VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE NA ESCOLA: OS DESAFIOS DA PROFISSÃO DOCENTE Isabel Cristina Oliveira da Silva (UFAL) [email protected] Ricardo da Silva (UFAL) [email protected] Este artigo é resultado parcial de uma pesquisa-ação, integrante de um projeto de extensão que se encontra em andamento no Campus do Sertão da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). O projeto tem como objetivo estabelecer momentos de estudos, análise, reflexões e debates envolvendo os profissionais da educação, instituições e sociedade acerca da temática violência e criminalidade na escola. A pesquisa está sendo realizada no âmbito das escolas públicas municipais e estaduais, da zona urbana e rural da cidade de Delmiro Gouveia, um Município situado no alto Sertão de Alagoas. Propomos inicialmente um diagnóstico, para levantamento de dados dos casos que envolvem as escolas e suas estruturas físicas, também os professores, os alunos, os técnicos, a direção e a comunidade em suas possíveis relações. As informações subsidiarão as ações junto aos órgãos de direitos, de proteção e desenvolvimento de políticas. Também a mobilização social como um tudo e principalmente um posicionamento crítico junto à classe docente. Após a realização da pesquisa de campo, nossa primeira atividade será apurar os dados e quantificá-los. A mensuração e a análise teórica serão utilizadas para fomentar uma atividade de formação continuada para os docentes das escolas públicas municipais e estaduais, conselheiros Tutelares e de Direitos e para os discentes das licenciaturas do campus do sertão envolvidos no projeto. 2 Pretendemos sensibilizar os parceiros envolvidos no projeto e demais atores sociais acerca da necessidade de mobilização conjunta para a busca de soluções para a questão da violência nas escolas. O projeto visa ofertar processo de capacitação para trinta e dois docentes, sendo dezesseis das escolas municipais e dezesseis das escolas estaduais, para exercerem o papel de multiplicadores nas suas respectivas instituições de ensino. Eles poderão atuar com mais eficácia na identificação, encaminhamento e resolução dos problemas relacionados à violência. Buscamos também capacitar oito discentes, dois do curso de história, dois de geografia, dois de letras e dois de pedagogia, todos do campus do sertão. A culminância do projeto se dará com a realização de um Seminário Regional envolvendo as escolas localizadas nas cidades do baixo, médio e alto sertão de Alagoas. O projeto interage diretamente com uma questão que vem se colocando como um desafio a sociedade brasileira e principalmente aos profissionais envolvidos com a educação – “a violência e a criminalidade nas escolas e suas conseqüências”. A Universidade enquanto espaço de fomento, que possibilita reflexões, análises e acima de tudo propõe mudanças não deve se furtar dessa discussão. Desse modo, este projeto contribui para uma formação acadêmica mais plural, fundada no conhecimento científico e pautada no diálogo entre as áreas de conhecimento. O projeto traz a necessidade de refletir sobre a atuação docente diante dos problemas relacionados à violência e a criminalidade no universo escolar. Outro aspecto importante do projeto é o envolvimento da sociedade que se dará de modo direto, através da participação dos profissionais da educação nas atividades a serem realizadas através da pesquisa, do seminário e do curso de formação. E de modo indireto, por meio do impacto social das atividades propostas e da mobilização social para o conjunto dos alunos em particular e toda a comunidade das escolas da rede municipal e estadual do município de Delmiro Gouveia. Entidades, pessoas e organizações governamentais e não governamentais também estarão envolvidas no projeto, haja vista a necessidade de um diálogo reflexivo acerca da responsabilidade de cada um diante das questões de conflitos que demandam o convívio escolar. Atualmente estamos finalizando a pesquisa nas escolas rurais da região do alto sertão alagoano. Conhecendo as demandas educacionais e principalmente os desafios 3 diários da profissão docente em meio às significativas problemáticas sociais tão presentes. Cabe neste momento, justificar porque escolhemos à temática violência na escola e da tentativa de relacioná-la ao grande desafio do exercício da profissão docente. Pensamos inicialmente que o grande desafio está no próprio papel da escola. Conforme aponta Schilling (2004, p.61), “a escola enquanto lugar de reprodução das desigualdades sociais, das desigualdades de gênero, raça, da reprodução da pobreza e da exclusão.” A escola enquanto lugar da grande construção social, da transformação da democracia e dos direitos humanos em sua máxima plenitude. A violência na Escola As ocorrências de violências nas escolas vêm se colocando como um grave problema social. Pois, afetam não apenas aqueles que estão diretamente relacionados as atividades inerentes aos espaços escolares. Afetam toda a sociedade de um modo geral. Não é certamente um fenômeno recente, muito embora ocupe um lugar de destaque na mídia nacional e mundial. Os primeiros estudos ocorreram nos anos de 1950 nos Estados Unidos. No Brasil, a UNESCO realizou uma série de pesquisas a partir da década de 1990, fomentando as ações do governo federal que no ano de 1999 lançou nas escolas públicas a Campanha Nacional de Educação para Paz. Na verdade, a partir dessas mobilizações, muito pouco tem sido feito para fomentar uma reflexão acerca de uma temática tão importante. Em Alagoas o cenário não é diferente, principalmente pela ausência marcante de uma discussão apropriada sobre a questão. Uma discussão que envolva pais e professores, mas principalmente as políticas qualitativas e as ações de prevenção social. Pensamos que esse espaço de discussão é a escola e todas as outras instituições. Quando nos furtamos desse diálogo estamos simplesmente legitimando, com requinte de crueldade, a violência em toda sua gênese. O que nos leva a pesquisar o assunto é certamente a complexidade que ele gera em toda estrutura educacional e social, levando-se principalmente em conta a relevância social. A escola enquanto espaço de formação dessa sociedade começa a vivenciar recorrentemente situações de violência. Por sua vez, seus profissionais demonstram claramente não saber lidar com os respectivos acontecimentos. O medo tomou conta das relações e da própria escola. Nosso grande desafio é superar verdadeiramente este status 4 quo de imobilidade social, educacional e política que tem nos transformados em reféns do medo, em parceiros do derrotismo pragmático em nome de uma falsa segurança. Na verdade, a mudança paradigmática na maneira de ver o problema pode nos dar uma boa pista de como chegamos a esse infeliz momento histórico. Inicialmente vista como uma simples transgressão dos “atos e bons costumes”, a violência esteve muitas vezes velada pelo discurso da indisciplina, da rebeldia, do castigo e da relação desigual de poder em sala de aula. A confusão é tanta que fica habitualmente um professor já não consegue distinguir o que é uma ação que caracteriza a violência ou indisciplina. Inicialmente, a violência na escola era tratada como uma simples questão de disciplina. Mais tarde, passou a ser analisada como manifestação de delinqüência juvenil, expressão de comportamento anti-social. Hoje, é percebida de maneira muito mais ampla, sob perspectivas que expressam fenômenos como a globalização e a exclusão social, os quais requerem análises que não se restrinjam às transgressões praticadas por jovens estudantes ou às violências das relações sociais entre eles. Abramovay (2002, p.13). As relações de poder que permeavam os espaços da escola ficaram sobre a égide da própria escola por muito tempo. Nesse caso, a instituição de ensino estava como centro e incondicionalmente como detentora do poder. Contudo, nos dias atuais estamos nos deparando com casos de violência, episódios de agressões físicas e verbais, ameaças e até mortes de professores, alunos e demais profissionais em educação, que estão além da capacidade de decisão da escola. A nossa sociedade observa inerte a uma crescente escalada do medo e a escola tornou-se mais uma refém. A situação atual demonstra a necessidade de se pensar nos aspectos relacionados à violência de forma ampla, levando em consideração a compreensão das dimensões sociais, culturais, econômicas e educacionais. É preciso entender esse fenômeno na sua constituição, na sua estrutura real e simbólica. A dificuldade de se definir o que é violência escolar está estreitamente relacionada não apenas aos aspectos heterogêneos da maneira como ela acontece. A grande questão é necessariamente a desestruturação de um discurso dominante presente em nossa sociedade. Enfatizando a idéia de infância enquanto algo angelical e inocência. E principalmente da escola caracterizada como refúgio da paz, o lugar de respeito, da boa educação. A partir do momento que as demandas histórias dessa sociedade surgem. Nada restou a escola, a não ser avocar outras instituições, principalmente às de repressão para lidar muitas vezes com questões de sua alçada, reproduzindo mais uma vez a violência. 5 Charlot (2005, p.124) afirma que “a violência na escola não é um fenômeno radicalmente novo, ela assume formas que, estas sim, são novas”. O que devemos considerar é que o processo educacional brasileiro foi forjado numa relação de poder e até então, essa referencia ideológica do lugar da escola enquanto representação social deu conta de manter os problemas sociais distantes do universo escolar. No entanto, já não é mais possível permanecer no lugar de prontidão, a violência bateu a porta da escola, para dizer que há algo errado com o processo de formação, de qualificação, de acesso e de oportunidades iguais para todos os brasileiros. Qual o lugar da escola neste cenário? Qual o seu papel? Ela caminhará para a estagnação, pela permanência? Continuará reproduzindo ou caminhará para a transformação tão anunciada? Possivelmente o que mais incomoda aos que vivem essa realidade, não são apenas os aspectos relacionados ao medo, seria então como afirma Arendt (2009), a destruição do poder da escola, pois “a violência destrói o poder, não o cria.” Para Debarbieux (1996, p.42) quando se estuda a violência escolar devemos levar em consideração situações como: Os crimes e delitos tais como furtos, roubos, assaltos, extorsões, tráfico e consumo de drogas etc., conforme qualificados pelo Código Penal; as incivilidades, sobretudo, conforme definidas pelos atores sociais; sentimento de insegurança ou, sobretudo, o que aqui denominamos sentimento de violência, resultante dos dois componentes precedentes, mas, também, oriundo de um sentimento mais geral nos diversos meios sociais de referência. A tipologia da violência na escola ganha a cada dia outros componentes. Atualmente as mais comuns estão relacionadas à atuação de Ganges, a Xenofobia, ao Bullying. Pelo mundo inteiro, principalmente na América do Norte e na Europa essa conceituação já é bastante conhecida pela sociedade. É importante ressaltar a necessidade de distinção conceitual quando trabalhamos com a temática, para sabermos identificar o que estamos discutindo. Charlot (2005, p.126) aponta as diferenciações entre “a violência na escola, a violência à escola e a violência da escola”. Segundo o autor (op. cit.), a primeira é aquela em que a escola é apenas o lugar onde aconteceu a violência. O ato, a ação violenta não está relacionada à natureza ou a atuação da escola. A segunda, a violência à escola, é aquela relacionada à natureza do trabalho da escola, alunos que batem em professores etc. A terceira também relacionada 6 à segunda, trata da maneira como a escola simbolicamente na sua estrutura institucional maltrata e violenta os alunos. Considerações finais A angústia social que acarreta a sociedade brasileira é fruto de uma construção histórica, definida pelas relações de poder e desigualdades que fizeram da escola um lugar de conflitos, que até então se distanciava veladamente das questões relacionadas à violência. A necessidade de pensarmos em alternativas frente a essa lógica perversa de abandono do papel da escola enquanto lócus de transformação social é evidente. Faz-se necessário empreender discussões relevantes acerca da temática e a proposição de alternativas para o enfrentamento desse sintoma social que afeta a nossa sociedade. Cabe aqui evidenciar que a escola tem um papel fundamental nessa tomada de posição, no chamamento imediato da sociedade brasileira para que possamos discutir a questão sob o prisma amplo das condições postas, das possibilidades e impossibilidades da atuação da escola neste cenário atual. O desafio é cada vez maior para o docente. As questões relacionadas a violência em seu espaço de atuação irá exigir desse trabalhador uma carga de conhecimentos e principalmente uma outra postura no desenvolvimento do sua profissão, com vistas a uma grande viagem rumo a emancipação humana, a uma cultura de paz, e não de silêncio forçado, intimidação e medo. Referencia bibliográfica ABRAMOVAY, Miriam et ali. Violências nas escolas. Brasília : UNESCO Brasil, REDE PITÁGORAS, Coordenação DST/AIDS do Ministério da Saúde, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, CNPq, Instituto Ayrton Senna, UNAIDS, Banco Mundial, USAID, Fundação Ford, CONSED, UNDIME, 2002. ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Civilização brasileira. 2009. CHARLOT, Bernard. Relação com o saber, formação dos professores e globalização: questões para a educação hoje. Porto Alegre: Artmed, 2005. DEBARBIEUX, Eric. La violence en millieu scolaire: l.état des lieux. Paris: ESF éditeur, 1996. SHINLLING, Flávia. A sociedade da insegurança e a violência na escola. São Paulo: Moderna, 2004.