MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente EXMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUÍZ(A) DE DIREITO DA VARA (CIVIL) DA COMARCA DE __________ O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, por seu (sua) Promotor(a) de Justiça em exercício nesta Comarca, no uso de suas atribuições institucionais, com fundamento nos artigos 127, “caput”, 129, inciso III, e 225, “caput”, todos da Constituição Federal; artigos 1º, inciso I, e 5º, “caput”, da Lei 7.347/85; artigo 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional dos Ministérios Públicos Estaduais); artigo 82, inciso VI, alínea “b”, da Lei Complementar Estadual 197/00 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Santa Catarina), vem perante Vossa Excelência propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL COM PEDIDO LIMINAR em face do MUNICÍPIO DE ________, pessoa jurídica de direito público inscrita no CNPJ do Ministério da Fazenda sob o n.________, com sede na rua 1 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente ____, município de ____________, na pessoa de seu representante legal Sr.______, nos termos do art. 12, inc. II do Código de Processo Civil, e (obs.: Poderá figurar no pólo passivo também a Delegatária ou Concessionária/Permissionária do serviço de saneamento [ex. CASAN], em sendo o caso, instigando um acordo judicial no cumprimento dos prazos. Neste tópico, aconselhamos consulta ao Guia do saneamento, item “Da titularidade”). I – Da legitimidade do Ministério Público à propositura de ação civil pública na defesa do meio ambiente equilibrado Conforme preceito constitucional inscrito no artigo 127 da Constituição Federal, cabe ao Ministério Público, enquanto instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Dentre suas funções institucionais, ressalte-se a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, ex vi do artigo 129, inciso III, da Constituição Federal. O artigo 5º da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), alinhando-se à simetria constitucional, legitima o Ministério Público a intentar a ação civil pública na defesa desses interesses maiores da sociedade, dentre os quais inegavelmente inclui-se o meio ambiente, porquanto traduz, como um bem de uso comum do povo, um direito fundamental objetivo de todos em vê-lo preservado, e um dever do Poder Público e também da coletividade em zelar por sua defesa e preservação com via única a assegurar a sadia qualidade de vida e a própria sobrevivência da espécie humana, presente e futura (art. 225 da CF/88). Não fosse isso, o artigo 14, §1º, da Lei 6.938/81 (Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente), à vista da indisponibilidade dos interesses 2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente difusos decorrentes da proteção e preservação da qualidade ambiental, também confere legitimidade ao Ministério Público para a investigação e persecução civil e criminal em juízo, autorizando a responsabilização por atos de degradação ambiental. Indiscutível, destarte, a legitimação do Ministério Público, por intermédio de seu Órgão de execução, para figurar no pólo ativo desta presente ação. II - Do Inquérito Civil Público Estadual 04/2004 Em data de 9 de setembro de 2004 sua Excelência o Procurador-Geral de Justiça baixou a Portaria n. 004/2004/PGJ, por intermédio do qual instaurou Inquérito Civil Público no âmbito do Estado de Santa Catarina, visando apurar responsabilidades em face do baixo índice de saneamento básico nos Municípios catarinenses. Embora se saiba que o saneamento básico compreenda o conjunto de serviços e ações tendentes a alcançar níveis crescentes de salubridade ambiental, nas condições que maximizem a promoção e a melhoria das condições de vida nos meios urbano e rural, incluindo, pois, o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, o manejo de resíduos sólidos e o manejo de águas pluviais, o Inquérito Civil em referência priorizou seu foco de investigação para os serviços públicos de saneamento básico destinados ao esgotamento sanitário e o manejo das águas pluviais, tendo em vista uma gestão que abarque, nesse primeiro enfoque, a continuidade do programa institucional “Lixo Nosso de Cada Dia”, haja vista que seu principal objeto relevou o manejo adequado dos resíduos sólidos, hoje presente, por força das ações do Ministério Público, em mais de 90% dos Municípios catarinenses. A fase inicial investigatória encerrou seus trabalhos em outubro de 2005, com a conclusão do Diagnóstico Sobre os Sistemas de Saneamento em todos os 293 Municípios catarinenses. O levantamento efetuado demonstra, com base nas informações colhidas diretamente dos Municípios envolvidos, o seguinte quadro: 3 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente a) Rede Coletora Implantada: 12,63% dos Municípios; b) Rede Coletora em implantação: 10,92% dos Municípios; c) Sistemas de Tratamento Individual (fossa/sumidouro ou filtro): 43,00% dos Municípios; d) Rede Coletora em projeto: 9,90% dos Municípios; e) Sistemas Inexistentes: 16,05% dos Municípios; f) Redes Coletoras Inexistentes: 66,55% dos Municípios; Tais índices demonstram a baixa capacidade dos Municípios em apontar soluções adequadas ao problema. Como regra, há a falta de planejamento e a adoção de concepções inadequadas que acabam resultando na ausência de intervenção ou em intervenções pouco eficazes, situação que se agrava com a falta de interação com os demais serviços públicos de saneamento básico. Utiliza-se, de modo geral, a rede pluvial para as ligações de esgoto, além de fossas sépticas, fossas rudimentares, valas, sarjetas e galerias. Nos locais onde o lixo não é recolhido adequadamente ou onde o esgotamento sanitário é ligado de forma direta à rede pluvial, há uma redução drástica da capacidade de escoamento das tubulações e dos canais de drenagem, causando a poluição dos corpos d´água, fontes naturais de abastecimento público, além de provocar as habituais enchentes urbanas. Dentre os impactos ambientais decorrentes da ocupação humana, a degradação dos rios pelo despejo indiscriminado de esgoto bruto é o mais evidente, podendo-se dizer que o saneamento, dentre todos os setores de infraestrutura constitui-se na atividade mais essencial à preservação da vida, com fortes impactos sobre o meio ambiente e o desenvolvimento, posto que as doenças de veiculação hídrica, como a poliomielite, hepatite A, disenteria 4 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente amebiana, diarréia por vírus, febre tifóide, febre paratifóide, diarréias e disenterias bacterianas como a cólera e a esquistossomose, entre outras, têm relação direta com a ausência de rede de esgoto, gerando grande mortalidade infantil, que seria facilmente evitável por uma adequada estrutura de saneamento. Por conta disso, serviu o Inquérito para a apuração das responsabilidades atinentes aos baixos índices de saneamento básico dos Municípios Catarinenses e, num segundo momento, para a realização de uma ação conjunta e solidária com órgãos públicos e a sociedade em geral, visando a melhoria desse quadro, razão pela qual foram informados de sua instauração suas Excelências o Senhor Governador do Estado e o Senhor Presidente da Augusta Assembléia Legislativa, bem como órgãos estaduais diretamente relacionados com a matéria, tais como Companhia Catarinense de Águas e Saneamento CASAN, Fundação Estadual do Meio Ambiente - FATMA, Federação Catarinense de Municípios - FECAM e os próprios Municípios, sendo requisitados os Excelentíssimos Senhores Promotores de Justiça do Estado, cada qual em sua comarca, para atuarem de modo a tomar todas as providências necessárias à agilização das informações necessárias ao diagnóstico pretendido, buscando, inclusive a viabilização de Ajuste de Conduta com ou sem ação judicial. III - Da situação específica no Município de ________ No caso específico do município de _______, o diagnóstico elaborado no Inquérito Civil n. 04/2004 trouxe à baila a verdadeira face do problema na cidade, revelando que menos de __ % do esgoto sanitário produzido pelos aproximadamente ______ mil habitantes é tratado, decorrendo disso que nascentes, pequenos riachos, ribeirões e rios, existentes no entorno na cidade, já se transformaram ou estão em vias de se transformar em verdadeiros esgotos a céu aberto. O descuido, a falta de consciência histórica e o próprio desconhecimento dos gravíssimos efeitos advindos da omissão administrativa no trato do problema, revelam que investimentos outros de menor importância constitucional, ano após ano vêm sendo priorizados, relegando-se a um plano de 5 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente importância secundário a questão relativa ao saneamento básico municipal, especificamente no tocante ao serviço de esgotamento sanitário, serviço este eminentemente essencial, portanto, expondo-se a risco a saúde humana, o bem estar social e direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, princípios fundamentais protegidos em nossas Constituições Federal e Estadual. Decorre pelo teor do diagnóstico acostado aos autos do Procedimento Administrativo anexo a comprovação de que o lançamento do esgoto sanitário sem tratamento adequado ou ausente de tratamento identifica-se como a principal causa de contaminação do meio ambiente poluindo diretamente os mananciais de água superficial e subterrânea deste Município. De outra parte, resta demonstrado, igualmente, os baixíssimos índices de tratamento de esgoto sanitário municipal, seja pela ausência de rede coletora de esgotos implantada, ou em razão do não exercício regular, pelo Município, de seu poder de polícia no intuito de coibir os atos de poluição ambiental decorrentes do despejo criminoso de dejetos gerados por unidades familiares individuais, nos mananciais de água. Esta situação se mantém em vista da absoluta negligência do Poder Público na atividade fiscalizatória, caracterizando a co-responsabilidade do Titular do Serviço (município de _______) pelo potencial crime ambiental que está ocorrendo no Município (art. 54, inc. III da Lei 9.605/98), desatendendo as obrigações lançadas ainda na vigência exclusiva da Lei Estadual 13.517/05, bem como as novas obrigações constantes na Lei 11.445/07, a qual traçou as diretrizes da Política Nacional de Saneamento. IV – Da pertinência da intervenção jurisdicional, em sede de Ação Civil Pública e em caráter excepcional, ao cumprimento, pela administração pública, de ações e metas razoáveis à prestação de serviços de saneamento básico indispensável à proteção do direito fundamental à saúde e ao meio ambiente equilibrado. Fundamentos Doutrinário e Jurisprudencial 6 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente Afora a triste realidade catarinense devidamente retratada nos autos do Inquérito Civil 04/04 e amplamente divulgada nos meios de comunicação nos últimos meses, dando conta de que Santa Catarina encontra-se em uma das piores posições dentre os Estados da Federação no tocante à questão da adequação do tratamento do esgotamento sanitário, sendo esta a principal causa de poluição do solo e dos mananciais de recursos hídricos, cumpre destacar que esta situação afronta diretamente o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio da presente, bem como das futuras gerações. E, em última análise, objetiva a presente lide, a preservação dos direitos à saúde e à vida humana, direitos estes situados no rol dos direitos sociais fundamentais previstos no art. 6º, caput, e 225, caput, ambos da Constituição Federal. Nesta ordem, a fiscalização adequada dos meios de execução individuais de tratamento, e/ou, quando possível, a prestação adequada do serviço de saneamento básico pelo Poder Público, mediante o acesso à água potável e ao esgotamento sanitário, em vista do caráter preventivo, aos efeitos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente gerados pela omissão de sua prestação, ganha relevo em importância no rol das políticas públicas, pela economia gerada ao erário, uma vez que reduz, significativamente, despesas futuras em medicina curativa e recuperação do ambiente degradado. A omissão do dever de adequação, assim como da coibição dos lançamentos indevidos de esgoto sanitário na rede pluvial ou diretamente aos cursos d’água sem o correto tratamento e destinação, trata-se não apenas de descomprometimento, pelo Município, à preservação prioritária dos direitos fundamentais destacados, como revela a violação aos princípios essenciais da administração pública. Descumpre-se o princípio da legalidade, pois a poluição hídrica face o lançamento de esgoto em cursos d’água sem a necessária fiscalização e o exercício do poder de polícia pelo Poder Público é crime, não apenas praticado pelo particular como também pelo gestor municipal (art. 54, inc. VI da Lei 9.605/98). 7 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente Também desatende o administrador municipal o princípio da eficiência em detrimento da saúde pública e da vida humana, pois, conforme estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada dólar investido em saneamento básico representa a redução de cerca de 4 a 5 dólares nos gastos com medicina curativa para tais enfermidades. Em vista da demanda crescente de pacientes que procuram atendimento em hospitais públicos ou postos de saúde por doenças diretamente vinculadas à ausência de saneamento básico, a omissão do serviço impossibilita ainda mais a universalização do atendimento face às limitações orçamentárias ante o aumento de demanda gerada na saúde pública. Ainda, segundo dados apresentados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), 70% da mortalidade infantil até cinco anos é motivada por doenças evitáveis por meio da presença de uma adequada estrutura de saneamento (poliomielite, hepatite A, disenteria amebiana, diarréia por vírus, febre tifóide, febre paratifóide, diarréias e disenterias bacterianas como a cólera, esquistossomose, entre outras, têm relação direta com a ausência de rede de esgoto sanitário). Ora, a Saúde em nosso Estado, não é diferente da situação Brasileira em geral, está na UTI, faltam leitos nos hospitais, medicamentos, materiais, recursos humanos, e a demanda procurando o caríssimo atendimento curativo é enorme e crescente, ultrapassando em muito à receita pública disponível para o setor. Investir em saneamento não apenas comprovadamente diminuirá esta demanda como possibilitará sobra de receita para investimentos em outras políticas públicas. Além disso, saúde e meio ambiente encontram-se inseridos no rol de direitos fundamentais essenciais em nossa Constituição. E a situação do meio ambiente em Santa Catarina e neste município? Face o primor e atualidade vale destacar síntese da matéria veiculada no Diário Catarinense do dia 2.6.2008, acerca da agonia dos rios catarinenses: “A agonia dos rios O Dia Mundial do Meio Ambiente, que transcorre quinta-feira, dia 5 de junho, data instituída pela Organização das Nações Unidas em 1972, sugere uma reflexão madura e aprofundada sobre a urgência da adoção de políticas públicas capazes de reverter a marcha batida do Planeta rumo à auto-aniquilação. Todos os sinais de 8 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente alerta foram acionados desde a realização da primeira conferência da ONU sobre o meio ambiente, há 36 anos. Mas isto não foi o suficiente para deter a marcha da insensatez. Neste amanhecer do terceiro milênio, o mundo chegou a uma situaçãolimite. Transposta, não permitirá retorno. As últimas projeções e pesquisas internacionais não deixam margem a quaisquer dúvidas. A natureza emite sinais de exaustão, traduzidos na freqüência cada vez maior de fenômenos como inundações, terremotos, maremotos e ciclones, que matam milhares de pessoas e arrasam regiões inteiras, provocando o deslocamento de populações, em diversas regiões do mundo. As cartas estão na mesa. Resta esperar que o homem, ao mesmo tempo vítima preferencial e autor deste processo letal, faça a aposta do bom senso e pare de abreviar o futuro. Um dos aspectos mais dramáticos da problemática ambiental é o que diz respeito à situação dos rios e demais fontes e reservas de água potável, elemento vital à continuidade da vida sobre o Planeta. Há 10 anos, uma equipe do Diário Catarinense percorreu todo o território do Estado fazendo um levantamento da situação dos nossos rios e bacias hidrográficas. O resultado foi assustador. Constatou-se que não havia quaisquer controles ou políticas para defender este patrimônio coletivo e essencial. As agressões, que levaram à agonia a maioria dos rios de Santa Catarina, incluíam da poluição industrial mais descarada ao lançamento de dejetos suínos e esgotos in natura diretamente em seus cursos, da exploração carbonífera irracional ao despejo de pesticidas e defensivos agrícolas, além do desmatamento das nascentes e bacias, e a derrubada de matas ciliares. Uma equipe do DC fez o mesmo roteiro de 10 anos atrás para conferir a saúde dos nossos rios. E o diagnóstico, validado por especialistas, foi novamente preocupante. Mais do que isso: foi assustador. Mesmo com uma fiscalização mais rígida, a poluição da rede hidrográfica se acentuou. Hoje, o principal vilão é o humilhante índice de coleta e tratamento de esgotos que, neste quesito, assemelha Santa Catarina a algumas das nações mais miseráveis do mundo. O caderno deste domingo, intitulado A Agonia dos Rios, é um documento importante cabendo esperar que motive ações e investimentos para devolver a "saúde" aos nossos rios padecentes. Antes que seja tarde demais.” Como se admitir, neste contexto, a inércia do Poder Executivo no enfrentamento do problema da irregularidade do esgotamento sanitário deste Município, no intuito de cumprir as disposições do bem comum e os mandamentos mais importantes da Constituição? Ante a letargia e o mal já anunciado, deve o judiciário manter-se inerte e aguardando para atuar apenas em casos concretos e isolados, como ações caríssimas de medicamentos, ou deve antecipar-se dando o 9 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente suporte necessário ao Ministério Público, como guardião do regime democrático e dos interesses sociais, nos limites do razoável e das possibilidades fáticas do Município, adequando, por intermédio do instrumento constitucional da Ação Civil Pública (com seus efeitos difusos e erga omnes) o que está inadequado à legislação, e transformar esta triste realidade na sua maior amplitude possível? É inegável a importância do resultado direto da ação, direcionada ao cumprimento de atos de gestão ordenados em lei com o propósito de adoção, pelo gestor municipal, de ações necessárias e indispensáveis a estancar a principal fonte de poluição dos escassos e finitos recursos hídricos existentes em nosso meio, sendo indiscutível: 1) a essencialidade dos direitos fundamentais que se pretendem, em última instância, assegurar (a saúde e a vida humana, através de um meio ambiente equilibrado e necessário à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações) 2) a importância do meio ao atendimento do fim social que está sendo adotado (ação preventiva, evitando-se a proliferação de doenças que sacrificarão a saúde humana) 3) a conseqüência benéfica aos cofres públicos, estancando-se o aumento de despesas públicas em medicina curativa, privilegiando o investimento futuro em outras políticas públicas. Se o motivo histórico de não intervenção do judiciário nos atos administrativos fundamenta-se na falta de propriedade de um dos poderes estabelecer prioridade política e de investimentos às curtas receitas orçamentárias, em respeito ao poder discricionário do administrador, tem-se que o resultado útil desta ação prega justamente o contrário: aumentar as receitas, ampliar a possibilidade de investimentos em outras políticas públicas, mediante adequação de despesas comprovadamente desnecessárias por intermédio de ações preventivas em saneamento básico. Nesta ordem de idéias, importa lembrar a lição do Catarinense Reinaldo e Silva1 ao afirmar que os direitos fundamentais são essenciais à existência e ao conteúdo dos demais direitos da mesma ordem jurídica positiva, cumprindo assim SILVA, Reinaldo Pereira. A teoria dos direitos fundamentais e o ambiente natural como prerrogativa humana individual. Revista de Direito Ambiental 2007 –RDA 46, p.174-175. 1 10 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente uma exigência decorrente da própria função destes direitos inscritos na Constituição, que é o resguardar e a promoção da dignidade humana. Citando Karl Loewenstein, destaca que “para que uma Constituição seja viva, deve ser efetivamente vivida pela sociedade que se organiza sob a forma de Estado de direito , para que seja real, a Constituição, deve ser observada realmente por todos seus destinatários”. E aprofunda este raciocínio, na seqüência, afirmando que: (...) a essencialidade dos direitos fundamentais deve expressar-se, sobretudo, como prioridade estatal no momento da definição do destino das receitas orçamentárias. Com efeito, os escassos recursos públicos, diante da pluralidade de direitos pleiteando efetividade, devem ser destinados precedentemente aos direitos fundamentais. Assim não agindo, o Estado inverte valores, privilegiando interesses menores em deslealdade ao sistema axiológico que fundamenta a ordem jurídica. Deste modo, a corriqueira omissão do poder de polícia, bem como a má gestão orçamentária e a não priorização de recursos em investimentos neste setor foram fatores essenciais para uma nova postura do Judiciário, dando uma compreensão mais ajustada à teoria liberal da tripartição dos poderes, tornando, pela via Judicial, possível exigir-se, em situações excepcionais como é o caso em análise, um maior comprometimento do Poder Executivo em atenção às diretrizes Constitucionais, ao Poder Constituinte e ao bem comum. Nesta linha de raciocínio, a jurisprudência pátria vem paulatinamente tomando novos rumos, modificando o entendimento até então prevalente de não intervenção do Poder Judiciário na fixação de prioridades públicas pelos órgãos gestores. Esta mudança situa-se no aspecto de que o controle da legalidade dos atos administrativos e o respeito ao regime democrático abarca também o controle do condicionamento das políticas públicas às diretrizes constitucionais, e de obediência, pelo administrador, à implantação das políticas prioritárias diretamente correlacionadas à preservação de direitos essenciais, como a vida, a saúde e o equilíbrio ecológico. Neste exato entendimento extrai-se da jurisprudência Catarinense: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – AMBIENTAL – IMPLANTAÇÃO DE REDE DE ESGOTO NO MUNICÍPIO DE SÃO FRANCISCO DO SUL – VIOLAÇÃO 11 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – PEDIDO QUE SE CONSUBSTANCIARIA EM INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NO EXECUTIVO – TESE ACOLHIDA NA R. SENTENÇA – INSURGÊNCIA – DOUTRINA MAIS ATUALIZADA QUE DÁ SUPEDÂNEO À ATUAÇÃO DA JURISDIÇÃO EX VI DO ART. 5º, XXV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – UTILIZAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL SUBSTANTIVO – PRELIMINAR AFASTADA – julgamento de acordo COM A EXEGESE DO ART. 515, § 3º, DO CPC – POSSIBILIDADE – DOCUMENTOS QUE RETRATAM A INDISFARÇÁVEL POLUIÇÃO NAS PRAIAS E MANGUES DA LOCALIDADE – LEGISLAÇÃO MUNICIPAL QUE DETERMINA A CRIAÇÃO DE SISTEMA HIDRO-SANITÁRIO – INAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO – PROVIMENTO DO APELO. “Não obstante o princípio da separação dos poderes, consagrado expressamente no texto constitucional brasileiro, é de ser ressaltado que o Poder Judiciário, quando se deparar com lesão ou ameaça a direito, está autorizado a intervir nos demais Poderes para suprir a ilegalidade, na forma do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, notadamente quando se tratar de violação a direito fundamental” (Ap. CÍv. n. 2005.039600-9, da Capital, Des. Cid Goulart). Inarredável é o reconhecimento do pedido contido na inicial, quando se constata que um Município inteiro, nos dias de hoje, não possui um sistema eficaz de tratamento de esgoto, sendo tais dejetos biológicos lançados diretamente nas praias e mangues do local. Tal situação restou comprovada pelos inúmeros documentos colacionados aos autos, quais sejam, fotos das ligações clandestinas de esgoto na rede pluvial, periódico local a noticiar a poluição nas praias e análises bacteriológicas que indicam o inacreditável grau de poluição dos líquidos lançados ao mar, quase oito vezes mais contaminados do que o permitido. (Ap. Cív n. 2005.042928-1, de São Francisco do Sul. Relator: Des. Francisco Oliveira Filho) No mesmo sentido o Estado de São Paulo, assim se posicionou: AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LEGITIMIDADE – INTERFERÊNCIA NO PODER EXECUTIVO – INEXISTÊNCIA – TRATANDO-SE DE ATENDIMENTO SOCIAL PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, É DE SE RECONHECER A EXISTÊNCIA DE DIREITO DIFUSO A SER TUTELADO POR AÇÃO CIVIL PÚBLICA. A DETERMINAÇÃO PARA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICA PÚBLICA, JÁ PREVISTA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, NÃO CARACTERIZA INGERÊNCIA NO PODER EXECUTIVO. RECURSOS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 12 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente Trata-se de recurso de apelação e de reexame necessário interposto nos autos da ação civil pública que tinha por escopo compelir os Poderes Públicos a prestar assistência social básica à “população de rua” da Capital do Estado, sob pena de aplicação de multa. [...] Recorre a Fazenda do Estado sustentando [...] envolver a demanda opções de administração sobre prioridades, não podendo o Judiciário ser transformado em cogestor dos recursos destinados ao bem estar social, sendo o pedido até juridicamente impossível, devendo a multa imposta ser reduzida. [...] Buscam ambas as recorrentes demonstrar inexistir direito difuso a ser protegido por esta demanda. Sem razão, contudo. A ação civil pública se presta à defesa de direitos difusos ou coletivos, nos termos do artigo 1º, inciso IV, da lei n. 7.347/85. [...] Mas, mesmo que assim não fosse sem razão as recorrentes neste ponto. É que o direito ao tratamento digno pertence a todo e qualquer cidadão, tratando-se, pois, de direito difuso por excelência. Ao se pleitear tratamento digno a determinados cidadãos se está pleiteando em favor do indiscutível direito do cidadão ao bom governo, também esculpido em norma constitucional. [...] Tampouco se diga estar o Poder Judiciário tornando-se co-gestor de recursos destinados ao atendimento social. A determinação para o fornecimento de estrutura adequada não caracteriza gestão de recursos públicos na exata medida em que tais recursos serão alocados de acordo com a política de atendimento implantada pelo Poder Executivo. Vê-se, pois, não se estar violando a disposição constante do artigo 2º, da Constituição da República, mesmo porque cabe exclusivamente ao Poder Judiciário dizer o Direito. E na hipótese concreta outra coisa não se está fazendo senão o dizer o Direito, determinando-se seja cumprida a Constituição da República em sua inteireza. E existindo norma constitucional determinando seja prestado o atendimento social não há que se falar em opção da Administração, pois a liberdade do administrador cessa 2 ante o texto expresso da lei. [...] (grifei.) Oportuno, ainda, o entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme segue: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AO MEIO AMBIENTE. APRECIAÇÃO DE DIREITO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. CONDIÇÃO DA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. INOCORRÊNCIA. 1. O exame de contrariedade a direito local é inviável na apreciação de recurso especial amparado na alínea a do art. 105, III, da Constituição. Aplicação analógica da Súmula 280/STF. 2. A ação civil pública destina-se a tutelar direitos e interesses difusos e coletivos, inclusive e especialmente o meio ambiente. Há de se entender, 2 TJSP. AC 61.146-5/0-00. 2ª Câmara de Direito Público. Rel.: Lineu Peinado. j. 22.06.99. 13 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente conseqüentemente, que é instrumento com aptidão suficiente para operacionalizar, no plano jurisdicional, a proteção ao direito material da melhor forma, na maior extensão possível e com as medidas preventivas ou reparatórias adequadas. 3. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. (Recurso Especial nº 801.005 – SP (2005/0199102-0), Superior Tribunal de Justiça, Relator: Ministro Teori 3 Albino Zavascki). Na mesma linha, pertinentes as palavras de Lana Lígia Galati, in verbis: Sem dúvida, a implementação de políticas públicas, quando ordenada por sentença, guarda imensa vantagem sobre aquelas que atendem a demandas pontuais. Como dito anteriormente, o alcance das decisões judiciais em matéria de políticas públicas possibilita, inclusive, a correção dos rumos dessas, dando tempo aos administradores para reorganizar os recursos disponíveis, adequando-os às necessidades sociais, o 4 que não ocorre no segundo caso. De outra sorte, a implantação do saneamento básico ganhou corpo com a vigência do Estatuto das Cidades (Lei 10.257/01), em seu art. 2º, e inc. I, dando um norte aos gestores municipais na elaboração de suas políticas públicas e planos diretores, cujo art. 2º destaca que “A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I - garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”. O tema ganhou especial atenção ainda com a recente edição da Lei de Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico, Lei 11.445/07, elencando, em seu art. 1º os princípios fundamentais de sua prestação, com especial destaque para a universalização do acesso, integralidade das atividades, eficiência, sustentabilidade econômica e controle social, objetivando uma maior transparência das ações e controle social da discricionariedade do administrador. 3 TJRS. AI 70021357900. 3ª Câmara Cível. Comarca de Taquari. 4 Galati, Lana Lígia Galati, “O Judiciário como implementador de Políticas Públicas”. Curso de Especialização a distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. p. 45 14 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente A propósito, por entender pertinente e coerente ao contexto da presente demanda, transcrevo a fundamentação apresentada por Galati: O cerne da Constituição dirigente do Brasil encontra-se nos artigos 3º, 1º e 170 e vincula o legislador, assim como vincula os Poderes Públicos quanto às opções políticas que exercem, pois fora desses limites não há governo constitucional. Em outras palavras, a Constituição dirigente sujeita a política à fundamentação 5 constitucional. Aduz mais adiante: No plano interno, todos os esforços das três esferas de poder, Legislativo, Executivo e Judiciário, devem dirigir-se ao cumprimento das diretrizes constitucionais fundantes de nossa ordem jurídica interna e, por conseguinte, de nossas políticas públicas. Imersa em um mundo globalizado e dinâmico, a separação de poderes convolou-se em colaboração entre os poderes, onde cada um exerce parcela das funções dos outros, sem que isso signifique uma violação ao princípio, fenômeno validado pela 6 ordem jurídica, que o vê como necessário. Continua: A estreita ligação existente entre as políticas públicas e os direitos difusos teve por embrião a Lei Federal 6.938/81 que trouxe a definição de meio ambiente e atribuiu ao poluidor a obrigação de reparar os danos causados, independentemente da existência de culpa. Desde então, o rol dos valores e interesses sociais protegidos ampliou-se com o advento da Lei 7.347/85 e mais recentemente com a edição da Lei 8.078/90 que, a par da cláusula de extensão inscrita no art. 1º - „outros interesses difusos e coletivos‟ -, albergou no art. 81, I e II, a tutela aos direitos individuais homogêneos. 5 Galati, Lana Lígia Galati, “O Judiciário como implementador de Políticas Públicas”. Curso de Especialização a distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. p. 38. 6 Galati, Lana Lígia Galati, “O Judiciário como implementador de Políticas Públicas”. Curso de Especialização a distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. p. 39. 15 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente Falar de controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário implica em abordar a sua judicialidade, questão que passa pelo exame da antinomia entre „atos discricionários e 7 atos vinculados‟. Ainda: Este critério remete à possibilidade de exame dos atos administrativos pelo Judiciário tanto sob o prisma da legalidade formal, quanto da legitimidade, à vista do contexto jurídico social sobre o qual se funda. Desse modo, valores como o da efetividade, da moralidade, da eficiência, economicidade, razoabilidade e proporcionalidade serão 8 confrontados com o ato administrativo sob exame. Nesta esteira, segundo o ensinamento de Rodolfo de Camargo Mancuso, No atual estágio de prospecção doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, pensamos que a política pública pode ser considerada como a conduta comissiva ou omissiva da Administração Pública, em sentido largo, voltada à consecução de programa ou meta previstos em norma constitucional ou legal, sujeitando-se ao controle jurisdicional amplo e exauriente, especialmente no tocante à eficiência dos meios empregados e à 9 avaliação dos resultados alcançados. Galati, aduz ainda: Não se cogita de intervenção indevida do Judiciário no âmbito dos outros poderes, quando atua na conformação das políticas públicas ao ordenamento legal, pois, se a todos os poderes impõe-se a observância da lei e, se esta deve ter por fim o bem comum, a atuação harmônica entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário contribuirá 7 Galati, Lana Lígia Galati, “O Judiciário como implementador de Políticas Públicas”. Curso de Especialização a distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. p. 39. 8 Galati, Lana Lígia Galati, “O Judiciário como implementador de Políticas Públicas”. Curso de Especialização a distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. p. 40. 9 Controle judicial das chamadas políticas públicas. In: MILARÉ, Edis (Org.). Ação Civil Pública: lei. 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 730-731. 16 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente para a existência de uma linha coesa de atuação do Estado na implementação de suas políticas públicas. Esta linha desenhará os contornos das políticas públicas e dará o tom do próprio Estado, enquanto pessoa jurídica de direito público interno e externo. O exacerbamento da clássica Teoria da Separação dos Poderes contribuiu para a imunidade do exame da legalidade das políticas públicas e, conseqüentemente, dos atos de governo denominados atos de gestão. No atual estágio de evolução em que tanto a doutrina, quanto à jurisprudência apontam para a flexibilização dos limites de atuação entre os poderes constituídos, o argumento de insindicabilidade das políticas públicas pelo Judiciário não se sustenta, até porque, chamado a pronunciar-se num caso concreto, emitirá um juízo técnico-processual, examinando-o à luz da 10 Constituição Federal. Acompanhando a linha de raciocínio constante na obra mencionada alhures temos que, prioritariamente, ao Poder Judiciário atribui-se a tarefa da verificação da conformidade entre o agir dos agentes políticos e a direção eleita pelo ordenamento jurídico para a condução das políticas públicas. A implementação desta objetiva à concretização dos direitos constitucionalmente garantidos, tornando a sentença um meio utilizado para a realização das diretrizes eleitas pela Carta Magna, cujo comando determina aos agentes de outras esferas de poder a adoção de medidas, além de tornar o Judiciário agente direto das transformações sociais. Seguindo a mesma métrica acima, em que pese a necessidade do impulso inicial, desencadeado o estímulo, por meio de demandas judiciais, o Poder Judiciário ao assumir sua posição de agente transformador, em colaboração com os demais poderes, ainda que aparentemente conflitante com as ações desses, na medida em que expede ordenamentos retificadores dos atos emanados pelos outros poderes, também estará apto a preencher possíveis omissões do poder público, sendo, de todo modo, inegável o caráter de 10 Galati, Lana Lígia Galati, “O Judiciário como implementador de Políticas Públicas”. Curso de Especialização a distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. p. 41. 17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente colaboração que permeia a relação entre os três poderes no desiderato de concretização dos direitos constitucionalmente garantidos. Nesta linha de pensamento, cabe destacar o seguinte excerto: Não é, pois, de se descartar a hipótese de que a propalada contraposição entre política pública e controle judicial talvez mesmo configure, no limite, um falso problema, ou ao menos uma falsa antinomia, a se ter presente que os princípios constitucionais têm de ser compatibilizados entre si, para conviverem harmoniosamente, sem que um esvazie o conteúdo ou enfraqueça a eficácia do outro; assim, é com esse espírito largo e conciliador que se deve ler os princípios da 11 independência entre os Poderes e o da garantia de acesso à Justiça. Na maior parte das vezes, em vista de sua situação privilegiada, o interlocutor da sociedade tem sido o Ministério Público, com a propositura de ações como a presente, possibilitando, em vista da extensão dos efeitos da sentença, alterar os rumos das políticas públicas, de modo a adequá-las aos comandos constitucionais. Em que pese parte da doutrina ainda se posicione no sentido da impossibilidade de emitir o Judiciário comandos normativos com caráter de generalidade e abstração, inclusive compreendendo o instrumento da Ação Civil Pública como inadequado para tal fim (note-se que, este último entendimento engessa o Ministério Público, tornando-o desprovido de um instrumento de eficácia concreta para o enfrentamento difuso desta crise institucionalizada e marcada por desvios de poder e carência de representatividade de decisões políticas avessas ao cumprimento dos mandamentos Constitucionais), cerceando a população do acesso a direitos fundamentais constitucionalmente protegidos, posição adversa, nesse sentido apresenta o mestre Paulo Bonavides: O problema da juridicização dos direitos sociais tornou-se crucial para as Constituições do Estado social. Cumpre, pois, na busca de uma solução, observar 11 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Controle judicial das chamadas políticas públicas. In: MILARÉ, Edis (Org.). Ação Civil Pública: lei. 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 738-739. 18 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente toda essa seqüência: reconhecer a vinculação constitucional do legislador a tais direitos, admitir que se trata de direitos de eficácia imediata, instituir o controle de constitucionalidade e, por fim, estabelecer mecanismos suficientes que funcionem 12 como garantias efetivas de sua aplicabilidade. A amplitude decorrente do disposto art. 129, III, da Constituição Federal e da Lei 7.347/85, autorizando a propositura da ação civil pública na defesa de “outros interesses difusos e coletivos” confere a esse instrumento uma constante atualidade, na medida em que possibilita sua utilização em situações contingenciais em que se apresentem configurados interesses meta individuais. Mais uma vez torna-se oportuna a transcrição dos ensinamentos de Galati: Em sua atuação, o Judiciário tem por limite a Carta Constitucional, sendo certo que as garantias nela previstas colocam-se de forma cogente ao Administrador que não possui opção em deixar de cumpri-las. Nesse passo, verificando a omissão ou o desvio da Administração no cumprimento das metas constitucionais atinentes aos direitos difusos, ou as garantias sociais, ou ainda aos direitos fundamentais dos cidadãos, cumpre ao Judiciário adotar medidas conducentes aos desígnios propostos 13 pelo texto constitucional. Outrossim, o resultado das demandas coletivas é mais satisfatório, em face do seu largo espectro de alcance e da uniformização das ações e das suas conseqüências. Ou seja, a prévia ordenação das despesas, segundo as políticas públicas adotadas, mantém a adequada prestação dos serviços, ensejando, inclusive o atendimento a demandas pontuais que poderão contar com reserva própria para essa finalidade. 12 A Constituição aberta. 2ªed., São Paulo: Malheiros, 1996. p. 186. 13 Galati, Lana Lígia Galati, “O Judiciário como implementador de Políticas Públicas”. Curso de Especialização a distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. p. 43. 19 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente Reforço, conforme argumentos já expostos, de que não se trata, na espécie, do Poder Judiciário tornando-se co-gestor de recursos destinados ao atendimento social. A determinação para o fornecimento de estrutura adequada não caracteriza gestão de recursos públicos na exata medida em que tais recursos serão alocados de acordo com a política de atendimento implantada pelo Poder Executivo. Apontará o Judiciário o que deverá o Executivo fazer, e qual o prazo para tanto, em cumprimento à determinação do Poder Constituinte. E não como fazê-lo, respeitando-se, assim, a discricionariedade administrativa. Nesse ponto, vale citar as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello: Então, trata-se de firmar a premissa teórica de que não é necessariamente invasão da discricionariedade a apreciação, pelo juiz, sobre a procedência de um comportamento administrativo (comissivo ou omissivo) nos casos em que a lei confere à Administração possibilidade de agir ou não agir, deferir ou indeferir, optar por este ou aquele ato. Haverá indevida intromissão judicial na discricionariedade administrativa se o juiz se propuser a sobrepor seu critério pessoal a outro critério, igualmente admissível e razoável, adotado pelo administrador. Não haverá indevida intromissão judicial na correção do ato administrativo se o critério ou opção do administrador houverem sido logicamente insustentáveis, desarrazoados, manifestamente impróprios ante o plexo de circunstâncias reais envolvidas, resultando por isso na eleição de providência 14 desencontrada com a finalidade legal que o ato deveria servir. (grifo do autor) Ora, a omissão na prestação de serviço público de saneamento ou a incorreta fiscalização das ações de saneamento (não) executadas por meio de soluções individuais tratam-se de opções omissivas insustentáveis a exigir a sua correção pela via jurisdicional, atribuindo-se, pois, ao Judiciário - quando não for possível a solução em sede administrativa - no âmbito do atual Estado Constitucional de Direito Contemporâneo, como agente social transformador, dar a eficácia necessária aos direitos fundamentais assegurados na Constituição, determinando ao responsável omisso o seu cumprimento, da forma mais ampla 14 Controle judicial dos atos administrativos. p. 37. In: Revista de Direito Público, São Paulo, ano 16, vol. 65, p. 27-38, janeiro/março 1983. 20 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente possível em prol do bem comum, servindo, neste aspecto a Ação Civil Pública como instrumento mais adequado (proteção difusa, com eficácia erga omnes) para fazer valer, de forma indiscriminada, este dever esquecido, impondo-se a execução da política necessária, respeitando, destarte, a intenção do poder constituinte e o interesse público protegido. V – Do pedido Afora os fundamentos acima assinalados, importa destacar que o controle dos atos administrativos pelo Judiciário, além de observar os limites da legalidade, haverá de pautar-se pelo princípio da razoabilidade, deste modo evitando o condicionamento indevido de atos administrativos ou recursos orçamentários em detrimento de outras políticas igualmente relevantes. Atento a isto, requer-se a designação de audiência prévia, nos termos do art. 331 do CPC, oportunizando-se ao requerido a conciliação mediante a concordância espontânea para o cumprimento das obrigações e metas a seguir elencadas: Adequação do exercício do poder de polícia e vigilância sanitária municipal e, para tanto 1.1 Seja fiscalizada a atividade da prestação do serviço privado de limpa-fossa no âmbito de seu território, exigindo o devido licenciamento do prestador do serviço perante o órgão ambiental competente, aplicando, quando pertinente, as sanções administrativas competentes; 1.2 Regularizar, por intermédio do órgão municipal competente, a elaboração/atualização do Código Sanitário Municipal, estruturação do serviço de vigilância sanitária e controle de poluição dos recursos hídricos, com especial atenção aos trabalhos continuados de identificação e regularização de ligações clandestinas nas redes de pluvial e diretamente no meio ambiente, sem o devido tratamento; 21 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente Para o atendimento do objetivo exposto neste item, deverá o Município adequar-se às normas federais e estaduais pertinentes 15 , no intuito de que cumpra as seguintes obrigações: 1.2.1 No prazo de 6 (seis) elaborar (ou adequar) e encaminhar à Câmara de Vereadores do Município, o Código Sanitário Municipal; 1.2.2 No prazo de 12 (doze) meses regulamentar e estruturar o exercício regular do poder de polícia e vigilância sanitária municipal, realizando, no prazo de 12 (doze) meses subseqüentes ao provimento no cargo, a capacitação dos servidores concursados em ações básicas de vigilância sanitária, podendo o Município integrar-se nas ações desenvolvidas pela Diretoria de Vigilância Sanitária Estadual (Gerência de Fiscalização em Meio Ambiente – GEFAM); Adequação do Município à Política Nacional e Estadual de Saneamento Básico 2 Deverá proceder o Município a sua adequação às diretrizes das Políticas Nacional e Estadual de Saneamento (Lei Federal 11.445/07 e Lei Estadual 13.517/05), voltada à estruturação e à prestação pública e adequada do serviço de água e esgoto sanitário, realizando as necessárias adequações no intuito, inclusive, de viabilizar o acesso do Município à linhas de financiamento externas disponíveis (recursos federais e estaduais) para tal fim. Para o atendimento de tais objetivos, faz-se necessário o cumprimento, pelo Município, das seguintes obrigações: 2.1 No prazo de 6 (seis) meses na condição de titular do serviço de saneamento básico no âmbito de seu território, com o auxílio, se possível e necessário, da Associação ou Federação a qual esteja vinculado, capacitar os 15 (competência concorrente entre os entes federados, art. 24, XII e §1º da CF/88), com especial atenção às Leis Federais 8.080/90 (normas gerais de defesa e proteção da saúde), 9.782/99 (Sistema Nacional de Vigilância Sanitária), 9.433/97 (Política Nacional dos Recursos Hídricos) e 9.445/07 (Política Nacional de Saneamento), e às Leis Estaduais 6.320/82 (Código Estadual de Saúde), 13.517/05 (Política Estadual de Saneamento) 22 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente gestores e técnicos municipais e formular a Política Municipal de Saneamento Básico; 2.2 No prazo de 6 (seis) meses, encaminhar à Câmara Municipal projeto de lei para a constituição da entidade reguladora e fiscalizadora dos serviços de saneamento básico municipal ou delegará, em igual prazo, a tarefa a qualquer entidade reguladora constituída dentro dos limites do respectivo Estado, explicitando, no ato de delegação da regulação, a forma de atuação e a abrangência das atividades a serem desempenhadas pelas partes envolvidas, nos termos do art. 11, III, 15, II e 23 da Lei 11.445/07. 2.3 No prazo de 24 (vinte e quatro) meses, elaborar o(s) plano(s) municipais de saneamento básico, nos termos do art. 9º, inc. I, e demais dispositivos pertinentes da Lei 11.445/07; 2.4 No prazo de 6 (seis) meses, defina a forma de prestação dos serviços públicos de esgotamento sanitário (de forma direta, delegada ou mediante concessão ou do serviço público), fixando-se prazos razoáveis ao cumprimento de metas plausíveis a serem alcançadas para os atos de implantação gradual do Sistema de Coleta, Tratamento e Disposição Final do Esgoto Sanitário gerado pela população do Município (ex.: instalação de 20% da rede coletora no período de 3 anos, instalação da estação de tratamento de esgoto no prazo de 2 anos) e a obtenção dos devidos licenciamentos ambientais (Licenças Prévia, de Instalação e de Operação). 2.5 Prestar informações em juízo, a cada 12 (doze) meses, informando o cumprimento das obrigações constantes no presente instrumento. 3 Caso resulte infrutífera a pretendida conciliação, requer-se, ato contínuo, pelos fundamentos expostos, seja concedida medida liminar por este juízo, em vista da relevância e urgência do cumprimento do objeto, vez que preenchidos os requisitos legais, nos termos do art. 12 da Lei 7.347/85, a fim de que proceda o requerido o cumprimento das obrigações nos prazos constantes nos itens I e II e respectivos subitens que integram o objeto do pedido. 23 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente 4 A citação do município de ________ na pessoa do Prefeito Municipal ou seu representante, conforme disposto no artigo 12, inciso II, do Código de Processo Civil, para, que, querendo, conteste a presente demanda. 5 Postula-se, desde já, em havendo necessidade de instrução processual, a produção de todos os meios de prova admissíveis em direito, como a documental, a testemunhal, realização de vistorias, perícias, inclusive colhendose o depoimento pessoal do requerido, em sendo necessário. 6 Prestação, pelo Município, das informações constantes nos documentos (planilhas) anexos, objetivando a atualização dos dados referentes à situação municipal quanto à eventual prestação do serviço público de coleta, transporte e tratamento do esgoto sanitário municipal, forma de prestação, licenciamento. 7 Seja determinado ao Município a dar continuidade, no decurso dos prazos constantes no pedido liminar, por intermédio do serviço de vigilância sanitária municipal, à fiscalização e à adoção das medidas pertinentes à regularização dos sistemas individuais, bem como, em sendo o caso, promovendo a ligação à rede coletora de esgoto sanitário existente ou que vier a ser implantado, dos imóveis públicos e particulares existentes no Município. 8 Seja oficiado à FECAM e à Associação dos Municípios ______, dando conhecimento desta demanda para que preste, no limite das condições operacionais desta, os auxílios técnicos necessários para o integral cumprimento das obrigações e prazos constantes no pedido liminar. 9 Determine ao Município que a fixação do valor a ser cobrado, na hipótese de prestação do serviço público de tratamento de esgoto não seja superior a 80% do preço do custo de fornecimento da água, patamar este razoável e em sintonia com a recomendação da NBR 9649. 24 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXXX Meio Ambiente 10 Na hipótese do item anterior, seja determinada ao Município a implantação de cota social (valor subsidiado para famílias carentes) para o tratamento de esgoto sanitário. 11 O julgamento final da presente Ação Civil Pública, para: Conceder em definitivo a ordem liminar, que se roga seja deferida initio litis, julgando-se integralmente procedente o pedido formulado condenando-se o Município ________ ao cumprimento das obrigações elencadas no objeto do pedido, nos prazos determinados, sob pena de multa, nos termos dos arts. 11 e 12, §2º, ambos da Lei n. 7.347/85. O cumprimento de todos os demais requerimentos desta exordial, condenando-se o município de __________ ao pagamento das despesas processuais e demais consectários legais, que devem ser convertidos ao fundo previsto no artigo 13 da Lei n. 7.347/85 (Fundo para Reconstituição dos Bens Lesados do Estado de Santa Catarina) incluindo-se as multas que porventura vierem a ser impostas. Requer-se, por fim, a isenção de custas, emolumentos e outros encargos, conforme artigo 18 da Lei n. 7.347/85, atribuindo-se à causa, para todos os efeitos, o valor de R$ ______ _________, ___ de __________ de 20__. P. e Espera Deferimento. _____________________________ Promotor(a) de Justiça 25