Modernismo
em Portugal
Fernando
Pessoa
(1888-1935)
1. Mensagem
Poemas de Alberto Caeiro
Fernando Pessoa
2. Ficções do Interlúdio Odes de Ricardo Reis
Poesias de Álvaro da Campos
3. Cancioneiro
“Criei em mim várias personalidades. Crio
personalidades constantemente. Cada sonho meu
é imediatamente, logo ao aparecer sonhado,
encarnado numa outra pessoa, que passa a
sonhá-lo, e eu não.
Para criar, destruí-me; tanto me exteriorizei
dentro de mim, que dentro de mim não existo
senão exteriormente. Sou a cena viva onde
passam vários atores representando várias
peças.”
Mensagem – Fernando Pessoa
Livro dividido em três partes, correspondendo à
ascensão, apogeu e declínio de Portugal.
I – Brasão – origens de Portugal até o início da
expansão marítima. Portugal define sua
nacionalidade e expande seu território.
D. Sebastião, Rei de Portugal
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
II – Mar Português – as grandes viagens marítimas e as
descobertas. Apogeu de Portugal.
O Infante
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até o fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou, criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal !
Mar Português
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
O Velho do Restelo
III – O Encoberto – desaparecimento de D. Sebastião até o início
do século XX, ou seja, a decadência de Portugal.
Nevoeiro
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer –
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
Valete, Fratres.
Ficções do Interlúdio
Fernando Pessoa e seus Heterônimos
Poemas de Alberto Caeiro
Mestre dos demais, é o poeta
da natureza, de linguagem
simples e espontânea. Poeta da
objetividade absoluta. “Escrevo
Caeiro por pura e inesperada
inspiração, sem saber ou
sequer calcular o que irei
escrever. (...) Caeiro escreve
mal o português.”
Fragmentos de O Guardador de Rebanhos
V
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso. (...)
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério. (...)
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber o que não sabem? (...)
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou! (...)
XX
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha
[aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus. (...)
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
XXXIX
O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que
[os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.
Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido nenhum (...)
Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos:
- As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.
XLVIII
Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade.
(...)
Quem sabe quem os lerá?
Quem sabe a que mãos irão?
(...)
Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura para sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a
[que foi sua.
Passo e fico, como o Universo.
Fragmento de Poemas Inconjuntos
Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra
[impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.
(...)
Não desejei senão estar ao sol ou à chuva –
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
(E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.
Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão –
Porque não tinha que ser. (...)
Odes de Ricardo Reis
Poeta clássico, ligado aos valores
da Antigüidade. “Escrevo Ricardo
Reis depois de uma deliberação
abstrata, que subitamente se
transforma numa ode. (...) Reis
escreve melhor do que eu, mas
com um purismo que considero
exagerado.”
Observação:
Suas odes são inspiradas em Horácio,
poeta latino da Antigüidade. É influenciado
pelo Estoicismo e pelo Epicurismo.
Doutrina filosófica grega,
criada por Zenão, que
pregava a resignação,
uma vida comandada
pela razão, longe das
paixões.
Doutrina do filósofo grego
Epicuro, que pregava o prazer
como bem maior, mas este
prazer deve resultar do
completo domínio do homem
sobre si mesmo, através da
razão.
Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem entre os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Não só quem nos odeia ou nos inveja
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.
Que os deuses me concedam que, despido
De afetos, tenha a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
É livre; quem não tem, e não deseja,
Homem, é igual aos deuses.
Não a ti, Cristo, odeio ou menosprezo
Que aos outros deuses que te precederam
Na memória dos homens.
Nem mais nem menos és, mas outro deus.
(...)
Poesias de Álvaro de Campos
Poeta moderno, futurista,
engenheiro de profissão, considera
que a base de toda a arte é a
sensação. “Escrevo Campos
quando sinto um súbito impulso
para escrever e não sei o quê. (...)
Campos escreve razoavelmente.”
Lisbon Revisited (1923)
Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
(...)
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havermos de ir juntos?
(...)
Lisbon Revisited (1926)
Nada me prende a nada.
Quero cinqüenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja –
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.
(...)
Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio que arroja-me à praia.
Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme
Não sei que ilhas do Sul impossível aguardam-me náufrago;
Ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.
(...)
Outra vez te revejo,
Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.
(...)
Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim –
Um bocado de ti e de mim!...
Tabacaria
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(...)
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que
[tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre,
O da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem uma porta ao pé de
[uma parede sem porta. (...)
Apostila
Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linhas...
O trabalho honesto e superior...
O trabalho à Virgílio, à Mílton...
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!
É tão pouco provável ser Mílton ou ser Virgílio!
(...)
Poema em Linha Reta
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
(...)
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma
[vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? (...)
Cancioneiro
Poemas de Fernando Pessoa ele-mesmo (ortônimo)
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
Isto
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
Liberdade
Ai, que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada.
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está
[indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as
[danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
Conclusão
A fragmentação de Fernando Pessoa pode ser vista
como uma tentativa desesperada de tomar para si
vários pontos de vista, para ter a possibilidade de ver
a totalidade.
Fernando Pessoa (ele-mesmo) – Imaginação
Alberto Caeiro – Sentidos
Ricardo Reis – Razão
Álvaro de Campos – Emoção
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Modernismo em Portugal Fernando Pessoa