Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente da Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação nº 285.580.5/7 OSVALDO BERTINARDI CABRELON e ENI ROSSI CABRELON, já qualificados nos autos do Recurso de Apelação interposto pela FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, por sua advogada, vem à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 541 e seguintes do Código de Processo Civil, interpor o presente Recurso Especial, pelos motivos de fato e de direito aduzidos nas razões anexas, requerendo que o mesmo seja recebido no seu efeito devolutivo e, posteriormente, remetido ao E. Superior Tribunal de Justiça. Termos em que, Pedem deferimento. São Paulo, 04 de outubro de 2006. Andréia Renata Cabrelon OAB/SP nº 193.978 RAZÕES DE RECURSO ESPECIAL RECORRENTES: OSVALDO BERTINARDI CABRELON e ENI ROSSI CABRELON RECORRIDA: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO JUÍZO “A QUO”: SÉTIMA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APELAÇÃO Nº 285.580.5/7-00 Egrégio Tribunal! Colenda Turma! Ínclitos Ministros! 1. Dos fatos O acórdão recorrido provém de Recurso de Apelação que reformou sentença que, em sede de Embargos à Execução Fiscal, julgou procedentes as alegações dos ora Recorrentes. A referida Execução Fiscal foi promovida pela ora Recorrida com o objetivo da cobrança de pretensa quantia apurada em AIIM – Auto de Infração e Imposição de Multa. A Exeqüente propôs Execução Fiscal, com fundamento no registro de Dívida Ativa representado pela CDA nº 89.143 (folha 03), como lhe faculta o artigo 585, inciso VI, do Código de Processo Civil. 2 Conforme se verifica nos autos, a referida Execução foi proposta em face do contribuinte Abatedouro Aguaiano Ltda. – ME, sendo posteriormente redirecionada aos representantes legais da empresa, qualificados na CDA como “responsáveis”. Ocorre, no entanto, que a Recorrida não agiu com cautela, e não observou a impossibilidade de prosseguimento deste processo executivo. Não obstante o respaldo jurídico dado pela presunção de certeza e liquidez 1 do mencionado título executivo, a razão não pode assistir à Recorrida neste caso concreto, conforme restará evidenciado nos parágrafos seguintes. 2. Do cabimento do presente recurso 2.1. Do pré-questionamento Preambularmente, cumpre mencionar que, embora ausentes os Embargos de Declaração em face do aresto recorrido, a matéria objeto deste recurso encontra-se devidamente préquestionada, cumprindo o disposto na Súmula 211 deste Egrégio Superior Tribunal de Justiça. A questão envolvendo a prescrição intercorrente, a despeito de irregularidades na citação, bem como a responsabilização dos sócios, decorrente de eventual dissolução irregular da sociedade, vêm sendo debatidas ao longo de todo o processo, sendo abordadas na r. sentença e postas novamente em discussão no r. acórdão recorrido. Especificamente em relação à decisão ora recorrida, há de se observar que os dispositivos legais de relevância ao presente caso, quais sejam os artigos 40 da Lei 6.830/80 e 135 do Código Tributário Nacional não são apenas abordados e debatidos pelo Tribunal 1 Artigo 3º da Lei 6.830/80. 3 a quo, mas literalmente mencionados no voto, o que constitui o pleno préquestionamento da matéria. É de se consignar, aliás, que, se estamos diante de uma situação em que as únicas matérias argüidas, em todo o embate processual, são a prescrição intercorrente e a responsabilidade tributária, razão pela qual não há como se cogitar a falta de pré-questionamento. Deste modo, superada o primeiro pressuposto de admissibilidade do presente recurso, passemos ao seguinte. 2.2. Do Dissídio jurisprudencial Eventual inadmissão do presente recurso esbarra ainda na evidente desarmonização encontrada em nosso sistema jurídico, o que não pode prosseguir. Nos termos do disposto no artigo 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil, para uma uniformização da jurisprudência, é dever dos Recorrentes levantar o dissídio encontrado para apreciação dessa E. Corte. É que este E. Superior Tribunal de Justiça, em recente julgado, proferiu entendimento diverso daquele exarado pelo Tribunal a quo, conforme representado pela ementa a seguir transcrita: “PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – MATÉRIA DE DEFESA: PRÉ-EXECUTIVIDADE – OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – PRECEDENTES DESTA CORTE 1. Doutrinariamente, entende-se que só por embargos é possível defender-se o executado, admitindo-se, entretanto, a exceção de préexecutividade, como defesa excepcional, que não tem o condão de substituir os embargos, ação própria para o executado formular sua impugnação. 4 2. Consiste a pré-executividade na possibilidade de, sem embargos ou penhora, argüir-se na execução, por mera petição, as matérias de ordem pública ou nas nulidades absolutas, inclusive quanto à prescrição. Precedente da Corte Especial. 3. Somente a citação regular interrompe a prescrição (EREsp 85.144/RJ). 4. A interrupção da prescrição em desfavor da pessoa jurídica também projeta seus efeitos em relação aos responsáveis solidários. 5. Decorridos mais de 05 (cinco) anos após a citação da empresa, ocorreu a prescrição intercorrente, inclusive para os sócios. Precedentes. 6. Recurso especial improvido.” 2 (grifamos) O confronto dos julgados trazidos à colação faz a devida demonstração analítica do dissídio jurisprudencial, inclusive demonstrando a similitude de situação e a divergência de posicionamento. Para o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo o artigo 40 da Lei 6.830/80 autoriza a suspensão da execução por prazo indeterminado, enquanto que esta E. Corte firmou assento no sentido de que deve ser respeitado o prazo qüinqüenal do Código Tributário Nacional, reconhecendo a possibilidade de ocorrência da chamada prescrição intercorrente. Vejamos: 2 Prova da divergência por meio da inclusa cópia do acórdão confrontado, nos termos do artigo 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil, com nova redação dada pela Lei 11.341/2006. 5 “(...) “(...) O executivo fiscal iniciou-se em 20 de fevereiro de Está pacificado, outrossim, que a prescrição, 1987, a citação foi realizada em 12 de março de quando interrompida em desfavor da pessoa 1987, houve o decurso ‘in albis’ do prazo de jurídica, também projeta seus efeitos em relação embargos à execução ou nomeação de bens a aos responsáveis solidários. Neste sentido são os penhora, seguintes julgados: mantendo-se literalmente inerte a sociedade executada. (...) Todas as suspensões da execução ocorreram fulcradas no artigo 40 da Lei 6.830/80, em Partindo dessas premissas, na hipótese dos autos, nenhuma das suspensões houve o decurso integral verifica-se que a constituição definitiva do crédito do prazo qüinqüenal, assim não há o que se cogitar tributário, por intermédio da CDA (Certidão de na aplicação da prescrição intercorrente. Dívida Ativa), deu-se em 30/03/1998. A citação da empresa ocorreu, efetivamente, em 09/05/1991 (fl. Posto isso, o prefalado artigo 40 da Lei 6.830/80 14 v.). Redirecionada a execução em 27/06/2002 autoriza a suspensão da execução quando não (fl. 411), foi determinada a citação dos sócios. forem encontrados o devedor ou bens livres e Portanto, decorridos mais de cinco anos após a disponíveis sobre os quais possam recair a citação constrição judicial. intercorrente também em relação aos sócios. A da empresa ocorreu a prescrição título exemplificativo, transcrevo os seguintes Destaca-se que no decorrer das suspensões do arestos: processo executivo o curso da prescrição também é suspenso por força de lei, conforme tutela o (...)” (grifamos) mencionado dispositivo legal. (...)” (grifamos) 6 Diante do exposto, é fundamental que se uniformize a jurisprudência pátria, como medida de eficácia e segurança jurídicas. 3. Das preliminares 3.1. Da nulidade da citação Conforme se extrai dos autos, a sociedade contribuinte foi supostamente citada por meio de carta recebida pelo Sr. Pedro Trebeschi Azenha 3. Ocorre que a referida citação não pode ser válida, uma vez que contraria expressas disposições legais. É cediço que a citação é um dos atos mais importantes de todo e qualquer processo. Inexistindo citação válida, o processo deverá sempre ser anulado, visto que contraria o princípio absoluto do devido processo legal. Essa importância também vem positivada no próprio Código de Processo Civil: “Art. 213. Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado, a fim de se defender.” “Art. 214. Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu.” (grifamos) 3 Folha 05 da Execução Fiscal. Ultrapassado esse axioma, devemos analisar as disposições reguladas pela Lei de Execuções Fiscais, por se tratar da lei específica sobre o tema. Vejamos, assim, o que dispõe a lei em seu artigo 8º: “Art. 8º. O executado será citado para, no prazo de 5 dias, pagar a dívida com juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução, observadas as seguintes normas:” (grifamos) Como vemos, a citação, para ser válida, deve ser realizada na pessoa do executado ou de seu representante legal. Ocorre que não é isso o que se verifica nestes autos. Embora a Recorrida tivesse conhecimento, desde a propositura da execução, de quem são os representantes legais aptos a receber a citação 4, não guardou zelo em verificar quem foi o signatário do Aviso de Recebimento – AR. Como ficou suficientemente demonstrado nos autos, o mencionado Sr. Pedro é (ao menos era à época) funcionário público municipal da Prefeitura de Aguaí 5, ou seja, pessoa absolutamente estranha à sociedade contribuinte. E não poderia ser diferente, já que é vedado aos servidores públicos o acúmulo de funções públicas e privadas. Note-se, ainda, que tal confusão deve ter decorrido do fato de que, quando da entrega da contra-fé, a sociedade já havia sido dissolvida 6, razão pela qual o imóvel sede estava sendo ocupado (e reformado) pelo efetivo proprietário, a Prefeitura de Aguaí, conforme atestado pelo Sr. Oficial de Justiça à folha 08 verso. 4 Conforme consta na CDA de folha 03. Folha 08 dos Embargos apensos à Execução. 6 Folhas 25 e 26 da Execução. 5 8 Tal negligência do Fisco arrastou um processo sem a composição do pólo passivo por mais de dez anos, desde janeiro de 1987 (propositura da execução) (comparecimento voluntário de folha 41). até dezembro de 1999 Diante do exposto, os Recorrentes não podem aceitar a conclusão do i. relator do acórdão recorrido 7, sob os argumentos de que, in casu, vale a teoria da aparência, na qual a citação de representante da Prefeitura pode vincular a pessoa jurídica executada. Verificamos, portanto, que, não obstante tivesse condições de citar a sociedade contribuinte na pessoa de seus sócios, seja porque detinha o endereço pessoal dos responsáveis quando da propositura do executivo 8, seja porque os representantes informaram seus dados aos órgãos competentes 9 quando da dissolução regular da empresa, o Fisco optou por aceitar uma “citação” manifestamente inválida, induzindo o juízo monocrático a erro por mais de uma década. Em referência ao prazo de duração desse feito, aliás, abriremos a seguir um tópico específico para tratar do decurso do prazo prescricional em relação ao crédito executado. Antes, no entanto, para finalizar, caso Vossas Excelências entendam que está ausente o devido pré-questionamento da matéria, vale dizer que a nulidade de citação é matéria de ordem pública, daquelas em que o juiz não pode se furtar de apreciação inclusive ex officio. A esse respeito, vejamos: “EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – CITAÇÃO POR EDITAL – INVALIDADE – POSSIBILIDADE DE PRONUNCIAMENTO DE OFÍCIO – MARCO INTERRUPTIVO DA PRESCRIÇÃO – CITAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR – APLICAÇÃO DO ARTIGO 174 DO CTN AO CASO – 1. A nulidade da citação é matéria que pode ser conhecida de 7 Folhas 56 e 57. Folha 03. 9 Folhas 25, 26, 37 e 37v. 8 9 ofício pelo julgador, porquanto se trata de questão essencial para o desenvolvimento válido do processo. Inteligência dos artigos 247 e 267, parágrafo 3º, do CPC. (...)” 10 Devemos mencionar, ainda, que não há e nunca houve, por parte dos Recorrentes, qualquer intenção de se esconder de qualquer tipo de processo judicial. Os Recorrentes sempre foram pessoas de comportamento ilibado e jamais se furtariam de qualquer ação ou execução que porventura viessem a sofrer, tanto que, ao ter conhecimento deste feito, logo ingressaram para se defender e compor a relação processual. Assim, como forma de zelar pelo devido processo legal, bem como garantir todos os benefícios inerentes àquele que é devidamente citado em uma execução, só resta aos Recorrentes requererem a anulação da citação de folha 05, exclusivamente em relação à sociedade contribuinte. 3.2. Da prescrição intercorrente Retomando a idéia sumariamente levantada no tópico anterior, a prescrição intercorrente representa o ponto crucial de dissídio jurisprudencial entre a decisão recorrida e o acórdão paradigmático, razão pela qual a comparação entre os dois arestos será inevitável. A i. ministra Eliana Calmon, quando da relatoria do Recurso Especial nº 736.030-RS, transcreve o seguinte trecho do acórdão proferido pelo tribunal de origem (que fora mantido pela decisão desta E. Corte): “Outrossim, merece ser confirmada a decisão recorrida, pois prescrito o débito. Veja-se que a constituição definitiva do crédito tributário deu em 30/03/1988. o despacho que ordenou a TRF 4ª R. - AG 2003.02.01.000707-3–RS - 1ª T. – Rel. Des. Fed. Wellington M. de Almeida – DJU 19.11.2003 – p. 725 JCTN. 174. 10 10 citação da 30/04/1991. pessoa jurídica é datado de Redirecionada a execução contra os ora excipientes, foi determinada a citação apenas em 27/06/2002. Assim, decorridos mais de cinco anos entre as duas ordens para citação, transcorrido prazo superior ao qüinqüênio, nos termos do disposto no art. 174 do Código Tributário Nacional, flagrante a prescrição do débito ora executado.” 11 Neste momento, pedimos vênia para, parafraseando o trecho acima, adequar a situação paradigmática ao caso em tela. No caso dos autos, merece ser reformada a decisão recorrida, pois prescrito o débito. Veja-se que a constituição definitiva do crédito tributário deu em 04/05/1984 12. O despacho que ordenou a citação da pessoa jurídica é datado de 20/02/1987. Redirecionada a execução contra os ora Recorrentes, foi determinada a citação apenas em 05/08/1999. Assim, decorridos mais de cinco anos entre as duas ordens para citação, transcorrido prazo superior ao qüinqüênio, nos termos do disposto no art. 174 do Código Tributário Nacional, flagrante a prescrição do débito ora executado. O acórdão paradigmático, no voto da i. ministra relatora, ressalta, ainda, que esta E. Corte “firmou entendimento de que somente a citação regular interrompe a prescrição” 13, o que não se observa no caso concreto destes autos. Ainda analisando a prescrição, é entendimento mais moderno de que os efeitos da prescrição transcendem aos sócios, conforme fica cristalino no julgamento do Recurso Especial 736.030-RS. 11 Páginas 7 e 8 do inteiro teor do acórdão (em anexo). Folha 03 da Execução. 13 Página 8 do incluso acórdão. 12 11 Especificamente em relação à responsabilidade dos sócios, a matéria será tratada em momento oportuno como razão de mérito deste recurso. Retornando ao tema, para que não pairem dúvidas acerca da aplicação do prazo prescricional qüinqüenal, vale trazer à baila a interpretação do artigo 40 da Lei 6.830/80, contraargumentando com o que fora decidido pelo juízo a quo 14. Nesse sentido, vejamos: “Aspecto interessante está no art. 40 da LEF, em que temos uma suspensão da execução, quando não encontrado o devedor ou não encontrados bens suficientes para garanti-la. Essa suspensão, no entanto, não pode ser por tempo indeterminado; surge, então, a figura da prescrição intercorrente, na qual o prazo é qüinqüenal.” 15 (grifamos) A jurisprudência pátria também se manifesta em sentido convergente: “O recurso foi interposto às fls. 101/107, sustentando a impossibilidade da prescrição, já que a suspensão ocorreu de acordo com o art. 40 da Lei de Execuções Fiscais, que estabelece procedimento especial para a cobrança de dívida da Fazenda Pública, e requerendo a exclusão dos honorários advocatícios. Não tem razão a recorrente. Na lição de Luciano Amaro (‘in’ Direito Tributário Brasileiro, ed. Saraiva, 3ª ed.,1999, p.372): 14 Folhas 60, 61 e 62 dos Embargos. Entendimento exarado pela Ministra Eliana Calmon em artigo intitulado “Prescrição na Execução contra a Fazenda Pública”. 15 12 ‘A certeza e a segurança do direito não se compadecem com a permanência, no tempo, da possibilidade de litígios instauráveis pelo suposto titular de um direito que tardiamente venha a reclamá-lo. Dormientibus non succurrit jus. O direito positivo não socorre a quem permanece inerte, durante largo espaço de tempo, sem exercitar seus direitos. Por isso, esgotado certo prazo, assinalado em lei, prestigiam-se a certeza e a segurança, e sacrifica-se o eventual direito daquele que se manteve inativo no que respeita à atuação ou defesa desse direito’. O objetivo principal do Poder Judiciário é zelar pela estabilidade jurídica imprescindível à paz social. Daí a necessidade de afastar-se a prescrição por tempo indefinido. Nas execuções fiscais, o prazo é fixado em cinco anos, contados da data de sua constituição definitiva, nos termos do art. 174 do Código Tributário Nacional. Somente interrompe-se nas hipóteses enumeradas no seu parágrafo único, nelas não incluídas a do art. 40 da Lei nº 6.380/80. A propósito: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉEXECUTIVIDADE. POSSIBILIDADE. PESSOA JURÍDICA. REDIRECIONAMENTO DA AÇÃO. SÓCIO. CITAÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ART. 8º, IV E § 2º DA LEI Nº 6.830/80. ART. 219, § 4º, DO CPC. ARTS. 125, III, E 174, PARÁGRAFO ÚNCIO DO CTN. SUAS INTERPRETAÇÕES. PRECEDENTES. (...) 4. Os casos de interrupção do prazo prescricional estão previstos no art. 174, do CTN, nele não incluídos os do artigo 40, da Lei 13 nº 6.380/80. Há de ser sempre lembrado que o art. 174, do CTN, tem natureza de Lei Complementar. 5. O art. 40, da Lei nº 6.380/80, nos termos em que admitido em nosso ordenamento jurídico, não tem prevalência. Sua aplicação há de sofrer os limites impostos pelo art. 174, do CTN. 6. Repugna aos princípios informadores do sistema tributário a prescrição indefinida. Após o decurso de determinado tempo sem promoção da parte interessada, deve-se estabilizar o conflito, pela via da prescrição, impondo segurança jurídica aos litigantes. (...)".(REsp. 388000/RS, Primeira Turma, rel. Min. José Delgado, j. 21/02/2002, DJ 18/03/2002, p. 192). Em anotações ao artigo 40 da Lei nº 6.830/80, Theotônio Negrão também cita entendimento jurisprudencial no sentido de que, ‘se o processo executivo ficou paralisado por mais de cinco anos, especialmente porque o exeqüente permaneceu silente, deve ser reconhecida a prescrição suscitada pelo devedor. A regra inserida no artigo 40 da Lei n.º 6.830/80 não tem o condão de tornar imprescritível a dívida fiscal, já que não resiste ao confronto com o art. 174, § único, inciso I, do CTN’ (STJ - 1.ª Seção, ED no REsp. 97.328- PR, rel. Ministro Adhemar Maciel, j. 12.8.1998, D.J. 15.05.2000, p.114) ("in" Código de Processo Civil, 32.ª atualizada, Editora Saraiva, 2001, p. 1341). ed. Dispõe o Código Tributário Nacional: ‘Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe: 14 I - pela citação pessoal feita ao devedor; (...)’ Iniciada a contagem do prazo prescricional do débito tributário inscrito em 12/02/1992, não resta dúvida de que os créditos tornaram-se inexigíveis, por força da prescrição intercorrente, uma vez que a citação só ocorreu em 23/03/2004 (fls. 86-v). (...)” 16 Por fim, ainda em sede preliminar, vale dizer que, a exemplo do que se colocou quando da abordagem da citação, a análise da prescrição intercorrente também não terá como óbice eventual ausência de pré-questionamento, por se tratar de matéria que imprescinde de provocação das partes. É o que se conclui do resultado do EREsp nº 388.000-RS, em que a Corte Especial julgou ser possível a argüição de prescrição até mesmo em exceção de pré-executividade. Ainda nesta questão, a Lei nº 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, parece ter colocado um ponto final nessa discussão jurisprudencial ao dar nova redação ao artigo 219, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil, in verbis: “§ 5º O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.” Superadas as preliminares retro, ao mérito. 16 Trecho do voto do relator da Apelação nº 1.0024.93.023982-7/001 (TJMG – 7ª CC, rel. Des. Wander Marotta, DJU 28/09/2004, deram parcial provimento, vencido o vogal parcialmente). 15 4. Do mérito Adentrando a análise de mérito, passemos a expor as razões que impedem a inclusão dos Recorrentes no pólo passivo da Execução proposta. Dentre os Executados no caso em tela, verificamos a presença de uma pessoa jurídica e duas pessoas físicas, estas últimas os ora Recorrentes. Conforme consta dos autos, a pessoa jurídica é o contribuinte e as pessoas físicas são, supostamente, co-responsáveis pelo débito tributário (objeto da Execução). Nesse ponto, a análise da (i)legitimidade dos Recorrentes se confunde com a sua possibilidade em ser co-responsáveis tributários, nos termos do requerimento de folha 38 17. A desconsideração de personalidade jurídica pretendida pela Recorrida provém de uma teoria não admitida no Direito Brasileiro, que é a disregard of legal entity 18 ou lifting the corporate veil 19, de origem no direito norte-americano (e típica no sistema jurídico da commom law). A esse respeito, essas soluções dos tribunais dos Estados Unidos têm sido, como assevera Fábio Konder Comparato 20, “casuísticas, na linha da influência da equity e de sua preocupação com a justiça do caso singular, tomando o juiz autêntico criador do direito (judge-made law); o que nem sempre satisfaz as exigências de uma explicação lógica” 21. 17 Autos da Execução Fiscal em apenso aos Embargos. Expressão que, traduzida para o vernáculo, significa desconsideração da personalidade jurídica. 19 Traduzida como levantamento do véu da personalidade jurídica. 20 in Poder de Controle na Sociedade Anônima, 3ª ed., p. 283. 21 Citação encontrada em Arruda Alvim, Direito Comercial, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 67. 18 16 No direito pátrio, aplicar tal teoria se mostra incompatível com todo o ordenamento, razão pela qual a decisão recorrida prescinde de qualquer requisito legal. Não obstante essa incompatibilidade, diante do que dispõe o artigo 135 do Código Tributário Nacional, é mister analisarmos, ao menos no campo das idéias, a aplicação desta norma aos sócios de sociedades limitadas (espécie da qual faz parte a primeira Executada). A sociedade limitada, antiga “sociedade por quotas de responsabilidade limitada”, possui uma terminologia autoexplicativa, uma vez que nessas sociedades impera o princípio da limitação da responsabilidade. Esse princípio pode ser assim definido: “Os sócios são terceiros em relação às dívidas da sociedade; a sociedade é terceira em relação à dívida dos sócios” 22. Segundo Fábio Ulhoa Coelho 23, temos: “A personalização da sociedade limitada implica a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus membros. Sócio e sociedade são sujeitos distintos, com seus próprios direitos e deveres. As obrigações de um, portanto, não se podem imputar ao outro. Desse modo, a regra é a da irresponsabilidade dos sócios da sociedade limitada pelas dívidas sociais. Isto é, os sócios respondem apenas pelo valor das quotas com que se comprometem, no contrato social. É esse o limite de sua responsabilidade.” (grifamos) Posto isso, verificamos que a responsabilização, pelo patrimônio dos sócios, das dívidas contraídas pela sociedade só 22 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, apud 1º TACvSP. “AC 204.749, 2/4/75”. JTACvSP, São Paulo, 54: 84-5 in Maria do Carmo G. Drummond, Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, Fundação Casa de Rui Barbosa, 1991, p. 158. 23 in A sociedade limitada no novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2003 – p. 4. 17 pode ser admitida de maneira excepcional. Assim, há de se tomar muito cuidado para que a exceção não se confunda com a regra. Além de lamentável, inverter o regramento legal, ainda que dotado de suposto respaldo da legislação, seria um caminhar na contra-mão da História. Nesse sentido, asseverou o ilustre projetista do Código Comercial brasileiro 24: “As sociedades por quotas, a que chamarei limitadas, por oposição às solidárias (denominação que entendi preferível à de sociedades em nome coletivo, vaga e imprecisa), preenchem essa lacuna do direito vigente.” 25 O referido projeto foi debatido e aprovado, cabendo transcrever parte do parecer dado pela Comissão de Justiça e Legislação do Senado Federal 26: “É esta uma inovação que se pretende em nosso Direito Comercial, a exemplo do que já existe na legislação de diversos países. (...)” 27 A vanguarda pretendida pelos juristas da época trouxe inúmeros benefícios ao desenvolvimento do Brasil, tendo em vista a criação de uma nova sociedade efetivamente personificada. Assim, a imputação de responsabilidade pretendida pela Excipiente não pode prevalecer diante de todo um contexto histórico e, sobretudo, diante do regime jurídico de uma sociedade, salvo por força de lei. Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho: 24 Hoje revogado pelo Código Civil. Herculano Marcos Inglez de Souza, Projeto de Código Comercial, Rio de Janeiro, 1912, vol. I, p. 24 in LUCENA, José Waldecy. Das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 19. 26 Parecer nº 481, de 30 de Dezembro de 1918. 27 in LUCENA, José Waldecy. Das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 24. 25 18 “A responsabilidade dos sócios pelas obrigações das sociedades limitada, como diz o nome do tipo societário, está sujeita a limites. Se o patrimônio social é insuficiente para responder pelo valor total das dívidas que a sociedade contraiu na exploração da empresa, os credores só poderão responsabilizar os sócios, executando bens de seus patrimônios individuais, até um certo montante. Alcançando este, a perda é do credor. O limite da responsabilidade dos sócios, na sociedade limitada, é o total de capital social subscrito e não integralizado.” 28 Assim, tendo em vista que a pretensão da Recorrida viola a regra mencionada, passemos a analisar a possibilidade dessa pretensão possuir respaldo legal, ao menos como exceção à regra. Conforme se verifica na folha 38, o referido requerimento é fundado no artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, que merece especial atenção. 4.1. Da responsabilidade tributária Da simples leitura do Código Tributário Nacional, verificamos, à primeira vista, que a pretensão da Recorrida de responsabilizar os sócios de uma empresa são possíveis, desde que atendidos alguns requisitos legais. Nesse sentido, se faz mister destacar as brilhantes observações trazidas no parecer do Dr. Humberto Theodoro Júnior 29 (RT/Fasc. Civ., Ano 86, v. 739, maio 1997, p. 115-128): 28 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 153. Sobre o autor: http://www.cepad.com.br/colaboradores/nomes/Humberto%20T heodoro%20J%FAnior% 20(MG).html 29 19 “Quanto ao artigo 135 do CTN, seu preceito cuida dos terceiros que incidem na responsabilidade tributária pessoal em virtude de ato praticado com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Entram em sua área de incidência, portanto, ‘as obrigações tributárias resultantes’ – segundo o texto legal – ‘de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos’ (caput)... pelos ‘diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado’ (inc. III). Não é qualidade de gerente ou administrador que engedra a prevista no art. 135 não recolhimento sociedade a causa responsabilidade pessoal do CTN. Nem é apenas o do tributo devido pela suficiente para que seus gerentes se tornem todos responsáveis pelo débito. (...) Em outras palavras, a responsabilidade tributária do terceiro (sócio-gerente ou administrador) funciona, na hipótese do art. 135 do CTN, como uma verdadeira sanção aplicada ao ato abusivo, ou seja, ao ato praticado com ofensa aos poderes disponíveis ou à lei, ao contrato ou estatuto. Somente quem tenha sido autor do ato abusivo é que será pessoalmente responsabilizado pela obrigação tributária dele oriunda.” E continua: “Com efeito, as hipóteses de responsabilidade tributária pelo art. 135 do CTN, pelas próprias palavras da lei, não se fundam no mero inadimplemento da sociedade contribuinte, mas na conduta dolosa especificamente apontada 20 pelo próprio legislador, que vem a ocorrência de um fato gerador de ser a tributo praticado com excesso de poder, infração da lei ou violação do contrato social, por parte do gestor da pessoa jurídica. Como o dolo não se presume, adverte Ives Gandra da Silva Martins que se torna obrigatória a apuração não só da ‘hipótese dolosa’ como também, e necessariamente, da ‘participação’ efetiva nela do terceiro indigitado como responsável tributário, nos termos do art. 135, III, do CTN (Seleções Jurídicas, ADV, jun. 1983, p.33).” Assim, a respeito da responsabilidade tributária prevista no artigo 135 do Código Tributário Nacional, cumpre destacar o entendimento do ilustre Hugo de Brito Machado: “Também não basta ser diretor, ou gerente, ou representante. É preciso que o débito tributário em questão resulte de ato praticado com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Estabelecer quando se caracteriza o excesso de poderes, ou a infração de lei, do contrato ou do estatuto, é questão ainda a carecer de esclarecimentos. Há quem entenda, e assim decidiu, em alguns casos, o Tribunal Federal de Recursos, que o não recolhimento do tributo constitui infração da lei suficiente para ensejar a aplicação do art. 135, III, do CTN. Não nos parece que seja assim. Se o não pagamento do tributo fosse infração à lei capaz de ensejar a responsabilidade dos diretores de uma sociedade por quotas, ou de uma sociedade anônima, simplesmente inexistiria qualquer limitação da responsabilidade destes em relação ao fisco. 21 Aliás, inexistiria essa limitação relação a terceiros.” (grifamos) mesmo em A esse respeito, aliás, a jurisprudência dos Tribunais Superiores se manifesta de maneira incontroversa, conforme exemplos colhidos em recente repertório: “Os bens particulares do sócio não respondem por dívida fiscal da sociedade, salvo se houver prática com excesso de poder ou infração de lei. Precedentes do STF” 30 (RTJ 122/719). “A comprovação da responsabilidade do sócio é imprescindível para que a execução fiscal seja redirecionada, mediante citação do mesmo” 31 Neste Egrégio Superior Tribunal de Justiça também encontramos decisões no mesmo sentido: “Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade”, pois, “o sócio-gerente só responde (pela dívida fiscal) se ficar provado que agiu com excesso de mandato ou infringência à lei ou ao contrato social. Essa prova há de ser feita pelo Fisco” (RSTJ 128/113). “O simples inadimplemento da obrigação tributária não enseja a responsabilização pessoal do dirigente da sociedade. Para que este seja pessoalmente responsabilizado é necessário que se comprove que agiu dolosamente, com fraude ou excesso de poderes” 32. 33 30 RTJ 122/719. STJ-2ª Turma, REsp 278.744-SC, rel. Min. Eliana Calmon, j. 19.3.02, negaram provimento, v.u., DJU 29.4.02, p. 220. 32 STJ-2ª Turma, Resp 313.743-SP – AgRg, rel. Min. Eliana Calmon, j. 6.11.01, negaram provimento, v.u., DJU 18.2.02, p. 343. 31 22 “O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio” 34 Mostra-se, portanto, que a razão não pode assistir à Excipiente, diante da ausência de amparo legal que justifique a desconstituição da personalidade jurídica da primeira Executada (contribuinte), ampliando a responsabilidade ao patrimônio dos sócios. 4.2. Da infração a lei ou contrato social Há uma significativa diferença entre as hipóteses de exceção à limitação da responsabilidade dos sócios relacionadas, de uma lado, à falta de integralização do capital social e, de outro, à repressão de atos irregulares: enquanto nesta última o sócio responde diretamente, na primeira ele tem responsabilidade subsidiária. Na sanção às irregularidades praticadas na gerência da sociedade limitada, a responsabilização do sócio não depende do prévio exaurimento do patrimônio social. Consoante assentado, a autonomia subjetiva da pessoa jurídica, quando desviada de seus fins por ação ou omissão de seu administrador, não é prestigiada pelo direito. Nesses casos, a imputação de responsabilidade ao sócio não guarda relação com a situação patrimonial da sociedade. Partindo desse pressuposto, continuemos a minuciosa análise acerca da responsabilização regulada pelo artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, que assim dispõe: “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com 33 in NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 35ª ed., atual. até 13 de janeiro de 2003. São Paulo: Saraiva, p. 1287. 34 STJ-1ª Seção, ED no REsp 174.532-PR, rel. Min. José Delgado, j. 18.6.01, rejeitaram os embs., v.u., DJU 20.8.01, p. 342; RT 797/216 23 excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: (...) III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” Assim, prima facie, verificamos que o enquadramento dos Recorrentes é, em tese (no campo das idéias), possível, uma vez que eles administravam (ou seja, exerciam funções de gerência) a sociedade Abatedouro Aguaiano Ltda. (pessoa jurídica de direito privado, nos termos do mencionado dispositivo legal). Vislumbra-se no mencionado artigo a coerência do legislador ao fixar os casos de responsabilização dos integrantes do quadro social da pessoa jurídica. Assim, aqueles que no exercício da gerência da empresa praticam atos infringentes à lei, ao contrato social ou com excesso de poderes, são pessoalmente responsáveis pelo ônus da tributação, afastando-se, por óbvio, os demais sócios (cotistas) e também a própria sociedade em si. Frise-se aí a prática de atos infringentes à lei ou contrato para a desconsideração da personalidade jurídica. A esse respeito, afirma Lamartine Corrêa de Oliveira 35: “Não provada tal intenção [de abuso de direito], não se justificaria a desconsideração” 36 Com base na teoria da Substituição Tributária, quando existente a configuração das hipóteses previstas no caput do artigo 135 do CTN, a sociedade limitada não tem a obrigação de arcar com o pagamento do tributo, mas tão somente o membro da sociedade, que é o único e exclusivo responsável pela extinção do crédito tributário. 35 in A Dupla Crise da Pessoa Jurídica, p. 301, Saraiva, 1979. Citação encontrada em Arruda Alvim, Direito Comercial, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 65. 36 24 Os atos de excesso na gestão, resultantes de culpa ou dolo do sócio, devem responsabilizar o próprio infrator e, conseqüentemente, o seu patrimônio deve ser alcançado. Neste momento, valem também as palavras do saudoso Aliomar Baleeiro, para quem: “O caso, diferentemente do anterior, não é apenas de solidariedade, mas de responsabilidade por substituição. As pessoas indicadas no art. 135 passam a ser responsáveis ao invés do contribuinte.” 37 os A professora Misabel Abreu Machado Derzi compartilha do mesmo entendimento: “Já o art. 135 transfere o débito, nascido em nome do contribuinte, exclusivamente para o responsável, que o substitui, inclusive em relação às hipóteses mencionadas no art. 134. A única justificativa para a liberação do contribuinte, que não integra o pólo passivo, nas hipóteses do art. 135, está no fato de que os créditos ali mencionados correspondem a ‘obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos’;” 38 O E. Supremo Tribunal Federal, embora não seja o competente para a análise de matéria infraconstitucional, como corte maior deste país, já elucidou que: “Além do sujeito passivo da obrigação tributária, responsável primário, admite o Código a 37 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 6ª ed., revista e acrescida de apêndice. Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 435. 38 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed., atual. Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 756. 25 responsabilidade solidária de terceiros (art. 134) e a responsabilidade por substituição (art. 135). Na questão da responsabilidade dos sócios, por dívidas da sociedade, dispôs o Código que a solidariedade advém de sua intervenção nos atos ou pelas omissões de que forem responsáveis (art. 134) e que a substituição ocorre quando a obrigação tributária advém ou é resultante de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135).” (RE nº 85.241) Assim, os pedidos da Recorrida de “desconsideração da personalidade jurídica” ou, simplesmente, “despersonificação”, e conseqüente inclusão dos Recorrentes no pólo passivo desta Execução, devem ser fundamentados em alguma infração que justifique o ônus a ser suportado pelo sócio infrator. No caso em tela, não há comprovação nos autos de nenhuma eventual infração cometida pelos Recorrentes. Não obstante o juízo a quo tenha se valido do argumento de liquidação irregular da sociedade 39 para legitimar a substituição tributária e condenar os Recorrentes, tal razão não pode lhe assistir, conforme ficará evidenciado nos parágrafos ulteriores. 4.3. Da dissolução da sociedade-contribuinte Acerca da extinção da pessoa jurídica executada, não há o que se falar em dissolução irregular que justifique a responsabilização dos sócios. Ao contrário do que alegado pela Recorrida, a sociedade contribuinte foi dissolvida de modo absolutamente regular, informando a Junta Comercial do Estado de São Paulo 40 do distrato social, realizando o encerramento da empresa junto à Secretaria de 39 40 Folha 62 dos Embargos. Folhas 25 e 26 da Execução. 26 Estado da Fazenda 41 e realizando a baixa definitiva do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica junto à Secretaria da Receita Federal 42. Neste ponto, vale interromper a argumentação para ratificar que essa comunicação de encerramento das atividades 43 junto ao Fisco já é razão suficiente para que a citação do executado no endereço comercial da sociedade se mostre manifestamente nula. Ora Excelências, se os ora Recorrentes diligenciaram com afinco para notificar seu encerramento junto à Fazenda Estadual 44, informando, inclusive, os seus endereços pessoais, como quer a Recorrida citá-los posteriormente em endereço comercial? Retomando a argumentação do modo de dissolução societária, a jurisprudência desta E. Corte é pacífica no entendimento de que, havendo a dissolução irregular, os débitos fiscais podem ser exigidos dos sócios ou administradores da empresa contribuinte, já que a dissolução irregular é ato contra a lei e contra o estatuto social. Para corroborar com esse entendimento, destacamos um trecho do voto-vista da i. Ministra Eliana Calmon ao Recurso Especial nº 800.039-PR: “De fato, uma empresa não pode funcionar sem que o endereço de sua sede ou do eventual estabelecimento se encontre atualizado na Junta Comercial e perante o órgão competente da Administração Tributária, sob pena de se macular o direito de eventuais credores, in casu, a Fazenda Pública, que se verá impedida de localizar a empresa devedora para cobrança de seus débitos tributários. 41 Folha 37 verso e anverso. Comprovante obtido em acesso ao “site” da SRF. 43 Pela ordem legal, a última delas (fisco federal) se deu em 31/10/1986, conforme documento acostado a este recurso. 44 Folhas 37 e 37 verso. 42 27 Isso porque o art. 127 do CTN impõe ao contribuinte, como obrigação acessória, o dever de informar ao fisco o seu domicílio tributário, que, no caso das pessoas jurídicas de direito privado, é, via de regra, o lugar da sua sede. Assim, presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixa de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, comercial e tributário, cabendo a responsabilização do sócio-gerente, o qual pode provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder, ou ainda, que efetivamente não tenha ocorrido a dissolução irregular. No direito comercial, há que se valorizar a aparência externa do estabelecimento comercial, não se podendo, por mera suposição de que a empresa poderia estar operando em outro endereço, sem que tivesse ainda comunicado à Junta Comercial, obstar o direito de crédito da Fazenda Pública.” (grifamos) Sobre o assunto, o tributarista Fábio Garuti Marques, em recente artigo publicado pelo jornal Valor Econômico assevera que: ”Talvez pela conhecida característica empreendedora dos brasileiros, há uma enormidade de empresas que são abertas e, por diversos fatores, não dão certo. Incrivelmente e certamente pela burocracia envolvida e também porque, logicamente, é vedado o encerramento, pelos órgãos executivos, de empresas com débitos fiscais - muitos dos sócios e diretores dessas sociedades acabam por não promover a baixa das inscrições municipais, estaduais e no Cadastro Nacional da Pessoa encerrando Jurídica as (CNPJ), atividades da meramente empresa, 28 acarretando na sua dissolução irregular e na possibilidade de responsabilização de seus sócios e diretores, STJ.” 45 (grifamos) conforme decidido pelo No caso em tela, as prescrições e formalidades legais para o encerramento foram atendidas pelos Recorrentes, razão pela qual os elementos subjetivos dolo e culpa, requisitos imprescindíveis à aplicação do artigo 135 do Código Tributário Nacional, desaparecem. As decisões desta E. Corte também apontam para esse entendimento: “Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade”, pois, “o sócio-gerente só responde (pela dívida fiscal) se ficar provado que agiu com excesso de mandato ou infringência à lei ou ao contrato social. Essa prova há de ser feita pelo Fisco” (RSTJ 128/113). “O simples inadimplemento da obrigação tributária não enseja a responsabilização pessoal do dirigente da sociedade. Para que este seja pessoalmente responsabilizado é necessário que se comprove que agiu dolosamente, com fraude ou excesso de poderes” 46 (grifamos) “O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio” 47 45 Publicação eletrônica em: http://www.valoronline.com.br/valoreconomico/285/legislacaoetributos/A+responsabilid ade+dos+socios,,,85,3811865.htm l 46 STJ – 2ª Turma, REsp 313.743-SP – AgRg, rel. Min. Eliana Calmon, j. 6.11.01, negaram provimento, v.u., DJU 18.2.02, p. 343. 47 STJ – 1ª Seção, ED no REsp 174.532-PR, rel. Min. José Delgado, j. 18.6.01, rejeitaram os embs., v.u., DJU 20.8.01, p. 342; RT 797/216. 29 Comentário esclarecedor também advém do juiz federal Alberto Nogueira Júnior 48: “É verdade que a jurisprudência admite a presunção da existência da ilicitude praticada pelo terceiro, não somente quando de sua demonstração prévia no âmbito do processo administrativo fiscal, mas também na própria ação de execução fiscal, e.g., quando descoberto que a pessoa jurídica não mais se encontra no local de sua sede, e sem que qualquer registro neste sentido tenha sido averbado na respectiva Junta Comercial 49. Mas a demonstração da existência de indícios que evidenciem ter a pessoa jurídica, e/ou seus sócios, agido com má – fé, desaparecendo e desaparecendo com seus bens, irregularmente, há que ser ‘cabal’ 50.” Por tudo que fora exposto, a decisão proferida pelo juízo a quo não pode ser mantida, motivo pelo qual os Recorrentes 48 Em artigo intitulado “Algumas observações sobre o ‘redirecionamento’ na ação de execução fiscal, a Assim, e.g., AGRESP no. 536531-RS, STJ, 2 . Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, dec. un. pub. DJU 25.4.2005, p. 281: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTARIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. RESPONSABILIDADE PESSOAL PELO INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO DA SOCIEDADE. ART. 135, III DO CTN. APLICAÇÃO DA SÚMULA 211 STJ. Em matéria de responsabilidade dos sócios de sociedade limitada, é necessário fazer a distinção entre empresa que se dissolve irregularmente daquela que continua a funcionar. Em se tratando de sociedade que se extingue irregularmente, cabe a responsabilidade dos sócios, os quais podem provar não terem agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder. Não demonstrada a dissolução irregular da sociedade, a prova em desfavor do sócio passa a ser do exeqüente (inúmeros precedentes). É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que o sócio somente pode ser pessoalmente responsabilizado pelo inadimplemento da obrigação tributária da sociedade se agiu dolosamente, com fraude ou excesso de poderes. A comprovação da responsabilidade do sócio é imprescindível para que a execução fiscal seja redirecionada, mediante citação do mesmo. Agravo regimental improvido." 50 a AGA no. 591352-RS STJ, 2 . Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, dec. un. pub. DJU 21.3.2005, p. 325: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. SÓCIO – GERENTE. SOCIEDADE. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. NÃO COMPROVAA. A dissolução irregular da sociedade deve ser cabalmente demonstrada, a fim de viabilizar a responsabilização dos sócios – gerentes. Agravo regimental improvido." 49 30 requerem que sejam reiteradas as razões expostas pela d. sentença de folhas 24/26 51. 5. Do pedido Diante do exposto, os Recorrentes requerem: a) A admissão do presente Recurso Especial e a posterior intimação da Recorrida, na forma legal, para que apresente suas contra-razões, em assim querendo; b) O acolhimento das preliminares suscitadas para o fim de (i) reconhecer a nulidade da citação de pessoa estranha à sociedadecontribuinte e (ii) reconhecer o decurso do prazo prescricional qüinqüenal, com a conseqüente declaração de extinção do crédito tributário; c) Se superadas as preliminares retro, o que seria lamentável mas se admite cogitar em atenção ao salutar princípio da eventualidade, requerem, no mérito, o provimento deste recurso para o fim de excluir a responsabilidade dos Recorrentes pelo débito objeto da Execução em tela; d) Em qualquer desses dois casos, requerem a extinção da Execução Fiscal da qual advém o presente Recurso, condenando-se a Recorrida nas verbas legais decorrentes da sucumbência; 51 Dos Embargos à Execução Fiscal. 31 Termos em que, Pedem deferimento. São Paulo, 04 de outubro de 2006. Andréia Renata Cabrelon OAB/SP nº 193.978 32