SÍNTESE E CARACTERIZAÇÃO DE TIO2 (ANATASE) NANOCRISTALINO Leonardo R. Rodrigues1, Helder J. Ceragioli2, Vitor Baranauskas2, Cecília A. C. Zavaglia1 1 Dep. de Eng. de Materiais, Fac. de Eng. Mecânica, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo (SP), Brasil. 2 Dep. de Semicondutores Instrumentos e Fotônica, Fac. de Eng. Elétrica e Computação, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo (SP), Brasil. Resumo. Neste trabalho será apresentada uma técnica simples e eficiente de obtenção de nanopartículas de TiO2 puro na fase anatase. Para controle da fase foram utilizadas duas temperaturas de calcinação 500°C e 700°C. O tamanho médio do cristalito para amostra calcinada á 500°C foi de 27nm e para a amostra calcinada á 700°C foi de 67nm. O precursor utilizado foi o TiCl4 que gerou um bom rendimento, sem necessidade de utilização de aditivos. Para a caracterização foram utilizadas as técnicas de difração de raios-X, equação de Scherrer, fluorescência de raios-X, espectroscopia Raman e Microscopia eletrônica de varredura. Palavras-chave: Nanotecnologia, Biomaterial cerâmico, Nanocristalitos, Síntese de pós. 1. INTRODUÇÃO Dióxido de titânio ou titânia por ser um material biocompatível [Cui, C., et. al., 2005], atóxico e quimicamente inerte tem sido pesquisado por muitos grupos com focos de pesquisa diferenciados devido seu grande potencial de aplicação, como purificação de ar e de água, células fotoelétricas, sensores de gás, pigmento branco, camadas ópticas e outros [Orendorz, A., et. al., 2007]. Suas propriedades tornam-se superiores se apresentar alta área superficial, tamanho de partícula em escala nanométrica, alta homogeneidade, já que as propriedades importantes em uma cerâmica dependem, em grande parte, das características originais dos pós utilizados [Costa, A. C. F. M., et. al., 2006]. Para a obtenção de TiO2 existem vários métodos, como sol-gel, condensação a gás inerte, evaporação por plasma, pirolise spray ultrasônico, técnicas hidrotérmicas, deposição química a vapor, micelas reversas, processo aerosol [Sheng, Y., et. al., 2005] [Costa, A. C. F. M., et. al., 2006]. A titânia (TiO2) possui três fases distintas brookite ou bruquita (ortorrômbica), anatase ou anatásio (tetragonal) e rutilo ou rutílio (tetragonal). A fase bruquita não é interessante para estudos e para outros fins devido a sua grande instabilidade [Costa, A. C. F. M., et. al., 2006]. A fase anatase da titânia inicia a mudança para fase rutilo quando aquecido acima de 900°C. A fase rutilo é a mais comum e a mais conhecida entre as três fases desse mineral. A fase anatase tem quase as mesmas propriedades da fase rutilo, como exemplo o brilho, dureza e densidade. O TiO2 ocorre naturalmente em diversos minerais, um dos quais encontra-se o rutilo que possui um índice de refração maior que o diamante, mas é muito macio para ser usado como pedra preciosa. Quando a titânia está totalmente na fase anatase as propriedades bactericidas são potencializadas, além disso, não é um produto tóxico, é bastante estável e barato [Braun, J. H. et. al., 1998]. Sob condições ambientais a macrocristalinidade da fase rutilo é termodinamicamente mais estável quando comparada com as fases anatase e brookite, porem a estabilidade termodinâmica depende da dimensão das partículas, e em partículas de diâmetro inferior a 14nm a fase anatase é mais estável do que a fase rutilo [Orendorz, A., et. al., 2007]. Este trabalho teve a finalidade de sintetizar e caracterizar nanocristalitos de TiO2 na fase anatase. 2. MATERIAIS E MÉTODOS 2.1 Materiais Os materiais utilizados para a preparação do TiO2 foram: tetracloreto de titânio IV (TiCl4) Sigma Aldrich, sacarose (C12H22O11) MERCK e álcool etílico absoluto (CH3CH2OH) Synth. 2.2 Preparação Para a obtenção do pó de TiO2 foi utilizado como precursor o TiCl4 que em contato com o oxigênio forma ácido clorídrico e cria uma suspensão muito leve que é arrastada pelo ar. Para evitar esta formação foi necessário diluir o TiCl4 em algum líquido, para essa finalidade foi escolhido o álcool etílico absoluto que serviu como base para a solução, pois o TiCl4 em contato com a água reage fortemente e com o etanol esta reação é mais suave. A proporção utilizada para etanol e TiCl4 foi de aproximadamente 4:1 em volume. O método se inicia com 77,56% de etanol em volume da solução, sob agitação com 3,05% de sacarose em volume da solução, em seguida é adicionado muito lentamente o TiCl4 que deve ser muito bem agitado. Logo após esta solução estar aparentemente homogênea com uma coloração esverdeada foi necessário aquecer para que a solução volatilizasse os gases desnecessários para o processo. A temperatura neste inicio de processo foi mantida entre 70 e 80°C. Nesta etapa formou-se uma espécie de pasta preta, semelhante com o gel do método sol-gel. Este suposto gel foi aquecido a 100°C até secar totalmente e formar partículas muito pequenas. Quando o processo chegou neste estágio o pó até o momento preto foi encaminhado para o forno onde foi calcinado a 500°C por 1 hora e 700°C também por 1 hora. O pó obtido a 500°C apresentou uma coloração branca amarelada e o pó calcinado a 700°C apresentou uma estrutura tricolor, branco, amarelo e marrom. A fase do pó de TiO2 em ambas temperaturas foi anatase pura. A sacarose foi adicionada no processo com o intuito de se fixar na estrutura do TiO2 separando as partículas, de forma a obter TiO2 nanoestruturado. 2.3 Caracterização A caracterização dos pós produzidos, foi realizada por difração de raios-X para identificação das fases e determinação do tamanho do cristalito em conjunto com a equação de Scherrer [Nag, M., et. al., 2007], por fluorescência de raios-X para verificar a composição química do pó, por espectroscopia Raman para verificar o índice de refração do pó de TiO2 e por microscopia eletrônica de varredura para constatar o tamanho das partículas presentes na estrutura do pó e verificar também a morfologia. A difração de raios-X foi realizada para determinar as fases do material, a sua pureza e o tamanho do cristalito. As medidas foram obtidas no equipamento da Marca Rigaku, , modelo DMAX 2200, radiação Cu-Kα, com filtro de Ni, a 40kV e 30mA, com velocidade de 0,01°/s em um intervalo em 2theta de 20° a 90°. A equação de Scherrer foi utilizada para determinar o tamanho do cristalito da amostra, demonstrada na Eq. (1): t = 0,9λ / βcosθ Eq. (1) Em que: “t” representa o tamanho médio do cristalito, “β” é a largura a meia altura do pico principal apresentado pela amostra e “θ” é o ângulo de Bragg. Para eliminar possíveis erros advindos do equipamento utilizou-se uma equação de correção que fez uso da medida de um monocristal de tamanho conhecido para efetuar a correção. As correções foram realizadas por meio da Eq. (2): βreal = β2exp – β2int Eq. (2) Em que “βreal” é a largura a meia altura corrigido, “βexp” é a largura a meia altura medido e “βinst” é a largura a meia altura do padrão. O “padrão” é um monocristal com o tamanho do cristalito já conhecido. Neste tipo de análise é considerado que o perfil dos picos de difração de raios-X apresentem uma distribuição gaussiana. A composição química do pó foi comprovada por fluorescência de raios-X. O equipamento utilizado foi o Rigaku RIX 3100 . Foi realizada a análise semiquantitativa nas amostras e as medidas foram realizadas utilizando uma pastilha do pó de TiO2 de 25mm de diâmetro. Para a realização da espectroscopia Raman foi utilizado o Espectrômetro Raman da marca Renishaw modelo inVia Raman microscope. O laser aplicado na caracterização foi o laser He-Ne com um comprimento de onda λ= 633nm e com uma potência ~ 6mW. As amostras foram analisadas em um intervalo de 100cm-1 a 700cm-1. O tamanho do cristalito e a morfologia do pó de titânia foram analisados por microscópio eletrônico de varredura. O equipamento utilizado foi o Jeol modelo JXA-840A , com aumento máximo de 20000x com voltagem de aceleração de 25Kv. As amostras foram metalizadas com uma fina camada de ouro, devido à necessidade da amostra conduzir elétrons para poder gerar imagens. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Difração de raios-X e Equação de Scherrer A difração de raios-X apresentou excelentes resultados tanto para o pó calcinado a 500°C quanto para o pó calcinado em 700°C, o que ficou evidente neste estudo foi à demonstração prática do fenômeno que a temperatura cria na estrutura do material, que apresenta a cristalinidade proporcional ao tamanho de grão, ou seja, quanto mais cristalino o material maior será o grão, ou quanto menos cristalino o material menor será o tamanho do cristalito. (a) (b) Figura 1: (a) Difração de raios-X evidenciando a fase anatase pura. (b) Comparação dos picos principais da amostra calcinada a 500°C (Peak List) com os picos padrões da fase anatase obtidos na literatura, as fichas são: JCPDS 21-1272 e a JCPDS 04-0477. Os picos gerados na difração de raios-X evidenciam a eficiência do processo, que gerou dióxido de titânio fase anatase puro, porem com uma cristalinidade um pouco afetada se comparada com a amostra calcinada a 700°C, outro ponto importante que deve ser levado em consideração é que quanto menor o tamanho de grão, maior será a largura dos picos, levando os a ficarem mais juntos, e em alguns casos somando-se. Podemos visualizar na Fig.1 que a amostra possui uma semelhança muito grande com os padrões obtidos na literatura, tanto em intensidade quanto no posicionamento dos picos. O pó de TiO2 calcinado a 500°C por 1 hora obteve um tamanho médio de cristalito de 27nm. A Fig. 2 apresenta o pico principal da amostra calcinada a 500°C, no quadro ao lado do gráfico constam os valores utilizados na equação de Scherrer. Figura 2: Curva gaussiana do pico principal da amostra utilizada para o cálculo do tamanho do cristalito para a amostra calcinada a 500°C por 1h. Os picos da amostra calcinada a 700°C gerados na difração de raios-X apresentaram uma visível melhora na cristalinidade do TiO2 quando comparados com os picos da amostra calcinada a 500°C. As cartas de comparação apresentadas na Fig. 3 evidenciam a presença de TiO2 fase anatase. (a) (b) Figura 3: (a) Difração de raios-X da amostra calcinada a 700°C que apresenta a fase anatase pura e mais cristalina. (b) Comparação dos picos principais da amostra calcinada a 700°C (Peak List) com os picos padrões da fase anatase obtidos na biblioteca, as cartas indexadas são: JCPDS 21-1272 e a JCPDS 04-0477. O pó de TiO2 calcinado á 700°C por 1 hora apresentou um tamanho médio de cristalito de 62nm. A intensidade dos picos da amostra calcina em 700°C apresenta uma intensidade maior e com os picos mais bem definidos. Esse resultado provavelmente foi obtido devido ao aumento da cristalinidade do material decorrente do aumento da temperatura de calcinação. A Fig. 4 apresenta o pico principal da amostra calcinada a 700°C. No quadro ao lado do gráfico constam alguns valores utilizados na equação de Scherrer. Figura 4: Curva gaussiana do pico principal da amostra utilizada para o cálculo do tamanho do cristalito para a amostra calcinada a 700°C por 1h. 3.2 Espectroscopia de fluorescência A espectroscopia de fluorescência de raios-X apresentou excelentes resultados, para ambas as amostras. Porém foi notado que com o aumento de temperatura o TiO2 torna-se mais puro, pois o produto final da amostra 500°C apresentou o valor de 99,71% de pureza, já a amostra calcinada a 700°C apresentou o valor de 99,87% de pureza. Como apresentado na Tabela 1 a seguir. Tabela 1: Grau de pureza da amostra 500 (500°C) e da amostra 700 (700°C) e a quantidade de impurezas semiquantificadas utilizando a análise de espectroscopia de fluorescência de raios-X. Pureza (%) Cl (%) Fe (%) S (%) Si (%) Ca (%) P (%) Cr (%) Ni(%) 500 99,7082 0,2271 0,0175 0,0163 0,0155 0,0081 0,0073 X X 700 99,8751 0,0235 0,0335 0,0058 0,0187 0,0121 0,0142 0,0113 0,0057 3.3 Espectroscopia Raman A espectroscopia Raman apresentou bandas semelhantes entres as amostras 500 e 700, as posições foram praticamente às mesmas, a única diferença aparente foi à variação na intensidade, pois a amostra 700 apresentou um sinal mais intenso. (a) (b) Figura 5: (a) Espectroscopia Raman das amostras 700 (700°C) e 500 (500°C), revelando a fase anatase do TiO2. (b) Espectroscopia Raman do TiO2 nanocristalino fase anatase obtida na literatura [Orendorz, A., et. al., 2007] onde a banda 1 está em 144cm-1, banda 2 está em 197cm-1, a banda 3 está em 399cm-1, a banda 4 está em 513cm1 e a banda 5 está em 639cm-1. Quando às amostras são comparadas com as bandas apresentados na literatura [Orendorz, A., et. al., 2007] é possível dizer que se trata realmente de TiO2. 3.4 Microscopia eletrônica de varredura A Microscopia eletrônica de varredura foi necessária para poder visualizar se realmente as amostras eram nanoestruturadas e assim poder visualizar a forma dos grãos e como eles se aglomeram. Como é mostrado na figura 6. (a) (b) (c) (d) Figura 6: (a) amostra 500 e (b) amostra 700 com aumento de 20000x e escala de 1µm, (c) amostra 500 e (d) amostra 700 com 10000x de aumento e escala de 2,5µm. Na Figura 6 é possível verificar que a morfologia é praticamente a mesma entre os pós, além de ser evidente o aumento do tamanho das partículas que formam a estrutura do pó decorrente da variação de temperatura, mesmo que de forma sutil. Com o aumento utilizado não é possível definir de forma precisa o contorno das esferas de titânia que formam o pó, porem com o aumento de 20000x é possível notar que realmente se trata de um pó nanoestruturado. 4. CONCLUSÃO Foi possível verificar que o método é eficiente na obtenção de pó nanoestruturado de TiO2, com um tamanho médio de cristalito de 27nm para a amostra calcinada a 500°C e 62nm para a amostra calcinada a 700°C. Foi possível verificar que a variação na temperatura de calcinação influencia na cristalinidade e no tamanho do cristalito do dióxido de titânio e mostrando que quanto mais cristalina a estrutura, mais definidos serão os picos gerados na difração de raios-X. Foi notado que, com o aumento da temperatura o tamanho do cristalito também aumenta, mostrando a estreita relação entre temperatura de calcinação e tamanho do cristalito. A espectroscopia de fluorescência de raios-X mostrou que o processo de obtenção do pó é eficiente, pois gera TiO2 puro, sendo provável uma possível aplicação in vitro e in vivo. A espectroscopia Raman caracterizou as amostras como sendo TiO2 fase anatase, por comparação com a literatura. Com a microscopia eletrônica de varredura foi possível visualizar o aumento do tamanho das partículas decorrente do aumento da temperatura. Foi possível também visualizar que as partículas estão aglomeradas e se apresentam em forma esférica constatando a existência das nanoestruturas. AGRADECIMENTOS Agradeço a Capes pelo apoio financeiro, a Dra. Cecília Zavaglia por ter me orientado, ao Dr. Helder Ceragliori do DSIF-FEEC-UNICAMP por ter realizado a espectroscopia Raman, ao Dr. Eduardo Ono do LMF-DEMA-FEM-UNICAMP por fornecer o TiCl4. REFERÊNCIAS Braun, J. H., Baidins, A. and Marganski, R. E. (1992), “TiO2 pigment technology: a review“, Progress in Organic Coating, 20, 105-138. Costa, A.C.F.M., Vilar, M.A., Lira, H. L., Kiminami, R.H.G.A., Gama, L. (2006), “Síntese e caracterização de nanopartículas de TiO2”, Cerâmica, 52, 255-259. Cui, C.; Liu, H.; Li, Y., Sun, J., Wang, R., Liu, S., Greer, L. (2005), “Fabrication and biocompatibility of nanoTiO2/titanium alloys biomaterials”, Materials Letters, 59, 3144-3148. Nag, M., Basak, P. e Manorama, S. V. (2007), “Low-Temperature hydrothermal synthesis of phase-pure rutile titania nanocrystals: Time temperature tuning of morphology and photocatalytic activity”, Materials Research Bulletin, 42, 1691-1704. Orendorz, A., Brodyanski, A., Lösch, J., Bai, L. H., Chen, Z. H., Le, Y. K., Ziegler, C., Gnaser, H. (2007), “Phase transformation and particle growth in nanocrystalline anatase TiO2 films analysed by X-ray diffraction and Raman spectroscopy”, Surface Science, 601, 4390-4394. Sheng, Y., Zhou, B., Liu, Y., Zhao, X., Wang, C., Pan, Y., Wang, Z. (2007),“Close-packed nano-TiO2 anatase microspheres synthesis and their luminescent properties”, Materials Letters, 60, 1327-1330. SYNTHESIS AND CHARACTERIZATION OF NANOSTRUCTURED ANATASE TiO2 Leonardo R. Rodrigues1, Helder J. Ceragioli2, Vitor Baranauskas2, Cecília A. C. Zavaglia1 1 Departamento de Engenharia de Materiais, Faculdade de Engenharia Mecânica, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo (SP), Brasil. 2 Departamento de Semicondutores Instrumentos e Fotônica, Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo (SP), Brasil. E-mail: [email protected] Abstract. This work will demonstrate an easy and efficient technique for obtaining nanostructured anatase (TiO2). For phase control it was used two different calcinations temperatures, which were 500°C and 700°C. The crystallites mean size for sample calcinated at 500°C was 27nm and for sample calcinated at 700°C was 67nm. The chemistry precursor used was TiCl4 that sparked a good income without the need for the use of additives. For characterization it was used X-ray diffraction, X-ray fluorescence spectroscopy, Raman spectroscopy, the Scherrer equation and scanning electron microscope. Keywords: Nanotechnology, Ceramic biomaterial, Nanocrystallite, Synthesis of Powder.