DAS FAVELAS AOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
Vaneza Ferreira Araujo
Universidade Federal do Ceará – UFC
[email protected]
Este artigo tem por objetivo discutir o programa de reassentamento de
moradores das favelas1: Beira Rio, Rato, Lagoa da Parangaba e Maravilha, que foram
transferidas para conjuntos habitacionais construídos sob responsabilidade da Fundação
de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza – HABITAFOR, órgão ligado a
Secretaria de Infra-Estrutura da Prefeitura Municipal de Fortaleza. Faremos uma análise
do contexto atual vivenciado pelos moradores reassentados, a partir de um processo que
iniciou em 2006 e foi consolidado em 2008, período em que trabalhei como técnica de
projetos no referido órgão.
A Habitafor foi criada com o objetivo de atender às necessidades de habitação
das pessoas de baixa renda, através de ações direcionadas para a construção de moradias
e a regularização fundiária e urbanística de assentamentos precários (favelas e conjuntos
habitacionais deteriorados, principalmente). Minha função como socióloga era elaborar
um diagnóstico dos assentamentos precários, a partir da coleta de informações
socioeconômicas sobre as famílias atendidas, e acompanhar sua transferência para os
conjuntos, por meio de visitas domiciliares, palestras e oficinas. Essas informações
subsidiavam a elaboração do projeto habitacional, o qual deveria prever o número de
pessoas em cada unidade habitacional, inclusive o número de deficientes, idosos e
crianças para adaptação dos apartamentos.2
As casas das famílias atendidas pela HABITAFOR, em geral, eram construídas
com madeira, papelão ou taipa. Muitas vezes consistiam em palafitas sobre lagoas ou
rios, barracos em mangues, dunas e aterros de lixo, configurando um problema social e
1
.Trata-se de uma categoria estigmatizadora, utilizada pela mídia, pelo senso comum e, por vezes, pelo
próprio Poder Público, para designar um tipo de habitat que, além de precário, produz comportamentos
indesejáveis: marginalidade, sujeira, violência (DAVIS,2006), (GONDIM,2010),(VALLADARES,2005).
2
Dos apartamentos entregues uma porcentagem é destinada a atender às pessoas com deficiência física,
ou seja, os apartamentos são adaptados com portas mais largas, rampas de acesso e banheiros
apropriados.
ambiental. A transferências para os conjuntos construídos pela Prefeitura, mudou as
condições sanitárias e urbanísticas das famílias reassentadas.
Nesta análise, serão consideradas não só alterações nas condições de habitação
das famílias que foram beneficiadas, como também suas condições sociais e
econômicas. Quanto ao primeiro aspecto, parte-se do pressuposto de que a moradia não
se limita à estrutura física de um imóvel, pois abrange também o acesso a equipamentos
e serviços de consumo coletivo, como infra-estrutura de saneamento básico, energia
elétrica, educação, saúde, lazer, entre outros.
No que diz respeito aos aspectos sociais e econômicos, considera-se que
as condições materiais de sobrevivência (renda, emprego, consumo de bens e serviços) e
as relações sociais desenvolvidas no local de residência são componentes essenciais da
condição de citadinos – sendo a cidade, por excelência, lugar de trocas materiais e
simbólicas entre as pessoas.
Historicamente, a política habitacional atingiu grande visibilidade quando em
1964, foi criado o Banco Nacional de Habitação (BNH), que objetivava a dinamização
da política de captação de recursos para financiar habitações, utilizando recursos do
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) através do Sistema Financeiro de
Habitação (SFH). A criação do BNH tinha como um dos objetivos o incentivo à
indústria da construção civil para a edificação de casas populares, passando a ser o
principal mecanismo de financiamento da produção da habitação (MARICATO, 2001).
Entretanto, a maior parte dos recursos foi aplicada em empreendimentos que
beneficiavam a classe média ou os que ganhavam acima de três salários mínimos. Em
conseqüência, as favelas continuaram a se expandir pelas grandes cidades.
A partir da segunda metade da década de 1970, os movimentos sociais urbanos
passaram a ter uma atuação intensa nas metrópoles brasileiras. A Igreja Católica, com a
criação das Comunidades Eclesiais de Base, contribuiu para o processo de organização
dos moradores da periferia urbana e de assentamentos de baixa renda, para reivindicar a
posse dos terrenos ocupados e o acesso a equipamentos e serviços urbanos (SILVA,
1992). Em Fortaleza, os movimentos sociais adquiriram grande visibilidade a partir da
resistência à remoção da favela da Avenida José Bastos, em 1978. Ainda que os
moradores tenham sido removidos para a periferia da cidade, a mobilização serviu como
catalisadora da estruturação de diversas entidades de favelas e bairros populares, que
passaram a constituir a Federação dos Bairros e Favelas de Fortaleza (BARREIRA,
1992).
No final dos anos 1980, os movimentos sociais reivindicavam a urbanização de
favelas, lutando contra a remoção das mesmas (MACHADO DA SILVA, 2002). O
governo federal lançou o programa de Mutirão Habitacional (1987/1995), ao qual os
governos estaduais e municipais deram continuidade. Outras experiências foram
realizadas por iniciativa de associações de moradores, com o apoio de Organizações
Não-Governamentais (BRAGA, 1995).
Com a Constituição de 1988, novo tratamento foi dado à questão habitacional,
que se tornou uma atribuição concorrente dos três níveis de governo. Os movimentos
sociais ampliaram as pressões por uma maior participação dos municípios na questão
habitacional, pois a consolidação da democracia tornou o poder local o principal
interlocutor das organizações populares e um elo indispensável no enfrentamento das
demandas sociais, por estar em contato direto com os problemas da população.
Entretanto, milhões de famílias continuaram excluídas do acesso à moradia digna; as
necessidades habitacionais, quantitativas e qualitativas, concentravam-se cada vez mais
nas metrópoles e nos grupos de baixa renda.
Em 2001 foi aprovada a lei 10.257, conhecida como Estatuto das Cidades, a
qual estabeleceu mecanismos para combater a especulação imobiliária e garantir
moradia digna à população, a partir de uma gestão urbana democrática (BASSUL,
2005). O Estatuto reúne instrumentos de políticas públicas para racionalizar a estrutura
fundiária e urbana dos municípios brasileiros, de acordo com as diretrizes do plano
diretor, tornado obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes pela
Constituição de 1988.
Em 2003, o Governo Federal institui o Ministério das Cidades, que se tornou o
órgão coordenador, gestor e formulador da Política Nacional de Desenvolvimento
Urbano, que inclui a Política Nacional de Habitação (PNH), estabelecendo-se um novo
modelo de organização institucional.
Apesar das conquistas em relação à política habitacional, as carências
permanecem. Segundo dados da Fundação João Pinheiro, em 2006 a Região
Metropolitana de Fortaleza apresentou um déficit habitacional de 171 mil domicílios
localizados na área urbana, além de um contingente de 22.984 famílias morando em 105
assentamentos precários (COMDEC, 2005). Grande parte da população do município,
cerca de 20%, tem renda igual ou inferior a um salário mínimo; outros 10,5% da
população não possuem renda (IBGE, 2006). Essas pessoas se encontram vulneráveis às
situações emergenciais, no tocante a desastres provenientes de deslizamentos,
inundações, alagamentos e erosões. Tais riscos se apresentam como conseqüência da
ocupação desordenada dos espaços da cidade em áreas com vulnerabilidade ambiental.
Essa é uma realidade constatada em todo o terceiro mundo (DAVIS, 2006).
A carência de políticas públicas municipais comprometidas com o
ordenamento urbano da cidade de Fortaleza, historicamente, propiciou a ocupação
desordenada de muitas regiões da cidade, somando a isso importante relevâncias
ambientais como, por exemplo, os agravos ocasionados pelas chuvas à população e as
fragilidades e/ou rupturas dos processos de segurança, de sobrevivência (rendimento e
de autonomia), de acolhida e de vivência familiar e comunitária, culminando com
diversos transtornos emocionais e sócio-econômicos, entre outros.
No ano de 2005 a Habitafor deu inicio a execução dos primeiros projetos de
habitação. A metodologia de trabalho da instituição consistia na realização de um
“congelamento” da área, ação que consistia em marcar com um número e as iniciais
“PMF” todas as casas que iriam participar do projeto, além dessa pintura as famílias
eram cadastradas para serem acompanhadas por meio de técnicas sociais a fim de
desenvolverem junto com as famílias cadastradas um trabalho social que deveria ser
apresentada(o) à Caixa Econômica como parte do Projeto Técnico Social – PTTS.3
O cadastramento da comunidade Maravilha teve inicio no ano de 2003
realizado pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Infra-estrutura – SEINF, através
do Programa Pró-Moradia, que culminou em um diagnóstico socioeconômico da área e
que para efeito desse estudo não foi considerado a numeração utilizada pela SEINF, por
isso o cadastramento foi atualizado em 2005 pela Habitafor. Nessa época foram
cadastradas de 739 famílias na comunidade Maravilha, desse total 397 famílias
3
O Projeto de Trabalho Técnico Social - PTTS são ações educativas que tem como objetivo criar
mecanismos para viabilizar a participação das famílias atendidas por programas de Habitação de Interesse
Social garantindo a sustentabilidade do empreendimento. Para isso o projeto deverá obedecer as
seguintes etapas :1.diagnostico, 2.objetivos, 3. indicadores de resultado, 4. metodologia , 5. cronograma
de ações, 6. Orçamento 7.cronograma físico-financeiro, 8.instrumentos de registro e 9.acompanhamento
e avaliação das ações.(COTS CAIXA, 2011)
permaneceram na comunidade, onde a área seria urbanizada e os moradores receberiam
novos apartamentos, 144 foram para um terreno no conjunto Planalto Universo 4e 198
foram transferidas em uma área próxima, onde seria construído o conjunto Nossa
Senhora de Fátima que será nosso objeto de pesquisa.
Das comunidades, Reviver e Beira Rio, foram cadastradas, respectivamente,
em torno de 81 e 19 famílias, no Rato, 129 famílias e na comunidade da Lagoa da
Parangaba, 33, totalizando 272 famílias que seriam removidas para o Conjunto Jana
Barroso.
UM PEQUENO RELATO DAS HISTORIAS DAS FAVELAS EM
FORTALEZA:
A comunidade Reviver estava localizada no Bairro Dias Macêdo e se
encontrava assentada sobre uma antiga estação de tratamento de esgoto. A sua ocupação
foi por volta da década de 70.
Dizem que isso aqui [terreno da favela que fica em cima da antiga estação
de tratamento] é dos apartamento do Napoleão Viana [...] antigamente aqui
era o monte de fazenda o dono morreu então agente veio pra cá, apareceu
gente de todo canto, nós tá aqui até hoje. (Entrevista com morador do
Reviver .M.M. 17/06/2007, grifo meu). 5
A comunidade Beira Rio também estava localizada no Bairro Dias Macêdo em
uma Área de Proteção Permanente - APP. A ocupação ocorreu por volta de 1988.
No inverno a água chega até aqui [morador indicando a sua cintura] fora o
mato e lama.aqui quando não chove é ótimo[...]aqui todo mundo se conhece é
uma família só[a maioria das famílias da comunidade Beira Rio são
parentes.] (Entrevista com moradora da comunidade Beira Rio .S.F.
20/06/2007, grifo meu).
A Comunidade da Lagoa da Parangaba se localizava no bairro da Parangaba.
Sua origem data de 1986, quando famílias ocuparam as margens da lagoa do bairro da
4
Projeto de moradia e urbanização que teve parceria a Prefeitura e o Ministério das Cidades, através do
programa Habitar Brasil/BID, tendo a interveniência da Caixa Econômica, inaugurado em 2005
5
Os nomes dos entrevistados não são fornecidos, afim de lhes garantir privacidade,conforme o Código de
Ética da Associação dos Sociólogos.
Parangaba, daí o nome da comunidade. Segundo os moradores mais antigos, os fatores
que mais incomodavam era a presença de muita água, mato, lama, cobras e outros
animais. Inicialmente, a área ficou sendo abastecida com água e luz clandestina.
Somente em 1989 houve a regularização com a CAGECE 6e em 1992 a construção do
Terminal da Parangaba7, o que melhorou o entorno da comunidade.
A Comunidade do Rato ficava em uma área com características de várzea
inundável, recortada por pequenos cursos d'água com forte fragilidade ambiental. A
comunidade surgiu em junho de 1986.
Já a comunidade da Maravilha situava-se no bairro de Fátima, na zona Centro
Sul de Fortaleza, distando cerca de 2,5 km do centro comercial, próximo à Base Aérea
de Fortaleza, limitando-se a nordeste e leste pela BR 116. A área do entorno limita-se ao
norte pela Av. 13 de Maio e Av. Pontes Vieira; a leste pela Rua Capitão Gustavo, Rua
Aspirante Mendes e muro da Base Aérea de Fortaleza; ao sul.
Sua ocupação ocorreu em princípios da década de 60, como um movimento
espontâneo, onde cada família vinha e construía o seu barraco, individualmente,
utilizando material precário.
O pessoal diz que o dono daqui era Sr. Emiliano de Almeida Braga, ele
morreu num assalto aqui. Aí a mulher dele a D. Raimundinha Braga vendeu
pra Prefeitura. Aí a gente veio vigiar o nosso terreno, a Prefeitura disse que
agente podia ficar aqui aí a gente começou a construir os nosso barraco [...]
agente sofria muito no inverno alagava tudo, aqui ficava a maior lama.
(Entrevista com moradora da comunidade da Maravilha M A. 12/08/2007).
PERFIL DAS FAMILIAS QUE FORAM TRANSFERIDAS PARA OS
CONJUNTOS HABITACIONAIS.
Na comunidade Reviver, 39,50% das mulheres são chefes de família, na Beira
Rio foram encontradas 26,31% mulheres responsáveis pelo sustento do lar, na Lagoa da
Parangaba, destacam-se 18,18% e finalmente no rato 23%.
6
Companhia de água e esgoto do Estado do Ceará
É constituído, por um conjunto de terminais de integração (fechados), estrategicamente localizados em
bairros periféricos onde os passageiros podem realizar transferências para quaisquer linhas que sirvam o
terminal, sem que seja necessário o pagamento de uma nova tarifa.
7
Em relação à escolaridade das mulheres chefes de família, constatou-se
que nas comunidades Reviver, 56,25% possuem o ensino fundamental incompleto; na
Beira Rio, esse índice é de 52%. Na lagoa da Parangaba, apenas 16,6% do total de
mulheres chefes de família conseguiram concluir o ensino médio, já no Rato, 98% das
mulheres não concluíram o ensino fundamental.
Em relação à renda familiar das comunidades Reviver, Beira Rio e Lagoa da
Parangaba, 100% das famílias possuem renda entre 1/2 a 1 salário mínimo. Já na
comunidade do Rato, 10,07% não possuem renda, 64,03% ganham de ½ a 01 salário
mínimo e 24,4% recebem de 01 a 02 salários.
Em relação à distribuição etária da comunidade Maravilha foram identificados,
42,5% dos moradores na faixa etária entre 0 e 18 anos; 54,5% são maiores entre 19 e 65
anos, e 3% se encontram acima de 65 anos de idade. É considerável o número de
moradores cursando o ensino fundamental, cerca de 25%. O ensino médio concluído é
representado por um percentual de 5,60% dos habitantes e 6,00% ainda estão cursando.
Com a realidade social desta comunidade, vê-se extrema dificuldade em se alcançar o
terceiro grau tendo em vista que não foi registrado habitantes cursando. Já analfabetos
detêm 10,20%. Em relação a economia da comunidade 55% das famílias recebe uma
renda de até um salário mínimo. Os que recebem de 01 a 02 salários mínimos,
representam um percentual de 34%; as que detêm de 02 a 03 s. m. vêm em número
menor com 8%, enquanto que as famílias que afirmaram receber mais de 03 salários
mínimos formam um percentual de apenas 3% do total de moradores.
UM BREVE CAMINHAR NOS CONJUNTOS HABITACIONAIS...
O conjunto Nossa Senhora de Fátima foi inaugurado no ano de 2008 e
ocupado por 198 famílias. Ele está localizado em um bairro próximo ao centro da
cidade de Fortaleza e é um dos poucos empreendimentos que possui pontos comerciais.
Logo na entrada identificamos várias placas distribuídas nos blocos de apartamentos
com a seguinte informação:
Este conjunto é uma obra executada pela Prefeitura Municipal de Fortaleza
através da Habitafor e tem como público alvo famílias de baixa renda. As
habitações são de propriedade da Prefeitura Municipal de Fortaleza sendo
proibida sua transferência ou comercialização a qualquer título sem expressa
e prévia autorização do poder público (Lei 8.403/99 art.4º). O título de posse
será emitido pelo o órgão responsável garantindo o direito sobre o imóvel
para qual este empreendimento foi destinado. (PREFEITURA MUNICIPAL
DE FORTALEZA, 2008)
O conjunto é limpo e bem cuidado, algumas famílias fizeram dos espaços
vazios entre os blocos, que pertencem a todos, jardins com pequenas cercas, outro
diferencial é a presença de uma empresa que foi terceirizada pela Habitafor e
desenvolve um trabalho social na comunidade, onde mensalmente são realizadas
reuniões. Apesar da aparente organização, ainda encontramos depoimentos de
moradores insatisfeitos com a transferência para o conjunto:
Eu fui um dos primeiro morador da maravilha, eu tinha meu comércio grande
e uma casona. Eu num queria vir para cá não, quando eu cheguei aqui o
apartamento não cabia nem minhas coisas [...] Aí eu vi para o comércio, a
mulher do lado me vendeu o dela ai eu aumentei, aqui era 3 comercio e eu fiz
um grande esse povo da Habitafor disse que eu não podia comparar e eu abri
um processo lá eles tão analisando. (Entrevista com morador da comunidade
da Maravilha M A. 09/05/2011).
O Conjunto Habitacional Jana Barroso foi inaugurado em dezembro de 2008 e
está localizado no bairro do Itapery, próximo a Universidade Estadual de Fortaleza –
UECE. Esse empreendimento recebeu 254 famílias, faltando atender à segunda etapa do
projeto, que atenderá18 famílias restantes. Trata-se de famílias transferidas para um
conjunto distante do local de origem, um espaço desprovido de infra-estrutura, com
transporte deficiente, poucas oportunidades de trabalho e acesso precário a serviços de
saúde e educação. (HABITAFOR, 2007).
O conjunto se encontra atualmente 8abandonado pela Prefeitura de Fortaleza. O
lixo toma conta das ruas e cercas de restos de madeirite prevalecem entre um
condomínio e outro. Bem próximo onde deveriam estar os blocos de apartamentos que
abrigariam as 18 famílias da segunda etapa do projeto se encontra uma nova ocupação
denominada de “Arco-Íris”. É difícil distinguir onde começa o conjunto Jana Barroso e
a ocupação “Arco Íris”, um emaranhado de casebres e casas de alvenaria. Além das
8
Os dados foram coletados, por meio de observação participante e entrevistas abertas e semi estruturadas
inúmeras trocas e vendas de trocas de apartamentos. Abaixo segue alguns depoimentos
de moradores que relatam um pouco da realidade do conjunto Jana Barroso:
Eu já morei em todos os apartamentos desse bloco, até o apartamento 02 do
N.., ele foi embora a, pois mataram o filho dele e ele teve que sair para evitar
outros problemas. Minha irmã veio morar aqui, mais não deu certo, houve
um problema de família e o meu filho matou o filho dela, mais foi porque ele
estava maltratando a minha a irmã. Agora eu vou ficar nesse daqui [se
referindo ao apartamento onde ela atualmente mora]. A Habitafor não
reformou o meu apartamento mesmo. Todo o dia o C.. machuca as
mãozinhas devido a ser bem estreitinha, a única coisa que o Habitafor
mandou fazer foi colocar o forro, e eu fiz a pintura. mais quando chove é pior
do que a favela, as paredes começam a dar choque[...] Aqui muita gente já
vendeu9. Lembra o Sr. M.. ele vendeu foi duas vez. a primeira venda, a
pessoa não veio logo morar aí ele vendeu para outro, o povo diz que o home
que comprou traficante, ele reformou o apartamento todo, tá um luxo. A
primeira pessoa perdeu e o Sr. M.. teve que sair fugido daqui se não ele
morria (Entrevista com D. S.A.. 09/05/2011, grifo meu). 10
.
Botaram agente aqui, e esqueceram da gente, não tem mais uma assistente
social aqui no conjunto com agente. Aqui quando chove sai água das
paredes,eu ligo para Habitafor e”escolhanbo”. Eu tenho mesmo é saudade da
minha casa se pudesse estaria lá. Eu ainda tô com um processo aberto na
Habitafor, tudo porque eu fiz um quartinho e o meu vizinho também porque
fez um muro, eu adorei pois evita os “vagabundos” circularem por atrás da
minha casa. [...] eu já recebi uma proposta pra vender meu apartamento por
10.00,00 mil reais, eu procurei outro lugar perto daqui, mais tá tudo caro, vou
esperar mais se pagam mais caro (Entrevista com D. N.. 09/05/2011).
A primeira moradora possui um neto com paralisia infantil, ela foi cadastrada
no ano de 2006 pela Habitafor. De acordo com a instituição, quando são identificados
casos de deficiência física, os apartamentos são adaptados com rampas, banheiros e
portas ajustadas para cadeiras de rodas, porém o que foi constatado é que nenhuma
dessas adaptações ocorreram.
A partir desses depoimentos, percebemos uma falta de continuidade no
trabalho social. Segundo o Caderno de Orientação do Trabalho Social, a Prefeitura
deveria proporcionar ações com as famílias transferidas para essas novas moradias.
Essas ações deveriam contribuir com os princípios de promoção e garantia de direitos
humanos, sociais, econômicos e culturais da população envolvida que teria como base
9
A venda das unidades habitacionais é algo que encontramos em quase todos os conjuntos da Prefeitura
Municipal de Fortaleza. Para combater as vendas de imóveis a Município e o Estado criaram o cadastro
único de beneficiários que dificulta a concessão de moradia para famílias que já foram contemplados, mas
não impede a comercialização das unidades no mercado informal.
10
Os nomes dos entrevistados não são fornecidos, a fim de lhes garantir privacidade, conforme o Código
de Ética da Associação dos Sociólogos.
03 eixos temáticos a serem desenvolvidos: 1. Mobilização e Organização Comunitária
(MOC); 2. Educação Sanitária e Ambiental (ESA); 3. Geração de Trabalho e Renda
(GTR) e 4. Regularização Fundiária (RF). Essas atividades devem ser trabalhadas de
maneira transversal e concomitante, a fim de que possam integrar a ações, fomentando
as potencialidades locais e buscando novas alternativas na elevação da qualidade de
vida das famílias. (Caderno de Orientação do Trabalho Técnico Social/Ministério das
Cidades, 2006).
Com as ausências das ações sociais, percebe-se que as trocas, vendas e
reformas dos imóveis nos conjuntos habitacionais são compreendidas como práticas de
distorção, ou seja, representam comportamentos ou respostas de oposição ao sistema
oficial identificado pelos ocupantes de habitações populares. “As práticas de distorção
são invisíveis, [pois] implicam engenhosidade, esperteza e discrição possuindo uma
racionalidade e lógica próprias.” (VALLADARES, 1978, p.120). Segundo a autora,
essas práticas não são comportamentos de favelados ou não favelados; elas permeiam
todos os níveis estruturais da sociedade brasileira. “Esses tipos de comportamentos
devem ser entendidos como uma adaptação e uma reação dos pobres a sua situação em
uma sociedade estratificada, altamente individualista e capitalista.” (VALLADARES,
1978, p.122).
Essas constantes trocas, vendas, reformas e transferência das famílias de forma
forçada, reforçam a falta de participação dos moradores na concepção dos projetos
habitacionais. Segundo os técnicos, os conjuntos habitacionais estudados apresentaram
participação popular, porém essa participação ficou reduzida na apresentação do projeto
habitacional para comunidade e algumas ações como emissão de documentos que são
necessários para encaminhar à Caixa Econômica Federal. A falta de participação
popular fortalece a favelização dos conjuntos habitacionais (ANDRADE e LEITÂO,
2006).
Os projetos elaborados para famílias provenientes de favelas possuem apenas
concepções técnicas, não são levado em consideração às referências simbólicas das
famílias. Os técnicos deverão ter a sensibilidade de desenvolver projetos habitacionais
para atender as diversidades socioculturais encontrada na favela. Será necessária uma
integração entre a equipe técnica e moradores com o objetivo de promover uma troca de
conhecimentos. Só assim teremos uma política pública de habitação social participativa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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BARREIRA, Irlys, O reverso das vitrines. Conflitos urbanos e Cultura Política. Rio de
Janeiro: Editora Rio Fundo, 1992.
BRAGA, Elza Maria Franco. Os labirintos da habitação popular: conjunturas,
programas e atores. Fortaleza: Demócrito Rocha, 1995.
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Habitacional no Brasil 2006. Brasília: 2008.
DAVIS, Mike. Planeta favela. São Paulo: Boitempo, 2006.
MACHADO DA SILVA, Luis Antônio. A continuidade do problema da favela. In
Oliveira, Lucia Lippi (Org.). Cidade: historia e desafios. Rio de Janeiro: Editora FGV,
p.220-237, 2002.
PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA. Diagnóstico da situação habitacional
do município de Fortaleza. Fortaleza, jun.2003.
_______,FUNDAÇÃO
DE
DESENVOLVIMENTO
HABITACIONAL DE
FORTALEZA (HABITAFOR).Programa
Habitar Brasil /BID-Subprograma de
desenvolvimento institucional, 2006.
_______, FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO HABITACIONAL DE
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Maravilha, 2007.
_______, FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO HABITACIONAL DE
FORTALEZA (HABITAFOR).Projeto de trabalho técnico social (PTTS) Projeto
Expedicionários-comunidades: Favela do Rato, Beira Rio, Reviver e Lagoa da
Parangaba, 2007.
VALLADARES, Licia Prado. Passa-se uma casa: análise do Programa de remoção de
Favelas do Rio de Janeiro. 2. ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
_______. A invenção da favela: do mito de origem a favela.com. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2005.
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