Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente da Seção
de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Apelação nº 285.580.5/7
OSVALDO BERTINARDI CABRELON e ENI
ROSSI CABRELON, já qualificados nos autos do Recurso de Apelação
interposto pela FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, por sua
advogada, vem à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos
artigos 541 e seguintes do Código de Processo Civil, interpor o presente
Recurso Especial, pelos motivos de fato e de direito aduzidos nas
razões anexas, requerendo que o mesmo seja recebido no seu efeito
devolutivo e, posteriormente, remetido ao E. Superior Tribunal de Justiça.
Termos em que,
Pedem deferimento.
São Paulo, 04 de outubro de 2006.
Andréia Renata Cabrelon
OAB/SP nº 193.978
RAZÕES DE RECURSO ESPECIAL
RECORRENTES: OSVALDO BERTINARDI CABRELON e
ENI ROSSI CABRELON
RECORRIDA:
FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO
JUÍZO “A QUO”: SÉTIMA
CÂMARA
DE
DIREITO
PÚBLICO
DO
E.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
APELAÇÃO Nº 285.580.5/7-00
Egrégio Tribunal!
Colenda Turma!
Ínclitos Ministros!
1. Dos fatos
O acórdão recorrido provém de Recurso de
Apelação que reformou sentença que, em sede de Embargos à Execução
Fiscal, julgou procedentes as alegações dos ora Recorrentes.
A referida Execução Fiscal foi promovida pela
ora Recorrida com o objetivo da cobrança de pretensa quantia apurada
em AIIM – Auto de Infração e Imposição de Multa.
A Exeqüente propôs Execução Fiscal, com
fundamento no registro de Dívida Ativa representado pela CDA nº 89.143
(folha 03), como lhe faculta o artigo 585, inciso VI, do Código de
Processo Civil.
2
Conforme se verifica nos autos, a referida
Execução foi proposta em face do contribuinte Abatedouro Aguaiano Ltda.
– ME, sendo posteriormente redirecionada aos representantes legais da
empresa, qualificados na CDA como “responsáveis”.
Ocorre, no entanto, que a Recorrida não agiu
com cautela, e não observou a impossibilidade de prosseguimento deste
processo executivo.
Não obstante o respaldo jurídico dado pela
presunção de certeza e liquidez 1 do mencionado título executivo, a razão
não pode assistir à Recorrida neste caso concreto, conforme restará
evidenciado nos parágrafos seguintes.
2. Do cabimento do presente recurso
2.1. Do pré-questionamento
Preambularmente,
cumpre
mencionar
que,
embora ausentes os Embargos de Declaração em face do aresto
recorrido, a matéria objeto deste recurso encontra-se devidamente préquestionada, cumprindo o disposto na Súmula 211 deste Egrégio Superior
Tribunal de Justiça.
A
questão
envolvendo
a
prescrição
intercorrente, a despeito de irregularidades na citação, bem como a
responsabilização dos sócios, decorrente de eventual dissolução irregular
da sociedade, vêm sendo debatidas ao longo de todo o processo, sendo
abordadas na r. sentença e postas novamente em discussão no r.
acórdão recorrido.
Especificamente
em
relação
à
decisão
ora
recorrida, há de se observar que os dispositivos legais de relevância ao
presente caso, quais sejam os artigos 40 da Lei 6.830/80 e 135 do Código
Tributário Nacional não são apenas abordados e debatidos pelo Tribunal
1
Artigo 3º da Lei 6.830/80.
3
a quo, mas literalmente mencionados no voto, o que constitui o pleno préquestionamento da matéria.
É de se consignar, aliás, que, se estamos diante
de uma situação em que as únicas matérias argüidas, em todo o embate
processual, são a prescrição intercorrente e a responsabilidade tributária,
razão pela qual não há como se cogitar a falta de pré-questionamento.
Deste modo, superada o primeiro pressuposto
de admissibilidade do presente recurso, passemos ao seguinte.
2.2. Do Dissídio jurisprudencial
Eventual inadmissão do presente recurso
esbarra ainda na evidente desarmonização encontrada em nosso sistema
jurídico, o que não pode prosseguir.
Nos termos do disposto no artigo 541, parágrafo
único, do Código de Processo Civil, para uma uniformização da
jurisprudência, é dever dos Recorrentes levantar o dissídio encontrado
para apreciação dessa E. Corte.
É que este E. Superior Tribunal de Justiça, em
recente julgado, proferiu entendimento diverso daquele exarado pelo
Tribunal a quo, conforme representado pela ementa a seguir transcrita:
“PROCESSO
CIVIL
E
TRIBUTÁRIO
–
EXECUÇÃO FISCAL – MATÉRIA DE DEFESA:
PRÉ-EXECUTIVIDADE – OCORRÊNCIA DA
PRESCRIÇÃO
INTERCORRENTE
–
PRECEDENTES DESTA CORTE
1. Doutrinariamente, entende-se que só por
embargos é possível defender-se o executado,
admitindo-se, entretanto, a exceção de préexecutividade, como defesa excepcional, que
não tem o condão de substituir os embargos,
ação própria para o executado formular sua
impugnação.
4
2. Consiste a pré-executividade na possibilidade
de, sem embargos ou penhora, argüir-se na
execução, por mera petição, as matérias de
ordem pública ou nas nulidades absolutas,
inclusive quanto à prescrição. Precedente da
Corte Especial.
3. Somente a citação regular interrompe a
prescrição (EREsp 85.144/RJ).
4. A interrupção da prescrição em desfavor da
pessoa jurídica também projeta seus efeitos em
relação aos responsáveis solidários.
5. Decorridos mais de 05 (cinco) anos após a
citação da empresa, ocorreu a prescrição
intercorrente,
inclusive
para
os
sócios.
Precedentes.
6. Recurso especial improvido.” 2 (grifamos)
O confronto dos julgados trazidos à colação faz
a devida demonstração analítica do dissídio jurisprudencial, inclusive
demonstrando a similitude de situação e a divergência de
posicionamento. Para o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo o
artigo 40 da Lei 6.830/80 autoriza a suspensão da execução por prazo
indeterminado, enquanto que esta E. Corte firmou assento no sentido de
que deve ser respeitado o prazo qüinqüenal do Código Tributário
Nacional, reconhecendo a possibilidade de ocorrência da chamada
prescrição intercorrente. Vejamos:
2
Prova da divergência por meio da inclusa cópia do acórdão confrontado, nos termos do artigo 541,
parágrafo único, do Código de Processo Civil, com nova redação dada pela Lei 11.341/2006.
5
“(...)
“(...)
O executivo fiscal iniciou-se em 20 de fevereiro de
Está pacificado, outrossim, que a prescrição,
1987, a citação foi realizada em 12 de março de
quando interrompida em desfavor da pessoa
1987, houve o decurso ‘in albis’ do prazo de
jurídica, também projeta seus efeitos em relação
embargos à execução ou nomeação de bens a
aos responsáveis solidários. Neste sentido são os
penhora,
seguintes julgados:
mantendo-se
literalmente
inerte
a
sociedade executada.
(...)
Todas as suspensões da execução ocorreram
fulcradas no artigo 40 da Lei 6.830/80, em
Partindo dessas premissas, na hipótese dos autos,
nenhuma das suspensões houve o decurso integral
verifica-se que a constituição definitiva do crédito
do prazo qüinqüenal, assim não há o que se cogitar
tributário, por intermédio da CDA (Certidão de
na aplicação da prescrição intercorrente.
Dívida Ativa), deu-se em 30/03/1998. A citação da
empresa ocorreu, efetivamente, em 09/05/1991 (fl.
Posto isso, o prefalado artigo 40 da Lei 6.830/80
14 v.). Redirecionada a execução em 27/06/2002
autoriza a suspensão da execução quando não
(fl. 411), foi determinada a citação dos sócios.
forem encontrados o devedor ou bens livres e
Portanto, decorridos mais de cinco anos após a
disponíveis sobre os quais possam recair a
citação
constrição judicial.
intercorrente também em relação aos sócios. A
da
empresa
ocorreu
a
prescrição
título exemplificativo, transcrevo os seguintes
Destaca-se que no decorrer das suspensões do
arestos:
processo executivo o curso da prescrição também é
suspenso por força de lei, conforme tutela o
(...)” (grifamos)
mencionado dispositivo legal.
(...)” (grifamos)
6
Diante
do
exposto,
é
fundamental
que
se
uniformize a jurisprudência pátria, como medida de eficácia e segurança
jurídicas.
3. Das preliminares
3.1. Da nulidade da citação
Conforme se extrai dos autos, a sociedade
contribuinte foi supostamente citada por meio de carta recebida pelo Sr.
Pedro Trebeschi Azenha 3.
Ocorre que a referida citação não pode ser
válida, uma vez que contraria expressas disposições legais.
É cediço que a citação é um dos atos mais
importantes de todo e qualquer processo. Inexistindo citação válida, o
processo deverá sempre ser anulado, visto que contraria o princípio
absoluto do devido processo legal.
Essa importância também vem positivada no
próprio Código de Processo Civil:
“Art. 213. Citação é o ato pelo qual se chama a
juízo o réu ou o interessado, a fim de se
defender.”
“Art. 214. Para a validade do processo é
indispensável a citação inicial do réu.”
(grifamos)
3
Folha 05 da Execução Fiscal.
Ultrapassado esse axioma, devemos analisar as
disposições reguladas pela Lei de Execuções Fiscais, por se tratar da lei
específica sobre o tema. Vejamos, assim, o que dispõe a lei em seu
artigo 8º:
“Art. 8º. O executado será citado para, no prazo
de 5 dias, pagar a dívida com juros e multa de
mora e encargos indicados na Certidão de
Dívida
Ativa,
ou
garantir
a
execução,
observadas as seguintes normas:” (grifamos)
Como vemos, a citação, para ser válida, deve
ser realizada na pessoa do executado ou de seu representante legal.
Ocorre que não é isso o que se verifica nestes
autos.
Embora a Recorrida tivesse conhecimento,
desde a propositura da execução, de quem são os representantes legais
aptos a receber a citação 4, não guardou zelo em verificar quem foi o
signatário do Aviso de Recebimento – AR.
Como ficou suficientemente demonstrado nos
autos, o mencionado Sr. Pedro é (ao menos era à época) funcionário
público municipal da Prefeitura de Aguaí 5, ou seja, pessoa absolutamente
estranha à sociedade contribuinte.
E não poderia ser diferente, já que é vedado
aos servidores públicos o acúmulo de funções públicas e privadas.
Note-se, ainda, que tal confusão deve ter
decorrido do fato de que, quando da entrega da contra-fé, a sociedade já
havia sido dissolvida 6, razão pela qual o imóvel sede estava sendo
ocupado (e reformado) pelo efetivo proprietário, a Prefeitura de Aguaí,
conforme atestado pelo Sr. Oficial de Justiça à folha 08 verso.
4
Conforme consta na CDA de folha 03.
Folha 08 dos Embargos apensos à Execução.
6
Folhas 25 e 26 da Execução.
5
8
Tal negligência do Fisco arrastou um processo
sem a composição do pólo passivo por mais de dez anos, desde janeiro
de 1987 (propositura da execução)
(comparecimento voluntário de folha 41).
até
dezembro
de
1999
Diante do exposto, os Recorrentes não podem
aceitar a conclusão do i. relator do acórdão recorrido 7, sob os argumentos
de que, in casu, vale a teoria da aparência, na qual a citação de
representante da Prefeitura pode vincular a pessoa jurídica executada.
Verificamos, portanto, que, não obstante tivesse
condições de citar a sociedade contribuinte na pessoa de seus sócios,
seja porque detinha o endereço pessoal dos responsáveis quando da
propositura do executivo 8, seja porque os representantes informaram seus
dados aos órgãos competentes 9 quando da dissolução regular da
empresa, o Fisco optou por aceitar uma “citação” manifestamente
inválida, induzindo o juízo monocrático a erro por mais de uma década.
Em referência ao prazo de duração desse feito,
aliás, abriremos a seguir um tópico específico para tratar do decurso do
prazo prescricional em relação ao crédito executado.
Antes, no entanto, para finalizar, caso Vossas
Excelências entendam que está ausente o devido pré-questionamento da
matéria, vale dizer que a nulidade de citação é matéria de ordem pública,
daquelas em que o juiz não pode se furtar de apreciação inclusive ex
officio. A esse respeito, vejamos:
“EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – CITAÇÃO
POR EDITAL – INVALIDADE – POSSIBILIDADE
DE PRONUNCIAMENTO DE OFÍCIO – MARCO
INTERRUPTIVO DA PRESCRIÇÃO – CITAÇÃO
PESSOAL DO DEVEDOR – APLICAÇÃO DO
ARTIGO 174 DO CTN AO CASO – 1. A nulidade
da citação é matéria que pode ser conhecida de
7
Folhas 56 e 57.
Folha 03.
9
Folhas 25, 26, 37 e 37v.
8
9
ofício pelo julgador, porquanto se trata de
questão essencial para o desenvolvimento
válido do processo. Inteligência dos artigos 247
e 267, parágrafo 3º, do CPC. (...)” 10
Devemos mencionar, ainda, que não há e nunca
houve, por parte dos Recorrentes, qualquer intenção de se esconder de
qualquer tipo de processo judicial. Os Recorrentes sempre foram pessoas
de comportamento ilibado e jamais se furtariam de qualquer ação ou
execução que porventura viessem a sofrer, tanto que, ao ter
conhecimento deste feito, logo ingressaram para se defender e compor a
relação processual.
Assim, como forma de zelar pelo devido
processo legal, bem como garantir todos os benefícios inerentes àquele
que é devidamente citado em uma execução, só resta aos Recorrentes
requererem a anulação da citação de folha 05, exclusivamente em
relação à sociedade contribuinte.
3.2. Da prescrição intercorrente
Retomando a idéia sumariamente levantada no
tópico anterior, a prescrição intercorrente representa o ponto crucial de
dissídio jurisprudencial entre a decisão recorrida e o acórdão
paradigmático, razão pela qual a comparação entre os dois arestos será
inevitável.
A i. ministra Eliana Calmon, quando da relatoria
do Recurso Especial nº 736.030-RS, transcreve o seguinte trecho do
acórdão proferido pelo tribunal de origem (que fora mantido pela decisão
desta E. Corte):
“Outrossim, merece ser confirmada a decisão
recorrida, pois prescrito o débito. Veja-se que a
constituição definitiva do crédito tributário deu
em 30/03/1988. o despacho que ordenou a
TRF 4ª R. - AG 2003.02.01.000707-3–RS - 1ª T. – Rel. Des. Fed. Wellington M. de
Almeida – DJU 19.11.2003 – p. 725 JCTN. 174.
10
10
citação da
30/04/1991.
pessoa
jurídica
é
datado
de
Redirecionada a execução contra os ora
excipientes, foi determinada a citação apenas
em 27/06/2002. Assim, decorridos mais de cinco
anos entre as duas ordens para citação,
transcorrido prazo superior ao qüinqüênio, nos
termos do disposto no art. 174 do Código
Tributário Nacional, flagrante a prescrição do
débito ora executado.” 11
Neste
momento,
pedimos
vênia
para,
parafraseando o trecho acima, adequar a situação paradigmática ao caso
em tela.
No caso dos autos, merece ser reformada a
decisão recorrida, pois prescrito o débito. Veja-se que a constituição
definitiva do crédito tributário deu em 04/05/1984 12. O despacho que
ordenou a citação da pessoa jurídica é datado de 20/02/1987.
Redirecionada
a
execução
contra
os
ora
Recorrentes, foi determinada a citação apenas em 05/08/1999. Assim,
decorridos mais de cinco anos entre as duas ordens para citação,
transcorrido prazo superior ao qüinqüênio, nos termos do disposto no art.
174 do Código Tributário Nacional, flagrante a prescrição do débito ora
executado.
O acórdão paradigmático, no voto da i. ministra
relatora, ressalta, ainda, que esta E. Corte “firmou entendimento de que
somente a citação regular interrompe a prescrição” 13, o que não se
observa no caso concreto destes autos.
Ainda analisando a prescrição, é entendimento
mais moderno de que os efeitos da prescrição transcendem aos sócios,
conforme fica cristalino no julgamento do Recurso Especial 736.030-RS.
11
Páginas 7 e 8 do inteiro teor do acórdão (em anexo).
Folha 03 da Execução.
13
Página 8 do incluso acórdão.
12
11
Especificamente em relação à responsabilidade
dos sócios, a matéria será tratada em momento oportuno como razão de
mérito deste recurso.
Retornando ao tema, para que não pairem
dúvidas acerca da aplicação do prazo prescricional qüinqüenal, vale
trazer à baila a interpretação do artigo 40 da Lei 6.830/80, contraargumentando com o que fora decidido pelo juízo a quo 14.
Nesse sentido, vejamos:
“Aspecto interessante está no art. 40 da LEF,
em que temos uma suspensão da execução,
quando não encontrado o devedor ou não
encontrados bens suficientes para garanti-la.
Essa suspensão, no entanto, não pode ser por
tempo indeterminado; surge, então, a figura da
prescrição intercorrente, na qual o prazo é
qüinqüenal.” 15 (grifamos)
A jurisprudência pátria também se manifesta em
sentido convergente:
“O recurso foi interposto às fls. 101/107,
sustentando a impossibilidade da prescrição, já
que a suspensão ocorreu de acordo com o art.
40 da Lei de Execuções Fiscais, que estabelece
procedimento especial para a cobrança de
dívida da Fazenda Pública, e requerendo a
exclusão dos honorários advocatícios.
Não tem razão a recorrente.
Na lição de Luciano Amaro (‘in’ Direito
Tributário Brasileiro, ed. Saraiva, 3ª ed.,1999,
p.372):
14
Folhas 60, 61 e 62 dos Embargos.
Entendimento exarado pela Ministra Eliana Calmon em artigo intitulado “Prescrição na Execução
contra a Fazenda Pública”.
15
12
‘A certeza e a segurança do direito não se
compadecem com a permanência, no tempo, da
possibilidade de litígios instauráveis pelo
suposto titular de um direito que tardiamente
venha a reclamá-lo. Dormientibus non succurrit
jus. O direito positivo não socorre a quem
permanece inerte, durante largo espaço de
tempo, sem exercitar seus direitos. Por isso,
esgotado certo prazo, assinalado em lei,
prestigiam-se a certeza e a segurança, e
sacrifica-se o eventual direito daquele que se
manteve inativo no que respeita à atuação ou
defesa desse direito’.
O objetivo principal do Poder Judiciário é zelar
pela estabilidade jurídica imprescindível à paz
social. Daí a necessidade de afastar-se a
prescrição por tempo indefinido. Nas execuções
fiscais, o prazo é fixado em cinco anos,
contados da data de sua constituição definitiva,
nos termos do art. 174 do Código Tributário
Nacional. Somente interrompe-se nas hipóteses
enumeradas no seu parágrafo único, nelas não
incluídas a do art. 40 da Lei nº 6.380/80.
A propósito:
TRIBUTÁRIO
E
PROCESSUAL
CIVIL.
EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉEXECUTIVIDADE. POSSIBILIDADE. PESSOA
JURÍDICA. REDIRECIONAMENTO DA AÇÃO.
SÓCIO.
CITAÇÃO.
PRESCRIÇÃO
INTERCORRENTE. ART. 8º, IV E § 2º DA LEI
Nº 6.830/80. ART. 219, § 4º, DO CPC. ARTS.
125, III, E 174, PARÁGRAFO ÚNCIO DO CTN.
SUAS INTERPRETAÇÕES. PRECEDENTES.
(...) 4. Os casos de interrupção do prazo
prescricional estão previstos no art. 174, do
CTN, nele não incluídos os do artigo 40, da Lei
13
nº 6.380/80. Há de ser sempre lembrado que o
art. 174, do CTN, tem natureza de Lei
Complementar. 5. O art. 40, da Lei nº 6.380/80,
nos termos em que admitido em nosso
ordenamento jurídico, não tem prevalência. Sua
aplicação há de sofrer os limites impostos pelo
art. 174, do CTN. 6. Repugna aos princípios
informadores do sistema tributário a prescrição
indefinida. Após o decurso de determinado
tempo sem promoção da parte interessada,
deve-se estabilizar o conflito, pela via da
prescrição, impondo segurança jurídica aos
litigantes. (...)".(REsp. 388000/RS, Primeira
Turma, rel. Min. José Delgado, j. 21/02/2002, DJ
18/03/2002, p. 192).
Em anotações ao artigo 40 da Lei nº 6.830/80,
Theotônio Negrão também cita entendimento
jurisprudencial no sentido de que, ‘se o
processo executivo ficou paralisado por mais de
cinco anos, especialmente porque o exeqüente
permaneceu silente, deve ser reconhecida a
prescrição suscitada pelo devedor. A regra
inserida no artigo 40 da Lei n.º 6.830/80 não
tem o condão de tornar imprescritível a dívida
fiscal, já que não resiste ao confronto com o art.
174, § único, inciso I, do CTN’ (STJ - 1.ª Seção,
ED no REsp. 97.328- PR, rel. Ministro Adhemar
Maciel, j. 12.8.1998, D.J. 15.05.2000, p.114)
("in" Código de Processo Civil, 32.ª
atualizada, Editora Saraiva, 2001, p. 1341).
ed.
Dispõe o Código Tributário Nacional:
‘Art. 174. A ação para a cobrança do crédito
tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados
da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
14
I - pela citação pessoal feita ao devedor;
(...)’
Iniciada a contagem do prazo prescricional do
débito tributário inscrito em 12/02/1992, não
resta dúvida de que os créditos tornaram-se
inexigíveis,
por
força
da
prescrição
intercorrente, uma vez que a citação só ocorreu
em 23/03/2004 (fls. 86-v).
(...)” 16
Por fim, ainda em sede preliminar, vale dizer
que, a exemplo do que se colocou quando da abordagem da citação, a
análise da prescrição intercorrente também não terá como óbice eventual
ausência de pré-questionamento, por se tratar de matéria que
imprescinde de provocação das partes.
É o que se conclui do resultado do EREsp nº
388.000-RS, em que a Corte Especial julgou ser possível a argüição de
prescrição até mesmo em exceção de pré-executividade.
Ainda nesta questão, a Lei nº 11.280, de 16 de
fevereiro de 2006, parece ter colocado um ponto final nessa discussão
jurisprudencial ao dar nova redação ao artigo 219, parágrafo 5º, do
Código de Processo Civil, in verbis:
Ҥ
5º
O
juiz
pronunciará,
de
ofício,
a
prescrição.”
Superadas as preliminares retro, ao mérito.
16
Trecho do voto do relator da Apelação nº 1.0024.93.023982-7/001 (TJMG – 7ª CC, rel. Des.
Wander Marotta, DJU 28/09/2004, deram parcial provimento, vencido o vogal parcialmente).
15
4. Do mérito
Adentrando a análise de mérito, passemos a
expor as razões que impedem a inclusão dos Recorrentes no pólo passivo
da Execução proposta.
Dentre os Executados no caso em tela,
verificamos a presença de uma pessoa jurídica e duas pessoas físicas,
estas últimas os ora Recorrentes.
Conforme consta dos autos, a pessoa jurídica é
o contribuinte e as pessoas físicas são, supostamente, co-responsáveis
pelo débito tributário (objeto da Execução).
Nesse ponto, a análise da (i)legitimidade dos
Recorrentes se confunde com a sua possibilidade em ser co-responsáveis
tributários, nos termos do requerimento de folha 38 17.
A desconsideração de personalidade jurídica
pretendida pela Recorrida provém de uma teoria não admitida no Direito
Brasileiro, que é a disregard of legal entity 18 ou lifting the corporate veil 19,
de origem no direito norte-americano (e típica no sistema jurídico da
commom law).
A esse respeito, essas soluções dos tribunais
dos Estados Unidos têm sido, como assevera Fábio Konder Comparato 20,
“casuísticas, na linha da influência da equity e de sua preocupação com a
justiça do caso singular, tomando o juiz autêntico criador do direito
(judge-made law); o que nem sempre satisfaz as exigências de uma
explicação lógica” 21.
17
Autos da Execução Fiscal em apenso aos Embargos.
Expressão que, traduzida para o vernáculo, significa desconsideração da personalidade jurídica.
19
Traduzida como levantamento do véu da personalidade jurídica.
20
in Poder de Controle na Sociedade Anônima, 3ª ed., p. 283.
21
Citação encontrada em Arruda Alvim, Direito Comercial, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1995, p. 67.
18
16
No direito pátrio, aplicar tal teoria se mostra
incompatível com todo o ordenamento, razão pela qual a decisão
recorrida prescinde de qualquer requisito legal.
Não obstante essa incompatibilidade, diante do
que dispõe o artigo 135 do Código Tributário Nacional, é mister
analisarmos, ao menos no campo das idéias, a aplicação desta norma aos
sócios de sociedades limitadas (espécie da qual faz parte a primeira
Executada).
A sociedade limitada, antiga “sociedade por
quotas de responsabilidade limitada”, possui uma terminologia autoexplicativa, uma vez que nessas sociedades impera o princípio da
limitação da responsabilidade.
Esse princípio pode ser assim definido: “Os
sócios são terceiros em relação às dívidas da sociedade; a sociedade é
terceira em relação à dívida dos sócios” 22.
Segundo Fábio Ulhoa Coelho 23, temos:
“A personalização da sociedade limitada implica
a separação patrimonial entre a pessoa jurídica
e seus membros. Sócio e sociedade são sujeitos
distintos, com seus próprios direitos e deveres.
As obrigações de um, portanto, não se podem
imputar ao outro. Desse modo, a regra é a da
irresponsabilidade dos sócios da sociedade
limitada pelas dívidas sociais. Isto é, os sócios
respondem apenas pelo valor das quotas com
que se comprometem, no contrato social. É esse
o limite de sua responsabilidade.” (grifamos)
Posto isso, verificamos que a responsabilização,
pelo patrimônio dos sócios, das dívidas contraídas pela sociedade só
22
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, apud 1º TACvSP. “AC 204.749, 2/4/75”. JTACvSP, São
Paulo, 54: 84-5 in Maria do Carmo G. Drummond, Sociedade por Quotas de Responsabilidade
Limitada, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, Fundação Casa de Rui Barbosa, 1991, p. 158.
23
in A sociedade limitada no novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2003 – p. 4.
17
pode ser admitida de maneira excepcional. Assim, há de se tomar muito
cuidado para que a exceção não se confunda com a regra.
Além de lamentável, inverter o regramento legal,
ainda que dotado de suposto respaldo da legislação, seria um caminhar
na contra-mão da História.
Nesse sentido, asseverou o ilustre projetista do
Código Comercial brasileiro 24: “As sociedades por quotas, a que chamarei
limitadas, por oposição às solidárias (denominação que entendi preferível
à de sociedades em nome coletivo, vaga e imprecisa), preenchem essa
lacuna do direito vigente.” 25
O referido projeto foi debatido e aprovado,
cabendo transcrever parte do parecer dado pela Comissão de Justiça e
Legislação do Senado Federal 26:
“É esta uma inovação que se pretende em nosso
Direito Comercial, a exemplo do que já existe na
legislação de diversos países. (...)” 27
A vanguarda pretendida pelos juristas da época
trouxe inúmeros benefícios ao desenvolvimento do Brasil, tendo em vista
a criação de uma nova sociedade efetivamente personificada.
Assim,
a
imputação
de
responsabilidade
pretendida pela Excipiente não pode prevalecer diante de todo um
contexto histórico e, sobretudo, diante do regime jurídico de uma
sociedade, salvo por força de lei.
Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho:
24
Hoje revogado pelo Código Civil.
Herculano Marcos Inglez de Souza, Projeto de Código Comercial, Rio de Janeiro, 1912, vol. I, p. 24
in LUCENA, José Waldecy. Das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, Rio de
Janeiro: Renovar, 1996, p. 19.
26
Parecer nº 481, de 30 de Dezembro de 1918.
27
in LUCENA, José Waldecy. Das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, Rio de
Janeiro: Renovar, 1996, p. 24.
25
18
“A
responsabilidade
dos
sócios
pelas
obrigações das sociedades limitada, como diz o
nome do tipo societário, está sujeita a limites.
Se o patrimônio social é insuficiente para
responder pelo valor total das dívidas que a
sociedade contraiu na exploração da empresa,
os credores só poderão responsabilizar os
sócios, executando bens de seus patrimônios
individuais, até um certo montante. Alcançando
este, a perda é do credor.
O limite da responsabilidade dos sócios, na
sociedade limitada, é o total de capital social
subscrito e não integralizado.” 28
Assim, tendo em vista que a pretensão da
Recorrida viola a regra mencionada, passemos a analisar a possibilidade
dessa pretensão possuir respaldo legal, ao menos como exceção à regra.
Conforme se verifica na folha 38, o referido
requerimento é fundado no artigo 135, inciso III, do Código Tributário
Nacional, que merece especial atenção.
4.1. Da responsabilidade tributária
Da simples leitura do Código Tributário
Nacional, verificamos, à primeira vista, que a pretensão da Recorrida de
responsabilizar os sócios de uma empresa são possíveis, desde que
atendidos alguns requisitos legais.
Nesse sentido, se faz mister destacar as
brilhantes observações trazidas no parecer do Dr. Humberto Theodoro
Júnior 29 (RT/Fasc. Civ., Ano 86, v. 739, maio 1997, p. 115-128):
28
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 153.
Sobre o autor:
http://www.cepad.com.br/colaboradores/nomes/Humberto%20T heodoro%20J%FAnior%
20(MG).html
29
19
“Quanto ao artigo 135 do CTN, seu preceito
cuida
dos
terceiros
que
incidem
na
responsabilidade tributária pessoal em virtude
de ato praticado com excesso de poderes ou
infração de lei, contrato social ou estatutos.
Entram em sua área de incidência, portanto, ‘as
obrigações tributárias resultantes’ – segundo o
texto legal – ‘de atos praticados com excesso de
poderes ou infração de lei, contrato social ou
estatutos’ (caput)... pelos ‘diretores, gerentes
ou representantes de pessoas jurídicas de
direito privado’ (inc. III).
Não é qualidade de gerente ou administrador
que engedra a
prevista no art. 135
não recolhimento
sociedade a causa
responsabilidade pessoal
do CTN. Nem é apenas o
do tributo devido pela
suficiente para que seus
gerentes se tornem todos responsáveis pelo
débito.
(...)
Em
outras
palavras,
a
responsabilidade
tributária
do
terceiro
(sócio-gerente
ou
administrador) funciona, na hipótese do art. 135
do CTN, como uma verdadeira sanção aplicada
ao ato abusivo, ou seja, ao ato praticado com
ofensa aos poderes disponíveis ou à lei, ao
contrato ou estatuto. Somente quem tenha sido
autor do ato abusivo é que será pessoalmente
responsabilizado pela obrigação tributária dele
oriunda.”
E continua:
“Com efeito, as hipóteses de responsabilidade
tributária pelo art. 135 do CTN, pelas próprias
palavras da lei, não se fundam no mero
inadimplemento da sociedade contribuinte, mas
na conduta dolosa especificamente apontada
20
pelo próprio legislador, que vem a
ocorrência de um fato gerador de
ser a
tributo
praticado com excesso de poder, infração da lei
ou violação do contrato social, por parte do
gestor da pessoa jurídica.
Como o dolo não se presume, adverte Ives
Gandra da Silva Martins que se torna obrigatória
a apuração não só da ‘hipótese dolosa’ como
também, e necessariamente, da ‘participação’
efetiva nela do terceiro indigitado como
responsável tributário, nos termos do art. 135,
III, do CTN (Seleções Jurídicas, ADV, jun. 1983,
p.33).”
Assim, a respeito da responsabilidade tributária
prevista no artigo 135 do Código Tributário Nacional, cumpre destacar o
entendimento do ilustre Hugo de Brito Machado:
“Também não basta ser diretor, ou gerente, ou
representante. É preciso que o débito tributário
em questão resulte de ato praticado com
excesso de poderes ou infração de lei, contrato
social ou estatutos. Estabelecer quando se
caracteriza o excesso de poderes, ou a infração
de lei, do contrato ou do estatuto, é questão
ainda a carecer de esclarecimentos. Há quem
entenda, e assim decidiu, em alguns casos, o
Tribunal Federal de Recursos, que o não
recolhimento do tributo constitui infração da lei
suficiente para ensejar a aplicação do art. 135,
III, do CTN. Não nos parece que seja assim. Se
o não pagamento do tributo fosse infração à lei
capaz de ensejar a responsabilidade dos
diretores de uma sociedade por quotas, ou de
uma
sociedade
anônima,
simplesmente
inexistiria
qualquer
limitação
da
responsabilidade destes em relação ao fisco.
21
Aliás, inexistiria essa limitação
relação a terceiros.” (grifamos)
mesmo
em
A esse respeito, aliás, a jurisprudência dos
Tribunais Superiores se manifesta de maneira incontroversa, conforme
exemplos colhidos em recente repertório:
“Os bens particulares do sócio não respondem
por dívida fiscal da sociedade, salvo se houver
prática com excesso de poder ou infração de lei.
Precedentes do STF” 30 (RTJ 122/719).
“A comprovação da responsabilidade do sócio é
imprescindível para que a execução fiscal seja
redirecionada, mediante citação do mesmo” 31
Neste Egrégio
Superior Tribunal de Justiça
também encontramos decisões no mesmo sentido:
“Os bens do sócio de uma pessoa jurídica
comercial não respondem, em caráter solidário,
por dívidas fiscais assumidas pela sociedade”,
pois, “o sócio-gerente só responde (pela dívida
fiscal) se ficar provado que agiu com excesso
de mandato ou infringência à lei ou ao contrato
social. Essa prova há de ser feita pelo Fisco”
(RSTJ 128/113). “O simples inadimplemento da
obrigação
tributária
não
enseja
a
responsabilização pessoal do dirigente da
sociedade. Para que este seja pessoalmente
responsabilizado é necessário que se comprove
que agiu dolosamente, com fraude ou excesso
de poderes” 32. 33
30
RTJ 122/719.
STJ-2ª Turma, REsp 278.744-SC, rel. Min. Eliana Calmon, j. 19.3.02, negaram provimento, v.u.,
DJU 29.4.02, p. 220.
32
STJ-2ª Turma, Resp 313.743-SP – AgRg, rel. Min. Eliana Calmon, j. 6.11.01, negaram
provimento, v.u., DJU 18.2.02, p. 343.
31
22
“O
simples
inadimplemento
não
caracteriza
infração legal. Inexistindo prova de que se tenha
agido com excesso de poderes, ou infração de
contrato ou estatutos, não há falar-se em
responsabilidade tributária do ex-sócio” 34
Mostra-se, portanto, que a razão não pode
assistir à Excipiente, diante da ausência de amparo legal que justifique a
desconstituição da personalidade jurídica da primeira Executada
(contribuinte), ampliando a responsabilidade ao patrimônio dos sócios.
4.2. Da infração a lei ou contrato social
Há uma significativa diferença entre as
hipóteses de exceção à limitação da responsabilidade dos sócios
relacionadas, de uma lado, à falta de integralização do capital social e,
de outro, à repressão de atos irregulares: enquanto nesta última o sócio
responde diretamente, na primeira ele tem responsabilidade subsidiária.
Na sanção às irregularidades praticadas na
gerência da sociedade limitada, a responsabilização do sócio não
depende do prévio exaurimento do patrimônio social. Consoante
assentado, a autonomia subjetiva da pessoa jurídica, quando desviada de
seus fins por ação ou omissão de seu administrador, não é prestigiada
pelo direito. Nesses casos, a imputação de responsabilidade ao sócio não
guarda relação com a situação patrimonial da sociedade.
Partindo
desse
pressuposto,
continuemos
a
minuciosa análise acerca da responsabilização regulada pelo artigo 135,
inciso III, do Código Tributário Nacional, que assim dispõe:
“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos
créditos
correspondentes
a
obrigações
tributárias resultantes de atos praticados com
33
in NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 35ª ed., atual.
até 13 de janeiro de 2003. São Paulo: Saraiva, p. 1287.
34
STJ-1ª Seção, ED no REsp 174.532-PR, rel. Min. José Delgado, j. 18.6.01, rejeitaram os embs.,
v.u., DJU 20.8.01, p. 342; RT 797/216
23
excesso de poderes ou infração de lei, contrato
social ou estatutos:
(...)
III – os diretores, gerentes ou representantes de
pessoas jurídicas de direito privado.”
Assim,
prima
facie,
verificamos
que
o
enquadramento dos Recorrentes é, em tese (no campo das idéias),
possível, uma vez que eles administravam (ou seja, exerciam funções de
gerência) a sociedade Abatedouro Aguaiano Ltda. (pessoa jurídica de
direito privado, nos termos do mencionado dispositivo legal).
Vislumbra-se no mencionado artigo a coerência
do legislador ao fixar os casos de responsabilização dos integrantes do
quadro social da pessoa jurídica. Assim, aqueles que no exercício da
gerência da empresa praticam atos infringentes à lei, ao contrato social
ou com excesso de poderes, são pessoalmente responsáveis pelo ônus
da tributação, afastando-se, por óbvio, os demais sócios (cotistas) e
também a própria sociedade em si.
Frise-se aí a prática de atos infringentes à lei ou
contrato para a desconsideração da personalidade jurídica. A esse
respeito, afirma Lamartine Corrêa de Oliveira 35:
“Não provada tal intenção [de abuso de direito],
não se justificaria a desconsideração” 36
Com base na teoria da Substituição Tributária,
quando existente a configuração das hipóteses previstas no caput do
artigo 135 do CTN, a sociedade limitada não tem a obrigação de arcar
com o pagamento do tributo, mas tão somente o membro da sociedade,
que é o único e exclusivo responsável pela extinção do crédito tributário.
35
in A Dupla Crise da Pessoa Jurídica, p. 301, Saraiva, 1979.
Citação encontrada em Arruda Alvim, Direito Comercial, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1995, p. 65.
36
24
Os atos de excesso na gestão, resultantes de
culpa ou dolo do sócio, devem responsabilizar o próprio infrator e,
conseqüentemente, o seu patrimônio deve ser alcançado.
Neste momento, valem também as palavras do
saudoso Aliomar Baleeiro, para quem:
“O caso, diferentemente do anterior, não é
apenas
de
solidariedade,
mas
de
responsabilidade por substituição. As pessoas
indicadas no art. 135 passam a ser
responsáveis ao invés do contribuinte.” 37
os
A professora Misabel Abreu Machado Derzi
compartilha do mesmo entendimento:
“Já o art. 135 transfere o débito, nascido em
nome do contribuinte, exclusivamente para o
responsável, que o substitui, inclusive em
relação às hipóteses mencionadas no art. 134.
A única justificativa para a liberação do
contribuinte, que não integra o pólo passivo, nas
hipóteses do art. 135, está no fato de que os
créditos ali mencionados correspondem a
‘obrigações tributárias resultantes de atos
praticados com excesso de poderes ou infração
de lei, contrato social ou estatutos’;” 38
O E. Supremo Tribunal Federal, embora não
seja o competente para a análise de matéria infraconstitucional, como
corte maior deste país, já elucidou que:
“Além do sujeito passivo da obrigação tributária,
responsável primário, admite o Código a
37
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 6ª ed., revista e acrescida de apêndice. Rio de
Janeiro: Forense, 1974, p. 435.
38
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed., atual. Misabel Abreu Machado Derzi. Rio
de Janeiro: Forense, 2004, p. 756.
25
responsabilidade solidária de terceiros (art. 134)
e a responsabilidade por substituição (art. 135).
Na questão da responsabilidade dos sócios, por
dívidas da sociedade, dispôs o Código que a
solidariedade advém de sua intervenção nos
atos ou pelas omissões de que forem
responsáveis (art. 134) e que a substituição
ocorre quando a obrigação tributária advém ou é
resultante de atos praticados com excesso de
poderes ou infração de lei, contrato social ou
estatutos (art. 135).” (RE nº 85.241)
Assim,
os
pedidos
da
Recorrida
de
“desconsideração
da
personalidade
jurídica”
ou,
simplesmente,
“despersonificação”, e conseqüente inclusão dos Recorrentes no pólo
passivo desta Execução, devem ser fundamentados em alguma infração
que justifique o ônus a ser suportado pelo sócio infrator.
No caso em tela, não há comprovação nos autos
de nenhuma eventual infração cometida pelos Recorrentes.
Não obstante o juízo a quo tenha se valido do
argumento de liquidação irregular da sociedade 39 para legitimar a
substituição tributária e condenar os Recorrentes, tal razão não pode lhe
assistir, conforme ficará evidenciado nos parágrafos ulteriores.
4.3. Da dissolução da sociedade-contribuinte
Acerca
da
extinção
da
pessoa
jurídica
executada, não há o que se falar em dissolução irregular que justifique a
responsabilização dos sócios.
Ao contrário do que alegado pela Recorrida, a
sociedade contribuinte foi dissolvida de modo absolutamente regular,
informando a Junta Comercial do Estado de São Paulo 40 do distrato
social, realizando o encerramento da empresa junto à Secretaria de
39
40
Folha 62 dos Embargos.
Folhas 25 e 26 da Execução.
26
Estado da Fazenda 41 e realizando a baixa definitiva do Cadastro Nacional
da Pessoa Jurídica junto à Secretaria da Receita Federal 42.
Neste ponto, vale interromper a argumentação
para ratificar que essa comunicação de encerramento das atividades 43
junto ao Fisco já é razão suficiente para que a citação do executado no
endereço comercial da sociedade se mostre manifestamente nula.
Ora Excelências, se os ora Recorrentes
diligenciaram com afinco para notificar seu encerramento junto à Fazenda
Estadual 44, informando, inclusive, os seus endereços pessoais, como quer
a Recorrida citá-los posteriormente em endereço comercial?
Retomando a argumentação do modo de
dissolução societária, a jurisprudência desta E. Corte é pacífica no
entendimento de que, havendo a dissolução irregular, os débitos fiscais
podem ser exigidos dos sócios ou administradores da empresa
contribuinte, já que a dissolução irregular é ato contra a lei e contra o
estatuto social.
Para
corroborar
com
esse
entendimento,
destacamos um trecho do voto-vista da i. Ministra Eliana Calmon ao
Recurso Especial nº 800.039-PR:
“De fato, uma empresa não pode funcionar sem
que o endereço de sua sede ou do eventual
estabelecimento se encontre atualizado na
Junta Comercial e perante o órgão competente
da Administração Tributária, sob pena de se
macular o direito de eventuais credores, in casu,
a Fazenda Pública, que se verá impedida de
localizar a empresa devedora para cobrança de
seus débitos tributários.
41
Folha 37 verso e anverso.
Comprovante obtido em acesso ao “site” da SRF.
43
Pela ordem legal, a última delas (fisco federal) se deu em 31/10/1986, conforme documento
acostado a este recurso.
44
Folhas 37 e 37 verso.
42
27
Isso porque o art. 127 do CTN impõe ao
contribuinte, como obrigação acessória, o dever
de informar ao fisco o seu domicílio tributário,
que, no caso das pessoas jurídicas de direito
privado, é, via de regra, o lugar da sua sede.
Assim, presume-se dissolvida irregularmente a
empresa que deixa de funcionar no seu
domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos
competentes, comercial e tributário, cabendo a
responsabilização do sócio-gerente, o qual pode
provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou
excesso de poder, ou ainda, que efetivamente
não tenha ocorrido a dissolução irregular.
No direito comercial, há que se valorizar a
aparência
externa
do
estabelecimento
comercial, não se podendo, por mera suposição
de que a empresa poderia estar operando em
outro endereço, sem que tivesse ainda
comunicado à Junta Comercial, obstar o direito
de crédito da Fazenda Pública.” (grifamos)
Sobre o assunto, o tributarista Fábio Garuti
Marques, em recente artigo publicado pelo jornal Valor Econômico
assevera que:
”Talvez
pela
conhecida
característica
empreendedora
dos
brasileiros,
há
uma
enormidade de empresas que são abertas e, por
diversos fatores, não dão certo. Incrivelmente e certamente pela burocracia envolvida e
também porque, logicamente, é vedado o
encerramento, pelos órgãos executivos, de
empresas com débitos fiscais - muitos dos
sócios e diretores dessas sociedades acabam
por não promover a baixa das inscrições
municipais, estaduais e no Cadastro Nacional
da
Pessoa
encerrando
Jurídica
as
(CNPJ),
atividades
da
meramente
empresa,
28
acarretando na sua dissolução irregular e na
possibilidade de responsabilização de seus
sócios e diretores,
STJ.” 45 (grifamos)
conforme
decidido
pelo
No caso em tela, as prescrições e formalidades
legais para o encerramento foram atendidas pelos Recorrentes, razão
pela qual os elementos subjetivos dolo e culpa, requisitos imprescindíveis
à aplicação do artigo 135 do Código Tributário Nacional, desaparecem.
As decisões desta E. Corte também apontam
para esse entendimento:
“Os bens do sócio de uma pessoa jurídica
comercial não respondem, em caráter solidário,
por dívidas fiscais assumidas pela sociedade”,
pois, “o sócio-gerente só responde (pela dívida
fiscal) se ficar provado que agiu com excesso
de mandato ou infringência à lei ou ao contrato
social. Essa prova há de ser feita pelo Fisco”
(RSTJ 128/113). “O simples inadimplemento da
obrigação
tributária
não
enseja
a
responsabilização pessoal do dirigente da
sociedade. Para que este seja pessoalmente
responsabilizado é necessário que se comprove
que agiu dolosamente, com fraude ou excesso
de poderes” 46 (grifamos)
“O
simples
inadimplemento
não
caracteriza
infração legal. Inexistindo prova de que se tenha
agido com excesso de poderes, ou infração de
contrato ou estatutos, não há falar-se em
responsabilidade tributária do ex-sócio” 47
45
Publicação eletrônica em:
http://www.valoronline.com.br/valoreconomico/285/legislacaoetributos/A+responsabilid
ade+dos+socios,,,85,3811865.htm l
46
STJ – 2ª Turma, REsp 313.743-SP – AgRg, rel. Min. Eliana Calmon, j. 6.11.01, negaram
provimento, v.u., DJU 18.2.02, p. 343.
47
STJ – 1ª Seção, ED no REsp 174.532-PR, rel. Min. José Delgado, j. 18.6.01, rejeitaram os embs.,
v.u., DJU 20.8.01, p. 342; RT 797/216.
29
Comentário esclarecedor também advém do juiz
federal Alberto Nogueira Júnior 48:
“É verdade que a jurisprudência admite a
presunção da existência da ilicitude praticada
pelo terceiro, não somente quando de sua
demonstração prévia no âmbito do processo
administrativo fiscal, mas também na própria
ação
de
execução
fiscal,
e.g.,
quando
descoberto que a pessoa jurídica não mais se
encontra no local de sua sede, e sem que
qualquer registro neste sentido tenha sido
averbado na respectiva Junta Comercial 49.
Mas a demonstração da existência de indícios
que evidenciem ter a pessoa jurídica, e/ou seus
sócios, agido com má – fé, desaparecendo e
desaparecendo com seus bens, irregularmente,
há que ser ‘cabal’ 50.”
Por tudo que fora exposto, a decisão proferida
pelo juízo a quo não pode ser mantida, motivo pelo qual os Recorrentes
48
Em artigo intitulado “Algumas observações sobre o ‘redirecionamento’ na ação de execução fiscal,
a
Assim, e.g., AGRESP no. 536531-RS, STJ, 2 . Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, dec. un. pub. DJU
25.4.2005, p. 281: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTARIO. EXECUÇÃO FISCAL.
REDIRECIONAMENTO. RESPONSABILIDADE PESSOAL PELO INADIMPLEMENTO DA
OBRIGAÇÃO DA SOCIEDADE. ART. 135, III DO CTN. APLICAÇÃO DA SÚMULA 211 STJ. Em
matéria de responsabilidade dos sócios de sociedade limitada, é necessário fazer a distinção entre
empresa que se dissolve irregularmente daquela que continua a funcionar. Em se tratando de
sociedade que se extingue irregularmente, cabe a responsabilidade dos sócios, os quais podem
provar não terem agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder. Não demonstrada a dissolução
irregular da sociedade, a prova em desfavor do sócio passa a ser do exeqüente (inúmeros
precedentes). É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que o sócio somente pode ser
pessoalmente responsabilizado pelo inadimplemento da obrigação tributária da sociedade se agiu
dolosamente, com fraude ou excesso de poderes. A comprovação da responsabilidade do sócio é
imprescindível para que a execução fiscal seja redirecionada, mediante citação do mesmo. Agravo
regimental improvido."
50
a
AGA no. 591352-RS STJ, 2 . Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, dec. un. pub. DJU
21.3.2005, p. 325: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO REGIMENTAL.
EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. SÓCIO – GERENTE. SOCIEDADE. DISSOLUÇÃO
IRREGULAR. NÃO COMPROVAA. A dissolução irregular da sociedade deve ser cabalmente
demonstrada, a fim de viabilizar a responsabilização dos sócios – gerentes. Agravo regimental
improvido."
49
30
requerem que sejam reiteradas as razões expostas pela d. sentença de
folhas 24/26 51.
5. Do pedido
Diante do exposto, os Recorrentes requerem:
a) A admissão do presente Recurso Especial e a
posterior intimação da Recorrida, na forma
legal, para que apresente suas contra-razões,
em assim querendo;
b) O acolhimento das preliminares suscitadas
para o fim de (i) reconhecer a nulidade da
citação de pessoa estranha à sociedadecontribuinte e (ii) reconhecer o decurso do prazo
prescricional qüinqüenal, com a conseqüente
declaração de extinção do crédito tributário;
c) Se superadas as preliminares retro, o que
seria lamentável mas se admite cogitar em
atenção ao salutar princípio da eventualidade,
requerem, no mérito, o provimento deste
recurso para o fim de excluir a responsabilidade
dos Recorrentes pelo débito objeto da Execução
em tela;
d) Em qualquer desses dois casos, requerem a
extinção da Execução Fiscal da qual advém o
presente Recurso, condenando-se a Recorrida
nas verbas legais decorrentes da sucumbência;
51
Dos Embargos à Execução Fiscal.
31
Termos em que,
Pedem deferimento.
São Paulo, 04 de outubro de 2006.
Andréia Renata Cabrelon
OAB/SP nº 193.978
32
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Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente da