EDITORIAL O s textos que compõem o corpo principal desse Correio situam-se na esteira de um acontecimento relevante: neste ano inicia o Percurso em Psicanálise de Crianças na APPOA, articulado ao Curso de Formação em Psicanálise de Crianças do Núcleo de Estudos Sigmund Freud. Se ambos percorridos seguem trajetórias autônomas que respondem aos princípios formativos de cada instituição, há uma série de seminários compartilhados que serão assistidos em forma conjunta – assim como ditados conjuntamente – pelos alunos de ambos grupos. Tal acordo de trabalho, mereceu uma prolongada elaboração que esteve a cargo de um cartel na APPOA integrando uma comissão conjunta com os colegas do NESF (ou “Sigui”, como gostam de chamá-lo). Os textos, aqui oferecidos, surgem da genuína demanda operada pela discussão em torno dos problemas que a transmissão de um corpo conceitual específico coloca. Ganha-se com isso um volume de trabalho não somente para os colegas que escolheram se embrenhar no assunto, mas também para aqueles que, na sua prática psicanalítica genérica, não tem alcançado distinguir as diferenças e os problemas que se apresentam para o psicanalista quando a estrutura não corresponde ao sujeito teórico das neuroses. Assim, as questões que nascem no trabalho clínico com crianças estendem-se além de seu campo de origem, mostrando-se cruciais para a formação de qualquer analista. Verifica-se, então um pequeno passo adiante na medida em que se realiza por escrito o que já faz significativo tempo a clínica com crianças vem nos ensinando. Vale a pena assinalar que, se a publicação deste número do Correio está associada a um importante momento institucional, articula-se também a uma série de publicações – outros números do Correio, da revista da APPOA e de nosso antigo Boletim – nas quais os temas da infância e da psicanálise de crianças já estiveram em pauta, expressando os problemas que se apresentavam à discussão naquelas ocasiões, no interior da Associação. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 1 NOTÍCIAS NOTÍCIAS CICLO DE DEBATES MACHADO DE ASSIS NA CULTURA PSICANÁLISE & LITERATURA Dia: 28 de abril (quinta-feira) Hora: 20h Local: Livraria Cultura (Bourbon Shopping Country – Av. Túlio de Rose, 80 – Loja 302) Realização: Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA), Livraria Cultura e Pós-Graduação de Letras da UFRGS Entrada Franca O Espelho e as articulações entre Arcaico e moderno estarão sendo discutidos neste segundo encontro do ciclo Machado de Assis na Cultura. O psicanalista Edson de Sousa vai retomar o clássico conto O espelho para fazer uma leitura de temas que são caros tanto ao ato psicanalítico quanto ao ato artístico. Na mesma noite, o professor e doutor em Letras, Homero Vizeu de Araújo estará retomando o debate entre arcaísmo e modernidade. Ambos atualizam a presença e importância dos textos machadianos para a cultura brasileira e, conseqüentemente, para a psicanálise. Próximos encontros: 19 de maio – Pai contra Mãe (Robson de Freitas Pereira); Machado e Brecht na dramaturgia de Pai contra Mãe (Paulo Brody); 30 de junho – Brás Cubas (Flávio Azevedo) e O momento crucial de Brás Cubas (Enéas de Souza) Segundo semestre: confirmadas a participação de Ana Costa e Flávio Loureiro Chaves. 2 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 JORNADA INTERNA – 14 DE MAIO – FORMAÇÃO E TRANSMISSÃO Depois de um significativo percurso bibliográfico e da discussão com vários colegas da APPOA, visando a Jornada Interna acerca da temática da “Formação e da Transmissão”,nas próximas reuniões o cartel preparatório estará compartilhando com os colegas a discussão sobre as questões que cada um pretende apresentar e trabalhar na jornada. Alguns temas começam a despontar a partir do estudo e debate fomentado no cartel: o ensino da psicanálise no meio universitário e percurso de formação; as relações entre psicanálise e mídia; o lugar da supervisão na formação analítica; como produzir efeitos de escansão numa instituição psicanalítica?; laço associativo e alteridade; o estudo teórico entre pares e a questão da transmissão. Os próximos encontros, destinados à discussão destas e outras idéias, serão: 02/04 – sábado – 8h30min (local da Jornada de Abertura – Novotel) 07/04 – quinta feira – 19h30min (APPOA) 29/04 – sexta feira – 18h (APPOA) Lembramos que o cartel é aberto aos interessados e que poderão inscrever-se na Jornada Interna não só os Associados, mas também os freqüentadores de ensino da APPOA. Coordenação do Cartel EXERCÍCIOS CLÍNICOS Convidamos a todos interessados para o primeiro Exercício Clínico deste ano que será realizado no próximo dia 30/04, às 10h, na sede da APPOA. Neste dia debateremos com Alfredo Jerusalinsky o trabalho “Oscar Wilde, precursor de James Joyce: Novas notas sobre o Sinthome”, que terá como debatedora Sandra Torossian. Como as vagas são limitadas, lembramos que é necessário fazer previamente a inscrição na secretaria da APPOA. Os exercícios clínicos são organizados pelo Serviço de Atendimento Clínico da APPOA e estão previstos mais dois encontros para este ano, nos dias 13/08 e 05/11, com temáticas a serem confirmadas. C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 3 NOTÍCIAS NOTÍCIAS GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ADOLESCÊNCIA A adolescência não pode mais ser compreendida como uma etapa do desenvolvimento ou como conseqüência da puberdade, pois ela se faz presente independente destas duas condições, como uma operação psíquica ou um estado de espírito. Operação que se apresenta na forma de uma suspensão em momentos cruciais de nossa vida. Suspensão que implica numa necessária passagem para diferentes referenciais simbólicos, o que implica em construir um novo imaginário. A Adolescência, então, representa o sujeito em invenção.O que está em jogo é fundamentalmente sua posição sexuada diante do Outro. Posição que terá que construir nesta travessia subjetiva, não mais sustentada pelas figuras parentais, mas por aquilo que delas pode simbolicamente se servir. Nesta travessia, as operações do estádio do espelho são reeditadas e o pulsional que emerge aparece novamente sob a forma da voz e olhar, agora apreendidos fora do imaginário materno. Justamente por aí, a adolescência inaugura uma crise, posição de suspensão diante do Outro, momento em que a rede simbólica parental se rasga com muita facilidade. Este seminário se ocupa fundamentalmente das questões inerentes a essas operações em que, não só o adolescente, mas o sujeito moderno como tal está implicado, ou seja, a necessidade de inventar-se. Coordenação: Angela Lângaro Becker e Ieda Prates da Silva Frequência: mensal, sábados, das 10hs ás 12hs. Local: Novo Hamburgo Inscrições abertas na sede da APPOA e pelo número: (51) 594.6981 MUDANÇA DE ENDEREÇO Ângela Lângaro Becker informa o novo endereço e telefone de seu consultório: Rua Dona Laura, 45/402. Fone: 3029.9440. 4 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 ASSOCIAÇÃO LACANIANA INTERNACIONAL E ESPAÇO ANALÍTICO PROMOVEM: JORNADA DE ESTUDO – O BEBÊ E A PULSÃO Data: 28 e 29 de maio de 2005 Local: Hospital Pitiê-Salpêtrière – Paris Principais temas em discussão – Sobre os fetos – Prematuridade – Diálogo entre psicanalistas e as ciências do desenvolvimento Maiores informações na Secretaria da APPOA. CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO-ESPECIALIZAÇÃO DEPENDÊNCIA QUÍMICA: UMA VISÃO INTERDISCIPLINAR A UNISINOS está oferecendo um Curso de Especialização para profissionais de diferentes áreas (saúde, educação, direito, recursos humanos) em projetos de prevenção, tratamento, assistência, bem como na gestão de ações e serviços, na perspectiva da interdisciplinaridade na área do uso prejudicial de álcool e outras drogas. Coordenação: MARTA CONTE e-mail: [email protected] Período do curso: Início: 13/05/2005 Término: 09/09/2006 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 5 NOTÍCIAS SEÇÃO TEMÁTICA QUEM ANALISA CRIANÇAS? Horários: Sextas-feiras das 13h às 19h30 Sábados das 9h30 às 16h30, uma vez por semestre. Inscrições: Início: 25/2/2005 Término: 30/4/2005 Local: Coordenação de Admissão e Matrícula Taxa: R$ 25,00 Seleção: Será feita com base na análise da documentação solicitada, entregue no momento da inscrição. Início: 2/5/2005 Término: 4/5/2005 Divulgação dos resultados: a partir de 5/5/2005 na Secretaria da Especialização pelo telefone (51) 590-8121 ou pelo site www.unisinos.br . Matrícula: Início: 06/5/2005 Término: 12/5/2005 Local: Coordenação de Admissão e Matrícula Informações: Linha Direta Unisinos: (51) 591-1122 Secretaria da especialização: (51) 590-8121 E-mail: [email protected] www.unisinos.br 6 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 Alfredo Jerusalinsky N unca desconsiderada por Sigmund Freud – que, pelo contrário, encontrou, na sua experiência, comprovações e aportes fundamentais para a práxis psicanalítica em geral –, a psicanálise de crianças foi insistentemente colocada por seus sucessores numa posição de prática secundária. Contraditoriamente com o papel relevante que tiveram para os desdobramentos da teoria psicanalítica muitos de seus principais mentores – Anna Freud, Melanie Klein, Karl Abraham, Paula Heimann, Sabina Spielrein, Sophie Morgenstern, Margaret Mahler, Donald W. Winnicott, René Diatkine, Francis Tustin, Françoise Dolto, Maud Mannoni, Jean Bergès, Piera Aulagnier, entre muitos outros –, a psicanálise de crianças foi reiteradamente empurrada para fora das fronteiras de uma tal de “verdadeira prática analítica”. Consecutivamente, foi qualificada – de certo modo acusada – de prática pedagógica, aplicação psicanalítica para os cuidados primários, indagação de interesse teórico, aplicação multidisciplinar e, ultimamente, prática de saúde mental. Como se todos esses qualificativos fossem ao mesmo tempo pejorativos e excludentes, e não modos de interseção interdisciplinar de uma genuína prática psicanalítica. Interessante é verificar que entre os psicanalistas lacanianos – focando o setor ligado a Jacques Alain Miller onde surge essa última qualificação – não tem aparecido nenhuma tentativa de colocar a prática psicanalítica com pacientes psicóticos em nenhuma posição marginal em relação a uma suposta “prática pura” da psicanálise. É possível entender que, embora as dificuldades para a intervenção psicanalítica encontrem pontos similares entre a psicanálise de crianças e a psicanálise de psicóticos, seria um atrevimento desmedido colocar esta última prática fora do terreno psicanalítico. Sobretudo para um lacaniano, considerando que a prática de Jacques Lacan tomou esse campo não somente como seu ponto de partida, mas o tornou uma das fontes fundamentais de seus desdobramentos teórico-clínicos. C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 7 SEÇÃO TEMÁTICA Lacan, com suas descobertas acerca da estrutura lingüística do inconsciente e seus avanços conceituais reorientadores do ato psicanalítico, realizou a crítica da postura de S. Freud, que situava as fronteiras da intervenção psicanalítica na borda das neuroses, incorporando definitivamente ao interior da prática psicanalítica os pacientes psicóticos. Tem se passado mais de cem anos do caso inaugural do pequeno Hans, durante os quais tem ocorrido uma vasta disseminação da prática psicanalítica com crianças em acepções as mais diversas. Isso tem revertido em experiência clínica da maior riqueza, tanto no que se refere ao sujeito infantil quanto ao viés, fundamental na psicanálise de adultos, do infantil do sujeito. Cabe a nós, então, realizarmos a crítica do longo silêncio de S. Freud diante da virulenta polêmica entre Anna Freud e Melanie Klein, confronto ao qual as letras de Lacan trouxeram novas luzes. Luzes cujo foco aponta, certamente, não na direção de excluir a prática psicanalítica com crianças do interior do campo psicanalítico, mas para o esforço – por ele explicitamente reconhecido – de tornar audível a particular posição do sujeito (“pequeno sujeito” é como ele o chama) nesse momento de sua vida. Recentemente tropecei na Internet com o título de um curso oferecido por psicanalistas, evidentemente destinado a enunciar de um modo radical o caráter atemporal do inconsciente: “O sujeito não envelhece”. Pelo menos a nível do título e da temática proposta, ele parece desconsiderar os desdobramentos sobre o tempo lógico e a lógica do fantasma que Lacan nos oferece. Bom trabalho custou a ele estabelecer um modo de leitura do registro do real, que descarta toda conclusão apriorística e universal sobre a posição do sujeito face ao tempo, tornando necessária a operação de considerar um sujeito na sua particular temporalidade. Que na boca de um velho fale sua posição adolescente, ou que na boca de uma criança fale o sujeito parental, constitui a circunstância clínica que diferencia a escuta do psicanalista da escuta do filósofo. Podemos coligir que este último acredita estar nisso escutando as contradições imanentes de um ser universal (dali à mística – junguiana, por exemplo – ou às curas xamânicas, somente um passo). O psicanalista, no entanto, escuta ali o 8 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 JERUSALINSKY, A. Q u e m a n a l i s a c r i a n ç a s ? sujeito dividido cujo recalque faz força para conter um real que não é constante na sua forma de acossá-lo. Precisamente, é essa oscilação (a que o ritmo da pulsão testemunha), essa cadência, que o obriga a mudar o modo de sua relação de objeto, ou seja, fazer diante seu fantasma um novo sintoma. Eis, ali, que podemos reconhecer sintomas próprios da infância tanto quanto sintomas próprios da velhice. Ocorre que são dois momentos da vida nos quais o sujeito, longe de poder se sustentar na pretensa imanência de um sujeito constante que a pretensão filosófica ou religiosa gostariam, tropeça com um excesso de real que interfere a cada passo nas suas operações de simbolização. Essa interferência puxa fragmentos do imaginário corporal, desgarrando-os da ordem simbólica e precipitando-os no registro do real. Lançado, pelo desejo do Outro, a uma febril construção de sentido durante a infância, o pequeno sujeito vê-se as voltas com a necessidade de se sustentar num outro real para suprir os atos dos quais ainda não é capaz. Somente assim ele consegue se articular precariamente na cadeia do discurso, onde é essencial e decisivo estar representado para lograr algum governo sobre seu destino. É por isso que o pequeno sujeito, nesse tempo (que responde a uma lógica que, embora não cingida à cronologia, precisa de um transcurso e um desenvolvimento para operar suas conseqüências), se mostra tão sensível às sutis torções de percurso que os adultos lhe imprimem. Já o sujeito revela estar confrontado com seu envelhecimento (o de seu corpo, oras!, que não lhe é alheio a não ser na esquizofrenia), na medida em que seu sintoma se torna resistência diante a desconstrução do sentido que trabalhosamente edificou. Por um lado, Sigmund Freud sentou as bases da escuta do inconsciente nas formações da linguagem, independentemente de qualquer cronologia histórica, revelando que a ordem de enlace que prevalece no aparelho psíquico responde a lógica do desejo e não à seqüência real dos acontecimentos. Mas, por outro lado, ele mesmo vacilou enquanto a direção a tomar quando se viu confrontado ao extremo dissociativo entre o real e o simbólico colocado pela psicose. Também, mutatus mutandis, a restrição do futuro e a C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 9 SEÇÃO TEMÁTICA crescente extensão de um passado inamovível, relativa ao avanço da idade, o levou a desacreditar da analisabilidade das pessoas idosas, situando esse qualificativo em idades bem aquém das que hoje mereceriam tal denominação. De fato, todos os casos clínicos por ele relatados pertencem a pessoas com menos de 30 anos, já que considerava de difícil mudança (das que a psicanálise pode produzir) aos que passavam dessa idade. No extremo contrário, aventou a esperança de que, a particular mobilidade manifestada pelo sujeito na infância, o caráter decisivo das experiências infantis na estruturação desse sujeito, e o fácil afloramento do inconsciente que ele encontrara nos pequenos clinicamente observados deviam tornar o trabalho analítico, desdobrado nessa fase, particularmente frutífero, com possibilidades de prevenção de futuras neuroses. Isso implicava reconhecer que, durante a infância, o sujeito está sendo “fabricado”, o que torna improvável qualquer assertiva de estruturação precoce como definitiva e irreversível. Assim, a dependência de um outro real (que não é a mesma coisa que depender do real do outro) para lavrar sua entrada na linguagem e, conseqüentemente, conseguir moldar esse excesso de real na ordem simbólica, coloca esse pequeno sujeito numa particular plasticidade psíquica. Assim, paradoxalmente, esse excesso de real, em lugar de enrijecer as estruturas – como ocorre no envelhecimento e nas psicoses – provoca uma ansiedade produtiva (assim como o delírio na paranóia) que torna o sujeito mais permeável às incidências do desejo do outro, sendo, então, também particularmente permeável ao desejo do analista. Estas são as razões pelas quais, já faz bastante tempo, propomos denominar as estrutura psicopatológicas da infância como “não decididas”, precisamente porque a elas falta o ato que fixa o modo da representação. É, então, com toda legitimidade, que a demanda dirigida aos psicanalistas de crianças os implica numa responsabilidade suplementar, que não se apresenta para os psicanalistas de adultos: a responsabilidade sobre o futuro de seu paciente. Proposição incontornável que coloca o analista num impasse e que o obriga a suprir com conhecimentos o que, de fato, não pode saber. Dito de outro modo, o analista vê-se obrigado a produzir uma suplência, o que quer dizer um sinthome. Com efeito, sua única possibilidade de 10 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 JERUSALINSKY, A. Q u e m a n a l i s a c r i a n ç a s ? manter a posição de sujeito suposto saber que segure a transferência necessária (a dos pais e a do pequeno sujeito) para o desdobramento de uma análise, é a de situar de um modo preciso as bordas do real enquanto condição de possibilidade desse sujeito em particular. Testemunhar, então, os limites do rei que, no seu filho, os pais desejam. Eis ali que o psicanalista de crianças se vê na necessidade de esgrimir conhecimentos relativos ao diagnóstico diferencial, à maturação neurológica, à neuroplasticidade, aos processos do desenvolvimento intelectual e motor, às aprendizagens (tanto as possíveis quanto às exigidas pela cultura circundante). Conhecimentos que não suprem o saber sobre as vicissitudes psíquicas futuras – saber que só poderá advir da interrogação ao inconsciente – mas que permitem estabelecer a condição de possibilidade de tais vicissitudes virem a acontecer. É evidente que isto faz uma notável diferença tanto na posição do psicanalista de crianças em relação ao psicanalista de adultos, quanto na formação e informação de que ele precisa dispor. Eis, ali, que esse excesso de real que o sujeito infantil suporta, inevitavelmente, se faz presente na interpretação, na medida em que o “intruso” – isso que se sabe, isso que se apresenta sem ser convidado – requer um esforço suplementar para ser enlaçado à ordem simbólica. O que é isso que se intromete? Muito simples: um esfíncter que ainda não responde, uma língua que ainda não obedece, um traço que ainda não mantém a sua trajetória, uma relação lógica que ainda não se articula, uma percepção que ainda não se define, um objeto sexual que ainda não se escolhe. É diante esse excedente que o sujeito infantil produz seus “sintomas de infância”, aqueles sintomas que, embora transitórios, constituem uma passagem fundamental na elaboração do confronto com o fantasma materno e com o olhar do pai. Brincar, desenhar, fabular, encarnar personagens imaginários, o temor à escuridão, as fobias infantis transitórias, os pesadelos edipianos, a exigência de repetição literal dos contos, a preferência por confrontos mirabolantes, e toda forma de dilatação imaginária. Tratase da construção de um mundo de ficção onde a dura lei da castração possa ser tramitada por um sujeito no mínimo tão poderoso quanto o Grande Outro. C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 11 SEÇÃO TEMÁTICA Daí que, David e Golias, após tantos milênios, continue a ser um dos contos prediletos. Certamente, para o analista faz diferença se seu paciente adulto vem vestido de homem aranha, mas não seria nada inquietante que seu pequeno paciente de 5 anos chegue à sessão munido de tal disfarce. Seria igual, se o paciente que assim chegasse vestido tivesse 12 anos? Certamente que não. O traço paranóico de regredir a uma defesa infantil não tem equivalência com a investidura desse mesmo disfarce, que projeta o pequeno sujeito infantil numa posição fantasmática futura de potência fálica. Sendo o significante o mesmo (homem aranha), sua posição na série do tempo lógico não é a mesma: no adulto se apresenta numa posição de passado – como o infantil do sujeito –, na criança se apresenta numa posição de futuro – como identificação antecipada pelo sujeito infantil. Do mesmo modo, o psicanalista seguramente acompanharia ao banheiro sua pequena paciente de três anos, embora jamais faria isso com a de 20. O que orienta tal diferença de atitudes do analista não é o saber sobre o inconsciente, mas uma série de conhecimentos que fazem borda e estabelecem o ponto de partida de toda formação transferencial. Se, do ponto de vista lógico, o fantasma do sujeito – que a falta de melhor termo denominamos ‘adulto’ –, se encontra no passado, o fantasma do sujeito infantil opera sobre ele desde uma posição futura. Eis aqui que se fundamenta a conjugação do futuro anterior característica do momento do brincar: “Agora eu era...”.Tal comparecimento da peculiar lógica temporal na enunciação demonstra que a relação com o significante não é a mesma que na vida adulta. Tal como se justifica uma especificidade da prática psicanalítica no campo das psicoses – precisamente porque a relação do sujeito psicótico com o significante não é a mesma que mantém o sujeito neurótico –, encontramos suficiente fundamento para sustentar a especificidade da prática psicanalítica com crianças, na medida em que se demonstra, também, uma diferença nessa mesma ordem de coisas. 12 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 JERUSALINSKY, A. Q u e m a n a l i s a c r i a n ç a s ? Ainda são pertinentes a esta questão algumas considerações sobre as relações entre o ato psicanalítico e o ato educativo. A transmissão, para que se instale no pequeno sujeito a função paterna, implica um trabalho parental que divida e diferencie no sujeito os três registros – real, simbólico, imaginário – sob a forma respectiva de sexuação, filiação e identificações. Para produzir tais efeitos, é necessária uma normatização do gozo. Normatização que a criança aceita por temor de perder o desejo do outro (esse que lhe garante a existência). O medo do castigo implica o paradoxo de suportar a restrição e a frustração do gozo para não ser privado dele. Essa normativa (representação subalterna da lei), assim imposta, molda a pulsão com o cinzel da letra encaminhado-a pelo desfiladeiro do significante. Tal normativa é o que chamamos habitual e apropriadamente de educação. Assim considerada, podemos compreender a importância que ela tem na transmissão da função paterna. Na clínica psicanalítica de crianças, tropeçamos de modo fartamente freqüente com sérias complicações do circuito pulsional. Tais complicações costumam aparecer enlaçadas, precisamente, à dificuldade com que os pais lidam com essa normativa. Debilidade, excesso, inabilidade, inoportunidade, recusa, precipitação, são algumas das formas do fracasso a que são arrastados os pais, confundidos pelo seu próprio sintoma conjugal – representantes do qual costumam ser os filhos. Não é de estranhar, então, que o psicanalista seja tão freqüentemente convocado à esse terreno educativo. Eis, então, que o psicanalista verá ser colocada a prova a consistência de sua posição. Ele deve saber que a simples repetição da norma, por mais severidade que nisso empenhe, está tão fadada ao fracasso quanto o que se verificou na tentativa dos pais.É mister que ela seja introduzida de um modo interpretativo. Isso implica saber a condição oportuna, enquanto modo, sentido e lugar do momento de sua enunciação. Como podemos ver, analisar crianças implica em especificidades, que não se resumem num pacote de recomendações técnicas, mas que se desdobram nos campos do tempo lógico, das relações do significante com o fantasma, na modalização do sintoma, nas particularidades da lei e, conseqüentemente, em formas diferenciadas da transferência. C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 13 SEÇÃO TEMÁTICA Na medida em que o que se analisa é a posição do sujeito do inconsciente, a idade do analisante não deveria fazer diferença. Mas, eis aqui, que a clínica vem nos desmentir tão simplificador apotegma. De fato, embora numa posição quase invariavelmente marginal, houve e há percursos diferenciados para a formação de psicanalistas de crianças nas mais diversas instituições psicanalíticas. Jacques Lacan considerou de modo elogiável os seminários de psicanálise de crianças sustentados por Françoise Dolto e Maud Mannoni na Escola Freudiana de Paris. Como podemos apreciar, não são poucas as razões para nos enfronharmos separadamente na temática que a prática com crianças nos exige. Parece, então, sensato reclamar uma formação específica para aqueles psicanalistas que escolhem ocupar-se de crianças. 14 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 PAIS E FILHOS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTE ENCONTRO NA CENA ANALÍTICA Eda Tavares A o longo do desenvolvimento do trabalho psicanalítico com crianças, o cruzamento transferencial pais-criança-analista sempre foi um ponto chave e ao mesmo tempo de grande desafio para os analistas. A dupla transferência, dos pais e da criança, sempre trouxe inúmeras questões, incômodos e muitas queixas dos analistas sobre estes, os pais, reclamando por atrapalharem o andamento da análise da criança. As dificuldades geradas por esse entrecruzamento provocaram e ainda provocam idas e vindas nas proposições de intervenção: não receber os pais, encaminhá-los a outro analista, recebê-los inúmeras entrevistas antes de receber a criança, trabalhar somente com os pais, recebê-los em intervalos regulares pré-determinados.... Tantas marchas e contra-marchas, tantos postulados, tantas vezes dogmáticos, só vêm a demonstrar que o que se coloca em cena a partir do sintoma de uma criança não é desafio pequeno para os analistas. Assim, este artigo não tem a pretensão de dar conta desta problemática, mas de trazer algumas considerações sobre este nó transferencial entre analista-criança-pais, que somente pode ir se desdobrando nos impasses que a transferência coloca. Uma das tantas propostas foi a de exclusão dos pais da cena terapêutica sob o critério de que a criança faz seu próprio sintoma e, justamente, considerando que este sintoma tem a função de defesa diante do fantasma de seus pais, e tratando-se – no tratamento de crianças – de romper com o sentido unívoco do sintoma, tanto melhor mantê-los longe. Assim, se poderia concluir que, quanto mais distantes os pais, mais facilitado o trabalho do analista com a criança. Simples. Porém, se falamos, na infância, do Outro encarnado nos pais, não se trata apenas de uma vestimenta temporária, para os tempos da infância de seus rebentos, e que os pais somente vestiriam em algumas circunstân- C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 15 SEÇÃO TEMÁTICA cias eletivas. É preciso tomar toda a dimensão que o Outro tem na teoria psicanalítica, aqui sustentado na figura dos pais: sem ele não há sujeito que se constitua. Trata-se de uma função que não se pode tirar nem pôr, como uma roupa de acordo com o clima. Função e personagem ficam amalgamados. E isto coloca algumas questões na clínica. Se é possível tirar os pais de dentro do consultório, mesmo não considerando as conseqüências que isto implica, não é possível tirá-los de dentro da criança. Tal dimensão se verifica em alguns impasses que surgem na clínica. Muitas vezes, quando uma criança se recusa a uma análise, é na medida em que esta pode implicar um questionamento das ou de uma das figuras parentais. A criança, antes da adolescência, ao ficar exposta aos conflitos dos adultos, não tem como se remeter a uma formação fantasmática no futuro. O adolescente já se confrontou com o fracasso do ideal parental – embora não com o próprio – o que o remete a uma posição futura do fantasma na qual ele se supõe como não fracassado, ele não vai sofrer os fracassos que seus pais padeceram, ele sim vai poder fazer melhor. Mas a posição futura da criança é o ideal parental, assim, o confronto com o fracasso parental a deixa sem rumo, exposta a uma situação na qual não saber para onde ir. A saída que, então, encontra é retornar aos pais, ficando novamente submetida a demanda do ideal. Em conseqüência, o tratamento aparece como insuportável, insustentável, pois impõe um cenário onde estão expostos os pais no seu fracasso, o rei está nu. No começo da análise de uma criança se coloca que a transferência inicial é a deles. São os pais que buscam o analista e se queixam do sintoma de seu filho. Mas, aquilo de que eles se queixam, ou o que pedem sobre o que acontece ao seu filho, não é sinônimo daquilo que eles demandam. O que eles demandam, apesar do que possam pedir ao analista, se estabelece a partir do fantasma e, portanto, do inconsciente. Sem que surja e seja trabalhada esta demanda com os pais, certamente a análise da criança não se sustentará: tomarão seu filho pela mão e partirão batendo a porta. Esta demanda inevitavelmente retornará através 16 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 TAVARES, E. Pais e filhos: algumas... das modificações apresentadas pela criança e os pegará de surpresa na sala de espera como um fantasma num filme de terror, do qual só lhes restará correr. A constância ou não do contato com os pais dependerá, para pensálo desde critérios psicanalíticos – como propõe Alfredo Jerusalinsky – da posição do sintoma da criança que aparece como resposta a este Outro que os pais encarnam. É esta posição que permite pensar quando, ou não, é conveniente a participação dos pais. Relembraremos resumidamente as proposições colocadas por Jerusalinsky. Se a criança é chamada a responder de modo unívoco ao imperativo do Outro seu sintoma aparecerá como a mínima autonomia subjetiva em relação a esta demanda. Nestes casos, a proximidade com os pais abrirá a brecha para que o analista fique colocado, por parte da criança, numa aliança imaginária com os pais. A operação necessária a ser realizada com os pais nas entrevistas preliminares é de abrir espaço para permitir que a análise da criança fique resguardada, freando o imperativo parental. Quando há um desfalecimento da função do Outro, sua inconsistência provoca uma ausência de eficácia do significante. São aqueles casos, no seu extremo a esquizofrenia, onde não há o imperativo de um sentido único, mas uma oferta ampla de significantes, como num varejo, e que a criança escolha os que lhe aprouver, sem que ela tenha como saber os que são considerados fundamentais para seguir na vida. Diante dessa indiferenciação a criança oferece seu corpo (sintomas eminentemente corporais) para conseguir enlaçar-se ao discurso parental. É necessário, então, o trabalho com os pais, para que a criança possa interpelá-los e, a partir dos significantes que surjam, para constituir uma fala própria. Sendo, então, esse o momento no qual os pais já podem sair de cena. A coincidência de sintoma entre pais e filhos demonstra um lugar de inconsistência simbólica da cadeia significante parental. O sintoma vem preencher esta falha que o discurso dos pais deixou vazio no simbólico, o que aparece sob a forma duma colagem imaginária entre pais e filho, na demanda de que este seja como eles. Para que seja possível a análise do filho, C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 17 SEÇÃO TEMÁTICA para que este possa elaborar este ponto de falha da função paterna, é necessário que os pais estejam dispostos a abrir mão deste atalho imaginário de reconhecimento entre pais e filho e, portanto, este é um trabalho a ser realizado pelos pais com o analista. Nos casos em que é recomendável intervir com os pais, um analista não pode perder de vista quem é seu paciente, a criança. O fato dos pais não serem o paciente coloca, como é lógico, um ponto limite na intervenção com eles. Limite aqui tomado como o limite do suportável para estes pais, sem que se rompa a transferência ou que se provoque uma crise que possa detonar passagens ao ato. O que permitiria estabelecer qual é este limite? Os pais trazem seus filhos ao analista porque esperam que ele possa entender o que acontece com seu filho, o que eles não conseguem. O que representa este sintoma lhes escapa, e eles vêm com seu filho à análise para recaptura-lo. É neste ponto onde eles não compreendem que está, no seu avesso, o fantasma fundamental deles mesmos. É este ponto em que o simbólico faz nó com o real (onde a castração corta no corpo) e o sujeito se esforça em mantê-los separados, pois sua junção pode ser enlouquecedora. Assim, se a intervenção do analista for na direção de revelar este ponto de junção, onde ambos registros se juntam, como acontece na interpretação na análise, pode irromper uma crise, alastrando os riscos de acting-outs e todas as manifestações que surgem quando se entrevê a impossibilidade de se sustentar como sujeito. A interpretação do fantasma dos pais é um ponto crítico e portanto só pode ser entrevisto através das intervenções do analista, na medida em que seja sustentada pela transferência e levando em conta que a cadeia significante que está sendo “fiada” não é a deles, e sim a de seu filho. Uma intervenção desta ordem, uma interpretação do fantasma, pode implicar submetê-los a uma violência, como a de tomar um pedaço deles somente porque convém à análise do filho, sem lhes oferecer o trabalho significante necessário para suturar esta ferida. Por outro lado, a análise dos filhos pode oportunizar uma elaboração por parte dos pais que lhes permite crescer, como lembra Martine Lerude 18 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 TAVARES, E. Pais e filhos: algumas... (1998). Esta autora ressalta que a análise de uma criança, permitindo aos pais reconhecer a alteridade do filho, isto é, que ele é um sujeito e não um prolongamento deles, pode trazer-lhes a novidade de uma relação sujeito à sujeito que é muito mais interessante e suportável do que a tirania da fascinação imaginária de um filho que represente o ideal de felicidade. Mas, um outro aspecto que surge na clínica me surpreende: encontrar pais que se analisavam há bastante tempo com reconhecidos analistas, e que era através da análise de seus filhos que surgiam pontos cegos de suas análises pessoais que, através de pensar o sintoma do filho, começavam a entrever e permitir novos rumos nas suas análises. Um pai ou uma mãe podem se reconhecer como transmissores – no sintoma ou no fantasma – de uma falha que vai fazer seu filho sofrer e, mesmo sendo uma intenção às avessas (que ele não sofra), trata-se de uma repetição do que ele padeceu. Enquanto pais são transmissores, na cadeia das gerações, de algo que remete a sua própria origem, às gerações anteriores. É neste sentido que Lacan refere a necessidade de três gerações para a produção de uma psicose. Estes pais quando, em análise própria, identificam no padecimento de seus filhos seu papel de transmissores, costumam empreender a travessia em busca de suas origens nas gerações anteriores. Buscam o que em suas histórias construiu seu padecimento e que vem, agora, se manifestar no sintoma do filho. A análise se direciona, então, a pensar “naquilo que me faz padecer” e não “no que eu faço outro padecer”. A possibilidade desta questão que se abre através da demanda ao analista do filho sobre o sintoma infantil, remete os pais a sua própria posição na cadeia das gerações. Se esta se estende no sentido da anterioridade, também se estende no sentido da posterioridade, onde os pais se situam como transmissores e, como qualquer mortal que, nas suas tentativas de lidar com a castração, também transmite o padecer. O sintoma da criança remete ao fantasma parental e, assim sendo, o trabalho com os pais coloca toda a dificuldade de operar numa borda de difícil equilíbrio. As “notícias” que os pais possam ter deste fantasma, atra- C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 19 SEÇÃO TEMÁTICA vés de entrevistas com o analista de seu filho, pode permitir-lhes passos na direção de um crescimento deles e das crianças. Mas trazer à tona um fantasma que não encontra suporte numa relação transferencial, cuja elaboração somente seria possível nas análises pessoais, pode provocar um desastre. A pertinência da intervenção com os pais só pode ser definida caso a caso levando em conta sua borda, seus limites entre o possível e o impossível. BIBLIOGRAFIA JERUSALINSKY, Alfredo. Seminário interno da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, 1990. LERUDE, Martine. “Pela felicidade das crianças ou Como a terapia da criança pode algumas vezes permitir o crescimento dos pais”. In: Do pai de da mãe. Coleção Psicanálise da criança, v. 4/5, Álgama, 1998. NOTAS SOBRE O DESENHO COMO RÉBUS Marta Pedó A s notas que se seguem foram provocadas pelas idéias de Gabriel Balbo quanto ao desenho e como trabalhamos com ele na clínica psicanalítica com crianças. Algumas de suas elaborações teóricas, tomadas no viés do estudo da letra segundo o ensino de Lacan, mais as contribuições de Jean Allouch, se configuram para mim como consistentes e provocadoras de reflexão sobre o desenho no consultório do analista de crianças. No cotidiano, na clínica ou fora dela, as crianças desenham. Como analistas, podemos incentivar o desenho ou não, mas, mesmo não incentivado, o desenhar costuma aparecer. Dos desenhos, pedimos associações livres ou relatos, narrativas que possam marcar a dimensão simbólica ali presente. No caso do desenho, não raro nos defrontamos com o não-saber sobre essas imagens, como se o próprio autor, a criança, paralisasse diante da imagem. Diante do silêncio relativo ao desenho, o que fazemos? A solução de uma possível interpretação imágica, sustentada no imaginário que se apresenta ao olho, ou no imaginário de um saber prévio, evidentemente não se sustenta senão num engano que rapidamente resulta em fracasso. Para interpretar de outro modo, faz-se necessária a presença de mensagem e de alguém que a escute. Uma mensagem que, decodificada, permita o acesso à interpretação. Qual a mensagem latente nas imagens desenhadas? Gabriel Balbo (1986)1 lembra que a linguagem, o discurso, a escrita, são endônomos ao processo analítico – já o brincar, o desenhar, o modelar, o agir, etc, não; eles têm suas leis em uma organização outra, não a da linguagem. Pelo menos não imediatamente. Há uma passagem necessária 1 20 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 In: TEIXEIRA, Angela B. Do Rio (org). O Mundo a Gente Traça. C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 21 SEÇÃO TEMÁTICA PEDÓ, M. Notas sobre o desenho... à organização linguageira, e é disto de que se trata em tomar o desenho como rébus. O rébus é um enigma (de palavras) representado em imagens – uma escritura cifrada. Seu jogo (é freqüente encontrá-lo nos passatempos infantis) consiste em procurar palavras a partir de um “texto desenhado” que as representa, ou vice-versa: a partir das palavras compor um texto com desenhos que se presume representá-las. Seu interesse reside na equivocidade que comporta, pois não há um representante unívoco, não há só um desenho que pode representar aquela palavra ou parte dela. O jogo de equívoco, estranho e familiar, metafórico, opera uma passagem ao simbólico nesta visada do desenho. “...todo o interesse, toda a equivocidade do RÉBUS consistem nisto, em que o desenho, representando a totalidade ou parte de uma palavra, não é seu significante unívoco, metonímico, mas um outro significante equívoco e metafórico, ou seja: um desenho diferente, mas substitutivo daquilo que teria permitido, sem hesitação, encontrar a palavra correspondente”. (p. 34) Como um sonho, o desenho tem a origem de sua interpretação na escrita hieroglífica deste ponto de vista. Como uma escritura do inconsciente – uma carta. “Contrariamente ao que faz imagem e pode-se facilmente compreender, um desenho apresenta a quem pretenda por ele se interessar um enigma, algo análogo a um rébus ou um hieróglifo, que devem ser decifrados. Supor que um tal desenho possa ser objeto de deciframento implica em perceber e pensar “a imagem” que ele dá a ver como realizada a partir de um ciframento e seu código; ciframento, código e interpretação, sustentando-se a partir de sua leitura prévia que chega às raízes do grafo, além de sua aparência, para daí extrair a mensagem adequada a justificar a interpretação consecutiva”.2 Os desenhos têm 3 regras de produção: 1. precedência do traço formal (característica compartilhada com a escrita); 2. serialidade (eles vêm um depois do outro, embora as séries dificilmente sejam lineares, em geral se amontoam e interferem umas nas outras); 3. possível associação de enunciados (pode-se falar deles, que são tomados como imagem acústica ou representação de coisa). Os desenhos, assim, têm função, para o sujeito, de historicizar imaginariamente o que foi um processo simbólico. É preciso confrontar o sujeito com essa dupla linguagem: o imaginário historicizado e o processo que foi simbólico. Os desenhos das criança vêm uns após os outros como os fonemas das palavras na frase. “E da mesma forma que uma palavra só pode tomar sentido com relação àquela que a precede e a segue, da mesma forma um desenho só pode adquirir sentido numa sucessão, a qual é como o desenho da acústica de uma escritura”*. (p. 59)... Os desenhos se justapõem, se combinam, se encadeiam. Ainda assim, é possível reparti-los em várias séries metonímicas; por exemplo: casa, plantas, veículos, seres humanos, animais... Numa série, um desenho é motonímico do outro. Entretanto, numa série, um desenho pode apresentar um traço – uma adjunção, por exemplo –, que por singularidade constitua um desenho que o intérprete possa selecionar ou considerar como heterogêneo com relação à série, até mesmo significante. É um desenho potencialmente metafórico, de um outro a vir na mesma série, ou de um outro pela mesma particularidade numa outra série: potencialmente metafórico, então, ou já metafórico. (p. 60) Um parêntesis aqui sobre origens: Há alguns anos, encontrei-me com o trabalho minucioso de Jean Allouch 3 sobre a letra na interpretação de sonhos, delírios e discursividade, 2 * Grifado no original. 3 ALLOUCH, Jean. “Letra a Letra: traduzir, transcrever, transliterar”. Rio de Janeiro: Campo Matêmico, 1995. BALBO, Gabriel. (1987) “Do ouvido ao olho, e num estalar de dedos – acerca do desenho e de sua leitura prévia para interpretá-lo”. In: TEIXEIRA, A. B. Do Rio (org). “O mundo a gente traça”. Rio de Janeiro: Ágalma. 22 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 23 SEÇÃO TEMÁTICA mostrando como o jogo de cifração e deciframento segue o modelo de Champollion no deciframento dos hieróglifos. Ele propõe um ternário – transcrição (escrita do som), tradução (escrita do sentido da letra) e transliteração (escrita da letra) que se complementa, afirmando contudo que é a transliteração que faz a passagem, o ciframento e o deciframento em questão na clínica psicanalítica. Escreve ele: “a transliteração é o nome dessa operação onde o que se escreve passa de uma maneira de escrever para outra” (p. 67). Tal como o sonho, o desenho escrito como rébus (dois sistemas de escrita – a letra e a imagem traçada) possibilita passar a mensagem através da transliteração. Essa passagem à dimensão simbólica da tragédia imaginada se faz pela interpretação com a incidência da voz. Aqui, uma diferença: se para Allouch a transliteração de um sistema a outro – da imagem traçada à letra – opera como aquilo que possibilita já a passagem (remetendo à cura), para Balbo, tratam-se de dois processos distintos: primeiro a decodificação do desenho em letras para a posterior interpretação. Balbo4 defende a idéia de dois passos baseado no impossível do sexual, sempre barrado à escrita. Para ele, o sexual fica no imaginário, recalcado, e portanto não simbolizável, apenas interpretável. “A decifração é um jogo de escritura significante, um rébus-metáfora, que encontra sentido por seu intermédio. A interpretação, ao contrário, não faz significância nem metáfora; ela não é senão simbólica. Produz um discurso da ordem do finito, do limitado: mesmo imaginário, o gozo não poderia durar ao infinito.” (p. 46) O autor cita Lacan: “Tudo o que é escrito parte do fato de que será para sempre impossível de escrever, tal como a relação sexual. É daí que há um certo efeito de discurso, que se chama escritura.”(Lacan, sem XX) 5 Na 4 BALBO, Gabriel (1990). “Passagem à Escritura” . In: TEIXEIRA, Ângela do Rio. O Mundo, a gente traça. Rio de Janeiro: Ágalma. 5 Curiosamente, o trecho escolhido reforça a idéia de que a escritura advenha da impossibilidade de escrever a relação sexual... 24 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 PEDÓ, M. Notas sobre o desenho... escrita do desenho, portanto, há algo de para sempre desconhecido e perdido, do sexual. Relembrando as idéias, então: Um desenho contém um rébus a ser decifrado. Poder supor isto implica que se pense a imagem que ele dá a ver como realizada a partir de um ciframento e seu código. Há uma leitura prévia para chegar à interpretação. Supostos: – A imagem como produção manifesta de escritura latente a ser decifrada (o manifesto encobridor). – A criança não pára de escrever nos desenhos, mas não sabe lê-los, o que faz pensar num saber insabido presente. – A leitura da imagem pela imagem é um erro. – A leitura deve-se basear na matéria escritural: signos, séries, oposições, regras de sintaxe. – É preciso desatar e distinguir estilo figural da matéria escritural. – Se o saber é insabido, ele deve ser interpretado, mas baseado numa leitura simbólica prévia. Um passo adiante: 1. Desenhar é riscar, traçar, escrever sobre o papel – diferente de modelar ou escrever sobre o corpo (seu ou do outro); 2. Há desconhecimento no desenho para o autor e quem o vê (tal qual algo que remete ao corpo pulsional, palco do desconhecido por excelência). 3. O desconhecimento é da ordem do insabido sexual, conserva algo da impossibilidade de acesso ao gozo do Outro. 4. O corpo erotizado é o que impulsiona as teorias sexuais infantis (Freud). 5. “Já vai passar...” do corpo ao desenho, do desenho à escrita e à narrativa (consolo a uma criança em sofrimento, a possibilidade de construir ficções para o traumático). 6. Fazer passar é transliterar à voz, ler o escrito. O desenho, ao agir sobre o papel e não mais sobre o corpo ou a massa de modelar, muda o suporte e escreve algo que o próprio sujeito C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 25 SEÇÃO TEMÁTICA desconhece. Ele evolui (dos traços de afirmação de presença de eu a garatujas figurativas e, mais adiante, a desenhos com mensagens propriamente ditas), isto é certo. Mas conserva algo do desconhecido – para quem desenha e para quem vê o desenho. Há algo de não saber sempre presente relativo ao impossível da relação sexual. Proponho lembrar Bergés e Balbo em “Atualidade das Teorias Sexuais Infantis”6. A criança inventa a teoria sexual infantil a partir do corpo erotizado, ou seja, o que impulsiona a formulação das teorias sexuais infantis é o corpo erotizado. Aliás, Freud7 faz parecer evidente que haja teorias sexuais infantis porque há corpo erotizado. As crianças sempre perguntam por que vêm ao mundo, assim como formulam hipóteses. Para quem tiver um corpo pulsional, haverá hipóteses, segundo Freud. Balbo e Bergès, na mesma obra, avançam ao destacar que também se faz necessário a mãe outorgar a possibilidade de a criança teorizar sobre sua verdade, apresentando-se desconhecedora do todo e indicando fragmentos das possíveis hipóteses. Ressaltar a qualidade escritural dos desenhos da criança, como criptogramas decodificáveis em letras que deixaram de ser tatuados na pele do corpo erotizado e passaram a constituir imagens acústicas da voz do Outro, contribui ao formalizar o que constitui nossa questão permanente na especificidade da clínica com crianças, ou seja, o brincar, o narrar estorietas, o desenhar etc, requerem uma transliteração ao código de uso na psicanálise, a saber a linguagem enquanto alfabética. Ainda, Balbo relembra, ao pedir que as crianças falem dos riscos e rabiscos que fizeram, que é da série que podemos analisar os atos de escrita do inconsciente. É provocador, no sentido de um incentivo, o modo siste- PEDÓ, M. Notas sobre o desenho... mático proposto de apresentação das séries de desenhos para a análise pela criança, porque é certo que reconhecemos o valor da apresentação da série, o que fazemos em momentos variados (por exemplo, quando um evento relembra algo de um desenho, e a criança passa a revê-los; no momento de reunir material para a supervisão, etc). Por último, se o inconsciente é originalmente acústico, antes de ser codificado em figuras, a transliteração da mensagem do desenho para a letra ouvida tem efeitos de possibilitar deslizamentos significantes. Há já ali, para a criança, elaboração, no sentido freudiano da elaboração enquanto oposta à repetição – isso passa a outro registro, no qual é possível seguir falando... Seguir teorizando sobre o insabido sexual? Sabemos que a análise de uma criança deve permitir-lhe seguir construindo sua neurose, devolvendo aos pais o crédito de quem tem o saber de algum fragmento da verdade sexual (e assim poder suportar que a criança constitua a sua verdade), resguardando à criança sua face de ingenuidade infantil, de desconhecimento maroto e quiçá por vezes mentiroso, perante o adulto que segue a lhe contar lorotas enquanto ela avança em suas hipóteses sobre o sexual. 6 BERGÈS, Jean & BALBO, Gabriel. “A Atualidade das teorias sexuais infantis”. Porto Alegre: CMC Editora, 2001. 7 Freud, Sigmund. (1905) “Os três ensaios da teoria sexual infantil”. Rio de Janeiro: Zahar, 1969. 26 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 27 SEÇÃO TEMÁTICA SILVA, I. P. DA Os destinos da sexualidade... OS DESTINOS DA SEXUALIDADE INFANTIL1 Ieda Prates da Silva O tema da Sexualidade Infantil nos leva a pensar no legado freudiano, desde os Três Ensaios – há cem anos atrás – e a refletirmos se a sexualidade infantil é hoje a mesma levantada e sustentada por Freud naquela época. Perguntarmo-nos acerca dos ‘destinos’ evidencia que não há uma única direção, assim como também relativiza o caráter imperativo e pré-determinado que a palavra destino pudesse imaginariamente assumir. Isto abre uma multiplicidade de questões e de vieses para se abordar tal tema. Primeiramente, sobre a questão de se a sexualidade infantil tem hoje o mesmo significado para a sociedade do que na época freudiana, se os desdobramentos imaginários deste significante são os mesmos, se as incidências do recalque se dão sobre os mesmos pontos, tendo a responder que não. E mais do que às mudanças culturais, sociais, históricas, estou me referindo à mudança da posição do sujeito no discurso social, onde, no lugar dos referentes simbólicos que orientavam a posição do sujeito no mundo, aparecem os objetos a marcar as posições: posição da criança, do adulto, do feminino, do masculino, do pai e da mãe, do bom e do ruim, etc. É ao redor dos objetos que a pulsão se orienta, como se pudesse esgotar-se ali, como se a satisfação realmente pudesse se encerrar nesta fruição total sem intermediação do código, ou seja, do Outro. O Outro é facilmente suprimido e se o Outro é suprimido, o que desaparece é o Eu. Nesta ameaça de desaparecimento, na falta de referências que atestem sua existência e seu valor (fálico), o sujeito é levado a sempre retomar esta busca desenfreada pelos objetos que, ele espera, recobririam o vazio de significação em que se vê mergulhado. Dito assim pode soar um tanto catastrófico, mas temos testemunhado na clínica cotidiana as conseqüências deste funcionamento, principalmente com crianças e adolescentes, os quais são os mais vulneráveis à quebra do tecido simbólico que deveria sustentá-los e conduzi-los à vida adulta. Nos chegam para tratamento meninos e meninas que estão soterrados sob pilhas de brinquedos, por exemplo, sem que nada faça marca ali, a não ser, talvez, a marca da saturação e indiferenciação que o imperativo de satisfação imediata produz.2 Crianças que não estão referenciadas a outros valores que não seja a posse do objeto, carregando a angústia e os sintomas que isso possa gerar. E não são apenas as crianças das ditas classes média e alta a terem suas vidas regidas por este imperativo de satisfação. Também aquelas provenientes de meio e condições de extrema pobreza ou abandono. Só que neste caso, suas vidas se orientam pelo que elas não têm e, ou se resignam a seu destino de excluídos, ou vão arrancar do outro, a qualquer preço, mesmo que seja o da vida (sua ou do outro – nenhuma delas vale nada mesmo), os objetos que são oferecidos como garantia de recobrimento da falta. Os objetos, em seu valor mercadológico ou funcional, ocupam o lugar das insígnias morais, éticas, afetivas, intelectuais, religiosas, familiares e culturais que formam o caldo simbólico que nos humaniza; que nos torna sujeitos desejantes, justamente porque em falta, submetidos a uma lei maior que nos diz que o objeto de nosso desejo está para sempre perdido, mas que uma vez simbolizado, sua falta será recoberta por significantes que sustentam o nosso desejo e que, portanto, devemos seguir buscando-o. Nesta busca, tropeçamos não com o nosso mítico objeto de satisfação (para sempre recalcado), mas com uma série de coisas pelas quais vale a pena seguir vivendo. (Sobre esta questão do valor da vida recomendo o ótimo e delicado filme espanhol, de Alejandro Amenábar, “Mar Adentro”). 2 1 Versão resumida do trabalho apresentado no Seminário Clínico do Núcleo de Estudos Sigmund Freud, em 02/03/2005: OS CAMINHOS DA SEXUALIDADE INFANTIL. 28 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 A palavra marca adquiriu hoje um significado predominantemente mercadológico, em detrimento de outros significados que a polissemia da palavra comporta, como traço, inscrição, qualidade, tipo, indicação, delimitação, etc. C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 29 SEÇÃO TEMÁTICA Retomando o fio da sexualidade infantil: se em 1905, em plena era vitoriana, pré-revolução feminista, esta expressão e seus pressupostos escandalizaram o mundo pela forte repressão e hipocrisia que incidia sobre a sexualidade feminina e infantil, hoje parece muito tênue a fronteira entre a sexualidade do adulto e da criança. A banalização e a exposição da sexualidade sobre a criança têm dificultado, em muitos casos, a operação de recalque necessária ao estabelecimento das diferenças, sejam estas da sexualidade adulta e infantil, da posição feminina e masculina, da posição em relação ao saber, e por aí vai. O registro da diferença (como efeito da castração) é fundamental para que o sujeito se situe: é este registro que sinaliza que há uma escolha a fazer e um preço a pagar; não se pode ter tudo; não se pode ser todos; não se pode estar do outro lado, estando neste. Atualmente se ouve muito sobre o incremento da erotização da criança, ou da erotização de nossos tempos. Faço uma ressalva aqui, porque me parece que a banalização do sexo, a superexposição, a pobreza de revestimento simbólico e narrativo neste campo, vai na contramão da erotização. O sexual se faz erótico quando aguça o desejo, quando o desperta e o sustém, justamente porque promete algo sem cumpri-lo totalmente; se mostra e se oculta ao mesmo tempo; quando há em algum canto um limite que faz uma borda no objeto. A interdição da cena primária, por exemplo, vai gerar o desejo de estar ali e não podendo estar, a criança vai se interrogar, vai se indagar sobre o que acontece entre o pai e a mãe, do que ela está excluída? O mesmo enigma que inaugura o desejo inaugura a curiosidade. A curiosidade cria as teorias sexuais infantis, primeira expressão do desejo de saber. Pronto: o sujeito entra ativamente na cultura. Bem, mas todos sabemos que não é tão simples assim: há tropeços aí de toda ordem. Mesmo para os neuróticos (ou melhor, principalmente para os neuróticos), há um resto nesta elaboração edípica – resíduo do fantasma sexual dos pais –, com o qual o sujeito terá de se haver. Resto que configura o que Alfredo Jerusalinsky cunhou como o infantil do sujeito: “o que da condição infantil retorna na neurose do adulto” (2004, p.54). E que, de certa 30 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 SILVA, I. P. DA Os destinos da sexualidade... forma, já estava anunciado por Freud, ao designar o caso do Homem dos Lobos como uma Neurose Infantil. É impossível ao sujeito simbolizar completamente a relação sexual dos pais. Há um fracasso aí que diz respeito não só a dificuldade na transmissão do sexual, mas à impossibilidade de encontro absoluto na relação, o que levou à célebre afirmação lacaniana: “não há relação sexual”. Jerusalinsky aponta que “...nesse fracasso, alicerça-se também o desejo que os pais transmitem para a criança de ela vir a ser a exceção a esse fracasso. E é ali que se constitui o fantasma fundamental, nessa conjugação entre o fracasso da relação sexual e a esperança de que não fracasse. Por isso somos conduzidos, do lugar de nosso fantasma fundamental, a certas manobras na nossa vida amorosa e sexual, na esperança de não fracassarmos. Eis aí o cerne do infantil do sujeito.” (1998, p.159) Se nos referimos agora ao sujeito infantil, nos deparamos com um contingente bastante grande de crianças com dificuldades da ordem da aprendizagem e do saber, com quadros fóbicos seríssimos, além dos inúmeros casos (de meninos, principalmente) com sintomas de agitação, agressividade e dificuldades escolares, que invariavelmente recebem diagnóstico de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade).3 Parece estar muito pouco sustentado, pela cultura a saída do Édipo, por uma frágil ou inoperante incidência da metáfora paterna, o que produz para os meninos muitas vezes uma exacerbação da violência como substituição de traços viris que não lhe são oferecidos como possibilidades identificatórias. Quando digo “traços viris”, refiro-me a significantes que façam contraponto ao corpo e ao discurso materno, discurso que está cada vez mais hegemônico, nas configurações familiares e na escola. O discurso hegemônico da igualdade (todos têm que fazerem as mesmas coisas, do mesmo jeito e ao mesmo tempo) num universo maciçamente feminino, convoca os meninos, muitas vezes, a marca- 3 Desenvolvi este tema no trabalho Para ser um guri: espaço e representação da masculinidade na escola, apresentado no Congresso da APPOA, A MASCULINIDADE, de 22 a 24 de outubro de 2004. C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 31 SEÇÃO TEMÁTICA rem com o corpo e a força física as diferenças, quando estas são negadas ou indesejadas; da mesma forma que às histéricas freudianas restava apenas o corpo como último reduto de um embate por um lugar ao sol. Freud postulava três destinos à sexualidade perversa polimorfa infantil: o primeiro era a perversão, ou seja, a sexualidade não sofria os efeitos da castração; o segundo era o recalcamento maciço, com conseqüências de inibição intelectual ou sintomas neuróticos limitantes; e o terceiro e mais raro desfecho, que seria a sublimação: ao incidir o recalcamento sobre a sexualidade infantil, o sujeito não sucumbiria totalmente a ele. Algo da pulsão escaparia ali, saindo não mais em seu “estado puro” – que seria um tipo de satisfação primária, imediata – mas lançando-se a outros fins que não os sexuais. Ou seja, o recalque vai operar através de uma metáfora na qual o significante do Nome-do-pai deverá substituir o significante do desejo materno; portanto, a ilusão de completar a mãe deve ceder lugar ao desejo de saber. A criança só pode vir a sair desta posição de objeto da mãe, se a incidência da linguagem lhe faz deixar cair o objeto da satisfação (o real do corpo). É preciso que o pequeno sujeito perca estes objetos primordiais (o peito, as fezes, a voz materna), para que a falta lhe esburaque simbolicamente, erogenizando as bordas corporais. O desejo materno estará posto, a partir de então, como enigma para o sujeito, enigma que servirá como motor de suas construções metafóricas e sublimatórias. Retomo aqui um parágrafo do trabalho acima referido: “É no atravessamento do Édipo, pela operação de identificação secundária a partir da introjeção da imago parental, que se abrem as portas para a sublimação, a qual libera o sujeito das amarras da rivalidade acentuada em direção ao interesse pelo que está a sua volta. ...As teorias sexuais infantis têm aí o seu ápice, e a partir de então o semelhante poderá ser tomado numa relação fraterna que não esteja dominada pela agressividade, mas intermediada pelo prazer lúdico e da convivência, pela curiosidade, pela fantasia, pelo interesse nos objetos e instrumentos da realidade.” (SILVA, 2004, p.73-74) E acrescento: interesse que não se resume ao consumo, ao uso ou posse deste 32 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 SILVA, I. P. DA Os destinos da sexualidade... objeto, mas que ele seja tomado no seu valor simbólico, isto é, que esteja revestido por uma significação que transcenda a mera funcionalidade ou valor de mercado, que porte para o sujeito uma certa relação ao saber, mantendo aceso o enigma e o desejo de decifrá-lo Para isto é necessário que os pais estejam situados numa posição de transmissão em que, “...geração após geração, se repita esta operação de iludir a infância com a existência de um tesouro de saber que contém o segredo da felicidade, porque esse é o motor necessário e imprescindível para que a curiosidade da criança se instale.” (Jerusalinsky, 1998, p.151). Pois bem, qual será na atualidade a posição do adulto em relação à criança? O tesouro estará num saber a ser transmitido, e por aí vale a pena crescer; ou vendemos à criança a ilusão de que se ela tiver a posse do objeto, terá encontrado o tesouro? Neste último caso, o fracasso é tão imediato quanto a satisfação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: FREUD, S. (1905) Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1989. JERUSALINSKY, A. O sujeito infantil e a infância do sujeito. In: Estilos da Clínica – Revista sobre a Infância com Problemas, Ano III, nº 4, 1º semestre de 1998. São Paulo: USP – Instituto de Psicologia, p.146-159. JERUSALINSKY, A. Seminários IV: Novas Incidências sobre a Sexualidade Infantil. São Paulo: USP, 2004. SILVA, I. P. Para ser um guri: espaço e representação da masculinidade na escola. In: Estilos da Clínica – Revista sobre a Infância com Problemas, Ano IX, nº 17, 2º semestre de 2004. São Paulo: USP – Instituto de Psicologia, p. 70-83. C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 33 SEÇÃO TEMÁTICA MEIRA, A. M. Sobre brincar... SOBRE BRINCAR, ARTE E FANTASIA NA CLÍNICA PSICANALÍTICA COM CRIANÇAS Ana Marta Meira N o escrito “O poeta e os sonhos diurnos”, Freud analisa a relação entre o brincar e a fantasia, partindo da elaboração sobre os proces sos de criação do artista. Podemos encontrar, neste trabalho, passagens que apontam para a construção da fantasia própria do brincar, marcada por traços que se dirigem ao outro. Freud revela que entre o brincar, o fantasiar e a arte há fios que se entrelaçam, fundando espaços de criação. Refere-se ao artista com a expressão schauspieler.1 Schaus se articula a visão, a ver. Spieler a jogador, aquele que brinca. Podemos considerar o artista – schauspieler – como sendo aquele que brinca com o olhar. Que convoca, com sua ludicidade, o olhar. Entre o brincar, o artista e o sonho, produção de imagens, podemos transitar pelas múltiplas formas que podem outorgar à criança a possibilidade de reinventar sua história. Entre estas, a psicanálise. Ao refletirmos sobre a dimensão lúdica que se instala em uma análise de crianças, observamos que o brincar que se desenrola em transferência apresenta diferenciações diante de outros campos de existência das crianças. Podemos apontar que as brincadeiras inventadas pela criança em um processo analítico se encontram articuladas a processos associativos inconscientes enlaçados à transferência. Os brinquedos que fazem parte das buscas e encontros das crianças, considerados desde sua posição significante, são objetos que, brincados, falados, jogados, desmontados, remetem às múltiplas significações que podem vir a representar na cadeia associativa que a criança produz. 1 A referência desta passagem e sua tradução da língua alemã foram realizadas por Vítor Butkus. 34 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 “Vamos fazer de conta?” é demanda que uma criança produz em análise, onde com personagens e objetos criados em meio ao vazio, mas sustentados transferencialmente, passa a buscar novas formas de ser, a enlaçar sua angústia a histórias encenadas. É nos tropeços, trocas, repetições, posições escolhidas, silêncios, interrupções, que o processo analítico se desdobra. O analista que trabalha com crianças ocupa a posição de oferecer a possibilidade de escolha de lugares, espaços e objetos a ser encontrados na cena que a criança busca. Oferece-lhe algumas palavras, muitas delas já enunciadas pela criança, que convocam ao trabalho associativo. Oferece-lhe o silêncio, a ser ocupado com a fantasia e a demanda. Cabe ao analista deixar-se levar pelos trajetos singulares que a criança venha a traçar. A riqueza do trabalho analítico a ser produzido por uma criança encontra-se em dependência da possibilidade de experenciar um lugar que se distancia da vida cotidiana, que se opera em meio à fantasia e aos devaneios que convocam à livre associação, motor da análise, pela via do brincar. Podemos considerar as brincadeiras e narrativas de uma criança em análise como sendo o motor do desdobramento subjetivo, ao revelar-se a possibilidade de ensaios de novas posições, novos enlaces. Como em uma brincadeira de cabra cega, onde a criança, de olhos vendados, se defronta com seus desejos, medos, angústias, fundando trajetórias que passam a ser sustentadas, visceralmente, por sua imaginação. O desejo do analista aí se apaga, para que seja possível à criança esboçar gestos, olhares e palavras de forma singular, desprendendo-se do desejo do outro, deixando cair os objetos que a prendiam à alienação fundante do ser. As crianças costumam girar o corpo daquela que será a cabra cega, para que perca o rumo de seus passos. Da mesma forma, a posição do analista, ao não intervir de forma diretiva, faz com que a criança possa buscar, a partir de seu imaginário, os traços simbólicos que marcarão seu caminho, o norte de seu desejo. Podemos nos reportar a Lacan que escreveu a respeito da relação do sujeito com o objeto perdido, jamais encontrado, onde a sustentação da mesma se opera através da fantasia. C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 35 SEÇÃO TEMÁTICA O DESEJO DO ANALISTA DE CRIANÇAS NA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO PSÍQUICO* Os brinquedos encontram-se neste lugar: coisa a perder. São objetos de “faz de conta” que convocam ao brincar. Beatriz Kauri dos Reis REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FREUD, S. – El poeta y los sueños diurnos, Obras completas, vol. II, Madrid, Ed. Biblioteca Nueva, 1973. Lacan, J. – L’Objet de la psychanalyse, Séminaire 1965-1966, Paris, Ed. de l’Association Freudienne Internationale, documento de circulação interna da Associação Freudiana Internacional. V ou lhes falar um pouco da clínica infantil. Trata-se do trabalho desenvolvido com uma menininha de 4 anos, que vinha trazida por seus pais, os quais me relataram uma história que de vida quase não havia nada. Era um relato de suas andanças pelas intercorrências clínicas que a filha vivenciou. O casal tinha além desta, uma filha mais velha, de 13 anos. Antes do nascimento da paciente, a mãe teve uma gestação interrompida por um aborto espontâneo, em função de que o feto era portador de uma Síndrome Genética. Talvez estivesse ligado a isso o lugar preponderante que esse casal dava para as “doenças” na história dessa menina, que chamarei de Sigrid. Peço-lhes um pouco de paciência, porque vou me estender sobre o caso, já que este me parece exemplar do lugar vital que nós terapeutas, ficamos colocados, volta e meia, frente a determinados pacientes. Sabemos desde Freud, e nos reasseguramos com Lacan, que o desejo é obra da linguagem e que, para a criança, é no lugar do grande Outro (encarnado por seus pais ou cuidadores) que pode nascer o seu próprio desejo. Bem, retomando a narrativa do trabalho com Sigrid, sua mãe verbaliza que não era para essa filha ter nascido. Ela sente que agora está situada frente à Sigrid, já que finalmente a nova neurologista, que já é a 3ª na série dos diversos profissionais consultados, lhes forneceu um diagnóstico. Sigrid é autista. Conforme Berlink (2000), a etiologia da palavra autismo, termo cunhado por Bleuler, para referenciar um auto-erotismo, donde Eros está excluído. * Trabalho apresentado na Jornada Experimentum Mundi - Psicanálise, Arte e Utopia, em janeiro de 2005. 36 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 37 SEÇÃO TEMÁTICA Peço aos pais que me tragam filmagens da família. Ao assistí-las, observo uma errância de Sigrid, por entre as paredes ou muros de sua casa. Não há registro de cena de diálogo, brincadeira ou chamado algum. Sigrid perambula sozinha, seguida pelo olhar de seu pai que não a interpela, não estabelecendo nenhuma relação com ela. Esta menina freqüentava uma creche, desde os 6 meses, permanecendo até 10 h diárias no local. A mãe me disse que com o pessoal da creche eu, certamente, obteria mais informações, do que com eles pais, já que as professoras conheciam Sigrid melhor que eles. Finalmente, conheci Sigrid e constato aliviada que ela não é autista, mas funciona no nível de uma psicose. Menina linda, de grandes olhos azuis, vinha agarrada ao bico e uma fralda. Chegava sonolenta, mas rapidamente se “acendia”, ao me ver brincar. Introduzi na cena terapêutica uma boneca, que ela mesma conseguiu nomear, diante de minha insistência para que ela assim o fizesse. Era a Amanda, que passou a nos acompanhar nas sessões. Primeiramente, eu era a mãe, ela me colocava nesse lugar, falando, me pedindo para exercer esta função. Em geral, a cena que se armava através das indicações que ela ia me dando, era de um aniversário, Amanda fazia repetidamente, 4 anos, como ela própria, mas com o passar do tempo Amanda também crescia e passou a fazer 5 anos. Noutros dias, Sigrid aceitava minha indicação de que ela fizesse o papel da mãe. A cena se dava sempre da mesma forma, ela batia no consultório fictício do médico, que era dramatizado por mim, adentrava dizendo que sua filha tinha feito xixi nas calças, só que nada mais ela conseguia dizer, não havia deslocamento possível aí. Se fez xixi, então tem que ir ao médico, deve estar doente. Tinha dias em que ela chegava e nada disso podia ser encenado, brincado. Ela procurava as canetas e lápis para desenhar, mas de tanto bater com força na mesa, sobre a folha, as quebrava. Ou me pedia para jogar memória, mas não suportava seguir nenhuma regra, logo deixando esta atividade e passando para outra coisa, sem se fixar em nada. Além disso, nesses dias, ela ficava assombrada com os barulhos externos, os quais ela ouvia como estrondos. Ficava muito assustada, corria para perto de mim e chorava. 38 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 REIS, B. K. DOS O desejo do analista... Nestas situações depois de acalmá-la, nós saíamos a passear pela clínica, já que no consultório nada acontecia, além de seu pânico. Andávamos pelo pátio, onde havia uma churrasqueira e era sempre para lá que ela se dirigia. – “Churrasqueira tem boca?” Perguntava. – Não Sigrid, churrasqueira não tem boca, não tem olhos, nem nariz e nem cabeça. – “Churrasqueira tem perna?” Ela insistia, porque não tinha recursos simbólicos para diferenciar aquele objeto com um enorme buraco escuro, da figura de uma pessoa. Assim passávamos um bom tempo, ou seja, eu tentando lhe transmitir significados que a auxiliasse a resolver, a desenrolar, o enigma que representava para ela aquela churrasqueira, a qual só exemplificava algo muito mais complexo, que era poder diferenciar os objetos das pessoas. Eu aproveitava tais impasses para fisgá-la numa atividade de modelar com argila, onde eu confeccionava esses objetos que a intrigavam, especialmente, enlaçando-os numa trama. Desenvolvendo uma historinha, na qual ela era a protagonista. Nesse meio tempo ela foi matriculada numa escola regular para cursar o Jardim A, embora eu tenha alertado seus pais para a fragilidade psíquica de Sigrid e sua dificuldade em poder suportar um sistema pedagógico de escola regular, por mais inclusivos que pudessem ser, nessa nova instituição escolar. Foi em vão. Para eles ela é uma menina com dificuldades, porém com teimosias e espertezas que os faziam crer que ela seria capaz, inclusive, de se alfabetizar. O que me fazia constatar que não era ela que eles ouviam, viam e sentiam, senão suas próprias expectativas com relação a ela, que a deixavam cada vez mais numa situação catastrófica. A ponto dela, por exemplo, não conseguir evacuar por dias a fio. Seus pais contavam-me que quando ela tinha pouco mais de 3 anos, colocaram-na numa escolinha de natação, só que ela não pode permanecer, em função de que evacuava na piscina. Isso porque ela havia sido habituada por eles a evacuar na C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 39 SEÇÃO TEMÁTICA banheira, imersa na água morna. Ela não tinha recursos simbólicos para fazer o controle esfincteriano, não havia uma imagem corporal constituída, logo liberar as fezes era como perder um pedaço do próprio corpo, lhe gerava pavor. Foi um desastre o processo inclusivo pelo qual ela passou. Apesar dela ter uma professora para lhe acompanhar, praticamente, individualmente, ela tinha crises, em que gritava muito e batia em seus colegas. O que fez a equipe pedagógica optar por diminuir o período em que ela permanecia na escola, já que as tais crises, ocorriam sempre depois de uma determinada hora. Discutimos este procedimento, com o qual eu concordei. Aliás, eu acompanhei de perto as dificuldades escolares de Sigrid e de suas professoras. Os pais não viram com bons olhos tal redução e passaram a me identificar como aquela que determinava as condutas da escola. Já que eles tinham clara a minha posição de que a menina não possuía recursos psíquicos para agüentar aquela demanda toda. Era como se eles não precisassem investir seu tempo e interesse nessa criança, não havia aposta nela. Sua mãe fazia uma exigência tal que não conseguia dar sentido ao comportamento de Sigrid a não ser pela via do real. Se ela estava mais agitada, ou se fazia xixi na cama, era porque estava muito calor e ela tinha tomado muito líquido à noite. E esta menina já havia passado por um atendimento anterior com uma terapeuta ocupacional que tentou, depois de um longo período, introduzir uma psicóloga, da qual o casal se queixava porque, para eles, ela tentava tratar deles ao invés de se ocupar de Sigrid. Aliás, o tratamento comigo já era também a terceira tentativa, que durou pouco mais de um ano e que terminou sem que ao menos nós pudéssemos nos despedir. Os pais não conseguiam fazer nenhuma hipótese de saber em relação a sua filha. Eles a traziam para que eu pudesse fazer essa hipótese que faltava sobre ela, já que eu discordei do diagnóstico de autismo. Mas quando se tentava compartilhar com eles tais hipóteses, eles recuavam e discordavam, “não, não é isso”. Infelizmente, não foi possível desenvolver um trabalho efetivo junto aos pais, que resistiam muito e não tinham estabelecido comigo 40 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 REIS, B. K. DOS O desejo do analista... uma transferência sólida o suficiente, para suportar tantos percalços. Logo, Sigrid permaneceu para eles, como um objeto real, inexplicável. Embora o trabalho tenha sido bruscamente interrompido, não podemos negar que ele deixou marcas, marcas que têm como pano de fundo o estabelecimento de uma transitividade que claudicou na relação dessa criança com seus pais. Transitividade esta, que confere alteridade à criança, escapando do engolfamento próprio das relações duais, imaginárias1. Pois é através da identificação transitivista que se estabelece na relação da mãe com seu bebê, que haverá uma antecipação pela mãe de um saber na criança. É justamente por essa via que se instaurará um lugar, que é aquele do sujeito. Por outro lado, Lacan (1958) nos fala que o desejo é a metonímia do ser no sujeito. Logo, é a partir do desejo e seus deslocamentos infinitos, que temos notícias do sujeito. Mas para que isso se arme, num caso como este que lhes trouxe, terá que haver, necessariamente, uma implicação do desejo do analista, sem o qual a cura não se dá. Conforme Pommier (1998:437) o desejo do analista, contrariamente aos outros desejos, deve dispensar aquilo sobre o qual tomou seu apoio, vale mais que o analista não busque curar, se deseja que isto aconteça. Ele aponta para o impasse do desejo, “(...) que por ser eficaz para outros (os analisantes), não deixa de ser problemático para os próprios analistas. Se eles não são por isso incuráveis, este impasse os tornará mais trabalhadores ...” Ainda mais problemático para os analistas de crianças que são convocados a ocupar o lugar do grande Outro na transferência, já que os pais nem sempre são capazes de sustentar consistentemente tal posição. O que significa que temos que emprestar nosso imaginário e ir recheando de significantes o caminho da cura. Não se trata de, como numa análise de adulto, ficar advertido para não atuar com seu próprio fantasma, seu próprio 1 Conforme Bergès e Balbo (2003). C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 41 SEÇÃO TEMÁTICA imaginário, seus ideais. Na infância, além de termos que lidar com a insuficiência própria desse período da vida, há uma urgência temporal que não se pode negar. Logo, nos presentificamos sim, não podemos é deixar que nosso desejo transborde na cena terapêutica, aí está outro impasse. É mister alternarmo-nos num exercício constante de ir e vir, ora nos tornarmos presentes e ora ausentes, dando tempo e lugar para que os pequenos se apropriem dos enunciados que na cena se armam, graças à transferência dos pais. Pois sem esta não há análise de crianças. Sabemos com a psicanálise que o “NÃO” é organizador, o que possibilita que a criança venha aceder a uma vida própria é justamente a interdição que ela experencia na relação com o grande Outro primordial. É na falta que nos constituímos psiquicamente, que somos lançados num percurso desejante. O ato analítico têm uma função interpretativa para o sujeito, interrogando o que faz resistência, abrindo novas zonas de enigma. Encorajando-o a seguir perseguindo seu desejo. REFERÊNCIAS BERGÈS, J. & BALBO, B. “Psicose, Autismo e Falha Cognitiva na Criança”. Porto Alegre: CMC, 2003. BERLINK, Manoel Tosta. “Psicologia Fundamental”. São Paulo: Escuta, 2000. LACAN, Jacques. Los seminarios de Jacques Lacan, El Deseo y su Interpretación. Versão eletrônica. Buenos Aires, 1958. POMMIER, G. “O Amor ao Avesso”. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1998 A INFÂNCIA INVADE O CONTO DE FADAS1 Diana Corso e Mário Corso M esmo que nunca tenha lido Andersen você o conhece. Talvez apenas não saiba a quem endereçar a gratidão por ter-se embalado nas suas fantasias. Qualquer um de nós já sofreu com a história do Patinho Feio ou se divertiu quando a criança disse que o monarca estava nu em a Roupa Nova do Imperador. Por terem elementos dos contos folclóricos, suas histórias às vezes se confundem com eles, como se também fossem milenares, por isso muitas vezes não são creditadas ao seu criador. Se fosse vivo, provavelmente Andersen tomaria esse equívoco como o maior elogio a sua obra. Andersen foi um dos inventores da literatura infantil. Seus predecessores ilustres no território das fadas, Perrault e os irmãos Grimm, escreviam para adultos, ou melhor para todos, pois não havia essa divisão etária na literatura. Embora tenham compartilhado o mesmo período histórico, com apenas uma geração de diferença (o mais velho dos irmãos Grimm tinha 20 anos quando Andersen nasceu), o jovem dinamarquês não possuía a mesma postura reverencial do que seus colegas alemães quanto ao conto folclórico. Ele fazia literatura explicitamente: para tanto alterou os relatos da tradição como quis, terminava contos de outra maneira, usava partes de contos folclóricos para novos enredos, apresentava um desprendimento que parecia vetado aos folcloristas. É certo que tanto os Grimm quanto Perrault tomaram liberdades de narrador, enfeitaram e recortaram as histórias da forma necessária para tornar tramas folclóricas interessantes para o seu público. Perrault floreou as histórias ao estilo da corte da época, enquanto os Grimm as encaixaram nos valores morais que pretendiam promover para a consolidação da nação 1 Texto alusivo aos 200 anos de nascimento de Hans C. Andersen publicado em Zero Hora, 02/04/2005. 42 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 43 SEÇÃO DEBATES CORSO, D. E CORSO, M. A infância invade... germânica que o movimento romântico idealizava. Andersen também tinha suas segundas intenções, para tanto escreveu inúmeras histórias de insistente conteúdo cristão. Porém, as coincidências com seus predecessores terminam aí. Há uma subjetividade eloqüente em seus personagens, uma representação literária do sofrimento dos pequenos (os pobres, as crianças) que empresta a suas histórias um caráter até então ímpar. A novidade não está nos temas, está no enfoque. Suas histórias por vezes eram estruturadas como contos de fadas clássicos, outras, eram fábulas morais com forte densidade cristã, ou apenas contava situações inusitadas que traziam alguma lição, ou ainda escrevia crônicas tristes que pinçava de seu cotidiano, cuja única magia estava em sua sensibilidade particular com os desfavorecidos da sorte. A questão que se poderia colocar é: o que fazia a unidade em sua produção, que lhe valeu tantos créditos até hoje? É muito difícil classificar a obra de Andersen, sua imaginação prodigiosa, aliada à falta de padrão literário, faz dele um escritor único. Não é assim tão simples dizer que ele escrevia para crianças, suas intenções como autor provavelmente visavam todas as faixas etárias, mas seu enfoque inaugurou um inédito espaço de identificação e tradução para a infância, particularmente no que ela evoca de sentimentos de fraqueza e desamparo. Andersen intuitivamente percebeu a revolução que se processava quanto à concepção da infância e tomou parte dela. Seus textos incluem as crianças, seja como heróis protagonistas ou mesmo usando a lógica infantil. Ao contrário dos contos de fada, os heróis infantis de Andersen possuem uma subjetividade complexa. Nos relatos da tradição a infância é considerada uma etapa de impotência a ser superada, enquanto ele lhe emprestou encanto e nobreza. Além de perceber e documentar os sofrimentos infantis, ele defendeu explicitamente o direito da criança à fantasia, assim como o fato de que os mais jovens foram, cada vez mais, tornando-se depositários e promotores do pensamento mágico. Nas poucas décadas que o separam dos irmãos Grimm uma mudança se processou e Andersen foi seu porta-voz: o território fantástico, outrora identificado com as mentes mais simples, os camponeses, passou a ser de serventia das crianças. 44 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 Nesse sentido, do montante díspar da sua obra cabe-nos destacar três eixos que traduzem esta tendência: o dos personagens infantis que falam pelas crianças, traduzindo seu sofrimento e temores, dos quais O Patinho Feio é o mais importante representante; o da animação de objetos, como os brinquedos, para representar a impotência dos pequenos, incompreendidos e cheios de desejos que ninguém escuta, vide o Soldadinho de Chumbo; por último, o do empréstimo de um papel de protagonistas às crianças no contexto de histórias de conteúdo aparentemente folclórico, como em A Roupa Nova do Imperador. O Patinho Feio é o ovo certo no ninho errado. Ele só encontra rejeição e escárnio justamente onde esperava prolongar um pouco o calor do choco e é jogado num mundo hostil. Trata-se de um ovo de cisne chocado por equívoco por uma pata que maltrata aquele filhote diferente. Até descobrir-se um belo cisne adulto, a avezinha atravessa o inverno padecendo de fome e solidão. Sentir-se uma criança rejeitada é próprio de todos nós, quando percebemos não estar agradando a nossos pais. Afinal, na infância somos amáveis, mas em geral estamos mais para um filhote estranho do que para macios patinhos que nadam obedientes atrás da mãe. Somos inconvenientes, meio torpes e muitas vezes bem diferentes dos bebês perfeitinhos que mamãe fantasiou. Esse conto de Andersen sempre foi considerado o mais autobiográfico, pois conta-se que ele muito sofreu com a própria inadequação e feiúra e o Patinho seria seu alter-ego. Pode ser, mas o que nos importa é que ele tenha legado às crianças essa imagem do desamparo e do sentimento de rejeição na qual elas sempre de alguma forma se reconhecem. Por sorte a adolescência sempre chega oferecendo-nos a plumagem de cisnes. Pelo jeito, para esse dinamarquês isso não foi muito fácil. Sua visão do amor, beata, platônica e muitas vezes letal, leva-nos a conjecturar que ele encontrou a beleza nas palavras, mas nem por isso teve recompensas no campo do amor. Por isso, não surpreende que o Soldadinho de Chumbo seja uma história de amor infeliz. Trata-se de soldadinho diferente, pois falta-lhe uma perna. Em função disso, apaixona-se por uma bailarina de papel, cuja perna C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 45 SEÇÃO DEBATES CORSO, D. E CORSO, M. A infância invade... erguida faz parecer que ela também tem apenas uma. Fascinado pela amada, coloca-se num lugar desde onde possa contemplá-la e deixa de ser guardado com os seus irmãos. Em função disso, o soldadinho sofre inúmeros revezes, cai da janela, é colocado a navegar pelos esgotos num barquinho de papel e termina na barriga de um peixe que, para seu grande espanto, é comprado pela cozinheira da casa onde morava. Mas nem essa virada da sorte propicia o amor impossível dos dois: somente na morte, queimando juntos, derrubados na lareira por um pé de vento eles finalmente se fundirão. Como o soldadinho e a bailarina, as crianças estão à mercê de serem levadas para onde forças superiores quiserem. Devemos lembrar que é bem recente a idéia de consultar uma criança a respeito de se ela quer ou não ir a determinado lugar ou se está sentindo-se bem onde está. Nos tempos da infância de Andersen, crianças morariam como, quando e com quem fosse disposto que deveria ser, e pouco importava o que achassem disso. Além disso, seus sentimentos não passavam de secretas fantasias e ilusões, que o mundo ignorava solenemente. Ao mesmo tempo em que Andersen dá voz às pequenas almas, não as poupa de dolorosas frustrações por almejarem o impossível. Por isso o final proposto por ele no texto original de A Pequena Sereia é tão diferente do arranjo feliz que assistimos no filme dos Estúdios Disney. No texto, ela terá que pagar com a mudez pela pretensão de ter pernas e conquistar um humano, mas seu silêncio a impedirá de ser notada e terá que vê-lo desposar outra moça, encontrando alívio apenas na morte e no abrigo dos céus. Em outra história, chamada A Casa Velha, na qual o sentimento de impotência de um brinquedo muito evoca o das crianças, que muitas vezes são obrigadas a crescer em famílias onde não se sentem bem ou sentem saudades de familiares perdidos. Nela, um menino presenteia com um de seus soldadinhos de chumbo a um velho da casa vizinha, cuja solidão o comoveu. Através desse brinquedo, os dois travam uma amizade que se encerra com o crescimento de um e a morte do outro. O detalhe é que cada vez que o menino faz uma de suas visitas ao velho, o soldadinho aproveita um momento de ausência de seu novo dono para queixar-se amargamente. 46 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 Reclama que quer voltar ao antigo lar, pois não suporta a tristeza e a quietude fantasmagórica da casa do velho. Todas as vezes, o menino se recusa a levá-lo de volta e explica ao brinquedo que ele terá que se conformar, agora aquele é seu lugar. O interessante desse conto é o ponto de vista desde o qual a narrativa encontra seu eixo: a infelicidade do soldadinho. Os objetos, assim como as crianças e os animais, oferecem a Andersen a possibilidade de expressar o que sentiu sendo um menino pobre, franzino e sensível. Certamente, Andersen não foi o primeiro menino infeliz a se fazer ouvir. A literatura está cheia deles, a começar pelos heróis de seu contemporâneo Charles Dickens. Porém, a novidade é que dentro de uma narrativa de formato aparentemente antigo (pelo recurso às fábulas e contos de fadas) encontramos a história enfocada desde o ponto de vista da criança. A questão é que as histórias de Andersen não são apenas sobre crianças, elas são elaboradas a partir de como elas pensam e sentem, ele não tem a mínima dúvida de que encontra-se nelas o pote de magia no final do arco íris. Como em As Flores da Pequena Ida, onde um mundo de bailes com flores dançantes se descortina aos olhos de uma menina, a quem um garoto mais velho conta essa história. A satisfação do menino narrador é contrastada com a chatice de um velho, presente à cena, o qual resmunga contra aqueles que enchem a cabeça das crianças de bobagens. Pois bem, Andersen escreveu muitas dessas ditas bobagens, deu-lhes tratamento literário e ajudou a situar na infância um modo de ver a vida que deixa de ser considerado deficitário, passando a ser socialmente valorizado, divertido e poético. Sobre essa valorização do pensamento infantil, temos em A Roupa Nova do Imperador um representante magistral. A história é conhecida de todos: uns espertalhões aproveitam-se da vaidade desmesurada dum imperador para lhe tirar uma pequena fortuna. Os falsos artesões diziam que tramariam um tecido tão maravilhoso que só as pessoas inteligentes conseguiriam enxergar. O próprio imperador não consegue ver o tecido, mas como não quer passar por néscio diz que é maravilhoso, enquanto todos ministros C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 47 SEÇÃO DEBATES AGENDA e aduladores em volta, temendo ter sua burrice desmascarada, também concordam com a magnificência do seu novo traje. Quando o imperador está desfilando em público, com a sua propalada nova e exuberante roupa, é uma criança quem tem a ingênua coragem de gritar que o rei está nu. – Ele não tem roupa nenhuma – correu de boca em boca – Uma criança está dizendo que ele não tem roupa nenhuma. Somente a partir daí todos se permitem olhar de fato o que está acontecendo. Para passar por inteligentes todos demonstram imensa burrice, por isso a história é uma crítica à vaidade, e à mentira, numa sociedade viciada em mesuras e rituais, onde não há mais espaço para a verdade. Mas o que nos parece importante é o fato de que é uma criança quem desmascara a cena. O lugar da verdade já não provém da sabedoria ancestral, dos velhos experientes, mas duma criança não corrompida pela hipocrisia. Andersen conhece as dores de ser criança, mas acima de tudo aposta na inocência infantil como fonte da verdade e da virtude. Nestes dois séculos, a infância conquistou o mundo, por isso esse autor, que reescreveu a tradição desde o ponto de vista dos pequenos, é tão amado até hoje. ABRIL – 2005 Dia 07, 14, e 28 04 e 18 07 08 e 15 08 e 29 11 e 25 14 Hora 19h30min Local Sede da APPOA Atividade Reunião da Comissão de Eventos 20h30min 21h 8h30min 15h30min 20h30min 21h Sede Sede Sede Sede Sede Sede Reunião da Comissão do Correio da APPOA Reunião da Mesa Diretiva Reunião da Comissão de Aperiódicos Reunião da Comissão da Revista da APPOA Reunião do Serviço de Atendimento Clínico Reunião da Mesa Diretiva aberta aos Membros da APPOA da da da da da da APPOA APPOA APPOA APPOA APPOA APPOA PRÓXIMO NÚMERO RELENDO FREUD: CONSTRUÇÕES EM ANÁLISE 48 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005 49 Capa: Manuscrito de Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of events in the last decade. London, Hogarth, 1992.) Criação da capa: Flávio Wild - Macchina ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE GESTÃO 2003/2004 Presidência: Maria Ângela C. Brasil 1a Vice-Presidência: Mario Corso 2a Vice-Presidência: Ligia Gomes Víctora 1a Secretária: Marieta Rodrigues 2a Secretária: Marianne Stolzmann 1a Tesoureira: Grasiela Kraemer 2a Tesoureira: Maria Lúcia Müller Stein MESA DIRETIVA Alfredo Néstor Jerusalinsky, Ana Maria Medeiros da Costa, Ângela Lângaro Becker, Carmen Backes, Clara von Hohendorff, Edson Luiz André de Sousa, Gladys Wechsler Carnos, Ieda Prates da Silva, Jaime Betts, Liliane Seide Froemming, Lucia Serrano Pereira, Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack, Maria Beatriz Kallfelz, e Robson de Freitas Pereira EXPEDIENTE Órgão informativo da APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre Rua Faria Santos, 258 CEP 90670-150 Porto Alegre - RS Tel: (51) 3333 2140 - Fax: (51) 3333 7922 e-mail: [email protected] - home-page: www.appoa.com.br Jornalista responsável: Jussara Porto - Reg. n 0 3956 Impressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda. Av. Eng. Ludolfo Boehl, 729 CEP 91720-150 Porto Alegre - RS - Tel: (51) 3318 6355 Comissão do Correio Coordenação: Marcia Helena de Menezes Ribeiro e Robson de Freitas Pereira Integrantes: Ana Laura Giongo, Fernanda Breda, Gerson Smiech Pinho, Henriete Karam, Maria Lúcia Müller Stein, Norton Cezar Dal Follo da Rosa Júnior e Rosane Palacci Santos SUMÁRIO EDITORIAL 1 NOTÍCIAS 2 SEÇÃO TEMÁTICA QUEM ANALISA CRIANÇAS? Alfredo Jerusalinsky PAIS E FILHOS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTE ENCONTRO NA CENA ANALÍTICA Eda Tavares NOTAS SOBRE O DESENHO COMO RÉBUS Marta Pedó OS DESTINOS DA SEXUALIDADE INFANTIL Ieda Prates da Silva SOBRE BRINCAR, ARTE E FANTASIA NA CLÍNICA PSICANALÍTICA COM CRIANÇAS Ana Marta Meira O DESEJO DO ANALISTA DE CRIANÇAS NA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO PSÍQUICO Beatriz Kauri dos Reis SEÇÃO DEBATES A INFÂNCIA INVADE O CONTO DE FADAS Diana Corso e Mário Corso AGENDA 7 7 15 21 28 34 37 43 43 49 N° 134 – ANO XII A B R I L – 2 0 05 PSICANÁLISE DE CRIANÇAS C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005 53