EDITORIAL
O
s textos que compõem o corpo principal desse Correio situam-se
na esteira de um acontecimento relevante: neste ano inicia o Percurso em Psicanálise de Crianças na APPOA, articulado ao Curso
de Formação em Psicanálise de Crianças do Núcleo de Estudos Sigmund
Freud. Se ambos percorridos seguem trajetórias autônomas que respondem
aos princípios formativos de cada instituição, há uma série de seminários
compartilhados que serão assistidos em forma conjunta – assim como ditados conjuntamente – pelos alunos de ambos grupos.
Tal acordo de trabalho, mereceu uma prolongada elaboração que esteve a cargo de um cartel na APPOA integrando uma comissão conjunta
com os colegas do NESF (ou “Sigui”, como gostam de chamá-lo).
Os textos, aqui oferecidos, surgem da genuína demanda operada pela
discussão em torno dos problemas que a transmissão de um corpo conceitual
específico coloca.
Ganha-se com isso um volume de trabalho não somente para os colegas que escolheram se embrenhar no assunto, mas também para aqueles
que, na sua prática psicanalítica genérica, não tem alcançado distinguir as
diferenças e os problemas que se apresentam para o psicanalista quando a
estrutura não corresponde ao sujeito teórico das neuroses. Assim, as questões que nascem no trabalho clínico com crianças estendem-se além de
seu campo de origem, mostrando-se cruciais para a formação de qualquer
analista.
Verifica-se, então um pequeno passo adiante na medida em que se
realiza por escrito o que já faz significativo tempo a clínica com crianças vem
nos ensinando. Vale a pena assinalar que, se a publicação deste número do
Correio está associada a um importante momento institucional, articula-se
também a uma série de publicações – outros números do Correio, da revista
da APPOA e de nosso antigo Boletim – nas quais os temas da infância e da
psicanálise de crianças já estiveram em pauta, expressando os problemas
que se apresentavam à discussão naquelas ocasiões, no interior da Associação.
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005
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NOTÍCIAS
NOTÍCIAS
CICLO DE DEBATES
MACHADO DE ASSIS NA CULTURA
PSICANÁLISE & LITERATURA
Dia: 28 de abril (quinta-feira)
Hora: 20h
Local: Livraria Cultura (Bourbon Shopping Country – Av. Túlio de Rose, 80 –
Loja 302)
Realização: Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA), Livraria
Cultura e Pós-Graduação de Letras da UFRGS
Entrada Franca
O Espelho e as articulações entre Arcaico e moderno estarão sendo
discutidos neste segundo encontro do ciclo Machado de Assis na Cultura. O
psicanalista Edson de Sousa vai retomar o clássico conto O espelho para
fazer uma leitura de temas que são caros tanto ao ato psicanalítico quanto
ao ato artístico. Na mesma noite, o professor e doutor em Letras, Homero
Vizeu de Araújo estará retomando o debate entre arcaísmo e modernidade.
Ambos atualizam a presença e importância dos textos machadianos para a
cultura brasileira e, conseqüentemente, para a psicanálise.
Próximos encontros:
19 de maio – Pai contra Mãe (Robson de Freitas Pereira); Machado e Brecht
na dramaturgia de Pai contra Mãe (Paulo Brody);
30 de junho – Brás Cubas (Flávio Azevedo) e O momento crucial de Brás
Cubas (Enéas de Souza)
Segundo semestre: confirmadas a participação de Ana Costa e Flávio
Loureiro Chaves.
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JORNADA INTERNA – 14 DE MAIO – FORMAÇÃO E TRANSMISSÃO
Depois de um significativo percurso bibliográfico e da discussão com
vários colegas da APPOA, visando a Jornada Interna acerca da temática da
“Formação e da Transmissão”,nas próximas reuniões o cartel preparatório
estará compartilhando com os colegas a discussão sobre as questões que
cada um pretende apresentar e trabalhar na jornada. Alguns temas começam a despontar a partir do estudo e debate fomentado no cartel: o ensino
da psicanálise no meio universitário e percurso de formação; as relações
entre psicanálise e mídia; o lugar da supervisão na formação analítica; como
produzir efeitos de escansão numa instituição psicanalítica?; laço associativo
e alteridade; o estudo teórico entre pares e a questão da transmissão.
Os próximos encontros, destinados à discussão destas e outras idéias, serão:
02/04 – sábado – 8h30min (local da Jornada de Abertura – Novotel)
07/04 – quinta feira – 19h30min (APPOA)
29/04 – sexta feira – 18h (APPOA)
Lembramos que o cartel é aberto aos interessados e que poderão
inscrever-se na Jornada Interna não só os Associados, mas também os
freqüentadores de ensino da APPOA.
Coordenação do Cartel
EXERCÍCIOS CLÍNICOS
Convidamos a todos interessados para o primeiro Exercício Clínico
deste ano que será realizado no próximo dia 30/04, às 10h, na sede da
APPOA. Neste dia debateremos com Alfredo Jerusalinsky o trabalho “Oscar
Wilde, precursor de James Joyce: Novas notas sobre o Sinthome”, que terá
como debatedora Sandra Torossian.
Como as vagas são limitadas, lembramos que é necessário fazer previamente a inscrição na secretaria da APPOA.
Os exercícios clínicos são organizados pelo Serviço de Atendimento
Clínico da APPOA e estão previstos mais dois encontros para este ano, nos
dias 13/08 e 05/11, com temáticas a serem confirmadas.
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NOTÍCIAS
NOTÍCIAS
GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ADOLESCÊNCIA
A adolescência não pode mais ser compreendida como uma etapa do
desenvolvimento ou como conseqüência da puberdade, pois ela se faz presente independente destas duas condições, como uma operação psíquica
ou um estado de espírito. Operação que se apresenta na forma de uma
suspensão em momentos cruciais de nossa vida. Suspensão que implica
numa necessária passagem para diferentes referenciais simbólicos, o que
implica em construir um novo imaginário. A Adolescência, então, representa
o sujeito em invenção.O que está em jogo é fundamentalmente sua posição
sexuada diante do Outro. Posição que terá que construir nesta travessia
subjetiva, não mais sustentada pelas figuras parentais, mas por aquilo que
delas pode simbolicamente se servir.
Nesta travessia, as operações do estádio do espelho são reeditadas e
o pulsional que emerge aparece novamente sob a forma da voz e olhar, agora
apreendidos fora do imaginário materno. Justamente por aí, a adolescência
inaugura uma crise, posição de suspensão diante do Outro, momento em
que a rede simbólica parental se rasga com muita facilidade. Este seminário
se ocupa fundamentalmente das questões inerentes a essas operações em
que, não só o adolescente, mas o sujeito moderno como tal está implicado,
ou seja, a necessidade de inventar-se.
Coordenação: Angela Lângaro Becker e Ieda Prates da Silva
Frequência: mensal, sábados, das 10hs ás 12hs.
Local: Novo Hamburgo
Inscrições abertas na sede da APPOA e pelo número: (51) 594.6981
MUDANÇA DE ENDEREÇO
Ângela Lângaro Becker informa o novo endereço e telefone de seu consultório: Rua Dona Laura, 45/402. Fone: 3029.9440.
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ASSOCIAÇÃO LACANIANA INTERNACIONAL
E ESPAÇO ANALÍTICO PROMOVEM:
JORNADA DE ESTUDO – O BEBÊ E A PULSÃO
Data: 28 e 29 de maio de 2005
Local: Hospital Pitiê-Salpêtrière – Paris
Principais temas em discussão
– Sobre os fetos
– Prematuridade
– Diálogo entre psicanalistas e as ciências do desenvolvimento
Maiores informações na Secretaria da APPOA.
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO-ESPECIALIZAÇÃO
DEPENDÊNCIA QUÍMICA: UMA VISÃO INTERDISCIPLINAR
A UNISINOS está oferecendo um Curso de Especialização para profissionais de diferentes áreas (saúde, educação, direito, recursos humanos)
em projetos de prevenção, tratamento, assistência, bem como na gestão de
ações e serviços, na perspectiva da interdisciplinaridade na área do uso prejudicial de álcool e outras drogas.
Coordenação:
MARTA CONTE
e-mail: [email protected]
Período do curso:
Início: 13/05/2005
Término: 09/09/2006
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NOTÍCIAS
SEÇÃO TEMÁTICA
QUEM ANALISA CRIANÇAS?
Horários:
Sextas-feiras das 13h às 19h30
Sábados das 9h30 às 16h30, uma vez por semestre.
Inscrições:
Início: 25/2/2005
Término: 30/4/2005
Local: Coordenação de Admissão e Matrícula
Taxa: R$ 25,00
Seleção:
Será feita com base na análise da documentação solicitada, entregue no
momento da inscrição.
Início: 2/5/2005 Término: 4/5/2005
Divulgação dos resultados: a partir de 5/5/2005 na Secretaria da Especialização pelo telefone (51) 590-8121 ou pelo site www.unisinos.br .
Matrícula:
Início: 06/5/2005 Término: 12/5/2005
Local: Coordenação de Admissão e Matrícula
Informações:
Linha Direta Unisinos: (51) 591-1122
Secretaria da especialização: (51) 590-8121
E-mail: [email protected]
www.unisinos.br
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Alfredo Jerusalinsky
N
unca desconsiderada por Sigmund Freud – que, pelo contrário, encontrou, na sua experiência, comprovações e aportes fundamentais
para a práxis psicanalítica em geral –, a psicanálise de crianças foi
insistentemente colocada por seus sucessores numa posição de prática
secundária. Contraditoriamente com o papel relevante que tiveram para os
desdobramentos da teoria psicanalítica muitos de seus principais mentores
– Anna Freud, Melanie Klein, Karl Abraham, Paula Heimann, Sabina Spielrein,
Sophie Morgenstern, Margaret Mahler, Donald W. Winnicott, René Diatkine,
Francis Tustin, Françoise Dolto, Maud Mannoni, Jean Bergès, Piera Aulagnier,
entre muitos outros –, a psicanálise de crianças foi reiteradamente empurrada para fora das fronteiras de uma tal de “verdadeira prática analítica”. Consecutivamente, foi qualificada – de certo modo acusada – de prática pedagógica, aplicação psicanalítica para os cuidados primários, indagação de interesse teórico, aplicação multidisciplinar e, ultimamente, prática de saúde
mental. Como se todos esses qualificativos fossem ao mesmo tempo pejorativos e excludentes, e não modos de interseção interdisciplinar de uma
genuína prática psicanalítica.
Interessante é verificar que entre os psicanalistas lacanianos – focando
o setor ligado a Jacques Alain Miller onde surge essa última qualificação –
não tem aparecido nenhuma tentativa de colocar a prática psicanalítica com
pacientes psicóticos em nenhuma posição marginal em relação a uma suposta “prática pura” da psicanálise. É possível entender que, embora as dificuldades para a intervenção psicanalítica encontrem pontos similares entre
a psicanálise de crianças e a psicanálise de psicóticos, seria um atrevimento desmedido colocar esta última prática fora do terreno psicanalítico. Sobretudo para um lacaniano, considerando que a prática de Jacques Lacan tomou esse campo não somente como seu ponto de partida, mas o tornou
uma das fontes fundamentais de seus desdobramentos teórico-clínicos.
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SEÇÃO TEMÁTICA
Lacan, com suas descobertas acerca da estrutura lingüística do inconsciente e seus avanços conceituais reorientadores do ato psicanalítico,
realizou a crítica da postura de S. Freud, que situava as fronteiras da intervenção psicanalítica na borda das neuroses, incorporando definitivamente ao
interior da prática psicanalítica os pacientes psicóticos.
Tem se passado mais de cem anos do caso inaugural do pequeno
Hans, durante os quais tem ocorrido uma vasta disseminação da prática
psicanalítica com crianças em acepções as mais diversas. Isso tem revertido em experiência clínica da maior riqueza, tanto no que se refere ao sujeito
infantil quanto ao viés, fundamental na psicanálise de adultos, do infantil do
sujeito. Cabe a nós, então, realizarmos a crítica do longo silêncio de S.
Freud diante da virulenta polêmica entre Anna Freud e Melanie Klein, confronto ao qual as letras de Lacan trouxeram novas luzes. Luzes cujo foco
aponta, certamente, não na direção de excluir a prática psicanalítica com
crianças do interior do campo psicanalítico, mas para o esforço – por ele
explicitamente reconhecido – de tornar audível a particular posição do sujeito
(“pequeno sujeito” é como ele o chama) nesse momento de sua vida.
Recentemente tropecei na Internet com o título de um curso oferecido
por psicanalistas, evidentemente destinado a enunciar de um modo radical o
caráter atemporal do inconsciente: “O sujeito não envelhece”. Pelo menos a
nível do título e da temática proposta, ele parece desconsiderar os desdobramentos sobre o tempo lógico e a lógica do fantasma que Lacan nos oferece.
Bom trabalho custou a ele estabelecer um modo de leitura do registro do
real, que descarta toda conclusão apriorística e universal sobre a posição do
sujeito face ao tempo, tornando necessária a operação de considerar um
sujeito na sua particular temporalidade.
Que na boca de um velho fale sua posição adolescente, ou que na
boca de uma criança fale o sujeito parental, constitui a circunstância clínica
que diferencia a escuta do psicanalista da escuta do filósofo. Podemos coligir que este último acredita estar nisso escutando as contradições imanentes
de um ser universal (dali à mística – junguiana, por exemplo – ou às curas
xamânicas, somente um passo). O psicanalista, no entanto, escuta ali o
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sujeito dividido cujo recalque faz força para conter um real que não é constante na sua forma de acossá-lo. Precisamente, é essa oscilação (a que o
ritmo da pulsão testemunha), essa cadência, que o obriga a mudar o modo
de sua relação de objeto, ou seja, fazer diante seu fantasma um novo sintoma. Eis, ali, que podemos reconhecer sintomas próprios da infância tanto
quanto sintomas próprios da velhice. Ocorre que são dois momentos da vida
nos quais o sujeito, longe de poder se sustentar na pretensa imanência de
um sujeito constante que a pretensão filosófica ou religiosa gostariam, tropeça com um excesso de real que interfere a cada passo nas suas operações
de simbolização. Essa interferência puxa fragmentos do imaginário corporal,
desgarrando-os da ordem simbólica e precipitando-os no registro do real.
Lançado, pelo desejo do Outro, a uma febril construção de sentido
durante a infância, o pequeno sujeito vê-se as voltas com a necessidade de
se sustentar num outro real para suprir os atos dos quais ainda não é capaz.
Somente assim ele consegue se articular precariamente na cadeia do discurso, onde é essencial e decisivo estar representado para lograr algum
governo sobre seu destino. É por isso que o pequeno sujeito, nesse tempo
(que responde a uma lógica que, embora não cingida à cronologia, precisa
de um transcurso e um desenvolvimento para operar suas conseqüências),
se mostra tão sensível às sutis torções de percurso que os adultos lhe imprimem.
Já o sujeito revela estar confrontado com seu envelhecimento (o de
seu corpo, oras!, que não lhe é alheio a não ser na esquizofrenia), na medida
em que seu sintoma se torna resistência diante a desconstrução do sentido
que trabalhosamente edificou.
Por um lado, Sigmund Freud sentou as bases da escuta do inconsciente nas formações da linguagem, independentemente de qualquer cronologia histórica, revelando que a ordem de enlace que prevalece no aparelho
psíquico responde a lógica do desejo e não à seqüência real dos acontecimentos. Mas, por outro lado, ele mesmo vacilou enquanto a direção a tomar
quando se viu confrontado ao extremo dissociativo entre o real e o simbólico
colocado pela psicose. Também, mutatus mutandis, a restrição do futuro e a
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SEÇÃO TEMÁTICA
crescente extensão de um passado inamovível, relativa ao avanço da idade,
o levou a desacreditar da analisabilidade das pessoas idosas, situando esse
qualificativo em idades bem aquém das que hoje mereceriam tal denominação. De fato, todos os casos clínicos por ele relatados pertencem a pessoas
com menos de 30 anos, já que considerava de difícil mudança (das que a
psicanálise pode produzir) aos que passavam dessa idade. No extremo contrário, aventou a esperança de que, a particular mobilidade manifestada pelo
sujeito na infância, o caráter decisivo das experiências infantis na estruturação
desse sujeito, e o fácil afloramento do inconsciente que ele encontrara nos
pequenos clinicamente observados deviam tornar o trabalho analítico, desdobrado nessa fase, particularmente frutífero, com possibilidades de prevenção de futuras neuroses. Isso implicava reconhecer que, durante a infância,
o sujeito está sendo “fabricado”, o que torna improvável qualquer assertiva de
estruturação precoce como definitiva e irreversível. Assim, a dependência de
um outro real (que não é a mesma coisa que depender do real do outro) para
lavrar sua entrada na linguagem e, conseqüentemente, conseguir moldar
esse excesso de real na ordem simbólica, coloca esse pequeno sujeito numa
particular plasticidade psíquica. Assim, paradoxalmente, esse excesso de
real, em lugar de enrijecer as estruturas – como ocorre no envelhecimento e
nas psicoses – provoca uma ansiedade produtiva (assim como o delírio na
paranóia) que torna o sujeito mais permeável às incidências do desejo do
outro, sendo, então, também particularmente permeável ao desejo do analista. Estas são as razões pelas quais, já faz bastante tempo, propomos denominar as estrutura psicopatológicas da infância como “não decididas”, precisamente porque a elas falta o ato que fixa o modo da representação.
É, então, com toda legitimidade, que a demanda dirigida aos psicanalistas de crianças os implica numa responsabilidade suplementar, que não
se apresenta para os psicanalistas de adultos: a responsabilidade sobre o
futuro de seu paciente. Proposição incontornável que coloca o analista num
impasse e que o obriga a suprir com conhecimentos o que, de fato, não pode
saber. Dito de outro modo, o analista vê-se obrigado a produzir uma suplência, o que quer dizer um sinthome. Com efeito, sua única possibilidade de
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manter a posição de sujeito suposto saber que segure a transferência necessária (a dos pais e a do pequeno sujeito) para o desdobramento de uma
análise, é a de situar de um modo preciso as bordas do real enquanto condição de possibilidade desse sujeito em particular. Testemunhar, então, os
limites do rei que, no seu filho, os pais desejam. Eis ali que o psicanalista de
crianças se vê na necessidade de esgrimir conhecimentos relativos ao diagnóstico diferencial, à maturação neurológica, à neuroplasticidade, aos processos do desenvolvimento intelectual e motor, às aprendizagens (tanto as
possíveis quanto às exigidas pela cultura circundante). Conhecimentos que
não suprem o saber sobre as vicissitudes psíquicas futuras – saber que só
poderá advir da interrogação ao inconsciente – mas que permitem estabelecer a condição de possibilidade de tais vicissitudes virem a acontecer.
É evidente que isto faz uma notável diferença tanto na posição do
psicanalista de crianças em relação ao psicanalista de adultos, quanto na
formação e informação de que ele precisa dispor. Eis, ali, que esse excesso
de real que o sujeito infantil suporta, inevitavelmente, se faz presente na
interpretação, na medida em que o “intruso” – isso que se sabe, isso que se
apresenta sem ser convidado – requer um esforço suplementar para ser enlaçado à ordem simbólica.
O que é isso que se intromete? Muito simples: um esfíncter que ainda
não responde, uma língua que ainda não obedece, um traço que ainda não
mantém a sua trajetória, uma relação lógica que ainda não se articula, uma
percepção que ainda não se define, um objeto sexual que ainda não se
escolhe. É diante esse excedente que o sujeito infantil produz seus “sintomas de infância”, aqueles sintomas que, embora transitórios, constituem
uma passagem fundamental na elaboração do confronto com o fantasma
materno e com o olhar do pai. Brincar, desenhar, fabular, encarnar personagens imaginários, o temor à escuridão, as fobias infantis transitórias, os
pesadelos edipianos, a exigência de repetição literal dos contos, a preferência por confrontos mirabolantes, e toda forma de dilatação imaginária. Tratase da construção de um mundo de ficção onde a dura lei da castração possa
ser tramitada por um sujeito no mínimo tão poderoso quanto o Grande Outro.
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SEÇÃO TEMÁTICA
Daí que, David e Golias, após tantos milênios, continue a ser um dos contos
prediletos.
Certamente, para o analista faz diferença se seu paciente adulto vem
vestido de homem aranha, mas não seria nada inquietante que seu pequeno
paciente de 5 anos chegue à sessão munido de tal disfarce. Seria igual, se
o paciente que assim chegasse vestido tivesse 12 anos? Certamente que
não. O traço paranóico de regredir a uma defesa infantil não tem equivalência
com a investidura desse mesmo disfarce, que projeta o pequeno sujeito infantil numa posição fantasmática futura de potência fálica. Sendo o significante
o mesmo (homem aranha), sua posição na série do tempo lógico não é a
mesma: no adulto se apresenta numa posição de passado – como o infantil
do sujeito –, na criança se apresenta numa posição de futuro – como identificação antecipada pelo sujeito infantil.
Do mesmo modo, o psicanalista seguramente acompanharia ao banheiro sua pequena paciente de três anos, embora jamais faria isso com a
de 20.
O que orienta tal diferença de atitudes do analista não é o saber sobre
o inconsciente, mas uma série de conhecimentos que fazem borda e estabelecem o ponto de partida de toda formação transferencial.
Se, do ponto de vista lógico, o fantasma do sujeito – que a falta de
melhor termo denominamos ‘adulto’ –, se encontra no passado, o fantasma do sujeito infantil opera sobre ele desde uma posição futura. Eis aqui
que se fundamenta a conjugação do futuro anterior característica do
momento do brincar: “Agora eu era...”.Tal comparecimento da peculiar
lógica temporal na enunciação demonstra que a relação com o significante
não é a mesma que na vida adulta. Tal como se justifica uma
especificidade da prática psicanalítica no campo das psicoses – precisamente porque a relação do sujeito psicótico com o significante não é a
mesma que mantém o sujeito neurótico –, encontramos suficiente fundamento para sustentar a especificidade da prática psicanalítica com crianças, na medida em que se demonstra, também, uma diferença nessa
mesma ordem de coisas.
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Ainda são pertinentes a esta questão algumas considerações sobre
as relações entre o ato psicanalítico e o ato educativo. A transmissão, para
que se instale no pequeno sujeito a função paterna, implica um trabalho
parental que divida e diferencie no sujeito os três registros – real, simbólico,
imaginário – sob a forma respectiva de sexuação, filiação e identificações.
Para produzir tais efeitos, é necessária uma normatização do gozo.
Normatização que a criança aceita por temor de perder o desejo do outro
(esse que lhe garante a existência). O medo do castigo implica o paradoxo
de suportar a restrição e a frustração do gozo para não ser privado dele.
Essa normativa (representação subalterna da lei), assim imposta, molda a
pulsão com o cinzel da letra encaminhado-a pelo desfiladeiro do significante.
Tal normativa é o que chamamos habitual e apropriadamente de educação.
Assim considerada, podemos compreender a importância que ela tem
na transmissão da função paterna. Na clínica psicanalítica de crianças, tropeçamos de modo fartamente freqüente com sérias complicações do circuito pulsional. Tais complicações costumam aparecer enlaçadas, precisamente,
à dificuldade com que os pais lidam com essa normativa. Debilidade, excesso, inabilidade, inoportunidade, recusa, precipitação, são algumas das formas do fracasso a que são arrastados os pais, confundidos pelo seu próprio
sintoma conjugal – representantes do qual costumam ser os filhos. Não é de
estranhar, então, que o psicanalista seja tão freqüentemente convocado à
esse terreno educativo. Eis, então, que o psicanalista verá ser colocada a
prova a consistência de sua posição. Ele deve saber que a simples repetição
da norma, por mais severidade que nisso empenhe, está tão fadada ao fracasso quanto o que se verificou na tentativa dos pais.É mister que ela seja
introduzida de um modo interpretativo. Isso implica saber a condição oportuna, enquanto modo, sentido e lugar do momento de sua enunciação.
Como podemos ver, analisar crianças implica em especificidades, que
não se resumem num pacote de recomendações técnicas, mas que se desdobram nos campos do tempo lógico, das relações do significante com o
fantasma, na modalização do sintoma, nas particularidades da lei e, conseqüentemente, em formas diferenciadas da transferência.
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SEÇÃO TEMÁTICA
Na medida em que o que se analisa é a posição do sujeito do inconsciente, a idade do analisante não deveria fazer diferença. Mas, eis aqui, que
a clínica vem nos desmentir tão simplificador apotegma. De fato, embora
numa posição quase invariavelmente marginal, houve e há percursos diferenciados para a formação de psicanalistas de crianças nas mais diversas instituições psicanalíticas. Jacques Lacan considerou de modo elogiável os
seminários de psicanálise de crianças sustentados por Françoise Dolto e
Maud Mannoni na Escola Freudiana de Paris.
Como podemos apreciar, não são poucas as razões para nos
enfronharmos separadamente na temática que a prática com crianças nos
exige. Parece, então, sensato reclamar uma formação específica para aqueles psicanalistas que escolhem ocupar-se de crianças.
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PAIS E FILHOS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
SOBRE ESTE ENCONTRO NA CENA ANALÍTICA
Eda Tavares
A
o longo do desenvolvimento do trabalho psicanalítico com crianças, o
cruzamento transferencial pais-criança-analista sempre foi um ponto
chave e ao mesmo tempo de grande desafio para os analistas. A
dupla transferência, dos pais e da criança, sempre trouxe inúmeras questões, incômodos e muitas queixas dos analistas sobre estes, os pais, reclamando por atrapalharem o andamento da análise da criança. As dificuldades
geradas por esse entrecruzamento provocaram e ainda provocam idas e vindas nas proposições de intervenção: não receber os pais, encaminhá-los a
outro analista, recebê-los inúmeras entrevistas antes de receber a criança,
trabalhar somente com os pais, recebê-los em intervalos regulares pré-determinados.... Tantas marchas e contra-marchas, tantos postulados, tantas
vezes dogmáticos, só vêm a demonstrar que o que se coloca em cena a
partir do sintoma de uma criança não é desafio pequeno para os analistas.
Assim, este artigo não tem a pretensão de dar conta desta problemática,
mas de trazer algumas considerações sobre este nó transferencial entre
analista-criança-pais, que somente pode ir se desdobrando nos impasses
que a transferência coloca.
Uma das tantas propostas foi a de exclusão dos pais da cena terapêutica sob o critério de que a criança faz seu próprio sintoma e, justamente,
considerando que este sintoma tem a função de defesa diante do fantasma
de seus pais, e tratando-se – no tratamento de crianças – de romper com o
sentido unívoco do sintoma, tanto melhor mantê-los longe. Assim, se poderia concluir que, quanto mais distantes os pais, mais facilitado o trabalho do
analista com a criança. Simples.
Porém, se falamos, na infância, do Outro encarnado nos pais, não se
trata apenas de uma vestimenta temporária, para os tempos da infância de
seus rebentos, e que os pais somente vestiriam em algumas circunstân-
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SEÇÃO TEMÁTICA
cias eletivas. É preciso tomar toda a dimensão que o Outro tem na teoria
psicanalítica, aqui sustentado na figura dos pais: sem ele não há sujeito
que se constitua. Trata-se de uma função que não se pode tirar nem pôr,
como uma roupa de acordo com o clima. Função e personagem ficam amalgamados.
E isto coloca algumas questões na clínica. Se é possível tirar os pais
de dentro do consultório, mesmo não considerando as conseqüências que
isto implica, não é possível tirá-los de dentro da criança. Tal dimensão se
verifica em alguns impasses que surgem na clínica. Muitas vezes, quando
uma criança se recusa a uma análise, é na medida em que esta pode implicar um questionamento das ou de uma das figuras parentais. A criança,
antes da adolescência, ao ficar exposta aos conflitos dos adultos, não tem
como se remeter a uma formação fantasmática no futuro. O adolescente já
se confrontou com o fracasso do ideal parental – embora não com o próprio
– o que o remete a uma posição futura do fantasma na qual ele se supõe
como não fracassado, ele não vai sofrer os fracassos que seus pais padeceram, ele sim vai poder fazer melhor. Mas a posição futura da criança é o ideal
parental, assim, o confronto com o fracasso parental a deixa sem rumo,
exposta a uma situação na qual não saber para onde ir. A saída que, então,
encontra é retornar aos pais, ficando novamente submetida a demanda do
ideal. Em conseqüência, o tratamento aparece como insuportável, insustentável, pois impõe um cenário onde estão expostos os pais no seu fracasso,
o rei está nu.
No começo da análise de uma criança se coloca que a transferência
inicial é a deles. São os pais que buscam o analista e se queixam do sintoma de seu filho. Mas, aquilo de que eles se queixam, ou o que pedem sobre
o que acontece ao seu filho, não é sinônimo daquilo que eles demandam. O
que eles demandam, apesar do que possam pedir ao analista, se estabelece
a partir do fantasma e, portanto, do inconsciente.
Sem que surja e seja trabalhada esta demanda com os pais, certamente a análise da criança não se sustentará: tomarão seu filho pela mão e
partirão batendo a porta. Esta demanda inevitavelmente retornará através
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TAVARES, E. Pais e filhos: algumas...
das modificações apresentadas pela criança e os pegará de surpresa na
sala de espera como um fantasma num filme de terror, do qual só lhes restará correr.
A constância ou não do contato com os pais dependerá, para pensálo desde critérios psicanalíticos – como propõe Alfredo Jerusalinsky – da
posição do sintoma da criança que aparece como resposta a este Outro que
os pais encarnam. É esta posição que permite pensar quando, ou não, é
conveniente a participação dos pais. Relembraremos resumidamente as proposições colocadas por Jerusalinsky.
Se a criança é chamada a responder de modo unívoco ao imperativo
do Outro seu sintoma aparecerá como a mínima autonomia subjetiva em
relação a esta demanda. Nestes casos, a proximidade com os pais abrirá a
brecha para que o analista fique colocado, por parte da criança, numa aliança imaginária com os pais. A operação necessária a ser realizada com os
pais nas entrevistas preliminares é de abrir espaço para permitir que a análise da criança fique resguardada, freando o imperativo parental.
Quando há um desfalecimento da função do Outro, sua inconsistência provoca uma ausência de eficácia do significante. São aqueles casos, no
seu extremo a esquizofrenia, onde não há o imperativo de um sentido único,
mas uma oferta ampla de significantes, como num varejo, e que a criança
escolha os que lhe aprouver, sem que ela tenha como saber os que são
considerados fundamentais para seguir na vida. Diante dessa indiferenciação
a criança oferece seu corpo (sintomas eminentemente corporais) para conseguir enlaçar-se ao discurso parental. É necessário, então, o trabalho com
os pais, para que a criança possa interpelá-los e, a partir dos significantes
que surjam, para constituir uma fala própria. Sendo, então, esse o momento
no qual os pais já podem sair de cena.
A coincidência de sintoma entre pais e filhos demonstra um lugar de
inconsistência simbólica da cadeia significante parental. O sintoma vem preencher esta falha que o discurso dos pais deixou vazio no simbólico, o que
aparece sob a forma duma colagem imaginária entre pais e filho, na demanda de que este seja como eles. Para que seja possível a análise do filho,
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SEÇÃO TEMÁTICA
para que este possa elaborar este ponto de falha da função paterna, é necessário que os pais estejam dispostos a abrir mão deste atalho imaginário de
reconhecimento entre pais e filho e, portanto, este é um trabalho a ser realizado pelos pais com o analista.
Nos casos em que é recomendável intervir com os pais, um analista
não pode perder de vista quem é seu paciente, a criança. O fato dos pais não
serem o paciente coloca, como é lógico, um ponto limite na intervenção com
eles. Limite aqui tomado como o limite do suportável para estes pais, sem
que se rompa a transferência ou que se provoque uma crise que possa detonar passagens ao ato. O que permitiria estabelecer qual é este limite?
Os pais trazem seus filhos ao analista porque esperam que ele possa
entender o que acontece com seu filho, o que eles não conseguem. O que
representa este sintoma lhes escapa, e eles vêm com seu filho à análise
para recaptura-lo. É neste ponto onde eles não compreendem que está, no
seu avesso, o fantasma fundamental deles mesmos. É este ponto em que o
simbólico faz nó com o real (onde a castração corta no corpo) e o sujeito se
esforça em mantê-los separados, pois sua junção pode ser enlouquecedora.
Assim, se a intervenção do analista for na direção de revelar este ponto de
junção, onde ambos registros se juntam, como acontece na interpretação na
análise, pode irromper uma crise, alastrando os riscos de acting-outs e todas as manifestações que surgem quando se entrevê a impossibilidade de
se sustentar como sujeito.
A interpretação do fantasma dos pais é um ponto crítico e portanto só
pode ser entrevisto através das intervenções do analista, na medida em que
seja sustentada pela transferência e levando em conta que a cadeia
significante que está sendo “fiada” não é a deles, e sim a de seu filho. Uma
intervenção desta ordem, uma interpretação do fantasma, pode implicar
submetê-los a uma violência, como a de tomar um pedaço deles somente
porque convém à análise do filho, sem lhes oferecer o trabalho significante
necessário para suturar esta ferida.
Por outro lado, a análise dos filhos pode oportunizar uma elaboração
por parte dos pais que lhes permite crescer, como lembra Martine Lerude
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C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005
TAVARES, E. Pais e filhos: algumas...
(1998). Esta autora ressalta que a análise de uma criança, permitindo aos
pais reconhecer a alteridade do filho, isto é, que ele é um sujeito e não um
prolongamento deles, pode trazer-lhes a novidade de uma relação sujeito à
sujeito que é muito mais interessante e suportável do que a tirania da fascinação imaginária de um filho que represente o ideal de felicidade.
Mas, um outro aspecto que surge na clínica me surpreende: encontrar
pais que se analisavam há bastante tempo com reconhecidos analistas, e
que era através da análise de seus filhos que surgiam pontos cegos de suas
análises pessoais que, através de pensar o sintoma do filho, começavam a
entrever e permitir novos rumos nas suas análises.
Um pai ou uma mãe podem se reconhecer como transmissores – no
sintoma ou no fantasma – de uma falha que vai fazer seu filho sofrer e,
mesmo sendo uma intenção às avessas (que ele não sofra), trata-se de uma
repetição do que ele padeceu. Enquanto pais são transmissores, na cadeia
das gerações, de algo que remete a sua própria origem, às gerações anteriores. É neste sentido que Lacan refere a necessidade de três gerações para
a produção de uma psicose.
Estes pais quando, em análise própria, identificam no padecimento
de seus filhos seu papel de transmissores, costumam empreender a travessia em busca de suas origens nas gerações anteriores. Buscam o que em
suas histórias construiu seu padecimento e que vem, agora, se manifestar
no sintoma do filho. A análise se direciona, então, a pensar “naquilo que me
faz padecer” e não “no que eu faço outro padecer”. A possibilidade desta
questão que se abre através da demanda ao analista do filho sobre o sintoma
infantil, remete os pais a sua própria posição na cadeia das gerações. Se
esta se estende no sentido da anterioridade, também se estende no sentido
da posterioridade, onde os pais se situam como transmissores e, como
qualquer mortal que, nas suas tentativas de lidar com a castração, também
transmite o padecer.
O sintoma da criança remete ao fantasma parental e, assim sendo, o
trabalho com os pais coloca toda a dificuldade de operar numa borda de
difícil equilíbrio. As “notícias” que os pais possam ter deste fantasma, atra-
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SEÇÃO TEMÁTICA
vés de entrevistas com o analista de seu filho, pode permitir-lhes passos na
direção de um crescimento deles e das crianças. Mas trazer à tona um
fantasma que não encontra suporte numa relação transferencial, cuja elaboração somente seria possível nas análises pessoais, pode provocar um desastre. A pertinência da intervenção com os pais só pode ser definida caso a
caso levando em conta sua borda, seus limites entre o possível e o impossível.
BIBLIOGRAFIA
JERUSALINSKY, Alfredo. Seminário interno da Associação Psicanalítica de Porto
Alegre, 1990.
LERUDE, Martine. “Pela felicidade das crianças ou Como a terapia da criança
pode algumas vezes permitir o crescimento dos pais”. In: Do pai de da mãe.
Coleção Psicanálise da criança, v. 4/5, Álgama, 1998.
NOTAS SOBRE O DESENHO COMO RÉBUS
Marta Pedó
A
s notas que se seguem foram provocadas pelas idéias de Gabriel
Balbo quanto ao desenho e como trabalhamos com ele na clínica
psicanalítica com crianças. Algumas de suas elaborações teóricas,
tomadas no viés do estudo da letra segundo o ensino de Lacan, mais as
contribuições de Jean Allouch, se configuram para mim como consistentes
e provocadoras de reflexão sobre o desenho no consultório do analista de
crianças.
No cotidiano, na clínica ou fora dela, as crianças desenham. Como
analistas, podemos incentivar o desenho ou não, mas, mesmo não incentivado, o desenhar costuma aparecer. Dos desenhos, pedimos associações
livres ou relatos, narrativas que possam marcar a dimensão simbólica ali
presente. No caso do desenho, não raro nos defrontamos com o não-saber
sobre essas imagens, como se o próprio autor, a criança, paralisasse diante
da imagem. Diante do silêncio relativo ao desenho, o que fazemos?
A solução de uma possível interpretação imágica, sustentada no imaginário que se apresenta ao olho, ou no imaginário de um saber prévio, evidentemente não se sustenta senão num engano que rapidamente resulta em
fracasso.
Para interpretar de outro modo, faz-se necessária a presença de mensagem e de alguém que a escute. Uma mensagem que, decodificada, permita o
acesso à interpretação. Qual a mensagem latente nas imagens desenhadas?
Gabriel Balbo (1986)1 lembra que a linguagem, o discurso, a escrita,
são endônomos ao processo analítico – já o brincar, o desenhar, o modelar,
o agir, etc, não; eles têm suas leis em uma organização outra, não a da
linguagem. Pelo menos não imediatamente. Há uma passagem necessária
1
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In: TEIXEIRA, Angela B. Do Rio (org). O Mundo a Gente Traça.
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SEÇÃO TEMÁTICA
PEDÓ, M. Notas sobre o desenho...
à organização linguageira, e é disto de que se trata em tomar o desenho
como rébus.
O rébus é um enigma (de palavras) representado em imagens – uma
escritura cifrada. Seu jogo (é freqüente encontrá-lo nos passatempos infantis) consiste em procurar palavras a partir de um “texto desenhado” que as
representa, ou vice-versa: a partir das palavras compor um texto com desenhos que se presume representá-las.
Seu interesse reside na equivocidade que comporta, pois não há um
representante unívoco, não há só um desenho que pode representar aquela
palavra ou parte dela. O jogo de equívoco, estranho e familiar, metafórico,
opera uma passagem ao simbólico nesta visada do desenho.
“...todo o interesse, toda a equivocidade do RÉBUS consistem nisto,
em que o desenho, representando a totalidade ou parte de uma palavra, não
é seu significante unívoco, metonímico, mas um outro significante equívoco
e metafórico, ou seja: um desenho diferente, mas substitutivo daquilo que
teria permitido, sem hesitação, encontrar a palavra correspondente”. (p. 34)
Como um sonho, o desenho tem a origem de sua interpretação na
escrita hieroglífica deste ponto de vista. Como uma escritura do inconsciente
– uma carta.
“Contrariamente ao que faz imagem e pode-se facilmente compreender, um desenho apresenta a quem pretenda por ele se interessar um enigma, algo análogo a um rébus ou um hieróglifo, que devem ser decifrados.
Supor que um tal desenho possa ser objeto de deciframento implica em
perceber e pensar “a imagem” que ele dá a ver como realizada a partir de um
ciframento e seu código; ciframento, código e interpretação, sustentando-se
a partir de sua leitura prévia que chega às raízes do grafo, além de sua
aparência, para daí extrair a mensagem adequada a justificar a interpretação
consecutiva”.2
Os desenhos têm 3 regras de produção:
1. precedência do traço formal (característica compartilhada com a
escrita);
2. serialidade (eles vêm um depois do outro, embora as séries dificilmente sejam lineares, em geral se amontoam e interferem umas nas outras);
3. possível associação de enunciados (pode-se falar deles, que são
tomados como imagem acústica ou representação de coisa).
Os desenhos, assim, têm função, para o sujeito, de historicizar imaginariamente o que foi um processo simbólico. É preciso confrontar o sujeito
com essa dupla linguagem: o imaginário historicizado e o processo que foi
simbólico.
Os desenhos das criança vêm uns após os outros como os fonemas
das palavras na frase. “E da mesma forma que uma palavra só pode tomar
sentido com relação àquela que a precede e a segue, da mesma forma um
desenho só pode adquirir sentido numa sucessão, a qual é como o desenho
da acústica de uma escritura”*. (p. 59)...
Os desenhos se justapõem, se combinam, se encadeiam. Ainda assim, é possível reparti-los em várias séries metonímicas; por exemplo: casa,
plantas, veículos, seres humanos, animais... Numa série, um desenho é
motonímico do outro. Entretanto, numa série, um desenho pode apresentar
um traço – uma adjunção, por exemplo –, que por singularidade constitua
um desenho que o intérprete possa selecionar ou considerar como heterogêneo com relação à série, até mesmo significante. É um desenho potencialmente metafórico, de um outro a vir na mesma série, ou de um outro pela
mesma particularidade numa outra série: potencialmente metafórico, então,
ou já metafórico. (p. 60)
Um parêntesis aqui sobre origens:
Há alguns anos, encontrei-me com o trabalho minucioso de Jean
Allouch 3 sobre a letra na interpretação de sonhos, delírios e discursividade,
2
* Grifado no original.
3
ALLOUCH, Jean. “Letra a Letra: traduzir, transcrever, transliterar”. Rio de Janeiro: Campo
Matêmico, 1995.
BALBO, Gabriel. (1987) “Do ouvido ao olho, e num estalar de dedos – acerca do desenho
e de sua leitura prévia para interpretá-lo”. In: TEIXEIRA, A. B. Do Rio (org). “O mundo a gente
traça”. Rio de Janeiro: Ágalma.
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mostrando como o jogo de cifração e deciframento segue o modelo de
Champollion no deciframento dos hieróglifos. Ele propõe um ternário – transcrição (escrita do som), tradução (escrita do sentido da letra) e transliteração
(escrita da letra) que se complementa, afirmando contudo que é a transliteração
que faz a passagem, o ciframento e o deciframento em questão na clínica
psicanalítica. Escreve ele: “a transliteração é o nome dessa operação onde o
que se escreve passa de uma maneira de escrever para outra” (p. 67).
Tal como o sonho, o desenho escrito como rébus (dois sistemas de
escrita – a letra e a imagem traçada) possibilita passar a mensagem através
da transliteração. Essa passagem à dimensão simbólica da tragédia imaginada se faz pela interpretação com a incidência da voz.
Aqui, uma diferença: se para Allouch a transliteração de um sistema a
outro – da imagem traçada à letra – opera como aquilo que possibilita já a
passagem (remetendo à cura), para Balbo, tratam-se de dois processos distintos: primeiro a decodificação do desenho em letras para a posterior interpretação.
Balbo4 defende a idéia de dois passos baseado no impossível do sexual, sempre barrado à escrita. Para ele, o sexual fica no imaginário, recalcado,
e portanto não simbolizável, apenas interpretável.
“A decifração é um jogo de escritura significante, um rébus-metáfora,
que encontra sentido por seu intermédio. A interpretação, ao contrário, não
faz significância nem metáfora; ela não é senão simbólica. Produz um discurso da ordem do finito, do limitado: mesmo imaginário, o gozo não poderia
durar ao infinito.” (p. 46)
O autor cita Lacan: “Tudo o que é escrito parte do fato de que será
para sempre impossível de escrever, tal como a relação sexual. É daí que há
um certo efeito de discurso, que se chama escritura.”(Lacan, sem XX) 5 Na
4
BALBO, Gabriel (1990). “Passagem à Escritura”
. In: TEIXEIRA, Ângela do Rio. O Mundo, a
gente traça. Rio de Janeiro: Ágalma.
5
Curiosamente, o trecho escolhido reforça a idéia de que a escritura advenha da impossibilidade de escrever a relação sexual...
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PEDÓ, M. Notas sobre o desenho...
escrita do desenho, portanto, há algo de para sempre desconhecido e perdido, do sexual.
Relembrando as idéias, então:
Um desenho contém um rébus a ser decifrado. Poder supor isto implica que se pense a imagem que ele dá a ver como realizada a partir de um
ciframento e seu código. Há uma leitura prévia para chegar à interpretação.
Supostos:
– A imagem como produção manifesta de escritura latente a ser decifrada (o manifesto encobridor).
– A criança não pára de escrever nos desenhos, mas não sabe lê-los,
o que faz pensar num saber insabido presente.
– A leitura da imagem pela imagem é um erro.
– A leitura deve-se basear na matéria escritural: signos, séries, oposições, regras de sintaxe.
– É preciso desatar e distinguir estilo figural da matéria escritural.
– Se o saber é insabido, ele deve ser interpretado, mas baseado numa
leitura simbólica prévia.
Um passo adiante:
1. Desenhar é riscar, traçar, escrever sobre o papel – diferente de
modelar ou escrever sobre o corpo (seu ou do outro);
2. Há desconhecimento no desenho para o autor e quem o vê (tal qual
algo que remete ao corpo pulsional, palco do desconhecido por excelência).
3. O desconhecimento é da ordem do insabido sexual, conserva algo
da impossibilidade de acesso ao gozo do Outro.
4. O corpo erotizado é o que impulsiona as teorias sexuais infantis
(Freud).
5. “Já vai passar...” do corpo ao desenho, do desenho à escrita e à
narrativa (consolo a uma criança em sofrimento, a possibilidade de construir
ficções para o traumático).
6. Fazer passar é transliterar à voz, ler o escrito.
O desenho, ao agir sobre o papel e não mais sobre o corpo ou a
massa de modelar, muda o suporte e escreve algo que o próprio sujeito
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SEÇÃO TEMÁTICA
desconhece. Ele evolui (dos traços de afirmação de presença de eu a garatujas figurativas e, mais adiante, a desenhos com mensagens propriamente
ditas), isto é certo. Mas conserva algo do desconhecido – para quem desenha e para quem vê o desenho.
Há algo de não saber sempre presente relativo ao impossível da relação sexual.
Proponho lembrar Bergés e Balbo em “Atualidade das Teorias Sexuais Infantis”6. A criança inventa a teoria sexual infantil a partir do corpo erotizado,
ou seja, o que impulsiona a formulação das teorias sexuais infantis é o corpo
erotizado. Aliás, Freud7 faz parecer evidente que haja teorias sexuais infantis
porque há corpo erotizado. As crianças sempre perguntam por que vêm ao
mundo, assim como formulam hipóteses.
Para quem tiver um corpo pulsional, haverá hipóteses, segundo Freud.
Balbo e Bergès, na mesma obra, avançam ao destacar que também se faz
necessário a mãe outorgar a possibilidade de a criança teorizar sobre sua
verdade, apresentando-se desconhecedora do todo e indicando fragmentos
das possíveis hipóteses.
Ressaltar a qualidade escritural dos desenhos da criança, como
criptogramas decodificáveis em letras que deixaram de ser tatuados na pele
do corpo erotizado e passaram a constituir imagens acústicas da voz do
Outro, contribui ao formalizar o que constitui nossa questão permanente na
especificidade da clínica com crianças, ou seja, o brincar, o narrar estorietas,
o desenhar etc, requerem uma transliteração ao código de uso na psicanálise, a saber a linguagem enquanto alfabética.
Ainda, Balbo relembra, ao pedir que as crianças falem dos riscos e
rabiscos que fizeram, que é da série que podemos analisar os atos de escrita do inconsciente. É provocador, no sentido de um incentivo, o modo siste-
PEDÓ, M. Notas sobre o desenho...
mático proposto de apresentação das séries de desenhos para a análise
pela criança, porque é certo que reconhecemos o valor da apresentação da
série, o que fazemos em momentos variados (por exemplo, quando um evento relembra algo de um desenho, e a criança passa a revê-los; no momento
de reunir material para a supervisão, etc).
Por último, se o inconsciente é originalmente acústico, antes de ser
codificado em figuras, a transliteração da mensagem do desenho para a letra
ouvida tem efeitos de possibilitar deslizamentos significantes. Há já ali, para
a criança, elaboração, no sentido freudiano da elaboração enquanto oposta à
repetição – isso passa a outro registro, no qual é possível seguir falando...
Seguir teorizando sobre o insabido sexual? Sabemos que a análise de uma
criança deve permitir-lhe seguir construindo sua neurose, devolvendo aos
pais o crédito de quem tem o saber de algum fragmento da verdade sexual (e
assim poder suportar que a criança constitua a sua verdade), resguardando
à criança sua face de ingenuidade infantil, de desconhecimento maroto e
quiçá por vezes mentiroso, perante o adulto que segue a lhe contar lorotas
enquanto ela avança em suas hipóteses sobre o sexual.
6
BERGÈS, Jean & BALBO, Gabriel. “A Atualidade das teorias sexuais infantis”. Porto Alegre:
CMC Editora, 2001.
7
Freud, Sigmund. (1905) “Os três ensaios da teoria sexual infantil”. Rio de Janeiro: Zahar,
1969.
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SILVA, I. P. DA Os destinos da sexualidade...
OS DESTINOS DA SEXUALIDADE INFANTIL1
Ieda Prates da Silva
O
tema da Sexualidade Infantil nos leva a pensar no legado freudiano,
desde os Três Ensaios – há cem anos atrás – e a refletirmos se a
sexualidade infantil é hoje a mesma levantada e sustentada por
Freud naquela época. Perguntarmo-nos acerca dos ‘destinos’ evidencia que
não há uma única direção, assim como também relativiza o caráter imperativo e pré-determinado que a palavra destino pudesse imaginariamente assumir. Isto abre uma multiplicidade de questões e de vieses para se abordar tal
tema.
Primeiramente, sobre a questão de se a sexualidade infantil tem hoje
o mesmo significado para a sociedade do que na época freudiana, se os
desdobramentos imaginários deste significante são os mesmos, se as incidências do recalque se dão sobre os mesmos pontos, tendo a responder
que não. E mais do que às mudanças culturais, sociais, históricas, estou
me referindo à mudança da posição do sujeito no discurso social, onde, no
lugar dos referentes simbólicos que orientavam a posição do sujeito no mundo, aparecem os objetos a marcar as posições: posição da criança, do adulto, do feminino, do masculino, do pai e da mãe, do bom e do ruim, etc. É ao
redor dos objetos que a pulsão se orienta, como se pudesse esgotar-se ali,
como se a satisfação realmente pudesse se encerrar nesta fruição total sem
intermediação do código, ou seja, do Outro. O Outro é facilmente suprimido
e se o Outro é suprimido, o que desaparece é o Eu. Nesta ameaça de desaparecimento, na falta de referências que atestem sua existência e seu valor
(fálico), o sujeito é levado a sempre retomar esta busca desenfreada pelos
objetos que, ele espera, recobririam o vazio de significação em que se vê
mergulhado.
Dito assim pode soar um tanto catastrófico, mas temos testemunhado na clínica cotidiana as conseqüências deste funcionamento, principalmente com crianças e adolescentes, os quais são os mais vulneráveis à
quebra do tecido simbólico que deveria sustentá-los e conduzi-los à vida
adulta. Nos chegam para tratamento meninos e meninas que estão soterrados sob pilhas de brinquedos, por exemplo, sem que nada faça marca ali, a
não ser, talvez, a marca da saturação e indiferenciação que o imperativo de
satisfação imediata produz.2 Crianças que não estão referenciadas a outros
valores que não seja a posse do objeto, carregando a angústia e os sintomas
que isso possa gerar. E não são apenas as crianças das ditas classes média e alta a terem suas vidas regidas por este imperativo de satisfação. Também aquelas provenientes de meio e condições de extrema pobreza ou abandono. Só que neste caso, suas vidas se orientam pelo que elas não têm e,
ou se resignam a seu destino de excluídos, ou vão arrancar do outro, a
qualquer preço, mesmo que seja o da vida (sua ou do outro – nenhuma delas
vale nada mesmo), os objetos que são oferecidos como garantia de
recobrimento da falta. Os objetos, em seu valor mercadológico ou funcional,
ocupam o lugar das insígnias morais, éticas, afetivas, intelectuais, religiosas, familiares e culturais que formam o caldo simbólico que nos humaniza;
que nos torna sujeitos desejantes, justamente porque em falta, submetidos
a uma lei maior que nos diz que o objeto de nosso desejo está para sempre
perdido, mas que uma vez simbolizado, sua falta será recoberta por
significantes que sustentam o nosso desejo e que, portanto, devemos seguir
buscando-o. Nesta busca, tropeçamos não com o nosso mítico objeto de
satisfação (para sempre recalcado), mas com uma série de coisas pelas
quais vale a pena seguir vivendo. (Sobre esta questão do valor da vida recomendo o ótimo e delicado filme espanhol, de Alejandro Amenábar, “Mar Adentro”).
2
1
Versão resumida do trabalho apresentado no Seminário Clínico do Núcleo de Estudos
Sigmund Freud, em 02/03/2005: OS CAMINHOS DA SEXUALIDADE INFANTIL.
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A palavra marca adquiriu hoje um significado predominantemente mercadológico, em detrimento de outros significados que a polissemia da palavra comporta, como traço, inscrição,
qualidade, tipo, indicação, delimitação, etc.
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SEÇÃO TEMÁTICA
Retomando o fio da sexualidade infantil: se em 1905, em plena era
vitoriana, pré-revolução feminista, esta expressão e seus pressupostos escandalizaram o mundo pela forte repressão e hipocrisia que incidia sobre a
sexualidade feminina e infantil, hoje parece muito tênue a fronteira entre a
sexualidade do adulto e da criança. A banalização e a exposição da sexualidade sobre a criança têm dificultado, em muitos casos, a operação de
recalque necessária ao estabelecimento das diferenças, sejam estas da
sexualidade adulta e infantil, da posição feminina e masculina, da posição
em relação ao saber, e por aí vai. O registro da diferença (como efeito da
castração) é fundamental para que o sujeito se situe: é este registro que
sinaliza que há uma escolha a fazer e um preço a pagar; não se pode ter
tudo; não se pode ser todos; não se pode estar do outro lado, estando
neste.
Atualmente se ouve muito sobre o incremento da erotização da criança, ou da erotização de nossos tempos. Faço uma ressalva aqui, porque me
parece que a banalização do sexo, a superexposição, a pobreza de revestimento simbólico e narrativo neste campo, vai na contramão da erotização. O
sexual se faz erótico quando aguça o desejo, quando o desperta e o sustém,
justamente porque promete algo sem cumpri-lo totalmente; se mostra e se
oculta ao mesmo tempo; quando há em algum canto um limite que faz uma
borda no objeto. A interdição da cena primária, por exemplo, vai gerar o
desejo de estar ali e não podendo estar, a criança vai se interrogar, vai se
indagar sobre o que acontece entre o pai e a mãe, do que ela está excluída?
O mesmo enigma que inaugura o desejo inaugura a curiosidade. A curiosidade cria as teorias sexuais infantis, primeira expressão do desejo de saber.
Pronto: o sujeito entra ativamente na cultura.
Bem, mas todos sabemos que não é tão simples assim: há tropeços
aí de toda ordem. Mesmo para os neuróticos (ou melhor, principalmente para
os neuróticos), há um resto nesta elaboração edípica – resíduo do fantasma
sexual dos pais –, com o qual o sujeito terá de se haver. Resto que configura
o que Alfredo Jerusalinsky cunhou como o infantil do sujeito: “o que da condição infantil retorna na neurose do adulto” (2004, p.54). E que, de certa
30
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SILVA, I. P. DA Os destinos da sexualidade...
forma, já estava anunciado por Freud, ao designar o caso do Homem dos
Lobos como uma Neurose Infantil.
É impossível ao sujeito simbolizar completamente a relação sexual
dos pais. Há um fracasso aí que diz respeito não só a dificuldade na transmissão do sexual, mas à impossibilidade de encontro absoluto na relação, o
que levou à célebre afirmação lacaniana: “não há relação sexual”. Jerusalinsky
aponta que “...nesse fracasso, alicerça-se também o desejo que os pais
transmitem para a criança de ela vir a ser a exceção a esse fracasso. E é ali
que se constitui o fantasma fundamental, nessa conjugação entre o fracasso
da relação sexual e a esperança de que não fracasse. Por isso somos conduzidos, do lugar de nosso fantasma fundamental, a certas manobras na
nossa vida amorosa e sexual, na esperança de não fracassarmos. Eis aí o
cerne do infantil do sujeito.” (1998, p.159)
Se nos referimos agora ao sujeito infantil, nos deparamos com um
contingente bastante grande de crianças com dificuldades da ordem da aprendizagem e do saber, com quadros fóbicos seríssimos, além dos inúmeros
casos (de meninos, principalmente) com sintomas de agitação, agressividade
e dificuldades escolares, que invariavelmente recebem diagnóstico de TDAH
(Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade).3 Parece estar muito pouco sustentado, pela cultura a saída do Édipo, por uma frágil ou inoperante
incidência da metáfora paterna, o que produz para os meninos muitas vezes
uma exacerbação da violência como substituição de traços viris que não lhe
são oferecidos como possibilidades identificatórias. Quando digo “traços viris”, refiro-me a significantes que façam contraponto ao corpo e ao discurso
materno, discurso que está cada vez mais hegemônico, nas configurações
familiares e na escola. O discurso hegemônico da igualdade (todos têm que
fazerem as mesmas coisas, do mesmo jeito e ao mesmo tempo) num universo maciçamente feminino, convoca os meninos, muitas vezes, a marca-
3
Desenvolvi este tema no trabalho Para ser um guri: espaço e representação da masculinidade na escola, apresentado no Congresso da APPOA, A MASCULINIDADE, de 22 a 24 de
outubro de 2004.
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31
SEÇÃO TEMÁTICA
rem com o corpo e a força física as diferenças, quando estas são negadas
ou indesejadas; da mesma forma que às histéricas freudianas restava apenas o corpo como último reduto de um embate por um lugar ao sol.
Freud postulava três destinos à sexualidade perversa polimorfa infantil: o primeiro era a perversão, ou seja, a sexualidade não sofria os efeitos da
castração; o segundo era o recalcamento maciço, com conseqüências de
inibição intelectual ou sintomas neuróticos limitantes; e o terceiro e mais
raro desfecho, que seria a sublimação: ao incidir o recalcamento sobre a
sexualidade infantil, o sujeito não sucumbiria totalmente a ele. Algo da pulsão
escaparia ali, saindo não mais em seu “estado puro” – que seria um tipo de
satisfação primária, imediata – mas lançando-se a outros fins que não os
sexuais.
Ou seja, o recalque vai operar através de uma metáfora na qual o
significante do Nome-do-pai deverá substituir o significante do desejo materno; portanto, a ilusão de completar a mãe deve ceder lugar ao desejo de
saber. A criança só pode vir a sair desta posição de objeto da mãe, se a
incidência da linguagem lhe faz deixar cair o objeto da satisfação (o real do
corpo). É preciso que o pequeno sujeito perca estes objetos primordiais (o
peito, as fezes, a voz materna), para que a falta lhe esburaque simbolicamente, erogenizando as bordas corporais. O desejo materno estará posto, a
partir de então, como enigma para o sujeito, enigma que servirá como motor
de suas construções metafóricas e sublimatórias.
Retomo aqui um parágrafo do trabalho acima referido: “É no
atravessamento do Édipo, pela operação de identificação secundária a partir
da introjeção da imago parental, que se abrem as portas para a sublimação,
a qual libera o sujeito das amarras da rivalidade acentuada em direção ao
interesse pelo que está a sua volta. ...As teorias sexuais infantis têm aí o
seu ápice, e a partir de então o semelhante poderá ser tomado numa relação
fraterna que não esteja dominada pela agressividade, mas intermediada pelo
prazer lúdico e da convivência, pela curiosidade, pela fantasia, pelo interesse
nos objetos e instrumentos da realidade.” (SILVA, 2004, p.73-74) E acrescento: interesse que não se resume ao consumo, ao uso ou posse deste
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SILVA, I. P. DA Os destinos da sexualidade...
objeto, mas que ele seja tomado no seu valor simbólico, isto é, que esteja
revestido por uma significação que transcenda a mera funcionalidade ou valor de mercado, que porte para o sujeito uma certa relação ao saber, mantendo aceso o enigma e o desejo de decifrá-lo
Para isto é necessário que os pais estejam situados numa posição de
transmissão em que, “...geração após geração, se repita esta operação de
iludir a infância com a existência de um tesouro de saber que contém o
segredo da felicidade, porque esse é o motor necessário e imprescindível
para que a curiosidade da criança se instale.” (Jerusalinsky, 1998, p.151).
Pois bem, qual será na atualidade a posição do adulto em relação à
criança? O tesouro estará num saber a ser transmitido, e por aí vale a pena
crescer; ou vendemos à criança a ilusão de que se ela tiver a posse do
objeto, terá encontrado o tesouro? Neste último caso, o fracasso é tão imediato quanto a satisfação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FREUD, S. (1905) Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. Edição Standard
Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,
1989.
JERUSALINSKY, A. O sujeito infantil e a infância do sujeito. In: Estilos da Clínica –
Revista sobre a Infância com Problemas, Ano III, nº 4, 1º semestre de 1998.
São Paulo: USP – Instituto de Psicologia, p.146-159.
JERUSALINSKY, A. Seminários IV: Novas Incidências sobre a Sexualidade Infantil. São Paulo: USP, 2004.
SILVA, I. P. Para ser um guri: espaço e representação da masculinidade na escola. In: Estilos da Clínica – Revista sobre a Infância com Problemas, Ano IX, nº
17, 2º semestre de 2004. São Paulo: USP – Instituto de Psicologia, p. 70-83.
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SEÇÃO TEMÁTICA
MEIRA, A. M. Sobre brincar...
SOBRE BRINCAR, ARTE E FANTASIA NA CLÍNICA
PSICANALÍTICA COM CRIANÇAS
Ana Marta Meira
N
o escrito “O poeta e os sonhos diurnos”, Freud analisa a relação
entre o brincar e a fantasia, partindo da elaboração sobre os proces
sos de criação do artista. Podemos encontrar, neste trabalho, passagens que apontam para a construção da fantasia própria do brincar, marcada
por traços que se dirigem ao outro.
Freud revela que entre o brincar, o fantasiar e a arte há fios que se
entrelaçam, fundando espaços de criação. Refere-se ao artista com a expressão schauspieler.1 Schaus se articula a visão, a ver. Spieler a jogador,
aquele que brinca. Podemos considerar o artista – schauspieler – como
sendo aquele que brinca com o olhar. Que convoca, com sua ludicidade, o
olhar.
Entre o brincar, o artista e o sonho, produção de imagens, podemos
transitar pelas múltiplas formas que podem outorgar à criança a possibilidade de reinventar sua história. Entre estas, a psicanálise.
Ao refletirmos sobre a dimensão lúdica que se instala em uma análise
de crianças, observamos que o brincar que se desenrola em transferência
apresenta diferenciações diante de outros campos de existência das crianças. Podemos apontar que as brincadeiras inventadas pela criança em um
processo analítico se encontram articuladas a processos associativos inconscientes enlaçados à transferência.
Os brinquedos que fazem parte das buscas e encontros das crianças,
considerados desde sua posição significante, são objetos que, brincados,
falados, jogados, desmontados, remetem às múltiplas significações que
podem vir a representar na cadeia associativa que a criança produz.
1
A referência desta passagem e sua tradução da língua alemã foram realizadas por Vítor
Butkus.
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“Vamos fazer de conta?” é demanda que uma criança produz em análise, onde com personagens e objetos criados em meio ao vazio, mas sustentados transferencialmente, passa a buscar novas formas de ser, a enlaçar sua
angústia a histórias encenadas. É nos tropeços, trocas, repetições, posições
escolhidas, silêncios, interrupções, que o processo analítico se desdobra.
O analista que trabalha com crianças ocupa a posição de oferecer a
possibilidade de escolha de lugares, espaços e objetos a ser encontrados
na cena que a criança busca. Oferece-lhe algumas palavras, muitas delas já
enunciadas pela criança, que convocam ao trabalho associativo. Oferece-lhe
o silêncio, a ser ocupado com a fantasia e a demanda. Cabe ao analista
deixar-se levar pelos trajetos singulares que a criança venha a traçar.
A riqueza do trabalho analítico a ser produzido por uma criança encontra-se em dependência da possibilidade de experenciar um lugar que se
distancia da vida cotidiana, que se opera em meio à fantasia e aos devaneios
que convocam à livre associação, motor da análise, pela via do brincar.
Podemos considerar as brincadeiras e narrativas de uma criança em
análise como sendo o motor do desdobramento subjetivo, ao revelar-se a
possibilidade de ensaios de novas posições, novos enlaces. Como em uma
brincadeira de cabra cega, onde a criança, de olhos vendados, se defronta
com seus desejos, medos, angústias, fundando trajetórias que passam a
ser sustentadas, visceralmente, por sua imaginação. O desejo do analista aí
se apaga, para que seja possível à criança esboçar gestos, olhares e palavras de forma singular, desprendendo-se do desejo do outro, deixando cair
os objetos que a prendiam à alienação fundante do ser.
As crianças costumam girar o corpo daquela que será a cabra cega,
para que perca o rumo de seus passos. Da mesma forma, a posição do
analista, ao não intervir de forma diretiva, faz com que a criança possa buscar, a partir de seu imaginário, os traços simbólicos que marcarão seu caminho, o norte de seu desejo.
Podemos nos reportar a Lacan que escreveu a respeito da relação do
sujeito com o objeto perdido, jamais encontrado, onde a sustentação da
mesma se opera através da fantasia.
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SEÇÃO TEMÁTICA
O DESEJO DO ANALISTA DE CRIANÇAS
NA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO PSÍQUICO*
Os brinquedos encontram-se neste lugar: coisa a perder. São objetos
de “faz de conta” que convocam ao brincar.
Beatriz Kauri dos Reis
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREUD, S. – El poeta y los sueños diurnos, Obras completas, vol. II, Madrid, Ed.
Biblioteca Nueva, 1973.
Lacan, J. – L’Objet de la psychanalyse, Séminaire 1965-1966, Paris, Ed. de
l’Association Freudienne Internationale, documento de circulação interna da
Associação Freudiana Internacional.
V
ou lhes falar um pouco da clínica infantil. Trata-se do trabalho desenvolvido com uma menininha de 4 anos, que vinha trazida por seus
pais, os quais me relataram uma história que de vida quase não havia
nada. Era um relato de suas andanças pelas intercorrências clínicas que a
filha vivenciou. O casal tinha além desta, uma filha mais velha, de 13 anos.
Antes do nascimento da paciente, a mãe teve uma gestação interrompida
por um aborto espontâneo, em função de que o feto era portador de uma
Síndrome Genética. Talvez estivesse ligado a isso o lugar preponderante que
esse casal dava para as “doenças” na história dessa menina, que chamarei
de Sigrid.
Peço-lhes um pouco de paciência, porque vou me estender sobre o
caso, já que este me parece exemplar do lugar vital que nós terapeutas,
ficamos colocados, volta e meia, frente a determinados pacientes.
Sabemos desde Freud, e nos reasseguramos com Lacan, que o desejo é obra da linguagem e que, para a criança, é no lugar do grande Outro
(encarnado por seus pais ou cuidadores) que pode nascer o seu próprio
desejo.
Bem, retomando a narrativa do trabalho com Sigrid, sua mãe verbaliza
que não era para essa filha ter nascido. Ela sente que agora está situada
frente à Sigrid, já que finalmente a nova neurologista, que já é a 3ª na série
dos diversos profissionais consultados, lhes forneceu um diagnóstico. Sigrid
é autista. Conforme Berlink (2000), a etiologia da palavra autismo, termo
cunhado por Bleuler, para referenciar um auto-erotismo, donde Eros está
excluído.
* Trabalho apresentado na Jornada Experimentum Mundi - Psicanálise, Arte e Utopia, em
janeiro de 2005.
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SEÇÃO TEMÁTICA
Peço aos pais que me tragam filmagens da família. Ao assistí-las,
observo uma errância de Sigrid, por entre as paredes ou muros de sua casa.
Não há registro de cena de diálogo, brincadeira ou chamado algum. Sigrid
perambula sozinha, seguida pelo olhar de seu pai que não a interpela, não
estabelecendo nenhuma relação com ela.
Esta menina freqüentava uma creche, desde os 6 meses, permanecendo até 10 h diárias no local. A mãe me disse que com o pessoal da
creche eu, certamente, obteria mais informações, do que com eles pais, já
que as professoras conheciam Sigrid melhor que eles.
Finalmente, conheci Sigrid e constato aliviada que ela não é autista,
mas funciona no nível de uma psicose. Menina linda, de grandes olhos azuis,
vinha agarrada ao bico e uma fralda. Chegava sonolenta, mas rapidamente
se “acendia”, ao me ver brincar. Introduzi na cena terapêutica uma boneca,
que ela mesma conseguiu nomear, diante de minha insistência para que ela
assim o fizesse. Era a Amanda, que passou a nos acompanhar nas sessões. Primeiramente, eu era a mãe, ela me colocava nesse lugar, falando,
me pedindo para exercer esta função. Em geral, a cena que se armava através das indicações que ela ia me dando, era de um aniversário, Amanda
fazia repetidamente, 4 anos, como ela própria, mas com o passar do tempo
Amanda também crescia e passou a fazer 5 anos. Noutros dias, Sigrid aceitava minha indicação de que ela fizesse o papel da mãe. A cena se dava
sempre da mesma forma, ela batia no consultório fictício do médico, que era
dramatizado por mim, adentrava dizendo que sua filha tinha feito xixi nas calças, só que nada mais ela conseguia dizer, não havia deslocamento possível
aí. Se fez xixi, então tem que ir ao médico, deve estar doente. Tinha dias em
que ela chegava e nada disso podia ser encenado, brincado. Ela procurava as
canetas e lápis para desenhar, mas de tanto bater com força na mesa, sobre a
folha, as quebrava. Ou me pedia para jogar memória, mas não suportava seguir
nenhuma regra, logo deixando esta atividade e passando para outra coisa, sem
se fixar em nada. Além disso, nesses dias, ela ficava assombrada com os
barulhos externos, os quais ela ouvia como estrondos. Ficava muito assustada, corria para perto de mim e chorava.
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REIS, B. K. DOS O desejo do analista...
Nestas situações depois de acalmá-la, nós saíamos a passear pela
clínica, já que no consultório nada acontecia, além de seu pânico. Andávamos pelo pátio, onde havia uma churrasqueira e era sempre para lá que ela
se dirigia.
– “Churrasqueira tem boca?” Perguntava.
– Não Sigrid, churrasqueira não tem boca, não tem olhos, nem nariz e
nem cabeça.
– “Churrasqueira tem perna?” Ela insistia, porque não tinha recursos
simbólicos para diferenciar aquele objeto com um enorme buraco escuro, da
figura de uma pessoa.
Assim passávamos um bom tempo, ou seja, eu tentando lhe transmitir significados que a auxiliasse a resolver, a desenrolar, o enigma que representava para ela aquela churrasqueira, a qual só exemplificava algo muito
mais complexo, que era poder diferenciar os objetos das pessoas.
Eu aproveitava tais impasses para fisgá-la numa atividade de modelar
com argila, onde eu confeccionava esses objetos que a intrigavam, especialmente, enlaçando-os numa trama. Desenvolvendo uma historinha, na qual
ela era a protagonista.
Nesse meio tempo ela foi matriculada numa escola regular para cursar o Jardim A, embora eu tenha alertado seus pais para a fragilidade psíquica de Sigrid e sua dificuldade em poder suportar um sistema pedagógico de
escola regular, por mais inclusivos que pudessem ser, nessa nova instituição
escolar. Foi em vão.
Para eles ela é uma menina com dificuldades, porém com teimosias
e espertezas que os faziam crer que ela seria capaz, inclusive, de se alfabetizar. O que me fazia constatar que não era ela que eles ouviam, viam e
sentiam, senão suas próprias expectativas com relação a ela, que a deixavam cada vez mais numa situação catastrófica. A ponto dela, por exemplo, não conseguir evacuar por dias a fio. Seus pais contavam-me que
quando ela tinha pouco mais de 3 anos, colocaram-na numa escolinha
de natação, só que ela não pode permanecer, em função de que evacuava na piscina. Isso porque ela havia sido habituada por eles a evacuar na
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SEÇÃO TEMÁTICA
banheira, imersa na água morna. Ela não tinha recursos simbólicos para
fazer o controle esfincteriano, não havia uma imagem corporal constituída,
logo liberar as fezes era como perder um pedaço do próprio corpo, lhe gerava
pavor.
Foi um desastre o processo inclusivo pelo qual ela passou. Apesar
dela ter uma professora para lhe acompanhar, praticamente, individualmente, ela tinha crises, em que gritava muito e batia em seus colegas. O que
fez a equipe pedagógica optar por diminuir o período em que ela permanecia
na escola, já que as tais crises, ocorriam sempre depois de uma determinada
hora. Discutimos este procedimento, com o qual eu concordei. Aliás, eu acompanhei de perto as dificuldades escolares de Sigrid e de suas professoras.
Os pais não viram com bons olhos tal redução e passaram a me
identificar como aquela que determinava as condutas da escola. Já que eles
tinham clara a minha posição de que a menina não possuía recursos psíquicos para agüentar aquela demanda toda.
Era como se eles não precisassem investir seu tempo e interesse
nessa criança, não havia aposta nela. Sua mãe fazia uma exigência tal que
não conseguia dar sentido ao comportamento de Sigrid a não ser pela via do
real. Se ela estava mais agitada, ou se fazia xixi na cama, era porque estava
muito calor e ela tinha tomado muito líquido à noite. E esta menina já havia
passado por um atendimento anterior com uma terapeuta ocupacional que
tentou, depois de um longo período, introduzir uma psicóloga, da qual o
casal se queixava porque, para eles, ela tentava tratar deles ao invés de se
ocupar de Sigrid. Aliás, o tratamento comigo já era também a terceira tentativa, que durou pouco mais de um ano e que terminou sem que ao menos
nós pudéssemos nos despedir.
Os pais não conseguiam fazer nenhuma hipótese de saber em relação a sua filha. Eles a traziam para que eu pudesse fazer essa hipótese que
faltava sobre ela, já que eu discordei do diagnóstico de autismo. Mas quando
se tentava compartilhar com eles tais hipóteses, eles recuavam e discordavam, “não, não é isso”. Infelizmente, não foi possível desenvolver um trabalho
efetivo junto aos pais, que resistiam muito e não tinham estabelecido comigo
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REIS, B. K. DOS O desejo do analista...
uma transferência sólida o suficiente, para suportar tantos percalços. Logo,
Sigrid permaneceu para eles, como um objeto real, inexplicável.
Embora o trabalho tenha sido bruscamente interrompido, não podemos negar que ele deixou marcas, marcas que têm como pano de fundo o
estabelecimento de uma transitividade que claudicou na relação dessa criança com seus pais. Transitividade esta, que confere alteridade à criança,
escapando do engolfamento próprio das relações duais, imaginárias1. Pois é
através da identificação transitivista que se estabelece na relação da mãe
com seu bebê, que haverá uma antecipação pela mãe de um saber na criança. É justamente por essa via que se instaurará um lugar, que é aquele do
sujeito.
Por outro lado, Lacan (1958) nos fala que o desejo é a metonímia do
ser no sujeito. Logo, é a partir do desejo e seus deslocamentos infinitos, que
temos notícias do sujeito.
Mas para que isso se arme, num caso como este que lhes trouxe,
terá que haver, necessariamente, uma implicação do desejo do analista,
sem o qual a cura não se dá.
Conforme Pommier (1998:437) o desejo do analista, contrariamente
aos outros desejos, deve dispensar aquilo sobre o qual tomou seu apoio,
vale mais que o analista não busque curar, se deseja que isto aconteça. Ele
aponta para o impasse do desejo, “(...) que por ser eficaz para outros (os
analisantes), não deixa de ser problemático para os próprios analistas. Se
eles não são por isso incuráveis, este impasse os tornará mais trabalhadores ...”
Ainda mais problemático para os analistas de crianças que são convocados a ocupar o lugar do grande Outro na transferência, já que os pais
nem sempre são capazes de sustentar consistentemente tal posição. O que
significa que temos que emprestar nosso imaginário e ir recheando de
significantes o caminho da cura. Não se trata de, como numa análise de
adulto, ficar advertido para não atuar com seu próprio fantasma, seu próprio
1
Conforme Bergès e Balbo (2003).
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SEÇÃO TEMÁTICA
imaginário, seus ideais. Na infância, além de termos que lidar com a insuficiência própria desse período da vida, há uma urgência temporal que não se
pode negar. Logo, nos presentificamos sim, não podemos é deixar que nosso desejo transborde na cena terapêutica, aí está outro impasse. É mister
alternarmo-nos num exercício constante de ir e vir, ora nos tornarmos presentes e ora ausentes, dando tempo e lugar para que os pequenos se apropriem dos enunciados que na cena se armam, graças à transferência dos
pais. Pois sem esta não há análise de crianças.
Sabemos com a psicanálise que o “NÃO” é organizador, o que possibilita que a criança venha aceder a uma vida própria é justamente a interdição que ela experencia na relação com o grande Outro primordial. É na falta
que nos constituímos psiquicamente, que somos lançados num percurso
desejante.
O ato analítico têm uma função interpretativa para o sujeito, interrogando o que faz resistência, abrindo novas zonas de enigma. Encorajando-o
a seguir perseguindo seu desejo.
REFERÊNCIAS
BERGÈS, J. & BALBO, B. “Psicose, Autismo e Falha Cognitiva na Criança”. Porto
Alegre: CMC, 2003.
BERLINK, Manoel Tosta. “Psicologia Fundamental”. São Paulo: Escuta, 2000.
LACAN, Jacques. Los seminarios de Jacques Lacan, El Deseo y su Interpretación.
Versão eletrônica. Buenos Aires, 1958.
POMMIER, G. “O Amor ao Avesso”. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1998
A INFÂNCIA INVADE O CONTO DE FADAS1
Diana Corso e Mário Corso
M
esmo que nunca tenha lido Andersen você o conhece. Talvez apenas não saiba a quem endereçar a gratidão por ter-se embalado
nas suas fantasias. Qualquer um de nós já sofreu com a história do
Patinho Feio ou se divertiu quando a criança disse que o monarca estava nu
em a Roupa Nova do Imperador. Por terem elementos dos contos folclóricos,
suas histórias às vezes se confundem com eles, como se também fossem
milenares, por isso muitas vezes não são creditadas ao seu criador. Se
fosse vivo, provavelmente Andersen tomaria esse equívoco como o maior
elogio a sua obra.
Andersen foi um dos inventores da literatura infantil. Seus predecessores ilustres no território das fadas, Perrault e os irmãos Grimm, escreviam
para adultos, ou melhor para todos, pois não havia essa divisão etária na
literatura. Embora tenham compartilhado o mesmo período histórico, com
apenas uma geração de diferença (o mais velho dos irmãos Grimm tinha 20
anos quando Andersen nasceu), o jovem dinamarquês não possuía a mesma postura reverencial do que seus colegas alemães quanto ao conto folclórico. Ele fazia literatura explicitamente: para tanto alterou os relatos da tradição como quis, terminava contos de outra maneira, usava partes de contos
folclóricos para novos enredos, apresentava um desprendimento que parecia
vetado aos folcloristas.
É certo que tanto os Grimm quanto Perrault tomaram liberdades de
narrador, enfeitaram e recortaram as histórias da forma necessária para tornar tramas folclóricas interessantes para o seu público. Perrault floreou as
histórias ao estilo da corte da época, enquanto os Grimm as encaixaram nos
valores morais que pretendiam promover para a consolidação da nação
1
Texto alusivo aos 200 anos de nascimento de Hans C. Andersen publicado em Zero Hora,
02/04/2005.
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SEÇÃO DEBATES
CORSO, D. E CORSO, M. A infância invade...
germânica que o movimento romântico idealizava. Andersen também tinha
suas segundas intenções, para tanto escreveu inúmeras histórias de insistente conteúdo cristão. Porém, as coincidências com seus predecessores
terminam aí. Há uma subjetividade eloqüente em seus personagens, uma
representação literária do sofrimento dos pequenos (os pobres, as crianças)
que empresta a suas histórias um caráter até então ímpar. A novidade não
está nos temas, está no enfoque.
Suas histórias por vezes eram estruturadas como contos de fadas
clássicos, outras, eram fábulas morais com forte densidade cristã, ou apenas contava situações inusitadas que traziam alguma lição, ou ainda escrevia
crônicas tristes que pinçava de seu cotidiano, cuja única magia estava em sua
sensibilidade particular com os desfavorecidos da sorte. A questão que se
poderia colocar é: o que fazia a unidade em sua produção, que lhe valeu tantos
créditos até hoje? É muito difícil classificar a obra de Andersen, sua imaginação prodigiosa, aliada à falta de padrão literário, faz dele um escritor único.
Não é assim tão simples dizer que ele escrevia para crianças, suas intenções
como autor provavelmente visavam todas as faixas etárias, mas seu enfoque
inaugurou um inédito espaço de identificação e tradução para a infância, particularmente no que ela evoca de sentimentos de fraqueza e desamparo.
Andersen intuitivamente percebeu a revolução que se processava quanto à concepção da infância e tomou parte dela. Seus textos incluem as
crianças, seja como heróis protagonistas ou mesmo usando a lógica infantil. Ao contrário dos contos de fada, os heróis infantis de Andersen possuem uma subjetividade complexa. Nos relatos da tradição a infância é considerada uma etapa de impotência a ser superada, enquanto ele lhe emprestou encanto e nobreza. Além de perceber e documentar os sofrimentos
infantis, ele defendeu explicitamente o direito da criança à fantasia, assim
como o fato de que os mais jovens foram, cada vez mais, tornando-se depositários e promotores do pensamento mágico. Nas poucas décadas que o
separam dos irmãos Grimm uma mudança se processou e Andersen foi seu
porta-voz: o território fantástico, outrora identificado com as mentes mais
simples, os camponeses, passou a ser de serventia das crianças.
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C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005
Nesse sentido, do montante díspar da sua obra cabe-nos destacar
três eixos que traduzem esta tendência: o dos personagens infantis que
falam pelas crianças, traduzindo seu sofrimento e temores, dos quais O
Patinho Feio é o mais importante representante; o da animação de objetos,
como os brinquedos, para representar a impotência dos pequenos, incompreendidos e cheios de desejos que ninguém escuta, vide o Soldadinho de
Chumbo; por último, o do empréstimo de um papel de protagonistas às crianças no contexto de histórias de conteúdo aparentemente folclórico, como
em A Roupa Nova do Imperador.
O Patinho Feio é o ovo certo no ninho errado. Ele só encontra rejeição
e escárnio justamente onde esperava prolongar um pouco o calor do choco e
é jogado num mundo hostil. Trata-se de um ovo de cisne chocado por equívoco por uma pata que maltrata aquele filhote diferente. Até descobrir-se um
belo cisne adulto, a avezinha atravessa o inverno padecendo de fome e solidão. Sentir-se uma criança rejeitada é próprio de todos nós, quando percebemos não estar agradando a nossos pais. Afinal, na infância somos amáveis, mas em geral estamos mais para um filhote estranho do que para macios patinhos que nadam obedientes atrás da mãe. Somos inconvenientes,
meio torpes e muitas vezes bem diferentes dos bebês perfeitinhos que mamãe fantasiou. Esse conto de Andersen sempre foi considerado o mais autobiográfico, pois conta-se que ele muito sofreu com a própria inadequação e
feiúra e o Patinho seria seu alter-ego. Pode ser, mas o que nos importa é que
ele tenha legado às crianças essa imagem do desamparo e do sentimento
de rejeição na qual elas sempre de alguma forma se reconhecem. Por sorte
a adolescência sempre chega oferecendo-nos a plumagem de cisnes. Pelo
jeito, para esse dinamarquês isso não foi muito fácil. Sua visão do amor,
beata, platônica e muitas vezes letal, leva-nos a conjecturar que ele encontrou a beleza nas palavras, mas nem por isso teve recompensas no campo
do amor.
Por isso, não surpreende que o Soldadinho de Chumbo seja uma
história de amor infeliz. Trata-se de soldadinho diferente, pois falta-lhe uma
perna. Em função disso, apaixona-se por uma bailarina de papel, cuja perna
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SEÇÃO DEBATES
CORSO, D. E CORSO, M. A infância invade...
erguida faz parecer que ela também tem apenas uma. Fascinado pela amada, coloca-se num lugar desde onde possa contemplá-la e deixa de ser
guardado com os seus irmãos. Em função disso, o soldadinho sofre inúmeros revezes, cai da janela, é colocado a navegar pelos esgotos num barquinho de papel e termina na barriga de um peixe que, para seu grande espanto,
é comprado pela cozinheira da casa onde morava. Mas nem essa virada da
sorte propicia o amor impossível dos dois: somente na morte, queimando
juntos, derrubados na lareira por um pé de vento eles finalmente se fundirão.
Como o soldadinho e a bailarina, as crianças estão à mercê de serem
levadas para onde forças superiores quiserem. Devemos lembrar que é bem
recente a idéia de consultar uma criança a respeito de se ela quer ou não ir
a determinado lugar ou se está sentindo-se bem onde está. Nos tempos da
infância de Andersen, crianças morariam como, quando e com quem fosse
disposto que deveria ser, e pouco importava o que achassem disso. Além
disso, seus sentimentos não passavam de secretas fantasias e ilusões, que
o mundo ignorava solenemente.
Ao mesmo tempo em que Andersen dá voz às pequenas almas, não
as poupa de dolorosas frustrações por almejarem o impossível. Por isso o
final proposto por ele no texto original de A Pequena Sereia é tão diferente do
arranjo feliz que assistimos no filme dos Estúdios Disney. No texto, ela terá
que pagar com a mudez pela pretensão de ter pernas e conquistar um humano, mas seu silêncio a impedirá de ser notada e terá que vê-lo desposar
outra moça, encontrando alívio apenas na morte e no abrigo dos céus.
Em outra história, chamada A Casa Velha, na qual o sentimento de
impotência de um brinquedo muito evoca o das crianças, que muitas vezes
são obrigadas a crescer em famílias onde não se sentem bem ou sentem
saudades de familiares perdidos. Nela, um menino presenteia com um de
seus soldadinhos de chumbo a um velho da casa vizinha, cuja solidão o
comoveu. Através desse brinquedo, os dois travam uma amizade que se
encerra com o crescimento de um e a morte do outro. O detalhe é que cada
vez que o menino faz uma de suas visitas ao velho, o soldadinho aproveita
um momento de ausência de seu novo dono para queixar-se amargamente.
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Reclama que quer voltar ao antigo lar, pois não suporta a tristeza e a quietude fantasmagórica da casa do velho. Todas as vezes, o menino se recusa a
levá-lo de volta e explica ao brinquedo que ele terá que se conformar, agora
aquele é seu lugar. O interessante desse conto é o ponto de vista desde o
qual a narrativa encontra seu eixo: a infelicidade do soldadinho.
Os objetos, assim como as crianças e os animais, oferecem a
Andersen a possibilidade de expressar o que sentiu sendo um menino pobre, franzino e sensível. Certamente, Andersen não foi o primeiro menino
infeliz a se fazer ouvir. A literatura está cheia deles, a começar pelos heróis
de seu contemporâneo Charles Dickens. Porém, a novidade é que dentro de
uma narrativa de formato aparentemente antigo (pelo recurso às fábulas e
contos de fadas) encontramos a história enfocada desde o ponto de vista da
criança.
A questão é que as histórias de Andersen não são apenas sobre
crianças, elas são elaboradas a partir de como elas pensam e sentem, ele
não tem a mínima dúvida de que encontra-se nelas o pote de magia no final
do arco íris. Como em As Flores da Pequena Ida, onde um mundo de bailes
com flores dançantes se descortina aos olhos de uma menina, a quem um
garoto mais velho conta essa história. A satisfação do menino narrador é
contrastada com a chatice de um velho, presente à cena, o qual resmunga
contra aqueles que enchem a cabeça das crianças de bobagens. Pois bem,
Andersen escreveu muitas dessas ditas bobagens, deu-lhes tratamento literário e ajudou a situar na infância um modo de ver a vida que deixa de ser
considerado deficitário, passando a ser socialmente valorizado, divertido e
poético.
Sobre essa valorização do pensamento infantil, temos em A Roupa
Nova do Imperador um representante magistral. A história é conhecida de
todos: uns espertalhões aproveitam-se da vaidade desmesurada dum imperador para lhe tirar uma pequena fortuna. Os falsos artesões diziam que
tramariam um tecido tão maravilhoso que só as pessoas inteligentes conseguiriam enxergar. O próprio imperador não consegue ver o tecido, mas como
não quer passar por néscio diz que é maravilhoso, enquanto todos ministros
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SEÇÃO DEBATES
AGENDA
e aduladores em volta, temendo ter sua burrice desmascarada, também concordam com a magnificência do seu novo traje. Quando o imperador está
desfilando em público, com a sua propalada nova e exuberante roupa, é uma
criança quem tem a ingênua coragem de gritar que o rei está nu. – Ele não
tem roupa nenhuma – correu de boca em boca – Uma criança está dizendo
que ele não tem roupa nenhuma. Somente a partir daí todos se permitem
olhar de fato o que está acontecendo.
Para passar por inteligentes todos demonstram imensa burrice, por
isso a história é uma crítica à vaidade, e à mentira, numa sociedade viciada
em mesuras e rituais, onde não há mais espaço para a verdade. Mas o que
nos parece importante é o fato de que é uma criança quem desmascara a
cena. O lugar da verdade já não provém da sabedoria ancestral, dos velhos
experientes, mas duma criança não corrompida pela hipocrisia. Andersen
conhece as dores de ser criança, mas acima de tudo aposta na inocência
infantil como fonte da verdade e da virtude. Nestes dois séculos, a infância
conquistou o mundo, por isso esse autor, que reescreveu a tradição desde o
ponto de vista dos pequenos, é tão amado até hoje.
ABRIL – 2005
Dia
07, 14,
e 28
04 e 18
07
08 e 15
08 e 29
11 e 25
14
Hora
19h30min
Local
Sede da APPOA
Atividade
Reunião da Comissão de Eventos
20h30min
21h
8h30min
15h30min
20h30min
21h
Sede
Sede
Sede
Sede
Sede
Sede
Reunião da Comissão do Correio da APPOA
Reunião da Mesa Diretiva
Reunião da Comissão de Aperiódicos
Reunião da Comissão da Revista da APPOA
Reunião do Serviço de Atendimento Clínico
Reunião da Mesa Diretiva aberta aos Membros da APPOA
da
da
da
da
da
da
APPOA
APPOA
APPOA
APPOA
APPOA
APPOA
PRÓXIMO NÚMERO
RELENDO FREUD: CONSTRUÇÕES EM ANÁLISE
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C. da APPOA, Porto Alegre, n. 134, abr. 2005
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Capa: Manuscrito de Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of events
in the last decade. London, Hogarth, 1992.)
Criação da capa: Flávio Wild - Macchina
ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE
GESTÃO 2003/2004
Presidência: Maria Ângela C. Brasil
1a Vice-Presidência: Mario Corso
2a Vice-Presidência: Ligia Gomes Víctora
1a Secretária: Marieta Rodrigues
2a Secretária: Marianne Stolzmann
1a Tesoureira: Grasiela Kraemer
2a Tesoureira: Maria Lúcia Müller Stein
MESA DIRETIVA
Alfredo Néstor Jerusalinsky, Ana Maria Medeiros da Costa, Ângela Lângaro Becker,
Carmen Backes, Clara von Hohendorff, Edson Luiz André de Sousa,
Gladys Wechsler Carnos, Ieda Prates da Silva, Jaime Betts, Liliane Seide Froemming,
Lucia Serrano Pereira, Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack,
Maria Beatriz Kallfelz, e Robson de Freitas Pereira
EXPEDIENTE
Órgão informativo da APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre
Rua Faria Santos, 258 CEP 90670-150 Porto Alegre - RS
Tel: (51) 3333 2140 - Fax: (51) 3333 7922
e-mail: [email protected] - home-page: www.appoa.com.br
Jornalista responsável: Jussara Porto - Reg. n 0 3956
Impressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.
Av. Eng. Ludolfo Boehl, 729 CEP 91720-150 Porto Alegre - RS - Tel: (51) 3318 6355
Comissão do Correio
Coordenação: Marcia Helena de Menezes Ribeiro e Robson de Freitas Pereira
Integrantes: Ana Laura Giongo, Fernanda Breda, Gerson Smiech Pinho,
Henriete Karam, Maria Lúcia Müller Stein, Norton Cezar
Dal Follo da Rosa Júnior e Rosane Palacci Santos
SUMÁRIO
EDITORIAL
1
NOTÍCIAS
2
SEÇÃO TEMÁTICA
QUEM ANALISA CRIANÇAS?
Alfredo Jerusalinsky
PAIS E FILHOS: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTE
ENCONTRO NA CENA ANALÍTICA
Eda Tavares
NOTAS SOBRE O
DESENHO COMO RÉBUS
Marta Pedó
OS DESTINOS DA
SEXUALIDADE INFANTIL
Ieda Prates da Silva
SOBRE BRINCAR, ARTE E
FANTASIA NA CLÍNICA
PSICANALÍTICA COM CRIANÇAS
Ana Marta Meira
O DESEJO DO ANALISTA DE
CRIANÇAS NA CONSTITUIÇÃO
DO SUJEITO PSÍQUICO
Beatriz Kauri dos Reis
SEÇÃO DEBATES
A INFÂNCIA INVADE
O CONTO DE FADAS
Diana Corso e Mário Corso
AGENDA
7
7
15
21
28
34
37
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43
49
N° 134 – ANO XII
A B R I L – 2 0 05
PSICANÁLISE DE CRIANÇAS
C. da APPOA, Porto Alegre, n.134, abr. 2005
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