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Fala de estar
Maria João Lopes
diz que
ler faz esquecer o tempo
Quando era pequena a ilustradora Maria João Lopes viveu aventuras muito especiais.
Algumas aconteceram nas riquíssimas águas e natureza do continente africano, onde
viveu durante três anos, e outras entre as páginas e as ilustrações dos seus livros
preferidos. Nessa altura já gostava de pintar, de se perder entre as muitas cores
das caixas de aguarelas e de criar pequenas bandas desenhadas. Hoje é ela mesma
uma inventora de aventuras que muitos meninos podem conhecer e viver nas páginas
dos livros que ilustra.
O livro Os Direitos das Crianças, que
ilustrou, explica que brincar é um direito
de todas as crianças. Quais eram os jogos
e passatempos de que mais gostava em
pequena?
Lembro-me mais de certas brincadeiras…
Gostava de jogos vários: jogar às escondidas
– que não é bem um jogo, é mais uma
brincadeira –, mas também do Ludo e dos
jogos da Majora, que era a grande marca
de jogos na altura. Gostava de uma série
de jogos desse tipo.
E brincadeiras, para além das escondidas?
Muitas brincadeiras; gostava muito, por
exemplo, de nadar e de andar com
óculos e barbatanas a explorar o fundo
do mar porque estivemos em África três
anos. Foram três anos muito marcantes
da minha infância, em que vivíamos uma
vida completamente diferente, muito ao ar livre, íamos muito à praia, fazíamos muitas brincadeiras,
explorações e aventuras na praia… Essa atividade de explorar os fundos do mar – que eram riquíssimos,
cheios de animais – eu adorava. Passava horas e horas dentro de água com os óculos, as barbatanas
e o canudo a explorar o fundo do mar.
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Fala de estar
E livros, lembra-se daqueles que preferia em menina?
Lembro-me de ter tido um livro que me marcou imenso a infância, que foi uma enciclopédia comprada
pelo meu pai. O meu pai era da marinha de guerra e portanto trazia-nos muitas prendas fantásticas
quando vinha das viagens. Estava longos períodos ausente e quando chegava a mala dele parecia
uma cartola de um mágico. Rodeávamo-lo, eu e o irmão, e dali saíam meccanos (brinquedos para
montar), comboios elétricos, máquinazinhas de costura, servicinhos e livros também, e aguarelas – pintei
muito em aguarela quando era criança. Houve um livro de que me lembro e que ainda tenho (já com
as páginas a cair), uma enciclopédia que o meu pai trouxe acho que da África do Sul, profusamente
ilustrada. Eu não percebia uma palavra daquele livro, porque estava em inglês, naturalmente, mas aquele
livro marcou-me imenso. As ilustrações eram detalhadíssimas e eu vivia intensamente aqueles interiores
de castelo, por exemplo – lembro-me que havia um castelo cheio de divisões, e eu imaginava imensas
aventuras… O livro está cheio de inscrições: «Maria João aqui», «Maria João passou por ali, viveu
isto e aquilo naquele aposento e naquele»… Foi um livro que consultei milhentas vezes ao longo
da minha vida toda – mesmo já em adulta às vezes ia lá ver coisas porque me marcou muito.
Também me lembro do primeiro livro que li, que foi As Meninas Exemplares da Condessa de Ségur.
Lembro-me que mo ofereceu a madrinha da minha mãe quando eu tinha uns 8 anos e que olhei
para aquilo e pensei «Eia, que seca, nem uma única ilustração… Eu nunca vou ler isto!» Passaram-se
uns meses e num dia em que estava muito aborrecida em casa comecei a ler o primeiro parágrafo,
o segundo parágrafo, a primeira página… Li aquilo tudo de seguida e a partir daí tornei-me uma grande
leitora.
Que idade tinha nessa altura?
Devia ter uns oito anos; foi o meu primeiro livro e realmente nunca me esqueci daquele impacto
primeiro negativo.
Para além de ilustrar para outros autores, criou o livro A Professora de Música, cuja história se conta
apenas com desenhos. Quais eram as disciplinas de que mais gostava na escola?
De desenho e de português. Sempre gostei muito de ler, de literatura, e tive uma ótima professora
de português no Instituto de Odivelas, que foi onde fiz os meus estudos secundários. Fui colega
da (escritora) Luísa Costa Gomes, éramos da mesma turma, e lembro-me que a nossa professora
de português incentivava-nos imenso a escrever: havia um dia da semana que era só dedicado à
escrita; um dia só para escrever livremente, criativamente, sem a gramática e o programa. Escrevíamos
imenso para aquele dia, depois os textos eram lidos e lembro-me que já na altura a Luísa Costa Gomes
se distinguia pela escrita.
É ilustradora de alguns contos passados no mar, como O Ratinho Marinheiro. Se pudesse experimentar
estar na pele de um ser do mundo aquático, verdadeiro ou de fantasia, qual gostava de ser?
Acho que gostava de ser um golfinho, que é um animal muito simpático e inteligente, ao que parece.
De qualquer maneira, se tivesse de escolher entre qualquer animal, acho que queria mesmo ser um
animal marinho, porque o mar é um ambiente que sempre me inspirou e de que gosto muito (e de
nadar e de água).
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De entre as personagens que desenhou tem alguma preferida ou com que simpatize mais?
Não me estou a lembrar de nenhuma em particular com que simpatize mais. Houve alguns trabalhos
de que gostei mais de fazer e com que tive mais empatia do que outros, como é evidente… Tive muita
empatia com o lobo d’Os Três Porquinhos, por exemplo.
No livro Os Três Porquinhos há um lobo que fica um pouco desgostoso no fim da história.
Que conselhos lhe daria para viver uma vida melhor?
É um lobo com quem tive uma grande empatia. Gosto dos lobos pela liberdade que têm, por serem
livres e selvagens, mas não sei que conselhos daria a este para viver melhor…
Já desenhou para muitas histórias tradicionais em versões de escritores como António Torrado.
Tem alguma preferida ou de que goste particularmente?
Não. Gosto de ilustrar contos tradicionais, gostei mais de alguns do que doutros, mas não recordo
nenhum em particular.
Como é dividir o trabalho de criar um livro com outra pessoa?
Nunca tive a experiência de trabalhar, à partida, conjuntamente com o escritor; na maior parte dos casos
só conheci o escritor muito mais tarde, já depois de ter ilustrado vários livros para a pessoa, pelo que
nunca tive esse privilégio de trabalhar conjuntamente com ela. Recebo o texto para ilustrar e encarrego-me dele; faço a «minha parte», digamos assim, mas não tem havido, até agora, nenhuma interação.
De momento tenho um projeto com uma amiga que, se for para a frente, aí sim, seria diferente,
e gostava de ter essa experiência de trabalhar a par e passo com a pessoa que constrói o texto.
Ler é importante? Porquê?
Acho que ler é importantíssimo; acho que nos proporciona uma experiência interior fantástica porque
nós, quando estamos a ler, de certa forma paramos o tempo. É só nós e aquilo que ali está, aquele
universo. No cinema as coisas passam demasiado rapidamente, e num livro podemos voltar atrás
as vezes que quisermos, podemos saborear cada palavra, cada detalhe, cada forma de dizer, cada detalhe
da ilustração o tempo que nós quisermos. Portanto, se estivermos a ler com grande prazer, esquecemos
o tempo. Tudo pára e somos só nós e aquilo que ali está. Isso é uma experiência interior fantástica:
viajamos por mundos extraordinários e isso é maravilhoso.
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