Pequeno Grande Herói
Era um dia normal, os pássaros cantavam e a água do rio corria ao fundo do meu
ouvido. O sol ainda não se tinha posto mas todos reagiam como se já fosse de noite,
pois era isso que o cheiro e o peso do ar transmitiam. Não sei explicar como, nem o
porquê de isso me preocupar, mas senti um aperto dentro de mim, como se algo de
mau se estivesse a aproximar. Mas eu não liguei. Normalmente os meus
pressentimentos nunca chegam a acontecer, por isso decidi dormir. Pensei que fosse o
melhor a fazer. Mas não era, agora tenho a certeza.
Ali estava eu, no mesmo sitio onde sempre estivera, parado, à espera que algo de mal
acontecesse, pois algo iria acontecer, apesar de na altura eu ainda não saber. Eu
sentia-me inseguro, assim como todos pareciam estar, julgo que todos estavam a
pensar o mesmo que eu, a sentir o que eu estava a sentir, e a recear tudo o que eu
também receava.
Parece que estava certo.
Assim que a noite se instalou as coisas ficaram piores, a coruja não voava, os grilos
não se ouviam e até mesmo o pequeno rio que ao fundo do meu ouvido usara soar já
nem isso fazia. Apenas eu continuava a fazer o mesmo de sempre. Estava imóvel, ali.
Um clarão de luz invadiu-me a visão e uma onda de calor atravessou-me o peito. Um
ruído imenso penetrou-se dentro de mim e eu já não conseguia sequer pensar, apenas
sentia as asas dos pássaros a baterem-me na copa, os animais a fugirem pelas minhas
raízes e o grito eufórico que dos grilos, uma vez calados, haviam acordado. Todos
estavam a fugir, algo estava acontecer e eu não me podia mexer. Era fogo, eu sabia
que era, apenas não queria acreditar. Estas coisas simplesmente não acontecem por
aqui, talvez devido ao frio que aqui faz ou se calhar até mesmo pelo facto de cá não
haver pessoas maliciosas, a nossa terra era de gente boa, ninguém seria capaz de
fazer terrível maldade. Mas era a única explicação.
O meu mundo caiu-me nos pés, eu não podia correr para longe, não podia esconderme debaixo de nenhuma árvore à procura de proteção, pois proteger era o meu papel,
nem sequer podia pedir ajuda pois ninguém me viria ajudar. Acho que desespero é
uma boa palavra para descrever a situação onde eu me encontrava. As árvores cada
vez ardiam mais e os animais fugiam ofegantes. Até as flores mais pequenas e
delicadas da minha floresta iam morrendo aos poucos, sufocadas pelo fumo e o calor.
Alguém tinha de me vir salvar, alguém tinha de vir. E veio.
As chamas estavam prestes a queimar-me os ramos e o meu corpo começava a
aquecer quando irrompida pelas chamas apareceu uma figura alta, forte com uma
fonte de água nas mãos. Senti alguém a abraçar-me quando as chamas desapareceram.
Um rosto sujo e cansado fora contra mim, deslizando até ficar deitado no chão apenas
com os seus braços entrelaçados à minha volta. Observei a sua face a olhar para cima,
os seus olhos azuis penetrantes agora carregados de lágrimas e pó olhavam para mim
como para me dizer alguma coisa. A verdade é que eu conhecia aqueles olhos mais do
que outros quaisquer.
Eram de um menino, agora homem feito, que costumava conhecer. Lembro-me de
quando ele era pequeno vir todos os dias ter comigo à floresta, primeiro com os pais,
depois com os amigos, e mais tarde até mesmo com a namorada. Lembro-me de o ver
sorrir para mim e de me dizer bom dia. Lembro-me de o ver chorar e perguntar-me
porque é que a vida era tão difícil. Lembro-me de o ouvir dizer que não era justo ter
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tantos testes e disciplinas, de o ouvir falar sobre as suas ambições de vida, de casar e
ter filhos e de que um dia gostaria de ser bombeiro. De quando ele costumava dizer
que me ia arrancar da terra e levar-me para junto dele para que pudéssemos estar
sempre juntos. Lembro-me tão bem.
E agora, o jovem rapaz estava ali, a proteger-me, abraçado a mim quase como numa
despedida. Até que deixei de sentir o seu coração a bater junto ao meu.
O coração do meu pequeno grande herói.
8º2 – Catarina Pereira, Eva Mendes, Gustavo Madeira e Maria Amaral.
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