Administração, n.º 3/4. vol. II. 1989-1.º e 2.º, 99-102
O ENSINO DO PORTUGUÊS
EM MACAU*
Cláudio Ló **
1. QUE MEDIDAS PROPÕE PARA A MELHORIA DO ENSINO DO
PORTUGUÊS?
A medida que me parece fundamental é introduzir os iniciados na
compreensão da estrutura básica da língua portuguesa, familiarizando-os
com essa mesma estrutura, quer por escrito, quer oralmente. Uma vez
capazes de seguir o seu próprio caminho, o ulterior progresso e sucesso
serão levados a cabo, naturalmente, pelos professores que forem,
realmente, dedicados (qualquer que seja o método utilizado) e pelos
alunos interessados realmente em aprender livre e voluntariamente.
2. QUE CRÍTICA TEM A FAZER AOS MANUAIS QUE ESTÃO A SER
UTILIZADOS?
a) Embora não sejam demasiado difíceis nem demasiado complicadas,
as regras de pronúncia das palavras portuguesas devem ser dadas a
conhecer, mas os manuais não as apresentam.
ò) Na gramática portuguesa há muitos pontos completamente
di-ferentes dos da língua chinesa. Os manuais, porém, não procuram fornecer
explicações em chinês nem as apresentam minuciosamente. Sendo assim, os
alunos depois dum certo tempo não dominam ainda alguns princípios
fundamentais indispensáveis.
c) Os manuais foram compostos com base em vários géneros de
vocabulário. Ora, acontece que, logo desde a primeira lição, há muitas
estruturas gramaticais bastante complexas para os chineses. Os alunos
poderão no máximo decorá-las, mas sem as entenderem.
d) O manual — mesmo o 1." volume — preocupa-se em apresentar
temas relacionados com Portugal. Ora, isso é de pouco interesse para os
alunos, por ser uma nação que lhes é completamente desconhecida. É um
facto a ter em conta.
e) Como o manual não dá explicações em chinês, supõe-se que o
vocabulário se explica perfeitamente por meio de figuras. Ora, esta
solução não resulta relativamente às palavras de sentido abstracto.
* Depoimento do Padre Cláudio Ló, recolhido, sob a forma de entrevista, por Manuel
Nóia, Presidente da Comissão Instaladora do Centro de Difusão da Língua Portuguesa.
** Professor com longa experiência do ensino da língua portuguesa a alunos chineses.
Director do Secretariado Diocesano de Coordenação.
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f) Os manuais não trazem a segunda pessoa do plural dos verbos.
Ora, não obstante se use menos na vida prática, não deve ser omitida aos
alunos chineses, porque uma coisa é saber e não usar, outra coisa é não saber
da existência desta forma verbal.
3. QUE TIPO DE FORMAÇÃO SUGERE PARA OS PROFESSORES?
3.1 PRIMEIRO, DEVEM CONHECER OS ALUNOS:
a) Quanto à idade. Tem que se partir do pressuposto que os iniciantes
não sabem nada de português. Por outro lado, não podem nem devem ser
equiparados a crianças do jardim infantil ou da instrução primária.
Infelizmente, é o que acontece com muitos professores, que, embora
dedicados, pretendem ensinar-lhes português como se tratassem com
bebés ou crianças, utilizando, por exemplo, grandes desenhos no quadro.
Ensinar a adultos é completamente diferente.
ò) Quanto ao nível intelectual. As turmas devem ser divididas
conforme o nível intelectual e segundo os conhecimentos que já tenham
doutra língua ocidental — o inglês, por exemplo. O professor pode e deve
adaptar-se a esse nível ao ensinar português. Saber comparar o português com
o inglês é uma vantagem.
c) Ainda em relação ao inglês, seria ideal que o professor, ao iniciar o
estudo do português, utilizasse a língua materna dos alunos — o chinês —
para ilustrar as semelhanças e diferenças entre os princípios fundamentais da
estrutura gramatical duma e doutra língua. Ora, isso não é possível aos
professores recém-chegados. Para remediar esta dificuldade, seria conveniente e necessário imprimir manuais bilingues, pelo menos quanto às
regras da gramática.
3.2 EM SEGUNDO LUGAR, DEVEM LEVAR AS AULAS A SÉRIO E NÃO APENAS
COMO O CUMPRIMENTO DUMA FORMALIDADE
Os alunos dos cursos nocturnos inscrevem-se cheios de boa vontade e
seriedade e, com frequência, isso é para eles um sacrifício. Tendo pouco
tempo e disponibilidades limitadas, é uma ofensa para os alunos, quando
os professores, por falta de responsabilidade, chegam atrasados ou faltam
pura e simplesmente às aulas. Não cumprem também o seu dever os que,
embora presentes fisicamente, falam de tudo menos da lição ou marcam
exercícios sem nunca se darem ao trabalho de os corrigir. Felizmente, há
muitos professores sérios e dedicados que, não obstante a falta de
comunicação com os alunos, procuram explicar as lições o melhor possível,
evitando o excesso de rigor e o desleixo.
4. QUE OUTRAS MEDIDAS PROPORIA PARA INCENTIVAR O EN
SINO DO PORTUGUÊS?
a) Publicar livros «instrumentais» como, por exemplo, dicionários
bilingues, livros de gramática portuguesa, capítulos monográficos de
gramática (por exemplo, substantivos, uso dos verbos, preposições e
locuções prepositivas), nomenclaturas profissionais bilingues, etc.
6) Publicar em chinês livros acerca de Portugal, para conhecimento
geral dos chineses sobre os vários aspectos de Portugal, incluindo livros
sobre os costumes e a maneira de ser dos Portugueses.
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c) Publicar livros de leitura de literatura portuguesa adaptados ao
nível dos alunos.
d) Coordenar os esforços e as tentativas de várias organizações
encarregadas de promover o ensino do português: Direcção dos Serviços
de Educação, SAFP, ICM, UAO, para evitar repetições ou mesmo
divergências.
e) Promover e organizar cursos particulares de português adaptados
ao tempo, ao nível e às necessidades reais dos alunos.
f) Sistematizar os exames públicos, dando a conhecer aos alunos o
programa das matérias e a técnica dos modelos das provas. Supondo, por
exemplo, que haja 100 modelos de provas, das quais se usassem 10, nunca
sucederia que, num exame, aparecesse aos alunos um hipotético 101.°
modelo. Também deste modo se aumentaria o entusiasmo dos alunos.
5. ACHA QUE, AO NÍVEL DE INICIAÇÃO, OS PROFESSORES
DEVERIAM SABER A LÍNGUA DOS ALUNOS, ISTO É, SER
BILINGUES?
A resposta é afirmativa. Mais: não só devem ser bilingues, como
devem estar familiarizados com a maneira de estudar dos alunos. Uma
hipótese: porque não se experimenta recrutar professores chineses para
ensinar o primeiro ano (ou até o segundo) do Grau I? Professores que
tivessem completado o Grau III, que tivessem interesse pela actividade
docente e até experiência de ensino (de outras matérias) e, se possível, uma
preparação especial em Portugal (por exemplo, em Coimbra). Seriam
professores de várias turmas sob a orientação e coordenação dum
português perito na matéria, formando assim um grupo nuclear de ensino.
Em Portugal, cada membro deste grupo procuraria especializar-se num
ramo de ensino: por exemplo, pronúncia, formação de palavras, regime de
verbos (esperar por, gostar de, acreditar em, concordar com; etc.), tempos
de verbos, locuções prepositivas, complementos circunstanciais.
6. ACHA QUE OS CHINESES TÊM DIFICULDADE EM APRENDER O
PORTUGUÊS? PORQUÊ?
Teoricamente, os chineses em geral, e os cantonenses em particular,
têm muita queda para as línguas. O cantonense é particularmente difícil,
mesmo para os chineses de outras províncias. Na prática, e de acordo com as
estatísticas, há muitos chineses em Macau que iniciam o estudo do português,
mas são poucos os que chegam aos níveis mais avançados. Isso não se deve
atribuir à sua incapacidade de aprender, mas sobretudo ao método
utilizado, à falta de planos concretos, à falta de incentivos (como, por
exemplo, a ascensão dos conhecedores de português a cargos de maior
responsabilidade), à falta de tempo para se exercitarem (depois do serviço e
das suas aulas nocturnas, que tempo lhes resta?)
7. QUAIS SÃO AS MAIORES DIFICULDADES DOS ALUNOS?
a) Não obstante a sua boa vontade, os iniciantes não conseguem
aprender a matéria ensinada no seu primeiro ano por falta de comunicação
com o professor, resultando daí uma base de estudo insuficiente.
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b) A falta de livros e instrumentos de consulta com que conseguiriam
recuperar o que «perdem» (o que não conseguem perceber) na aula.
c) Em Macau, é evidente a falta dum ambientze em que se fale
português, quer em casa, quer na sociedade, quer no local de trabalho.
8. DESDE QUE IDADE É QUE PENSA QUE SERIA MELHOR OS
CHINESES APRENDEREM PORTUGUÊS?
O método utilizado para ensinar adultos ou jovens crescidos é muito
diferente do método usado com crianças. Pessoalmente, preferia iniciar o
curso de português com alunos do 10.° ano de escolaridade (isto é, 1.° ano do
curso secundário superior, 4.º ano do curso liceal), pois esses alunos estão
em condições não só de decorar, mas também de compreender, possuindo ao
mesmo tempo um conhecimento do inglês que facilita a aprendizagem e a
compreensão do português. Os mais jovens, para além de algumas palavras
concretas, frases correntes, não poderão ir muito mais longe. Em conclusão:
é preferível começar um pouco mais tarde, e progredir com rapidez, a
começar cedo, mas com pouco ou nenhum proveito. Além disso,
acontece que, se os pequenos são obrigados a frequentar as aulas de
português, facilmente ficam aborrecidos e não tornarão a querer
aprendê-lo, quando forem crescidos.
9. QUE MOTIVAÇÃO TÊM OS CHINESES PARA APRENDER PORTUGUÊS?
a) Aprender mais uma língua;
ò) Encontrar melhor emprego, especialmente nos Serviços do
Go-verno;
c) Contactar com amigos portugueses;
d) Desenvolver melhor os negócios próprios;
e) Conhecer a cultura portuguesa;
f) Responder ao apelo do Governo sobre o bilinguismo;
g) Um meio para passar tempo.
(Foram estas as respostas a um inquérito aos alunos do 1.º ano do
curso nocturno de português, fornecidas pelo Sr. Dr. Manuel Nóia).
10. QUE PENSA DO FUTURO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM
MACAU?
a) No campo comercial — o português é dispensável, como até agora;
o comércio tem uma língua comum a todos, que é o inglês.
b) No campo cultural — só haverá efeitos visíveis depois de longos
anos. Nos quatro séculos passados não ganhou raízes; como se pode exigir
que floresça dentro de dez anos? Quantos são os chineses que realmente
conhecem o português suficiente para entrar no campo da literatura e da
arte portuguesas?
c) No campo administrativo — sente-se claramente uma necessidade
urgente de treinar funcionários públicos peritos em chinês e português; é
de esperar que este problema se resolva o mais cedo possível, para bem de
Macau, para a estabilidade e desenvolvimento do Território.
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O ensino do português a alunos chineses