inacabada com a derrocada da
monarquia brasileira, que não é a República, mas a Federação. Porque:
“[...], falta ainda o grande acerto político do contrato que é o pacto
federativo, no que ele tem de mais sensível e característico que é a
repartição constitucional de competências. Não a repartição formal, que
lança a unidade da federação à inércia e o governo central à execução de
tarefas locais; mas, sim, aquela substantiva, na qual à responsabilidade
55
SALDANHA, p. 233.
O Federalismo semântico no Brasil, alguns aspectos do romantismo do equilíbrio político-jurídico
entre União e os Estados-membros no período pós-revolucionário.
57
Nueva Filosofia de La Interpretación del Derecho, 1956, p. 132.
58
A tridimensionalidade da descentralização do Estado brasileiro, p. 214-223.
56
política da escolha da política pública corresponda a competência
legislativa, e à competência legislativa corresponda a capacidade de
implementação da política e da lei”.
As Constituições Republicanas foram incapazes de corrigir as a realidade
política, econômica e financeira dos entes federados e o modelo de federalismo
implantado em cada período de suas vigências.
3.1 O Federalismo no Brasil
Observando a premissa de que o federalismo como forma de organização
do Estado pressupõe uma constituição que discipline a repartição de poder entre os
entes do próprio Estado, necessário se faz um exame das Cartas Políticas da
República, exceto a de 1934, para identificar as feições do federalismo brasileiro –
núcleo essencial – sob a ótica da auto-organização do ente parcial quanto a
competência, os bens e a receita/despesa, e ainda as hipóteses de intervenção seja
federal ou estadual.
Prescreve o artigo 1º da Constituição da República dos Estados Unidos do
Brasil, de 24 de fevereiro de 189159, verbis:
“Art. 1º. A Nação brasileira adota como forma de governo, sob o
regime representativo, a República Federativa proclamada a 15 de
novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das
suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brasil”.
O ato do poder central de 1891 é desprovido de qualquer tradição legislativa
e administrativa autônoma das províncias proclamadas em unidades federadas60.
“Não houve jamais Estados independentes, nem confederação voluntária”. [...], mas
um “imperio ferrenhamente unitário" 61.
59
BRASIL. Constituição (1891). Constituições Brasileiras: 1891/Aliomar Baleeiro - Brasília: Senado
Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001, p. 77.
60
A tridimensionalidade da descentralização do Estado brasileiro, p. 214.
61
Comentários à Constituição brasileira de 1891, pp. 133-134.
Os Estados-membros da Federação brasileira de 1891 reger-se-iam pela
Constituição Estadual e pelas leis que adotassem, respeitados os princípios
constitucionais da União62; poderiam incorporar-se entre si, subdividir-se ou
desmembrar-se, anexar-se a outros, ou formar novos Estados desde que
obtivessem a aquiescência das respectivas assembléias legislativas, em duas
sessões anuais sucessivas e aprovação do Congresso Nacional63.
Pertenciam aos Estados64 as minas e terras devolutas situadas nos seus
respectivos territórios, cabendo à União somente a porção de território que fosse
indispensável para a defesa das fronteiras, das fortificações, das construções
militares e das estradas de ferro federais. Aos Estados era facultado ainda todo e
qualquer poder ou direito que lhes não fosse negado por cláusula expressa ou
implicitamente contida nas cláusulas expressas daquela Carta65.
Os Estados podiam decretar impostos66 com exclusividade sobre a
exportação de mercadorias de sua própria produção, sobre imóveis rurais e urbanos,
sobre transmissão de propriedade, sobre indústrias e profissões, taxa de selo quanto
aos atos por eles emanados e negócios de sua economia, contribuições
concernentes aos seus telégrafos e correios. À União cabia criar impostos sobre a
importação de procedência estrangeira67, taxas de selo68, taxas de correios e
telégrafos federais69. Incumbia a União prestar socorro aos Estados que o solicitasse
em caso de calamidade pública70, e ainda, intervir em negócios peculiares aos
Estados nas hipóteses71: para repelir invasão estrangeira, ou de um Estado em
outro; para manter a forma republicana federativa; para restabelecer a ordem e a
tranqüilidade nos Estados, a requisição dos respectivos governos, e para assegurar
a execução das leis e sentenças federais.
62
Ob. cit., art. 63, p. 94.
Ob. cit., art. 4º, p. 78.
64
Ob. cit., art. 64, p. 94.
65
Ob. cit., art. 65, 2º, p. 95.
66
Ob. cit., art. 9º, p. 79.
67
Ob. cit., art. 7º, 1º, p. 78.
68
Ob. cit., art. 7º, 3º, p. 78.
69
Ob. cit., art. 7º, 4º, p. 78.
70
Ob. cit., art. 5º, p. 78.
71
Ob. cit., art. 6º, p. 78.
63
Os municípios, por seu turno, teriam assegurada sua autonomia e respeito
ao seu peculiar interesse72; e ao Supremo Tribunal Federal competia as causas e
conflitos entre a União e os Estados, ou entre estes uns com os outros73.
Percebe-se uma hipertrofia dos Estados-membros, sobretudo aqueles
dotados de uma economia mais pujante, em detrimento da União, o que propiciou no
campo político o surgimento da política do “café-com-leite”74, em que representantes
de Minas Gerais e São Paulo revezavam-se na Chefia do Poder Executivo Federal,
que
impunham
ao
restante
do
país.
O
Federalismo
Brasileiro
adotado
conceitualmente na Carta de 1891, é denominado federalismo dualista, datando
seus primeiros abalos da reforma constitucional de 192675.
Sobre a Carta de 1937, oriunda do golpe de Estado, precisa a síntese de
Celso Bastos76 [...]“volta o Brasil à forma unitária de Estado”. O Estado Federal
Brasileiro era constituído pela união indissolúvel dos estados, do distrito federal e
dos territórios77. A auto-organização territorial dos Estados seguia o modelo da Carta
de 1891 (art.4º), porém, com o acréscimo da regra de que “a resolução do
Parlamento poderá ser submetida pelo Presidente da República ao plebiscito das
populações interessadas”78. Aos estados cabia decretar a Constituição e as leis por
que deveriam reger-se, exercendo todo e qualquer poder que lhes não fosse
negado, expressa ou implicitamente, pela Constituição79, e ainda a organização e o
72
Ob. cit., art. 68, p. 95.
Ob. cit., art. 59, 1, c), p. 92.
74
Era a alcunha que davam, antes de 1930, ao pacto silencioso entre Minas e São Paulo, pelo qual
os dois mais populosos e fortes Estados se revezavam por seus filhos na presidência da República,
que, como já vimos, esteve por 12 anos nas mãos de estadistas do primeiro daqueles dois Estados,
isto é, nos 3 quatriênios seguidos de Prudente, Campos Sales e Rodrigues Alves (1895-1906).
BALEEIRO, p. 49.
75
Baleeiro, ob. cit. p. 61, assim resume essa emenda constitucional: “O movimento revisionista de
Rui e outros, há vários anos, buscava corrigir os defeitos da Constituição de 1891, no sentido de sua
melhoria em prol da democracia e do liberalismo. A elas, opunha-se o establishment político. Por
ironia da história, o primeiro Presidente revisionista, Artur Bernardes, tomou a iniciativa de
empreender a reforma, exatamente para dar mais vigor aos poderes incontrastados do Chefe da
Nação, no sentido oposto aos do reformador”.
76
Curso de direito constitucional, p. 257.
77
BRASIL. Constituição (1937). Constituições Brasileiras: 1937/Walter Costa Porto - Brasília: Senado
Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001. Art. 3º, p. 70.
78
Ob. cit., Art. 5º, parágrafo único, p. 70.
79
Ob. cit., Art. 21, p. 76.
73
custeio dos serviços de seu peculiar interesse80, sendo que aqueles entes com
incapacidade financeira por três anos seriam transformados em território81.
Quanto à competência legislativa, estabelece a Carta de 1937 um extenso
rol privativo da União82, é interessante anotar a possibilidade de delegação por lei da
faculdade de legislar aos estados, seja para regular a matéria, seja para suprir as
lacunas da legislação federal, quando se trata-se de questão de interesse
predominante de um ou alguns estados; no entanto, tal legislação só entraria em
vigor mediante o crivo do Governo Federal83. A competência legislativa dos estados
poderia ser exercida desde que não dispensassem ou diminuíssem as exigências da
lei federal, ou, em não havendo lei federal e até que esta os regule84. A edição de lei
ou regulamento expedido pelo Poder Legislativo Federal ou pelo Presidente da
República sobre a matéria legislada pelos estados derrogaria as partes com elas
incompatíveis85.
Os estados poderiam decretar impostos86 sobre a propriedade territorial
rural, transmissão de propriedade causa mortis; transmissão da propriedade inter
vivos, inclusive a sua incorporação ao capital da sociedade; vendas; exportação de
mercadorias de sua produção; indústrias e profissões; atos emanados do seu
governo e negócios da sua economia; taxas de serviços estaduais. Os estados
possuíam ainda uma competência tributária residual, mas, na hipótese de
bitributação reconhecida pelo Conselho Federal, prevaleceria o imposto decretado
pela União87. Os bens dos estados seriam aqueles por exclusão que não
pertencessem por algum título ao domínio federal, municipal ou particular88. O
domínio federal estava presente em razão de extensão a mais de um estado, limites
com outros países ou se estendam a territórios estrangeiros e as ilhas fluviais e
lacustres nas zonas fronteiriças89.
80
Ob. cit. Art. 8º, caput, p. 70.
Ob. cit., Art. 8º, parágrafo único, p. 70.
82
Ob. cit., Art. 16, p. 73.
83
Ob. cit., Art. 17, p. 75.
84
Ob. cit., Art. 18, p. 75.
85
Ob.cit., Art. 18, parágrafo único, p. 75.
86
Ob. cit., Art. 23, p. 76.
87
Ob. cit., art. 24, p. 77.
88
Ob. cit., art. 37, p. 79.
89
Ob. cit., art. 36, p. 79.
81
As demais Cartas repetiram a fórmula com algumas variações semânticas,
interessa-nos para o presente estudo o modelo de federalismo vindicado nas
Constituições de 1967 e a Emenda nº 1, de 1969 e a Constituição Federal de 1988,
na sua redação original.
3.2 Diagnóstico doutrinário do federalismo brasileiro préconstituinte de 1988
Diagnóstico está intimamente relacionado com a investigação criteriosa e
honesta dos fatores endógenos e exógenos que podem indicar as causas da
patologia ou da enfermidade. O federalismo brasileiro pré-1988 passou pelo crivo da
doutrina constitucional e o resultado não foi nada alentador.
Para Fernanda Dias Menezes de Almeida90:
Assiste-se, na prática, à negação da Federação que, na teoria, se
quer intocável. E seu esvaziamento completo não será surpresa, se não
houver a reversão do movimento pendular que hoje acusa excessiva
concentração de poder político e financeiro no governo central, em
detrimento das autoridades estaduais e municipais. [...]. É que, por mais que
o sistema comporte adaptações, não pode sobreviver onde se abdique da
autonomia das unidades federadas, peça vital da delicada parceria que é,
em última análise, a Federação.
Juary C. Silva91 visualiza uma implosão do modelo e sua substituição por um
sistema unitário:
A conclusão genérica a extrair de tudo isso é a de que o sistema
federativo viu-se sobremodo esvaziado, mormente em decorrência das
vicissitudes experimentadas pelo ordenamento constitucional brasileiro a
partir de 1964. Valido o chamar-se a isso de implosão não em decorrência
da subitaneidade do fenômeno (pois ele é até lento, em confronto com a
implosão física), mas porque a desnaturação do federalismo se passa por
dentro, através de pertinaz e progressivo esvaziamento, não por fora, em
virtude de ataque direto, aberto e frontal aos cânones do sistema federativo.
90
Considerações sobre os rumos do federalismo nos Estados Unidos e no Brasil, p. 64.
O Federalismo semântico no Brasil, alguns aspectos do romantismo do equilíbrio político-jurídico
entre a União e os Estados-membros no período pós-revolucionário, p. 61.
91
O federalismo brasileiro apresenta-se, pois, como semântico, aferrado à
enunciação nominal dos princípios que o informam, mas descoincidentes
estes da praxe constitucional e da realidade política do País, que só pode
ser a concretitude das forças políticas que operam a nível nacional, ou cuja
atuação local seja capaz de repercutir sobre o Poder central.
Trata-se-á, então, de modalidade de sistema unitário? Não,porque
tampouco o arcabouço constitucional do País e sua realidade empírica
mostram adequação ao protótipo do sistema. No entanto não seria ousado
dizer que a realidade constitucional brasileira denota indícios de aproximarse do sistema unitário, gradualmente. Caso se ultime essa evolução, ter-seá, dentro de alguns anos, em vigor no nosso País, de direito a de fato, um
regime unitário. Por ora, nada há a afirmar, exceto que o País parece tender
para adoção do regime unitário, à vista dos veementes indícios de
menosprezo a princípios basilares do federalismo, podendo, contudo,
externar uma previsão, dada a imponderabilidade das variáveis em jogo na
problemática concreta do federalismo.
Mártires Coelho92 destaca a importância da realidade social subjacente no
processo de escolha do modelo federativo que seria implantado na novel Carta
Política, para “efetivamente dar nascimento à primeira República Federativa no
Brasil”:
Quais os fatores reais de poder que, neste momento de vida
nacional, poderão condicionar a decisão política a ser tomada no seio da
Constituinte, quando esta se debruçar sobre o problema das relações entre
o Poder Central e os poderes locais; que forças prevalecerão ou deverão
prevalecer quando se for definir o modelo normativo que doravante irá reger
as relações entre a União, os Estados e os Municípios, decorridos mais de
90 anos de uma experiência federativa centralizadora e compressiva das
autonomias locais; enfim, identificar quem poderá efetivamente dar
nascimento à primeira República Federativa no Brasil, sepultando o Estado
unitário, que PAULO BONAVIDES afirma ter nascido a 15 de novembro de
1889 sobre as ruínas da monarquia, e que, mesmo desprovido de
legitimidade formal, tem tido eficácia na Constituição real do País.
Machado Horta93
94
, por sua vez, combate o hibridismo presente no
federalismo brasileiro:
Tornou-se generalizada a impressão de que, não obstante as
características formais do Estado Federal que a Constituição acolheu, o
federalismo brasileiro encontra-se esmagado pela exarcerbação
centralizadora de poderes e de competências da União, convertendo o
federalismo constitucional em federalismo puramente nominal e aparente.
A difundida insatisfação com o modelo federal brasileiro está
reclamando a proposta de reconstrução federativa, objetivando eliminar o
conflito entre a Federação intangível na norma abstrata da Constituição e a
92
Política e Constituição. Os caminhos da democracia, p. 86.
Reconstrução do federalismo, pp. 14-28.
94
Conferência proferida no Seminário de Direito Constitucional promovido pelo Instituto dos
Advogados de Minas Gerais em 19 de maio de 1981.
93
Federação desfigurada pela centralização autoritária e absorvente dos
poderes federais.
[...]
A forma federal de Estado pressupõe a existência de requisitos
que lhe definem a fisionomia no quadro das formas estatais. A forma híbrida
– federal e unitária ao mesmo tempo – equivale a um aleijão que torna
irreconhecível a criatura assim concebida. A reconstrução do federalismo
brasileiro impõe a eliminação desse hibridismo para que das cinzas dessa
destruição possam renascer as instituições de um federalismo renovado e
vigoroso. A tarefa de reconstrução reclama a modernização do edifício
federal, sem o sacrifício iconoclasta das fontes permanentes da concepção
federal brasileira, e assim o novo federalismo constitucional se converterá
em instrumento duradouro do desenvolvimento político, cultural, econômico
e social da nação brasileira.
3.3 Expectativas doutrinárias pré-constituinte de 1988
No tópico anterior percorremos o pensamento da doutrina de vanguarda e
com coragem para apontar de forma madura e criteriosa as mazelas do federalismo
brasileiro pré-1988. Agora, examinaremos as aspirações dos estudiosos do tema
com o processo constituinte que efervescia naquele período.
Tendo como referencial teórico inicial, não exclusivo, a obra de Machado
Horta95 que preconizava, desde 1958, “a solução de problemas do federalismo
brasileiro reclama revisão da organização federativa de 1946”.
A revisão da organização federativa há de preservar o federalismo
cooperativo e financeiro, que não poderá ser sacrificado em benefício do federalismo
político. No entender de Machado Horta, a correção da centralização manifestada no
Estado Federal é problema cuja solução depende, em grande parte, da repartição
das rendas federais. Impõe-se substituir a repartição fragmentária e dissipadora por
uma
repartição
sistematizada,
obediente
a
critérios
legais
previamente
estabelecidos. O critério legal prévio, pela impessoalidade e obrigatoriedade de que
se reveste, impedirá a repartição caótica, geralmente vinculada a compromissos e
decisões de natureza política e partidária.
O critério legal da repartição preserva as posições partidárias, quando
eventualmente antagônicas as situações dominantes no Governo Federal e no
Estado membro, poupando constrangimentos recíprocos, e permite observância
95
Perspectivas do Federalismo Brasileiro, Estudos Sociais e Políticos, p.
objetiva
do caráter compensatório da repartição financeira das rendas federais.
Prossegue o autor, com efeito, a fórmula da repartição das rendas federais,
mediante a generalização do sistema da participação em cotas tributárias dos
demais impostos, afigura-se-nos solução capaz de corrigir o federalismo
centralizador.
Em 198196, o mestre mineiro97, diante da penúria em que viviam os
Municípios brasileiro, retratada no Relatório do Tribunal de Contas da União de
197898, e partindo da verificação generalizada de que a concentração tributária da
União agigantou o orçamento federal e empobreceu os orçamentos estaduais e
locais, extraiu três significativas conclusões: da repartição tributária federal então
adotada.
Primeira: os percentuais constitucionais da participação dos
Estados, dos Municípios, dos Territórios e do Distrito Federal devem ser
majorados em função da grandeza dos recursos tributários da União e de
seu processo de concentração; Segunda: simplificar o processo de entrega
dos recursos captados nos Fundos de Participação e na receita federal da
tributação única, de forma a eliminar a subordinação das entidades
beneficiadas às autoridades federais; Terceira: impõe-se devolver ao
Estado-Membro a plena competência legislativa em matéria do ICM,
removendo a abundante legislação federal de regulamentação exaustiva do
imposto estadual, notoriamente sacrificado na sua função fiscal de suporte
do sistema tributário do Estado pela intromissão do comando federal.
Em 1985, mais uma vez vaticinava Machado Horta99 100.
96
Conferência proferida no Seminário de Direito Constitucional promovido pelo Instituto dos
Advogados de Minas Gerais em 19 de maio de 1981.
97
Reconstrução do federalismo brasileiro, p. 26.
98
Síntese do Relatório, Diário Oficial da União – Seção I – Parte I, pág. 9.601.
99
Organização constitucional do federalismo, p. 22.
100
Estrutura da Federação, pp. 53-56. Para aprofundar no assunto, veja palestra proferida
pelo mestre mineiro. Entre as grandes tarefas da geração atual destaca-se a de reconstruir a
Federação, modelando instituições que possam projetá-la no próximo milênio. O centro da
reconstrução da Federação Constitucional reside na repartição de competências, para redefinir as
áreas de atuação da União Federal, dos Estados-membros e de outros níveis de Governo. A
Federação projetada para o futuro requer repartição de competências ajustada a tal objetivo. A
repartição clássica, que fomos buscar no Federalismo norte-americano dos fins do Séc. XVIII, deve
ser abandonada. Ela conduziu à centralização dos poderes federais e à negação dos poderes locais.
A técnica da repartição de competências adotada originariamente pela Constituição norte-americana
– poderes enumerados à União e poderes reservados aos Estados – presumia que no seu
desdobramento saíssem os Estados-membros beneficiários dos acréscimos futuros de matéria
legislativa. [...] A evolução do Estado Federal caminhou em direção contrária. A União Federal
ampliou os poderes enumerados, explicitou os poderes implícitos e esse processo de dilatação e de
concentração dos poderes federais acabou reduzindo cada vez mais o volume dos poderes
reservados aos Estados. O processo de dilatação dos poderes federais é intenso nos Estados de
mudança constitucional freqüente, como é o caso do Brasil. A reconstrução do Federalismo brasileiro
reclama a reformulação da repartição de competência. É necessário encontrar uma fórmula de
[...] Esperamos que a reconstrução da República federal restaure
na sua plenitude os poderes dos Estados, sem prejuízo da missão nacional
da Federação, para, sob a égide inovadora do federalismo de equilíbrio,
preservar a integridade da Nação, a indissolubilidade do vínculo federativo,
o desenvolvimento da União e dos Estados e associar o Estado federal à
realização dos objetivos do Governo democrático.
equilíbrio, que não sacrifique os poderes nacionais e soberanos da União, mas que, ao mesmo
tempo, seja capaz de oferecer aos Estados maiores fontes para exercício de sua competência
legislativa. É a solução que oferece o campo da legislação comum, a ser explorado conjuntamente
pela União e pelos Estados. No Brasil, esse caminho novo aflorou na Constituição de 1934 (art. 5º, §
3º). E a competência legislativa dual foi mantida na Constituição Federal de 1946 (art. 6º).[...]. Impõese substituir o Federalismo hegemônico e centralizador pelo Federalismo de equilíbrio, que ainda não
praticamos. No Federalismo de equilíbrio as áreas de competência geral e exclusiva da União,
localizando nesse âmbito os poderes nacionais e soberanos, inerentes à União. Prosseguindo no
processo constitucional de competências, a etapa posterior identificará na própria Constituição
Federal a competência comum à União e aos Estados-membros, de modo que as matérias incluídas
nesse campo submetam a dupla atividade de legislação e administração, em momentos separados: a
União Federal no domínio da legislação de normas gerais e os Estados-membros no domínio da
legislação suplementar. A competência legislativa dual se exercerá no quadro de verdadeiro
condomínio legislativo, explorado conjuntamente pela União e pelos Estados, e nesse condomínio da
legislação de normas gerais e suplementares ingressará a matéria que o constituinte federal
designar. A repartição de competências, assim concebida em suas linhas estruturais, ultrapassará a
secular distinção entre poderes enumerados da União e poderes reservados dos Estados e
implantará a descentralização dentro da Constituição Federal. A descentralização não se deteria na
repartição renovada de competências. Prosseguiria na ampliação dos níveis de competências e de
organização das entidades do governo local. [...]. É claro que essa transformação do Federalismo ,
que registraria a passagem do Federalismo hegemônico e centrípeto do passado ao Federalismo de
equilíbrio e regionalizado do futuro, imporia, também alterações no esquema constitucional da
repartição financeira e tributária, de modo a superar a concentração fiscal do Federalismo
hegemônico e alcançar a descentralização tributária do Federalismo de equilíbrio. A redistribuição de
impostos e receitas federais, estaduais e municipais, cujos percentuais da arrecadação fiscal
evidenciam a centralização danosa aos Estados e aos Municípios: União = 65,5%; Estado = 30,4%;
Municípios = 4,1%. O Sistema Tributário Nacional seria redimensionado, atribuindo maiores receitas
aos Estados e aos Municípios. O processo da repartição da Receita Federal, que é múltiplo, ampliaria
os percentuais do fundo de participação, introduzindo nesse domínio do chamado Federalismo
Cooperativo as Regiões Metropolitanas. Acrescentaria outros impostos ao elenco da distribuição dos
impostos especiais, para destinar parcela significativa dos impostos federais aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios. [...] A federação real, com a qual sonharam os republicanos de 1889,
dissolveu-se na Federação nominal de nossos dias, tornando-se a Federação uma lembrança do
passado distante em conflito com a realidade. A inversão da tendência centralizadora, que abalou o
Federalismo brasileiro, e a retomada do Federalismo real pressupõe a aceitação de fundamentos que
poderão coroar os esforços de reconstrução do Federalismo brasileiro, tarefa irrecusável da futura
Assembléia Constituinte. A estrutura da Federação brasileira experimentará alterações significativas e
o seu perfil constitucional possivelmente resultará da aglutinação dos seguintes fundamentos:
Primeiro: a associação indissolúvel da União e dos Estados-membros na composição dual da
Federação. Segundo: a repartição de competências desdobrável em quatro níveis distintos: a
competência geral da União, a competência legislativa exclusiva da União, a competência comum à
União e aos Estados-membros e a competência dos poderes reservados aos Estados autônomos.
Terceiro: a flexibilidade da repartição de competências, mediante regras dispondo sobre o exercício
dos poderes implícitos pela União Federal; a legislação estadual sobre matérias da competência
exclusiva da União e o exercício primário da legislação suplementar estadual, inexistindo lei federal
de normas gerais. Quarto: o tratamento constitucional autônomo aos níveis de governo que não
integram a Federação: o Distrito Federal, os Territórios Federais e os Municípios. Quinto: a introdução
das regiões na Constituição Federal, consagrando as diferentes formas do regionalismo econômico,
territorial e político: regiões de desenvolvimento econômico, regiões metropolitanas e regiões
autônomas.
Para Celso Ribeiro Bastos101 a União teria atuação restrita, mas relevante de
definir princípios basilares, de forma genérica, abstrata, reservando inteiramente aos
Estados a possibilidade de entrar em detalhes, em minúcias e complementar
realmente esta legislação, segundo os seus interesses e segundo as suas
particularidades locais. Por fim, propõe:
[...] um federalismo desigualitário, um federalismo flexível e um
federalismo despreocupado com essas formalidades [...].
Fernanda Almeida102 informa que durante o processo constituinte103 “os
relatórios que acompanham os respectivos anteprojetos demonstram claramente a
posição dos membros dessas Subcomissões104, favorável à modificação da
estrutura federativa no sentido de uma descentralização maior que levasse à
recuperação das autonomia periféricas”.
101
Propostas para a Constituinte, p. 74.
Competências na Constituição de 1988, p. 65.
103
Fernanda Almeida, Competências na Constituição de 1988, p. 63. Relata que por intermédio da
Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985, o Presidente da República convoca a
Assembléia Nacional Constituinte, que seria composta pelo Congresso Nacional a ser eleito em 15 de
novembro de 1986. Nos termos do ato convocatório, dá-se a instalação da Constituinte em 1º de
fevereiro de 1987, seguindo-se um processo de gestação longa e difícil, ao cabo do qual é
promulgada a nova Constituição em 5 de outubro de 1988.
104
Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios, a Subcomissão dos Estados e a
Subcomissão de Municípios e Regiões vinculadas à Comissão da Organização do Estado durante a
Constituinte.
102
Capítulo 4
O Estado Federal Brasileiro Atual
A forma do Estado brasileiro é a federal. A federação consiste na união de
coletividades regionais autônomas que a doutrina chama de Estados federados105
106
. O cerne do conceito de Estado federal está na configuração de dois tipos de
entidades: a União e as coletividades regionais autônomas (Estados federados), e
ainda os Municípios, no caso brasileiro.
A União é a entidade federal formada pela reunião das partes componentes,
constituindo pessoa jurídica de Direito Público interno, autônoma em relação aos
Estados e a que cabe exercer as prerrogativas da soberania do Estado brasileiro. Já
Estado Federal, com o nome de República Federativa do Brasil, é o todo, ou seja, o
complexo constituído da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios, dotado
de personalidade jurídica de Direito Público Internacional107.
4.1 União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios
Os Estado-membros108 são entidades federativas componentes, dotadas de
autonomia e também de personalidade jurídica de Direito Público interno109 . O
Distrito Federal surgiu da transformação do antigo Município neutro, que era a sede
105
SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, p.100.
Essas coletividades denominam-se Estados no Brasil, Estados Unidos, México e Venezuela;
Províncias, na Argentina; Cantões, na Suíça e Länders, na Alemanha. SILVA, ob. cit., pp. 99-100.
(SILVA J. A., 2003, pp. 99-100).
107
SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 491.
108
Machado Horta identifica dois processos de formação de Estados: por aglutinação histórica e real
ou por imputação normativa, mediante a criação jurídica dos Estados no documento de fundação do
Estado Federal, in O Estado-membro na Constituição Federal Brasileira, p. 61. Sendo esse último a
experiência brasileira.
109
SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 100.
106
da corte e capital do Império. A Constituição nos arts. 1º e 18 o inclui como um dos
componentes da República Federativa do Brasil, considerado sempre como unidade
federada ou unidade da Federação, onde essas expressões foram usadas110. A
autonomia municipal, por seu turno, é assegurada pelos arts. 18 e 29, e garantida
contra os Estados no art. 34, VII, “c”, da Constituição.
Autonomia significa capacidade ou poder de gerir os próprio negócios,
dentro de um círculo prefixado por entidade superior. Foi reconhecido aos
municípios o poder de auto-organização, ao lado do governo próprio e de
competências exclusivas111. Os Estados federados são titulares tão-só de
autonomia, compreendida como “governo próprio dentro do círculo de competências
traçadas pela Constituição Federal”. A autonomia assenta-se em dois elementos
básicos: a) na existência de órgãos governamentais próprios, que não dependam
dos órgãos federais quanto à forma de seleção e investidura; b) na posse de
competências exclusivas, um mínimo, ao menos, que seja ridiculamente reduzido112 .
O Estado federal é caracterizado por duas tendências: a unitária
representada pela União e pela disjuntiva (federativa) representada pelos Estados
federados. O Estado federal significa a síntese jurídica de um processo políticosocial caracterizado pela antítese disjunção-integração. A tensão entre esses dois
aspectos contraditórios tem proporcionado, ao longo de nossa história, as variações
do federalismo brasileiro. Ora predominando a disjunção do estadualismo na
Primeira República, ora a integração do centralismo no regime de 1964-1988113 .
4.2 Competência
Competência é a esfera delimitada de poder que se outorga a um órgão ou
entidade estatal, mediante a especificação de matérias sobre as quais se exerce o
110
SILVA, ob. cit., p. 629.
SILVA, ob. cit., p. 620.
112
SILVA, ob. cit., p. 100.
113
SILVA, ob. cit., p. 492.
111
poder de governo, sendo que a repartição de poderes autônomos constitui o núcleo
do conceito do Estado federal114.
A doutrina defende o princípio geral da predominância do interesse que deve
nortear a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado
federal115. O princípio geral que norteia a repartição de competência entre as
entidades componentes do Estado federal é o da predominância do interesse. Celso
Bastos116 propõe uma regra de ouro: “nada será exercido por um poder de nível
superior desde que possa ser cumprido pelo inferior. [...], o município prefere ao
Estado e à União. O Estado, por sua vez, prefere à União”.
A Constituição de 1988 adota um sistema complexo de repartição de
competências que busca realizar o equilíbrio federativo117, por meio de uma
repartição de competências que se fundamenta na técnica da enumeração dos
poderes da União (arts. 21 e 22), com poderes remanescentes para os Estados (art.
25, § 1º) e poderes definidos indicativamente para os Municípios (art. 30), mas
combina, com essa reserva de campos específicos (nem sempre exclusivos, mas
apenas privativos), possibilidades de delegação (art. 22, parágrafo único), áreas
comuns em que se prevêem atuação paralelas da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios (art. 23) e setores concorrentes
entre União e Estados em que a
competência para estabelecer políticas gerais, diretrizes gerais ou normas gerais
cabe à União118, enquanto se defere aos Estados e até aos Municípios a
competência suplementar119 120.
A repartição de competências entre a União e os Estados-membros forma o
fulcro do Estado Federal, e constituem-se em duas esferas governamentais sobre a
114
SILVA, ob. cit., p. 494.
115
segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante
interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante
interesse regional, e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local. José Afonso da Silva,
ob. cit., p. 476.
116
BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional, p. 249.
117
Percebe-se que esse equilíbrio é apenas formal e permite uma concentração de poderes em torno
da União.
118
CF, arts. 21, XIX, XX, XXI; 22, IX, XXI, XXIV, e 24, § 1º.
119
CF, art. 24, §§ 2º e 3º, e art. 30, II.
120
SILVA, ob. cit., p. 477.
mesma população e o mesmo território: a da União e a de cada Estado-membro,
sendo que no Brasil, ainda há a esfera governamental dos Municípios121 .
4.3 Receitas
A Constituição de 1988 estabeleceu quanto à receita, duas fontes principais,
oriunda de tributos122, e ainda a derivada de exploração de bem ou atividade, que
incremente receita para a Administração. O sistema tributário foi escalonado para
discriminar competências exclusivas para a União, os Estados, o Distrito e o
Municípios criarem impostos, taxas e contribuições de melhoria123; a Constituição
Federal também permitiu o incremento financeiro exclusivo para a União que foi
autorizada instituir empréstimos compulsórios124, contribuições sociais, contribuições
de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou
econômicas125; já os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir
contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de
sistemas de previdência e assistência social126.
À União compete ainda instituir a contribuição social do salário-educação127 ,
e aos Estados compete explorar os serviços locais de gás canalizado128 e aos
Municípios os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte
coletivo129.
Repartição das receitas tributárias130 da União aos Estados e ao Distrito
Federal131, e dos Estados aos Municípios132 incide sobre tributos previamente
definidos no próprio texto constitucional; e ainda, na participação dos Estados e
Municípios no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos
121
SILVA, ob. cit., p. 101.
Entendidos em sentido lato, para incluir todas as exações: impostos, taxas, contribuições de
melhoria, inclusive as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico.
123
CF de 1988, arts. 145 e seguintes.
124
CF, art. 148, I e II, sendo que no inciso II os Estados e o DF participam do resultado.
125
CF, art. 149, caput.
126
CF, art. 149, parágrafo único.
127
CF, art. 212, § 5º.
128
CF, art. 25, § 2º.
129
CF, art. 30, V.
130
Do produto da arrecadação de impostos, inclusive de impostos não previstos (CF, art. 154, I).
131
CF, de 1988, art. 157.
132
CF, de 1988, art. 158, III e IV.
122
hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no
respectivo território; ou compensação financeira por essa exploração133.
Por último, ainda dentro do espectro da tributação, a imunidade recíproca
atinge apenas os impostos.
4.4 Despesas
Quanto a despesa, destaco apenas aquelas concernente à Seguridade
Social e Educação, a escolha não foi alheatória, tendo em vista a existência de
encargos para a União, Estados e DF e Municípios e arrecadação apenas para a
União, fruto de uma interpretação equivocada dos dispositivos constitucionais.
Inicio analisando o título da Seguridade Social, na Constituição Federal de
1988, que contempla três grandes áreas: Saúde, Previdência Social e Assistência
Social. A Previdência Social por ter características próprias de caráter retributivo e
securitário não merecerá a análise pormenorizada. Detenho-me inicialmente quanto
à Saúde.
A saúde é direito de todos e dever do Estado134
135
, garantido mediante
políticas sociais e econômicas, o acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, que integram uma rede regionalizada e hierarquizada e
constituem um sistema único de saúde financiado, nos termos do art. 195, com
recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Município, além de outras fontes136 .
Conforme foi examinado anteriormente, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios não instituem contribuições sociais, mas financiam o sistema com
recursos próprios compreendidos na seguridade social137.
A assistência social será prestada pela União a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição, o que inclui no ensino fundamental, através de
programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e
133
CF, art. 20, § 1º.
CF, art. 196.
135
Estado entendido nas três esferas: federal, estadual e municipal.
136
CF, art. 198, parágrafo único.
137
Pois o orçamento da seguridade social é único, nos termos do art. 165, § 5º, III da CF.
134
assistência à saúde138
140
Municípios
139
, mas financiada também por Estados, Distrito Federal e
:
Quanto à educação141 , estabelece a Constituição que o Município atuará
prioritariamente no ensino fundamental e pré-escolar aplicará juntamente com os
Estados, o Distrito Federal vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante
de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e
desenvolvimento do ensino, enquanto que a União aplicará nunca menos de dezoito
por cento142 .
Esse, em linhas gerais, é o modelo de Estado Federal Cooperativo pelo
constituinte de 1988. Convém registrar, que não se tem a pretensão de que o
modelo idealizado inicialmente pelo legislador constituinte de 1988 ficasse imune a
aprimoramentos e modificações, porque desde muito, prevalece a idéia de que é
possível alterar o texto constitucional segundo o rito previsto pela própria
constituição, o problema ocorre quando as modificações deturpam de tal forma as
relações entre os entes-federais, que a conclusão seguinte sobressai, o Brasil
permanece
uma
Federação?
Por
isso
é
preciso,
examinar,
ainda
que
superficialmente, o Poder Constituinte, suas características, tipos, limites etc.
138
CF, art. 208, VII.
Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII,
serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos
orçamentários.
140
CF, art. 203
I – proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária.
V – benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não
possui meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, de um salário
mínimo.
141
Direito de todos e dever do Estado e da família – art. 205, CF.
142
CF, art. 212, caput.
139
Capítulo 5
Poder Constituinte
Adverte-nos Bonavides143 “poder constituinte sempre houve em toda
sociedade política”, sua teorização que o legitimasse, numa de suas formas ou
variantes, só veio a existir desde o século XVIII, por obra da sua reflexão iluminista,
da filosofia do contrato social, do pensamento mecanicista anti-historicista e antiautoritário do racionalismo francês, com sua concepção de sociedade.
5.1 Conceito, espécies e natureza
Nas palavras de Gonet Branco144 , “poder constituinte originário [...] é a força
política consciente de si que resolve disciplinar os fundamentos do modo de
convivência na comunidade política” .
Possui três características básicas e essenciais: inicial, ilimitado (ou
autônomo) e incondicionado)145. Em razão da primeira característica o conflito de
leis com a Constituição Federal encontrará solução na prevalência desta, por ser
obra suprema que inicia o ordenamento jurídico. Interessa-nos, apenas a primeira
característica para o nosso estudo em razão da conseqüência advinda de sua
atuação e os problemas práticos que resultam: supremacia da Constituição.
143
BONAVIDES, Curso de Direito Constitucional, p. 120.
MENDES, COELHO e GONET BRANCO, Curso de Direito Constitucional, p. 187.
145
MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., p. 188.
144
Gonet Branco146 resume com precisão:
O conflito de leis com a Constituição encontrará solução na
prevalência desta, justamente por ser a Carta Magna produto do poder
constituinte originário, ela própria elevando-se à condição de obra suprema,
que inicia o ordenamento jurídico, impondo-se, por isso, ao diploma inferior
com ela inconciliável.
Preliminarmente convém registrar que o estudo do poder constituinte de
reforma somente tem qualquer sentido prático para a compreensão de suas
características e limitações, quando se trata de constituição rígida. “Rígidas são as
constituições que somente são alteráveis por meio de procedimentos especiais,
mais complexos e difíceis do que aqueles próprios à atividade comum do Poder
Legislativo”147.
A Constituição flexível equipara-se, no que tange ao rito de sua reforma, às
leis comuns. Sendo um poder instituído, o poder de reforma está sujeito a limitações
de forma e de conteúdo148.
Gonet Branco149 esclarece:
Dois conjuntos de fatores influenciam a adoção desse tipo de Lei
Maior. De um lado, a convicção de que as constituições não devem
pretender ser imodificáveis – já que isso seria um convite ao recurso fatal
das revoluções -; de outro, a impressão de que a vontade do constituinte
originário não deve ficar ao alvedrio de caprichos momentâneos ou de
maiorias ocasionais no poder.
Baracho150 adverte para a ação do Poder Constituinte Derivado no
federalismo
No Estado federal, as formas que promovem reforma, revisão ou
emenda, pelas conseqüências que advêm para a estrutura do poder central
ou da organização do Estado membro, tornam-se mais complexas. Uma
reformulação que venha atentar para as particularidades da própria forma
federal, mesmo que entendesse apenas modificação da União,
normalmente poder repercutir no seu relacionamento com os Estados
particulares.
146
MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., pp. 192-193.
J.H. Meirelles Teixeira apud MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., p. 203.
148
Denominada de cláusula pétrea.
149
MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., pp. 203-204.
150
BARACHO, ob. cit., p. 60.
147
As emendas constitucionais são concebidas para assegurar uma certa
estabilidade ao texto da constituição e ao mesmo tempo permitir uma evolução
diante dos novos vetores sociais, denominados por Lassale151 por fatores reais de
poder “que atuam no seio de cada sociedade, [...] ativa e eficaz, que informa todas
as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em
substância, a não ser tal como elas são”, que poderiam transformar a Constituição
numa “folha de papel”152 .
Por isso, é perfeitamente aceitável que o poder constituinte originário
reserve uma parcela intangível do texto promulgado, que lhe confere identidade, o
que a doutrina denomina de cláusula de imutabilidade, ou também cláusula pétrea.
5.2 Limitações de conteúdo ou materiais
O tema é tormentoso e provoca polêmicas sobre as restrições impostas ao
poder de reforma. Pois se de um lado a reforma da Constituição evita seu
engessamento e tem por objetivo revitalizá-la como um todo, eliminando as normas
que não mais se justificam política, social e juridicamente; do outro, é preciso
preservar a identidade básica do texto, “como forma de manter a unidade no tempo
do [...] trabalho” do poder constituinte originário153.
Gonet Branco154 com sua argúcia explica que as cláusulas de perpetuidade
“perfazem um núcleo essencial do projeto do poder constituinte originário, que ele
intenta preservar de quaisquer mudanças institucionalizadas”. E o fundamento
jurídico de tal restrição decorre da posição de superioridade jurídica do poder
151
LASSALLE, ob. cit., pp. 10-11.
Nota do Editor: Alusão à célebre frase de Frederico Guilherme IV, que disse: Julgo-me obrigado a
fazer agora, solenemente, a declaração de que nem no presente nem para o futuro permitirei que
entre Deus do céu e o meu país se interponha uma folha de papel escrita como se fosse uma
segunda Providência. LASSALLE, p. 23.
153
MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., p. 206.
154
MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., p. 207.
152
constituinte originário em face do poder de reforma, e, em suma, visa prevenir uma
processo de erosão da Constituição155 .
A cláusula pétrea não tem por escopo preservar a redação de uma norma
constitucional – “ostenta, antes, o significado mais profundo de obviar a ruptura com
princípios e estruturas essenciais da Constituição”156. Gonet Branco157 sintetiza com
extrema lucidez: “A garantia de permanência em que consiste a cláusula pétrea, em
suma, imuniza o sentido dessas categorias constitucionais protegidas contra
alterações que aligeirem o seu núcleo básico ou debilitem a proteção que fornecem”.
5.3 Cláusula pétrea em espécie – forma federativa do Estado
O parágrafo quarto do artigo 60 da Constituição Federal enumera em quatro
incisos as cláusulas de perpetuidades da Carta de 1988, das quais interessa-nos,
por limitação teórica, apenas a forma federativa do Estado158 .
Aborda Gonet Branco159
Não é passível de deliberação a proposta de emenda de desvirtue
o modo de ser federal do Estado criado pela Constituição, em que se divisa
uma organização descentralizada, tanto administrativa quanto politicamente,
erigida sobre uma repartição de competência entre o governo central e os
locais, consagrada na Lei Maior, onde os Estado federados participam das
deliberações da União, sem dispor do direito de secessão.
Toda modificação constitucional, feita com desrespeito do procedimento
especial estabelecido (iniciativa, votação, quorum etc), ou de preceito que não possa
ser objeto de emenda, padecerá de vício de inconstitucionalidade formal ou material,
155
MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., p. 208.
MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., p. 209.
157
MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., p. 211.
158
Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: LTr, 1988.
Art. 60, § 4º, inciso I.
159
MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., p. 212.
156
conforme o caso, e assim ficará sujeita ao controle de constitucionalidade pelo
Judiciário, tal como se dá com as leis ordinárias160.
5.4 Mínimo Federativo e cláusula pétrea
É sabido que a cláusula pétrea visa proteger o núcleo essencial do instituto
de alterações que terminem por mutilar e desconfigurar o produto elaborado pelo
constituinte originário. Para se analisar suposta violação ou não ao art. 60, § 4º, I da
CF de 1988, é preciso divisar o que seja esse núcleo essencial do federalismo ou
“Mínimo Federativo”, que pela originalidade e pelo ineditismo merecem ser
transcritas as palavras de Orlando Bitar161
162
Eis o MÍNIMO FEDERATIVO – os 20 Estados que constituem a
União se mantêm unidos e sua FEDERAÇÃO – seu pacto, seu foedus
repousa sobre a aceitação solene e consentida (seus representantes
elaboraram a Constituição – participando da vontade estatal) daquelas
BASES UNIFORMES. Tais Bases nós a denominamos O EIXO DA
FEDERAÇÃO. É em torno delas que a Nação gira, enquanto o Estado, sua
forma institucionalizada, é FEDERATIVO. Quebrado um daqueles princípios
– é DEVER DA UNIÃO (na qual estão hipostasiadas as demais entidades
membros) INTERVIR – não para punir, nem se concebe hoje a intervenção
neste caráter repressivo de <<morra por ello>>, mas para restaurar, para
refazer o equilíbrio, para REAMOLDAR A ESTRUTURA COMPROMETIDA
(v. Temistocles e Pontes de Miranda). Aqueles princípios, então, são
cardiais, são medulares, são AXIAIS.
Georges Scelle163 citado por Machado Horta, oferece as características
gerais do Estado Federal: I – participação do Estado-membro na formação da
vontade federal; II – autonomia constitucional do Estado-membro; III – existência de
atribuições exclusivas na área do Estado-membro164 165.
160
SILVA, ob. cit., p. 68.
Prova escrita do autor, no concurso de Direito Constitucional a que se submeteu na Faculdade de
Direito da Universidade do Pará, tendo sido realizada na ligação legal de seis houras, das 20,00
horas do dia 15 às 2,00 do dia 16, de junho de 1955.
162
BITAR, ob. cit., p. 45.
163
Georges Scelle – “Précis de Droit dês Gens”, Recueil Sirey, Paris, 1932, p. 198 apud HORTA, p.
14.
164
HORTA, Perspectivas do Federalismo Brasileiro, p. 14.
165
Melhor explicando, HORTA, Perspectivas do Federalismo Brasileiro, p. 14: “A tipicidade
do Estado Federal pode ser sustentada com fundamento nas seguintes características dominantes da
161
Gonet Branco166 esmiúça melhor o tema:
1)
Autonomia, que importa necessariamente em descentralização do
poder, não apenas administrativa, como também política; 2) Existência de
167
uma Constituição Federal ; 3)Repartição de competências previstas
constitucionalmente; 4) Participação dos Estados-membros na vontade
federal; 5) Inexistência de direito de secessão e 6) Conflitos: o papel da
Suprema Corte e a intervenção federal.
Retomando a idéia de Bitar, a intervenção federal e a atuação da Corte
Constitucional são fundamentais para a preservação e o funcionamento do sistema,
funcionando como os baldrames do Federalismo, uma vez que revelam sua
importância nos momentos de crise ou conflito, pois quando ocorrer uma quebra dos
princípios federativos, pelos Estados-membros, o Distrito Federal ou Municípios, “é
DEVER DA UNIÃO168 [...] INTERVIR – não para punir, nem se concebe hoje a
intervenção neste caráter repressivo de <<morra por ello>>, mas para restaurar,
para refazer o equilíbrio, para REAMOLDAR A ESTRUTURA COMPROMETIDA”169
(BITAR, 1978, p. 45). Por outro, lado quando a violação decorre de ato170 da União,
por ação do Poder Constituinte Derivado171 é dever do Supremo Tribunal Federal
intervir para sanar o conflito federativo.
As características básicas da federação citadas pelos autores são
complementares e não excludentes; para o nosso mister, interessa-nos, o exame da
autonomia em seus aspectos essenciais: administrativa172 e financeira.
organização federativa: I – dualidade de ordens governamentais e sua co-existência, cada uma
dotada de órgãos próprios de expressão; II – repartição constitucional de competências, a ser feita de
acordo com o método preferido pelo constituinte federal. No Brasil, a forma mais freqüente de
repartição é a que enumera a competência da União e reserva aos Estados os poderes não
delegados, isto é, os poderes que, implícita ou explicitamente, não lhes sejam proibidos pela
Constituição Federal; III – autonomia constitucional do Estado-membro, com maior ou menor
limitação ao poder de auto-organização, segundo critério do constituinte federal; IV – organização
peculiar do Poder Legislativo federal, permitindo participação destacada do Estado-membro na
formação de órgão daquele poder; V – existência de técnica específica, a intervenção federal,
destinada a manter, em caso de violação, a integridade territorial, política e constitucional do Estado
Federal” (HORTA, Perspectivas do Federalismo Brasileiro, Estudos Sociais e Políticos, 1958, p. 14).
166
MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., pp. 754-757.
167
Segundo Gonet Branco, p. 755: “alguns autores sustentam, ainda, que a Constituição Federal
deve ser rígida e que o princípio federalista deve ser cláusula pétrea, para prevenir que a União
possa transformar a Federação em Estado Unitário”.
168
E dos Estados nos Municípios.
169
BITAR, ob. cit., p. 45.
170
Compreendido como ato legislativo, pois os atos administrativos são protegidos por ação judicial
originária movida perante o Supremo Tribunal Federal.
171
Que no Brasil por opção constitucional é exercido pelo Poder Legislativo Regular.
172
Que resulta na existência de atribuições exclusivas do Estado-membro.
Quanto a repartição de competências, bem ou mal, a Carta de 1988,
procurou repartir poder, sem contudo, atribuir qualquer competência material aos
Estados, DF e Municípios, que para não cansar o leitor apresento as palavras do
saudoso mestre Machado Horta173.
O que caracteriza a autonomia administrativa, política e financeira do
Estado-membro?
Mais uma vez apregoa o mestre mineiro174 :
A autonomia do Estado-Membro é requisito básico para qualificar
a natureza do Estado Federal e sem ela a coletividade estadual não se
distinguiria da Província do Estado unitário dotada da descentralização
administrativa. Desde a Constituição Federal de 1891 (art. 63), a autonomia
do Estado pressupõe, necessariamente, a capacidade de auto-organização,
mediante a elaboração da Constituição e das leis que vão preencher o
ordenamento autônomo do Estado. É certo que essa capacidade de autoorganização, sendo peculiar a ente autônomo, não pode exteriorizar-se em
competência incondicionada, de que os Estados não dispõem. É natural que
se submeta o poder constituinte do Estado-Membro às limitações impostas
pelos princípios constitucionais que definem a fisionomia do federalismo
constitucional e assegurem a primazia da União na matéria de sua
competência.
A auto-organização não esgota-se com a elaboração de leis e da
Constituição Estadual, mas espraia-se pelas demais áreas administrativas e
financeira.
Francisco Campos175 advertiu, quando examinava a imunidade recíproca da
União, dos Estados e dos Municípios na Constituição de 1946, a respeito da
173
Preleciona Machado Horta, Reconstrução do federalismo brasileiro, pp. 14-15: “Pela
ordem de grandeza, impõe-se rever a técnica constitucional da repartição de competências, pois nela
reside a fonte de onde brota a tendência centralizadora da Federação. Em noventa anos de
federalismo republicano poucas inovações se introduziram na técnica brasileira da repartição de
competências. Continuamos fiéis ao sistema norte-americano dos poderes enumerados da União e
dos poderes reservados aos Estados. Na sua origem, admitiu-se que essa técnica não só explicitaria,
desde logo, os poderes nacionais da União, como também permitiria que, no tempo, os EstadosMembros fossem progressivamente absorvendo os poderes novos e não incluídos na expressa
catalogação dos poderes federais. A dinâmica dos fatos frustou essa expectativa, seja pela revelação
judiciária dos poderes implícitos da União, na área da Constituição estática, seja pela mudança
constitucional freqüente, fazendo com que toda Constituição ulterior alargasse progressivamente o
campo dos poderes da União com reflexos negativos no domínio dos poderes reservados aos
Estados, submetidos ao sucessivo retraimento qualitativo e quantitativo de sua matéria. É hora de
abandonar a rigidez da técnica do federalismo clássico para consagrar soluções modernas, dotadas
de maior flexibilidade operacional e que, assegurando o primado da União soberana nos assuntos de
sua competência nacional, não inibam, de outro lado, a exploração das potencialidades dos EstadosMembros”.
174
HORTA, Reconstrução do federalismo brasileiro, p. 20.
interdependência entre autonomia do ente federativo e sua capacidade tributária,
que pela pertinência merece destaque
[...] Nenhum campo, porém, como o tributário, mais propício ao
conflito de poderes, mais fértil em oportunidades para a concorrência
prejudicial entre os governos, seja conscientemente orientada no mau
sentido, e, portanto, desleal ou ilícita, seja por motivo da fluidez ou da
indeterminação da matéria tributária, que, sendo a mesmo e uma só, por
mais precisamente que se recortem no mapa constitucional os contornos da
sua divisão, comportará sempre a espécie esquiva e fugidia dos casos
marginais, cuja ambigüidade dá lugar a que sôbre êles se concentrem os
fogos cruzados dos fiscos concorrentes. [...] No regime federativo é
essencial que um dos governos não possa regular as atividades do outro. O
poder de regulamentar envolve o de constranger, limitar, reduzir, ou
cercear. E não existe instrumento mais eficaz de regulamentação do que o
poder de tributar. Quem tributa pode constranger, limitar, reduzir, cercear,
impedir, obstruir ou anular as faculdades do tributado. Na discrição de quem
tributa está a escola da natureza e da medida do tributo. O poder político
que passasse a incidir sob a competência tributária de outro, estaria,
inquestionavelmente, a êste avassalado, submetido à sua mercê,
dependente da sua vontade, escravo das suas exigências, arregimentado
ao seu serviço, com a própria subsistência material ameaçada, incapaz de
deliberar sôbre os fins, por não ser senhor dos meios e instrumentos
necessários à sua realização.
Assim, o grande tema a ser examinado diz respeito à autonomia do Estadomembro em seus múltiplos aspectos, financeiro, tributário e das despesas
obrigatórias.
5.5 Modificações Constitucionais
É importante destacar que “a federação não é um esquema jurídico que
possa ser transformado em realidade tão-só pela sua enunciação no Texto
Constitucional. A federação, como a democracia, é um processo que necessita
constante aperfeiçoamento e adaptação a novas realidades”176. Com isso percebese, que o modelo de federação implantado no texto original da Constituição de 1988
não ficaria imune a alterações. A reflexão que se busca é examinar se as
modificações produzidas pelo Constituinte de segundo grau poderia descaracterizar
totalmente a opção adotada inicialmente pelo Constituinte. Pois, “a federação nada
175
176
CAMPOS, Direito Constitucional, vol. I, pp. 18-21.
BASTOS, ob. cit., p. 293.
mais é do que a transplantação para o plano geográfico da tripartição de poderes do
plano horizontal, de Montesquieu. Portanto, ela serve ao mesmo princípio de que o
poder repartido é mais difícil de ser arbitrário”177.
Ao comentar o agigantamento da União em face dos demais entes
federativos Ribeiro Bastos178 destaca a “intromissão incomensurada levada a cabo
pelo poder central na esfera normalmente reservada aos particulares sobretudo em
matéria econômica” e conclui que “um poder central estatizante é inconvivente com
uma autêntica federação, que pressupõe um equilíbrio entre as diversas esferas
governamentais”.
5.6 Emendas Constitucionais que envolvem o Federalismo
Cabe inicialmente a advertência de Baracho179 “uma reformulação que
venha atentar para as particularidades da própria forma federal, mesmo que
entendesse apenas modificação da União, normalmente poder repercutir no seu
relacionamento com os Estados particulares”.
Toda a discussão em torno de federalismo deve examinar a dicotomia entre
o centro e a periferia, em menos de 20 anos de vigência da Carta Política de 1988, o
poder constituinte reformador foi pródigo em alterá-la em mais de meia centena de
emendas, sendo que as alterações incidem, sobretudo em dois temas caros ao
federalismo: autonomia administrativa e financeira dos entes federais.
As primeiras emendas constitucionais ao texto da Carta de 1988, remontam
a 1993, modificaram substancialmente o modelo de federalismo proposto pelo
constituinte originário180 .
177
BASTOS, ob. cit., p. 293.
BASTOS, ob. cit., p. 293.
179
BARACHO, ob. cit., p. 60.
180
1. Emenda Constituição n. 3, de 17 de março de 1993:
i. alterou o § 6º do art. 150, para acrescentar a regra de que isenções, incentivos e benefícios
fiscais concedidos ou revogados relativos ao ICMS atenda aos critérios estabelecidos em lei
complementar para que os Estados e o Distrito Federal deliberem.
178
ii. Extinguiu o adicional de até cinco por cento do imposto de renda pago à União, incidente sobre
lucros, ganhos e rendimentos de capital – previsto no inciso II do art. 155 - de competência dos
Estados e Distrito Federal.
iii. Extinguiu a incidência do ISS sobre operações relativas a energia elétrica, combustíveis líquidos
e gasosos, lubrificantes e minerais do Pais – previsto no § 3º do art. 155 - de competência dos
Municípios .
iv. Extinguiu o imposto sobre vendas a varejo de combustíveis líquidos e gasosos, exceto óleo
diesel – previsto no inciso III do art. 156 - de competência dos Municípios.
v. Excluiu a regra de que o ISS não excluía a incidência do ICMS sobre a mesma operação –
180
prevista no § 3º do art. 156 – de competência dos Estados.
vi. Criação pela União do imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e
direitos de natureza financeira (IPMF) – art. 2º da EC n. 3, de 17/3/1993.
2. Emenda Constitucional de Revisão n. 1, de 1º de março de 1994, institui o Fundo Social de
Emergência incluindo os artigos 71, 72 e 73 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
3. Emenda Constitucional n. 10, de 4 de março de 1996, prorrogação do Fundo Social de Emergência
cuja denominação mudou para Fundo de Estabilização Fiscal a partir do início do exercício financeiro
de 1996 (art. 71, § 2º do ADCT).
4. Emenda Constitucional n. 12, de 15 de agosto de 1996, permite a União instituir contribuição
provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza
financeira incluindo o art. 74 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
5. Emenda Constitucional n. 14, de 12 de setembro de 1996, que modifica vários dispositivos da
Constituição Federal que afetam Estados e Municípios:
6. Emenda Constituição n. 15, de 12 de setembro de 1996, dispõe sobre a criação, incorporação, a
fusão e o desmembramento de municípios.
7. EC n. 17, de 22 de novembro de 1997, prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal.
8. EC n. 20, de 15 de dezembro de 1998, que autorizou a União a utilizar os recursos provenientes das
contribuições sociais para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime
geral de previdência social de que trata o art. 201 – inciso XI acrescentado ao art. 167.
9. EC n. 21, de 18 de março de 1999, que prorrogou por trinta e seis meses a cobrança da CPMF.
10. EC n. 25, de 14 de fevereiro de 2000, que instituiu limites para os subsídios dos vereadores e para o
total da despesa do Poder Legislativo Municipal.
11. EC n. 27, de 21 de março de 2000, que desvincula de órgão, fundo ou despesa, as receitas da União.
12. EC n. 29, de 13 de setembro de 2000, que cria novas hipóteses de intervenção federal nos Estados e
no Distrito Federal, e dos Estados nos Municípios em face de não aplicação do mínimo exigido na
manutenção e desenvolvimento do ensino.
13. EC n. 31, de 14 de dezembro de 2000, criação do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza,
inclusive pelos Estados e Municípios.
14. EC n. 33, de 11 de dezembro de 2001, alterou a redação do § 3º do art. 155, com a redação dada
pela EC n. 3, de 1993, para substituir a vedação de tributo para imposto, e permitir a criação de
contribuições de intervenção no domínio econômico pela União Federal (§ 4º do art. 177 – criado na
EC 33/01) sobre energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis
e minerais do País, sendo que as regras necessárias à aplicação do ICMS sobre combustíveis e
lubrificantes serão estabelecidas mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal (§ 2º, XII, g
do art. 155).
15. EC n. 37, de 12 de junho de 2002, cria:
i. Regras para as isenções dos municípios;
ii. Prorroga o prazo da CPMF;
iii. Fixa as alíquotas mínimas para o ISS – art. 88, I do ADCT
iv. Proibe isenção, incentivos e benefícios fiscais – art. 88, II do ADCT;
16. EC 42, de 19 de dezembro de 2003 – Altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências;
17. EC 43, de 15 de abril de 2004 – prorroga a aplicação, por parte da União, de percentuais mínimos do
total dos recursos destinados à irrigação nas Regiões Centro-Oeste e Nordeste;
18. EC 44, 30 de junho de 2004 – Altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências;
19. EC 53, de 19 de dezembro de 2006 – Dá nova redação aos arts. 7º. 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da
Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;
20. EC 55, de 20 de setembro de 2007 – Altera o art. 159 da Constituição Federal, aumentando a entrega
de recursos pela União ao Fundo de Participação dos Municípios.
21. EC n. 56, de 20 de dezembro de 2007 – Prorroga o prazo previsto no caput do art. 76 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias e dá outras providências.
As emendas constitucionais listadas afetam em múltiplos aspectos a
autonomia
dos
Estados-membros
desenvolvimento do presente trabalho.
e
Municípios
que
serão
abordados
no
SEGUNDA PARTE
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E O FEDERALISMO
CAPÍTULO 6
A Jurisdição constitucional
“A jurisdição constitucional emergiu historicamente como um instrumento de
defesa da Constituição, não da Constituição considerada como um puro nome, mas
da Constituição tida como expressão de valores sociais e políticos”181.
Segundo José Afonso182, o Brasil seguiu o sistema norte-americano,
evoluindo para um sistema misto e peculiar que combina o critério de controle difuso
por via de defesa com o critério de controle concentrado por via de ação direta de
inconstitucionalidade, incorporando também agora a ação de inconstitucionalidade
por omissão (art. 102, I, “a”, e III, e 103).
A jurisdição constitucional tem como objeto a constituição compreendida
“não apenas como a Lei Fundamental do Estado183, mas também como o principal
instrumento de construção da sociedade do porvir”184. Ou seja, compreendendo que
a constituição brasileira possui elementos: orgânicos185, limitativos186 , sócioideológicos187 e de estabilização constitucional188.
181
SILVA, Direito constitucional positivo, p. 554.
Direito constitucional positivo, pp. 554-555.
183
Sem qualquer embargo às teorias que se debruçam sobre o tema.
184
GONET BRANCO, Curso de direito constitucional, p. 14.
185
“Orgânicos, que se contêm nas normas que regulam a estrutura do Estado e do Poder”, GONET
BRANCO, p. 13.
186
“Limitativos, assim denominados porque limitam a ação dos poderes estatais e dão a tônica do
Estado de Direito, consubstanciando o elenco dos direitos e garantias fundamentais: direitos
individuais e suas garantias, direitos de nacionalidade e direitos políticos e democráticos”, GONET
BRANCO, p. 13.
187
“Sócio-ideológicos, consubstanciados nas normas sócio-ideológicas, normas que revelam o
caráter de compromisso das constituições modernas entre o Estado individualista e o Estado Social,
intervencionista”, GONET BRANCO, p. 13.
188
“De estabilização constitucional, consagrados nas normas destinadas a assegurar a solução de
conflitos constitucionais, a defesa da Constituição, do Estado e das instituições democráticas,
premunindo os meios e as técnicas contra sua alteração e infringência, a não ser nos termos nela
própria estatuídos”, GONET BRANCO, pp. 13-14; e Formais de aplicabilidade, consubstanciadso nas
normas que estatuem regras de aplicação das constituições, assim o preâmbulo, o dispositivo que
contém as cláusulas de promulgação e as disposições transitórias” SILVA apud GONET BRANCO,
p. 14.
182
6.1 O Supremo Tribunal Federal
Existe um consenso, seja nos países que adotam a forma federativa, quanto
naqueles que descentralizaram seu Estado, ainda que tenha permanecido unitário,
de atribuir-se a um Tribunal a solução dos possíveis conflitos que possam surgir
entre as diversas entidades estatais189.
Daniel Reis sintetiza, com propriedade e clareza, a fecunda história da Corte
Constitucional Brasileira.190 O Supremo Tribunal é composto onze ministros,
escolhidos dentre pessoas de notável saber jurídico e reputação ilibada, maiores de
35 anos e menores de 65 anos, nomeados pelo Presidente da República, após a
aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal.
6.2 A criação do direito pela Corte Constitucional
Superado o dogma a respeito da criação judicial do Direito em face do
cânone hermenêutico da autonomia do objeto e do princípio constitucional da
separação dos Poderes191 , a interpretação das normas constitucionais “é um
189
SAMPAIO, A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional, p. 564.
O Supremo Tribunal de Justiça foi criado pela Constituição do Império, no art. 163.
Posteriormente, lei de 18 de setembro de 1828 organizou o Supremo Tribunal de Justiça, a ser
composto de dezessete juízes tirados das Relações por antigüidade, e com as atribuições fixadas no
art. 164 da mesma Constituição de 1824. Os juízes foram nomeados em 19 de outubro de 1828, e
decreto de 2 de janeiro de 1829 determinou que o Tribunal se instalasse em 9 desse mês. O
Supremo Tribunal de Justiça vinha substituir, na jurisdição e competência, a Casa da Suplicação do
Brasil, criada por alvará de 10 de maio de 1808, pelo Príncipe Regente. Os primeiros juízes, tendo
como Presidente, nomeado também pelo Imperador, O Conselheiro José Albano Fragoso – eles
tinham esse título e o tratamento de Excelência, dados por aquela lei. O Tribunal exerceu suas
atribuições até a promulgação do decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, data em que passou a
denominar-se Supremo Tribunal Federal, constituído, já aí, de apenas quinzes juízes, com o
tratamento de Ministros. Foram aproveitados dez dos dezessete juízes do antigo Tribunal. O
Supremo Tribunal Federal se instalou a 28 de fevereiro de 1891 e a respectiva ata de instalação pode
ser lida na antiga <Revista do Supremo Tribunal>, vol. 49, p. 400. O número de juízes foi diminuído
para 11, pelo decreto n. 19.656, de 3 de fevereiro de 1931. Foram, posteriormente, aposentados,
compulsoriamente, em decorrência desse decreto, seis magistrados. Permaneceram nove, sendo
preenchidas duas vagas e ficando constituído o Tribunal, apenas, de onze membros, número que
permanece até hoje. In O Supremo Tribunal do Brasil, p. 522.
191
Sobre o tema remeto o leitor ao item 5.3. do capítulo 1 da obra: Curso de Direito Constitucional, de
GONET BRANCO.
190
conjunto de métodos e de princípios, desenvolvidos pela doutrina e pela
jurisprudência com base em critérios ou premissas – filosóficas, metodológicas,
epistemológicas – diferentes mas, em geral, reciprocamente complementares” 192.
Com o advento do constitucionalismo moderno, o direito que aspira a
conotação de democrático, obra da persuasão e da razão, deve procurar uma
“adesão pensante”193. Nesse sentido defende Cristina Queiroz “Faz parte da
moderna teoria da interpretação determinar os fundamentos ‘racionais’ da sentença
decisória para que a partir desta a decisão possa ser controlável”194.
As decisões do Supremo Tribunal Federal por provirem do tribunal
constitucional brasileiro possuem um peso muito grande, “na medida em que o seu
conteúdo se ‘incorpora’ ao preceito constitucional na qualidade de ‘norma subconstitucional’”195. Significa dizer, que as decisões da Corte Suprema fixam
definitivamente o desenho do federalismo brasileiro a partir de suas decisões. Por
isso a análise dos acórdãos referente ao tema discorrido ganha relevo, identificando
a “natureza dos tribunais de justiça constitucional como ‘órgãos heterónomos’ de
produção jurídica”196.
Esse processo de produção jurídica é explicado por Cristina Queiroz197
Os tribunais de justiça constitucional quando invalidam a norma
legislativa “criam” a “norma constitucional parâmetro” ou “norma subconstitucional”. A passagem de uma “disposição significado-abstracto” ao
“valor-significado concreto” leva à “transformação” de um “princípio” em
198
“norma”, feito justamente através da fundamentação” . “Por isso se afirma
que a grande “arte” da interpretação constitucional se encontra na
“transformação” dessa justificação-motivação do juiz na fundamentação das
decisões judiciais”.
Sobre os limites da interpretação constitucional, Mártires Coelho desvela a
imprecisão, pontuando inicialmente que os limites da interpretação, coloca-se
primeiramente nos “domínios da comunicação humana”199 . Prossegue o autor
192
CANOTILHO apud GONET BRANCO, Curso de direito constitucional, p. 90.
PERELMAN apud QUEIROZ, Interpretação Constitucional e Poder Judicial, p. 161.
194
Interpretação Constitucional e Poder Judicial, p. 161.
195
KELSEN apud QUEIROZ, Interpretação Constitucional e Poder Judicial, p. 162.
196
AULIUS AARNIO apud QUEIROZ, Interpretação Constitucional e Poder Judicial, p. 163.
197
Interpretação Constitucional e Poder Judicial, p. 165.
198
ESSER apud QUEIROZ, Interpretação Constitucional e Poder Judicial, p. 165.
199
ECO apud GONET BRANCO, Curso de direito constitucional, p. 115.
193
relembrando a lição de Kornrad Hesse sobre a importância do texto como algo firme
e vinculante, a despeito da diversidade e da influência desses complicadores200 no
processo de concretização constitucional200. Para concluir que a norma (= o que se
extrai do texto) seja resultado e não pressuposto da interpretação201 das cortes
constitucionais.
Cabe aqui a advertência de Mártires Coelho: “não soa descabida a
advertência de que estamos caminhando para uma onipotência judicial ou, se
preferirmos, para um novo governo dos juízes, em que as grandes decisões
políticas,[...], vão se deslocando do âmbito do Legislativo e do Executivo para o do
Poder Judiciário”202. Conclui o ilustre professor com as palavras de Rubio Llorente203
que
[...] atualmente, a doutrina da interpretação é o núcleo essencial
da Teoria da Constituição e do Direito Constitucional e do Direito
Constitucional, assim, como da Teoria do Estado e, de certa forma, até
mesmo da própria Teoria do Direito, na medida em que os traços
fundamentais do novo constitucionalismo, a depender do ponto de vista em
que os encaremos, podem ser causa ou conseqüência da interpretação
constitucional.
Nesse contexto, “o que é relevante na sentença decisória não é a decisão
(“holding”), mas a sua fundamentação”204. Percebe-se que a fundamentação dos
processos relativos ao tema do federalismo brasileiro, o Tribunal Constitucional
Brasileiro reiteradamente pendeu para uma interpretação restritiva da autonomia dos
Estados-membros, prestigiando argumentos que desemborcam num federalismo
centralizador, mesmo diante de um novo texto constitucional que de uma certa
maneira evoluiu substancialmente em face da constituição anterior.
Esse aspecto foi ressaltado por Celso Ribeiro Bastos205 em palestra
proferida no período pré-constituinte de 1988:
200
Abertura dos enunciados e dos problemas de sentido que o texto possa suscitar quando de sua
interpretação, GONET BRANCO, Curso de direito constitucional, p. 116.
201
Conclusão de Hesse, o que explica o seu empenho – como doutrinador e, sobretudo, como juiz
constitucional -, em estabelecer alguns limites, mínimos embora, para a criatividade dos intérpretes
da Constituição, GONET BRANCO, Curso de direito constitucional, p. 116.
202
GONET BRANCO, Curso de direito constitucional, p. 119.
203
Apud GONET BRANCO, Curso de direito constitucional, p. 122.
204
QUEIROZ, Interpretação Constitucional e Poder Judicial, p. 166.
205
BASTOS, Propostas para a Constituinte, p. 72.
[...] o que interessa é que não há órgão tão centralizador no País
quanto o nosso Supremo Tribunal Federal. Se pegarem os nossos
repertórios de jurisprudência, vão ver que não há órgão realmente tão
obsecadamente centralizador quanto o Supremo Tribunal Federal. Nas
grandes decisões, a Professora Ada trouxe aqui pelo menos esses casos
mais notoriamente conhecidos, da castração, da ação de representação no
campo estadual, da subtração, na verdade autêntica de lei complementar, e
nós poderíamos ir assim infindavelmente diante de um dilema; escolher
entre autonomia estadual e a prerrogativa federal. O Supremo Tribunal
Federal tranquilamente opta pela segunda e crê que está cumprindo uma
função importante, isso é que é grave.
Diante desse quadro, mister concluir que ansiava-se que a Corte
Constitucional Brasileira diante de suas novas competências produzisse uma
interpretação capaz de assegurar o equilíbrio entre os diversos membros da
federação brasileira, nos moldes do modelo estabelecido no texto original da
Constituição Federal de 1988. Mesmo porque, a “forma federativa de Estado”206 foi
erigida a cláusula pétrea, que constitui um limite imanente ao poder constituinte
sendo postulado superior do texto constitucional coberto pelo manto da
intangibilidade207.
Como não poderia deixar de ser, a obra do Poder Constituinte Derivado não
ficou imune ao controle exercido pela Corte Suprema, que sempre entendeu
passível de exame208 as modificações por meio de emenda constitucional. Esse
controle termina por moldar o texto constitucional, o que Francisco Campos209
apregoava há mais de meio século: “O poder de interpretar a Constituição envolve,
em muitos casos, o poder de formulá-la. A Constituição está em elaboração
permanente nos tribunais incumbidos de aplicá-la [...]”.
É importante salientar que o Supremo Tribunal Federal desempenha um
papel fundamental no equilíbrio dos poderes numa prática cotidiana entre os
diversos atores envolvidos: governos estaduais, distrital, municipais e federal210 .
Quando a Corte precisa esforçar-se para erigir critérios capazes de fundamentar
206
CF, art. 60, § 4º, I.
MENDES, Controle de Constitucionalidade, p. 113.
208
Na ampla reforma constitucional de 1925/1926 suscitou-se dúvida quanto à constitucionalidade do
processo de revisão, em torno do art. 90 da Constituição de 1891 [...], o Supremo Tribunal Federal,
por maioria de votos, declarou a constitucionalidade da revisão, reconhecendo, assim, a sua
competência para aferir a compatibilidade da lei de revisão com o Texto Magno – HC 18.178, de 279-1926, RF, 47:748.
209
Direito constitucional, p. 403.
210
SAMPAIO, A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional, p. 565.
207
suas posições contra ou a favor do Governo Federal, todos orientados,
deliberadamente ou não para identificação de uma base racional da atuação do
Congresso ou do Estado210. Nesse sentido salutar a conclusão de José Adércio
Sampaio211 “a simples obrigação de justificar já redunda em uma (sic) certa margem
de contenção e cria a necessidade de uma aparente coerência, contribuindo para
realização aproximada da pretensão de racionalidade”.
Machado Horta212 identifica duas tendências na atuação da Corte Suprema
Brasileira em temas federativos213: no rumo da maior liberdade organizatória no
âmbito das competências exclusivas dos Estados, que abrandará o controle, ou a
tendência ao controle mais intenso dessa competência organizatória, seja em
decorrência do maior volume dos temas que se espraiam na Constituição Federal
expansiva, ou pela amplitude conceitual dos princípios constitucionais, assim os
princípios estabelecidos na Constituição, que dispõem de sede pletórica no campo
dos Direitos e Garantias Fundamentais, e os princípios constitucionais de
observância obrigatória pelos Estados.
O Supremo Tribunal Federal, exercendo sua competência precípua de
“guarda da Constituição214”, consolidou ao longo de quase vinte anos de vigência da
Carta Política atual um modelo de Estado Federalista, que se identifica com uma
excessiva predominância do centro em face da periferia. Essa tendência
jurisprudencial tem como característica uma interpretação inicial muito favorável aos
interesses do ente central e desfavorável aos demais entes; no entanto, diante de
uma renovação da composição da Corte, é possível identificar uma tênue
modificação de entendimento no sentido de valorizar a atuação dos demais
membros da federação.
211
A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional, p. 566.
O Estado-membro na Constituição Federal Brasileira, pp. 88-89.
213
O autor comenta sobre o controle da constitucionalidade das Constituições dos Estados e de seu
poder de organização, o que não deixa de ser um tema ligado ao Federalismo, imbricado com a
autonomia do ente federal.
214
Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: LTr, 1988,
expressão mantida mesmo após a EC n. 45/04.
212
Capítulo 7
Temas Federalistas e Jurisdição Constitucional
Atual e escorreito o pensamento do saudoso constitucionalista Celso Bastos
que alardeava com pesar que o federalismo “não tem muito glamour” diante de
outros temas de direito constitucional, e apontava com visão crítica para uma
derrocada dessa forma de governo no Brasil pré e pós Constituição de 1988.
Apresentaremos um panorama da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal sobre temas federalistas, que possuem caráter puramente indicativo, que
em certa medida confirmam a prédica de Celso Bastos, destacadamente em torno:
(I) Autonomia financeira e tributária; (II) Auto-organização dos entes federais: criação
de municípios ; (III) Auto-organização: fixação do número de vereadores.
7.1 A autonomia do ente federativo
Segundo José Afonso215 , “a autonomia federativa assenta-se em dois
elementos básicos: a) na existência de órgãos governamentais próprios216; [...] b) na
posse de competências exclusivas, um mínimos, ao menos, que não seja
ridiculamente reduzido”.
7.1.1 Autonomia financeira e tributária
A autonomia financeira e tributária dos entes federais, um dos pilares
centrais do edifício federal brasileiro, é continuamente danificado pela obra diuturna
do constituinte derivado que concentra renda em torno da União, por meio do
sistema tributário nacional e aumenta os encargos obrigatórios dos entes parciais.
215
216
Direito constitucional positivo, p. 100.
Compreendida também como auto-organização.
Desde a advertência de Marshall permanece a máxima de que o poder de
taxar é o mesmo poder de destruir, que no Federalismo pátrio atua para “destruir” a
autonomia dos demais entes da federação em prol da União.
O sistema tributário nacional dispõe de institutos que em razão das
alterações produzidas potencializam os poderes da União. O processo é muito sutil
e laborioso de ser demonstrado diante da multiplicidade de elementos que dificultam
sua compreensão sistêmica, mas é altamente eficaz na concentração de Poder em
torno do ente central da Federação Brasileira – a União.
Mesmo para o idealizador da Carta Política Brasileira de 1937217 que mais
atentou contra a autonomia dos entes federais entendia que: “Quem tributa pode
constranger, limitar, reduzir, cercear, impedir, obstruir ou anular as faculdades do
tributado”218. No mesmo sentido, Mártires Coelho219
220
alertou para a conseqüência
oriunda do controle da economia e das finanças pela União que “acabou reduzindo
as demais entidades políticas à humilhante condição de verdadeiros mendigos, que
a todo instante se vêem obrigados a bater às portas do Tesouro Nacional, em busca
de recursos para a satisfação das necessidades mais elementares de suas
populações”.
A Constituição Federal disciplinou a questão fiscal em dois títulos diferentes:
Título VI – Da Tributação e do Orçamento – Capítulo I – Do Sistema Tributário
Nacional (arts. 145-162) e Título VIII – Da Ordem Social – Capítulo II – Da
Seguridade Social (arts. 194-203).
O primeiro instituto a ser examinado diz respeito à proibição de instituição de
impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros (CF, art. 150, VI, a),
a denominada imunidade221 recíproca, vedação essa extensiva às autarquias e às
fundações instituídas e mantidas pelo poder público, no que se refere ao patrimônio,
à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas
decorrentes (CF, art.150, § 2º).
217
O doutrinador Francisco Campos.
CAMPOS, Direito constitucional, p. 21.
219
Palestra proferida em 28-3-85, no Seminário “Propostas para a Constituinte”, promovido pela
Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo.
220
Federalismo e Descentralização, p. 28.
221
Essa supressão (interna) “de uma parcela do poder de tributar por meio de norma constitucional
recebe o nome de imunidade” (ÁVILA, 2006, p. 214).
218
Alerta Humberto Ávila222: “o dever de o Estado garantir a estrutura federativa
implica excluir de cada ente federado o poder de tributar o patrimônio, renda ou
serviços dos outros (art. 150, VI, “a”).
É interessante anotar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem
normalmente aplicado as normas relativas à imunidade, de modo teleológico, no
sentido de examinar os fins subjacentes às normas constitucionais, de sorte a
abranger na imunidade os fatos necessários à garantia dos fins públicos referentes
às imunidades (garantia e promoção da federação, da liberdade religiosa, do
processo
democrático,
da
educação,
da
liberdade
de
manifestação
do
pensamento)223. No entanto, quando envolve a imunidade em face dos demais entes
federais quanto às contribuições, o Supremo Tribunal Federal interpretou o
dispositivo que utiliza o termo “impostos” privilegiando o elemento literal224 e ainda,
que a imunidade não pode ser excluída, caso contrário a função pública das
instituições seria restringida225.
A imunidade qualifica-se como meio para garantir a promoção de
determinados fins públicos e nos termos do artigo 150 da Constituição limita-se aos
impostos. As taxas, as contribuições (sociais e de intervenção no domínio
econômico) não estão abrangidas pela imunidade.
Humberto Ávila226 aprimora o argumento e mergulha no tema ao traçar um
paralelo entre imunidade e autonomia financeira dentro de um quadro de “paridade
financeira”:
O fundamento constitucional da imunidade recíproca é o princípio
federativo, que funciona, por sua fez, como um fundamento jurídico-político
do ordenamento constitucional. Nesse sentido, o princípio federativo exige
autonomia das pessoas políticas. Pressuposto necessários dessa
autonomia é a autonomia financeira. Isso implica dizer que a proibição de as
pessoas políticas instituírem impostos sobre patrimônio, renda ou serviços
227
umas das outras decorre implicitamente do princípio federativo.
A
222
Sistema Constitucional Tributário, p. 214.
ÁVILA, Sistema Constitucional Tributário, p. 215.
224
Brasil. Supremo Tribunal Federal.AIAg N. 174.540, STF, 2ª Turma, Rel. Min. Maurício Corrêa, julg.
13/2/96, DJ 26/4/96, ver também, RE 170.717, 129.930 – RTJ 136/846.
225
Brasil. Supremo Tribunal Federal. RE 70.572/BA, STF, 1ª Turma, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, julg.
28/9/71, DJ 10/3/72.
226
Sistema Constitucional Tributário, pp. 219-220.
227
Sobre isso, ver: CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13 ed. São Paulo:
Saraiva, 2000, p. 183; CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 15 ed.
São Paulo: Malheiros, 2000, p. 103 e 492; LACOMBE, Américo Lourenço Masset. Imunidade
Tributária Recíproca. Estudos Jurídicos em homenagem a Vicente Ráo. São Paulo: RT, 1976, p. 213
e ss apud ÁVILA, p. 219.
223
continuidade da autonomia política das pessoas políticas é causa da
228
imunidade recíproca.
A problemática da tributação dos demais entes federais pela União se
apresenta com toda a pujança no financiamento da Seguridade Social que engloba
“os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (CF, art. 194,
caput). Encaixando a Seguridade Social no Federalismo Brasileiro, tem-se que os
Municípios atuam229 diretamente na área de saúde230 e de previdência social de
seus servidores públicos, quando organiza sistema próprio, ou por meio indireto,
quando contribuem para a assistência social e previdência social de seus servidores
no regime geral. Os Estados seguem as regras dos municípios, e a União por seu
turno, atua nos três segmentos.
Apenas a União pode instituir contribuições sociais, e segundo a
jurisprudência do STF os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem
contribuir para a seguridade social que deve ser financiada por toda a sociedade
(CF, art. 195, caput), e o produto dessas contribuições são arrecadas e
administradas exclusivamente pela União, sem qualquer rateio com os demais entes
federais.
Humberto Ávila apresenta substancioso estudo sobre as contribuições na
Constituição Federal, que apesar de relevante foge ao escopo do presente trabalho,
mas que merece registro.231
228
BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 2. Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1960. p. 95 apud ÁVILA, p. 219.
229
Atuar no sentido de prestar o serviço com recursos próprios.
230
Por meio de ações do Sistema Único de Saúde.
231
Sistema Constitucional Tributário, p. 256-259. As contribuições sociais, cuja instituição é
autorizada pela Constituição, especialmente pelos artigos 149 e 195, são tributo. [...] Isso não
significa que as contribuições tenham o mesmo regime jurídico das outras espécies. [...], o regime
jurídico distinto não conduz a naturezas jurídicas discordantes. [...] A definição das contribuições
como espécie de tributo é relevante. Apesar de cada espécie tributária ter seu regime jurídico
constitucional (umas devem ser instituídas por lei complementar, outras por lei ordinária; umas
sujeitam-se à regra da anterioridade geral, outras à da anterioridade de noventa dias; umas têm sua
hipótese de incidência expressamente delimitada, outras apenas implicitamente e assim por diante), a
sua conceituação como tributo sujeita-se às normas gerais de direito tributário e aos princípios
constitucionais relativos à proteção da dignidade, da igualdade, da propriedade e da liberdade.[...] O
231
que existe no regime jurídico constitucional das mesmas e que lhes confere identidade específica é
a circunstância de serem instrumento para a promoção de finalidades constitucionalmente postas em
caráter permanente. [...], as contribuições são devidas para promover ideais, independentemente de
valores específicos. Os ideais não são esgotáveis. Eles devem ser, de modo incessante e
inesgotável, buscado. [...], pode-se concluir que o que caracteriza as contribuições não é
7.1.2.1 Descaracterização das contribuições sociais – EC 20/98, que permitiram
a União mudar a destinação dos recursos das contribuições sociais – art. 167,
XI
Em resumo, os Estados, Distrito Federal e Municípios financiam com
recursos próprios a seguridade social nas áreas de saúde e assistência social, e
ainda contribuem para a previdência social de seus servidores públicos quando
desprovidos de regime previdenciário próprio.
As distorções se avolumam quando de um lado, por meio de alterações
constitucionais, muitas vezes casuísticas, permite-se à União a desvinculação de
receitas para a seguridade serem aplicadas em destinações outras para as quais
foram criadas, e de outro a vinculação de receitas tributárias dos Estados, Distrito
Federal e Municípios em percentuais de aplicação em despesas com saúde, o que
fulmina com a auto-organização e a autonomia financeira dos entes federados,
pedra angular do sistema.
Conforme salientado por Humberto Ávila232, as contribuições sociais visam
financiar ideais, independentemente de valores específicos, não esgotáveis, em
caráter permanente que devem ser buscados de modo incessante e inesgotável.
Essa característica essencial é o que lhe dá identidade e lhe permite sua
criação nos moldes estabelecidos na Constituição Federal, sendo aquilo que os
exclusivamente a sua vinculação a uma finalidade, o que é verdadeiro, mas não exclusivo. O que as
diferencia é a sua vinculação a uma finalidade ideal, com grau de abstração maior, em determinada
área (social, econômica ou profissional). Lembre-se que, apesar de as contribuições de intervenção
no domínio econômico possuírem um fim mais concreto (a intervenção), que as diferencia das demais
contribuições, esse mesmo fim serve de meio para a promoção de uma finalidade mais abstrata:
promover os princípios gerais da atividade econômica. [...] No caso das contribuições, o elemento
distintivo é a sua vinculação a uma finalidade qualificada como aspecto graduável de um estado de
coisas (graduell abstufbaren Aspekt Von Zuständen) ou critério de gradução (Rangkriterium). A
desvantagem preliminar dessa finalidade ser menos definida está no fato de que ela é mais
dificilmente controlável, pois não permite avaliar um ponto específico em que pode ser considerada
realizada: a fiscalização profissional, a assistência, a previdência e a saúde e as finalidades
econômicas deverão ser continuamente buscadas, não se sabendo exatamente o ponto em que
podem ser consideradas atingidas ou não.
232
Sistema Constitucional Tributário, p. 258.
economistas denominam de verbas carimbadas, que diante de sua finalidade
específica somente podem ser utilizados os recursos arrecadados para atender
aquelas finalidades.
Ávila233 destaca a prática nefasta de se trazer o desvio de finalidade234 para
o texto da Constituição e referendar a aplicação da contribuição social dissociada de
sua finalidade constitucional que lhe serve de fundamento criativo 235.
Outro aspecto do problema diz respeito à superação da separação
estabelecida pelo legislador constituinte, apontada pelo saudoso Miguel Reale236
entre o social e o estatal, “ao disciplinar os meios e modos de financiamento da
Seguridade Social, confere status autônomo a seu orçamento, claramente distinto
dos outros dois abrangidos pela lei orçamentária anual”. A desvinculação das
receitas da União agrediram diretamente esse princípio-mor da Carta de 1988, o que
de certa maneira demandaria um exame aprofundado que foge ao escopo do
presente trabalho.
7.1.2.2 Instituição de restrições ao poder de isentar dos Municípios
Em 1981237, a genialidade de Machado Horta238 já demonstrava a íntima
imbricação entre o federalismo e o poder de isentar, e que a intromissão da União
na competência tributária do Estado, para conceder isenções de impostos mutila a
233
Sistema Constitucional Tributário, p. 270.
Que constitui fundamento de validade e elemento característico da contribuição.
235
Humberto Ávila anota que: É preciso atentar, porém, para o fato de que a Constituição
Federal tem sido sucessivamente alterada por emendas constitucionais que terminam por colocar, ao
nível constitucional, o desvio de finalidade. [...] O mesmo ocorreu recentemente com a Emenda
Constitucional n. 44/04 – que ao inserir novo inciso ao art. 159 da CF, reserva determinado
percentual do produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio econômico para os
Estados e o Distrito Federal, em flagrante desvio de finalidade original das contribuições. Isso
significa entre outras coisas, que a própria Constituição está permitindo que a destinação
constitucional seja desviada, inclusive com relação a contribuições cuja constitucionalidade, no
momento da sua instituição, dependia da vinculação a determinadas finalidades. Trata-se de um
atentado superveniente (após a instituição das contribuições) e retroativo (com eficácia relativa às
contribuições já instituídas) à promoção das finalidades constitucionais.
236
Aplicações da Constituição de 1988, p. 63.
237
Conferência proferida no Seminário de Direito Constitucional promovido pelo Instituto dos
Advogados de Minas Gerais em 19 de maio de 1981.
238
Reconstrução do federalismo brasileiro, p. 20.
234
autonomia estadual, “não obstante os invocáveis propósitos de harmonização
tributária”238, que apesar sob a ótica da constituição pretérita permanece atual seu
pensamento
É fora de dúvida que, não obstante os invocáveis propósitos de
harmonização tributária, a regra que subtraiu a cada Estado-Membro o
poder de isentar na área do principal imposto de sua política fiscal fere e
lesa o exercício da competência tributária estadual.
No regramento do ISS pelo constituinte originário cabia à lei complementar
fixar as alíquotas máximas239 e excluir da incidência do imposto exportações de
serviços para o exterior240. O constituinte reformador inseriu no Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias o art. 88 que estabeleceu a alíquota mínima de dois por
cento, exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de
Serviços anexa ao Decreto lei n. 406, de 31 de dezembro de 1968241, e proibição de
isenção, incentivos e benefícios fiscais, que resulte, direta ou indiretamente, na
redução da alíquota mínima estabelecida no inciso I242.
A restrição imposta pelo legislador constituinte padece de pelo menos dois
vícios graves, o primeiro, por criar novas hipóteses das regras transitórias no Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta de 1988243 , que por sua
natureza são aquelas presentes e necessárias no advento da nova ordem jurídica
inaugurada pelo novel texto constitucional244. O segundo e não menos importante,
239
Art. 156, § 4º, inciso I da CF/88, na redação original.
Art. 156, § 4º, inciso II da CF/88, na redação original.
241
Art. 88, inciso I do ADCT da CF/88, acrescido pela EC n. 37, de 12 de junho de 2002.
242
Art. 88, inciso II do ADCT da CF/88, acrescido pela EC n. 37, de 12 de junho de 2002.
243
Uma das maneiras perniciosas usadas para modificar a Constituição Federal consistiu
em descaracterizar os Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, permitindo a eternização de
situações efêmeras, o que no histórico constitucional brasileiro ocorreu apenas em momentos de
ditadura nas Cartas de 1937 e 1967.
244
O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988 engloba
estipulações quanto à providências a serem adotadas no período de transição entre a ordem
constitucional pregressa e a promulgada em 5 de outubro. Consigna mandamentos que se
extinguirão por terem cumprido sua tarefa no tempo e no espaço. As disposições transitórias incidem
sobre um determinado ato ou fato socioconstitucional relevante. A efemeridade desses preceitos não
lhes subtrai a força das disposições permanentes, no que tange à aplicabilidade e cogência, embora
localizadas e fixadas em um determinado lapso de tempo, ou até que ocorrida certa condição de
exigibilidade fática (nesse sentido: Sérgio A. Frazão do Couto, A atual Constituição explicada, 5. Ed.,
Belém, Cejup, 1989, p. 205) apud BULOS, Constituição Federal Anotada, p. 1446. Índole jurídica das
disposições transitórias. As disposições transitórias veiculam-se através de atos, que se exteriorizam
por um conjunto de normas, incumbidas de cuidar do direito transitório ou intertemporal. - Tais atos,
convertidos pelo legislador em normas, desempenham efeito integrativo porquanto procuram conciliar
os efeitos da ordem constitucional venha com o produto positivado advindo da manifestação
240
constituinte originária nova. O objetivo desse verdadeiro mecanismo de engenharia jurídica é simples:
harmonizar as pendências herdadas do passado com as disposições voltadas para o futuro, evitando
incompatibilidades, situações desastrosas, violações ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à
coisa julgada. Seria impossível, do pondo de vista técnico, existir, no tempo e no espaço, duas
constituições simultaneamente. Note-se que a técnica de redação das Disposições Transitórias “é
diversa da técnica redacional da parte permanente. Não há divisão da matéria em Títulos, Capítulos
ou Seções, de modo a agrupar em cada um os assuntos diferenciados. Os temas são tratados
indistintamente, sem a preocupação de ordenação, unidade e sistematização. É o terreno do depósito
residual, da miscelânea e da mistura normativa. O traço que aproxima as normas heterogêneas é a
temporalidade e a transitoriedade. São normas que vão desaparecer. Esse desaparecimento que as
torna mais efêmeras ou de menor duração no tempo advirá do prazo fixado para cumprimenot de
atos ou de determinações do constituinte, ou , ainda, pela sucumbência no tempo do direito, da
garantia ou da situação assegurada aos respectivos titulares e que findarão com eles. Norma
permanente nas disposições transitórias é norma anômala. Foi dessa categoria o conhecido art. 180
da Carta de 1937, que, prevendo competência transitória do Presidente da República – ‘enquanto não
se reunir o Parlamento Nacional’ - , como a condição não se verificou na vigência da Carta de 1937, o
art. 18u0 tornou-se regra permanente, para fundamentar a pletórica atividade legislativa do
Presidente da República na via de Decretos-leis” (Raul Machado Horta, Estudos de direito
constitucional, Belo Horizonte, Del Rey, 1995, p. 327) apud (BULOS, Constituição Federal Anotada,
2007, pp. 1446-1447). Ato das Disposições Transitórias e normas de eficácia exaurida. Os atos das
disposições transitórias evidenciam aquelas normasque desapareceram por já terem realizado a
função para a qual foram criadas. São exauridas, porque: a) exerceram seu papel, não estando
sujeitas a termo ou condição proveniente de manifestação legislativa; b) esgotaram a duração
temporária prevista para realizar seus fins, quer através da concreção dos benefícios ou direitos que
nelas se continham, quer através do decurso dos prazos constitucionais estabelecidos; c) cumpriram
a condição de normas receptoras, nada mais tendo para recepcionar (BULOS, Constituição Federal
Anotada, 2007, pp. 1448-1449). Ato das Disposições Transitórias e Reforma Constitucional. Seria
possível uma reforma constitucional, através de emenda, revalidar atos transitórios que já perderam
seus efeitos? Parece-nos que a resposta a essa indagação só pode ser no sentido de proibir-se
reformas constitucionais de disposições transitórias de eficácia exaurida. Logo, os atos transitórios
que cumpriram suas funções não estão sujeitos à incidência do poder de reforma constitucional.
Aceitar emendas às disposições do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que já
esgotaram seus efeitos, é o mesmo que defender o emprego da repristinação, prática que deve ser
combatida em nome da certeza e segurança das relações jurídicas. Ademais, as disposições
transitórias participam da técnica jurídica da intertemporalidade. Não se pode renegar o cunho
passageiro, efêmero e até precário de tais disposições, voltadas a solver possíveis e prováveis
antinomias normativas, e de curta duração. Ao cumprirem seu mister, desvanecem-se, perdem a
razão de ser, porque solucionaram conflitos entre normas antigas e normas atuais, conciliando os
efeitos imediatos e os efeitos retroativos disseminados. Por isso, emendá-las, a fim de restaurar-lhes
a produção de eficácia, é desvirtuar o fim para o qual se propuseram. A reforma das disposições
transitórias de eficácia exaurida, através da técnica da emenda, espécie do gênero reforma, muito
mais do que mero desvio de competência, é contumélia execrável, vício irremissível, corrosão ao
caráter originário, inicial, autônomo e incondicionado do poder constituinte, que as concebeu para
durar momentaneamente. Lídimo atentado à supremacia do poder constituinte originário, a reforma
constitucional de atos transitórios, de eficácia exaurida, recai naquilo que se pode cognominar fraude
à Constituição. Excetuando-se a condenável e excepcional hipótese, aliás inaplicável ao Estado
brasileiro, em que o próprio poder constituinte originário insere cláusula expressa no texto da
Constituição, permitindo modificações formais de disposições transitórias esvaídas, está totalmente
descartada, do ângulo lógico-jurídico, a possibilidade de o poder reformador alterar atos transitórios
de eficácia exaurida. [...] Noutra esfera, poderiam ser reformulados, por via de emenda à
Constituição, aqueles dispositivos transitórios que ainda não concretizaram seus efeitos? A situação
aí é diferente, porque levam-se em conta preceitos que ainda desempenharão efeitos. Nesse caso,
emendas constitucionais, inclusive aditivas, podem ser propostas, mas com rigorosa observância aos
limites expressos e implícitos, condicionadores do exercício da competência reformadora, à luz do
juízo de conveniência e oportunidade, subjacentes às cláusulas irreformáveis do art. 60, § 4º, I, II, III,
IV, integrantes do núcleo imodificável do Texto de 1988 (BULOS, Constituição Federal Anotada,
2007, p. 1449).
por violação à autonomia do município de estabelecer sua política fiscal, o poder de
isentar encontra-se dentro dessa autonomia.
7.1.3 A auto-organização e a Criação e o desmembramento de municípios
A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil foi
idealizada pelo constituinte de 1988 em três níveis: a União, os Estados e o Distrito
Federal e os Municípios (art. 18, caput) 245, e previu a reorganização interna em dois
níveis, a dos Estados, com a aprovação da população diretamente interessada,
através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar (art. 18, § 3º),
e a dos Municípios, consulta prévia às populações diretamente interessadas, por lei
estadual, obedecidos os requisitos previstos em lei complementar estadual (art. 18,
§ 4º 246).
Esse modelo foi modificado substancialmente com a Emenda Constitucional
n. 15, de 12 de setembro de 1996, que deu nova redação ao § 4º do art. 18 da
Constituição Federal247, ao prevê a edição de lei complementar federal estipulando
um período para a criação, incorporação, fusão e o desmembramento de Municípios,
consulta prévia, às populações dos Municípios envolvidos, após a divulgação dos
Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei. Tal
modificação leva a efeito pelo Poder Constituinte Derivado viola de forma categórica
e expressa a cláusula pétrea constante do art. 60, § 4º, inciso I da Constituição
Federal de 1988, na medida em que concentra poderes na União e retira dos
Estados o poder de auto-organização de seu território, retornando ao modelo da
constituição anteriormente revogada de cunho eminentemente centralizador.
A análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal envolverá três
períodos distintos: de 5 de outubro de 1988 até 11 de setembro de 1996; após 12 de
setembro de 1996, que por seu turno, subdivide-se em antes e depois da declaração
245
Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: LTr, 1988.
Redação vigente entre 5/10/88 e 12/9/96.
247
Brasil. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 15, de 12 de setembro de 1996. Dá nova
redação ao § 4º do art. 18 da Constituição Federal. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
246
de omissão constitucional do Congresso Nacional de editar a lei complementar
prevista no § 4º do art. 18 da CF, com a redação dada pela EC n. 15, de 1996.
7.1.3.1 Criação de municípios entre 5 de outubro de 1988 até 10 de setembro de
1996, véspera da promulgação da EC 15/96
O primeiro processo envolvendo a problemática de criação de municípios,
delimitação de território, alteração de limites e outros pontos afins, analisado pelo
Supremo Tribunal Federal após a Constituição Federal de 1988, em seu texto
original, diz respeito à ADI 188248 , com pedido de liminar, em que se argüia a
inconstitucionalidade do art. 2º, incisos I, II, III e IV e parágrafo único da Constituição
Estadual do Ceará, que “em razão da construção de açude público do Castanhão,
redefiniu o espaço físico do Município de Jaguaribara”, em detrimento de outros
municípios da região. A medida liminar foi deferida, ad referendum do Plenário, no
período de férias, pelo Sr. Min. Sydney Sanches e referendada em julgamento de 7
de fevereiro de 1990, no voto do Min. Moreira Alves que destacou como fundamento
do periculum in mora, “[...] problemas políticos, administrativos e financeiros que
advirão se a causa for julgada procedente”. O mérito da ação não foi examinado
pela Corte, em razão de prejudicialidade declarada em julgamento de Questão de
Ordem argüida pelo relator249.
Na ação direta de inconstitucionalidade nº 222250, com pedido de liminar,
novamente foi levado ao Supremo Tribunal Federal o tema relativo a criação,
desmembramento de municípios no Rio de Janeiro, em face do art. 91, caput, e seus
incisos e parágrafos do ADCT da Constituição Estadual e dos arts. 1º e 2º das
248
Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 188-4 Ceará (liminar). Alteração de limites de municípios
impugnada à vista do disposto no art. 18, parágrafo 4º da Constituição Federal. Relator: Min. Moreira
Alves, Pleno, julgamento em 7/2/90, DJ 16/3/90.
249
Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI-QO nº 188-4 Ceará. “[...] seja por perda do objeto
decorrente da derrogação da norma impugnada, seja por ter sido substancialmente alterado o
dispositivo da Constituição Federal em face do qual se fez a arguição de inconstitucionalidade -, a
presente ação direta está prejudicada”. Relator: Min. Moreira Alves, Pleno, julgamento em 6/12/2001,
DJ 22/2/2002.
250
Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC nº 222-8 Rio de Janeiro (liminar). Realização de
plebiscitos em vários municípios do Estado do Rio de Janeiro, para deliberação sobre a disposição da
população local em transformar distritos em novos Municípios. Relator: Min. Aldir Passarinho, Pleno,
julgamento em 28/3/90, DJ 27/4/90.
disposições transitórias da Lei Complementar nº 59, de 22 de fevereiro de 1990.
Esse julgamento pode ser apontado como o primeiro exame de mérito pela Corte
Suprema Brasileira dos limites da auto-organização dos Estados-membros da
Federação Brasileira de criarem seus municípios. O que torna o precedente como
valioso objeto de estudo.
Na assentada em que o mérito foi apreciado, o relator original Min. Aldir
Passarinho entendeu que o artigo 91 e seus incisos e parágrafos do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Estadual do Rio de Janeiro
não violavam a Constituição Federal (art. 18, § 4º), pois, na verdade, o artigo
impugnado determinava a convocação de plebiscito das populações interessadas
para manifestarem-se sobre a criação de municípios no estado do Rio de Janeiro.
No entanto, o relator para o acórdão Min. Sepúlveda Pertence julga inconstitucional
o art. 91 do ADCT da CE/RJ por afrontar ao “processo de mecanismo de decisão”
que teria sido estabelecido pelo constituinte de 1988 no art. 18 § 4º em sua redação
original. Todavia, nos parece que o nobre julgador analisou o novo modelo
constitucional de criação de municípios que deferiu aos Estados-membros a fixação
dos critérios desde que se preserva-se a “continuidade e a unidade histórico-cultural
do ambiente urbano [...], obedecidos os requisitos previstos em lei complementar
estadual, e de dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações
diretamente interessadas”251 sob o prisma da Constituição de 1967 e a Emenda n. 1
de 1969, regulamentada pela Lei Complementar Federal n. 1, de 9 de novembro de
1967. No início de seu voto, o nobre Ministro Sepúlveda Pertence, faz um breve
histórico da matéria nas constituições brasileiras e pontua que “a primeira restrição à
plena autonomia dos Estados-membros para a criação dos Municípios [...] deve-se
ao Ato Institucional n. 2 de 1965 (artigo 22)”, prossegue defendendo que a
Constituição Federal estabelece uma apuração prévia da satisfação dos requisitos
objetivos da criação dos Municípios, e que o art. 91 do ADCT da Constituição
Estadual do Rio de Janeiro não poderia autorizar a realização do plebiscito para
alguns municípios antes da verificação daqueles requisitos252.
251
Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: LTr, 1988.
Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 222-8 Rio de Janeiro (mérito). Realização de plebiscitos
em vários municípios do Estado do Rio de Janeiro, para deliberação sobre a disposição da população
local em transformar distritos em novos Municípios. Relator para acórdão: Min. Sepúlveda Pertence,
Pleno, julgamento em 24/5/90, DJ 6/9/91.
252
Para justificar sua tese, defende o nobre relator designado que
[...] sempre que a Constituição impôs, explicita ou implicitamente,
um processo como mecanismo de tomada de uma decisão, o que se tem de
presumir é que impôs, por via de conseqüência, que esse procedimento
siga a ordem lógica, coerente, do objeto das várias decisões que se
sucedem nesse procedimento.
[...]
Se, nesse processo do art. 18, § 4º, a Constituição impôs
requisitos objetivos à validade da dúplice decisão política – plebiscito mais
lei estadual – de criar município, a mim me bastaria a consideração de que
se haveria de concluir que a Constituição pretendeu verificá-los antes do ato
252
de vontade, cuja validade e cuja eficácia dependem da sua apuração .
Na verdade, existe uma fundamentação implícita baseada nas regras da Lei
Complementar Federal n. 1, de 9 de novembro de 1967
253
, que estabelecia um
procedimento com requisitos objetivos de número mínimo de habitantes, casas,
eleitores e arrecadação proporcional à estadual (art. 2º)254 e culminava na realização
do plebiscito (art. 3º)255. Ou seja, o nobre relator designado fez uma análise do
processo à luz de dispositivos legais editados sob a égide da Constituição de 1967 e
253
Brasil. Lei Complementar n. 1, de 9 de novembro de 1967. Estabelece os requisitos mínimos de
população e renda pública e a forma de consulta prévia às populações locais, para a criação de
novos Municípios. Diário Oficial da União – Seção I – Parte I – de 10 de novembro de 1967.
254
Brasil. Lei Complementar n. 1, de 9 de novembro de 1967. Diário Oficial da União – Seção I –
Parte I – de 10 de novembro de 1967.
Art. 2º - Nenhum Município será criado sem a verificação da existência, na respectiva área
territorial, dos seguintes requisitos:
I - população estimada, superior a 10.000 (dez mil) habitantes ou não inferior a 5 (cinco)
milésimos da existente no Estado;
II - eleitorado não inferior a 10% (dez por cento) da população;
III - centro urbano já constituído, com número de casas superior a 200 (duzentas);
IV - arrecadação, no último exercício, de 5 (cinco) milésimos da receita estadual de
impostos.
§ 1º - Não será permitida a criação de Município, desde que esta medida importe, para o
Município ou Municípios de origem, na perda dos requisitos exigidos nesta Lei.
§ 2º - Os requisitos dos incisos I e III serão apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística, o de nº II pelo Tribunal Regional Eleitoral do respectivo Estado e o de número IV, pelo
órgão fazendário estadual.
§ 3º - As Assembléias Legislativas dos Estados requisitarão, dos órgãos de que trata o parágrafo
anterior, as informações sobre as condições de que tratam os incisos I a IV e o § 1º deste artigo, as
quais serão prestadas no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data do recebimento.
255
Brasil. Lei Complementar n. 1, de 9 de novembro de 1967. Diário Oficial da União – Seção I –
Parte I – de 10 de novembro de 1967.
Art. 3º - As Assembléias Legislativas, atendidas as exigências do artigo anterior,
determinarão a realização de plebiscito para consulta à população da área territorial a ser elevada à
categoria de Município.
Parágrafo único - A forma da consulta plebiscitária será regulada mediante resoluções
expedidas pelos Tribunais Regionais Eleitorais, respeitados os seguintes preceitos:
I - residência do votante há mais de 1 (um) ano, na área a ser desmembrada;
II - cédula oficial, que conterá as palavras "Sim" ou "Não", indicando respectivamente a
aprovação ou rejeição da criação do Município.
a Emenda n. 1, de 1969, que adotava uma posição totalmente restritiva a autonomia
dos Estados-membros na federação brasileira.
Na verdade, como bem assinalou o Min. Aldir Passarinho, o legislador
estadual não criou qualquer município na Constituição Estadual, apenas autorizou o
plebiscito.
Na ADI nº 192256 , o Supremo Tribunal Federal, no voto do Min. Moreira
Alves, concedeu a liminar após considerar relevante a fundamentação jurídica do
pedido e a fixação de datas para as eleições municipais em calendário divulgado por
meio de resolução do Tribunal Regional Eleitoral. No mérito257, a Corte, por
unanimidade, julgou procedente a ação de declarou a inconstitucionalidade dos
dispositivos da constituição estadual impugnados que criava o município de Ana
Rech, desmembrado de Caxias do Sul. Destaca-se, por oportuno, do voto do relator
Min. Moreira Alves o seguinte trecho
[...] a criação de Município por lei constitucional estadual é
inconstitucional, uma vez que, tendo a Constituição Federal determinado
que ela se faria por lei ordinária, impõe aos Estados-membros a
participação, em sua feitura do Chefe do Poder Executivo estadual, que
pode, inclusive vetá-la.
Percebe-se, claramente a criação pela Corte Suprema de uma teoria que
enxerga um princípio sensível de reprodução obrigatória pelos Estados-membros e
pelo Distrito Federal, de observância compulsória do processo legislativo federal.
Essa questão foi profundamente abordada por Leo Ferreira Leoncy258.
Na verdade, o Supremo Tribunal Federal impôs aos Estados, Distrito Federal
e Municípios a observância do processo legislativo federal, no que se refere as
256
Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 192 Rio Grande do Sul (liminar). Criação do município de
Ana Rech, distrito de Caxias do Sul, no art. 45, parágrafos e inicisos do ADCT da Constituição
Estadual do Rio Grande do Sul. Relator: Min. Moreira Alves, Pleno, julgamento em 9/3/90, DJ 6/4/90.
257
Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 192 Rio Grande do Sul (mérito). Criação do município de
Ana Rech, distrito de Caxias do Sul, no art. 45, parágrafos e inicisos do ADCT da Constituição
Estadual do Rio Grande do Sul. Relator: Min. Moreira Alves, Pleno, julgamento em 4/12/92, DJ
6/9/01.
258
Controle de Constitucionalidade Estadual. As normas de observância obrigatória e a defesa
abstrata da Constituição do Estado-membro/ Léo Ferreira Leoncy. São Paulo: Saraiva, 2007.
regras de iniciativa, previsto como de observância obrigatória, expressa na
Constituição de 1967 e na Emenda Constitucional nº 1, de 1969, art. 13, III259 .
7.1.3.2 Criação de municípios após 11 de setembro de 1996, promulgação da
EC n. 15/96, que alterou o § 4º do art. 18 da Constituição Federal até o
julgamento da ADI 3682
No intervalo da promulgação da CF/88 e a Emenda Constitucional n. 15, de
1996, o Supremo Tribunal Federal apreciou a criação de novos municípios, e
declarou a inconstitucionalidade de município gaúcho criado por lei constitucional
estadual, por violação ao modelo de processo legislativo insculpido na Constituição
Federal de que prevê a participação do Chefe do Executivo Estadual no processo de
elaboração da lei260.
O que não existiu durante a vigência do texto original, muito menos poderia
ocorrer com as modificações processadas no § 4º do art. 18 da Carta Magna261 atual
que assim expressa:
Art. 18. A organização político-administrativa da República
Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
[...]
§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de
Municípios far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei
complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante
plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos
Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da
lei.
259
Brasil. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal – Subsecretaria de Edições Técnicas, 10 ed.,1986.
Art. 13. Os Estados organizar-se-ão e reger-se-ão pelas Constituições e leis que adotarem,
respeitados, dentre outros princípios estabelecidos nesta Constituição, os seguintes:
[...]
III – o processo legislativo;
260
Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 192, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, voto.
261
Brasil. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 15, de 12 de setembro de 1996. Dá nova
redação ao § 4º do art. 18 da Constituição Federal. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
Essa fase é caracterizada por uma cristalização da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, capitaneada pelo julgamento da ADI-MC 2381262
263
, que
fulminou qualquer tentativa de criação, incorporação, fusão e ou o desmembramento
de Municípios enquanto não editada a lei complementar federal prevista no § 4º do
art. 18 da Constituição Federal, com a redação dada pela EC n. 15/96.
Desse momento, é possível destacar como relevante a análise levada a
efeito pelo Ministro Sepúlveda Pertence, em seu voto quando do julgamento liminar
da ADI 2381, quanto a inconstitucionalidade da EC n. 15/96, por violar o art. 60, § 4º,
I da Constituição Federal. O d. relator arrostou a tese de inconstitucionalidade da
emenda constitucional levantada pela Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul
em suas informações, que mesmo sendo em obiter dictum merece destaque.
Por fim, não me convenci da densidade da argüição – pelas
razões da Assembléia Legislativa – malgrado articulado com argúcia – da
inconstitucionalidade da EC 15/96, por desrespeito ao princípio intangível da
Federação (CF, art. 60, § 4º, I), dado haver transferido dos Estados para a
União o poder de regular o desmembramento de municípios. Por diversas
vezes tenho tido a oportunidade de ressaltar, com o respaldo do Plenário,
que o limite material invocado ao poder de emenda constitucional não
implica vedar qualquer alteração do modelo positivo originário da forma
federativa do Estado, mas apenas de seus núcleos essenciais de
identificação (v.g., MS 23.047, 11.2.98, Pertence, Inf 99, voto na ADInMC
1.749, 18.12.97, Gallotti; ADInMC 2.024, 27.10.99, Pertence, DJ 1º.12.2000;
ADInMC 1.196, 16.2.95, Pertence, DJ 24.3.95). Nesse núcleo essencial do
federalismo brasileiro, conforme o texto de 1988, não creio se devesse
incluir a integralidade da redação primitiva do § 4º do art. 18 da
Constituição, no que subtraía da União qualquer interferência normativa no
processo de criação de novos municípios. No ponto, é preciso não se
abstrair o intérprete da posição singular do Município da estrutura federal
pátria, que enfatizei no voto proferido na Rcl 383 (16.6.92, relator o em.
Ministro Moreira Alves, RTJ 147/404, 488 ss). De tudo, resulta que, no
modelo federativo brasileiro – no ponto acentuado na Constituição de 1988
– os temas alusivos ao Município, a partir das normas atinentes à sua
criação, há muito não constituem – ao contrário do que, na Primeira
República, pudera sustentar Castro Nunes (Do Estado Federal e sua
Organização Municipal, 2ª ed., Câmara dos Deputados, 1982, passim) –
uma questão de interesse privativo do Estado-membro. Ente da Federação
(CF, art. 18), que recebe da Constituição Federal numerosas competências
comuns (art. 23) ou exclusivas (art. 30) – entre elas a de instituir e arrecadar
tributos de sua área demarcada na Lei Fundamental (art. 156) – além de
seu direito próprio de participação no produto de impostos federais e
estaduais (art. 157-162) – o Município, o seu regime jurídico e as normas
262
Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 2381 Rio Grande do Sul (liminar). Criação do município
de Pinto Bandeira, pela Lei n. 11.375, de 28 de setembro de 1999, do Estado do Rio Grande do Sul.
Relator: Min. Sepulveda Pertence, Pleno, julgamento em 20/6/01, DJ 14/12/01.
263
Acórdãos no mesmo sentido: ADI-MC 2632, ADI-MC 2702, ADI 2967, ADI 2812, ADI 3013 e ADI
3149.
regentes de sua criação interessam não apenas ao Estado-membro, mas à
264
estrutura do Estado Federal total
. Certo, a Constituição de 1988, ao
mesmo tempo em que elevava o status de Município na Federação, em
sentido inverso, confiara ao Estado-membro não apenas a decisão política
da criação de novas comunas autônomas, mas também a disciplina
265
normativa de seu processo, à qual não impôs limites centrais
. A
experiência
de
descentralização,
no
ponto,
teve
resultados
reconhecidamente desastrosos; a natural incapacidade de resistência das
assembléias legislativas aos movimentos emancipacionistas levou a
proliferação de municípios inviáveis. Nesse contexto, o recuo da EC 15/96 –
ao restabelecer, em tópicos específicos, a interferência refreadora da
legislação complementar federal – não parece ter atingido, em seu núcleo
266
essencial, a autonomia dos Estados-membros . Certo, admitiu a imposição
de limites ao desmembramento de municípios, mas – satisfeitas as
exigências mínimas de consulta a toda a população do Município ou
municípios envolvidos, precedida de estudo prévio de viabilidade da
entidade local que se pretende erigir em município – restrições que
respondem ao princípio da razoabilidade, e parecem legitimar as inovações
267
-, a decisão política concreta permanece reservada ao Estado-membro .
Na linha do precedente o STF declarou a inconstitucionalidade de várias leis
estaduais que criaram, fundiram, desmembraram municípios antes da edição da lei
complementar federal.
Em 9 de maio de 2007, o que parecia ter caído no esquecimento do mundo
jurídico, em face da orientação pacificada do STF e da omissão reiterada do
Congresso Nacional em editar a lei complementar reclamada no § 4º do art. 18 da
Carta Política de 1988, com a redação da EC n. 15/96, sofreu uma reviravolta. O
STF reconheceu a mora do legislador federal e declarou a inconstitucionalidade por
omissão na ADI 3682268.
264
Comungo do mesmo entendimento do em. Ministro relator, apenas esse aspecto não é bastante
para legitimar um retrocesso.
265
Ouso discordar, pois a continuidade e a unidade histórico-cultural do ambiente urbano é
precisamente um limite constitucional explícito, conforme reconhecido no voto do Min. Moreira Alves
na ADI-MC 192.
266
Caberia a indagação: o que restou do poder de autoconformação de seu território para os
Estados-membros? Se os Estados-membros estão jungidos pelas amarras impostas pelo legislador
constituinte de emenda.
267
Mais uma vez caberia a indagação: Será que permanecerá com o Estado a autoconformação de
seu território, se o dispositivo impugnado permite ao legislador federal fixar um prazo para o processo
de desmembramento.
268
Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 3682 Mato Grosso. Inatividade do legislador quanto ao
dever de elaborar a Lei Complementar a que se refere o § 4º do art. 18 da Constituição Federal, na
redação dada pela Emenda Constitucional 15/96. Relator: Min. Gilmar Mendes, Pleno, julgamento em
9/5/07, DJ 6/9/07, fixando o prazo de 18 (dezoito) meses para a aprovação da norma reclamada no
dispositivo constitucional.
7.1.3.3 Criação de municípios após 11 de setembro de 1996, promulgação da
EC n. 15/96, que alterou o § 4º do art. 18 da Constituição Federal em que o STF
não declarou a nulidade das leis estaduais
Seja por razões fáticas, seja diante da mora legislativa do Congresso
Nacional em editar a lei complementar reclamada para a criação de novas comunas
nos Estados-membros, ou mesmo em face da nova composição da Corte Suprema.
O Tribunal julgou procedente as ações diretas, por unanimidade, e por maioria, não
pronunciou a nulidade do ato impugnado269, mantendo sua vigência pelo prazo de
vinte e quatro meses até que o legislador estadual estabeleça novo regramento270 .
Compartilham essa solução as seguintes ADI’s: ADI 3316 (MT), rel. Min. Eros, Lei
Estadual n. 6.893/98; ADI 2240 (BA), rel. Min. Eros
, Lei Estadual n. 7.619/00; ADI
3489 (SC), rel. Min. Eros, Lei Estadual n. 12.294/02 e ADI 3689 (PA), rel. Min. Eros,
Lei Estadual n. 6.066/97.
7.1.4 Análise crítica – auto-organização dos Estados-membros
Por outro lado, o constituinte reformador271 esvaziou o poder de autoorganização do Estado-membro de criação de municípios ao estabelecer que
“dentro do período determinado por lei complementar federal, [...], e após divulgação
dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei”272 .
É interessante pontuar que a Corte não utiliza o mesmo critério para criação de
tributo federal por Emenda Constitucional, em que o Chefe do Poder Executivo
encontra-se alijado do processo legislativo, sem qualquer inconstitucionalidade
reconhecida.
269
Leis estaduais criadoras de municípios.
Interessante notar que o problema de criação dos municípios não está no plano estadual e sim no
federal, portanto a decisão do Tribunal ainda causará perplexidades.
271
Brasil. Constituição (1988).Emenda Constitucional n. 15, de 12 de setembro de 1996. Dá nova
redação ao § 4º do art. 18 da Constituição Federal. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
272
Redação do § 4º do art. 18 dada pela EC n. 15, de 12 de setembro de 1996.
270
Durante a vigência da Constituição de 1967 e sua EC n. 1/69, que também
previa lei complementar federal (art. 3º), pontuou Machado Horta com precisão
não se deseja, como se acentuou, autonomia estadual sem
limitações, pois estas são inerentes ao conceito jurídico-político da
autonomia. Propõe-se a revisão da tendência de centralização normativa
que se aclimatou na Constituição Federal de 1967 e suas emendas,
anulando o exercício da competência de auto-organização do EstadoMembro (HORTA, Reconstrução do federalismo brasileiro, 1981, p. 21).
7.1.5 Limitação do número de vereadores pela Constituição Estadual
O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do parágrafo
1º, incisos I a X e parágrafo 2º, ambos do art. 67 da Constituição Estadual de Goiás,
na ADI 692273 (liminar), por violar a autonomia municipal prevista no inciso IV do art.
29 da Constituição Federal.
Por outro lado, o Tribunal ainda se manifestou diante de um dispositivo da
Lei Orgânica do município de Mira Estrela de São Paulo, que diante do precedente
da Corte Suprema, fixou em 11 (onze) o número de vereadores de sua Câmara
Municipal, malgrado qualquer regra na Constituição Federal ou na Constituição
Estadual. O STF julgou inconstitucional a norma por entender que violava a
proporcionalidade fixada na Constituição Federal (art. 29, IV)274.
Esses precedentes são sintomáticos, e demonstram a opção restritiva da
Corte com relação a autonomia do ente federal. Se o Estado não poderia fixar a
proporcionalidade em sua carta estadual, teria o Tribunal Superior Eleitoral a
competência para fixar a proporcionalidade por resolução? Não seria uma violação
da autonomia municipal?275, ou ainda, poderia atuar o poder judiciário como
273
Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 692 Goiás (liminar). Fixação dos limites de vereadores na
Constituição Estadual. Relator: Min. Moreira Alves, Pleno, julgamento em 29/6/02, DJ 28/8/92.
274
Brasil. Supremo Tribunal Federal. RE 197.917/SP. Fixação do número de vereadores proporcional
à população. Relator: Min. Maurício Corrêa, Pleno, julgamento em 6/6/02, DJ 7/5/04.
275
Essa afirmação tem respaldo em decisões do Supremo Tribunal Federal em temas afetos aos
municípios.
legislador positivo276 , inovando o ordenamento jurídico? Deixo essas questões para
um próximo enfrentamento da questão.
276
Juízes Legisladores/Mauro Cappelletti. Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993.
Conclusão
O federalismo não se petrificou no tempo, não se imobilizou na rigidez
dogmática e continua a florescer num processo de evolução que ainda não se
interrompeu. A compreensão do federalismo reclama a idéia de que existe um
movimento de sístole e diástole, tal qual no homem, entre a ordem central e a
periferia, com a prevalência da União ou dos Estados-membros, sem que se possa
afirmar pela superação dessa forma de Estado. A gênese do Federalismo está
ligada à noção básica de divisão de poder, que se identifica com o ideal
democrático.
A doutrina pré-constituinte de 1988 conforme visto prenunciou as mudanças
requeridas para se equilibrar a dicotomia entre o poder central e o poder periférico
dos Estados e Municípios. O texto original da Carta de 1988, de certa maneira
contemplou os reclamos mais contundentes; no entanto as emendas constitucionais,
que funcionam como autênticas válvulas de segurança do sistema, para aliviar as
pressões advindas da realidade, produziram um autêntico Federalismo Unitário, que
concentra em torno do ente central todas as competências materiais, os recursos
financeiros e poder político para produzir as maiorias ocasionais no parlamento e
perenizar ainda mais o modelo.
Por obra e arte do Poder Constituinte Derivado, o Federativo Brasileiro
implantado na Constituição Federal de 1988 foi maculado de forma substancial e
perniciosa, em um de seus elementos caracterizadores, a autonomia do ente
federativo e com isso rompido o equilíbrio entre o centro e a periferia. Essa
conclusão é fruto de uma análise criteriosa acerca do núcleo essencial do modelo,
anteriormente identificado e o que se entende por cláusula de imutabilidade no texto
constitucional de 1988 estabelecida no art. 60, § 4º, I.
As modificações promovidas pelas emendas repercutiram no relacionamento
da União com os Estados propiciando um agigantamento do poder central, que por
razões políticas e eleitoreiras, dotou o ente central de recursos financeiros e
atribuições administrativas que interferem nas atividades do menor componente da
federação, a ponto de vermos o Poder Executivo Federal promover ações
administrativas a nível municipal. Esse ponto reflete em todos os demais aspectos
do funcionamento do poder nas demais divisões geográficas.
Retomando a idéia de Baracho, a dificuldade maior na análise das
alterações no federalismo de 1988 decorre do fato de que as emendas produzidas
pelo constituinte revisor ou de 2º grau, visaram aspectos pontuais da prática
constitucional, o que embaraça a compreensão de todo o quadro, com suas
nuances. Esse óbice resulta numa dispersão das modificações, e conseqüente
fragmentação da análise frente ao núcleo imutável do texto constitucional.
Esse ponto é relevante diante do entendimento do STF que considera a
tangibilidade da cláusula pétrea, desde que preserve seu núcleo essencial. O
problema decorre justamente desse fato, de per si, as emendas constitucionais não
atingem o núcleo do federalismo pois preservam competências, autoorganização e
uma autonomia formal, sem descurar do conceito aberto do que seja núcleo
essencial, reunidas, no entanto, terminam por mutilar seus elementos fundamentais,
descaracterizando o instituto tratado, o federalismo.
É preciso, mais uma vez reinventar o Federalismo Brasileiro, sobretudo pela
atuação proativa da Corte Constitucional Brasileira, no sentido de julgar tendo como
preocupação exclusiva de assegurar os grandes princípios constitucionais, e entre
eles, o próprio princípio federativo; desde que se tenha a predisposição de se
interpretar com o presuposto teórico de que o nada será exercido por um poder de
nível superior desde que possa ser cumprido pelo inferior, e ainda, o aforismo de
que não existe igualdade entre os entes federados no Brasil, para aplicar o princípio
da isonomia dos Estados-membros dentro de suas diversidades.
Sob essa nova perspectiva, sem dúvida é possível a suplantação do critério
da literalidade até então adotado para conferir uma interpretação mais progressista
ao tema relacionados com o federalismo, tais como : imunidade tributária, incluindo
as contribuições sociais, nos molde do que ocorre com o art. 52 da CF, o que
certamente deslocará o eixo do equilíbrio federativo em favor da autonomia dos
estados-membros,permitindo uma sobre-vida do modelo.
Em suma, o Federalismo Brasileiro padece de patologias graves e
suficientemente capazes de sucumbir esse princípio cardeal da Carta Política de
1988 em sua redação original, por outro lado, diante do diagnóstico funesto e
tenebroso, possuímos o remédio, a atuação pujante da Corte Suprema Brasileira
comprometida com a preservação do tênue equilíbrio entre o Poder Central e a
periferia, que em última ratio é a preservação da própria Constituição Federal de
1988.
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