Comércio informal, comércio transfronteiriço e comércio transnacional: que articulações? estudo de caso no mercado dos Kwanzas (Luanda) Carlos M. Lopes (ISCTE/ICS) [email protected] Projecto Angola em Movimento Objectivo geral da Linha de Pesquisa: apreensão da forma como as transformações ocorridas no plano da mobilidade de pessoas e bens se repercutiram sobre a sociedade e economia angolanas, impondo reajustamentos e recomposições sucessivas ao exercício da actividade comercial Linha de pesquisa Objectivos específicos: Caracterizar o crescimento das dimensões informal e ilegal no contexto da actividade comercial; Identificar a articulação crescente entre os diferentes níveis espaciais de concretização da actividade comercial (local, regional, transfronteiriço e internacional); Identificar e caracterizar a presença e as formas de organização e de funcionamento de redes comerciais transnacionais, focalizando nomeadamente, os seus modelos organizativos, as lógicas empresariais e as estratégias de actuação; Caracterizar o comércio transfronteiriço, nomeadamente o seu espaço geográfico de intervenção, os seus actores e suas práticas, as suas articulações e implicações na actividade comercial interna; Identificar o florescimento de determinados eixos de orientação geográfica da circulação comercial e as respectivas implicações nos domínios social e cultural Metodologia • Exploração das sinergias resultantes da combinação da análise documental e da produção de dados empíricos, obtidos a partir de técnicas quantitativas (inquéritos) e qualitativas (entrevistas a actores e informantes especializados) • Em Luanda foram realizadas as seguintes entrevistas: • Director Nacional do Comércio Interno (DNCI) • Director Provincial de Serviços Comunitários (DPSC) • Administrador do Mercado dos Kwanzas • 3 Operadores do mercado dos Kwanzas: - 1 vendedora de feijão, açúcar e arroz (semi-grossista) - 1 vendedora de produtos de beleza - 1 vendedor de telemóveis • Mercado dos Kwanzas (Luanda): 60 inquéritos • Dados estatísticos: Governo Provincial de Luanda; Direcção Nacional do Comércio Interno, Ministério do Plano Conceitos chave • Comércio informal: actividades comerciais realizadas, totalmente ou parcialmente, à margem do quadro legislativo e regulamentar que enquadra o seu exercício; o não cumprimento de diversas disposições legais é socialmente e administrativamente tolerado • Comércio ilegal: actividades comerciais não reconhecidas nem permitidas por parte dos poderes públicos; incluem-se nesta categoria o contrabando e o tráfico de produtos ilícitos (drogas, armas, etc.) • Comércio fronteiriço: comércio de produtos realizado em espaços geográficos nas imediações de uma fronteira entre dois estados; pode identificar apenas as trocas comerciais realizadas apenas de um lado da fronteira • Comércio transfronteiriço: comércio de produtos realizado entre agentes económicos sedeados em espaços geográficos situados de um lado e do outro de uma fronteira entre dois países; reporta à contiguidade dos espaços nos quais se realizam as trocas comercias • Comércio transnacional: trocas comerciais que envolvem agentes económicos sedeados em diferentes países • Comércio de reexportação: importação de produtos de determinados países para em seguida os exportar para países vizinhos nos quais a respectiva importação está sujeita a restrições ou é proibida • Comércio de trânsito: transporte de mercadorias destinadas a contrabando através de um país intermediário que estabelece a ligação entre o país de origem das importações e o país ao qual essas mercadorias se destinam • Redes comerciais: grupos de comerciantes inseridos em redes de relações parentais, sociais ou de negócio Rede Comercial e de Prestação de Serviços Rede Comercial e de Prestação de Serviços Mercantis em Angola 30/04/2006 19% 12% 9% Grandes Superfícies Comerciais Pequenas e Médias Superfícies Comerciais Prestação de Serviços Mercantis Rede Comercial Precária 60% Fonte: DNCI, 2006 Proxy do Comércio Informal • Considera-se que, grosso modo, o comércio informal corresponde ao somatório de uma fracção da rede comercial precária com uma fracção da prestação de serviços mercantis e com uma parcela das pequenas e médias superfícies comerciais • A rede comercial precária inclui: Estabelecimentos de comércio precário Mercados urbanos Mercados rurais Feiras Mercados abastecedores • A prestação de serviços mercantis contempla actividades como barbeiros, cabeleireiros, reparação electrodomésticos, serralharias, alfaiatarias, sapatarias, estúdios fotográficos, etc. • As pequenas e médias superfícies comerciais são estabelecimentos de pequena e média dimensão (em número de trabalhadores e em volume de negócios) afectas ao Comércio por Grosso, ao Comércio a Retalho, ao Comércio Misto e ao Comércio Geral Proxy do Comércio Informal Estabeleceu-se a seguinte relação: Comércio Informal = 90% da rede comercial precária + 60% da prestação de serviços mercantis + 15% das pequenas e médias superfícies comerciais Com base nos dados da DNCI, relativos a 31/10/2006, teríamos: CI = 5.753,7 + 1.875,6 + 3.008,9 = 10.638 estabelecimentos o que corresponderia a 31,24% da Rede Comercial e de Prestação de Serviços Mercantis Nacional Em termos nacionais, o efectivo de agentes licenciados pela DNCI no quadro da Rede Comercial Precária situar-se-ia, em Outubro de 2006, em cerca 56.110 operadores: - os vendedores instalados nos 168 mercados urbanos seriam 35.309, o que corresponderia a uma percentagem de 62,93% - no caso de Luanda, os dados apurados pela DNCI (Julho de 2005) referem-se a 36.455 agentes licenciados, dos quais 28.091 estariam operativos nos 28 mercados urbanos recenseados Marcos Fronteiriços Marcos Fronteiriços em Angola 30/04/2006 40 36 35 30 25 20 Zona Norte 19 Zona Leste 14 15 10 5 0 Zona Norte Fonte: DNCI, 2006 Zona Leste Zona Sul Zona Sul Marcos Fronteiriços por Província Marcos Fronteiriços em Angola por Província 30/04/2006 40 36 35 Zona Norte 30 Cabinda 23 25 Uíge 19 20 Zaire 14 15 10 10 5 10 4 5 Zona Leste 10 Lunda Norte 4 3 Moxico 0 Fonte: DNCI, 2006 e oKu ba ng o Ku ne n Ku an d Su l Zo na o ox ic M Su l Lu nd a No rte Lu nd a Le st e Zo na Za ire Uí ge Ca bi nd a or te Zona Sul N Zo na Lunda Sul Kunene Kuando-Kubango Espaços de exercício da actividade comercial estabelecimentos comerciais mercados e praças na rua, em local fixo nos bairros, à porta das habitações ambulante (zungueiros) nas instituições, empresas, redes de vizinhança e familiares (moambeiras): produtos de uso pessoal associados ao consumo de status ou aos produtos em que a oferta não existe no território nacional: vestuário, calçado, produtos de beleza, joalharia, ourivesaria, relojoaria, bijuteria, entre outros Actividade comercial, natureza e escala Formal Transnacional Transfronteiriço Informal Provincial Local Estab. comerciais Mercados/praças Rua, local fixo Bairro, porta de casa Rua, ambulante Instituições e redes m o a m b e i r a s Luanda: dinâmicas urbanas • Capital económica e administrativa (sede das principais instituições políticas,financeiras, sociais, empresariais) • Em 2000, a população da capital era estimada em 2.534.800 habitantes (KPMG/Ministério do Plano, 2003) • O crescimento da população deve-se, não apenas ao crescimento vegetativo (saldo natural), como também a um forte contributo dos movimentos migratórios (regulares e induzidos pelo conflito militar) • Luanda concentra 19,3% da (KPMG/Ministério do Plano, 2003) população urbana de Angola • O crescimento demográfico tem sido acompanhado por uma ocupação do espaço extensiva e não planificada • O conflito militar prolongado reflectiu-se, indirectamente, aos diferentes níveis da actividade económica sedeadas na cidade Luanda: divisão administrativa Município do Cazenga • município periférico • assentamento maioritariamente espontâneo, sem planificação urbanística (insuficiência de equipamentos colectivos e de serviços básicos) • 920.864 habitantes residiam, em 2000, numa área de 38,6 quilómetros quadrados, o que correspondia a uma densidade populacional de 23.857 habitantes por quilómetro quadrado (KPMG/Ministério do Plano, 2003) • crescimento populacional acelerado • fracção importante da população natural de outras províncias do país (município acolheu grandes contingentes de deslocados de guerra) • maioria de população de baixos rendimentos • elevada taxa de desemprego; maior parte da população sobrevive com base nas actividades informais • no município do Cazenga, em Abril de 2006, funcionavam 3 mercados municipais e 6 mercados de levante, entre os quais o mercado Asa Branca Mercados de Luanda • Em Abril de 2006 existiam 55 mercados e 6 feiras na capital angolana (dados da DPSC): 14 mercados municipais 23 mercados de levante 18 mercados de gestão privada • Em Abril de 2006, o efectivo de vendedores nos mercados e feiras de Luanda rondaria os 27.942 vendedores (dados da DPSC) Estrutura da Rede de Mercados de Luanda Mercados municipais oferta diversificada Mercados privados oferta mista Mercado Roque Santeiro Mercados de levante (informais) Mercado dos Kwanzas Mercado do Kikolo Mercado Tunga Ngó especializados Mercado dos Kwanzas • localizado no município do Cazenga, na Comuna de Hoji ya Henda • designação popular do mercado municipal N’Gola Kiluanje, edificado nos anos 70, pouco depois da independência • constituído por uma estrutura de exposição com cobertura, onde, em Abril de 2006, estariam activos entre 350 a 400 operadores • existe também um reduzido número de pequenos gabinetes fechados onde se encontram instalados alguns vendedores • maior parte dos vendedores estão instalados em redor da estrutura coberta Mercado dos Kwanzas – Abril 2006 Mercado dos Kwanzas – Abril 2006 Mercado dos Kwanzas – Abril 2006 • Mercado dos Kwanzas – Abril 2006 Mercado dos Kwanzas • total de operadores do mercado era estimado, em Abril de 2006, entre 1.800 a 2.000 (Administrador do Mercado) • na mesma data, a DPSC, estimava o efectivo de vendedores registados no mercado N’Gola Kiluanje em 2.078 • parte significativa dos operadores instalados na área não coberta do mercado são oriundos de províncias do Norte (Uíje, Kwanza Norte, Zaire) • presença de comerciantes estrangeiros é menos significativa (congoleses, malianos, senegaleses) do que noutros mercados da cidade Mercado dos Kwanzas – Abril 2006 Mercado dos Kwanzas • mercado retalhista, de oferta diversificada • grande variedade de produtos: horto-frutícolas, peixe, carne, bens alimentares industriais, bebidas, vestuário, calçado, cigarros, peças de automóvel, joalharia e ourivesaria, material escolar, produtos de uso doméstico (detergentes, plásticos, etc.), electrodomésticos, mobiliário, equipamento audiovisual e de comunicação, cds-dvds, etc. • comércio grossista e semi-grossista de alguns tipos de produtos (feijão, soja, mandioca, etc.) • comércio retalhista especializado de alguns tipos de produtos: medicamentos, produtos de beleza, carne de caça fumada (javali, pakassa, entre outros) • oferta variada de serviços complementares: restauração, segurança, carregamento de mercadorias, reparação de equipamento audiovisual e de velocípedes com e sem motor, alfaiataria, câmbio de moeda estrangeira, armazenagem e aluguer de espaço em câmaras frigoríficas Mercado dos Kwanzas – Abril 2006 Mercado dos Kwanzas – Abril 2006 Mercado dos Kwanzas – Abril 2006 Mercado dos Kwanzas – Abril 2006 Mercado dos Kwanzas • os vendedores pagam uma taxa diária de 100 kwanzas (1 euro), com excepção das “cozinhas” que pagam uma taxa diária de 150 kwanzas (1,50 euros) • semanalmente, pagam também uma taxa de limpeza no montante de 20 kwanzas • o mercado encerra à 2ª feira para limpeza quer da estrutura coberta quer da parte exterior • a segurança é garantida por 14 elementos da 14ª esquadra da III Divisão da Polícia Nacional, com o apoio de mais de 2 dezenas de fiscais adstritos à Administração do mercado • no exterior existem terminais de candongueiros que asseguram as ligações com outras zonas da cidade com outros municípios, com outras províncias e até mesmo com países limítrofes, nomeadamente a R.D. Congo Mercado dos Kwanzas – Abril 2006 Mercado dos Kwanzas – Abril 2006 Questionário Dos 60 inquiridos: • 44,1% são do sexo feminino e 40,7% do sexo masculino • 60% têm menos de 30 anos; o escalão de maior concentração é entre 21 e 30 anos (46,7%) • nível de escolaridade reduzido: 6,9% não sabem ler nem escrever; 36,2% sabe apenas ler e escrever mas não concluiu nenhum ciclo escolar; 12,1% concluíram o 1º ciclo, 3,4% o 2º ciclo e 8,6% o 3º ciclo; apenas 6,9% concluiu os estudos secundários • 88,3% são activos com profissão, 3,3% assumem-se como desempregados e 5% são estudantes trabalhadores Questionário Questionário • 78,3% são comerciantes, alguns dos quais acumulam esta actividade com outras, como por exemplo o trabalho doméstico, a segurança, a condução de veículos de transporte de passageiros, etc. 16,6 % prestam serviços (câmbio de moeda, reparação de equipamentos, serviços de pedreiro e/ou pintor) ou trabalham por conta de outrem (empregada de lanchonete, etc.) • 73,3% trabalham por conta própria e não têm empregados, 13,3% trabalham por conta de outrem e 3,3% trabalham em negócios familiares • 25 inquiridos revelaram fazer parte de um grupo religioso; outras instituições de pertença referidas: 2 ocorrências relativas a associações de comerciantes e 1 ocorrência relativa a kixiquila (associação rotativa de poupança e crédito) • 38,8% iniciaram o negócio com apoio de familiares, 6,1% com ajuda de amigos, 46,9 % com poupança individual e 2% com apoio de uma rede de comerciantes Questionário • 3,7% possuem alvará • 79,6% não possuem autorização e os restantes não responderam • 60% pagam taxa diária de ocupação do espaço no mercado • 41,7% pagam a taxa semanal de limpeza Questionário Questionário • Roupa de fardo, produtos de higiene pessoal, produtos de uso pessoal, medicamentos, produtos de lazer (cds-dvds), equipamento audiovisual, mobiliário, produtos de uso doméstico (detergentes, materiais plásticos), peças de automóvel, material de construção, produtos de joalharia, ourivesaria, relojoaria e bijutaria são também referidos como o principal produto comercializado pelos operadores que integraram a amostra. • Relativamente à origem do principal produto comercializado: Províncias: 5,4% Luanda: 87,5% Estrangeiro: 5,4% Fronteiras: 1,8%, • Organização abastecimento: Individual: 79,6% Com sócios: 7,4% Com outros comerciantes: 7,4% • Frequência e quantidade do abastecimento é muito diversificada Questionário As questões relativas ao grau de confiança em alguns dos outros agentes com os quais interagem no decurso da sua actividade proporcionaram as seguintes respostas: • 34,9% confiam pouco ou não confiam nos outros comerciantes contra 27,9% que confiam ou confiam totalmente • 50,9% confiam pouco ou não confiam nos comerciantes estrangeiros contra 5,7% que confiam ou confiam totalmente • 26,6% confiam pouco ou não confiam nos transportadores contra 37,7% que confiam ou confiam totalmente • 73,7% confiam pouco ou não confiam nos agentes policiais contra 15,8% que confiam ou confiam totalmente • 36,1% confiam pouco ou não confiam nos agentes da inspecção sanitária contra 11,1% que confiam ou confiam totalmente • 11,5% confiam pouco ou não confiam nos familiares contra 73,1% que confiam ou confiam totalmente Questionário • Considerado em termos gerais, o grau de confiança diminuiu para 46,7% dos inquiridos, mantém-se igual para 13,3% e aumentou para os restantes 33,3% • 30% dos operadores consideraram existir interajuda entre os operadores sempre ou quase sempre, enquanto 63,3% referiram que se manifesta poucas vezes ou nunca Entrevistas actores P.K., 32 anos, sexo masculino, natural do Uíje, vive em Luanda, no bairro da Cuca, município do Cazenga. Tem banca no mercado dos Kwanzas há 8 anos. Concluiu a 7ª classe e integra um agregado familiar com 9 pessoas: «…antes de vir para este mercado, trabalhei com um tio no mercado Asa Branca…vendíamos colchões…com algum dinheiro que juntei, mais algum que a mãe da minha esposa me confiou, arranquei com o meu negócio aqui nos Kwanzas…vender produtos de farmácia e medicamentos não está fácil, porque desde há um tempo a polícia começou a dar em cima…foi desde que começou a abrir bué de farmácias lá mesmo na cidade…os medicamentos compramos no Roque e também tem muitos que compramos num senhor que viaja muito no Zaire…são mesmo mais baratos e até tem uns que nem no Roque existe…às vezes também aparecem aí uns militares que vendem medicamentos das FAA…» Eixos principais de comércio transnacional, transfronteiriço e inter-provincial Congo Brazaville; R.D. Congo África do Sul, Brasil, China Dubai, Portugal …. Moambeiras Mercado dos Kwanzas - profissão do inquirido (ou última) Valid Carpinteiro Cozinheira Doméstico/a Empregada privada Intérprete Ladrilhador Mecanico Moambeira Moambeira/Cabeleireira Pedreiro Professora Recepcionista Segurança Vendedor Vendedor/Doméstica Vendedor/Doméstico Total Frequency 38 1 2 2 2 1 1 2 1 1 3 1 1 1 1 1 1 60 Percent 63,3 1,7 3,3 3,3 3,3 1,7 1,7 3,3 1,7 1,7 5,0 1,7 1,7 1,7 1,7 1,7 1,7 100,0 Valid Percent 63,3 1,7 3,3 3,3 3,3 1,7 1,7 3,3 1,7 1,7 5,0 1,7 1,7 1,7 1,7 1,7 1,7 100,0 Cumulative Percent 63,3 65,0 68,3 71,7 75,0 76,7 78,3 81,7 83,3 85,0 90,0 91,7 93,3 95,0 96,7 98,3 100,0 Moambeiras • Moambeiras(os) é a expressão angolana que identifica os agentes económicos envolvidos em deslocações frequentes ao estrangeiro, por via aérea, para adquirirem produtos que depois vendem a outros comerciantes ou a clientes habituais, surgidos no quadro da rede familiar, das redes de vizinhança, de amizade ou de proximidade profissional • A.J., 29 anos, sexo feminino, natural de Luanda, tem banca no mercado dos Kwanzas, desde há 5 anos. Vende produtos de beleza, com o auxílio de uma sobrinha, filha da irmã mais velha: «…aqui a Luísa é que fica a tomar conta do negócio quando vou viajar…por ano, 2 ou 3 vezes, costumo sair para comprar mercadoria…perfumes, produtos para desfrisar cabelo, cremes…Joanesburgo, Lisboa, Londres é onde vou mais vezes mas também já fui uma vez ao Rio de Janeiro e outra vez a Paris…há duas senhoras aqui nos Kwanzas a quem vendo alguns produtos e tem a cunhada de uma delas que está no mercado do Prenda que também é cliente…lá no bairro (11 de Novembro) há uma senhora que é cabeleireira que compra sempre e ainda tem umas outras senhoras lá do Ministério da Família e da Mulher que também são boas clientes…quando fui no Brasil trouxe muitos biquinis brasileiros e nem sobrou só um…quero até, ir mesmo nos Estados Unidos, pois sei que lá tem bué de produtos afro, que nem há noutros lugares…produtos afro, paizinho…é mesmo para a carapinha e para a pele dos negros…» Comparação dos mercados Mercado Kwanzas Mercado S.Pedro Maior diferencial relativo de mulheres face aos homens Maior % de operadores com idade < 30 anos Maior % de operadores sem frequência da escola ou que não completaram o 1º ciclo Peso dominante de oriundos da província (23,3%) operadores Peso dominante de operadores de Luanda oriundos da província do Huambo (62%) Presença reduzida de naturais das Inexistência de operadores naturais das províncias do Norte (Uíje, Zaire, províncias do Norte (Uíje, Zaire, Kwanza Norte) Kwanza Norte) Presença reduzida de operadores Inexistência de operadores naturais de naturais de outros países (R.D. Congo, outros países Senegal) Comparação dos mercados Mercado Kwanzas Mercado S.Pedro Maior peso relativo dos produtos com Maior peso relativo dos produtos adquiridos nas províncias (47,9%), no adquiridos em Luanda (87,5%) estrangeiro ou na fronteira; Luanda é a origem de 33% do principal produto comercializado Maior % de participação em fraca % de participação em grupos associações, nomeadamente em grupos religiosos, associações de comerciantes religiosos; fraca % de participação em e em grupos de poupança e crédito associações de comerciantes e em grupos de poupança e crédito Maior peso relativo da poupança Maior peso relativo da rede de amigos individual e da ajuda familiar no no arranque do negócio arranque do negócio Maior grau de controlo e regulação da Apenas 2% referiram o pagamento da actividade no mercado (60% pagam taxa taxa diária de ocupação do mercado diária de ocupação do espaço) Apenas 3,7% referiram possuir alvará Maior % de comerciantes com alvará (22%) Comparação dos mercados Mercado Kwanzas Mercado S.Pedro Maior confiança na família e nos grupos religiosos Maior confiança nos outros comerciantes, nos transportadores e nos comerciantes estrangeiros Elevado grau de desconfiança nos agentes públicos de regulação, controlo e fiscalização (polícia, fiscais sanitários, guardas alfandegários) Elevado grau de desconfiança nos agentes públicos de regulação, controlo e fiscalização (polícia, fiscais sanitários, guardas alfandegários) Maior disponibilidade para a interajuda no quadro de relações de carácter funcional Perspectiva menos pessimista sobre a evolução do grau de confiança nos outros (33,3% têm mais confiança e 46,7% têm menos confiança) Perspectiva mais pessimista sobre a evolução do grau de confiança nos outros (6,5% têm mais confiança e 54,3% têm menos confiança) conclusões • A componente informal tem peso relativo significativo na actividade comercial e prestação de serviços mercantis no mercado dos Kwanzas • A actividade comercial no mercado dos Kwanzas está estreitamente articulada com a actividade comercial desenvolvida na cidade: o mercado abastece, e é abastecido, por outros mercados da cidade o mercado é abastecido por armazéns de comércio grossista e retalhista formais participam na actividade económica do mercado operadores de outros segmentos de actividade (armazenamento de mercadorias, transporte de mercadorias e de pessoas, serviços pessoais e de entretenimento, entre outros) conclusões • A actividade comercial no mercado dos Kwanzas está estreitamente articulada com a actividade comercial inter-provincial: Luanda e as províncias do Bengo, Uíje, Zaire, Kwanza Norte e Huambo constituem as principais origens e destinos das trocas comerciais em que participam os operadores do mercado • A actividade comercial no mercado dos Kwanzas está relativamente articulada com a actividade comercial transfronteiriça: A R.D.Congo e o Congo Brazaville constituem pontos de partida de rotas comerciais que ligam o mercado dos Kwanzas aos países vizinhos, e a partir de onde, por via terrestre, chega ao mercado um leque muito diversificado de produtos importados • A actividade comercial no mercado dos Kwanzas está estreitamente articulada com a actividade comercial transnacional: África do Sul, Brasil, China, Dubai e Portugal constituem os países de origem da maior parte dos produtos importados que são transaccionados no mercado dos Kwanzas, onde se regista alguma presença de moambeiras conclusões • A contaminação dos fluxos comerciais informais pelo comércio ilegal, nomeadamente pelo contrabando de bens importados organizado a partir dos países vizinhos constitui um facto não negligenciável • Os fluxos comerciais informais estruturam-se por sobre uma dupla articulação: espacial (local-municipal-provincial-nacional-transnacional) de carácter/natureza (legal-ilegal) • Os fluxos comerciais informais estão na origem de fortunas privadas e de privilégios públicos que se estruturam sobre coligações entre o poder comercial e os interesses políticos, o que põe em causa as teses que associam ao comércio informal uma vocação dominantemente redistributiva e que o perspectivam como alfobre de uma autêntica classe empresarial, empreendedora e independente do Estado Pistas a explorar • A tese, muito popular, que associa o comércio informal ao ressurgimento das redes comerciais baseadas na iniciativa económica popular e na solidariedade étnica (temporariamente submergidas pela imposição e pelas fronteiras coloniais) não encontra sustentação nos dados que foi possível recolher relativamente aos dados que foi possível recolher em Luanda e no Huambo, a presença de redes comerciais surge com um carácter meramente pontual o grau de confiança que os operadores revelam face aos outros agentes que actuam na actividade é reduzido (esta situação pode resultar das características da amostra, mas pode também estar associada à desestruturação das vinculações identitárias e das relações sociais provocada pelo conflito militar e pela urbanização compulsiva) As diferenças identificadas entre Luanda e o Huambo – por exemplo, maior participação do grupo familiar no arranque dos negócios, maior confiança nas redes de parentesco e no grupo religioso em Luanda do que no Huambo; maior importância da rede de amigos, maior confiança nos outros comerciantes ou nos comerciantes estrangeiros e maior grau de interajuda no Huambo – parecem indiciar um complexo processo de recomposição de solidariedades e de reposicionamento dos actores face aos grupos de pertença Eixos analíticos a considerar: - papel da matriz socio-cultural - impacto destruturador e reestruturante do conflito militar sobre as relações sociais (capital social)