DAS FAVELAS AOS CONJUNTOS HABITACIONAIS Vaneza Ferreira Araujo Universidade Federal do Ceará – UFC [email protected] Este artigo tem por objetivo discutir o programa de reassentamento de moradores das favelas1: Beira Rio, Rato, Lagoa da Parangaba e Maravilha, que foram transferidas para conjuntos habitacionais construídos sob responsabilidade da Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza – HABITAFOR, órgão ligado a Secretaria de Infra-Estrutura da Prefeitura Municipal de Fortaleza. Faremos uma análise do contexto atual vivenciado pelos moradores reassentados, a partir de um processo que iniciou em 2006 e foi consolidado em 2008, período em que trabalhei como técnica de projetos no referido órgão. A Habitafor foi criada com o objetivo de atender às necessidades de habitação das pessoas de baixa renda, através de ações direcionadas para a construção de moradias e a regularização fundiária e urbanística de assentamentos precários (favelas e conjuntos habitacionais deteriorados, principalmente). Minha função como socióloga era elaborar um diagnóstico dos assentamentos precários, a partir da coleta de informações socioeconômicas sobre as famílias atendidas, e acompanhar sua transferência para os conjuntos, por meio de visitas domiciliares, palestras e oficinas. Essas informações subsidiavam a elaboração do projeto habitacional, o qual deveria prever o número de pessoas em cada unidade habitacional, inclusive o número de deficientes, idosos e crianças para adaptação dos apartamentos.2 As casas das famílias atendidas pela HABITAFOR, em geral, eram construídas com madeira, papelão ou taipa. Muitas vezes consistiam em palafitas sobre lagoas ou rios, barracos em mangues, dunas e aterros de lixo, configurando um problema social e 1 .Trata-se de uma categoria estigmatizadora, utilizada pela mídia, pelo senso comum e, por vezes, pelo próprio Poder Público, para designar um tipo de habitat que, além de precário, produz comportamentos indesejáveis: marginalidade, sujeira, violência (DAVIS,2006), (GONDIM,2010),(VALLADARES,2005). 2 Dos apartamentos entregues uma porcentagem é destinada a atender às pessoas com deficiência física, ou seja, os apartamentos são adaptados com portas mais largas, rampas de acesso e banheiros apropriados. ambiental. A transferências para os conjuntos construídos pela Prefeitura, mudou as condições sanitárias e urbanísticas das famílias reassentadas. Nesta análise, serão consideradas não só alterações nas condições de habitação das famílias que foram beneficiadas, como também suas condições sociais e econômicas. Quanto ao primeiro aspecto, parte-se do pressuposto de que a moradia não se limita à estrutura física de um imóvel, pois abrange também o acesso a equipamentos e serviços de consumo coletivo, como infra-estrutura de saneamento básico, energia elétrica, educação, saúde, lazer, entre outros. No que diz respeito aos aspectos sociais e econômicos, considera-se que as condições materiais de sobrevivência (renda, emprego, consumo de bens e serviços) e as relações sociais desenvolvidas no local de residência são componentes essenciais da condição de citadinos – sendo a cidade, por excelência, lugar de trocas materiais e simbólicas entre as pessoas. Historicamente, a política habitacional atingiu grande visibilidade quando em 1964, foi criado o Banco Nacional de Habitação (BNH), que objetivava a dinamização da política de captação de recursos para financiar habitações, utilizando recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) através do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). A criação do BNH tinha como um dos objetivos o incentivo à indústria da construção civil para a edificação de casas populares, passando a ser o principal mecanismo de financiamento da produção da habitação (MARICATO, 2001). Entretanto, a maior parte dos recursos foi aplicada em empreendimentos que beneficiavam a classe média ou os que ganhavam acima de três salários mínimos. Em conseqüência, as favelas continuaram a se expandir pelas grandes cidades. A partir da segunda metade da década de 1970, os movimentos sociais urbanos passaram a ter uma atuação intensa nas metrópoles brasileiras. A Igreja Católica, com a criação das Comunidades Eclesiais de Base, contribuiu para o processo de organização dos moradores da periferia urbana e de assentamentos de baixa renda, para reivindicar a posse dos terrenos ocupados e o acesso a equipamentos e serviços urbanos (SILVA, 1992). Em Fortaleza, os movimentos sociais adquiriram grande visibilidade a partir da resistência à remoção da favela da Avenida José Bastos, em 1978. Ainda que os moradores tenham sido removidos para a periferia da cidade, a mobilização serviu como catalisadora da estruturação de diversas entidades de favelas e bairros populares, que passaram a constituir a Federação dos Bairros e Favelas de Fortaleza (BARREIRA, 1992). No final dos anos 1980, os movimentos sociais reivindicavam a urbanização de favelas, lutando contra a remoção das mesmas (MACHADO DA SILVA, 2002). O governo federal lançou o programa de Mutirão Habitacional (1987/1995), ao qual os governos estaduais e municipais deram continuidade. Outras experiências foram realizadas por iniciativa de associações de moradores, com o apoio de Organizações Não-Governamentais (BRAGA, 1995). Com a Constituição de 1988, novo tratamento foi dado à questão habitacional, que se tornou uma atribuição concorrente dos três níveis de governo. Os movimentos sociais ampliaram as pressões por uma maior participação dos municípios na questão habitacional, pois a consolidação da democracia tornou o poder local o principal interlocutor das organizações populares e um elo indispensável no enfrentamento das demandas sociais, por estar em contato direto com os problemas da população. Entretanto, milhões de famílias continuaram excluídas do acesso à moradia digna; as necessidades habitacionais, quantitativas e qualitativas, concentravam-se cada vez mais nas metrópoles e nos grupos de baixa renda. Em 2001 foi aprovada a lei 10.257, conhecida como Estatuto das Cidades, a qual estabeleceu mecanismos para combater a especulação imobiliária e garantir moradia digna à população, a partir de uma gestão urbana democrática (BASSUL, 2005). O Estatuto reúne instrumentos de políticas públicas para racionalizar a estrutura fundiária e urbana dos municípios brasileiros, de acordo com as diretrizes do plano diretor, tornado obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes pela Constituição de 1988. Em 2003, o Governo Federal institui o Ministério das Cidades, que se tornou o órgão coordenador, gestor e formulador da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, que inclui a Política Nacional de Habitação (PNH), estabelecendo-se um novo modelo de organização institucional. Apesar das conquistas em relação à política habitacional, as carências permanecem. Segundo dados da Fundação João Pinheiro, em 2006 a Região Metropolitana de Fortaleza apresentou um déficit habitacional de 171 mil domicílios localizados na área urbana, além de um contingente de 22.984 famílias morando em 105 assentamentos precários (COMDEC, 2005). Grande parte da população do município, cerca de 20%, tem renda igual ou inferior a um salário mínimo; outros 10,5% da população não possuem renda (IBGE, 2006). Essas pessoas se encontram vulneráveis às situações emergenciais, no tocante a desastres provenientes de deslizamentos, inundações, alagamentos e erosões. Tais riscos se apresentam como conseqüência da ocupação desordenada dos espaços da cidade em áreas com vulnerabilidade ambiental. Essa é uma realidade constatada em todo o terceiro mundo (DAVIS, 2006). A carência de políticas públicas municipais comprometidas com o ordenamento urbano da cidade de Fortaleza, historicamente, propiciou a ocupação desordenada de muitas regiões da cidade, somando a isso importante relevâncias ambientais como, por exemplo, os agravos ocasionados pelas chuvas à população e as fragilidades e/ou rupturas dos processos de segurança, de sobrevivência (rendimento e de autonomia), de acolhida e de vivência familiar e comunitária, culminando com diversos transtornos emocionais e sócio-econômicos, entre outros. No ano de 2005 a Habitafor deu inicio a execução dos primeiros projetos de habitação. A metodologia de trabalho da instituição consistia na realização de um “congelamento” da área, ação que consistia em marcar com um número e as iniciais “PMF” todas as casas que iriam participar do projeto, além dessa pintura as famílias eram cadastradas para serem acompanhadas por meio de técnicas sociais a fim de desenvolverem junto com as famílias cadastradas um trabalho social que deveria ser apresentada(o) à Caixa Econômica como parte do Projeto Técnico Social – PTTS.3 O cadastramento da comunidade Maravilha teve inicio no ano de 2003 realizado pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Infra-estrutura – SEINF, através do Programa Pró-Moradia, que culminou em um diagnóstico socioeconômico da área e que para efeito desse estudo não foi considerado a numeração utilizada pela SEINF, por isso o cadastramento foi atualizado em 2005 pela Habitafor. Nessa época foram cadastradas de 739 famílias na comunidade Maravilha, desse total 397 famílias 3 O Projeto de Trabalho Técnico Social - PTTS são ações educativas que tem como objetivo criar mecanismos para viabilizar a participação das famílias atendidas por programas de Habitação de Interesse Social garantindo a sustentabilidade do empreendimento. Para isso o projeto deverá obedecer as seguintes etapas :1.diagnostico, 2.objetivos, 3. indicadores de resultado, 4. metodologia , 5. cronograma de ações, 6. Orçamento 7.cronograma físico-financeiro, 8.instrumentos de registro e 9.acompanhamento e avaliação das ações.(COTS CAIXA, 2011) permaneceram na comunidade, onde a área seria urbanizada e os moradores receberiam novos apartamentos, 144 foram para um terreno no conjunto Planalto Universo 4e 198 foram transferidas em uma área próxima, onde seria construído o conjunto Nossa Senhora de Fátima que será nosso objeto de pesquisa. Das comunidades, Reviver e Beira Rio, foram cadastradas, respectivamente, em torno de 81 e 19 famílias, no Rato, 129 famílias e na comunidade da Lagoa da Parangaba, 33, totalizando 272 famílias que seriam removidas para o Conjunto Jana Barroso. UM PEQUENO RELATO DAS HISTORIAS DAS FAVELAS EM FORTALEZA: A comunidade Reviver estava localizada no Bairro Dias Macêdo e se encontrava assentada sobre uma antiga estação de tratamento de esgoto. A sua ocupação foi por volta da década de 70. Dizem que isso aqui [terreno da favela que fica em cima da antiga estação de tratamento] é dos apartamento do Napoleão Viana [...] antigamente aqui era o monte de fazenda o dono morreu então agente veio pra cá, apareceu gente de todo canto, nós tá aqui até hoje. (Entrevista com morador do Reviver .M.M. 17/06/2007, grifo meu). 5 A comunidade Beira Rio também estava localizada no Bairro Dias Macêdo em uma Área de Proteção Permanente - APP. A ocupação ocorreu por volta de 1988. No inverno a água chega até aqui [morador indicando a sua cintura] fora o mato e lama.aqui quando não chove é ótimo[...]aqui todo mundo se conhece é uma família só[a maioria das famílias da comunidade Beira Rio são parentes.] (Entrevista com moradora da comunidade Beira Rio .S.F. 20/06/2007, grifo meu). A Comunidade da Lagoa da Parangaba se localizava no bairro da Parangaba. Sua origem data de 1986, quando famílias ocuparam as margens da lagoa do bairro da 4 Projeto de moradia e urbanização que teve parceria a Prefeitura e o Ministério das Cidades, através do programa Habitar Brasil/BID, tendo a interveniência da Caixa Econômica, inaugurado em 2005 5 Os nomes dos entrevistados não são fornecidos, afim de lhes garantir privacidade,conforme o Código de Ética da Associação dos Sociólogos. Parangaba, daí o nome da comunidade. Segundo os moradores mais antigos, os fatores que mais incomodavam era a presença de muita água, mato, lama, cobras e outros animais. Inicialmente, a área ficou sendo abastecida com água e luz clandestina. Somente em 1989 houve a regularização com a CAGECE 6e em 1992 a construção do Terminal da Parangaba7, o que melhorou o entorno da comunidade. A Comunidade do Rato ficava em uma área com características de várzea inundável, recortada por pequenos cursos d'água com forte fragilidade ambiental. A comunidade surgiu em junho de 1986. Já a comunidade da Maravilha situava-se no bairro de Fátima, na zona Centro Sul de Fortaleza, distando cerca de 2,5 km do centro comercial, próximo à Base Aérea de Fortaleza, limitando-se a nordeste e leste pela BR 116. A área do entorno limita-se ao norte pela Av. 13 de Maio e Av. Pontes Vieira; a leste pela Rua Capitão Gustavo, Rua Aspirante Mendes e muro da Base Aérea de Fortaleza; ao sul. Sua ocupação ocorreu em princípios da década de 60, como um movimento espontâneo, onde cada família vinha e construía o seu barraco, individualmente, utilizando material precário. O pessoal diz que o dono daqui era Sr. Emiliano de Almeida Braga, ele morreu num assalto aqui. Aí a mulher dele a D. Raimundinha Braga vendeu pra Prefeitura. Aí a gente veio vigiar o nosso terreno, a Prefeitura disse que agente podia ficar aqui aí a gente começou a construir os nosso barraco [...] agente sofria muito no inverno alagava tudo, aqui ficava a maior lama. (Entrevista com moradora da comunidade da Maravilha M A. 12/08/2007). PERFIL DAS FAMILIAS QUE FORAM TRANSFERIDAS PARA OS CONJUNTOS HABITACIONAIS. Na comunidade Reviver, 39,50% das mulheres são chefes de família, na Beira Rio foram encontradas 26,31% mulheres responsáveis pelo sustento do lar, na Lagoa da Parangaba, destacam-se 18,18% e finalmente no rato 23%. 6 Companhia de água e esgoto do Estado do Ceará É constituído, por um conjunto de terminais de integração (fechados), estrategicamente localizados em bairros periféricos onde os passageiros podem realizar transferências para quaisquer linhas que sirvam o terminal, sem que seja necessário o pagamento de uma nova tarifa. 7 Em relação à escolaridade das mulheres chefes de família, constatou-se que nas comunidades Reviver, 56,25% possuem o ensino fundamental incompleto; na Beira Rio, esse índice é de 52%. Na lagoa da Parangaba, apenas 16,6% do total de mulheres chefes de família conseguiram concluir o ensino médio, já no Rato, 98% das mulheres não concluíram o ensino fundamental. Em relação à renda familiar das comunidades Reviver, Beira Rio e Lagoa da Parangaba, 100% das famílias possuem renda entre 1/2 a 1 salário mínimo. Já na comunidade do Rato, 10,07% não possuem renda, 64,03% ganham de ½ a 01 salário mínimo e 24,4% recebem de 01 a 02 salários. Em relação à distribuição etária da comunidade Maravilha foram identificados, 42,5% dos moradores na faixa etária entre 0 e 18 anos; 54,5% são maiores entre 19 e 65 anos, e 3% se encontram acima de 65 anos de idade. É considerável o número de moradores cursando o ensino fundamental, cerca de 25%. O ensino médio concluído é representado por um percentual de 5,60% dos habitantes e 6,00% ainda estão cursando. Com a realidade social desta comunidade, vê-se extrema dificuldade em se alcançar o terceiro grau tendo em vista que não foi registrado habitantes cursando. Já analfabetos detêm 10,20%. Em relação a economia da comunidade 55% das famílias recebe uma renda de até um salário mínimo. Os que recebem de 01 a 02 salários mínimos, representam um percentual de 34%; as que detêm de 02 a 03 s. m. vêm em número menor com 8%, enquanto que as famílias que afirmaram receber mais de 03 salários mínimos formam um percentual de apenas 3% do total de moradores. UM BREVE CAMINHAR NOS CONJUNTOS HABITACIONAIS... O conjunto Nossa Senhora de Fátima foi inaugurado no ano de 2008 e ocupado por 198 famílias. Ele está localizado em um bairro próximo ao centro da cidade de Fortaleza e é um dos poucos empreendimentos que possui pontos comerciais. Logo na entrada identificamos várias placas distribuídas nos blocos de apartamentos com a seguinte informação: Este conjunto é uma obra executada pela Prefeitura Municipal de Fortaleza através da Habitafor e tem como público alvo famílias de baixa renda. As habitações são de propriedade da Prefeitura Municipal de Fortaleza sendo proibida sua transferência ou comercialização a qualquer título sem expressa e prévia autorização do poder público (Lei 8.403/99 art.4º). O título de posse será emitido pelo o órgão responsável garantindo o direito sobre o imóvel para qual este empreendimento foi destinado. (PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA, 2008) O conjunto é limpo e bem cuidado, algumas famílias fizeram dos espaços vazios entre os blocos, que pertencem a todos, jardins com pequenas cercas, outro diferencial é a presença de uma empresa que foi terceirizada pela Habitafor e desenvolve um trabalho social na comunidade, onde mensalmente são realizadas reuniões. Apesar da aparente organização, ainda encontramos depoimentos de moradores insatisfeitos com a transferência para o conjunto: Eu fui um dos primeiro morador da maravilha, eu tinha meu comércio grande e uma casona. Eu num queria vir para cá não, quando eu cheguei aqui o apartamento não cabia nem minhas coisas [...] Aí eu vi para o comércio, a mulher do lado me vendeu o dela ai eu aumentei, aqui era 3 comercio e eu fiz um grande esse povo da Habitafor disse que eu não podia comparar e eu abri um processo lá eles tão analisando. (Entrevista com morador da comunidade da Maravilha M A. 09/05/2011). O Conjunto Habitacional Jana Barroso foi inaugurado em dezembro de 2008 e está localizado no bairro do Itapery, próximo a Universidade Estadual de Fortaleza – UECE. Esse empreendimento recebeu 254 famílias, faltando atender à segunda etapa do projeto, que atenderá18 famílias restantes. Trata-se de famílias transferidas para um conjunto distante do local de origem, um espaço desprovido de infra-estrutura, com transporte deficiente, poucas oportunidades de trabalho e acesso precário a serviços de saúde e educação. (HABITAFOR, 2007). O conjunto se encontra atualmente 8abandonado pela Prefeitura de Fortaleza. O lixo toma conta das ruas e cercas de restos de madeirite prevalecem entre um condomínio e outro. Bem próximo onde deveriam estar os blocos de apartamentos que abrigariam as 18 famílias da segunda etapa do projeto se encontra uma nova ocupação denominada de “Arco-Íris”. É difícil distinguir onde começa o conjunto Jana Barroso e a ocupação “Arco Íris”, um emaranhado de casebres e casas de alvenaria. Além das 8 Os dados foram coletados, por meio de observação participante e entrevistas abertas e semi estruturadas inúmeras trocas e vendas de trocas de apartamentos. Abaixo segue alguns depoimentos de moradores que relatam um pouco da realidade do conjunto Jana Barroso: Eu já morei em todos os apartamentos desse bloco, até o apartamento 02 do N.., ele foi embora a, pois mataram o filho dele e ele teve que sair para evitar outros problemas. Minha irmã veio morar aqui, mais não deu certo, houve um problema de família e o meu filho matou o filho dela, mais foi porque ele estava maltratando a minha a irmã. Agora eu vou ficar nesse daqui [se referindo ao apartamento onde ela atualmente mora]. A Habitafor não reformou o meu apartamento mesmo. Todo o dia o C.. machuca as mãozinhas devido a ser bem estreitinha, a única coisa que o Habitafor mandou fazer foi colocar o forro, e eu fiz a pintura. mais quando chove é pior do que a favela, as paredes começam a dar choque[...] Aqui muita gente já vendeu9. Lembra o Sr. M.. ele vendeu foi duas vez. a primeira venda, a pessoa não veio logo morar aí ele vendeu para outro, o povo diz que o home que comprou traficante, ele reformou o apartamento todo, tá um luxo. A primeira pessoa perdeu e o Sr. M.. teve que sair fugido daqui se não ele morria (Entrevista com D. S.A.. 09/05/2011, grifo meu). 10 . Botaram agente aqui, e esqueceram da gente, não tem mais uma assistente social aqui no conjunto com agente. Aqui quando chove sai água das paredes,eu ligo para Habitafor e”escolhanbo”. Eu tenho mesmo é saudade da minha casa se pudesse estaria lá. Eu ainda tô com um processo aberto na Habitafor, tudo porque eu fiz um quartinho e o meu vizinho também porque fez um muro, eu adorei pois evita os “vagabundos” circularem por atrás da minha casa. [...] eu já recebi uma proposta pra vender meu apartamento por 10.00,00 mil reais, eu procurei outro lugar perto daqui, mais tá tudo caro, vou esperar mais se pagam mais caro (Entrevista com D. N.. 09/05/2011). A primeira moradora possui um neto com paralisia infantil, ela foi cadastrada no ano de 2006 pela Habitafor. De acordo com a instituição, quando são identificados casos de deficiência física, os apartamentos são adaptados com rampas, banheiros e portas ajustadas para cadeiras de rodas, porém o que foi constatado é que nenhuma dessas adaptações ocorreram. A partir desses depoimentos, percebemos uma falta de continuidade no trabalho social. Segundo o Caderno de Orientação do Trabalho Social, a Prefeitura deveria proporcionar ações com as famílias transferidas para essas novas moradias. Essas ações deveriam contribuir com os princípios de promoção e garantia de direitos humanos, sociais, econômicos e culturais da população envolvida que teria como base 9 A venda das unidades habitacionais é algo que encontramos em quase todos os conjuntos da Prefeitura Municipal de Fortaleza. Para combater as vendas de imóveis a Município e o Estado criaram o cadastro único de beneficiários que dificulta a concessão de moradia para famílias que já foram contemplados, mas não impede a comercialização das unidades no mercado informal. 10 Os nomes dos entrevistados não são fornecidos, a fim de lhes garantir privacidade, conforme o Código de Ética da Associação dos Sociólogos. 03 eixos temáticos a serem desenvolvidos: 1. Mobilização e Organização Comunitária (MOC); 2. Educação Sanitária e Ambiental (ESA); 3. Geração de Trabalho e Renda (GTR) e 4. Regularização Fundiária (RF). Essas atividades devem ser trabalhadas de maneira transversal e concomitante, a fim de que possam integrar a ações, fomentando as potencialidades locais e buscando novas alternativas na elevação da qualidade de vida das famílias. (Caderno de Orientação do Trabalho Técnico Social/Ministério das Cidades, 2006). Com as ausências das ações sociais, percebe-se que as trocas, vendas e reformas dos imóveis nos conjuntos habitacionais são compreendidas como práticas de distorção, ou seja, representam comportamentos ou respostas de oposição ao sistema oficial identificado pelos ocupantes de habitações populares. “As práticas de distorção são invisíveis, [pois] implicam engenhosidade, esperteza e discrição possuindo uma racionalidade e lógica próprias.” (VALLADARES, 1978, p.120). Segundo a autora, essas práticas não são comportamentos de favelados ou não favelados; elas permeiam todos os níveis estruturais da sociedade brasileira. “Esses tipos de comportamentos devem ser entendidos como uma adaptação e uma reação dos pobres a sua situação em uma sociedade estratificada, altamente individualista e capitalista.” (VALLADARES, 1978, p.122). Essas constantes trocas, vendas, reformas e transferência das famílias de forma forçada, reforçam a falta de participação dos moradores na concepção dos projetos habitacionais. Segundo os técnicos, os conjuntos habitacionais estudados apresentaram participação popular, porém essa participação ficou reduzida na apresentação do projeto habitacional para comunidade e algumas ações como emissão de documentos que são necessários para encaminhar à Caixa Econômica Federal. A falta de participação popular fortalece a favelização dos conjuntos habitacionais (ANDRADE e LEITÂO, 2006). Os projetos elaborados para famílias provenientes de favelas possuem apenas concepções técnicas, não são levado em consideração às referências simbólicas das famílias. Os técnicos deverão ter a sensibilidade de desenvolver projetos habitacionais para atender as diversidades socioculturais encontrada na favela. Será necessária uma integração entre a equipe técnica e moradores com o objetivo de promover uma troca de conhecimentos. Só assim teremos uma política pública de habitação social participativa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS BASSUL, José Roberto. Estatuto da cidade: quem ganhou? Quem perdeu? Brasília: Senado Federal, 2005. BARREIRA, Irlys, O reverso das vitrines. Conflitos urbanos e Cultura Política. Rio de Janeiro: Editora Rio Fundo, 1992. BRAGA, Elza Maria Franco. Os labirintos da habitação popular: conjunturas, programas e atores. Fortaleza: Demócrito Rocha, 1995. BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Habitação. Déficit Habitacional no Brasil 2006. Brasília: 2008. DAVIS, Mike. Planeta favela. São Paulo: Boitempo, 2006. MACHADO DA SILVA, Luis Antônio. A continuidade do problema da favela. In Oliveira, Lucia Lippi (Org.). Cidade: historia e desafios. Rio de Janeiro: Editora FGV, p.220-237, 2002. PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA. 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