Comércio informal, comércio
transfronteiriço e comércio
transnacional: que articulações?
estudo de caso no mercado dos Kwanzas (Luanda)
Carlos M. Lopes
(ISCTE/ICS)
[email protected]
Projecto
Angola em Movimento
Objectivo geral da Linha de Pesquisa:
apreensão da forma como as transformações ocorridas
no plano da mobilidade de pessoas e bens se
repercutiram sobre a sociedade e economia angolanas,
impondo reajustamentos e recomposições sucessivas
ao exercício da actividade comercial
Linha de pesquisa
Objectivos específicos:
Caracterizar o crescimento das dimensões informal e ilegal no contexto da
actividade comercial;
Identificar a articulação crescente entre os diferentes níveis espaciais de
concretização da actividade comercial (local, regional, transfronteiriço e
internacional);
Identificar e caracterizar a presença e as formas de organização e de
funcionamento de redes comerciais transnacionais, focalizando nomeadamente,
os seus modelos organizativos, as lógicas empresariais e as estratégias de
actuação;
Caracterizar o comércio transfronteiriço, nomeadamente o seu espaço geográfico
de intervenção, os seus actores e suas práticas, as suas articulações e implicações
na actividade comercial interna;
Identificar o florescimento de determinados eixos de orientação geográfica da
circulação comercial e as respectivas implicações nos domínios social e cultural
Metodologia
•
Exploração das sinergias resultantes da combinação da análise documental e
da produção de dados empíricos, obtidos a partir de técnicas quantitativas
(inquéritos) e qualitativas (entrevistas a actores e informantes especializados)
•
Em Luanda foram realizadas as seguintes entrevistas:
• Director Nacional do Comércio Interno (DNCI)
• Director Provincial de Serviços Comunitários (DPSC)
• Administrador do Mercado dos Kwanzas
• 3 Operadores do mercado dos Kwanzas:
- 1 vendedora de feijão, açúcar e arroz (semi-grossista)
- 1 vendedora de produtos de beleza
- 1 vendedor de telemóveis
•
Mercado dos Kwanzas (Luanda): 60 inquéritos
•
Dados estatísticos: Governo Provincial de Luanda; Direcção Nacional do
Comércio Interno, Ministério do Plano
Conceitos chave
•
Comércio informal: actividades comerciais realizadas, totalmente ou parcialmente, à margem do quadro
legislativo e regulamentar que enquadra o seu exercício; o não cumprimento de diversas disposições
legais é socialmente e administrativamente tolerado
•
Comércio ilegal: actividades comerciais não reconhecidas nem permitidas por parte dos poderes
públicos; incluem-se nesta categoria o contrabando e o tráfico de produtos ilícitos (drogas, armas, etc.)
•
Comércio fronteiriço: comércio de produtos realizado em espaços geográficos nas imediações de uma
fronteira entre dois estados; pode identificar apenas as trocas comerciais realizadas apenas de um lado da
fronteira
•
Comércio transfronteiriço: comércio de produtos realizado entre agentes económicos sedeados em
espaços geográficos situados de um lado e do outro de uma fronteira entre dois países; reporta à
contiguidade dos espaços nos quais se realizam as trocas comercias
•
Comércio transnacional: trocas comerciais que envolvem agentes económicos sedeados em diferentes
países
•
Comércio de reexportação: importação de produtos de determinados países para em seguida os
exportar para países vizinhos nos quais a respectiva importação está sujeita a restrições ou é proibida
•
Comércio de trânsito: transporte de mercadorias destinadas a contrabando através de um país
intermediário que estabelece a ligação entre o país de origem das importações e o país ao qual essas
mercadorias se destinam
•
Redes comerciais: grupos de comerciantes inseridos em redes de relações parentais, sociais ou de
negócio
Rede Comercial e de Prestação
de Serviços
Rede Comercial e de Prestação de Serviços Mercantis
em Angola
30/04/2006
19%
12%
9%
Grandes Superfícies Comerciais
Pequenas e Médias Superfícies
Comerciais
Prestação de Serviços
Mercantis
Rede Comercial Precária
60%
Fonte: DNCI, 2006
Proxy do Comércio Informal
•
Considera-se que, grosso modo, o comércio informal corresponde ao somatório de uma fracção da rede
comercial precária com uma fracção da prestação de serviços mercantis e com uma parcela das
pequenas e médias superfícies comerciais
•
A rede comercial precária inclui:
Estabelecimentos de comércio precário
Mercados urbanos
Mercados rurais
Feiras
Mercados abastecedores
•
A prestação de serviços mercantis contempla actividades como barbeiros, cabeleireiros, reparação
electrodomésticos, serralharias, alfaiatarias, sapatarias, estúdios fotográficos, etc.
•
As pequenas e médias superfícies comerciais são estabelecimentos de pequena e média dimensão (em
número de trabalhadores e em volume de negócios) afectas ao Comércio por Grosso, ao Comércio a
Retalho, ao Comércio Misto e ao Comércio Geral
Proxy do Comércio Informal
Estabeleceu-se a seguinte relação:
Comércio Informal = 90% da rede comercial precária
+
60% da prestação de serviços mercantis
+
15% das pequenas e médias superfícies comerciais
Com base nos dados da DNCI, relativos a 31/10/2006, teríamos:
CI = 5.753,7 + 1.875,6 + 3.008,9 = 10.638 estabelecimentos
o que corresponderia a 31,24% da Rede Comercial e de Prestação de Serviços Mercantis Nacional
Em termos nacionais, o efectivo de agentes licenciados pela DNCI no quadro da Rede Comercial
Precária situar-se-ia, em Outubro de 2006, em cerca 56.110 operadores:
- os vendedores instalados nos 168 mercados urbanos seriam 35.309, o que corresponderia a uma
percentagem de 62,93%
- no caso de Luanda, os dados apurados pela DNCI (Julho de 2005) referem-se a 36.455 agentes
licenciados, dos quais 28.091 estariam operativos nos 28 mercados urbanos recenseados
Marcos Fronteiriços
Marcos Fronteiriços em Angola
30/04/2006
40
36
35
30
25
20
Zona Norte
19
Zona Leste
14
15
10
5
0
Zona Norte
Fonte: DNCI, 2006
Zona Leste
Zona Sul
Zona Sul
Marcos Fronteiriços por Província
Marcos Fronteiriços em Angola por Província
30/04/2006
40
36
35
Zona Norte
30
Cabinda
23
25
Uíge
19
20
Zaire
14
15
10
10
5
10
4
5
Zona Leste
10
Lunda Norte
4
3
Moxico
0
Fonte: DNCI, 2006
e
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or
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Zona Sul
N
Zo
na
Lunda Sul
Kunene
Kuando-Kubango
Espaços de exercício da actividade comercial
estabelecimentos
comerciais
mercados e praças
na rua, em local fixo
nos bairros, à porta das habitações
ambulante (zungueiros)
nas instituições, empresas, redes de vizinhança e familiares (moambeiras):
produtos de uso pessoal associados ao consumo de status ou aos produtos em
que a oferta não existe no território nacional: vestuário, calçado, produtos de
beleza, joalharia, ourivesaria, relojoaria, bijuteria, entre outros
Actividade comercial, natureza e escala
Formal
Transnacional
Transfronteiriço
Informal
Provincial
Local
Estab. comerciais
Mercados/praças
Rua, local fixo
Bairro, porta de casa
Rua, ambulante
Instituições e redes
m
o
a
m
b
e
i
r
a
s
Luanda: dinâmicas urbanas
• Capital económica e administrativa (sede das principais instituições
políticas,financeiras, sociais, empresariais)
• Em 2000, a população da capital era estimada em 2.534.800 habitantes
(KPMG/Ministério do Plano, 2003)
• O crescimento da população deve-se, não apenas ao crescimento
vegetativo (saldo natural), como também a um forte contributo dos
movimentos migratórios (regulares e induzidos pelo conflito militar)
• Luanda concentra 19,3% da
(KPMG/Ministério do Plano, 2003)
população
urbana
de
Angola
• O crescimento demográfico tem sido acompanhado por uma ocupação
do espaço extensiva e não planificada
• O conflito militar prolongado reflectiu-se, indirectamente, aos diferentes
níveis da actividade económica sedeadas na cidade
Luanda: divisão administrativa
Município do Cazenga
•
município periférico
•
assentamento maioritariamente espontâneo, sem planificação urbanística
(insuficiência de equipamentos colectivos e de serviços básicos)
•
920.864 habitantes residiam, em 2000, numa área de 38,6 quilómetros
quadrados, o que correspondia a uma densidade populacional de 23.857
habitantes por quilómetro quadrado (KPMG/Ministério do Plano, 2003)
•
crescimento populacional acelerado
•
fracção importante da população natural de outras províncias do país
(município acolheu grandes contingentes de deslocados de guerra)
•
maioria de população de baixos rendimentos
•
elevada taxa de desemprego; maior parte da população sobrevive com base
nas actividades informais
•
no município do Cazenga, em Abril de 2006, funcionavam 3 mercados
municipais e 6 mercados de levante, entre os quais o mercado Asa Branca
Mercados de Luanda
• Em Abril de 2006 existiam 55 mercados e 6 feiras na
capital angolana (dados da DPSC):
14 mercados municipais
23 mercados de levante
18 mercados de gestão privada
• Em Abril de 2006, o efectivo de vendedores nos mercados
e feiras de Luanda rondaria os 27.942 vendedores (dados
da DPSC)
Estrutura da Rede de Mercados de Luanda
Mercados municipais
oferta diversificada
Mercados privados
oferta mista
Mercado
Roque
Santeiro
Mercados de levante
(informais)
Mercado dos
Kwanzas
Mercado do
Kikolo
Mercado Tunga Ngó
especializados
Mercado dos Kwanzas
• localizado no município do Cazenga, na Comuna de Hoji ya
Henda
• designação popular do mercado municipal N’Gola Kiluanje,
edificado nos anos 70, pouco depois da independência
• constituído por uma estrutura de exposição com cobertura,
onde, em Abril de 2006, estariam activos entre 350 a 400
operadores
• existe também um reduzido número de pequenos gabinetes
fechados onde se encontram instalados alguns vendedores
• maior parte dos vendedores estão instalados em redor da
estrutura coberta
Mercado dos Kwanzas – Abril 2006
Mercado dos Kwanzas – Abril 2006
Mercado dos Kwanzas – Abril 2006
• Mercado dos Kwanzas – Abril 2006
Mercado dos Kwanzas
• total de operadores do mercado era estimado, em Abril de 2006, entre
1.800 a 2.000 (Administrador do Mercado)
• na mesma data, a DPSC, estimava o efectivo de vendedores
registados no mercado N’Gola Kiluanje em 2.078
• parte significativa dos operadores instalados na área não coberta do
mercado são oriundos de províncias do Norte (Uíje, Kwanza Norte,
Zaire)
• presença de comerciantes estrangeiros é menos significativa
(congoleses, malianos, senegaleses) do que noutros mercados da
cidade
Mercado dos Kwanzas – Abril 2006
Mercado dos Kwanzas
•
mercado retalhista, de oferta diversificada
•
grande variedade de produtos: horto-frutícolas, peixe, carne, bens alimentares industriais,
bebidas, vestuário, calçado, cigarros, peças de automóvel, joalharia e ourivesaria, material
escolar, produtos de uso doméstico (detergentes, plásticos, etc.), electrodomésticos, mobiliário,
equipamento audiovisual e de comunicação, cds-dvds, etc.
•
comércio grossista e semi-grossista de alguns tipos de produtos (feijão, soja, mandioca,
etc.)
•
comércio retalhista especializado de alguns tipos de produtos: medicamentos, produtos
de beleza, carne de caça fumada (javali, pakassa, entre outros)
•
oferta variada de serviços complementares: restauração, segurança, carregamento de
mercadorias, reparação de equipamento audiovisual e de velocípedes com e sem motor,
alfaiataria, câmbio de moeda estrangeira, armazenagem e aluguer de espaço em câmaras
frigoríficas
Mercado dos Kwanzas – Abril 2006
Mercado dos Kwanzas – Abril 2006
Mercado dos Kwanzas – Abril 2006
Mercado dos Kwanzas – Abril 2006
Mercado dos Kwanzas
•
os vendedores pagam uma taxa diária de 100 kwanzas (1 euro), com
excepção das “cozinhas” que pagam uma taxa diária de 150 kwanzas (1,50
euros)
•
semanalmente, pagam também uma taxa de limpeza no montante de 20
kwanzas
•
o mercado encerra à 2ª feira para limpeza quer da estrutura coberta quer da
parte exterior
•
a segurança é garantida por 14 elementos da 14ª esquadra da III Divisão da
Polícia Nacional, com o apoio de mais de 2 dezenas de fiscais adstritos à
Administração do mercado
•
no exterior existem terminais de candongueiros que asseguram as ligações
com outras zonas da cidade com outros municípios, com outras províncias e
até mesmo com países limítrofes, nomeadamente a R.D. Congo
Mercado dos Kwanzas – Abril 2006
Mercado dos Kwanzas – Abril 2006
Questionário
Dos 60 inquiridos:
• 44,1% são do sexo feminino e 40,7% do sexo masculino
• 60% têm menos de 30 anos; o escalão de maior
concentração é entre 21 e 30 anos (46,7%)
• nível de escolaridade reduzido: 6,9% não sabem ler nem
escrever; 36,2% sabe apenas ler e escrever mas não
concluiu nenhum ciclo escolar; 12,1% concluíram o 1º ciclo,
3,4% o 2º ciclo e 8,6% o 3º ciclo; apenas 6,9% concluiu os
estudos secundários
• 88,3% são activos com profissão, 3,3% assumem-se
como desempregados e 5% são estudantes trabalhadores
Questionário
Questionário
•
78,3% são comerciantes, alguns dos quais acumulam esta actividade com
outras, como por exemplo o trabalho doméstico, a segurança, a condução
de veículos de transporte de passageiros, etc. 16,6 % prestam serviços
(câmbio de moeda, reparação de equipamentos, serviços de pedreiro e/ou
pintor) ou trabalham por conta de outrem (empregada de lanchonete, etc.)
• 73,3% trabalham por conta própria e não têm empregados, 13,3%
trabalham por conta de outrem e 3,3% trabalham em negócios familiares
• 25 inquiridos revelaram fazer parte de um grupo religioso; outras
instituições de pertença referidas: 2 ocorrências relativas a associações de
comerciantes e 1 ocorrência relativa a kixiquila (associação rotativa de
poupança e crédito)
• 38,8% iniciaram o negócio com apoio de familiares, 6,1% com ajuda de
amigos, 46,9 % com poupança individual e 2% com apoio de uma rede
de comerciantes
Questionário
• 3,7% possuem alvará
• 79,6% não possuem autorização e os
restantes não responderam
• 60% pagam taxa diária de ocupação do
espaço no mercado
• 41,7% pagam a taxa semanal de limpeza
Questionário
Questionário
•
Roupa de fardo, produtos de higiene pessoal, produtos de uso pessoal,
medicamentos, produtos de lazer (cds-dvds), equipamento audiovisual,
mobiliário, produtos de uso doméstico (detergentes, materiais plásticos), peças
de automóvel, material de construção, produtos de joalharia, ourivesaria,
relojoaria e bijutaria são também referidos como o principal produto
comercializado pelos operadores que integraram a amostra.
•
Relativamente à origem do principal produto comercializado:
Províncias: 5,4%
Luanda: 87,5%
Estrangeiro: 5,4%
Fronteiras: 1,8%,
•
Organização abastecimento:
Individual: 79,6%
Com sócios: 7,4%
Com outros comerciantes: 7,4%
•
Frequência e quantidade do abastecimento é muito diversificada
Questionário
As questões relativas ao grau de confiança em alguns dos outros agentes com os
quais interagem no decurso da sua actividade proporcionaram as seguintes
respostas:
•
34,9% confiam pouco ou não confiam nos outros comerciantes contra 27,9% que
confiam ou confiam totalmente
•
50,9% confiam pouco ou não confiam nos comerciantes estrangeiros contra 5,7%
que confiam ou confiam totalmente
•
26,6% confiam pouco ou não confiam nos transportadores contra 37,7% que
confiam ou confiam totalmente
•
73,7% confiam pouco ou não confiam nos agentes policiais contra 15,8% que
confiam ou confiam totalmente
•
36,1% confiam pouco ou não confiam nos agentes da inspecção sanitária contra
11,1% que confiam ou confiam totalmente
•
11,5% confiam pouco ou não confiam nos familiares contra 73,1% que confiam ou
confiam totalmente
Questionário
• Considerado em termos gerais, o grau de
confiança diminuiu para 46,7% dos inquiridos,
mantém-se igual para 13,3% e aumentou para
os restantes 33,3%
• 30% dos operadores consideraram existir
interajuda entre os operadores sempre ou
quase sempre, enquanto 63,3% referiram que
se manifesta poucas vezes ou nunca
Entrevistas actores
P.K., 32 anos, sexo masculino, natural do Uíje, vive em Luanda, no
bairro da Cuca, município do Cazenga. Tem banca no mercado dos
Kwanzas há 8 anos. Concluiu a 7ª classe e integra um agregado
familiar com 9 pessoas:
«…antes de vir para este mercado, trabalhei com um tio no mercado
Asa Branca…vendíamos colchões…com algum dinheiro que juntei,
mais algum que a mãe da minha esposa me confiou, arranquei com
o meu negócio aqui nos Kwanzas…vender produtos de farmácia e
medicamentos não está fácil, porque desde há um tempo a polícia
começou a dar em cima…foi desde que começou a abrir bué de
farmácias lá mesmo na cidade…os medicamentos compramos no
Roque e também tem muitos que compramos num senhor que viaja
muito no Zaire…são mesmo mais baratos e até tem uns que nem
no Roque existe…às vezes também aparecem aí uns militares que
vendem medicamentos das FAA…»
Eixos principais de comércio transnacional, transfronteiriço e
inter-provincial
Congo Brazaville; R.D. Congo
África do
Sul,
Brasil,
China
Dubai,
Portugal
….
Moambeiras
Mercado dos Kwanzas - profissão do inquirido (ou última)
Valid
Carpinteiro
Cozinheira
Doméstico/a
Empregada privada
Intérprete
Ladrilhador
Mecanico
Moambeira
Moambeira/Cabeleireira
Pedreiro
Professora
Recepcionista
Segurança
Vendedor
Vendedor/Doméstica
Vendedor/Doméstico
Total
Frequency
38
1
2
2
2
1
1
2
1
1
3
1
1
1
1
1
1
60
Percent
63,3
1,7
3,3
3,3
3,3
1,7
1,7
3,3
1,7
1,7
5,0
1,7
1,7
1,7
1,7
1,7
1,7
100,0
Valid Percent
63,3
1,7
3,3
3,3
3,3
1,7
1,7
3,3
1,7
1,7
5,0
1,7
1,7
1,7
1,7
1,7
1,7
100,0
Cumulative
Percent
63,3
65,0
68,3
71,7
75,0
76,7
78,3
81,7
83,3
85,0
90,0
91,7
93,3
95,0
96,7
98,3
100,0
Moambeiras
•
Moambeiras(os) é a expressão angolana que identifica os agentes económicos envolvidos em
deslocações frequentes ao estrangeiro, por via aérea, para adquirirem produtos que depois
vendem a outros comerciantes ou a clientes habituais, surgidos no quadro da rede familiar,
das redes de vizinhança, de amizade ou de proximidade profissional
•
A.J., 29 anos, sexo feminino, natural de Luanda, tem banca no mercado dos Kwanzas, desde
há 5 anos. Vende produtos de beleza, com o auxílio de uma sobrinha, filha da irmã mais
velha: «…aqui a Luísa é que fica a tomar conta do negócio quando vou viajar…por ano, 2 ou 3
vezes, costumo sair para comprar mercadoria…perfumes, produtos para desfrisar cabelo,
cremes…Joanesburgo, Lisboa, Londres é onde vou mais vezes mas também já fui uma vez
ao Rio de Janeiro e outra vez a Paris…há duas senhoras aqui nos Kwanzas a quem vendo
alguns produtos e tem a cunhada de uma delas que está no mercado do Prenda que também
é cliente…lá no bairro (11 de Novembro) há uma senhora que é cabeleireira que compra
sempre e ainda tem umas outras senhoras lá do Ministério da Família e da Mulher que
também são boas clientes…quando fui no Brasil trouxe muitos biquinis brasileiros e nem
sobrou só um…quero até, ir mesmo nos Estados Unidos, pois sei que lá tem bué de
produtos afro, que nem há noutros lugares…produtos afro, paizinho…é mesmo para a
carapinha e para a pele dos negros…»
Comparação dos mercados
Mercado Kwanzas
Mercado S.Pedro
Maior diferencial relativo de mulheres
face aos homens
Maior % de operadores com idade < 30
anos
Maior % de operadores sem frequência
da escola ou que não completaram o 1º
ciclo
Peso
dominante
de
oriundos da província
(23,3%)
operadores Peso
dominante
de
operadores
de Luanda oriundos da província do Huambo
(62%)
Presença reduzida de naturais das Inexistência de operadores naturais das
províncias do Norte (Uíje, Zaire, províncias do Norte (Uíje, Zaire,
Kwanza Norte)
Kwanza Norte)
Presença reduzida de operadores Inexistência de operadores naturais de
naturais de outros países (R.D. Congo, outros países
Senegal)
Comparação dos mercados
Mercado Kwanzas
Mercado S.Pedro
Maior peso relativo dos produtos com Maior peso relativo dos produtos
adquiridos nas províncias (47,9%), no
adquiridos em Luanda (87,5%)
estrangeiro ou na fronteira; Luanda é a
origem de 33% do principal produto
comercializado
Maior
%
de
participação
em fraca % de participação em grupos
associações, nomeadamente em grupos religiosos, associações de comerciantes
religiosos; fraca % de participação em e em grupos de poupança e crédito
associações de comerciantes e em
grupos de poupança e crédito
Maior peso relativo da poupança Maior peso relativo da rede de amigos
individual e da ajuda familiar no no arranque do negócio
arranque do negócio
Maior grau de controlo e regulação da Apenas 2% referiram o pagamento da
actividade no mercado (60% pagam taxa taxa diária de ocupação do mercado
diária de ocupação do espaço)
Apenas 3,7% referiram possuir alvará
Maior % de comerciantes com alvará
(22%)
Comparação dos mercados
Mercado Kwanzas
Mercado S.Pedro
Maior confiança na família e nos
grupos religiosos
Maior
confiança
nos
outros
comerciantes, nos transportadores e
nos comerciantes estrangeiros
Elevado grau de desconfiança nos
agentes públicos de regulação,
controlo e fiscalização (polícia, fiscais
sanitários, guardas alfandegários)
Elevado grau de desconfiança nos
agentes públicos de regulação,
controlo e fiscalização (polícia, fiscais
sanitários, guardas alfandegários)
Maior disponibilidade para a interajuda
no quadro de relações de carácter
funcional
Perspectiva menos pessimista sobre a
evolução do grau de confiança nos
outros (33,3% têm mais confiança e
46,7% têm menos confiança)
Perspectiva mais pessimista sobre a
evolução do grau de confiança nos
outros (6,5% têm mais confiança e
54,3% têm menos confiança)
conclusões
• A componente informal tem peso relativo significativo na actividade
comercial e prestação de serviços mercantis no mercado dos
Kwanzas
• A actividade comercial no mercado dos Kwanzas está estreitamente
articulada com a actividade comercial desenvolvida na cidade:
o mercado abastece, e é abastecido, por outros mercados da cidade
o mercado é abastecido por armazéns de comércio grossista e
retalhista formais
participam na actividade económica do mercado operadores de outros
segmentos de actividade (armazenamento de mercadorias, transporte
de mercadorias e de pessoas, serviços pessoais e de entretenimento,
entre outros)
conclusões
•
A actividade comercial no mercado dos Kwanzas está estreitamente articulada
com a actividade comercial inter-provincial:
Luanda e as províncias do Bengo, Uíje, Zaire, Kwanza Norte e Huambo
constituem as principais origens e destinos das trocas comerciais em que
participam os operadores do mercado
•
A actividade comercial no mercado dos Kwanzas está relativamente articulada
com a actividade comercial transfronteiriça:
A R.D.Congo e o Congo Brazaville constituem pontos de partida de rotas
comerciais que ligam o mercado dos Kwanzas aos países vizinhos, e a partir de
onde, por via terrestre, chega ao mercado um leque muito diversificado de
produtos importados
•
A actividade comercial no mercado dos Kwanzas está estreitamente articulada
com a actividade comercial transnacional:
África do Sul, Brasil, China, Dubai e Portugal constituem os países de origem
da maior parte dos produtos importados que são transaccionados no mercado dos
Kwanzas, onde se regista alguma presença de moambeiras
conclusões
• A contaminação dos fluxos comerciais informais pelo comércio ilegal,
nomeadamente pelo contrabando de bens importados organizado a
partir dos países vizinhos constitui um facto não negligenciável
• Os fluxos comerciais informais estruturam-se por sobre uma dupla
articulação:
espacial (local-municipal-provincial-nacional-transnacional)
de carácter/natureza (legal-ilegal)
• Os fluxos comerciais informais estão na origem de fortunas privadas e
de privilégios públicos que se estruturam sobre coligações entre o
poder comercial e os interesses políticos, o que põe em causa as teses
que associam ao comércio informal uma vocação dominantemente
redistributiva e que o perspectivam como alfobre de uma autêntica classe
empresarial, empreendedora e independente do Estado
Pistas a explorar
•
A tese, muito popular, que associa o comércio informal ao ressurgimento das redes comerciais
baseadas na iniciativa económica popular e na solidariedade étnica (temporariamente submergidas
pela imposição e pelas fronteiras coloniais) não encontra sustentação nos dados que foi possível
recolher
relativamente aos dados que foi possível recolher em Luanda e no Huambo, a presença de redes
comerciais surge com um carácter meramente pontual
o grau de confiança que os operadores revelam face aos outros agentes que actuam na actividade
é reduzido (esta situação pode resultar das características da amostra, mas pode também estar
associada à desestruturação das vinculações identitárias e das relações sociais provocada pelo
conflito militar e pela urbanização compulsiva)
As diferenças identificadas entre Luanda e o Huambo – por exemplo, maior participação do
grupo familiar no arranque dos negócios, maior confiança nas redes de parentesco e no grupo
religioso em Luanda do que no Huambo; maior importância da rede de amigos, maior confiança nos
outros comerciantes ou nos comerciantes estrangeiros e maior grau de interajuda no Huambo –
parecem indiciar um complexo processo de recomposição de solidariedades e de
reposicionamento dos actores face aos grupos de pertença
Eixos analíticos a considerar:
- papel da matriz socio-cultural
- impacto destruturador e reestruturante do conflito militar sobre as relações sociais (capital
social)
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Mercado dos Kwanzas