O SENTIDO DA NEGRITUDE NAS BATIDAS DE HIP HOP: DO QUILOMBO
PARA A PERIFERIA.
SANTOS; Jaqueline Lima.
[email protected]
Orientador Professor Doutor Agenor J. T. P. Farias.
Pontifícia Universidade Católica De Campinas
Centro De Ciências Humanas/
Departamento De Ciências Sociais/
Laboratório De Etnologia e Antropologia Social.
Introdução
No jogo de oposição negro-branco criado no sistema escravocrata, forma-se uma
generalização em relação ao termo cultura. A cultura negra não tem sentido único,
vieram para o Brasil diversas etnias africanas e assim uma multiplicidade de culturas, o
mesmo serve para pensar em relação aos europeus e indígenas que aqui habitavam.
Como “negro” foi nome atribuído a todos os africanos, a cultura dos mesmos passou a
ter uma classificação geral: “cultura negra”. Dentro do termo “cultura negra” podemos
observar uma diversidade de manifestações, e a que me proponho a apresentar nesse
trabalho é o movimento HIP HOP. Partindo da idéia de que a cultura negra não é uma
coisa única, e que a identidade negra pode ser construída de diversas maneiras, esta
pesquisa vem buscar uma interpretação da realidade vivida por jovens negros a partir do
movimento HIP HOP e a afirmação da negritude.
“Negro” é o nome que os europeus deram aos africanos. Segundo Guimarães(2003), a
permanência do preconceito de cor e as desigualdades de oportunidades de vida entre
negros e brancos no Brasil após a abolição, fez com que surgissem no século XX
movimentos sociais negros. Essa consciência racial segundo ele é fruto do “sentimento
étnico nutrido pelos imigrantes europeus no final do século XIX e começo do século
XX e o recrudescimento do racismo europeu entre 1920 e 1939”, como se fosse uma
reação a esses sentimentos. A Mensagem aos Negros Brasileiros publicada em 9 de
junho de 1929 nos apresenta as bandeiras dos negros naquela época: “contra a
discriminação, pela completa integração, pelo reconhecimento como Brasileiro”, nessa
época os negros no Brasil, diferente de outras partes do mundo, se identificavam como
brasileiros e não como africanos, ou seja, reivindicavam uma identidade nacional, afrobrasileiro. Em 1931 com o surgimento da Frente Negra Brasileira, é que se consegue
unir pela primeira vez quase todas as organizações negras no Brasil em torno de uma
organização comum, uma frente política, segundo Guimarães “foi à idéia de raça que
permitiu tal façanha”. Somente na década de 70 que a “cultura negra” no Brasil firmase, pois as práticas negras antes eram pensadas como afro-brasileiras. A partir da década
de 80 a militância negra no Brasil “tomou um rumo cada vez mais racialista e
africanista” (Guimarães, 2003), buscando definir como negro tudo que antes era
pensado como afro-brasileiro, esse é o processo que Guimarães (2003) chama de
“modernidade negra”.
“A identidade negra brasileira foi, antes de tudo, uma construção
política, de ”frentes” e de ativismo antidiscriminatório, pouco
reivindicando, até os anos 1970, a pertença a uma “cultura negra” ou
“africana””. (Guimarães, 2003)
No Brasil a formação da identidade étnico racial nos anos 30 foi voltada para o interior,
ou seja, o reforço da nacionalidade brasileira, e nos anos 70 ela busca reforçar raízes
externas, as raízes africanas.
Na “modernidade negra” os negros brasileiros adquirem uma “consciência racial” que é
fruto da divisão que sempre foi atribuída a eles pelos “não negros”. Munanga (1986)
define esse processo como “negritude”. Segundo Munanga a noção de negritude nasce
para legitimar a dominação sobre os negros, aliená-los e inferiorizá-los. Pelas diferenças
biológicas (de fenótipo) entre negros e brancos tentou-se explicar as diferenças culturais
para discriminar moral e intelectualmente o negro. O negro instruído na escola do
colonizador toma pouco a pouco o conhecimento da inferioridade forjada pelo branco e
passa a ver como único remédio a sua “inferioridade” a assimilação aos valores
culturais do branco, fase que Munanga chama de “embranquecimento cultural”. Com o
embranquecimento cultural os negros aprenderam as línguas ocidentais e alguns tinham
acesso à disciplina cientifica e a universidade, mas isso não fez com que eles passassem
a ter tratamento igual, e continuaram a ser discriminados. A partir daí começam a negar
o embranquecimento e a resgatar suas origens sócio-culturais, esse retorno que
Munanga chama de “negritude”, afirmando que a história justifica a origem do termo, e
que não é racismo as avessas, é uma reação “legitima de defesa ou “racismo antiracial””, a negritude não deixa de ser uma resposta racial negra a uma agressão branca
de mesmo teor, ela nasce principalmente onde há intelectuais negros.
O termo negritude conhece várias interpretações e não permanece estático. Enquanto
movimento a negritude desempenhou papel fundamental para a emancipação e
independência. Há algumas criticas em relação ao termo, uns consideram a negritude
superada, pois a realidade colonial que a provocou não existe mais, outros defendem
como uma extensão da linguagem racista que lhe deu origem, em outro sentido, que a
negritude assume a inferioridade do negro forjada pelo branco.
Do ponto de vista do movimento negro hoje podemos observar a importância dada a
negritude como forma de luta pela visibilidade, orgulho, auto-estima e emancipação
social.
A partir disso pretendo abordar como vem se manifestando a identidade negra
atualmente tendo a cultura, pois segundo Batista (1983) a cultura esta no discurso e na
arregimentação política do negro, ou seja, a utilização da cultura negra para o
fortalecimento de uma identidade cultural e política.
Através do panorama que tracei acima podemos observar uma tendência em meu
trabalho de desnaturalização da noção de raça, tratando a mesma como construção
sócio-histórica, sem credibilidade para diferenças biológicas, mas fruto de conflitos
sociais de dominação e resistência.
Para desenvolver o projeto de pesquisa tenho como foco um dos movimentos negros
contemporâneo, o movimento HIP HOP que surge na década de 60 como forma de luta
contra a opressão racial protagonizado pela juventude negra, e como sujeitos de estudo a
Posse Hausa de São Bernardo do Campo (ABC Paulista) que atua na construção da
identidade étnico-racial através do movimento HIP HOP.
Objetivo
O objetivo do meu projeto de pesquisa é interpretar as formas de expressão da
identidade negra através das manifestações culturais, e como esses movimentos vem se
organizando na junção da expressão cultural e no espaço de reivindicação política em
oposição às desigualdades raciais.
Através de um enfoque na posse HAUSA, organização de jovens negros do movimento
HIP HOP localizada na cidade de São Bernardo do Campo, busco entender como se da
a construção da identidade negra a partir da cultura HIP HOP e a forma como os
elementos culturais têm servido para a formação de uma identidade política com
compromissos sociais e projetos de mudança relacionada à realidade comum dos que
vivenciam a prática desse movimento. Chamada por Kabengele Munanga(2002) de
identidade projeto, onde os grupos reúnem seu elementos culturais como forma de
resistência e criam um projeto de mudança social a partir desses elementos. Escolhi a
Posse Hausa pela expressiva importância que vem ganhando no movimento negro a
partir da sua atuação na construção da identidade étnico racial através do HIP HOP.
Método
A primeira de todas as discussões colocadas nesse trabalho é: Pode o subalterno falar?
Como eu mulher, jovem e negra costumadamente tida como “objeto de pesquisa” posso
realizar um estudo? O intelectual negro na academia é considerado antes de tudo objeto
cientifico, o que o impõe limites enquanto agente reflexivo, tendo sua voz
subalternizada pelo outro. E como superar este desafio? É preciso repensar a autoridade
etnográfica construída pelo homem branco europeu, uma discussão trazida pelos pósmodernos da antropologia, mas que ainda limita quem sempre foi considerado “nativo”.
José Jorge Carvalho(2001) cita Derrida(1971) para afirmar que “a etnologia é
etnocêntrica apesar de combater o etnocentrismo, porque o Ocidente, ao mesmo tempo
que praticou o descentramento, construiu sua imagem diante do resto do mundo como
sendo a única cultura capaz de realizar tal movimento de abertura e autodesdobramento”.
Segundo Arivaldo Lima Alves (2001) o negro tem sido afirmado na voz do branco, e o
lugar do negro na academia vem sendo de absoluta ausência e negação. “Minha voz
subalterna fala então não apenas de uma opressão econômica e racial, mas também de
um passado histórico de inacessibilidade a campos de saber e poder legitimados, da
contenção de símbolos e valores negro-africanos, da restrição à palavra e da dificuldade
do uso de categorias e conceitos que traduzem a minha experiência como intelectual
negro na academia brasileira”. (ALVES, 2001: 284).
Como pode um intelectual negro articular o confronto na academia sem confundir sua
fala com o discurso militante? A nossa condição de negros antropólogos “subalternos”
exige uma categorização antecipada de nós mesmos (Alves, 2001).
O mito da democracia racial anula as diferenças no plano social e biológico, e quando
vem os questionamentos sobre a mesma a armadilha é: “como discriminar alguém que
não existe”. A anulação da diferença serve para velar o preconceito. A democracia
racial torna invisíveis negros e mestiços
Para entender o universo simbólico que esta presente entre a prática do movimento HIP
HOP e a construção da identidade negra, pretendo realizar pesquisa de campo e buscar
referencial teórico em torno da discussão.
Marcel Mauss(1902), afirma que as sociedades são diversas, e por mais que existam
semelhanças entre as mesmas é necessário fazer um recorte no que se quer estudar,
defende que falar de um problema em geral é falar de algo inexistente, pois há uma
diversidade ampla presente dentro das práticas sociais. Levando em consideração esta
afirmação, focalizei minha pesquisa em uma “posse” de HIP HOP existente na cidade
de São Bernardo do Campo, chamada Posse Hausa, e o papel da mesma na construção
da identidade étnico-racial entre a juventude “negra”, na sua atuação política e cultural.
Magnani(2002), trabalha como se conjuga a macro realidade com a micro realidade. O
estudo das relações macro dentro do espaço urbano segundo o autor deixa de perceber
um conjunto de outras relações que são essenciais para a antropologia, pois, dentro da
discussão mais ampla de sociedade temos sujeitos concretos, específicos que se
organizam. As análises macro provocam um desaparecimento dos atores sociais
concretos, e segundo Magnani o objeto da antropologia é o micro, entender essas
especificidades, trabalhar do ponto de vista da micro realidade, focar o sujeito social
para contemplar a diversidade existente dentro da macro realidade.
Magnani também defende que o procedimento da antropologia clássica de olhar de
longe e de fora não é apropriado para se entender a dinâmica da cidade, portanto propõe
um olhar de perto e de dentro para uma antropologia das sociedades complexas, o
ambiente urbano. A unidade de análise da antropologia urbana seria constituída pelas
diferentes práticas e não pela cidade como uma totalidade... (Magnani, 2002:25).
O olhar antropológico significa a transformação do próprio pesquisador, ou seja, “tornar
exótico o que é familiar e tornar familiar o que é exótico”(Peirano, 1999). Segundo as
considerações de Magnani, na cidade é difícil perceber e ter consciência de que o
exótico esta na nossa frente, a diversidade que povoa a cidade no nosso nariz. O autor
critica também a história da neutralidade e afirma que é uma armadilha metodológica
achar que só porque se vive no mesmo espaço dos sujeitos estudados também se tem o
mesmo sentimento cognitivo.
Magnani desenvolve as noções de “pedaço”, “mancha”, “trajeto” e “circuito” como
categorias que descrevem as formas como podem se apresentar os recortes no ambiente
urbano.
“A noção de pedaço evoca laços de pertencimento e estabelecimentos
de fronteiras, mas pode estar inserido em alguma mancha, de maior
consolidação e visibilidade na paisagem; esta por sua vez, comporta
vários trajetos como resultado das escolhas que propicia a seus
freqüentadores. Já circuito, que aparece como categoria capaz de dar
conta de um regime de trocas e encontros no contexto mais amplo e
diversificado da cidade(e até para fora dela), pode elaborar trajetos e
pedaços particularizados.” (Magnani, 2002: 25).
Trabalhando com termos que têm sido naturalizados pelo senso comum, os que se remetem a
classificação racial, busquei a desnaturalização dos mesmos, apontando-os como termos
sociológicos, construídos historicamente, através de fontes bibliográficas, estudos produzidos na
área de antropologia. As denominações: “cultura negra”, “raça”, “identidade negra”, são em
campo tratadas como frutos da construção social e não naturais em si. Verena Stolcke(1991)
afirma que em termos estritamente biológicos, não existem “raças” entre os seres humanos, não
há evidências de que diferenças morais ou intelectuais estejam associadas a tais diferenças
físicas, e que os traços culturais comuns tendem com freqüência a serem atribuídos a “raça”. Os
sistemas de desigualdades baseados no conceito de “raça” constituem formulações sóciohistóricas. Afirma também que quando usadas como indicadores dos limites de grupo, as
características raciais não são menos que as étnicas, são formulações simbólicas.
A identidade negra foi uma denominação dada a população oriundo das regiões africanas pelos
europeus para legitimar diferenças e justificar a dominação (MUNANGA, 1988), e a partir do
século XX a população “negra” se apropria dessa denominação para construir uma identidade
de luta e unir coletivamente este grupo social.
O Movimento HIP HOP surge na década de 60 nos Estados Unidos como instrumento de luta
contra a opressão racial vivida por jovens afro-descendentes, se apropriando da identidade
“negra” como uma identidade política em favor das suas lutas. Através de depoimentos de
militantes do movimento e dos estudos realizados sobre o mesmo, realizei um histórico do
movimento até chegar no Brasil, e focalizei nos sujeitos do meu estudo que é a Posse HAUSA.
“Hip-Hop e um Movimento construído através dos anseios vivenciados
por grupos socialmente e racialmente excluídos de seus direitos tendo
em sua estrutura uma cultura, que causa o entretenimento dessa classe
ao mesmo tempo que garante a oportunidade de expor seus
pensamentos expressados na mais pura arte afroperiférica. Sua estrutura
possui 5 elementos e se falta algum deles em qualquer atividade se
descaracteriza o conceito de Hip-Hop pois cada elemento tem sua
importância e o conjunto deles que se torna verídico a manifestação
periféricamente conhecida por HIP-HOP.” (HÔNERE – Disponível em:
<www.possehausa.blogspot.com> Acesso em Vinte e Um de Agosto de
Dois Mil e Seis as Quinze Horas.)
Geertz(1989) analisa cultura como um conjunto de ações que são produzidas, percebidas e
interpretadas e que cabe ao antropólogo interpretar esse mundo simbólico a partir do nativo.
Geertz apresenta a etnografia como uma descrição densa, ou seja, “fazer etnografia é como
tentar ler um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas
e comentários tendenciosos, escritos não com os sinais convencionais do som, mas com
exemplos transitórios de comportamento modelado”, ele chama cultura de “textos culturais”. A
cultura é o comportamento humano visto como uma ação simbólica, e Geertz defende que
devemos buscar entender o que esta sendo transmitido através das ações, e esse entendimento
não é descritivo, ele é interpretativo.
Portanto, os dados da minha pesquisa de campo foram obtidos através da observação do
comportamento dos membros do grupo, a atuação dos mesmos e o significado que essa
realidade nos remete.
Para analisar meus resultados de campo busquei materiais etnográficos já produzidos como
embasamento teórico para construir uma discussão qualitativa. Florestan Fernandes (1975)
defende essa relação entre os dados e o conhecimento bibliográfico como fusão enriquecedora
que permite trabalhar um conhecimento empírico bem fundamentado, dando credibilidade a
uma pesquisa.
Resultados
“O HIP HOP é um movimento de cultura juvenil que surgiu nos Estados Unidos nos últimos
anos da década de 1960, unindo práticas culturais dos jovens negros latino americanos nos
guetos e ruas dos grandes centros urbanos. O movimento é constituído pela linguagem artística
da música (RAP – ritmo e poesia, pelos RAPPERS e DJ’S), pela dança (o BREAK) e da arte
plástica (o GRAFITTI).”(ROSE, 1994). HIP HOP nasce como uma forma de luta contra a
opressão racial e é desenvolvido principalmente por jovens negros e vem progressivamente
ganhando força nas periferias trabalhando as temáticas do cotidiano dos mesmos(MAGRO,
2002).
Os grupos organizados costumam formar as chamadas posses (é a união de dois ou mais
elementos (musica, dança) com um certo número de pessoas indeterminado, com interesse
comum) que são caracterizadas por ações coletivas bem definidas de conscientização política e
exercício de cidadania. Este termo “posse” tem origem entre jovens do movimento HIP HOP, e
até o momento não encontrei nenhum material bibliográfico que trabalhe a origem deste
conceito. “As posses mantém contato com as entidades do movimento negro, participam de
eventos, simpósios e congressos promovidos por essas entidades, põem-se a trabalhar a questão
racial, a pobreza, as drogas e a violência da sociedade brasileira; incentivam e procuram
conhecer biografias de personalidades negras, elabora panfletos com resumo dessas biografias e
as distribuem nos pontos de encontro da juventude negra”( ANDRADE, 1997).
As organizações do movimento HIP HOP criam um espaço de referência e de identificação
baseados na experiência social, cultural e étnica (MAGRO, 2002).
Na periferia, todos se encontram na rua, nos bailes, e a posse surge daí,
reunindo dois ou três grupos de RAP. É um jeito de trocar idéia sobre
música, arte e problemas de periferia, de estudar as nossa origens – a
afro-descendência-, que a escola não ensina. Também é nossa união
para lutar por espaço na sociedade, exigir locais para os nosso ensaios e
apresentações”. (Citado por MAGRO, 2002:70).
“ O RAP é um estilo musical originado do canto falado da áfrica
ocidental, adaptado a música jamaicana na década de 1950 e
influenciado pela cultura negra dos guetos americanos no período pósguerra (Citado por MAGRO, 2002:77).
Posse HAUSA surge em 1993:
Vem trabalhando em prol da auto-estima, do incentivo, da busca de
seus objetivos, do conhecimento de nossa história e de nossa
importância histórica, na valorização do movimento HIP HOP
verdadeiro com um recorte racial, ao afastamento do consumo de
drogas licitas e ilícitas, para a nossa juventude negra levando como
bandeira o HIP HOP e sua importância na formação da identidade
étnica aqui no Brasil e no mundo (HÔNERE – Disponível em:
<www.possehausa.blogspot.com> Acesso em Vinte e Um de Agosto de
Dois Mil e Seis as Quinze Horas.)
O nome da posse é HAUSA por causa da Revolta dos Malês que ocorreu em 1935 na
Bahia. HAUSA é um etnia africana localizada ao norte da Nigéria e atualmente
encontra-se no noroeste (HÔNERE – Disponível em: <www.possehausa.blogspot.com>
Acesso em Vinte e Um de Agosto de Dois Mil e Seis as Quinze Horas.), são islâmicos,
no período da escravidão muitos deles foram trazidos para o Brasil e no estado da Bahia
foram os atores da revolta dos Malês(Abdulazizi, 2006).
O termo “Malê” não está ligado a Mali – o país, tanto que pesquisando o arquivo
público do Estado da Bahia se descobre que apenas um pequeno número de escravos foi
trazido deste país. No ioruba Imalê – designa muçulmano. Desta forma, Malê mais
parece ser uma corruptela da palavra árabe Malek (Abdulazizi, 2006).
O grupo desenvolve seus projetos através de oficinas de HIP HOP, formações políticas
e palestras com a temática racial, expandindo o conhecimento por meio de informativos
e atividades culturais. Estão em busca de uma sede para construir um espaço de
identificação e inclusão da juventude negra.
Hoje a posse HAUSA faz parte da construção do primeiro ENJUNE – Encontro
Nacional de Juventude Negra, que irá acontecer em 2007. Este encontro esta sendo
organizado por diversas entidades que tem como protagonistas a juventude negra de
todos os estados do país, que realizam reuniões mensais para pensar o encontro e
estreitar os laços entre as entidades.
Batista (1983), afirma que os diversos escravos trazidos para o Brasil vieram de
diferentes regiões do continente africano, portanto eram dotados de diversas culturas,
mas o contato entre os diferentes troncos raciais também acontece no plano das culturas.
Dentro desse contexto ele aponta que aconteceu um afastamento entre cultura e grupo
racial através de dois processos. O primeiro processo acontece quando os grupos étnicos
perdem a identidade a favor de um patrimônio cultural do negro. No jogo de oposição
negro-branco, as especificidades culturais ou étnicas perdem sentido na medida em que
todas as manifestações da cultura não identificada ao grupo branco passam a ser
julgadas como de negros, sem distinção de eventuais nuanças culturais. A variedade
étnica africana no Brasil foi se reduzindo a uma única categoria: negros.
O segundo processo de afastamento é o deslocamento da cultura negra a uma cultura
nacional, refere-se a perda de identidade cultural desse grupo de negro genericamente
conceituado a favor de uma cultura nacional associada a toda população pluri-racial
brasileira, independente das múltiplas origens étnicas de um país de imigração.
O segundo processo diferentemente do primeiro, afeta, sob múltiplos
aspectos e de forma direta, grandes parcelas da população negra, sem
deixar naturalmente, de se constituir em tema de reflexão dos
estudiosos, intelectuais e ideólogos, tanto negros como brancos.
(BATISTA, 1983).
Com a desvinculação da cultura em relação ao grupo racial faz parecer a cultura negra
como algo presente em todos os espaços da cultura nacional.
O modelo pluri-racial brasileiro funciona como autêntica peneira no
processo de integração de negro aos espaços societários, colocando a
descoberta mecanismos poderosos e sutis que bloqueiam os negros em
seus projetos de participação social, cultural e política. (BATISTA,
1983).
Assim a idéia de nação plural coloca a cultura negra presente em todos os espaços de
cultura brasileira para reforçar a idéia de que no Brasil não restrições a coisas de negros
ao mesmo tempo em que o negro continua marginalizado na vida nacional, o que é
usado para reforçar o mito da democracia racial.
A sociedade nacional encontra nos elementos culturais negros uma forma de cultivar o
esnobismo, que os fazem sentir ora deferentes, ora exóticos, ora muito democráticos em
relação às minorias injustiçadas.
A partir disso a folclorização da cultura se inicia e é apontada por João Batista como
negativa pra imagem do negro, pois ao folclorizar-se a cultura, folcloriza-se o grupo
racial, e a folclorização cria uma imagem deletéria do negro, colocando-o como
amalandrado, inconseqüente, preguiçoso, exótico e etc., em contrapartida com a
imagem do branco racional, operoso. A folclorização também faz com que o outro se
aproprie da conquistas históricas do negro.
Dentro desse processo vem o resgate de identificação racial, a construção da identidade
política em cima de elementos culturais baseados na identificação histórica, onde João
Batista chama de: “a cultura no discurso e na arregimentação política do negro”. A
construção da identidade se faz por via política tendo, porém, como matéria-prima
indispensável certa especificidade cultural, seja lá qual for. Reconhece-se, também que
um projeto político que procura abrigar, sob a mesma bandeira pensamento e ação,
indivíduos dispostos a lutas pelo mesmo objetivo, no caso racial, precisa,
preliminarmente, encontrar o cimento cultural que os una moralmente.
A construção dos laços de lealdade entre negros constitui, talvez, um
dos maiores desafios para os que se propõem arregimentar
politicamente um segmento étnico desunido em quase todos os planos.
(BATISTA, 1983).
A identidade étnica ou etnicidades segundo Seyferth (1997) é um tipo de identidade
coletiva atribuída baseada numa cultura e história comuns, ou seja, dotada de
identificadores formados por um sistema de símbolos étnicos que criam uma
consciência coletiva.
Entender a identidade negra requer uma discussão sobre a incorporação da mesma pelo
negro no Brasil, pois, “negro” foi o nome que os brancos deram aos africanos. Ianni
coloca o negro dentro do processo histórico como passivo, e não como sujeito da
história. Moura(1986), afirma que na maioria dos estudos sobre as relações raciais no
Brasil “pouca ou nenhuma importância se da ao papel do escravo como participante do
processo contraditório de lutas e reajustes que caracterizou o sistema escravista”. Sendo
assim Moura defende que o escravo não era somente coisa, era ser, e o simples fato de
negar-se como escravo e criasse movimentos e atitudes de negação ao sistema colocavao como participante da dinâmica social, sujeito, atuante e não passivo. “O escravo no
Brasil nunca foi elemento passivo como é apresentado”. É justamente no abandono do
trabalho que o escravo dinamiza o sistema e se afirma como sujeito histórico coletivo.
(MOURA 1986).
Moura(1986) defende que para se resgatar a “divida que a sociedade brasileira tem para
com o negro(ex-escravo), há a necessidade básica de se mostrar, preliminarmente, como
ele vivia e reagia a condição de escravo”. O Brasil foi o ultimo país a abolir a
escravidão, e isso não foi levado em consideração por muitos estudiosos, pois deram
outra ênfase ao sistema escravista que não é o da dinâmica entre senhor e escravo, e sim
da atuação do senhor sobre o escravo. Por esse fator, Moura acredita que as nossas
correntes de pensamento buscaram uma interpretação diagonal do passado e até hoje
sofrem influência do período escravista, ou seja, o pensamento esta subordinado à
herança escravista, ao deixar de colocar o sistema escravista como dinâmico os
estudiosos levam a crer que a escravidão não é um processo histórico de contradição e
sim “uma fase na qual tudo se ajustava através dos referenciais casa-grande e senzala,
sendo que esses dois elementos se completavam harmonicamente.
“Com isto a classe senhorial do passado foi transformada em força
mantenedora da harmonia social durante o escravismo, e, em
continuação, por herança, as classes dominantes atuais procuram,
através de um paternalismo de diversos níveis, resolver pacificamente
os conflitos que surgem. Assim como durante a escravidão criou-se o
mito do “bom senhor”, criou-se, depois, a do “homem cordial” para
caracterizar as chamadas elites brasileiras”. (MOURA, 1986:15)
O movimento HIP HOP coloca o “negro” enquanto sujeito de atuação histórica,
buscando como referência heróis negros, e vem negar essa visão passiva do negro na
sociedade brasileira, através das musicas podemos observar essa visão protagonista do
negro, e os quilombos como exemplo a ser seguido, eles chamam seus espaços de
atuação de Quilombos Urbanos.
Conclusão
O movimento hip hop é entendido dentro do processo histórico como uma herança
cultural africana, o chamado “Black Atlantic, ou seja a cultura negra desenvolvida na
América como fruto da fusão da cultura negra dos diversos povos africanos (GILROY,
1992). Surge no Brasil no período histórico onde o movimento negro passa a buscar
uma identidade africana e incorpora a negritude, na segunda metade do século XX.
Os grupos da denominada “cultura negra ou afro-brasileira” hoje tem unido seus
elementos culturais para mostrar resistência e valores promovidos pelos negros,
preservar para eles é resistir.
Essa identificação racial promovida pelos negros hoje é fruto das hierarquias raciais
construídas para determinar as relações de dominação entre os grupos a partir das
diferenças estéticas. Ele não é construtor dessa diferença, mas incorpora ela para resistir
as desigualdades, pegando os elementos raciais construídos socialmente e construindo
uma identidade política.
A identidade associada a cultura é a identidade racial. Kabengele Munanga(2002), diz
que “os conceitos e as classificações servem de ferramentas para operacionalizar o
pensamento. É nesse sentido que o conceito de raça e a classificação da diversidade
humana em raças teria servido. Infelizmente, desembocaram numa operação de
hierarquização que pavimentou o caminho do racialismo. A classificação é um dado da
unidade do espírito humano”. Essa classificação serviu para legitimar a dominação dos
brancos, onde estes são colocados como superiores e os negros como inferiores, eles
usam as características do fenótipo para atribuir as qualidades e defeitos de cada um.
Essa classificação da humanidade em raças hierarquizadas é o que ele chama de
raciologia.
“Podemos observar que o conceito de raça, tal como o empregamos
hoje, nada tem de biológico. É um conceito carregado de ideologia,
pois, assim como todas as ideologias, esconde uma coisa nãoproclamada: a relação de poder e de dominação”. (MUNANGA, 2002)
“Se na cabeça de um geneticista contemporâneo ou de um biólogo
molecular a raça não existe, no imaginário e nas representações
coletivos de diversas populações contemporâneas existem ainda raças
fictícias e outras construídas a partir das diferenças fenótipicas como a
cor da pele e outros critérios morfológicos. É a partir dessas raças
fictícias ou “raças sociais”que se reproduzem e se mantém os racismos
populares”. (MUNANGA, 2002).
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O SENTIDO DA NEGRITUDE NAS BATIDAS DE HIP HOP: DO