Boletim Manual de Procedimentos Temática Contábil e Balanços Contabilidade Geral A evolução da Contabilidade 1. 2. 3. 4. SUMÁRIO Introdução Passado Presente Conclusão saga da Contabilidade, buscando indicar, ao final, um breve resumo dos principais problemas que já estão sendo propostos, aos profissionais da área, pela evolução recente dos sistemas de produção industrial. 2. PASSADO 1. INTRODUÇÃO Os historiadores costumam assegurar que “em ciência, como em todos os demais campos de conhecimento e de pesquisa, a compreensão perfeita de um assunto só é possível quando se possui uma noção clara do seu desenvolvimento histórico” (Archibald Geikie). No principio, era a caça a forma mais primitiva de extrativismo. Vivendo em pequenos agrupamentos errantes, o homem sobrevivia do que conseguia caçar e colher. Entretanto, passados alguns milhares de anos, a nossa espécie conseguiu avanços importantes: abandonou o nomadismo agrupando-se em centros fixos de população crescente, trocou a caça e o extrativisAssim, resumir a história da Contabilidade não mo pela criação e pela agricultura e avené empreendimento meramente teórico e turou-se na produção de ferramentas acadêmico, mas representa uma releApesar do seu e objetos, da mais diversa naturevante contribuição prática à melhor desrespeito ao aspecto za, cada vez mais numerosos e formação dos profissionais da humano do trabalhador, o novo sistema mais complexos. foi uma verdadeira revolução, que mudou a área. Por outro lado, é regra nunca desmentida que a necessidade é (e sempre foi) a mãe da invenção. cara dos mercados em todo o mundo - não só criou novas perspectivas de desenvolvimento econômico como intensificou de forma expressiva a competição entre as empresas Se essa regra é realmente válida, deve ser adequado encarar a evolução da Contabilidade como consequência das necessidades mutáveis do sistema de produção dominante em cada idade da civilização ocidental. Assim, a evolução da Contabilidade é função da evolução do ambiente econômico. É sob esse ponto de vista que o presente texto busca resumir a caminhada da Contabilidade ao longo do tempo, em sua estrita relação com as diversas etapas da história dos mutantes sistemas produtivos ocidentais. Entremeados com uma breve exposição da história desses sistemas, relatamos alguns episódios da Boletim IOB - Manual de Procedimentos - Out/2009 - Fascículo 43 Com o passar do tempo, para assegurar um mínimo de eficiência, essa nova atividade passou a exigir formas mais ou menos sofisticadas de organização. Nasciam, assim, os chamados sistemas de produção, só perfeitamente caracterizados, na civilização ocidental, a partir da Idade Média. Assim, no ocidente, os historiadores costumam reconhecer duas grandes etapas na evolução desses sistemas. A primeira etapa, que começa em princípios da Idade Média prolongando-se até fins do século XVI, compreende os sistemas de produção conhecidos como familiar, corporativo e doméstico. Nesta altura, talvez seja conveniente lembrar ao leitor que a subdivisão da história em fases ou o agrupamento de sistemas sociais em tipos é um procedimento TC 1 Manual de Procedimentos Temática Contábil e Balanços artificial e impreciso, de validade apenas didática. No mundo real, as fases históricas interpenetram-se, convivendo, uma com a outra, durante períodos mais ou menos extensos; da mesma forma, os sistemas de produção apresentam, quase sempre, uma certa hibridez, além de manifestarem o incômodo hábito de invadir o palco antes que o seu antecedente desaparecesse por completo, atrás das cortinas. Assim, quando falamos em fases históricas ou tipos de sistema, estamos nos referindo, mais precisamente, às fases e aos sistemas predominantes em cada época. A célula produtiva básica desse sistema era constituída por um mestre artesão e uns poucos ajudantes e aprendizes, cuja atividade visava ao atendimento das necessidades de um mercado local ainda muito limitado. Finda a digressão, retomamos o nosso assunto chamando a atenção do leitor para o fato de que os sistemas de produção dessa primeira fase histórica eram relativamente simples em comparação com os da fase seguinte. Com a continuidade do crescimento dos mercados, das cidades e da tecnologia, novos modelos de sistema produtivo começaram a solapar a hegemonia do sistema corporativo. Sendo apropriados a centros urbanos restritos, a condições de concorrência limitada e a um nível tecnológico primitivo, não requeriam sofisticados artifícios contábeis para registro das operações realizadas nem apuração dos resultados obtidos. Durante os primeiros séculos da Idade Média, o sistema de produção dominante era o chamado “sistema familiar”, no qual a grande maioria das necessidades das pessoas era atendida pelos membros da própria família e dos seus agregados. Excetuando-se umas poucas necessidades supridas por meio de trocas com vizinhos ou de compras em raros e acanhados pontos de venda, tudo o mais era providenciado pela própria família que, além de produzir (nas vastas propriedades então disponíveis) a maior parte dos alimentos requeridos, construía habitações, abatia árvores para o aquecimento dessas habitações ou para a fabricação de móveis, criava carneiros para a utilização da lã na confecção de agasalhos ou desenvolvia qualquer outra atividade que viesse a ser essencial à sua sobrevivência. Com o passar do tempo e como decorrência direta do crescimento populacional e do desenvolvimento urbano e tecnológico, o sistema produtivo foi, gradualmente, tornando-se menos limitado e mais complexo. Veio a época dos artesãos, na qual o sistema de produção predominante ficou conhecido como “sistema das corporações”, porque os artesãos associavam-se em corporações para defender-se de dificuldades econômicas oriundas de competição mais agressiva de profissionais concorrentes ou decorrentes de doença e de velhice. 2 TC Esse mestre artesão era o único proprietário e contratador dos recursos que utilizava e, por isso mesmo, dono, também, do seu próprio nariz. Ele não vendia o seu trabalho - vendia um produto ou serviço final. Era, assim, independente. Um novo personagem invadiu a cena: o intermediário - atravessador que se interpôs entre o mestre artesão e o seu cliente, passando a negociar as encomendas e a fornecer as matérias-primas necessárias ao seu atendimento. Com isso, começou a acontecer uma crescente limitação da autonomia do artesão, prenunciando o advento da nova forma dominante de organização econômica - o “sistema doméstico”. Nesse sistema, que prevaleceu até fins do século XVI, as atribuições do artesão e, consequentemente, a sua autonomia tornaram-se cada vez mais limitadas: ainda era ele quem orientava a produção, em sua casa, com os seus ajudantes e com ferramentas de sua propriedade, mas já não mantinha contatos com o cliente final dos seus produtos nem era dono das matérias-primas que utilizava. Estava preparado o cenário para a segunda etapa do desenvolvimento dos modelos produtivos ocidentais, iniciada no século XVII com a crescente predominância do chamado “sistema de produção fabril”. Durante quase toda a primeira fase histórica, que acabamos de relatar, a Contabilidade permaneceu mais ou menos estagnada. A persistente simplicidade dos negócios e dos seus controles, naquela época, ainda não motivava ninguém a desenvolver esforços no sentido de aperfeiçoar os registros e procedimentos contábeis. Ou seja: as necessidades - que já identificamos como geradoras de todas as invenções - ainda não atingiam a intensidade suficiente para gerar consideráveis avanços da Contabilidade. Manual de Procedimentos - Out/2009 - Fascículo 43 - Boletim IOB Manual de Procedimentos Temática Contábil e Balanços Isso não significa que nenhuma necessidade nova tenha brotado da aparente mesmice da época. A pasmaceira dos negócios era apenas aparente, porque, como sabemos, a estagnação absoluta, a ausência de mudança, é algo que só poderia ser encontrado em uma sociedade morta. Não há dúvida de que, à medida que cresciam as populações, a complexidade da vida social e o interesse dos governos pelas finanças das empresas, novos fatos e necessidades surgiam, e, em resposta a essas necessidades, a Contabilidade avançava, mesmo que de forma discreta e vacilante. Tanto é assim que, por volta do final do século XV, pouco antes de iniciar-se o último século da primeira fase da história dos sistemas de produção, divulgou-se em Veneza um relevante aperfeiçoamento da forma de registrar dados contábeis: o método das partidas dobradas. Desenvolvendo-se gradualmente entre os comerciantes de Veneza, esse método, organizado e divulgado por Frei Luca Pacioli, consagrou-se, por todo o ocidente, como o estilo oficial dos registros contábeis. Essa foi, provavelmente, a mais destacada marca inovadora da Contabilidade daquela época. Contudo, a partir do século XVII, com a predominância do sistema fabril de produção, as inovações contábeis passaram a ganhar força e velocidade. Esse sistema começou a nascer quando o antigo intermediário (agora investido no status de um verdadeiro empreendedor), percebendo que o sistema de produção doméstica não tinha agilidade nem produtividade suficientes para atender à crescente demanda dos já populosos centros urbanos ainda em franco desenvolvimento, passou a introduzir mudanças radicais na estrutura da organização produtiva. Levantando os vultosos capitais necessários, inventou a fábrica e inaugurou o sistema de produção autenticamente industrial, tirando o artesão e seus ajudantes de casa, transformando-os em simples assalariados e pondo-os a trabalhar em instalações e com equipamentos de sua propriedade. Muitos historiadores chamam esse evento de “a verdadeira revolução industrial”, reservando, para a utilização de máquinas na produção industrial, o título mais modesto de “revolução mecânica”. Foi a partir da consolidação do predomínio desse tipo de configuração econômica, e a partir do cresBoletim IOB - Manual de Procedimentos - Out/2009 - Fascículo 43 cente uso de equipamentos mecânicos no processo produtivo, que a boa administração dos negócios começou a reclamar a criação de um instrumental mais sofisticado para o controle dos seus custos. Sabe-se que, até então, sempre houve certa forma de registro contábil e de controle, porque - segundo os historiadores - os ganhos e perdas financeiros da humanidade sempre foram, de alguma forma, anotados, mesmo em civilizações anteriores à ocidental. Diz-se, ainda, que a contabilidade - naturalmente em forma tão rudimentar que mal merece o nome - já existe há milhares de anos: blocos de pedra, gravados por antigas civilizações, trazem registros identificados pelos especialistas como dados contábeis. Como já vimos, a arte ou a ciência de registrar tais dados vem evoluindo ao longo dos tempos, acompanhando o crescimento das transações econômicas, principalmente após receber o impulso considerável das “partidas dobradas” codificadas e difundidas por um engenhoso frade veneziano, no fim do século XV. No entanto, mesmo com as partidas dobradas e com os melhoramentos ulteriores, os procedimentos básicos da chamada Contabilidade Geral ou Financeira, embora satisfatórios para a maioria dos fins externos às empresas, não atendiam às necessidades administrativas da nova célula produtiva - a indústria - cuja gerência financeira revelava, principalmente a partir do século XIX, aspectos cada vez mais complexos. À medida que se expandia, esse novo tipo de organização produtiva diversificava a sua produção e, enfrentando competição crescente, reclamava informações contábeis que a Contabilidade Geral, apesar da sua ininterrupta evolução, não podia gerar. Assim, adotando uma estrutura por departamentos ou centros de custos e fabricando, simultaneamente, produtos muito diferenciados em um ambiente de concorrência crescente, a atividade industrial passou a exigir o desenvolvimento de uma Contabilidade voltada para dentro, para as suas necessidades administrativas internas, e não uma Contabilidade voltada exclusivamente para fora, atenta, apenas, ao suprimento de informações requeridas pelos seus parceiros externos (governo, acionistas, sistema financeiro, fornecedores etc.). E essas informações destinadas ao exterior da empresa tornavam-se cada vez mais refinadas e detalhadas, principalmente porque, em busca de receitas crescentes e de mecanismos de fiscalização cada TC 3 Manual de Procedimentos Temática Contábil e Balanços vez mais rigorosos, o Fisco pôs-se a espreitar por sobre os ombros dos contadores, esquadrinhando os seus lançamentos e regulamentando a forma de calcular os valores sujeitos à tributação. Não tardou que fórmulas fossem estabelecidas para a determinação desses valores, e, como base desses cálculos, surgiram métodos cada vez mais severos de avaliação dos estoques das empresas. operando quase que exclusivamente em regime de encomenda e espalhando sobras de demanda não aproveitada por todos os lados. No início do século XX, a indústria automobilística descobriu as vantagens das linhas de montagem e inaugurou a época da produção em série ou em massa. Segundo a maioria dos historiadores da Contabilidade, foi na avaliação desses estoques que tiveram origem os mecanismos de controle da Contabilidade de Custos. Por isso, é comum ouvir-se dizer que a origem dos estudos dos custos empresariais relaciona-se com a avaliação dos estoques - procedimento não só de finalidade externa, como também de expressiva valia gerencial. Terminava a era do operário-artesão, visto que a responsabilidade pela montagem do produto final diluiu-se por um grupo de pessoas distribuídas ao longo da linha de montagem, sem a necessidade de qualquer conhecimento técnico acerca da geringonça que estavam montando, e tendo por única atribuição, por exemplo, apertar os parafusos de fixação de um determinado componente cuja finalidade lhes era totalmente desconhecida. Naturalmente, a avaliação de estoques exige a apuração e a consolidação de todos os custos envolvidos na produção dos bens estocados: é preciso que sejam conhecidos os valores não só de materiais, mas também de mão de obra direta e dos custos indiretos de fabricação aplicados na produção de cada um desses bens. Apesar do seu desrespeito ao aspecto humano do trabalhador, o novo sistema foi uma verdadeira revolução, que mudou a cara dos mercados em todo o mundo - não só criou novas perspectivas de desenvolvimento econômico, como também intensificou de forma expressiva a competição entre as empresas. Para definir esses valores, todo um sistema de registro, acompanhamento, apropriação e rateio de gastos, bem como toda uma parafernália de lançamentos contábeis e controles paralelos e “extra-oficiais”, tornaram-se indispensáveis. Com isso, o sistema influenciou, inclusive, o desenvolvimento de novas técnicas e recursos contábeis, porque existe uma correspondência direta entre a necessidade de um sistema avançado de análise e controle contábeis e o aumento da competição enfrentada pelas empresas. Assim, a área de custos e controle - como um complexo coerente de técnicas e procedimentos - começou a tomar forma. 3. PRESENTE A partir do século XIX, a atividade industrial e os processos de produção começam a assemelhar-se àqueles que hoje conhecemos. Contudo, até o final daquele século, a produção apesar de já contar com o auxílio intensivo de máquinas - era, ainda, quase artesanal, no sentido de que toda a tecnologia referente a um determinado produto concentrava-se em um único operário (ou artesão), encarregado, inclusive, da montagem final do bem produzido. Apesar de favorecer, em alguns casos, a qualidade final desse bem, esse procedimento limitava de forma acentuada a capacidade de fabricação de produtos complexos, como máquinas de todos os tipos. Os volumes produzidos eram muito limitados, atendendo, apenas, uma parcela reduzida do mercado, 4 TC O crescimento contínuo dessa competição foi tornando os mercados domésticos acanhados demais para as insaciáveis ambições expancionistas das empresas de produção em massa, criando o ambiente propício para a proliferação do micróbio da globalização. É possível que a globalização - clímax do nível de concorrência dos mercados - não chegue a atingir a totalidade das economias do mundo com a intensidade originalmente prevista por muitos, afinal, há forças ponderáveis e interesses legítimos contrários à abrangência absoluta do mercado universal. De qualquer forma, um grau significativo de globalização já é sentido em todo o mundo, e esse processo, ainda que venha, no longo prazo, a ser limitado pelas forças que se lhe opõem, parece irreversível, tendendo a crescer nos próximos anos. Diante disso, pode-se concluir, sem medo de errar, que, nesse ambiente de extrema competitividade, no qual o mercado assume dimensões universais e a Manual de Procedimentos - Out/2009 - Fascículo 43 - Boletim IOB Manual de Procedimentos Temática Contábil e Balanços concorrência não reconhece fronteiras, a Contabilidade, em geral, e, em particular, os seus instrumentos de fiscalização e controle de custos ganham o status de condições de sobrevivência. A conjuntura atual, com o seu foco centrado na competição, trouxe (e continua a trazer) novos e criativos personagens ao palco dos negócios. Um desses personagens é, por exemplo, o que se denomina “empresa de classe mundial”, definida, em linhas gerais, como aquela empresa de alto nível de desempenho, obtido por meio da conscientização de que o seu cliente é a razão e a sustentação da sua existência, de forma que se dedica, prioritariamente, ao atendimento das necessidades e das expectativas dos compradores dos seus produtos ou serviços, buscando a melhoria contínua desse atendimento. Isso significa que o sucesso de uma empresa dessa categoria mede-se pelo índice de satisfação dos seus clientes. As empresas continuam atentas ao fato de que proporcionar lucros satisfatórios aos seus proprietários é compromisso fundamental de qualquer empreendimento. No entanto, perceberam que, em um ambiente altamente competitivo, o objetivo de lucro satisfatório não pode ser obtido por meio de mágicas financeiras, sem que se dedique atenção prioritária ao consumidor. Em outras palavras: no presente estágio do desenvolvimento dos negócios, torna-se cada vez mais evidente que o lucro é, apenas, uma consequência direta do atendimento das necessidades e das expectativas do cliente. Isso representa uma mudança radical no enfoque com que as empresas, até muito recentemente, encaravam os seus negócios, provocando desdobramentos importantes sobre o estilo administrativo da época. Sabe-se, por exemplo, que o preço de aquisição de um produto ou de um serviço é aspecto prioritário para o seu consumidor, que busca, quase sempre, o máximo de satisfação com o mínimo dispêndio. Como o custo de produção é um dos elementos que mais fortemente influenciam a formação dos preços de venda, passou a ser ponto crítico para as empresas a manutenção desse custo no nível mais baixo possível, eliminando-se os desperdícios, assim como todos os demais fatores que aumentam esses gastos, sem aumento correspondente da satisfação do consumidor. Boletim IOB - Manual de Procedimentos - Out/2009 - Fascículo 43 Isso gerou a “produção enxuta” - tipo de processo produtivo que busca, continuamente, o custo mínimo possível em cada estágio da produção da empresa. Em meados do século passado, a indústria automobilística japonesa, que criou e adotou esse processo de produção, passou a obter resultados tão significativos que não só provocou mais uma mudança nas feições dos mercados mundiais, como também acabou por estabelecer uma modificação radical da forma de pensamento e da conduta do pessoal das empresas, em todos os seus níveis. Sob a influência do novo sistema, a qualidade atingiu índices notáveis, os tempos de montagem caíram drasticamente, e os custos, via eliminação de desperdícios (no sentido mais abrangente do termo), reduziram-se a níveis antes considerados inatingíveis. Era a reação de uma nova filosofia industrial contra as condições sub-humanas impostas pela rotina das linhas de montagem originais: agora o funcionário, de qualquer nível hierárquico, era chamado a entender, a opinar, a envolver-se no controle e na melhoria de todas as atividades da empresa, mas a coisa não parou aí. Aprofundando a ação participativa dos seus funcionários de qualquer nível e estendendo a preocupação da empresa a itens de natureza ambiental, o “novo paradigma” está, agora, avançando mais um passo, com a criação do que vem sendo chamado de “sistema de produção pós-enxuta”. Em resposta a esse “fluxo de novidades em massa”, a Contabilidade não pode negligenciar o exercício da sua função adaptativa. Por isso, os relatórios das empresas já não se limitam, como em outros tempos, à veiculação de dados financeiros. Já há algum tempo que esses relatórios, sob a pressão da necessidade de construir e manter, para a empresa, uma imagem positiva perante a opinião pública, trazem detalhes relativos aos seus índices de qualidade e às suas iniciativas de caráter social. Mais recentemente, informações de natureza ambiental - complementando relatórios tradicionais ou reunidas em relatórios específicos, como, por exemplo, os balanços ambientais - expõem e comentam dados numéricos nomeados por neologismos contábeis como “ativo ambiental”, “passivo ambiental”, “custos ambientais diretos e indiretos”, “despesas ambientais operacionais” etc. TC 5 Manual de Procedimentos Temática Contábil e Balanços Na verdade, a divulgação de dados que não os habituais dados financeiros, particularmente aqueles referentes ao meio ambiente, encontra-se, ainda, no Brasil, em processo de evolução. Todavia, mesmo nesse estágio inicial, as vacilantes manifestações da Contabilidade Ambiental, Social e Qualitativa já dão clara indicação do empenho com que a Contabilidade se esforça por acompanhar e por refletir as mudanças que ocorrem no cenário econômico. Há, ainda, um agravante: as mudanças do ambiente revelam uma aceleração estonteante, obrigando a Contabilidade a apertar o passo, se não quiser ficar para trás e sofrer o humilhante diagnóstico de “perda de relevância”. E o futuro? O que se pode prever para o futuro da Contabilidade? Nisso reside o grande desafio dos contabilistas dos nossos dias: dar continuidade à permanente atualização dos procedimentos contábeis, de forma a assegurar a sua adequação imediata a um ambiente cheio de novidades como custeio ABC, qualidade total, just-in-time, sistema de produção enxuta, era de produção pós-enxuta, e tudo o mais que a criatividade humana tem engendrado para expandir a economia e o ferramental administrativo das empresas. Qualquer previsão nesse sentido dependeria, naturalmente, de uma antevisão preliminar da evolução dos sistemas de produção, visto que nos baseamos na hipótese de que a história da Contabilidade é uma função da evolução do ambiente econômico. Aliás, muitas vozes se têm levantado, ultimamente, entre os especialistas, acusando a Contabilidade (particularmente, na sua função de Contabilidade de Custos) de obsolescência. Entretanto, quem é tão esperto (ou tão tolo) para brincar de profeta a respeito de um assunto tão intrincado? Quem pode ter uma ideia, por imprecisa que seja, do próximo desdobramento de um evento dependente de tantas e tão imprevisíveis variáveis? A nosso ver, a enxurrada de críticas que tem sido lançada sobre aquilo que é depreciativamente chamado de “Contabilidade Tradicional” não é integralmente válida, por incluir componentes que devem ser identificados e neutralizados em uma análise isenta de preconceitos. Quando se pensa no espantoso desenvolvimento da tecnologia (notadamente da informática), quando se fala, com tanta ênfase, em um “mundo sem empregos”, quando há quem apregoe que os Estados nacionais vão desaparecer substituídos por grandes conglomerados multinacionais, quem ousa arriscar palpites sobre o futuro dos sistemas econômicos? O primeiro desses componentes é a má-intenção de alguns criadores de modismos que, na ânsia de promover os seus “sistemas revolucionários” recém-criados, não hesitam em lançar, contra tudo o que for tradicional, pedras cuidadosamente embrulhadas em uma retórica capaz de iludir os menos prevenidos. Trata-se, portanto, de simples manobra mal intencionada de um marketing truculento, que deve ser ignorada por quem quer montar um quadro realista da situação. 4. CONCLUSÃO Como vimos, a relação entre a Contabilidade e o ambiente em que ela deve operar é muito parecida com a brincadeira infantil do “pega-pega”, no qual o “pegador” tenta alcançar o “fujão”. No caso, a Contabilidade é o “pegador”, e o ambiente que ela deve refletir em seus registros e controlar por meio das suas análises é o “fujão”. Esse ambiente está sempre mudando, sempre fugindo, cabendo à Contabilidade correr atrás e alcançá-lo, para refletir com fidelidade, nos seus registros, as novas condições que ele revela na sua fuga ascendente. A grande diferença com a brincadeira das crianças, é que a corrida contábil é uma corrida sem fim: o ambiente e seus sistemas sempre mudaram e sempre vão mudar, e a contabilidade não tem alternativa a não ser continuar correndo atrás. 6 TC O segundo componente é, simplesmente, a impaciência natural dos teóricos de plantão. A esse respeito, é necessário lembrar que, considerando a contínua evolução de todas as coisas, quase tudo no mundo (e, principalmente, aquilo que se relaciona com a administração de negócios) tende à obsolescência. A Contabilidade não poderia ser exceção: ela se vê, a cada momento, à beira da obsolescência e, por isso mesmo, luta, constantemente, por atualizar-se, de forma a fazer face às novas necessidades das situações que vão emergindo do fluxo ininterrupto da evolução dos negócios. Não podem ser ignorados os esforços de atualização que os contabilistas têm envidado ao longo do tempo nem o fato de que a maioria desses esforços tem resultado em sucesso. O que muitas vezes acontece (e isso pode desorientar os maus observadores e estimular os mal intencionaManual de Procedimentos - Out/2009 - Fascículo 43 - Boletim IOB Manual de Procedimentos Temática Contábil e Balanços dos) é a falta de sincronismo entre a teoria e a prática. Forçosamente, um período variável de tempo decorre entre a constatação de um problema, a concepção da técnica tendente a solucioná-lo e a implantação dessa técnica - ou seja: entre o avanço técnico delineado e a sua aplicação prática decorre, sempre, um prazo de preparação, testes e treinamento, durante o qual os métodos ditos desatualizados continuam a ser praticados até a sua substituição gradual e definitiva pelos procedimentos mais adequados à nova situação vigente. No curso desse prazo, maus analistas (a quem não interessa discernir entre a prática e a gramática) empunham as suas metralhadoras giratórias e passam a disparar contra tudo e contra todos, confundindo, muitas vezes, a fase de deslanche de inovações contínuas com a apatia e a passividade das coisas que se sabem superadas. Há que se lembrar, também, que a grande maioria das atualizações contábeis são adaptações e não revoluções, como, por exemplo, a criação do método das partidas dobradas ou do sistema de custeio por atividades. Revoluções são sempre notadas, mas simples adaptações podem passar despercebidas. Talvez seja por isso - por não perceber as adaptações - que muita gente boa repete, com tanta frequência, que quase todas as técnicas da chamada contabilidade tradicional ainda em uso foram desenvolvidas no século XIX, estando, portanto, em descompasso absoluto com o feitio atualizado das empresas. A despeito dos fatos que acabamos de mencionar, é, até, possível que um certo grau de descompasso realmente exista. Entretanto, antes de voltarmos dedos acusadores contra a Contabilidade, não podemos esquecer de que, entre os fatores determinantes de eventuais atrasos de atualização dos sistemas contábeis, destacase a natural resistência humana às mudanças. Esse é, talvez, um dos grandes dramas da humanidade: ser instintivamente avesso às mudanças (que considera, sempre, um fator de insegurança) e viver em um ambiente cada vez mais pródigo em novidades. Pode ocorrer, às vezes, que uma atualização técnica já desenvolvida tenha a sua aplicação adiada pela má vontade ou pela desconfiança de executivos e funcionários envolvidos na sua implantação. Esse aspecto do assunto é tão relevante que tem merecido extensos comentários na literatura especializada, como, por exemplo, o texto “The Human Element: The Real Challenge in Modernizing Cost Systems”, no qual os autores advertem que “o problema real e o verdadeiro desafio (da modernização dos sistemas de custos) não residem no aspecto técnico, mas no elemento humano que gerencia esses sistemas”. E acrescentam mais adiante: “a mentalidade dos gerentes e a sua confiança nos fatores tradicionais de avaliação do desempenho também têm de mudar”. De tudo o que foi aqui comentado, deduz-se que é bem complexo o desafio de permanente atualização que pesa sobre os especialistas da Contabilidade, que depende dessa atualização para evoluir. Contabilidade Internacional Instrumentos financeiros: reconhecimento, mensuração e evidenciação - Tratamento em face do Pronunciamento Técnico CPC 14 (1a parte) 1. INTRODUÇÃO Neste texto, discorremos sobre os aspectos mais relevantes trazidos pelo Pronunciamento Técnico CPC 14, que estabelece os princípios para o reconheciBoletim IOB - Manual de Procedimentos - Out/2009 - Fascículo 43 mento e a mensuração de ativos e passivos financeiros e de alguns contratos de compra e venda de itens não financeiros e para a divulgação de instrumentos financeiros derivativos. Nota-se que o referido pronunciamento foi aprovado pela Deliberação CVM no 566/2008 e pela Resolução CFC no 1.153/2009. Devido a sua extensão, o texto será dividido em 1a, 2a e 3a partes. TC 7 Manual de Procedimentos Temática Contábil e Balanços 2. APLICAÇÕES E EXCEÇÕES As normas trazidas pelo Pronunciamento Técnico CPC 14 devem ser aplicadas pelas entidades a todos os tipos de instrumentos financeiros, exceto: a) participações em controladas, coligadas e sociedades de controle conjunto (joint ventures); b) direitos e obrigações decorrentes de contratos de arrendamento mercantil (leasing); c) direitos e obrigações dos empregadores decorrentes de planos de benefícios a empregados; d) instrumentos financeiros emitidos pela entidade que satisfaçam à definição de título patrimonial (inclusive opções e warrants). Contudo, o detentor de tais títulos patrimoniais deve aplicar as regras do Pronunciamento Técnico CPC 14 a esses instrumentos, a menos que eles atendam à exceção indicada na letra “a”; e) direitos e obrigações decorrentes de contratos de seguro, excetuando-se os referentes a contratos de garantia financeira segundo a definição constante do Pronunciamento Técnico CPC 14, ou de um contrato que contenha cláusulas de participação discricionária. Para os contratos nos quais a entidade tenha definido anteriormente, como contratos de seguro e os contabilizados dessa forma, a entidade possui a opção de tratá-los como instrumentos financeiros ou contratos de seguro. Uma vez feita a opção, ela é irrevogável; redução do custo de aquisição ao valor de mercado, quando este for inferior, constantes do Ativo Não Circulante, conforme definido no inciso IV do art. 183 da Lei no 6.404/1976; e l) ações resgatáveis, quando registradas pela entidade que as emitiu, as quais, de acordo com a Lei no 6404/1976, são ainda tratadas como integrantes do patrimônio líquido da entidade emissora. 2.1 Contratos de compra ou venda de itens não financeiros As regras aqui comentadas devem ser aplicadas àqueles contratos de compra ou venda de itens não financeiros que podem ser liquidados pelo seu valor líquido em caixa ou outro instrumento financeiro, ou pela troca de instrumentos financeiros, como se os contratos fossem instrumentos financeiros, com exceção dos contratos celebrados e mantidos com o propósito de recebimento ou entrega de item não financeiro que atende às expectativas de compra, venda ou uso pela entidade. 2.1.1 Compromissos de empréstimos (loan commitments) As regras também devem ser aplicadas a compromissos de empréstimos (loan commitments) que: a) sejam designados como passivos financeiros e mensurados pelo valor justo; f) contratos para possíveis contingências em combinações de negócios. Tal exceção aplica-se somente ao adquirente; b) que sejam liquidados pela diferença em caixa ou pela emissão de um instrumento financeiro - esses compromissos são derivativos; e g) contratos entre um adquirente e um vendedor em uma combinação de negócios para comprar ou vender uma entidade investida em uma data futura; c) forneçam um empréstimo a taxas inferiores às de mercado. h) instrumentos financeiros, contratos e obrigações decorrentes de pagamentos com base em ações; 2.1.2 Indicadores de que um contrato de compra e venda de um item não financeiro pode ser liquidado pelo valor líquido i) compromissos de empréstimos que não estejam dentro do escopo do Pronunciamento Técnico CPC 14, objeto desse texto, conforme descrito adiante; Existem várias situações que indicam que um contrato de compra e venda de um item não financeiro pode ser liquidado pelo valor líquido, em caixa ou por outro instrumento financeiro, ou pela troca de instrumentos financeiros, dentre as quais: j) direitos de pagamentos realizados para reembolsar uma entidade em relação a gastos necessários para liquidar um passivo que tenha sido originalmente reconhecido como uma provisão; a) quando os termos do contrato permitem que ambas as partes o liquidem pelo valor líquido em caixa ou por outro instrumento financeiro ou pela troca de instrumentos financeiros; k) investimentos avaliados pelo método do custo deduzido de provisão para atender a perdas prováveis na realização do seu valor, ou para b) quando a entidade tem como prática liquidar contratos similares pelo valor líquido, em caixa ou por outro instrumento financeiro, ou pela tro- 8 TC Manual de Procedimentos - Out/2009 - Fascículo 43 - Boletim IOB Manual de Procedimentos Temática Contábil e Balanços ca de instrumentos financeiros (com a contraparte ou mediante a celebração de contratos de compensação ou pela venda do contrato antes do seu vencimento ou expiração), apesar de a possibilidade de liquidar pelo valor líquido em caixa ou por outro instrumento financeiro ou pela troca de instrumentos financeiros não estar explícita nos termos do contrato; c) quando, para contratos similares, a entidade tem como prática receber e vender, em um período curto de tempo, o item objeto de operação com a finalidade de obter lucro com flutuações de preço ou com a intermediação; e d) quando o item não financeiro objeto do contrato é rapidamente conversível em caixa. Os contratos que se referem às letras “b” ou “c” não são celebrados com o propósito de recebimento ou entrega de um item não financeiro que atende às expectativas de compra, venda ou uso pela entidade e, portanto, estão sob o escopo do Pronunciamento Técnico CPC 14, objeto desse texto. Outros contratos de compra e venda de itens não financeiros que podem ser liquidados pelo valor líquido ou pela troca de instrumentos financeiros devem ser avaliados para determinar se foram celebrados e se continuam mantidos com o propósito de recebimento ou entrega de um item não financeiro que atende às expectativas de compra, venda ou uso pela entidade e, por conseguinte, se estão dentro do escopo deste texto. Nota A opção lançada de compra ou venda de item não financeiro que pode ser liquidada pelo seu valor líquido, em caixa ou por outro instrumento financeiro, ou pela troca de instrumentos financeiros, de acordo com as letras “a” ou “d” do subitem 2.1.2, encontra-se sob o escopo do Pronunciamento Técnico CPC 14. Tal contrato não pode ser celebrado com o propósito de recebimento ou entrega de item não financeiro que atende às expectativas de compra, venda ou uso pela entidade. 3. DEFINIÇÕES Os termos a seguir são usados neste texto com os seguintes significados: a) instrumento financeiro: é qualquer contrato que origine um ativo financeiro para uma entidade e um passivo financeiro ou título patrimonial para outra entidade. b) ativo financeiro: é qualquer ativo que seja: b.1) caixa; b.2) título patrimonial de outra entidade; b.3) direito contratual: b.3.1) de receber caixa ou outro ativo financeiro de outra entidade; ou Boletim IOB - Manual de Procedimentos - Out/2009 - Fascículo 43 b.3.2) de trocar ativos ou passivos financeiros com outra entidade sob condições potencialmente favoráveis para a entidade; b.4) contrato que será ou poderá vir a ser liquidado em títulos patrimoniais da própria entidade e que seja: b.4.1) um instrumento financeiro não derivativo no qual a entidade é ou pode ser obrigada a receber um número variável dos seus próprios títulos patrimoniais; ou b.4.2) um instrumento financeiro derivativo que será ou poderá ser liquidado por outro meio que não a troca de montante fixo em caixa ou outro ativo financeiro, por número fixo de seus próprios títulos patrimoniais. Para esse propósito, os títulos patrimoniais da própria entidade não incluem instrumentos que são contratos para recebimento ou entrega futura de títulos patrimoniais da própria entidade; c) passivo financeiro: é qualquer passivo que seja: c.1) obrigação contratual: c.1.1) de entregar caixa ou outro ativo financeiro para outra entidade; ou c.1.2) de trocar ativos ou passivos financeiros com outra entidade sob condições potencialmente desfavoráveis para a entidade; ou c.2) contrato que será ou poderá ser liquidado com títulos patrimoniais da própria entidade e que seja: c.2.1) um não derivativo no qual a entidade é ou pode ser obrigada a entregar um número variável de seus próprios títulos patrimoniais; ou c.2.2) um derivativo que será ou poderá ser liquidado por outro meio que não a troca de montante fixo de caixa ou outro ativo financeiro por número fixo de títulos patrimoniais da própria entidade. Para esse propósito, os títulos patrimoniais da própria entidade não incluem instrumentos que são contratos para recebimento ou entrega futura de títulos patrimoniais da própria entidade; TC 9 Manual de Procedimentos Temática Contábil e Balanços d) título patrimonial: é qualquer contrato que estabeleça um interesse residual nos ativos de uma entidade após a dedução de todos os seus passivos; e) contrato de garantia financeira: é um contrato que requer que o emissor faça pagamentos pré-especificados ao detentor para reembolsá-lo de perda ocasionada pela inadimplência de credor específico de acordo com os termos do instrumento de dívida; f) derivativo: é um instrumento financeiro ou outro contrato dentro do escopo do Pronunciamento Técnico CPC 14 que possui todas as três características seguintes: f.1) seu valor se altera em resposta a mudanças na taxa de juros específica, no preço de instrumento financeiro, preço de commodity, taxa de câmbio, índice de preços ou de taxas, avaliação (rating) de crédito ou índice de crédito, ou outra variável, às vezes denominada “ativo subjacente”, desde que, no caso de variável não financeira, a variável não seja específica a uma parte do contrato; f.2) não é necessário qualquer desembolso inicial, ou o desembolso inicial é menor do que seria exigido para outros tipos de contratos onde seria esperada resposta semelhante às mudanças nos fatores de mercado; e f.3) deve ser liquidado em data futura. 3.1 Definições das quatro categorias de instrumentos financeiros Um instrumento financeiro pode ser classificado em quatro categorias: a) ativo ou passivo financeiro mensurado ao valor justo por meio do resultado; b) mantido até o vencimento; c) empréstimos e recebíveis; e d) disponível para venda. 3.1.1 Ativo financeiro ou passivo financeiro mensurado ao valor justo por meio do resultado Trata-se de um ativo ou um passivo financeiro que satisfaz as seguintes condições: a) é classificado como mantido para negociação. Um ativo ou passivo financeiro é classificado como mantido para negociação se é: 10 TC a.1) adquirido ou originado principalmente com a finalidade de venda ou de recompra no curto prazo; a.2) parte de uma carteira de instrumentos financeiros identificados que são gerenciados em conjunto e para os quais existe evidência de padrão recente de realização de lucros a curto prazo; ou a.3) derivativo (exceto no caso de derivativo, que é um contrato de garantia financeira ou instrumento de hedge designado pela entidade, e efetivo tratado nos itens 47 a 58 do Pronunciamento Técnico CPC 14). b) é designado pela entidade, no reconhecimento inicial, como mensurado ao valor justo por meio do resultado. A entidade pode utilizar essa designação para ativos que contêm derivativos embutidos ou quando a utilização resultar na divulgação de informação contábil mais relevante, em função de: b.1) eliminar ou reduzir significativamente inconsistências de mensuração ou reconhecimento que ocorreriam em virtude da avaliação de ativos e passivos ou do reconhecimento de seus ganhos e perdas em bases diferentes; b.2) o valor justo, para um grupo de ativos financeiros, passivos financeiros ou ambos, ser utilizado como base para gerenciamento e avaliação de desempenho - conforme estratégia de investimento ou gerenciamento de risco de mercado documentada - e como base para envio de informações para a alta administração. Nota Os investimentos em títulos patrimoniais que não possuem cotação de preço em mercado ativo, e cujo valor justo não pode ser confiavelmente mensurado, não devem ser registrados pelo valor justo por meio do resultado. 3.1.2 Investimentos mantidos até o vencimento São ativos financeiros não derivativos com pagamentos fixos ou determináveis com vencimentos definidos e para os quais a entidade tem intenção positiva e capacidade de manter até o vencimento, exceto: a) os que a entidade classifica, no reconhecimento inicial, como mensurado ao valor justo por meio do resultado; b) os que a entidade classifica como disponíveis para venda; e c) os que atendem à definição de empréstimos e recebíveis. Manual de Procedimentos - Out/2009 - Fascículo 43 - Boletim IOB Manual de Procedimentos Temática Contábil e Balanços Uma entidade não deve classificar qualquer ativo financeiro como mantido até o vencimento se ela tiver, durante o exercício social corrente ou durante os dois exercícios sociais precedentes, vendido ou reclassificado quantia não insignificante de investimentos mantidos até o vencimento antes do vencimento (insignificante em relação ao montante total dos investimentos mantidos até o vencimento), desconsiderando-se as vendas ou reclassificações que se enquadrem em um dos seguintes casos: a) estão tão próximos do vencimento ou da data de recompra do ativo financeiro que as mudanças na taxa de juros de mercado não teriam um efeito significativo no valor justo do ativo financeiro; b) ocorreram depois de a entidade ter recebido praticamente todo ou quase todo o montante de principal do ativo financeiro por meio de pagamentos programados ou de pagamentos antecipados (pré-pagamentos); ou c) são atribuíveis a evento isolado que está fora do controle da entidade, não é recorrente e não poderia ter sido razoavelmente previsto pela entidade. a) empréstimos e recebíveis; b) investimentos mantidos até o vencimento; ou c) ativos financeiros ao valor justo por meio do resultado. 3.1.5 Passivos financeiros não mensurados ao valor justo Existem ainda passivos financeiros não mensurados ao valor justo que são aqueles para os quais a entidade decidiu não mensurar seu valor justo e sim utilizar o método do custo amortizado. A opção da entidade de classificar um passivo pelo valor justo somente pode ser realizada quando atender às definições estabelecidas para a primeira das quatro categorias de instrumentos financeiros elencadas no subitem 3.1.1 - e, consequentemente, proporcionar informação contábil mais relevante a respeito da posição patrimonial e financeira da entidade. 3.1.3 Empréstimos e recebíveis Uma vez adotada a opção de mensurar os passivos pelo valor justo, a entidade deve adotá-la de forma consistente, não podendo retornar ao método do custo amortizado. São ativos financeiros não derivativos com pagamentos fixos ou determináveis que não são cotados em mercado ativo, exceto: 3.2 Definições relativas a reconhecimento e mensuração a) aqueles que a entidade tem a intenção de vender imediatamente ou no curto prazo, os quais devem ser classificados como mantidos para negociação, e os que a entidade, no reconhecimento inicial, classifica como mensurado ao valor justo por meio do resultado; b) aqueles que a entidade, no reconhecimento inicial, classifica como disponíveis para venda; ou c) aqueles cujo detentor pode não recuperar substancialmente o seu investimento inicial, por outra razão que não a deterioração do crédito, os quais serão classificados como disponíveis para venda. Uma participação adquirida em um conjunto de ativos que não são empréstimos e recebíveis (por exemplo, um investimento em fundo mútuo ou em fundo semelhante) não pode ser classificada nesse grupo. 3.1.4 Ativos financeiros disponíveis para venda São aqueles ativos financeiros não derivativos que são designados como disponíveis para venda ou que não são classificados como: Boletim IOB - Manual de Procedimentos - Out/2009 - Fascículo 43 Custo amortizado de ativo ou de passivo financeiro é o montante pelo qual o ativo ou o passivo financeiro é mensurado em seu reconhecimento inicial, menos as amortizações de principal, mais ou menos juros acumulados calculados com base no método da taxa de juros efetiva menos qualquer redução (direta ou por meio de conta de provisão) por ajuste ao valor recuperável ou impossibilidade de recebimento. Método da taxa efetiva de juros é o método utilizado para calcular o custo amortizado de ativo ou de passivo financeiro (ou grupo de ativos ou de passivos financeiros) e alocar a receita ou a despesa de juros no período relevante. Nota (1) A taxa efetiva de juros (taxa interna de retorno) é a taxa de desconto que, aplicada sobre os pagamentos ou recebimentos futuros estimados ao longo da expectativa de vigência do instrumento financeiro ou, quando apropriado, por um período mais curto, resulta no valor contábil líquido do ativo ou passivo financeiro. (2) Ao calcular a taxa efetiva de juros, a entidade deve estimar os fluxos de caixa considerando todos os termos contratuais do instrumento financeiro (por exemplo, liquidação antecipada, opções de compra e derivativos semelhantes), mas não deve considerar perdas de crédito futuras. Note-se que o cálculo deve incluir todas as comissões pagas ou recebidas entre as partes do contrato, os custos de transação e todos os outros prêmios ou descontos. Há a premissa de que os fluxos de caixa e a vida esperada de um grupo de TC 11 Manual de Procedimentos Temática Contábil e Balanços instrumentos financeiros semelhantes podem ser confiavelmente estimados. Contudo, naqueles raros casos em que não é possível estimar confiavelmente os fluxos de caixa ou a vida esperada de instrumento financeiro (ou grupo de instrumentos financeiros), a entidade deve utilizar os fluxos de caixa do contrato ao longo de todo o prazo do contrato do instrumento financeiro (ou grupo de instrumentos financeiros). Valor justo é o montante pelo qual um ativo poderia ser trocado, ou um passivo liquidado, entre partes independentes com conhecimento do negócio e interesse em realizá-lo, em uma transação em que não há favorecidos. Compra ou venda padrão (regular way) é uma compra ou venda de um ativo financeiro por meio de contrato cujos termos exigem a entrega do ativo dentro do prazo estabelecido geralmente por regulação ou convenção do mercado em questão. Custo de transação é o custo incremental diretamente atribuível à aquisição, emissão ou venda de ativo ou passivo financeiro. Nota Custo incremental é aquele que não teria sido incorrido pela entidade caso essa não tivesse adquirido, emitido ou vendido o instrumento financeiro. Contabilização Ações em tesouraria 1. INTRODUÇÃO Uma companhia não pode, como regra geral, negociar com suas próprias ações, a não ser nos casos em que a Lei das S/A explicitamente o permita (Lei no 6.404/1976, art. 30): nas operações de resgate, reembolso ou amortização dessas ações, nos recebimentos por doação, nas reduções do capital e, finalmente, quando a empresa possui saldos de reservas em seu Patrimônio Líquido suficientes para suportar essas aquisições. Essa última exceção é, na verdade, bem abrangente, pois permite à companhia adquirir suas próprias ações para futuro cancelamento ou mesmo para mantê-las em tesouraria e posteriormente aliená-las. Na realidade, essa exceção acaba permitindo às companhias, desde que tenham reservas suficientes, negociar com suas próprias ações; só que, no caso das companhias abertas, há de se respeitar as normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). 2. RESERVAS UTILIZÁVEIS Para que uma empresa possa adquirir ações próprias para simples manutenção em tesouraria ou futuro cancelamento, é necessário que possua reservas com valores suficientes para suportar o montante 12 TC pago por essa compra. Todavia, não deve ser considerada a reserva legal (as reservas de reavaliação e de correção monetária do capital integralizado, enquanto existiam, também não podiam ser consideradas para esse fim). No caso da reserva legal, a proibição é expressa por lei, e, no das outras reservas, a vedação é pela natureza que elas possuem. As reservas de reavaliação não podiam ter outra destinação a não ser sua transformação em lucros acumulados (ou em resultado do exercício), já que eram valores incrementados no Patrimônio Líquido por avaliação a preços de mercado; eram valores que contabilmente ainda não tinham sido realizados. Notas (1) Com a alteração da Lei das S/A pela Lei no 11.638/2007, desde 1o.01.2008, a conta de reservas de reavaliação deixou de existir. Assim, de acordo com o art. 6o da Lei no 11.638/2007, os saldos existentes nas reservas de reavaliação deverão ser mantidos até a sua efetiva realização ou deveriam ter sido estornados até 31.12.2008. (2) No encerramento do exercício social, a conta “Lucros ou Prejuízos Acumulados” não deve apresentar saldo positivo. Eventual saldo positivo remanescente nesta conta deve ser destinado para “Reserva de Lucros”, nos termos da Lei no 6.404/1976, arts. 194 a 197, ou distribuído como dividendo (Instrução CVM no 469/2008, art. 5o). A reserva de correção monetária do capital (que não deve mais constar nos balanços, já que a última correção foi em 31.12.1995, e as companhias eram obrigadas a incorporar a respectiva reserva no capiManual de Procedimentos - Out/2009 - Fascículo 43 - Boletim IOB Manual de Procedimentos Temática Contábil e Balanços tal, por deliberação da Assembleia-Geral Ordinária AGO - que aprovava o balanço) fazia parte, de fato, do próprio capital e só podia ser acrescentada a ele (haja vista a proibição de sua utilização para compensar prejuízos acumulados). Logo, podem ser utilizadas todas as reservas de capital (exceto a de correção monetária do capital realizado), todas as reservas de lucro (exceto a reserva legal) e o próprio saldo de lucros acumulados. Lembre-se, todavia, que no caso de aquisição por resgate, reembolso ou amortização, nas hipóteses previstas em lei, não há necessidade obrigatória da existência de reservas com saldos suficientes. 3. CONTABILIZAÇÃO DA AQUISIÇÃO DE AÇÕES PRÓPRIAS Quando a companhia adquire ações próprias, não pode mantê-las no seu Ativo Circulante, ainda que tenham grandes chances de negociação em mercado, já que representam direitos contra seu próprio Patrimônio Líquido. Essa compra corresponde a uma devolução de capital aos acionistas e assim deve ser tratada: como redução do Patrimônio Líquido. Por isso, no Plano de Contas, deve haver uma conta com o título “Ações em Tesouraria”, ou outro semelhante, dentro do Patrimônio Líquido, que funcione como retificadora. Por exemplo, se a empresa adquirir 100.000 ações próprias por R$ 0,50 cada uma, deverá registrar: D- Ações em Tesouraria (Patrimônio Líquido) C- Caixa (Ativo Circulante) R$ 50.000,00 Continuando com o exemplo, se a empresa possuir reservas estatutárias com saldo de R$ 1.000.000,00, poderá então fazer aparecer no seu Patrimônio Líquido: Reservas Estatutárias R$ 1.000.000,00 Ações em Tesouraria (R$ 50.000,00) R$ 950.000,00 Esse destaque, como retificação do Patrimônio Líquido, é obrigatório por força da Lei no 6.404/1976, art. 182, § 5o. Note que o valor do lançamento corresponde ao valor pago pelas ações, não importando seu valor nominal, patrimonial ou de cotação no mercado. Boletim IOB - Manual de Procedimentos - Out/2009 - Fascículo 43 4. CONTABILIZAÇÃO DA ALIENAÇÃO DAS AÇÕES EM TESOURARIA Se a empresa alienar essas ações, talvez o faça com lucro (se vender por valor superior ao custo de aquisição, corrigido monetariamente até 31.12.1995, caso a aquisição tenha ocorrido anteriormente a essa data). Como proceder nesse caso? Deve esse lucro integrar o resultado do exercício? Não. Esse lucro deve integrar as reservas de capital, com um título específico, podendo ser o seguinte: “Reserva de Ágio na Alienação de Ações Próprias”. Afinal, essa venda corresponde a uma integralização de capital com ágio. Em nosso exemplo, se a metade dessas ações for vendida por R$ 30.000,00, teremos: D - Caixa (Ativo Circulante) R$ 30.000,00 C - Ações em Tesouraria (Patrimônio Líquido) R$ 25.000,00 C - Reserva de Ágio na Alienação de Ações Próprias (Patrimônio Líquido) R$ 5.000,00 5. VENDA COM PREJUÍZO Suponhamos que a outra metade seja vendida com prejuízo. Este poderá integrar o resultado do exercício? Também não. Primeiramente, deveremos baixá-lo contra a conta de ágio criada com os resultados positivos em vendas anteriores. Se essa conta não existir, ou se seu saldo não for suficiente, o valor adicional do prejuízo deverá ser contabilizado contra as reservas que originaram recursos para aquisição das ações. Em nosso exemplo, consideramos que as ações próprias adquiridas foram compradas com recursos constantes das reservas estatutárias. Dessa forma, se vendermos o outro lote com prejuízo, teremos que, primeiramente, consumir o saldo da reserva de capital criada com o lucro da negociação anterior. Se o prejuízo for superior a esse saldo, a diferença será jogada contra as reservas estatutárias. É exatamente para o caso de esses prejuízos acontecerem que a legislação exige que a companhia só possa negociar (por deliberação sua) com ações próprias se tiver reservas com saldos suficientes. Caso a metade restante venha a ser vendida por apenas R$ 15.000,00, teremos, então: TC 13 Manual de Procedimentos Temática Contábil e Balanços D - Caixa (Ativo Circulante) D - Reserva de Ágio na Alienação de Ações Próprias (Patrimônio Líquido) reserva de capital - Reserva de Ágio na Alienação de Ações Próprias, conforme mostramos), este não sofrerá tributação pelo Imposto de Renda, de acordo com o Decreto-lei no 1.598/1977, art. 38, incorporado ao RIR/1999, art. 442. R$ 15.000,00 R$ 5.000,00 D - Reservas Estatutárias (Patrimônio R$ 5.000,00 Líquido) C - Ações em Tesouraria (Patrimônio Líquido) R$ 25.000,00 6. ASPECTOS FISCAIS Em caso de venda das ações em tesouraria com lucro (contabilizado diretamente a crédito da conta de 14 TC Do mesmo modo, segundo o mesmo dispositivo legal, em caso de venda com prejuízo, este não será dedutível para fins do Imposto de Renda, mesmo que, erroneamente, seja debitado do resultado. ◙ Manual de Procedimentos - Out/2009 - Fascículo 43 - Boletim IOB