Daniela Cristina Barros de Souza, Profª Drª Elisa Tomoe Moriya Schlünzen.
Faculdade de Ciências e Tecnologia – Unesp de Presidente Prudente. FAPESP.
DEFICIÊNCIA MENTAL NA ESCOLA REGULAR: ANÁLISE DE EXPERIÊNCIAS.
Em termos de educação atual, muito se tem falado acerca da inclusão escolar
das pessoas com algum tipo de deficiência ou características que as diferenciem
das pessoas que se encaixam nos padrões de “normalidade” estabelecidos pela
sociedade. O sistema educacional se abriu para uma educação que pretende
atender a totalidade da população, ou seja, propôs uma escola de acesso a todos,
sem nenhuma distinção. É pertinente ressaltar que a inclusão encontra respaldo nas
leis nacionais, desde a constituição de 1988 como também na lei de diretrizes e
bases da educação nacional (LDBEN) - lei 9394/96.
Conscientes disso, gestores, professores e pais têm buscado esclarecer os
processos que envolvem a inclusão para que esta, de fato, ocorra, uma vez que em
termos de leis educacionais, ela está assegurada. A problemática atual está na
maneira como a inclusão acontece na prática, uma vez que profissionais
diretamente ligados a esta questão, como secretários, coordenadores pedagógicos,
professores, entre outros, assumem que a inclusão poderá ocorrer se a prática
pedagógica for revista.
De acordo com Omote (2004), já há muito sobre educação inclusiva nos
discursos educacionais. O que se busca, agora, é encontrar “debates baseados em
argumentos cientificamente defensáveis com as evidências empíricas
criteriosamente registradas” (p.3). Dessa forma, visa-se analisar realmente quais as
mudanças introduzidas no cotidiano escolar relativamente à inclusão, em outras
palavras, é necessário estudar as experiências de inclusão, revendo em que medida
tiveram êxito (e através de qual estratégia isso se deu) ou não.
É necessário explicitar que falar em inclusão escolar envolve abranger
diferenciados grupos discriminados na sociedade: jovens em situação de risco,
menores abandonados, afro-descendentes, pessoas com deficiências ou com
superdotação, entre muitos outros. Percebe-se, porém, que é a inclusão de pessoas
com algum tipo de deficiência que tem causado maior discussão no ambiente
educacional e pensando ser esta uma temática pertinente e relevante, trago-a para a
problematização em termos de pesquisa.
A inclusão de pessoas com deficiências, quer no aspecto social, escolar,
digital, entre outros, adquiriu importância para mim no decorrer da minha graduação,
especificamente no curso de licenciatura em Pedagogia da Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (FCT/UNESP) de Presidente
Prudente como também por experiências anteriores, por meio de contatos com
amigos e parentes que possuem algum tipo de deficiência. Uma vez sendo uma
área de interesses, passei a buscar embasá-la com prática e teoria através de
estágios específicos e de participação em grupo de pesquisa1. Contudo, imersa
1
O grupo de pesquisa ao qual me refiro é “Ambientes Potencializadores para a Inclusão (API)”,
devidamente cadastrado no CNPq cujas investigações estão relacionadas à Educação Inclusiva,
Informática aplicada à Educação e Formação de Professores.
nessa vastidão de temáticas abordando a inclusão, fez-se necessário efetuar um
recorte em termos de investigação, levando-me a perceber que durante meus
estudos o que se destacou como real problemática para mim foi a questão das
pessoas com deficiência mental ou atraso cognitivo.
De acordo com Krynski (1969), a deficiência mental caracteriza-se por um
funcionamento intelectual significativamente inferior à média, acompanhado de
limitações sensíveis do funcionamento adaptativo em pelo menos duas das
seguintes áreas de habilidades: comunicação, autocuidados, vida doméstica,
habilidades sociais, relacionamento interpessoal, uso de recursos comunitários,
auto-suficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança.
Ainda que considerando tais aspectos, a pessoa com deficiência mental deve
ter suas potencialidades trabalhadas em detrimento da análise apenas de suas
impossibilidades. Fica claro que seu ritmo de desenvolvimento é mais lento que o
das pessoas “normais”, apresentando dificuldades bem elevadas, ou seja, sendo
bastante difícil, para eles, resolver problemas abstratos. Tal fato, porém, não impede
que se desenvolva no campo social, educacional, entre outros.
Baseada nestas classificações e por meio de um estágio focado no uso de
tecnologias de informação e comunicação (TIC)2 para a inclusão das pessoas com
deficiência mental, tive contato com dois jovens por um período de
aproximadamente dois anos em que realizei um acompanhamento como promotora
da aprendizagem destes em um projeto3, em que atuava como estagiária. Essa
experiência possibilitou-me perceber que tais sujeitos, apesar de suas dificuldades,
apresentavam conhecimentos bastante significativos em termos de alfabetização e
que diante das atividades do computador conseguiam efetuá-las bem, levando-me a
questionar porque não estiveram e não estão incluídos em nenhuma escola regular
de ensino.
Cabe salientar que os sujeitos já tiveram ou têm acesso aos serviços
prestados por instituições de apoio às pessoas com deficiências, o que contribuiu
para que fossem alfabetizados e tivessem contato com outras disciplinas
“escolares”. Mesmo assim, a partir da definição do que é educação, a constituição
federal não admite o oferecimento de ensino fundamental em local que não seja
escola. Essas instituições de educação especial já foram centros, os únicos lugares
onde as pessoas com deficiências, não contempladas na constituição anterior a
1988, teriam acesso à educação, ainda que no âmbito da assistência. A nova
LDBEN, portanto, permite uma nova interpretação do que é “educação especial”,
tomando-a agora como um atendimento educacional especializado, responsável por
2
“Nome dado a equipamentos, redes e aplicativos que se articulam para processar, armazenar e
comunicar informação e conhecimento”. (GESAC, 2004)
3
Um dos projetos referentes ao Grupo API é o “Acompanhamento”, em que utilizamos recursos das
TIC como ferramentas potencializadoras de habilidades para trabalhar com sujeitos dos mais
diversos tipos de deficiências para melhorar o seu desenvolvimento em termos de aprendizagem,
bem como para promover sua inclusão digital, escolar e social. A metodologia de trabalho que
empregamos parte da abordagem construcionista, que propõe que para que haja uma aprendizagem
significativa o aluno participe da construção do conhecimento, agindo sobre algo que parte do seu
contexto de interesses (VALENTE, 1991).
garantir que sejam reconhecidas e atendidas as peculiaridades de cada aluno com
deficiência e não mais como a responsável por garantir o ensino às pessoas com
deficiências.
A tendência atual é que o trabalho da educação especial garanta a
todos os alunos com deficiência o acesso à escolaridade, removendo
barreiras que impedem a freqüência desses alunos às classes
comuns do ensino regular. Assim sendo, a educação especial passa
a ser entendida como modalidade que perpassa, como complemento
ou suplemento, todas a etapas e níveis de ensino. Esse trabalho é
constituído por um conjunto de recursos educacionais e de
estratégias de apoio colocados à disposição dos alunos com
deficiência,
proporcionando-lhes
diferentes
alternativas
de
atendimento, de acordo com as necessidades de cada um.
(procuradoria federal dos direitos do cidadão, 2004, p.11).
Pode-se dizer, portanto, que esse novo conceito para educação especial
supera a idéia de que ela poderia substituir os serviços educacionais comuns. Ainda
que algumas crianças, adolescentes e jovens apresentem diferenças bastante
significativas, essas pessoas têm direito à educação em um ambiente que não seja
segregado. Estabelece-se, assim, que o direito ao atendimento educacional
especializado previsto nos artigos 58, 59 e 60 da ldben (lei 9394/96) e também na
constituição federal, não substitui o direito à educação oferecida em classe comum
da rede regular de ensino, mas funciona como um complemento, podendo comparálo como similar aos cursos de artes, informática, línguas, esportes, tendo o único
diferencial que o atendimento especializado é tão importante para as pessoas que
têm algum tipo de deficiência que é garantido pela própria constituição federal.
Levando em conta tais aspectos, vale ressaltar que as experiências dos
sujeitos em instituições especializadas, ainda que tenham tido contato com
conteúdos escolares, não pode ser considerada como inclusão. Dessa forma, para
analisar as causas da “exclusão” desses sujeitos do ambiente escolar, fez-se
necessário debruçar sobre as tentativas de inclusão desses alunos na rede regular
de ensino.
Foi necessário investigar na prática a concepção de educação que cada uma
das escolas “adota” em seu próprio contexto de atuação e se está coerente com
aquilo que é proposto para a educação nacional, uma vez que a inclusão provoca
mudanças nessa concepção ou mesmo revisões, podendo causar variações até
mesmo nos objetivos da educação escolar.
Ressalta-se que ambos os sujeitos da investigação estão na idade adulta e
em conseqüência da idade, das dificuldades inerentes à deficiência e da falta de
propostas palpáveis para uma efetiva inclusão na época, os sujeitos vivenciaram
algumas experiências mal sucedidas de inclusão em sua infância e adolescência,
muitas vezes por um período de apenas dias. Na realidade, vieram a experimentar
um maior contato com salas regulares, com alunos “sem deficiência” depois de
adultos, em projetos de educação de jovens e adultos (EJA) ou supletivos. Uma vez
que esse tipo de ensino possui módulos referentes ao ensino fundamental (1ª a 4ª
série), seria possível pensar em uma efetiva inclusão desses sujeitos em sala.
Entretanto, assim como das outras vezes, a inclusão escolar não ocorreu.
Dessa forma, o foco dessa pesquisa foi investigar como foram essas
experiências de inclusão escolar e o que ocorreu, focando nas problemáticas que
inviabilizaram sua efetivação. Para isso, optei por fazer um resgate no discurso por
parte dos professores expondo suas dificuldades e justificativas, levando em
consideração os relatos do processo pelos pais e encontrando respaldo e subsídios
para analisar tais fatores dentro da própria lei e das propostas pedagógicas
disponíveis para viabilizar a inclusão escolar de pessoas com deficiência mental.
Parti do pressuposto de que se há documentos nacionais que expõem como
deve ser incluído um aluno, ainda que ele tenha um alto grau de comprometimento,
talvez o processo de tentativas de inclusão de pessoas que apresentam um alto
grau de dificuldades, as consideradas diagnosticamente com deficiência mental,
também pudesse ter encontrado um bom respaldo. Conseqüentemente analisei dois
casos, um que o sujeito, de acordo com avaliações médicas possui apenas um leve
atraso cognitivo. Já outro sujeito possui uma síndrome rara, de variação do autismo,
acompanhada de um quadro de grave deficiência mental, também diagnosticada
clinicamente e que, em ambos os casos, os sujeitos não conseguiram ser incluídos
na escola mais do que apenas por um curto período de tempo. Para isso, meus
objetivos iniciais eram:
Analisar as experiências/tentativas de inclusão escolar de dois sujeitos com
deficiência mental, sob a ótica da família e dos educadores que participaram do
processo, relatando quais fatores contribuíram para que os sujeitos não fossem
incluídos.
Como específicos:
- Analisar a concepção de inclusão escolar dos profissionais envolvidos,
contrapondo com sua prática e os fatores que inviabilizaram essa inclusão;
- Pesquisar a opinião dos professores envolvidos diante da situação de
inclusão escolar dos sujeitos da pesquisa;
- Verificar a postura e opinião dos responsáveis diante do quadro de inclusão
ou “não inclusão” de seus filhos no ambiente escolar.
- Identificar nos discursos por parte dos profissionais, professores e
responsáveis fatores que esclareçam a “não inclusão” dos sujeitos, permitindo notar
os problemas acerca do processo inclusivo dos mesmos.
- Analisar e comparar em que medida o grau de comprometimento intelectual
dos sujeitos em cada caso contribuiu para dificultar ou para facilitar o processo de
inclusão, de acordo com a opinião dos professores.
A partir dessa experiência, procurei sanar algumas dúvidas sobre o processo
de inclusão escolar de pessoas com deficiência mental na prática considerando
principalmente os discursos dos professores (sobre suas dificuldades e sua prática
pedagógica), dos responsáveis pelos sujeitos e dos próprios sujeitos. Objetivei, ao
final, comparar e analisar também se as tentativas no processo de inclusão escolar
dos mesmos tiveram diferenças significativas por terem grau de comprometimento
intelectual diferenciado. Em suma, a análise partiu de situações já ocorridas
resgatando nessas experiências os reais dificultores para que a inclusão escolar
realmente ocorresse no caso dos dois sujeitos citados, que chamarei de A e de O.
O sujeito A foi diagnosticado clinicamente, em fevereiro de 2003, como
portador da Síndrome de Asperger com suspeita desde agosto de 1998.
A Síndrome de Asperger é uma forma de autismo, uma inaptidão que afeta o
modo de uma pessoa se comunicar e relacionar com outros. Pode ser considerado
como acompanhado de deficiência mental porque, apesar de em alguns casos
apresentar uma “sobre inteligência”, na maioria das vezes expressa algumas
características próprias com comprometimento intelectual.
Após passar por avaliação e acompanhamento psiquiátrico, o quadro
psicopatológico de A o levou a variados exames em que os dados coletados,
finalmente, foram dados como sendo consistentes da Síndrome de Asperger,
assinados por um geneticista clínico quando o sujeito já tinha 25 anos. Na época da
pesquisa, (2006) ele estava com 29 anos, o que permite concluir que durante toda a
vida o sujeito foi tratado como tendo apenas uma deficiência mental (por suas
características de comprometimento intelectual também decorrentes da síndrome),
mas sem conseguir ser fechado em laudos precisos.
Já o sujeito O, de acordo com documentos fornecidos por sua mãe, foi
diagnosticado clinicamente através de perícia médica como tendo deficiência mental
leve/moderada, reafirmando um diagnóstico realizado anos antes através de uma
instituição especializada onde estudou na infância e adolescência.
O laudo final emitido pela instituição especializada foi assinado por uma
psicóloga e expressa uma avaliação apontando que O apresenta maturidade
intelectual abaixo da média, referente à idade da época.
A situação de A me causou surpresa porque ao adentrar nesta investigação e
mesmo por meio de entrevistas anteriores com seus responsáveis julguei que sua
deficiência o comprometesse excessivamente em termos cognitivos, principalmente
em se tratando de ser portador de uma síndrome de variação do autismo. É claro
que posso ainda concordar com algumas opiniões primeiras porque realmente a
possui um desenvolvimento intelectual muitas vezes difícil de se trabalhar nos
moldes que a escola propõe. É possível concluir isso porque uma vez aprofundandome na teoria de sua síndrome, comprovei aquilo que a docente entrevistada, sua
mãe e eu já tínhamos notado, de que A apenas trabalha em nível do concreto,
apresentando, portanto, dificuldades de generalização de conceitos. Além disso,
apesar de A ser ao mesmo tempo muito afetuoso, em determinados momentos se
isola do convívio com seus pares ou se distrai, geralmente partindo para assuntos
de seu interesse. Se em alguns casos, pessoas com Síndrome de Asperger podem
desenvolver um conhecimento aguçado sobre cálculos, A demonstra uma extrema
dificuldade em lidar com conceitos lógico-matemáticos.
De acordo com o que foi exposto por sua mãe, a inclusão de A, logo no início
de sua idade escolar, não foi bem sucedida por falta de preparo das instituições
onde ele foi matriculado e que logo sugeriam que fosse para uma instituição
especializada. Em certo momento, a atitude de não desejar mais ir para a escola
partiu de A, que demonstrava sua desaprovação não querendo entrar na sala de
aula, muitas vezes ficando no corredor. Obviamente, o refúgio adequado para essa
situação foi a instituição especializada que se encarregou de introduzir A no campo
do conhecimento escolar.
Posteriormente a isso, as experiências de inclusão de A acabaram não dando
certo por motivos estruturais. Ainda que considerando a gravidade de sua
deficiência, pode-se dizer que o processo inclusivo A, depois de passar por
processos de adaptação com os docentes, acabou acontecendo, ainda que
possamos falar dessa “inclusão” mais em termos de integração do que de inclusão
da maneira como ela é realmente proposta.
As escolas em que A esteve matriculado no programa de EJA tiveram muitas
de suas salas desativadas como também houve mudanças referentes à distância de
tais escolas de sua residência.
Atualmente, a inclusão de A está prejudicada porque por estar matriculado em
uma instituição especializada, o mesmo não pode estar matriculado também em
uma escola regular. De acordo com os gestores, há uma questão que envolve tanto
a questão de vagas para a escola pública, como de verbas, já que algumas
instituições especializadas recebem auxílio público da Secretaria Municipal. É
evidente que há um equívoco em toda essa situação, já que a própria lei garante o
direito das pessoas com deficiência a terem acesso ao ensino fundamental ao
mesmo tempo em que contam com o apoio das instituições especializadas, fazendo
o papel de fornecer subsídios para a inclusão.
Assim, percebe-se que nem mesmo esse primeiro aspecto da inclusão, em
termos de estrutura, está realmente assegurado para as pessoas com deficiência na
cidade de Presidente Prudente. Evidentemente, ao ser exposta a tal situação, a
responsável por A optou por deixá-lo matriculado na instituição especializada, já que
lá os profissionais estão mais preparados para fazê-lo “progredir” em seu
desenvolvimento, apesar de achar que a inclusão precisa ocorrer. A solução
encontrada para tal fato foi manter A matriculado na instituição especializada e
deixa-lo freqüentar as aulas de EJA no período noturno, mas sem nenhum registro
oficial, apenas como aluno ouvinte. Sabe-se, é claro, que essa medida não contribui
para cumprir a lei, já que mesmo freqüentando, A não pode “se formar” em uma
escola onde não haja reais comprovações de que está realmente matriculado e que
é assíduo freqüentador e cumpridor de suas tarefas enquanto aluno. Há problemas
em termos pedagógicos sim, mas é extremamente estranho que ainda haja
problemas até mesmo para fazer esse processo inicial de inclusão, que é a
integração, ou seja, de apenas permitir que o aluno com deficiência esteja numa
sala de aula regular, aconteça.
O sujeito O também apresenta uma história com características bastante
peculiares de inclusão. Clinicamente diagnosticado apenas como possuidor de um
“leve atraso cognitivo”, surpreende que ainda hoje tenha dificuldades em ser
efetivamente incluído em uma sala regular.
Durante sua infância, O foi matriculado em várias escolas regulares, tanto
públicas como particulares e surpreendeu aos pais ver que as escolas indicavam
que ele fosse para uma instituição especializada, já que quando ele era apenas um
bebê ninguém da família havia notado nenhuma diferença em seu comportamento.
Assim, depois de algumas tentativas sem o sucesso esperado, foi matriculado em
algumas instituições especializadas.
O traço característico de O é o fato de que em muitos momentos ele se sente
desestimulado a prosseguir em determinadas propostas. Muitas vezes ele se
apresenta desanimado a prosseguir tanto porque aquilo ao que estava se dedicando
ficou enfadonho quanto porque começou a ficar mais difícil para ele. Sua maior
necessidade é de convívio social.
Na idade adulta, O tentou prosseguir em uma sala de EJA, mas não
permaneceu por muito tempo, pois diz que na maioria das vezes não consegue
acompanhar o que a professora diz. Diante desses evidentes fracassos para si
mesmo, a cada dia fica mais e mais desestimulado e desanimado, apesar de ainda
dizer que pensa em cursar o Ensino Superior para ser um futuro juiz. Sua última
inserção no ensino regular foi em 2004 (situação analisada nesta pesquisa) e
atualmente o único tipo de experiência educacional que mantém é ter aulas com um
professor particular.
Nesse caso, percebem-se as conseqüências da falta de um programa
pedagógico apropriado a incluir alunos com deficiência mental. É evidente a
desmotivação do aluno, mas essa pode tomar proporções ainda maiores na medida
em que não se valoriza aquilo que ele sabe.
Em relação à concepção de educação dos profissionais envolvidos, pode-se
dizer que ambos os entrevistados (docente e coordenador da escola) concordam
que educação envolve preparar o aluno para estar inserido na sociedade de maneira
a estar apto a enfrentar os desafios propostos por ela, ou seja, “educar é preparar o
aluno para viver na sociedade da maneira ideal”.
A resposta não está muito distante do que é proposto pela Constituição
Federal, no artigo 205 e justamente por isso, ao questionar se a escola estava
pronta para atender às exigências dessa concepção, os entrevistados disseram que
é um processo difícil, em que não sabem se conseguem, mas tentam alcançar.
Foi possível perceber que a docente entrevistada não se opõe à inclusão,
mas também não consegue entender como pode efetuá-la de uma maneira mais
adequada. Acredita que seja bom as pessoas estarem juntas, mas acha que na
realidade, o máximo que se pode alcançar é a inserção.
Através desse discurso, percebe-se a dificuldade que os professores
encontram em acreditar que a inclusão é possível. Aparentemente comprometida
com sua prática, a docente de A diz se preocupar demais em de que maneira pode
participar melhor da inclusão do aluno. Tem integrado o sujeito nas atividades, mas
acha que as diferenças acabam sendo muito gritantes entre os alunos e por isso tem
muito medo de ser injusta: de exigir menos ou de exigir demais. É a questão da ação
pedagógica do professor que tem efetivar toda uma proposta muito bem elaborada,
justa, mas que na prática é tão complexa, já que a escola ainda é considerada um
lugar apenas de iguais.
No caso de A, sua responsável apresenta-se muito favorável à inclusão, mas
vê que esta não tem reais condições de acontecer na prática em detrimento de não
beneficiar alunos com deficiência mental em âmbitos cognitivos como a estimulação
que uma instituição especializada proporciona. Assim, como mãe, acredita que
incluir é um processo muito doloroso, especialmente para quem está sendo incluído.
Prova disso é que na infância, quando A demonstrou não querer mais ir para a
escola regular, não se julgou no direito de obrigá-lo a continuar.
Diante da concepção de educação que os profissionais entrevistados tinham,
bem como a da proposta pela escola, mais uma vez percebe-se que a instituição e
seus profissionais estão muito abertos à educação que forme o cidadão
integralmente. A gestora da instituição acredita que seja possível ensinar aos alunos
com deficiência subsídios necessários para que possam viver suas vidas de maneira
adequada, dependendo do tipo de comprometimento que a pessoa possa ter.
Assim, ao questionar sobre o que a escola tem feito para colocar essa
concepção em prática, mais uma vez, fiquei diante de uma proposta pedagógica
muito bem elaborada, mas que mesmo assim não oferece subsídios para o trabalho
da professora em sala de aula. Esta afirma ter buscado um pouco de formação
sobre inclusão por seus próprios métodos e ainda que ciente da falta de suporte
pedagógico para trabalhar de forma inclusiva que deveria receber do sistema, não
tira sua parcela de responsabilidade no processo de inclusão de O, que não foi
favorável.
A respectiva docente concordou comigo no aspecto de que o sujeito acaba se
desmotivando facilmente, mas acredita que se tivesse um melhor preparo, O não
teria evadido da sala regular. Ainda assim, acredita muito no potencial do aluno, não
só no âmbito social, mas também no cognitivo, de que ele é realmente capaz de
absorver muitos conteúdos conceituais.
A opinião dos pais aqui fica expressa pela insatisfação com as propostas
pedagógicas atuais e o anseio por outras mais adequadas a sujeitos com deficiência
mental.
Foi interessante perceber, ao longo do desenvolvimento da investigação, que
a inclusão de pessoas que tenham qualquer tipo de deficiência mental ou mesmo
um leve comprometimento intelectual em termos de aprendizagem, afeta
enormemente a proposta pedagógica e seus planos de trabalho.
Ainda que se queira negar, a escola tenta seguir um padrão homogêneo de
ensino e começo a me questionar se isso está errado ou se a solução seria começar
a pensar que cada aluno deveria ser educado, pelo menos em algum momento
individualmente, visto que há cada um apresenta suas peculiaridades. Que fique
claro que a inclusão pode ser uma solução para essa controvérsia porque quando se
valoriza a integração entre os alunos, estes mesmos podem ser auxiliadores da
aprendizagem um dos outros, cada um contribuindo para oferecer ao outro aquilo
que sabe e que aprendeu, tenha ele deficiência ou não.
Entre as duas situações de inclusão, pude perceber processos muito similares
e algumas diferenças. Um dos objetivos da investigação era analisar que tipo de
impacto e conseqüências a inclusão de pessoas com níveis diferentes de
comprometimento intelectual poderia ter ou se atingiria o âmbito de “mais fácil” ou
“difícil incluir”.
Entretanto, o estudo não confirmou as hipóteses iniciais, já que não houve
qualquer relação entre a deficiência ser mais ou menos grave com a dificuldade de
incluir porque as práticas pedagógicas parecem ficar comprometidas ao menor sinal
de um aluno com problema de aprendizagem.
Ainda assim, a ação pedagógica dos professores se demonstrou clara quando
se fala em um trabalho inclusivo. É evidente que não há propostas especiais e nem
um currículo especial para os alunos com deficiência mental e nem deve haver, mas
a inclusão desses sujeitos foi apresentada a mim como primeiramente atingindo o
viés social (pelo contato com outros alunos da sala e da escola) e muito dificilmente
conseguindo atingir os objetivos de uma inclusão escolar. A realidade mostra que
os alunos estiveram “junto” com os outros, mas dificilmente se tornam parte efetiva
da turma em termos de aprendizagem.
A maior dificuldade que os participantes (profissionais da educação) da
pesquisa demonstraram é em relação a “acompanhar o ritmo” dos alunos com
deficiência mental. Ainda que não tenham conhecimentos muito aguçados, A e O,
por exemplo, apresentam um nível de alfabetização até satisfatório, já que codificam
e decodificam o código escrito. Ainda assim, as atividades envolvendo tais
conhecimentos acabam por desestimular os alunos porque muitas vezes não
entendem o que está sendo explicado. Diante disso, O não consegue prosseguir,
fica com dúvidas e irritado por não compreender, enquanto que A responde a isso
apenas copiando a “lição”, totalmente alheio ao que realmente possa estar
acontecendo em sala de aula.
Em suma, este é o retrato da análise de dois processos de inclusão: similares,
porém também divergentes. Ainda acredito que seja muito difícil incluir um aluno
com um alto nível de deficiência mental, muito mais do que aqueles que apresentam
um comprometimento leve. Entretanto, esse não pode ser o fio norteador desta
pesquisa porque a inclusão envolve muitos outros fatores, até mesmo emocionais
que podem impedir que um aluno, mesmo com muito potencial enorme, não seja
incluído.
Diante de todo o período de coletas de dados, objetiva-se ser possível
responder a pergunta inicial da pesquisa ou pelo menos ter conseguido subsídios
para tal, crendo que o desenrolar da pesquisa possa ter refutado ou não as
hipóteses constituídas a princípio. É evidente que as conclusões existem, seja para
fazer persistir em uma opção epistemológica, ou para permitir tomar novos rumos.
Há muito mais fatores subjetivos do que objetivos cercando o processo de
inclusão de pessoas com deficiência mental. Em nenhum momento houve a
pretensão de atribuir o sucesso ou fracasso da inclusão apenas a um aspecto
específico, mas esperava-se que alguns fatores fossem mais relevantes para
contribuir com a situação de exclusão dos sujeitos.
Assim, a resposta mais adequada ao problema da pesquisa permite como
conclusões sobre as causas que levaram à exclusão dos alunos, fatores como: a
subjetividade dos docentes envolvidos (considerando suas opções teóricas e forma
de atuar); plano pedagógico aberto a mudanças, mas sem real fundamentação para
a inclusão em termos metodológicos; as dificuldades intrínsecas à deficiência mental
e a Síndrome de Asperger; as características pessoais de cada sujeito e sua história
de vida (fatores estes que influenciariam sobre a visão do processo educacional de
qualquer pessoa, tendo ela deficiência ou não).
Assim, foi impossível generalizar os dados esperando encontrar as reais
dificuldades do processo de inclusão de pessoas com deficiência mental. Todavia,
pode-se concluir que diante dos dois casos analisados, a percepção permitiu ver que
a inclusão do sujeito com uma deficiência mental mais leve foi complicada
justamente por esse fato. O sujeito O consegue perceber sua diferença das demais
pessoas em termos de aprendizagem e isso sempre afetou sua capacidade de
prosseguir nos estudos por uma excessiva auto-cobrança, já percebida por
psicólogos de instituições especializadas por onde ele passou. Somando esse
quadro à falta de reais propostas inclusivas, que respeitem o ritmo de aprendizagem
de O, temos como resultado a atual situação de exclusão.
Em relação a A, além de ter como similar as mesmas dificuldades
pedagógicas que no caso de O, pude notar que sua percepção de tais diferenças
não tem mais atrapalhado sua vontade de prosseguir nos estudos, como quando
criança. Talvez tal diferença hoje possa ser melhor assimilada por não haver mais
um preconceito agressivo contra sua presença na escola, já que ao menos na
unidade escolar em que está inserido tanto alunos como professores parecem
gostar muito dele.
Entre pais, sujeitos, profissionais da educação, se pode concluir, (ainda que a
proposta desta pesquisa não fosse querer chegar a resultados já engessados) é que
a escola tem aberto as portas para receber alunos com deficiências, mas ainda há
questões estruturais, políticas, pedagógicas que as tornam muito mais segregadoras
do que já podem ter sido.
REFERÊNCIAS
Associação de amigos do autista. Site disponível em:
http://www.ama.org.br/preview/html/info_sind.php. Acesso em 01 dez. 2006.
BRASIL. Leis, decretos etc. Lei de Diretrizes e Bases lei nº 9.394/96. brasília,
1996.
BRASIL, Secretaria da Educação Fundamental/Secretaria da Educação Especial.
Parâmetros curriculares nacionais: Adaptações Curriculares. Brasília: MEC/SEF/
SEESP, 1999.
DECLARAÇÃO DE SALAMANCA E LINHA DE AÇÃO SOBRE NECESSIDADES
EDUCATIVAS ESPECIAIS. Brasília: Cordes, 1997.
KRYNSKI, Stanislau (col). Deficiência mental. Rio de janeiro:Livraria Atheneu,1969.
Ministério público federal: fundação procurador pedro jorge de melo e silva (orgs). O
acesso de alunos com deficiência às escolas e classes comuns da rede
regular. 2 ed. rev e atualiaz. – Brasília: Procuradoria federal dos direitos do cidadão,
2004.
OMOTE, Sadao. (org). Inclusão: intenção e realidade. Marília: Fundepe, 2004.
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Daniela Cristina Barros de Souza, Profª Drª Elisa Tomoe Moriya