PERFIL COMUNICATIVO DA CRIANÇA SURDA.
Ludmilla Lima Vilas Boas1
INTRODUÇÃO
Antes de a criança apresentar a fala propriamente dita, ela utiliza de gestos,
olhares e expressões, para interagir ou conseguir algo desejado por ela, assim necessita do
outro para ajudá-la nesse aprendizado. Nessa perspectiva, a mãe representa o primeiro modelo
para criança, mesmo com atitudes que não perceba, influencia, estimula ou não, constrói junto
as percepções do seu filho o elo de comunicação entre mãe-filho, e também com o mundo que
o cerca.
A família participa desse processo estimulando ou desestimulando a maneira da
aquisição dessa criança. Porém, o modelo fortemente presente é a mãe. E quando a mãe é
surda, os elementos para ocorrer a comunicação serão outros: as expressões, olhares e gestos
serão altamente contemplados, mas a oralização ficará à margem, por questões de
impedimentos.
Então, a criança durante um curto período de tempo, imitará o perfil
comunicativo da mãe, e a questão sonora ficará um pouco distante. Todavia, essa criança
também pertence ao mundo dos falantes, e iniciará um processo interessante entre formas
variadas de comunicação, onde ora se utiliza dos gestos, ou da oralidade ou das duas formas.
Logo, é válido o estudo acerca das características dessa aquisição, para que se tenham atitudes
que auxiliem a criança a internalizar os diferentes contextos de comunicação, a respeito do
mundo em que ela vive e a relação entre mãe e filha.
Ao estudar a aquisição da linguagem, praticada na forma oral ou gestual, os
estudiosos buscam compreender como, e quais elementos o indivíduo utiliza para passar de
não falante a um ser que se comunica. Os variados processos para se obter comunicação,
revelam a capacidade lingüística e criativa do indivíduo. (LORANDI, 2011)
Para o desenvolvimento da linguagem, vários aspectos caminham juntos como:
sistema neural, motor e psicológico. A integridade dessas áreas contribui para um melhor
desempenho na comunicação. Existem várias teorias para o mecanismo da aquisição da
linguagem oral.
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1
Doutora em Psicologia Cognitiva.
Na década de 60, descobertas teóricas deram início as pesquisas sobre a aquisição
da linguagem da criança. Lingüísticas e psicólogos expuseram suas idéias, e todos buscavam
um padrão de fala para a criança. Através das observações da maneira de como as crianças
interagiam com familiares, através de brincadeiras, realizaram muitos estudos. A partir dos
resultados, os estudiosos buscavam um modelo para representar o desenvolvimento da
linguagem infantil. Destacaram-se: Skinner, Chomsky e Piaget, que realizavam debates entre
si, a fim de buscar uma resposta. (QUADROS, 2007)
Para muitos estudiosos, essas teorias se complementam, na qual existe a
influência do comportamento, como pensava Skinner, algum mecanismo que dava início ao
aprendizado da Língua, como dizia Chomsky, também a maturação biológica, como Piaget
pesquisou e a interação social, a importância do interlocutor, como sabiamente complementou
Vygotsky.
O Levantamento bibliográfico foi realizado através de pesquisas, nas seguintes
bases de dados: Google Acadêmico, Revista eletrônica da Scielo, Bireme (Biblioteca
Regional de Medicina), Capes(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior).
Os estudos bibliográficos pesquisados abordam desde aquisição de linguagem até
particularidades do meio surdo, pois é de relevância a compreensão de como surge a
linguagem em mundos distintos (o som e silêncio) que se comunicam efetivamente, através
dos recursos que dispõem.
Estudos referentes a Aquisição de Linguagem, das autoras Lorandi (2011),
Quadros e Finger (2007) e Borges e Salomão(2003)
descrevem as variadas formas de
representações da linguagem, citando grandes estudiosos do tema.
A Revista Escola, que é voltada para área educacional, publicou uma Edição sobre
os Grandes Pensadores, em 2010, na qual falou sobre Lev Vygotsky, e sua contribuição
generosa, na qual o estudioso trouxe uma nova visão sobre a particularidade na aquisição da
linguagem de cada criança.
A autora Quadros (2003), no estudo: Situando as diferenças implicadas na
educação de surdos: inclusão/exclusão, propõe a análise das políticas voltadas para inclusão
do surdo. E Bergamo e Santana (2005), falam da cultura surda.
O artigo: Família e Surdez, das autoras Negrelli e Marcon, em 2006, demonstra a
importância da família para formação da identidade do indivíduo, a frustração diante da
surdez, e a uma alternativa de comunicação através da LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais).
As autoras Lemes e Goldfeld (2006), desenvolveram uma pesquisa qualitativa
para demonstrar o quanto a mãe interfere na linguagem do filho.
Todos os estudos serviram como base teórica para uma observação particular
sobre a relação ouvinte e surdo. E essa observação servirá para enriquecer o mundo vasto,
complexo e encantador da linguagem.
1 LINGUAGEM
1.1 Definição de Linguagem
A linguagem refere a habilidade de manipular símbolos, os símbolos substituem
objetos ou um conceito, representados pelas palavras, gestos e desenhos. (SYDER,1997)
Assim a linguagem representa as formas como os indivíduos, buscam se fazer compreender,
interagindo entre si.
Durante a aquisição da linguagem oral existem: a fase pré-linguística, onde são
vocalizados alguns fonemas, que dura aproximadamente até os 12 meses, e posteriormente a
fase lingüística, onde a criança inicia com palavras isoladas, que com o tempo vai se
aprimorando, aumentando vocabulário, se estabelecendo assim um processo natural e
contínuo. (COSTA, 2002).
Todavia, antes desse aprendizado da Língua propriamente dita, a criança inicia
ainda quando bebê o desenvolvimento para chegar a oralidade, através do balbucio, gritos,
sorrisos, olhares e lágrimas, o indivíduo constrói linguagem.
Atualmente, vê-se que as principais teorias contribuem para a observação do
desenvolvimento da criança, pois se verificou que esse desenvolvimento é particular, e a
utilização das variadas abordagens direcionam a compreensão desse vasto universo da
linguagem.
Nos anos 70, foi incorporada aos estudos da linguagem a abordagem pragmática,
enfatizando os elementos comunicativos da linguagem, devido a necessidade de relacionar a
fala e a linguagem. Segundo Austin(1952/1990), a linguagem deve ser observada durante a
fala, no contexto social e cultural inserido e a intenção, mediante as normas e convenções.
(AUSTIN,1990 apud BORGES)
A pragmática aborda os aspectos semânticos, fonológicos e sintáticos, e suas
aplicações. Quando se conhece o contexto da fala, nem sempre se faz necessária a linguagem
verbal para que haja o entendimento das pessoas envolvidas. Ao desejar um doce que está nas
mãos de sua mãe, a criança precisará apenas de um gesto(estender a sua mão) para que a mãe
compreenda seu desejo. (BORGES, 2003).
1.2 Aquisição da Linguagem oral
O aprendizado da Língua se mantém através dos sistemas: pragmático(como o
indivíduo utiliza a comunicação, dependendo do contexto); semântico( significado das
palavras); fonológico(envolve percepção e reprodução dos sons); gramático-morfológico(
regras sintáticas e combinações das palavras, em as frases que tenham sentido). A fonologia e
a gramática dão forma a linguagem oral, e o sistema pragmático transmite emoções as
palavras. (CERVERA-MÉRIDA,2003 apud SCHIRMER)
Desde os anos 60, se aprofundou o interesse pela aquisição e também processos
que regulam o desenvolvimento da linguagem oral infantil, surgiram diversas teorias, que em
momentos se completavam ou divergiam totalmente, como a teoria baseada no
comportamento humano, idealizada por Burrhus Frederic Skinner, e a teoria sóciointeracionista, seu idealizador: Lev Vygotsky. As teorias que mais se destacam tanto no meio
da educação como da saúde a fim de auxiliar nas estratégias educacionais e de reabilitação,
são: teoria behaviorista, inatista, cognitivista- construtivista e sócio-interacionista.
1.3 Aquisição da Linguagem da criança surda
Estudos sobre a aquisição da linguagem dos surdos ocorreram nos anos 70, e
muitas foram baseadas no modelo teórico proposto por Piaget, o que contribuiu para a uma
visão completa sobre o período da operações concretas e período das operações formais,e em
proporção menor para o desenvolvimento sensório-motor e simbólico da criança surda.
(COLL,2004).
O desenvolvimento sensório-motor do surdo é semelhante ao do ouvinte, exceto, a
parte relacionada ao som, como imitação vocal. Sua capacidade cognitiva é normal, o
desempenho nas operações concretas é a mesma. (COLL,2004) Petitto e Marantette (1991)
realizaram uma pesquisa onde se observava o balbucio nos bebês surdos e ouvintes, desde o
nascimento até os 14 meses de idade. Nos bebês surdos, se observou o balbucio silábico e a
gesticulação, ambos manuais. O balbucio silábico apresenta o sistema fonético da línguas de
sinais, e a gesticulação não apresenta organização interna.
As autoras afirmam que os bebês, tanto surdos como ouvintes, apresentam os
dois balbucios até determinada fase, depois desenvolvem conforme a modalidade da língua.
No âmbito das operações formais, que são caracterizadas pelo pensamento
hipotético-dedutivo, os surdos demonstram dificuldades, pois é mais facilmente percebido
para eles, aquilo que é concreto. (COLL, 2004).
Após esses estudos baseados na teoria piagetiana, nos anos 80, outros estudos
foram realizados, já que a teoria abordava os aspectos globais de todo pensamento humano e
desenvolvimento cognitivo. Também deve ser considerado que inteligência não se restringe a
resolver problemas lógicos, mas a habilidade de discernir entre as situações diárias, planejar
passeios, atividades que dependem de informação e conhecimento adquirido. (COLL, 2004).
Para se tomar uma decisão é necessário se armazenar diversas informações, e
através do discernimento para saber que informações irá utilizar para decidir. O indivíduo
primeiramente aprende eficazmente, posteriormente a forma como esse pensamento será
representado mentalmente. Assim, a realidade pode ser representada internamente para cada
indivíduo, e de como cada um utiliza os conceitos mentais. (COLL, 2004).
Nesse contexto de desenvolvimento cognitivo foi associado a influência
do
intercâmbios sociais para que o desenvolvimento ocorra eficazmente. Na psicologia cognitiva
a linguagem influencia na maneira na interpretação, armazenamento e utilização da
informação. É importante para se estabelecer uma comunicação, conhecer as intenções do
ouvinte e as regras para existir o diálogo. Dentro desse diálogo existem as normas implícitas,
expressões e diferentes funções. (COLL, 2004)
Segundo Gregory e Mogford (1981), as crianças surdas teriam dificuldades em
jogos simbólicos, devido às relações com adultos e crianças ouvintes serem restritas, gerando
dificuldade em realizar sequência.
Outras situações que os surdos teriam dificuldades: antecipar situações, raciocinar
sobre proposições, comprovar mentalmente alternativas, todas operações formais, que são
dificultadas devido suas dificuldades da língua portuguesa.(COLL,2004) Como não são
transmitidos através da LIBRAS(Língua Brasileira de Sinais) informações necessárias para
desenvolver eficazmente essas habilidades, os surdos são desfavorecidos nessas situações.
A tese de doutorado de Harris (1977), na qual analisava reflexão das crianças
surdas, concluiu que as crianças surdas que aprenderam a língua de sinais desde pequenas
possuíam a reflexão mais aguçada que as crianças surdas que apenas tiveram o contato com a
linguagem oral, e não a internalizaram o suficiente. (COLL, 2004).
Quando o surdo aprende a língua de sinais, como primeira língua, a questões da
sua dificuldade estão relacionadas a linguagem oral. 90% dos surdos tem pais ouvintes,
muitos deles não conhece a língua de sinais. (COLL,2004) Esse aspecto infelizmente resulta
a uma série de informações que deixam de serem transmitidas, devido um não entendimento
entre as pessoas.
Outro teórico que colaborou com os estudos sobre a linguagem desenvolvida pelo
surdo foi Vygotsky. Em 1924, Vygotsky publicou um livro que abordava também a questão
da educação de surdos. Segundo Vygotsky, os surdos se encontravam abandonados
pedagogicamente, e seu principal interesse era transformar esse cenário em uma educação
social. (SKLIAR, 2000).
Para Vygotsky, a língua dos sinais era um meio natural para a comunicação
efetiva do surdo, além de ser um instrumento para o pensamento, sendo uma forma para
ensinar os surdos, pois seria contraditório impor exclusivamente a linguagem oral a criança
surda, porém duvidava que a língua de sinais fosse uma linguagem efetiva para formação
social dos surdos e também instrumento para os processos psicológicos superiores. (SKLIAR,
2000).
Essa visão paradoxa de Vygotsky na perdura muito tempo, pois em 1931 publicou
um trabalho chamado Problemas de Defectologia, no qual afirma que a criança surda tanto se
serve da linguagem para se comunicar, como instrumento do pensamento, que na luta entre a
linguagem oral e gestual, a mímica vence, e no caso do surdo, essa representa a verdadeira
língua, quanto aspecto funcional, enquanto a linguagem oral inculcada artificialmente
representam um modelo morto da linguagem viva para os surdos. (SKLIAR, 2000).
CONCLUSÃO
Como o desenvolvimento sensório-motor e capacidade cognitiva são as mesmas
tanto para os ouvintes como para os surdos, a diferenciação entre as formas de linguagem,
acontecem quando o surdo caminha o percurso para desenvolver os sinais e aprimorá-los
dando os significados e funcionalidade, e os ouvintes caminham para o desenvolvimento da
fala propriamente dita, pois independente do modo como se expressem, necessitam do outro
para auxiliá-los nas descobertas e aprendizagem.
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