Propensão à Internacionalização: Um Estudo com
Empresas Desenvolvedoras de Software
Autoria: Gilberto Figueira da Silva, Jorge Ferreira da Silva, Luís Antônio da Rocha Dib
Resumo
O estudo compara empresas brasileiras desenvolvedoras de software internacionalizadas com
outras atuantes exclusivamente no mercado doméstico, a fim de identificar se características
da empresa, dos gerentes e da estratégia diferenciam esses grupos. Dados colhidos de uma
amostra de 218 empresas foram submetidos à análise fatorial para redução de dimensões e
analisados por regressão logística binária. Observou-se relação positiva e significativa entre
internacionalização e tamanho da empresa, quantidade de laços internacionais, uso de
estratégia de nicho, posse de vantagem tecnológica e posição de baixo preço; e relação
negativa e significativa entre internacionalização e uso de estratégia de diferenciação.
1
Introdução
A indústria brasileira de software tem suas origens na década de 1960 sob o regime militar.
Considerando a importância do setor para o crescimento e prosperidade do país, o governo
militar elaborou e aprovou uma lei, com base no argumento da indústria nascente, que tinha o
objetivo de proteger os fabricantes de computadores contra a concorrência estrangeira. Apesar
de os desenvolvedores de software não se encontrarem diretamente sob a proteção da lei, a
existência de uma indústria de hardware protegida e vários mecanismos embutidos na lei
facilitaram sua criação e crescimento. Ironicamente, extinta a proteção do mercado, a maioria
das empresas brasileiras que sobreviveu à concorrência estrangeira e prosperou foram
exatamente os desenvolvedores de software. Além disso, novas empresas proliferaram com a
decadência dos fabricantes internacionais de computadores de grande porte, parte derivada da
iniciativa de um grande grupo de engenheiros eletrônicos e de software bem treinados, que
haviam perdido seus empregos e decidiram abrir suas próprias empresas.
A internacionalização da indústria brasileira de software teve início na década de 1990
concomitantemente com a liberalização econômica, muito embora algumas empresas já
tivessem operações incipientes no exterior (principalmente exportações). Tanto as empresas
de software existentes, quanto novas, ingressaram no mercado internacional no bojo dos
avanços da globalização e de outros fatores exógenos, como os avanços nas tecnologias de
comunicação e informação e a redução dos custos de transporte, que permitiram a empresas
menores realizar operações no exterior (Madsen & Servais, 1997; Oviatt & McDougall, 1994,
1995). Esse fenômeno foi particularmente característico da indústria de software, porque
vários de seus produtos podiam ser vendidos, juntamente com os respectivos serviços de
manutenção e pós-venda, por meio da internet.
Este estudo visa, portanto, olhar para o processo de internacionalização da indústria de
software em um mercado emergente: o Brasil. Na verdade, bem poucos estudos sobre esse
tema foram realizados em mercados emergentes (ver, como exceção, Wood et al., 2011). Mais
especificamente, o estudo compara as empresas domésticas e internacionalizadas para
investigar se o posicionamento estratégico da empresa, suas características e as de seus
gestores encontram-se relacionados à escolha de ir para o exterior ou de servir apenas ao
mercado doméstico.
O trabalho está organizado da seguinte forma: após esta seção introdutória, é apresentado o
modelo conceitual e desenvolvidas as hipóteses, com base na literatura existente. Em seguida,
apresenta-se a metodologia adotada no estudo. As seções finais incluem a apresentação e
discussão dos resultados da investigação e as conclusões, bem como as limitações do estudo.
Referencial Teórico e Hipóteses
A revisão da literatura examinou três correntes de pesquisa pertencentes à literatura de
negócios internacionais: em primeiro lugar, examinou a já longa tradição de estudos
comparativos entre características de exportadores e de não exportadores; em segundo lugar,
olhou para os estudos sobre empreendedorismo internacional, uma vez que a maior parte das
empresas estudadas apresenta características empreendedoras; em terceiro lugar, examinou
estudos que analisaram especificamente a internacionalização da indústria de software ou de
outras indústrias de alta tecnologia.
2
O modelo conceitual adotado considera três blocos de variáveis internas à firma como
relacionadas à decisão de internacionalizar-se ou não: características das próprias empresas,
características de seus gestores e características da estratégia seguida pela firma. A Figura 1
apresenta o modelo conceitual geral adotado na pesquisa.
Características da Empresa
Características dos
Gerentes
Características da Estratégia
da Empresa
Empresa Doméstica
vs.
Empresa Internacionalizada
Figura 1: Modelo Conceitual Proposto
A seguir, apresenta-se o desenvolvimento das hipóteses relativas a cada um dos blocos do
modelo, utilizando as variáveis selecionadas a partir da revisão de literatura, com o propósito
de investigar a respectiva influência sobre o fenômeno estudado.
Hipóteses Relacionadas às Características da Empresa
Várias características das firmas têm mostrado diferenciá-las em termos de sua propensão
para a internacionalização (ou para exportar). O tamanho é uma das características mais
frequentemente analisadas na literatura sobre comportamento exportador (Leonidou &
Katsikeas, 2010) e foi medido utilizando diversas variáveis. Cavusgil (1976) argumentou que
o tamanho só influenciaria a decisão de exportar quando a empresa fosse muito pequena. Em
estudo posterior, Cavusgil (1984) considerou que o tamanho não era um antecedente relevante
da propensão a exportar. No entanto, Leonidou (1998), em uma revisão da literatura anterior,
relatou que a quase totalidade dos estudos realizados até então que utilizavam o volume de
vendas como medida de tamanho encontrou forte relação positiva entre essa variável e
engajamento em exportação. Mais recentemente, a literatura sobre empreendedorismo
internacional baseou parte de sua argumentação com relação a novas empresas exportadoras
exatamente no fato de as novas tecnologias de comunicação e informação haverem reduzido
as barreiras para empresas menores se internacionalizarem (por exemplo, Oviatt &
McDougall, 1994, 1995). Existem evidências empíricas de que mesmo micro e pequenas
empresas estariam aptas a ingressar com sucesso em atividades internacionais (Dimitratos et
al., 2003), em particular aquelas que atuam em setores de alta tecnologia, como é o caso de
software (Burgel & Murray, 2000; Crick & Jones, 2000). Assim, o impacto do tamanho
continua a ser objeto de discussão no que se refere a seu impacto sobre a internacionalização,
dependendo da corrente teórica analisada. Consequentemente, formulou-se a seguinte
hipótese de pesquisa, que segue a tendência mais comum na literatura:
H1a. O tamanho da firma está positivamente associado à internacionalização de
desenvolvedores de software.
3
Além disso, o capacidade de inovar também parece estar relacionada à internacionalização da
empresa. Na literatura sobre exportação, Burton e Schlegelmilch (1987) constataram que os
exportadores alocavam mais recursos para pesquisa e desenvolvimento (P&D) do que os não
exportadores. No entanto, Leonidou (1998) não encontrou relação significativa entre gastos
com P&D e a propensão à exportação nos três estudos revisados que utilizaram essa variável.
A literatura sobre empreendedorismo internacional também suporta a relação entre inovação e
internacionalização (Autio, Sapienza & Almeida, 2000; Dimitratos & Plakoyiannaki, 2003;
Knight & Cavusgil, 2004; Zheng & Khavul, 2005). Além disso, Zahra, Matherne e Carleton
(2003:179) verificaram, em sua amostra de empresas de software na Nova Zelândia, que
"gastos com P&D sozinhos não explicam adequadamente o grau de internacionalização das
vendas". Os resultados de vários estudos sobre o impacto dos gastos com P&D na
internacionalização são, portanto, ambíguos. Assim sendo, propõe-se a seguinte hipótese de
pesquisa:
H1b. Os gastos com P&D estão positivamente associados à internacionalização de
desenvolvedores de software.
Uma característica da empresa que recebeu alguma atenção em estudos sobre exportação é
sua localização no território nacional (Leonidou, 1998). Acredita-se que a localização
influencia a internacionalização devido ao reflexo sobre o acesso à informação, acesso ao
transporte (por exemplo, portos, estradas e estações ferroviárias), acesso a redes estrangeiras
etc. No entanto, os resultados relativos ao impacto dessa variável sobre a internacionalização
são ambíguos, provavelmente porque alguns estudos foram feitos em países menores e/ou em
países com pequenas diferenças regionais em termos de infraestrutura. De fato, Zhao e Zou
(2002) argumentaram que, em países como a China, com vasta extensão territorial e
condições precárias de infraestrutura de transporte (como também é o caso do Brasil), a
localização no território nacional impactaria a atividade exportadora das firmas. Os autores
verificaram, no caso de empresas manufatureiras chinesas, que a localização da firma
apresentava alto poder preditivo com relação tanto à propensão a exportar quanto à
intensidade de exportação. Outro estudo, realizado nos Estados Unidos, mostrou que a
localização afetava a exportação, com empresas menores (menos de 20 empregados)
exportando principalmente a partir de centros urbanos (Mittelstaedt & Ward, 2006).
Além disso, outros estudos identificaram que o fato de a empresa estar localizada em um
cluster ou distrito tecnológico poderia ter impacto positivo sobre sua internacionalização,
porque ela se beneficiaria do conhecimento internacional coletivo existente, entre outros
aspectos (Aylward, 2004; Zuchella, 2002). Assim, cada empresa poderia adquirir tanto
conhecimento objetivo, como subjetivo (tácito), de outros membros do cluster, o que
facilitaria a sua internacionalização. Em virtude do exposto, propõem-se as seguintes
hipóteses de pesquisa:
H1c. Diferenças na localização geográfica da empresa no Brasil estão associadas a
diferenças na propensão à internacionalização de desenvolvedores de software.
H1d. A localização da empresa em um cluster de empresas de software (ou em um
distrito tecnológico) está positivamente associada à internacionalização de
desenvolvedores de software.
A literatura fornece grande quantidade de evidências sobre a importância dos laços sociais,
redes ou parcerias entre empresas como antecedente de internacionalização (Ellis & Pecotich,
2001), como antecedente do desempenho das exportações (Babakus, Yavas & Haahti, 2006),
ou como fator crítico para a internacionalização das empresas empreendedoras (Coviello &
Munro, 1995; Harris & Wheeler, 2005; Loane & Bell, 2006; Sadler & Chetty, 2000; Spence,
4
2003). Além disso, Zahra, Matherne e Carleton (2003) constataram que os laços de redes
tecnológicas diferenciavam novos empreendimentos nacionais de internacionais. Baseados
nas fortes evidências existentes na literatura, propõe-se a seguinte hipótese de pesquisa:
H1e. A quantidade de laços em redes em que está inserida uma empresa está
positivamente associada à internacionalização de desenvolvedores de software.
Hipóteses Relacionadas às Características dos Gerentes
Os estudos sobre propensão para exportação, desenvolvimento de exportação e
empreendedorismo internacional sugerem que as características gerenciais são um elemento
chave para entender porque certas empresas se internacionalizam, enquanto outras não,
porque algumas alcançam maior grau de internacionalização do que outras, ou porque
algumas se internacionalizam mais rápido do que suas congêneres (Baker, Gedajlovic &
Lubatkin 2005; Harveston, Kedia & Davis, 2000; Leonidou & Katsikeas, 1996; Leonidou,
Katsikeas & Piercy, 1998; Mtigwe, 2006; Reuber & Fischer, 1997). Embora os resultados não
sejam de forma alguma consistentes, com alguns estudos mostrando uma relação positiva
entre internacionalização e características gerenciais, outros uma relação negativa e outros
ainda não encontrando nenhuma relação, a importância das características dos gerentes para a
internacionalização está bem estabelecida na literatura.
Um número substancial de estudos sugere que a experiência internacional anterior é um dos
fatores-chave na internacionalização da empresa (Bloodgood, Sapienza & Almeida, 1995;
Cavusgil, 1982; Moon & Lee, 1990; Navarro et al., 2010). Constatou-se que a experiência
internacional também distinguia novos empreendimentos internacionais daqueles que
optavam por atuar apenas no mercado doméstico (McDougall, Oviatt & Shrader, 2003;
Shrader, Oviatt & McDougall, 2000). A experiência internacional pode ser obtida trabalhando
ou estudando no exterior, ou mesmo trabalhando em empresas multinacionais em seu próprio
país (Oviatt & McDougall, 1994, 1995). No entanto, Zahra (2005) adverte que a experiência
internacional não é necessariamente positiva ou benéfica para a internacionalização.
Considerando a maior tendência na literatura por ver a experiência internacional prévia como
antecedente da internacionalização (sob a forma de exportação ou qualquer outra), foi
formulada a seguinte hipótese de pesquisa:
H2a. A experiência internacional dos gestores está positivamente associada à
internacionalização de desenvolvedores de software.
A literatura sobre comportamento e desempenho exportador deu alguma atenção ao construto
de orientação para o mercado exportador (por exemplo, Cadogan, Diamantopoulos & Siguaw,
2002). Cadogan, Cui e Li (2003), examinando a orientação para o mercado exportador de
empresas fabricantes sediadas em Hong Kong, identificaram que a orientação para o mercado
era um forte antecedente de vários aspectos do desempenho em exportação. Vários estudos no
campo do empreendedorismo internacional também encontraram uma relação entre a
orientação internacional e a internacionalização (Oviatt & McDougall, 1995; Rialp, Rialp &
Knight, 2005). Jones e Coviello (2005) indicaram que vários estudos enfatizaram a visão do
empreendedor, ou seja, o valor por eles atribuído à internacionalização, como fator relevante
para a escolha de atividades internacionais. Em decorrência, propõe-se a seguinte hipótese de
pesquisa:
H2b. A orientação internacional dos gerentes está positivamente associada à
internacionalização de desenvolvedores de software.
As aspirações gerenciais são há muito objeto de interesse dos pesquisadores, sobretudo para
entender o comportamento exportador das empresas. Bilkey (1978) já havia observado que as
5
aspirações e expectativas dos gerentes eram um dos elementos a distinguir exportadores e não
exportadores. Por sua vez, Cavusgil e Nevin (1981) verificaram que as expectativas dos
gerentes relacionadas a oportunidades de crescimento, risco e lucros afetavam
significativamente o comportamento exportador. No entanto, analisando a literatura
abrangendo o período 1960-1995, Leonidou, Katsikeas e Piercy (1998) mostraram que a
maioria dos trabalhos revisados não encontrou uma relação positiva e significativa entre a
propensão à exportação e tolerância ao risco, nem uma relação negativa com a percepção de
risco. No entanto, verificaram que percepções de lucros e de crescimento tendiam a ser
positivamente associadas à propensão a exportar e ao desenvolvimento das exportações. A
literatura sobre empreendedorismo internacional também apoia a ideia de que os empresários
que vão se internacionalizar e aqueles que se internacionalizam mais rápido são mais capazes
de visualizar novas oportunidades em mercados estrangeiros (Andersson, 2000; Oviatt &
McDougall, 2005; Zahra & George, 2002) e são mais tolerantes ao risco (Harveston, Kedia &
Davis, 2000; Dimitratos & Plakoyiannaki, 2003). Propõem-se, em decorrência, as seguintes
hipóteses de pesquisa:
H2c. Percepções gerenciais sobre oportunidades de crescimento com a
internacionalização estão positivamente associadas à internacionalização de
desenvolvedores de software.
H2d. Percepções gerenciais sobre a internacionalização ser uma opção lucrativa
para a empresa estão positivamente associadas à internacionalização de
desenvolvedores de software.
H2e. Percepções gerenciais sobre a internacionalização ser uma opção de baixo risco
estão positivamente associadas à internacionalização de desenvolvedores de software.
Hipóteses Relacionadas às Características da Estratégia da Empresa
A estratégia da empresa também está relacionada à internacionalização da empresa, uma vez
que diferentes estratégias possibilitam às empresas estarem mais ou menos preparadas para
aproveitar as oportunidades, enfrentar riscos ou alcançar o sucesso nos mercados
internacionais. Em geral, a literatura sobre empreendedorismo internacional sugere que várias
opções estratégicas podem ajudar as empresas empreendedoras a se internacionalizar.
Normalmente, as empresas empreendedoras menores podem ter sucesso em mercados
internacionais com mais facilidade se elas operam em nichos (Chetty & Campbell-Hunt,
2004; Gabrielsson, Sasi & Darling, 2004; Zucchella, 2002). Em alguns casos, os autores
descobriram que as estratégias de nicho são combinadas a amplo escopo (alguns clientes em
vários mercados). Sendo assim, propõem-se as seguintes hipóteses de pesquisa:
H3a. O uso de estratégias de nicho está positivamente associado à internacionalização
de desenvolvedores de software.
H3b. O uso de estratégias de nicho combinado a amplo escopo está positivamente
associado à internacionalização de desenvolvedores de software.
Comparado com novos empreendimentos domésticos, os novos empreendimentos
internacionais fazem maior uso de estratégias de diferenciação (McDougall, Oviatt & Shrader,
2003). Além disso, a literatura sobre empreendedorismo internacional descobriu que a rápida
internacionalização também está associada ao uso de estratégias de diferenciação como fonte
de vantagem competitiva (Bloodgood, Sapienza & Almeida, 1996; Evangelista, 2005). Ainda,
as vantagens tecnológicas podem ajudar a empresa a se tornar um player internacional
(Knight & Cavusgil, 2004; Chetty & Campbell-Hunt, 2004). Portanto, foram propostas as
seguintes hipótese de pesquisa:
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H3c.O uso de estratégias de diferenciação está positivamente associado à
internacionalização de desenvolvedores de software.
H3d.A posse de vantagens tecnológicas sobre a concorrência está positivamente
associada à internacionalização de desenvolvedores de software.
Por outro lado, a evidência empírica de empresas indianas de software (Kundu e Renko,
2005) sugere que uma estratégia de preços baixos também pode ser bem sucedida em
promover a internacionalização, especialmente se as empresas vêm de mercados emergentes.
Propõe-se, portanto, a hipótese que:
H3e. O uso de estratégias de baixo custo está positivamente associado à
internacionalização de desenvolvedores de software.
Há um debate duradouro na literatura de marketing internacional sobre se as empresas devem
considerar adotar uma estratégia de marketing padronizado ou adaptar o produto às
características específicas de um país estrangeiro. Recentemente, Erdogmus, Bodur e Yilmaz
(2010) analisaram esta questão sob a perspectiva das empresas de mercados emergentes. No
caso da indústria de software, a questão é muito importante, especialmente quando se
considera se o produto é padronizado ou customizado, isto é, adaptado para atender às
necessidades de cada cliente específico. Acredita-se que é mais fácil internacionalizar um
produto que pode ser padronizado (mesmo com adaptações para os idiomas locais e os
requisitos legais) do que quando um produto precisa ser customizado para atender às
necessidades de cada cliente. Assim, propõe-se que:
H3f. O grau de customização dos produtos da empresa está negativamente associado
à internacionalização de desenvolvedores de software.
Metodologia de Pesquisa
O estudo é baseado em uma survey com empresas que operam na indústria de software
brasileira. A população-alvo do estudo é baseado em uma lista de 1.248 desenvolvedores de
software compilados pelos autores a partir de cerca de 50 fontes oficiais (órgãos
governamentais federais e estaduais, associações de software etc.) Empresas com capital
estrangeiro, e aqueles que eram apenas distribuidores de software foram excluídos da lista.
O instrumento de coleta de dados incluiu tanto perguntas objetivas quanto perceptuais, usando
escalas do tipo Likert e de diferencial semântico de 5 pontos. As escalas foram construídas a
partir da revisão de literatura. Na fase de pré-teste buscou-se identificar como os respondentes
usavam as escalas de respostas possíveis para cada variável. De acordo com o resultado,
foram alterados alguns formatos da escala, as alternativas de respostas, as quantidades de
opções e o uso das palavras em cada opção ou pergunta. O questionário foi publicado na
internet e todas as empresas da lista foram convidadas por e-mail a participar do estudo.
A amostra final foi composta por 79 empresas internacionalizadas e 139 empresas nacionais
(um total de 218 questionários válidos, sem os valores ausentes), o que representa uma taxa de
resposta total de cerca de 18%. Para verificar um potencial viés de não resposta, compararamse as respostas das empresas que compunham o primeiro quartil de respondentes com as de
empresas que compunham o último quartil, testando-se as médias para um subconjunto
selecionado de variáveis consideradas relevantes: faturamento, ano de fundação e número de
executivos da empresa. O teste utilizado foi o “teste t independente” e não pôde ser rejeitada a
hipótese de que as médias das empresas de cada quartil para as diversas variáveis fosse a
mesma.
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Tabela 1
Teste para Determinar Viés de Não Resposta
Teste de Levene para
a igualdade de
variâncias
Teste-t para a igualdade de médias
95% Intervalo de
Diferença Diferença no confiança da diferença
das médias erro padrão
Inferior
Superior
gl
Sig. (2caudas)
0,466
0,593 108
0,554
1481,818
0,278
0,599
-0,551 108
0,583
-0,655
1,189
-3,011
1,702
2,452
0,120
1,059 108
0,292
1,891
1,785
-1,648
5,430
F
Sig.
Faturamento
0,535
Fundação
N°. de
Executivos
t
2496,934 -3467,539 6431,175
Também foi conduzida uma ANOVA considerando todas as variáveis respondidas pela
totalidade das empresas na amostra e novamente não foi possível apontar diferenças de
médias significativas entre as empresas que responderam primeiro e as que responderam ao
final do período da pesquisa. Os testes foram feitos com a amostra válida que incluía tanto
empresas puramente domésticas como empresas internacionalizadas, ou seja, com 218
observações no total.
Todos os questionários foram preenchidos pelos gestores de topo; em quase 80% dos casos, o
entrevistado foi o empresário que criou a empresa. O questionário abrangeu três grupos de
questões: características da empresa, dos gerentes e da estratégia da empresa.
A variável dependente foi dicotômica: se a empresa realizava atividades internacionais ou
não. As tabelas 2, 3 e 4 apresentam as variáveis independentes utilizadas no estudo e sua
operacionalização.
Tabela 2
Variáveis Relacionadas às Características da Empresa
Variável
Rótulo da Variável
Operacionalização
Tamanho da empresa
Tamanho
Faturamento anual (em milhões de R$)
Intensidade de gastos com
P&D
Inovação
% de gastos com P&D em relação aos gastos totais
Localização geográfica da
matriz no Brasil
Região
Cinco variáveis dummy, uma para localização em
cada região do país (0=não, 1=sim)
Localização em cluster de
software
Cluster
Variável dummy (0=não, 1=sim)
Uso de parcerias
Parcerias
Variável dummy (0=não, 1=sim)
Parcerias Nacionais
Parc.Nacion
Nº de parcerias nacionais (domésticas)
Parcerias Internacionais
Parc.Internac
Nº de parcerias internacionais
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Tabela 3
Variáveis Relacionadas às Características dos Gerentes
Variável
Rótulo da Variável
Operacionalização
Experiência de trabalho
internacional
Exp.Internac
% de executivos com experiência de trabalho
internacional
Experiência de trabalho em
EMN
Exp.EMN
% de executivos com experiência de trabalho em
subsidiárias de EMN no Brasil
Educação Superior no
Exterior
Educ.Internac
% de executivos com educação superior em país
estrangeiro
Orientação internacional
Orientação
Escala Likert de 5 pontos (de 1=discordo totalmente a 5
= concordo totalmente)
Internacionalização como
oportunidade de crescimento
Crescimento
Escala Likert de 5 pontos (de 1=discordo totalmente a 5
= concordo totalmente)
Internacionalização como
opção lucrativa
Lucratividade
Escala Likert de 5 pontos (de 1=discordo totalmente a 5
= concordo totalmente)
Percepção de risco com a
internacionalização
Risco
Escala Likert de 5 pontos (invertida nessa questão) (de
5=discordo totalmente a 1= concordo totalmente)
Tabela 4
Variáveis Relacionadas às Características da Estratégia da Empresa
Variável
Rótulo da Variável
Operacionalização
Uso de estratégia de nicho
Nicho
Escala Likert de 5 pontos (de 1=discordo totalmente a
5=concordo totalmente)
Uso de estratégia de nicho
com amplo escopo
Nicho.Escopo
Escala Likert de 5 pontos (de 1=discordo totalmente a
5=concordo totalmente)
Uso de estratégia de
diferenciação de produto
Diferenciação
Escala Likert de 5 pontos (de 1=discordo totalmente a
5=concordo totalmente)
Posse de vantagens
tecnológicas
Vantag.Tec
Escala Likert de 5 pontos (de 1=discordo totalmente a
5=concordo totalmente)
Uso de estratégia de preço
baixo
Posic.Preço
Escala Likert de 5 pontos (de 1=muito menor a 5 =
muito maior)
Grau de customização de
produtos
Customização
% do faturamento com produtos customizados
Uma análise fatorial exploratória foi conduzida com o objetivo de reduzir o número de
variáveis. Procedeu-se à análise da matriz de correlação, identificando-se um número razoável
de correlações significativas com coeficiente maior que 0,30. Os resultados do teste de
esfericidade de Bartlett e do teste de KMO global mostraram adequação do método com
relação à estrutura de dados. Além disso, um exame da matriz anti-imagem, não mostrou
MSAs (Measures of Sampling Adequacy) individuais inferiores a 0,5.
As análises permitiram seguir com a extração dos fatores. Foi utilizado o método de
componentes principais com rotação varimax; foram extraídos os fatores com eigenvalue
superior a 1. Foram consideradas as cargas fatoriais maiores que 0,5. Foram identificados três
fatores (Tabela 5). Ao fator 1 se atribuiu o nome de Propensão Positiva, ao fator 2
Experiência Internacional e ao fator 3 Oferta de Nicho.
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Tabela 5
Matriz Componente Rotacionada
Variáveis
Fatores
1
2
Exp.Internac
,755
Exp.EMN
,568
EducInternac
,726
Orientação
,833
Crescimento
,821
Lucratividade
,726
3
Nicho
,811
Nicho.Escopo
,678
Em seguida, as variáveis foram testadas para verificar as premissas de normalidade
(Kolmogorov-Smirnoff) e homocedasticidade (teste de Levene). Nenhuma das variáveis
apresentou distribuição normal e a maioria das variáveis não passou no teste de Levene. Em
decorrência, uma vez que a análise utiliza variável dependente dicotômica, decidiu-se utilizar
a regressão logística binária em vez da análise discriminante, já que essa última é muito
sensível a violações de normalidade e homocedasticidade.
Resultados
Os resultados da regressão logística binária usando os métodos de estimação simultâneo (i.e.
enter), avançar em etapas (i.e. forwardaddition) e retroceder em etapas (i.e.
backwardelimination) são apresentados na Tabela 6.
O método simultâneo apresentou um melhor fit global, considerando-se as estatísticas R2de
Cox & Snell, R2 de Nagelkerke e de Hosmer & Lemeshow. O método simultâneo também
apresentou uma melhor acurácia de predição (i.e. percentagem de casos corretamente
classificados) nos casos de empresas que se internacionalizaram (objeto desse estudo). Por
essas razões, foram utilizados os resultados do método simultâneo como base para a análise.
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Tabela 6
Resultados da Regressão Logística Binária
Método
Simultâneo
(Enter)
Avançar em
Etapas
Retroceder
em Etapas
18
5
6
80,245
104,085
100,343
Cox & Snell
0,451
0,393
0,410
Nagelkerke
0,625
0,545
0,569
Qui-quadrado
6,823
7,781
8,644
Sig.
0,556
0,455
0,373
Total de empresas
82,1%
82,8%
85,1%
Empresas
internacionalizadas
66,7%
64,4%
68,9%
Total de empresas
71,4%
71,4%
71,4%
Empresas
internacionalizadas
58,8%
52,9%
52,9%
Nº de variáveis
-2LL
Medidas de
adequação (Fit)
do Modelo
Pseudo R2
Hosmer
&Lemershow
Análise
(60%)
% de casos
corretamente
classificados
Validação
(40%)
A Tabela 7 apresenta a matriz completa de classificação para o modelo de regressão logística
binária, utilizando o método simultâneo de estimação.
Tabela 7
Matriz de Classificação (método simultâneo)
Agrupamento Previsto pelo Modelo
Empresa
International
% de
classificação
correta
Empresa
Doméstica
Empresa
International
% de
classificação
correta
Empresa
Doméstica
Empresa
International
Percentagem Global de Acerto
(Hit Ratio)
Agrupamento
Observado
Amostra de Validação
Empresa
Doméstica
Amostra de Análise
80
9
89,9
40
10
80,0
15
30
66,7
14
20
58.8
82,1
71,4
Somente três variáveis alcançaram nível de significância inferior 0,10 e outras três variáveis
alcançaram nível de significância inferior a 0,05 (Tabela 8). Todas as demais variáveis não
foram significativas para diferenciar uma empresa doméstica de uma empresa
internacionalizada.
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Tabela8
Parâmetros Estimados pelo Modelo (variáveis com p ≤ 0,10)
Variável
B
S.E.
Wald
Sig.
Exp(B)
Relacionada às Características da Empresa:
Tamanho
0,054
0,030
3,251
0,071
1,056
Parc.Internac
1,051
0,310
11,475
0,001
2.859
Relacionada às Características da Estratégia da Empresa:
Estrat.Nicho
0,498
0,299
2,770
0,096
1,645
Diferenciação
-1,192
0,359
11,025
0,001
0,304
Vantag.Tec
0,584
0,355
2,702
0,100
1,792
Posic.Preço
-1,039
0,354
8,623
0,003
0,354
Duas variáveis relacionadas às características da empresa foram significativas e mostraram
uma associação positiva com a internacionalização: tamanho e os laços internacionais da rede
da empresa. Conformea hipótese (H1a), o tamanho está positivamente associado à
internacionalização: quanto maior volume de vendas da empresa, maior a chance de ser uma
empresa internacional. A mudança em uma unidade (equivalente a um milhão de reais),
aumenta a probabilidade em 5,6%. Esse resultado é consistente com as pesquisas sobre
comportamento exportador, mas não está de acordo com algumas pesquisas realizadas com
empresas born globals em setores de alta tecnologia. Contudo, o presente trabalho de pesquisa
não distinguiu empresas que se internacionalizaram logo após sua fundação daquelas que se
internacionalizaram em fase mais tardia de seu ciclo de vida.
A quantidade de laços internacionais da empresa (Hipótese H1e) mostrou uma forte
associação com a internacionalização. Uma mudança de uma unidade no número de parcerias
da empresa aumenta em 185,9% a chance de se tratar de uma empresa internacional. Vale
ressaltar, contudo, que este resultado deve ser interpretado com cuidado. Não se pode concluir
que as parcerias internacionais são um antecedente de internacionalização, uma vez que as
parcerias internacionais podem ter ocorrido após a internacionalização. As demais variáveis
(hipóteses H1b, H1c e H1d) não apresentaram relação significativa, não possibilitando afirmar
a existência de influência dessas variáveis sobre a chance de a empresa estar
internacionalizada.
Nenhuma das variáveis relacionadas às características dos gerentes apresentou relação
significativa (hipóteses H2a, H2b, H2c, H2d e H2e) o que nos impede de afirmar a existência
de alguma influência dessas variáveis sobre a chance de a empresa ser internacionalizada.
Por fim, com exceção do grau de customização dos produtos (H3f) que não apresentou
relação significativa, as demais variáveis relativas às características da estratégia da empresa
examinadas neste estudo apresentaram relações significativas em sua influência sobre a
chance de uma empresa estar internacionalizada. Contudo, em um caso os resultados foram no
sentido contrário ao esperado: no que se refere ao uso de estratégias de diferenciação, que
apresentou relação negativa com a internacionalização.
No caso da adoção de estratégia de nicho (H3a+H3b: escala somada construída a partir da
média das variáveis Nicho e Nicho.Escopo) a hipótese foi confirmada. Para cada aumento de
uma unidade na escala relativa, há 64,5% mais chance da empresa estar internacionalizada. A
posse de vantagens tecnológicas (H3d) também apresentou relação positiva conforme
proposto na hipótese. Para cada aumento de uma unidade na escala relativa, há 79,2% mais
chance de a empresa estar internacionalizada.
12
O uso de estratégia de diferenciação (H3c) apresentou resultado contrário ao esperado. Para
cada aumento de uma unidade na escala relativa, há uma redução de 69,6% na chance de a
empresa estar internacionalizada, sugerindo que a diferenciação tem influência negativa sobre
a propensão de a empresa estar internacionalizada. Por fim, houve confirmação da hipótese
formulada sobre a adoção de estratégia de baixo preço (H3e). Para cada aumento de uma
unidade na escala relativa, há uma redução de 64,6% na chance de a empresa estar
internacionalizada, sugerindo que o aumento do preço em relação à concorrência tem uma
influência negativa sobre a propensão de a empresa estar internacionalizada.
Pode-se inferir, então, pela combinação dos dois resultados, que a adoção de uma estratégia
de baixo preço e padronização aumentaria as chances de a empresa estar internacionalizada.
Essa inferência é conflitante com a influência das variáveis adoção de estratégia de nicho e
posse de vantagens tecnológicas, que, em princípio, tenderiam a estar associadas a estratégias
de diferenciação e preço superior, mas não a estratégias de não diferenciação e preço inferior
ao da concorrência.
Conclusões
Os resultados da pesquisa sugerem que determinadas características da empresa (tamanho e
networking internacional) podem estar associada ao fato de a empresa se internacionalizar ou
permanecer atuando apenas no mercado doméstico.
Ademais, no caso das variáveis estratégicas, o uso de estratégias de nicho, a posse de
vantagem tecnológica, uma posição de baixo preço relativo e a não adoção de uma estratégia
de diferenciação aumentam a chance de se tratar de uma empresa internacional. Esse último
resultado foi inesperado. Pode-se supor que as empresas, apesar de terem vantagens
tecnológicas percebidas, decidiram, face às possíveis barreiras psicológicas, de capacidade
gerencial, ou de prospecção de mercado, adotar uma estratégia intuitivamente mais segura,
combinando baixo preço, padronização e atuação em mercados de nicho. Outra possibilidade
seria o fato de a alta diferenciação do produto possibilitar maiores oportunidades no grande
mercado doméstico brasileiro, contribuindo, portanto, para a redução do interesse das
empresas em entrar em mercados externos. Também é possível que maior diferenciação de
produto, no caso de desenvolvedores de software, implique maior necessidade de
customização, que dificulta a internacionalização. De qualquer forma, esses resultados
sugerem a necessidade de investigação mais detalhada do problema.
O estudo apresenta várias limitações, incluindo a falta de uma lista completa da população
alvo, a baixa taxa de resposta obtido no estudo, e o viés potencial causado pelo fato de as
diferenças observadas entre os dois grupos poderem resultar, em alguma medida, do fato de
que parte das empresas já era internacional e poderia ter mudado certas características
examinadas depois de sua entrada em mercados externos (ou seja, viés ex post facto). Novas
pesquisas poderão contribuir para melhor entendimento dessas questões relacionadas à
internacionalização de empresas brasileiras de software.
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