O PROJETO PEDAGÓGICO PLATÔNICO EM a REPÚBLICA Débora Cristina Martins de Souza (PIBIC/CNPq-UEM). E-mail: [email protected] José Beluci Caporalini (Orientador). E-mail: [email protected] Universidade Estadual de Maringá/Departamento de Filosofia/Maringá, PR. Ciências Humanas/Filosofia Palavras-chave: Metafísica, Pedagogia Platônica, Platão Resumo Este trabalho, de caráter genérico por escolha metodológica e de pesquisa, está limitado à concepção pedagógica platônica em a República e está dividido assim: primeiro apresentam-se alguns aspectos da reação platônica à pedagogia sofista. Posteriormente, mencionam-se algumas características gerais da pedagogia platônica. Depois, as disciplinas às quais se devem submeter os futuros guerreiros. Em seguida, são apresentadas brevemente as classes sociais, os tipos de almas e virtudes correspondentes. Após, menciona-se o problema espinhoso da censura na pedagogia platônica. Então algo sobre a questão da presença feminina no discurso pedagógico platônico. Segue-se uma conclusão na qual se chama a atenção para o que Platão reputava ser um perigo por parte dos “imitadores” e o vínculo do pensamento pedagógico platônico aos seus conceitos metafísicos de bem e verdade e à Alegoria Mítica da Caverna. Introdução O homem possui natureza mutável e é esta característica que o torna passível de ser educado, como bem o perceberam os Sofistas, Sócrates e Platão. Desde os tempos míticos Homero e Hesíodo na Ilíada e Odisseia e em Os trabalhos e os dias, respectivamente, já ressaltavam o ideal de excelência na formação do homem grego. Este ideal da busca do melhor passa para o período histórico. A arete ou excelência está presente em todos os aspectos de sua formação espiritual: nas artes, nas letras, na filosofia. A arete devia ser cultivada, começando-se de tenra idade e prosseguir ao longo de toda a vida. Ela não cessava jamais; era um ideal a ser vivido e pelo qual valia a pena lutar. Então a arete do jovem grego devia ser cultivada em todos os sentidos: físicos, morais e intelectuais. É neste sentido que a compreensão do homem grego tem que ser percebida; a sua educação é bem mais ampla que a mera educação formal acadêmica que o jovem de hoje recebe na universidade. Ela abrange todos os aspectos possíveis da vida do jovem, de modo que ele possa ser um grande homem e líder de seu povo. Platão, em a República, busca fundar a Cidade Ideal, estabelecida na justiça e onde a verdade e o bem imperam. Assim sendo, Platão procura instituir alguns critérios de modo que nesta Cidade Ideal a paideia efetivamente se dê. Para isto começa fazendo uma série de críticas aos poetas, porque em seu entender eles ensinam falsas lendas que apresentam equivocadamente os deuses e heróis. Os deuses são bons; só fazem o bem e jamais erram, bem ao contrário do que afirmam Homero e Hesíodo em suas obras. Portanto eles devem ser banidos da Cidade Ideal. A formação do jovem grego, na concepção pedagógica platônica, deve ser feita na procura incessante pela excelência, que em seu modo de ver, relaciona-se com a justiça e a verdade. Lendas que não afirmem isto devem ser banidas, juntamente com os poetas seus autores. A poesia permitida na formação do jovem deve ser somente aquela que ressalte as virtudes capitais explicitadas em a República, entre as quais se destacam a verdade e a justiça. Este ideal formativo deve começar cedo e preparar o/a futuro/a rei/rainha da Cidade Estado. Ele/a conhecerá a verdade e a justiça, recebidas ao longo de toda uma vida de estudos e dedicação: agora, aos 50 anos poderá finalmente conduzir o povo pelos caminhos do bem, sem o desviar jamais. E, ainda, continuar em seus estudos filosóficos que não findam jamais. Revisão de literatura Utilizou-se como método a leitura estrutural de textos filosóficos e encontros periódicos com o orientador, a fim de analisar e discutir as obras pesquisadas. As principais traduções de a República de Platão utilizadas foram: São Paulo: Trad. J. Guinsburg. Difusão Europeia do Livro, 1965. 2.V. A República: livro VII, comentada por Bernard Piettre e traduzida por Elza Moreira Marcelina: Brasília, EDUnB, 1985. Fez-se uso também da obra Paideia: a formação do homem grego, escrita por Werner Jaeger, e traduzida por Artur M. Parreira: São Paulo, Martins Fontes, 1979. Também foram feitas leituras complementares de livros, artigos e pesquisas na internet. Resultados e Discussão Platão fundamentava sua ética na verdade; deveria estar presente em tudo; da pedagogia também, portanto. É o que se vê em a República. Tinha que ser assim para que o jovem ateniense, sem distinção de gênero não pudesse ser levado a falsas ilusões. De modo que não tivesse uma educação que não era propriamente uma paideia, formação humana, mas sim, quase que uma (de)formação. Há que haver valores universais e não apenas e tão somente relativos; subjetivos. A sua teoria pedagógica pressupõe a hipótese segundo a qual há a possibilidade de mudança da natureza pela educação, como já fora sublinhada pelos sofistas em sua concepção pedagógica, JAEGER, 1979: 323-354. Entretanto, os sofistas mantinham uma educação pautada na conquista do tipo mais efetivo de vida, sem grandes preocupações morais. Isto não se coadunava com o ponto de vista ético de Platão e com a sua proposta pedagógica, Rep. I, 331c ss. O filósofo não concordava também com o conceito sofista a respeito de valor humano e de sociedade. Os mais fortes não poderiam prevalecer sobre os mais débeis, Rep. I 338c. Platão acreditava que a verdadeira natureza humana era racional; que a sociedade devia ser organizada e que a vida civilizada devia ser conduzida segundo valores fundamentados em princípios racionais e morais. Os sofistas eram almas pequenas e não retas, servos de sua época e de seus discursos, Teet., 172c-173b. O interesse filosófico e pedagógico platônico era bem diferente dos sofistas, portanto. Conclusões Para Platão, numa cidade justa não devem existir homens que estejam coniventes com a injustiça, eles devem ser definitivamente justos. Um dos temas capitais de a República é pois, a justiça. A República descreve uma sociedade ideal, e é pois neste modelo ideal que se dá o discurso pedagógico. É nessa República de Platão que se encontra o processo educativo que prepara os futuros dirigentes da mesma. Este processo pedagógico, fruto de escolha segundo os critérios de mérito pessoal, não depende do sexo, mas de uma resposta pessoal ao processo educativo e formativo de cada um; são pessoas especiais que se preparam para se pautarem sempre pela verdade e pelo bem. Desse modo, também as mulheres estarão aptas a guiarem os seus co-cidadãos por tais caminhos. Elas também poderão se tornar rainhas. Que a cidade ideal se dê ou não historicamente não importa muito; ou, talvez, até importe. Os eruditos não se entendem, a respeito. Importa isso sim, que para Platão os homens e mulheres que chegarem ao final desse processo pedagógico são pessoas especiais e que deverão continuar todo o seu processo educativo durante a sua vida. Isto quer dizer que o processo de autonomia pessoal e de condução da Cidade Ideal é um procedimento que em última análise aproxima-se com o seu conceito metafísico, como está bem antevisto na alegoria mítica da Caverna, Rep. VII. É neste livro que começa a ficar claro que a ideia de justiça não é a única ideia; é uma dentre muitas. O discurso metafísico se agiganta. O processo de aquisição do bem e da verdade, e consequentemente o processo educativo, é algo extremamente penoso, custoso; bem diferente do que diziam os sofistas a respeito. Referências CAPORALINI, José Beluci. O projeto pedagógico socrático. Acta Académica. Nº 44, mayo 2009, 149-170. GRUBE, G. M. A. El pensamiento de Platón. Traducc. Tomás Calvo Martínez. Madrid: Gredós, 1987. (Biblioteca Hispánica de Filosofía) GUAL, Carlos García. Los sofistas y Sócrates. In: Historia de la ética. 1. De los griegos al Renacimiento. Victoria Camps, Ed. Barcelona: Crítica, 1999. JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 1986. PARENTE, Margherita Isnardi. Entrevista a Renato Parascandolo. In: http://www.donatoromano.it/interviste/54.htm . Acesso em 10/12/2009. PLATÃO. República. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1965. 2 vols. PLATÃO. República: livro VII. Comentada por Bernard Piettre. Trad. Elza Moreira Marcelina. Brasília, EDUnB, 1985. PLATÃO. A República (ou da justiça). Trad. Eson Bini. Bauru: EDIPRO, 2006. (Clássicos Edipro) PLATÃO. XENOFONTE. ARISTÓFANES. Defesa de Sócrates. Ditos e feitos memoráveis de Sócrates. Apologia. São Paulo: Nova Cultural, 1991. PLATO. The Republic of Plato. Transl. Allan Bloom. 2.ed. New York: Basic Books, 1991. PLATON. Obras completas. Traducc. Maria Araujo et alii. 2.ed. Madrid: Aguilar, 1981. ZELLER, Edward. Sócrates y los sofistas. Buenos Aires: Nova, 1955.