PERFIL CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICO DAS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA ATENDIDAS NO SERVIÇO DE APOIO À MULHER, RECIFE-PE INSTITUTO MATERNO-INFANTIL DE PERNAMBUCO (IMIP) PERFIL CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICO DAS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA ATENDIDAS NO SERVIÇO DE APOIO À MULHER, RECIFE-PE CLÁUDIA VIANA HENRIQUES RECIFE 2004 CLÁUDIA VIANA HENRIQUES PERFIL CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICO DAS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA ATENDIDAS NO SERVIÇO DE APOIO À MULHER, RECIFE-PE DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO COLEGIADO DO CURSO DE MESTRADO EM SAÚDE MATERNO-INFANTIL DO INSTITUTO MATERNO-INFANTIL DE COMO REQUISITOS PARTE DOS PERNAMBUCO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM SAÚDE MATERNO-INFANTIL ORIENTADOR: GILLIATT FALBO CO-ORIENTADORA: MELANIA AMORIM RECIFE 2004 ESTA TESE É DEDICADA... A todas as mulheres, Participantes ou não deste estudo, violentadas ou não, trabalhadoras, lutadoras, sonhadoras, felizes... fontes de vida. AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer a todas as pessoas que, de alguma forma estiveram presentes na elaboração desta dissertação, mas em especial... A Deus, força maior e comandante de todos nós, sem o qual nada seria possível. Obrigada por todas vitórias alcançadas. Aos meus pais Ronald e Salete, primeiros e maiores incentivadores de nossas descobertas, guias de nossas trajetórias pessoais e acadêmicas, torcedores inveterados pelos nossos sucessos. Obrigada por todo amor, carinho e compreensão. A Bira, meu amado marido, companheiro de todas as horas, sempre disposto a ajudar e oferecer carinho; minha salvação nas dificuldades com o mundo da informática. A meu filho Mateus, pelo simples fato de existir, por ser tão compreensivo e se conformar com as muitas privações da minha companhia, por me transmitir, mesmo que involuntariamente, tanta força. Muito obrigada. Eu te amo! Às minhas queridas irmãs, Juliana e Flávia, que estão sempre prontas a me socorrer nos momentos de maior sufoco. Ao Dr. Aurélio Costa, amigo e grande incentivador do meu ingresso no mestrado. Meu guia metodológico e meu professor de Epi-Info 2002, que com sua alegria e disposição para ajudar e nos animar nas piores dificuldades. Muito obrigada. A Dr. Gilliatt Falbo, meu orientador, pela paciência e prestatividade com que sempre me recebeu. À Dra. Melania Amorim, pelo incentivo à pesquisa e total ajuda na elaboração de nossos projetos de pesquisa. À Dra. Adriana Scavuzzi, pelas preciosas dicas e total ajuda prestada no “abstract”. Ao Dr. Luis Carlos Santos, eterno “chefe”, pelas oportunidades e incentivos desde a época da Residência Médica. À Dra. Sonia Figuerêdo, pela liberação das minhas atividades profissionais no IMIP durante as aulas do mestrado. Ao Dr. João Guilherme, coordenador do mestrado, em nome do qual agradeço a todos os professores pelos ensinamentos a nós dedicados. A Jocilene, pelos inúmeros ajustes de horários dos meus ambulatórios. Obrigada. Sem a sua ajuda eu não conseguiria cumprir minha carga horária de aulas. Aos meus colegas de mestrado, Lippo, Márcio, Ana, Cínthia, Liliane, Conciana, Lúcia, Joaquim e Celso, por terem tornado mais amenas as longas horas de aulas. À Sra Odimeres Oliveira, secretária do mestrado, pelas inúmeras ajudas e dicas, que tornaram mais fáceis as atividades do mestrado. À coordenação do SAM, por me ter permitido realizar este estudo. SUMÁRIO SUMÁRIO LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS LISTA DE ABREVIATURAS RESUMO ABSTRACT I. INTRODUÇÃO 01 II. OBJETIVOS 11 III. MÉTODOS 12 3.1 Local do estudo 3.2 Desenho do estudo 3.3 População estudada 3.4 Critérios e procedimentos para a seleção dos sujeitos 3.5 Variáveis pesquisadas 3.6 Definição de termos e categorização das variáveis 3.7 Procedimentos para a coleta dos dados 3.8 Processamento e análise dos dados 3.9 Revisão da literatura 3.10 Aspectos éticos 12 13 13 13 14 14 18 18 19 19 IV. RESULTADOS 21 V. DISCUSSÃO 36 VI. CONCLUSÃO 46 VII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 48 ANEXO LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS GRÁFICO 1 – Distribuição das mulheres atendidas no SAM segundo a faixa etária 21 GRÁFICO 2 - Distribuição das usuárias do SAM segundo a cor da pele 22 TABELA 1 - Distribuição das mulheres atendidas no SAM segundo o estado civil 23 TABELA 2 - Grau de escolaridade das usuárias do SAM 24 TABELA 3 - Renda familiar das mulheres atendidas no SAM 25 TABELA 4 - Principais tipos de agressões sofridas pelas usuárias do SAM 26 TABELA 5 - Localização das lesões 27 TABELA 6 - Principais tipos de lesões apresentadas 28 TABELA 7- Existência de gravidez no momento da agressão 29 TABELA 8 - Formas de intimidação 30 TABELA 9 - Distribuição do agressor por grau de conhecimento 31 TABELA 10 - Distribuição dos agressores por idade 32 TABELA 11 - Distribuição dos agressores segundo a escolaridade 33 TABELA 12 - Distribuição dos agressores por renda 34 TABELA 13 - Uso de álcool pelo agressor 35 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS IMIP – Instituto Materno-Infantil de Pernambuco HAM – Hospital Agamenon Magalhães SAM – Serviço de Apoio à Mulher OMS – Organização Mundial de Saúde OPS – Organização Panamericana de Saúde EUA – Estados Unidos da América IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística RESUMO OBJETIVOS: Determinar o perfil clínico-epidemiológico das mulheres vítimas de violência atendidas no Serviço de Apoio à Mulher (SAM) no período de junho/2001 a dezembro/2002. MÉTODOS: Realizou-se um estudo descritivo, do tipo corte transversal, incluindo todas as mulheres atendidas no SAM no referido período. Foram excluídas as pacientes menores de 20 anos de idade, pois estas apresentam características próprias e serão objeto de outro estudo já em andamento. Foram avaliados as características biológicas, sócio-demográficas, os tipos de violência e lesões sofridas, a existência de gravidez no momento da agressão, as formas de intimidação sofridas e o perfil dos agressores. Para a coleta dos dados, adotou-se um formulário padrão codificado para entrada dos dados em computador. Processamento e análise dos dados: após a coleta, os dados foram digitados em banco de dados específico gerado no programa Epi-Info 2002, de domínio público, sendo submetidos a testes de consistência e validação. A análise dos dados foi feita pela própria pesquisadora com auxilio dos orientadores utilizando o programa Epi-Info 2002. Aspectos éticos: o presente estudo atende às recomendações da resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde e foi submetido à aprovação da Comissão de Ética em Pesquisa do Hospital Agamenon Magalhães. Neste estudo não foram utilizados dados referentes aos nomes das pacientes nem quaisquer outras formas de identificá-las. RESULTADOS: A mediana da idade das pacientes foi de 30,0 anos, com um mínimo de 20 e um máximo de 88 anos. Parda foi a cor da pele predominante, estando presente em 58,5% dos casos. O estado civil predominante foi o solteira com 274 das 477 pacientes avaliadas. O grau de escolaridade foi na maioria dos casos menor que oito anos de estudo. A renda familiar das usuárias foi de até 1 salário mínimo em 31% das pacientes e de um a dois salários mínimos em 27% das usuárias. O principal tipo de agressão sofrida foi a física, estando presente em 78,4% dos casos. As principais áreas lesadas foram cabeça, face, membros superiores e região genital e os principais tipos de lesões encontrados foram as escoriações, equimoses/hematomas e as lesões de pele e tecido celular sub-cutâneo. Quarenta e quatro (9,2%) pacientes encontravam-se grávidas no momento da agressão. A principal forma de intimidação utilizada pelos agressores foi a força física, apresentando-se em 83,5% dos casos. Os parceiros e ex-parceiros íntimos somados constituíram-se nos principais agressores descritos. A idade da maioria dos agressores era desconhecida, bem como a renda e a escolaridade dos mesmos. Encontrou-se uma forte associação entre o consumo de álcool pelo agressor e a violência. CONCLUSÃO: A maioria das pacientes avaliadas eram adultas jovens, solteiras, com renda familiar de até dois salários mínimos e escolaridade de menos de oito anos de estudo completos. Os agressores eram na sua maioria parceiros íntimos das usuárias e verificou-se o uso de álcool por muitos dos agressores. PALAVRAS-CHAVE: Corte transversal. Causas externas. Mulher. Violência. ABSTRACT OBJECTIVES: To detrmine the epidemiologic charecteristcs of women victm of violence attended in the SAM of Agamenom Ma galhaes Hospital SUBJECT AND METHODS: A retrospectiv cross seccional study was conducted enrolling all women attended in the SAM during the period of June 2001 to December 2002. We studied some epidemiologic factors of womem victm of violence such as biologic and social demographic characteristic, the kind of violence used, type of body injury, presence of pregnancy, type of intimidation used by the the aggressor and theirs charecteristics. Data collection were obtained through standard formularies and anylised using the EpiInfo 2002 program of public domain by the researcher. The local Ethics Committee has reviewed and approved the research protocol. RESULTS: The mean age of women victm of violence was 30 years, varying from 20 to 88 years. Most women were fair on the skin (58,5%) and single. The great majority of the victm of violence studied less than 8 years. The family income was less than a minimal salary in 31% of women and between 1 and 2 in 27% of the cases. Physical aggression was the most frequent kind of violence used (78,4%). The most frquent body area injured during aggression was head, face, arms and the genital area. Wounds and brusies were the most frequent kind of lesion observed in women victm of violence. In 9,2% of the cases women were pregnant during the aggression. Physical force was used in 83% of the cases. Partner and ex-partner were the aggressors in more than half of the cases. The aggressor age, income and nivel escolaridade was unknown in a great part of the time. A strongly association betweem alcholl use and violence as observed. CONCLUSION: The great majority of women victm of violence were young, single, with 2 minimal salary income and studied less than 8 years. Regarding the aggressor characteristics, most were close to the victm (partner and ex partner) and a strong association between alcohol consumption and violence was found 1 I. INTRODUÇÃO Violência (do latim violentia) pode ser definida, levando-se em consideração sua origem etimológica, como “qualidade ou ação de violento; emprego abusivo da força; constrangimento físico ou moral” (ALMEIDA, 2001). A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a violência como “uso da força física ou psicológica, ou a coação moral por um indivíduo ou grupo, contra si, ou contra outra pessoa, ou grupo de pessoas, que resulta em destruição ou danos ou que inflige ou viola os direitos da(s) vítima(s)” (OMS, 1997). O Ministério da Saúde do Brasil define: “a violência é o evento representado por ações realizadas por indivíduos, grupos, classes ou nações que ocasionam danos físicos, emocionais, morais e/ou espirituais a si próprio ou a outros. Por exemplo, agressão física, abuso sexual, violência psicológica, violência institucional” (MENDONÇA, 2001). Pode-se dizer que existe uma violência estrutural, que se apóia sócio-econômica e politicamente, nas desigualdades das classes e grupos sociais; uma violência cultural, que se manifesta nas relações de dominações raciais, étnicas, dos grupos etários e familiares; uma violência de delinqüência que se caracteriza por ações fora da lei socialmente reconhecida; e uma violência de resistência, que se traduz nos diferentes modos de resposta dos grupos, classes e nações submetidos e subjugados por outros de alguma maneira (MINAYO, 1994). A incorporação da alta tecnologia na vida cotidiana, a industrialização das atividades do ser humano, as crises econômicas e a sobrepopulação das grandes cidades constituem-se em uma fonte geradora de conflitos. Estes e outros fatores contribuem para o 2 incremento dos danos à saúde originados por acidentes e violências (VALENCIA et al., 2000). A violência representa atualmente um dos mais graves problemas das sociedades mundiais. O impacto que as causas externas (homicídios, suicídios, acidentes de tráfego e outras injúrias) têm provocado na mortalidade não se constitui em um fenômeno localizado: ele encontra-se presente nas grandes metrópoles do mundo, desenvolvido ou não, assumindo características de epidemia, constituindo-se em um problema de Saúde Pública (BARROS, 1999). Os comportamentos humanos violentos são fenômenos complexos, não só pela multiplicidade de fatores envolvidos, mas pela pluralidade de formas que podem assumir. Tomados em seu conjunto, os diversos tipos de violência têm impacto na conformação do quadro de mortalidade e morbidade de um país ou região bem como na organização e demanda dos serviços de saúde (NORONHA et al., 1999). A morbi-mortalidade ocasionada pela violência afeta os sistemas de saúde aumentando as demandas aos serviços, saturandoos não somente com a atenção ao traumatismo, mas também com reabilitação física, atendimento psicológico, recuperação das capacidades produtivas e adaptação às novas limitações orgânicas (ORTEGA et al., 2001). Embora não existam indicadores adequados para avaliar seu impacto total, a OMS e o Banco Mundial têm estimado que os atos de violência constituem cerca de 15% da carga mundial de enfermidades (ORTEGA et al., 2001). Nos últimos 30 anos houve um aumento significativo da violência em todo o mundo, refletindo nas taxas de mortalidade, chegando, em algumas regiões e faixas etárias, a ultrapassar as doenças infecciosas, crônico-degenerativas e neoplasias (MENDONÇA, 2001). 3 Nos Estados Unidos da América (EUA), estima-se que por dia morrem 65 pessoas devido a violência interpessoal e que até 6000 pessoas, por dia, sofrem alguma forma de dano físico como resultado de um ato violento, provocando um gasto de aproximadamente 10 bilhões de dólares com cuidados médicos e até 23 bilhões de dólares em produção perdida todos os anos. Dado o número de vítimas mortas ou prejudicadas por violência intencional, este é sem dúvida um dos principais problemas de Saúde Pública dos EUA (SCOTT, 2001). Nos EUA o trauma é a mais freqüente causa de morte nas quatro primeiras décadas de vida e a quarta mais freqüente causa de morte em todas as faixas etárias, ultrapassado apenas pelas doenças cardíacas, neoplasias malignas e doenças cérebrovasculares (WRIGHT & LITAKER, 1998). De acordo com MENDONÇA, 2001, o trauma tem sido a principal causa de morte e deficiências em crianças e adultos no continente africano e em parte da Ásia. A América Latina e o Caribe são consideradas as zonas mais violentas do mundo com uma taxa regional de violência de aproximadamente 20 homicídios por cada 100.000 habitantes (ORTEGA et al., 2001). Apenas no ano de 1993, 465.000 óbitos devidos a atos violentos foram relatados nesta região (MENDONÇA, 2001). No Brasil, no ano de 1999, as causas externas foram a segunda causa mais freqüente de morte na população geral, sendo ultrapassada apenas pelas doenças do aparelho circulatório. Na faixa etária de 10 a 29 anos as causas externas foram a primeira causa de morte (DATASUS, 2004). Entre 1980 e 1988, Recife apresentou os maiores crescimentos na mortalidade por causas externas dentre as capitais do país, passando estas causas de sexta à segunda causa de mortalidade (MINAYO & SOUZA, 1993). No ano de 1999, as causas externas 4 mantiveram-se como a segunda causa mais freqüente de mortalidade no Recife, sendo a primeira causa as doenças do aparelho circulatório, padrão este semelhante aos apresentados pelo Brasil como um todo (DATASUS, 2004). Violência Contra a Mulher A Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1993, reconhece a violência contra a mulher como “qualquer ato de violência de gênero que resulte, ou tenha possibilidade de resultar, em prejuízo físico, sexual ou psicológico, ou ainda sofrimento para as mulheres, incluindo também a ameaça de praticar tais atos, a coerção e a privação da liberdade, ocorrendo tanto em público quanto na vida privada” (OMS, 1997). A mulher é quem mais sofre, tanto a violência de comportamento como a violência estrutural, em virtude das atribuições sociais que lhe atribuem um papel secundário, limitando sua cidadania em todos os níveis de hierarquia social (DESLANDES et al., 2000). Violência física e sexual expõem as mulheres a riscos, a curto prazo, e a seqüelas, a longo prazo, envolvendo o bem estar psicológico, físico, econômico e social delas (BRAND , 2003). O problema da violência contra a mulher é um fenômeno mundial, que, através do movimento feminista, no final dos anos 60 começa a ganhar corpo e visibilidade (TAVARES, 2000), mas somente a partir da década de 90 (1993) foi declarada pela Organização Panamericana de Saúde (OPS) como sendo um problema de saúde pública (MAIRA, 1999). Em 1996, uma resolução da OMS declarou a violência contra a mulher 5 como uma prioridade em saúde e em 1999 o Fundo da População das Nações Unidas assinalou este tipo de violência como uma prioridade da agenda de saúde pública (VIZCARRA et al., 2001). As causas externas foram a terceira causa mais freqüente de morte entre mulheres no Recife, nos anos de 1992-1993, sendo que nas faixas etárias de 10 a 29 anos estas causas foram a mais freqüente causa de morte (ALBUQUERQUE et al., 1998). Calcula-se que uma em cada quatro mulheres será agredida pelo menos uma vez durante a sua vida (DATNER & FERROGGIARO, 1999). Nos Estados Unidos, um estudo envolvendo 1952 mulheres, que procuravam um serviço de cuidados primários de saúde, mostrou que uma em cada 20 mulheres tinham experimentado algum tipo de violência doméstica no último ano; uma em cada cinco tinham experimentado alguma violência quando adultas; e uma em cada três tinham experimentado uma violência em toda a sua vida (BRAND, 2003). A mais comum forma de violência contra a mulher é a violência doméstica ou a violência na família. Segundo estimativas do Banco Mundial, uma mulher tem maior probabilidade de ser espancada, violada ou assassinada pelo seu parceiro atual ou anterior, que por um estranho (OMS, 1997). As diferenças entre os cônjuges, as dificuldades de comunicação, o desequilíbrio do poder e as dificuldades no desempenho dos papéis são elementos básicos de conflitos entre os casais e fontes de possíveis reações violentas (MARTIN, 1999). A função primária da violência de parceiro é dominar, controlar ou castigar a vítima (HAMBERGER & PATEL, 2001). A masculinidade é um elemento chave de poder; ser homem significa ter que exercer o poder, controlar sentimentos, emoções e necessidades 6 afetivas, para evitar a perda do domínio sobre os outros e também pelo temor que lhe atribuam características femininas. Estas características lhes outorgam um domínio sobre a mulher (HARDY & JIMÉNEZ, 2001). Um elemento que permite compreender a manutenção da relação de violência conjugal foi descrito por Lenore Walker em 1979 que assinalou que existia um ciclo de violência entendido como um processo interativo que ocorre em fases sucessivas. A primeira fase denominada “estado de acúmulo de tensões” que se caracteriza por agressões menores as quais vão aumentando e a mulher minimiza ou nega, como uma forma de controlar a violência. Esta atitude passiva aparentemente reforça no homem a idéia de seu direito a “disciplinar” a mulher. A segunda etapa caracteriza-se pela descarga incontrolável das tensões nas quais se produzem graves episódios de maltratos. A terceira etapa chamada “lua de mel” se caracteriza por arrependimento e demonstração de afeto do homem, que sente-se culpado e está convencido que não voltará a fazer. A mulher tende a acreditar e está disposta a ajudá-lo, recebe pressões por parte de conhecidos e familiares e sente-se culpada por desejar abandoná-lo, aceitando desta forma manter a relação (VIZCARRA et al., 2001). A violência intra-familiar é uma enfermidade silenciosa, oculta, que se apresenta tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento e cujas conseqüências são uma pesada carga de morbidades, que requerem um alto gasto em saúde e interferem no desenvolvimento social e econômico dos países (VIZCARRA et al., 2001). A violência doméstica apresenta-se de muitas formas, desde o homicídio, violação e maltrato, agressão verbal e outras formas de intimidação (ARCOS et al., 1999). 7 Estima-se que no mundo mais de 5.000.000 mulheres por ano são vítimas de abusos físicos severos por parte de seus esposos, assinalando-se que 75% dos casos de violência intrafamiliar são contra a mulher (ZALDÍVAR et al., 1998). Em recentes anos, as conseqüências da violência doméstica expandiram-se da esfera exclusiva do sistema de justiça criminal para incluir o sistema de cuidados médicos, caracterizando-se em um problema de saúde pública (BROKAW et al., 2002). O Departamento de Polícia do Kansas, EUA, documentou, entre 139 mulheres vítimas de homicídio, 34 casos (24,5%) relacionados à violência doméstica; o marido atual da vítima cometeu o assassinato em 23 (67,7%) casos, o parceiro íntimo responderam por 8 (23,5%) e em 3 casos o assassino foi o marido anterior (WADMAN & MUELLEMAN, 1999). Homicídio executado por parceiro íntimo é a causa de morte entre 1200 e 2000 mulheres americanas a cada ano (CAMPBELL et al., 2003). Nos EUA a violência doméstica afeta 12% a 25% das mulheres que procuram os serviços primários de saúde (HAMBERGER & PATEL, 2001). Estima-se que naquele país, a cada ano, cerca de 1,8 milhões de mulheres são agredidas fisicamente pelo seu parceiro (RICKERT et al., 2002). Nas duas últimas décadas a violência doméstica foi também reconhecida como um problema de Saúde Pública naquele país (YEAGER & SEID, 2002). Pesquisa realizada no Canadá mostrou que a violência de gênero atinge quase um quarto da população feminina daquele país (FONTANA, 1999). Estatísticas mostram que, pelo menos uma vez ao ano, 50% das mulheres árabes são espancadas por seus maridos e 25% uma vez a cada seis meses (FONTANA, 1999). No Brasil, dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios de 1990, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que de todas as agressões 8 físicas cometidas no âmbito da residência, 63% das vítimas foram mulheres (DESLANDES et al., 2000). Outra forma comum de violência contra mulher é a violência sexual, cuja experiência tem um forte efeito na saúde subseqüente da vítima, tornando-se também um assunto de Saúde Pública (LINDEN, 1999). As agressões sexuais manifestam-se de diversas formas (estupro, atentado violento ao pudor, abuso sexual entre outras), porém três elementos são requeridos: ameaça ou uso da força, evidência de contato sexual e falta de consentimento (PATEL & MINSHALL, 2001). Nos EUA, o Federal Bureau of Investigation, em 1994, calculou que uma em cada três mulheres sofrerá agressão sexual em algum momento das suas vidas (RIGGS et al., 2000). Na América Latina os estudos de prevalência de violência na comunidade são quase inexistentes. Resultados obtidos na Argentina, Brasil e Costa Rica mostraram que entre 7 e 15% das mulheres entrevistadas haviam sido atacadas sexualmente por desconhecidos nos últimos cinco anos (LIRA et al., 2001). Ao contrário do que acredita-se, a maioria das agressões sexuais é praticada por conhecidos e familiares das vítimas. Nos EUA, segundo o National Women’s Study, 29% das mulheres foram estupradas por conhecidos, 9% por ex-maridos, 11% por padrastos, 10% por namorados e 16% por outros parentes; somente 22% das mulheres foram estupradas por estranhos (LINDEN, 1999). Desta forma, a violência sexual constitui-se muitas vezes em uma forma de violência doméstica. 9 A violência sexual contra a mulher tem sido, nos últimos tempos, uma preocupação por parte dos profissionais de saúde e da própria comunidade (ANDRADE et al., 2001). As mulheres que sofreram violência sexual precisam, além do apoio psicológico para superar o trauma, receber prevenção para doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada, assim como tratamento das lesões físicas, ratificando a importância deste tipo de violência ser considerada como um problema de Saúde Pública (FAÚNDES, 2000). Questões a respeito de essas mulheres adquirirem doenças sexualmente transmissíveis (DST’s), incluindo o risco de transmissão de HIV, bem como as profilaxias para se evitar as DST’s e gravidez decorrente da violência ratificam a importância desta entidade como um problema de saúde pública (ANDRADE et al., 2001). Apesar da freqüência com que as mulheres são agredidas muitas vezes elas não procuram atendimento médico e quando o fazem, não raramente, a agressão não é identificada, ou porque elas “escondem” o ocorrido ou porque os médicos estão desavisados sobre a prevalência da violência contra a mulher e simplesmente não a pesquisam (YEAGER & SEID, 2002). Estudos mostram que os médicos não pesquisam suas pacientes para violência por treinamento insuficiente, curto tempo do atendimento ou por perceberem uma falta de intervenção efetiva (KRASNOFF & MOSCATI, 2002). Como a violência contra as mulheres configura-se em um problema de Saúde Pública, vários estudos vêm sugerindo protocolos de investigação sistemática destas violências, principalmente nos serviços de emergência médica, principal local de atendimento destas vítimas (CHEZ & HORAN, 1999; HAMBERGER & PATEL, 2001; YEAGER & SEID, 2002). 10 A violência contra a mulher exige que os médicos e profissionais da área de saúde tenham uma compreensão das relações agressivas e do estado psicológico das vítimas, permitindo que seja feito o diagnóstico deste tipo de violência para que se tomem medidas eficazes de tratamento e prevenção (FRANK & RODOWSKI, 1999). Os médicos deveriam manter um grau de consciência sobre o assunto violência e deveriam ser sensíveis a sinais e sintomas associados a abuso (MACMILLAN & WATHEN, 2003) Nosso estudo propõe-se a descrever um perfil clínico-epidemiológico das mulheres atendidas em um serviço específico para violência contra a mulher, a fim de melhorar o diagnóstico, prestar um atendimento adequado e humanizado e possibilitar medidas de prevenção. É bastante evidente que a violência contra a mulher constitui-se em um importante problema de Saúde Pública, de modo que estudos descritivos como este tornam-se necessários a fim de que se possa reconhecer as características das mulheres em situação de violência, possibilitando adequação dos serviços de saúde para o atendimento e acolhimento destas pacientes. Além disto, sabe-se que principalmente através do conhecimento da dinâmica da violência podem ser propostas e tomadas as medidas preventivas para redução da mesma. 11 II. OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL Determinar o perfil clínico-epidemiológico das mulheres vítimas de violência atendidas no Serviço de Apoio à Mulher (SAM) da Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco no período de junho/2001 a dezembro/2002, assim como o perfil dos agressores. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 1) Determinar algumas características biológicas das usuárias 2) Determinar algumas características sócio-demográficas 3) Determinar os principais tipos de violências e lesões sofridas 4) Determinar a existência de gravidez no momento da agressão 5) Determinar as formas de intimidações sofridas 6) Descrever o perfil dos agressores 12 III. MÉTODOS 3.1 LOCAL DO ESTUDO O estudo foi realizado no Serviço de Apoio à Mulher (SAM) da Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco, que funciona nas dependências do Hospital Agamenon Magalhães (HAM) na cidade do Recife/PE. O HAM é um hospital público administrado pelo estado de Pernambuco e presta atendimento eletivo e emergencial, dentre os quais encontra-se o SAM. O SAM dispõe de sete Médicos, seis Enfermeiras, quatro Psicólogas e duas Assistentes Sociais, contando ainda com a colaboração de uma Defensora Pública. O atendimento médico e de enfermagem é oferecido 24 horas por dia, em regime de plantões, todos os dias da semana. A psicologia e a assistência social funcionam regularmente 12 horas por dia (07:00 às 19:00h) de 2ª a 6ª feiras e em regime de sobreaviso durante a noite, finais de semana e feriados, sendo acionadas as profissionais em caso de necessidade. O SAM funciona como centro de referência na assistência de mulheres vítimas de violência no Estado de Pernambuco, recebendo pacientes oriundas da região metropolitana do Recife e também de cidades do interior do estado, funcionando em parceria com as Secretarias estaduais de Defesa Social, Educação e Justiça, contando ainda com o apoio do Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP). 13 3.2.DESENHO DO ESTUDO Realizou-se um estudo descritivo, tipo corte transversal, através da análise dos prontuários das pacientes atendidas no Serviço de Apoio à Mulher no período de junho/2001 a dezembro/2002. 3.3 POPULAÇÃO ESTUDADA No período de junho/2001 a dezembro/2002 foram atendidas no SAM 647 pacientes das quais foram selecionadas 477 que foram incluídas neste estudo. 3.4 CRITÉRIOS E PROCEDIMENTOS PARA SELEÇÃO DOS SUJEITOS 3.4.1. Critérios de inclusão - mulheres vítimas de violência - atendimento no Serviço de Apoio à Mulher no período de junho/2001 a dezembro/2002 3.4.2. Critérios de exclusão - idade menor que 20 anos As pacientes menores de 20 anos foram excluídas deste estudo por apresentarem características próprias. As mesmas farão parte de outro estudo descritivo já em andamento. 14 3.4.3. Procedimentos para seleção das pacientes Os prontuários foram selecionados a partir do registro geral de atendimento existente no SAM, que consta do nome da paciente, idade, endereço e data do atendimento. Os prontuários encontravam-se arquivados no próprio SAM, não necessitando de busca no Serviço de Arquivo Médico (SAME) do Hospital Agamenon Magalhães. 3.5. VARIÁVEIS PESQUISADAS - Características biológicas - Características sócio-demográficas - Tipos de violências e lesões sofridas - Existência de gravidez no momento da agressão - Formas de intimidações sofridas - Perfil do agressor 3.6. DEFINIÇÃO DE TERMOS E CATEGORIZAÇÃO DAS VARIÁVEIS Características biológicas – foram descritas as seguintes características: idade (em anos completos) e cor da pele Características sócio-demográficas – foram descritas as seguintes características: estado civil, escolaridade e renda familiar 15 Estado civil – foram consideradas as seguintes possibilidades: - Solteira - Casada – união civil legalizada - Desquitada/Divorciada – que esteve casada legalmente e apresenta-se em processo de separação ou separada oficialmente - Viúva – cujo cônjuge legal tenha falecido - União consensual – convivência marital com parceiro fixo, porém sem oficialização legal. Escolaridade – foi adotada a seguinte classificação: - Analfabeta – aquela que não tenha cursado nenhum ano escolar - Fundamental – Completo – 8 anos completados Incompleto – 1 < anos completados < 8 - Médio – Completo – 11 anos completados Incompleto – 9 < anos completados < 11 - Superior – Completo – curso completo Incompleto – não conclusão do curso Renda familiar – foram considerados os valores em salários mínimos, atualmente correspondendo a R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais), correspondentes ao somatório das rendas de todos os familiares residentes no domicílio da paciente. Tipos de agressões sofridas – foram anotados todos os tipos de agressões apresentadas pelas pacientes agrupando-as em um dos seguintes grupos: 16 - Físicas – foram consideradas qualquer tipo de violência contra o corpo físico, excetuando-se as agressões sexuais. - Sexuais – foram consideradas todas as formas de violência sexual - Moral – foram consideradas as ofensas, ameaças ou outras agressões, porém sem a configuração de violência física ou sexual. Esta variável foi categorizada de acordo com a forma encontrada no prontuário e descrita no protocolo de atendimento do serviço. Os tipos de agressões sofridas não são excludentes, podendo a mesma vítima sofrer uma ou mais formas de agressões. Localização das lesões – foram anotados as principais áreas do corpo atingidas pelas agressões e agrupadas da seguinte forma: - cabeça - pescoço - face - tórax - abdome - região genital - membros superiores - membros inferiores - outras A mesma paciente poderá apresentar uma ou mais áreas atingidas Tipos de lesões – foram anotados segundo o exame médico e agrupados em: - escoriações 17 - hematomas/equimoses - ferimentos de pele e tecido celular sub-cutâneo - fraturas - queimaduras - outros Pode-se encontrar mais de um tipo de lesão na mesma paciente Existência de gravidez no momento da agressão – presença de gestação confirmada por exame laboratorial ou clínico no momento da agressão sofrida. Formas de intimidações sofridas – foram anotadas os instrumentos utilizados pelos agressores para intimidar a paciente: Arma branca – qualquer objeto utilizado para agredir fisicamente a paciente Arma de fogo Força física Ameaças Outros Grau de conhecimento do agressor: Estranho Parceiro íntimo – cônjuge legal, companheiro, noivo, namorado ou amante Ex-parceiro íntimo Parente ou agregado – pais, irmãos, primos, filhos, tios, sogros, cunhados, etc. Rival – amante ou cônjuge do parceiro íntimo 18 Outros – qualquer agressor que não se enquadre em um dos descritos acima 3.7. PROCEDIMENTOS PARA COLETA DOS DADOS 3.7.1. Instrumento de coleta Os dados foram coletados através da utilização de um formulário padronizado, précodificado para entrada dos dados no computador (ANEXO I). 3.7.2. Coleta dos dados A coleta dos dados e o preenchimento adequado do formulário padrão foram realizados pela autora do estudo. 3.8. PROCESSAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS 3.8.1 Processamento dos dados Os dados foram coletados no próprio Serviço de Apoio à Mulher com preenchimento dos formulários e revisão dos mesmos realizados pela pesquisadora. A digitação no banco de dados específico criado no programa Epi-Info 2002 foi realizada duas vezes, em épocas distintas, obtendo-se ao final uma listagem para correção de eventuais erros de digitação, com revisão da própria pesquisadora, formulário a formulário. Constatando-se ausência ou inconsistência de dados por ocasião da revisão das listagens, foram consultados os formulários correspondentes, de acordo com o número do 19 registro das pacientes. Nos casos em que os formulários não foram elucidativos, recorreu-se aos prontuários para retificação ou obtenção dos dados. Ao término da entrada de todos os formulários nos dois bancos de dados, foi realizada a revisão final, comparando-se as duas listagens e completando-se os dados ou corrigindo-se as incongruências acaso existentes, pelos processos acima descritos. O banco de dados definitivo foi então transferido para os pacotes de análises estatísticas. 3.8.2.Análise dos dados A análise dos dados foi realizada pela própria pesquisadora (supervisionada pelos orientadores e pelo professor de estatística), utilizando-se o software de domínio público Epi-Info 2002. 3.9. REVISÃO DA LITERATURA Foi realizada através da busca em bancos de dados disponíveis na Internet. Foram consultados os seguintes bancos de dados: MEDLINE, LILACS, Biblioteca Cochrane e MD Consult, selecionando-se os trabalhos referidos no estudo. 3.10. ASPECTOS ÉTICOS Os dados foram obtidos a partir do prontuário de atendimento das pacientes do Serviço de Apoio à Mulher respeitando-se as orientações da resolução 196/96 do Conselho 20 Nacional de Saúde.Em nenhum momento foram descritas informações relativas aos nomes ou quaisquer formas de se identificarem as participantes do estudo. O projeto deste trabalho foi submetido ao Conselho de Ética em Pesquisa do Hospital Agamenon Magalhães e o estudo somente teve início após aprovação pelo mesmo. Como o estudo foi realizado através da busca em prontuário não houve a necessidade de Termo de Livre Consentimento assinado pelas pacientes. Este fato foi de conhecimento do Conselho de Ética do HAM e aprovado pelo mesmo. 21 IV. RESULTADOS 4.1. AVALIAÇÃO DO PERFIL CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICO DAS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLENCIA ATENDIDAS NO SAM DE ACORDO COM AS CARACTERÍSTICAS BIOLÓGICAS 4.1.1 AVALIAÇÃO DA FAIXA ETÁRIA DAS PACIENTES A mediana de idade das mulheres atendidas no SAM foi de 30,0 anos com um mínimo de 20 e um máximo de 88 anos. A distribuição das mulheres atendidas no SAM encontra-se descrita no gráfico 1. Gráfico 1. Distribuição das mulheres atendidas no SAM segundo a faixa etária 22 4.1.2. AVALIAÇÃO DAS USUÁRIAS DO SAM SEGUNDO A COR DA PELE Das 477 pacientes avaliadas 279 (58,5%) foram descritas como de cor parda e 147 (30,8%) de cor branca (Gráfico 2). Gráfico 2. Distribuição das usuárias do SAM segundo a cor da pele 23 4.2. AVALIAÇÃO DO PERFIL CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICO DAS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA ATENDIDAS NO SAM DE ACORDO COM AS CARACTERÍSTICAS SÓCIO DEMOGRÁFICAS 4.2.1. ESTADO CIVIL DAS MULHERES ATENDIDAS NO SAM A maioria das pacientes (57,4%) declararam-se solteiras no momento do atendimento (Tabela 1) Tabela 1. Distribuição das mulheres atendidas no SAM segundo o estado civil ESTADO CIVIL n % 274 57,4 UNIÃO 164 34,4 DESQUITADA/DIVORCIADA 20 4,2 VIÚVA 13 2,7 SEM INFORMAÇÃO 06 1,3 TOTAL 477 100 SOLTEIRA CASADA OU CONSENSUAL 24 4.2.2. AVALIAÇÃO DO GRAU DE ESCOLARIDADE DAS USUÁRIAS DO SAM A escolaridade das mulheres atendidas no SAM foi em 202 (42,4%) casos o fundamental incompleto que corresponde a menos de oito anos completos de estudo (Tabela 2). Tabela 2. Grau de escolaridade das usuárias do SAM ESCOLARIDADE n % ANALFABETA 29 6,1 INCOMP FUNDAMENTAL COMP 202 42,3 61 12,8 INCOMP 53 11,1 82 17,2 INCOMP 11 2,3 COMP 15 3,2 SEM INFORMAÇÃO 24 5,0 TOTAL 477 100 MÉDIO COMP SUPERIOR 25 4.2.3. RENDA FAMILIAR DAS MULHERES ATENDIDAS NO SAM A renda familiar foi de até um salário mínimo em 148 (31%) das pacientes e de um a dois salários mínimos em 129 (27%) das mulheres. Somando-se estas duas categorias verificamos que 277 (58%) das usuárias tinham renda familiar de no máximo dois salários mínimos (Tabela 3). Tabela 3. Renda familiar das mulheres atendidas no SAM RENDA (Salários mínimos) n % ATÉ 1 sm 148 31,0 1 a 2 sm 129 27,0 2 a 5 sm 100 21,0 > 5 sm 41 8,6 SEM INFORMAÇÃO 59 12,4 TOTAL 477 100 26 4.3 AVALIAÇÃO DO PERFIL CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICO DAS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA ATENDIDAS NO SAM DE ACORDO COM OS TIPOS DE VIOLÊNCIA E LESÕES SOFRIDAS 4.3.1. TIPOS DE AGRESSÕES SOFRIDAS A agressão física foi a principal queixa das usuárias do SAM, estando presente em 374 (78,4%) dos casos. 117 (24,5%) pacientes referiram agressão sexual e apenas 44 (9,2%) mulheres queixaram-se de agressão moral (Tabela 4). Tabela 4. Principais tipos de agressões sofridas pelas usuárias do SAM TIPO DE AGRESSÃO n % FÍSICA 374 78,4 SEXUAL 117 24,5 MORAL 44 9,2 OBS: As variáveis não são mutuamente excludentes, podendo a mesma paciente ter sofrido mais de um tipo de agressão. 27 4.3.2. PRINCIPAIS LOCALIZAÇÕES DAS LESÕES Das 477 pacientes registradas, 169 (35,4%) apresentavam lesões na face e 45 (9,4%) na cabeça. Tomando-se a cabeça como um todo (face e calota craniana) verifica-se que 214 (45,1%) sofreram lesões nesta parte do corpo. Outra localização de lesões muito importante foram os membros superiores com 107 (22,4%) dos registros (Tabela 5). Tabela 5. Localização das lesões LOCALIZAÇÃO n % FACE 169 35,4 CABEÇA 45 9,4 PESCOÇO 19 4,0 TÓRAX 26 5,4 ABDOME 16 3,4 REGIÃO GENITAL 87 18,2 MEMBROS SUPERIORES 107 22,4 MEMBROS INFERIORES 48 10,0 OUTROS 87 18,2 SEM INFORMAÇÃO 52 10,9 OBS: As variáveis não são mutuamente excludentes, podendo a mesma paciente ter apresentado mais de um local lesionado. 28 4.3.3. PRINCIPAIS TIPOS DE LESÕES APRESENTADAS PELAS PACIENTES ATENDIDAS NO SAM Os hematomas/equimoses corresponderam aos principais tipos de lesões apresentadas pelas pacientes, sendo registrados em 161(33,7%) dos casos. As escoriações e os ferimentos de pele e tecido celular subcutâneo apareceram respectivamente em 101 (21,2%) e 105 (22,0%) dos casos (Tabela 6). Tabela 6. Principais tipos de lesões apresentadas. TIPOS DE LESÕES n % EQUIMOSES/HEMATOMAS 161 33,7 FERIMENTOS DA PELE E TECIDO CELULAR SUBCUTÂNEO 105 22,0 ESCORIAÇÕES 101 21,2 FRATURAS 07 1,4 QUEIMADURAS 02 0,4 OUTROS 151 31,6 SEM INFORMAÇÃO 55 11,5 OBS: As variáveis não são mutuamente excludentes, podendo a mesma paciente ter apresentado mais de um tipo de lesão. 29 4.4. AVALIAÇÃO DO PERFIL CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICO DAS PACIENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA ATENDIDAS NO SAM DE ACORDO COM A EXISTÊNCIA DE GRAVIDEZ NO MOMENTO DA AGRESSÃO Quarenta e quatro (9,2%) tiveram gravidez confirmada durante o atendimento (Tabela 7). Tabela 7. Existência de gravidez no momento da agressão. GRAVIDEZ n % SIM 44 9,2 NÃO 353 74,1 DESCONHECIDO 5 1,0 SEM INFORMAÇÃO 75 15,7 TOTAL 477 100 30 4.5. AVALIAÇÃO DAS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA ATENDIDAS NO SAM DE ACORDO COM AS FORMAS DE INTIMIDAÇÃO SOFRIDAS Na maioria absoluta dos casos, 475 (83,5%) os agressores utilizaram a força física como forma de intimidar a paciente (Tabela 8). Tabela 8. Formas de intimidação INTIMIDAÇÃO n % FORÇA FÍSICA 475 83,5 AMEAÇAS 213 37,4 BRANCA 81 14,2 DE FOGO 74 13,0 OUTROS 11 1,9 SEM INFORMAÇÃO 21 3,7 ARMA OBS: As variáveis não são mutuamente excludentes, podendo a mesma paciente ter sofrido mais de um tipo de intimidação. 31 4.6. AVALIAÇÃO DO PERFIL DOS AGRESSORES 4.6.1. AVALIAÇÃO DO NÚMERO DE AGRESSORES POR PACIENTE Um único agressor foi relatado em 410 (86%) das agressões. Dois agressores em 34 casos (7,1%). Em 6,9% a agressão foi perpetrada por 3 ou mais agressores. 4.6.2. GRAU DO CONHECIMENTO DO AGRESSOR PELA USUÁRIA O agressor era desconhecido da paciente em apenas 26,2% dos casos. Dentre os conhecidos destacam-se os parceiros íntimos, que foram apontados em 191 (33,6%) dos casos (Tabela 9). Tabela 9. Distribuição do agressor por grau de conhecimento AGRESSOR n % ESTRANHO 149 26,2 PARCEIRO ÍNTIMO 191 33,6 EX-PARCEIRO ÍNTIMO 40 7,0 PARENTE 40 7,0 RIVAL 07 1,2 VIZINHO 69 12,1 OUTROS 56 9,9 SEM INFORMAÇÃO 17 3,0 TOTAL 569 100 32 4.6.3. AVALIAÇÃO DA IDADE DOS AGRESSORES A maior parte dos agressores cuja idade era conhecida encontravam-se na faixa etária de adulto jovem ( 20 – 35 anos). Muitos agressores embora fossem conhecidos das pacientes tinham suas idades desconhecidas pelas mesmas (43,9%) (Tabela 10). Tabela 10. Distribuição dos agressores por idade IDADE n % 10 ----- 19 14 2,5 20 ----- 35 156 27,4 26 ----- 49 85 14,9 50 -----65 21 3,7 > 65 02 0,4 IDADE DESCONHECIDA 250 43,9 SEM INFORMAÇÃO 41 7,2 TOTAL 569 100 33 4.6.4. ESCOLARIDADE DOS AGRESSORES Assim como as pacientes a escolaridade dos agressores foi na maioria dos casos menor que oito anos de estudo, correspondendo ao ensino fundamental incompleto. Como aconteceu com a idade, também a escolaridade dos agressores conhecidos era ignorada pelas usuárias (Tabela 11). Tabela 11. Distribuição dos agressores segundo a escolaridade ESCOLARIDADE n % ANALFABETO 25 4,4 COMP FUNDAMENTAL INCOMP 18 3,2 103 18,1 COMP 26 4,6 INCOMP 17 3,0 COMP 08 1,4 INCOMP 04 0,7 ESCOLARIDADE DESCONHECIDA 297 52,2 SEM INFORMAÇÃO 71 12,5 TOTAL 569 100 MÉDIO SUPERIOR 34 4.6.5. AVALIAÇÃO DA RENDA DOS AGRESSORES Na maioria dos casos (53,6%) a renda do agressor era desconhecia, embora muitos deles fossem conhecidos pelas pacientes. Dentre os que tinham renda conhecida, 104 (18,3%) tinham renda de até dois salários mínimos (Tabela 12). Tabela 12. Distribuição dos agressores por renda RENDA (Salários mínimos) n % ATÉ 1 sm 40 7,3 1 a 2 sm 64 11,0 2 a 5 sm 33 5,8 > 5 sm 11 1,9 RENDA DESCONHECIDA 305 53,6 SEM INFORMAÇÃO 116 20,4 TOTAL 569 100 35 4.6.6. AVALIAÇÃO DO USO DE ÁLCOOL PELO AGRESSOR NO MOMENTO DA AGRESSÃO As pacientes referiram uso de álcool pelos agressores em 264 (46,4%) dos casos (Tabela 13). Tabela 13. Uso de álcool pelo agressor. USO DE ÁLCOOL n % SIM 264 46,4 NÃO 158 27,8 DESCONHECIDO 52 9,1 SEM INFORMAÇÃO 95 16,7 TOTAL 569 100 36 V. DISCUSSÃO Foram avaliadas no nosso estudo 477 pacientes. A mediana de idade encontrada foi de 30,0 anos, com um mínimo de 20 e um máximo de 88 anos. A cor da pele predominantemente encontrada foi a parda, presente em 58,5% dos casos. Em 274 das 477 pacientes avaliadas o estado civil foi solteira. O grau de escolaridade foi na maioria dos casos menor que oito anos de estudo. A renda familiar foi de até um salário mínimo em 31% das pacientes e de um a dois salários mínimos em 27% das usuárias. As principais áreas lesadas foram cabeça, face, membros superiores e região genital, enquanto que os principais tipos de lesões foram as escoriações, equimoses/hematomas e as lesões de pele e tecido celular sub-cutâneo. Quarenta e quatro (9,2%) das pacientes encontravam-se grávidas no momento da agressão. A principal forma de intimidação utilizada pelos agressores foi a força física, presente em 83,5% dos casos. Parceiros e ex-parceiros íntimos somados constituíram-se nos principais agressores descritos. A idade da maioria dos agressores não era conhecida, assim como a renda e o seu grau de escolaridade. Cerca de 45% das vítimas informaram que seus agressores demonstravam sinais de consumo de álcool no momento da violência. Em relação à idade das pacientes encontramos uma mediana de 30,0 anos, com um mínimo de 20 e um máximo de 88 anos. É importante ressaltar que as pacientes menores de 20 anos foram excluídas deste estudo, pois apresentam características biológicas e sóciodemográficas específicas e farão parte de um outro trabalho já em andamento. Analisandose a distribuição das idades das usuárias atendidas verifica-se que 354 (74,2%) tinham 37 idade entre 20 e 35 anos, refletindo que a violência contra a mulher atinge principalmente a faixa etária de adulto jovem. Os resultados encontrados por alguns autores vêm corroborar nossos achados, como foi demonstrado por RIGGS et al. em 2000, quando elaboraram um estudo em Denver – EUA, envolvendo 112 pacientes vítimas de agressão sexual e obtiveram uma mediana de idade de 25 anos. Em um outro estudo, realizado em Washington – EUA, ECKERT et al. (2002), avaliando 819 mulheres vítimas de violência sexual foi encontrada uma mediana de idade de 32,76 anos. BROKAW et al. (2002), avaliando 56 pacientes vítimas de violência conjugal na Cidade do Novo México – México, obtiveram uma mediana de idade de 22 anos para pacientes com história de violência aguda e de 34 anos para mulheres com história de agressão física conjugal pregressa. VIZCARRA et al. (2001), em um estudo realizado na Cidade de Temuco – Chile, que envolveu 422 mulheres vítimas de violência doméstica, encontraram uma mediana de idade de 34 anos. Ainda estudando violência doméstica, KRASNOFF & MOSCATI em Nova York, no ano de 2002, obtiveram uma mediana de idade de cerca de 32 anos entre 528 mulheres avaliadas. Apesar das visíveis variações das medianas de idade encontradas nestes estudos, percebemos que em todos eles, assim como no nosso, a violência atingiu principalmente mulheres adultas jovens. Os nossos resultados pertinentes à idade das mulheres vítimas de violência são concordantes com a literatura supra-citada. Em todos estes estudos assim como no nosso optou-se por utilizar a mediana na avaliação desta variável, pois a mesma não apresenta uma distribuição normal, havendo uma maior concentração de pacientes adultas jovens. Em se tratando de cor da pele, mais da metade (58,5%) das pacientes avaliadas no nosso estudo eram de cor parda. Este fato é facilmente justificado pela grande miscigenação racial presente no nosso país e, principalmente de nossa região, fazendo com que a maioria 38 da nossa população se enquadre neta característica de cor de pele. Estudos americanos que avaliam as características biológicas das pacientes vítimas de violência mostram uma predominância da cor branca entre as mulheres violentadas (ECKERT, 2002; BROKAW, 2002). Tal fato deve-se às características étnicas da referida população. Encontramos em nossa pesquisa uma freqüência de pacientes solteiras (57,4%) bem maior do que a relatada nos estudos pesquisados, nos quais as principais vítimas de violência são as mulheres casadas. ZALDÍVAR et al. (1998), avaliando mulheres vítimas de violência na cidade de Durango - México, encontrou que 83% das vítimas eram casadas. ARCOS et al. (1999), em um estudo que envolveu 63 mulheres vítimas de violência doméstica em Santiago do Chile, encontrou que 74,6% das mesmas eram casadas. RICKERT et al. (2002), na Universidade do Texas – EUA, também avaliando mulheres vítimas de violência doméstica, encontraram uma predominância de pacientes casadas. BROKAW et al. (2002), ainda estudando vítimas de violência doméstica, Também em Santiago do Chile, encontraram que 76,4% das pacientes informavam ser casadas. Em contrapartida, um estudo brasileiro, realizado em Curitiba (ANDRADE et al., 2001), que envolveu 117 pacientes vítimas de violência sexual, obtiveram que 82 (82%) das mulheres eram solteiras, dado semelhante ao encontrado em nosso estudo. Ainda no Brasil, outro estudo, realizado no Rio de Janeiro, mostrou que 45,7% das mulheres vítimas de violência, atendidas em dois hospitais públicos daquela cidade, eram solteiras (DESLANDES et al. , 2000). Este fato provavelmente deve ocorrer devido a uma característica nacional de muitos casais não oficializarem sua união. 39 Avaliando o grau de escolaridade das usuárias do SAM, encontramos que o mesmo foi menor que oito anos de estudo em 61,2% dos casos. Assim como o estado civil, este dado também difere dos estudos realizados em outros países, nos quais as mulheres vítimas de violência apresentavam escolaridade básica completa ou mais, o que corresponde a oito anos ou mais completos de estudo (ZALDÍVAR et al., 1998; RICKERT et al., 2002; BROKAW et al., 2002). Este fato pode ser entendido pelo altos índices de analfabetismo e abandono escolar existentes em nosso país. Assim como as pacientes avaliadas em nosso estudo, os agressores também pareciam ser, na sua maioria, de baixa escolaridade, segundo informações fornecidas pelas vítimas de agressão. Entretanto a avaliação desta variável ficou comprometida devido ao fato de muitas pacientes desconhecerem o grau de escolaridade dos agressores, mesmo que estes fossem seus conhecidos. Ainda em relação às características sócio-demográficas, a renda familiar foi de até dois salários mínimos em 58% das pacientes avaliadas, sendo que 31% das mesmas tinham renda de até um salário mínimo. Vários estudos (BROKAW et al., 2002; ARCOS et al., 1999; KRASNOFF & MOSCATI, 2002) apresentam dados semelhantes, apesar das relevantes diferenças econômicas entre o Brasil e os países desenvolvidos e da superioridade da moeda americana, comumente utilizada para avaliar renda nestes trabalhos. DESLANDES et al. (2000), em estudo na cidade do Rio de Janeiro mostraram que as mulheres vítimas de violência tinham renda familiar media de três salários mínimos. O importante é observar-se que a violência doméstica é identificada principalmente nas classes sociais menos favorecidas. 40 Observamos em nosso estudo que a renda dos agressores também foi na sua maioria de até dois salários mínimos. Vale aqui salientar que tanto algumas pacientes quanto alguns agressores aparecem como tendo renda de até um salário mínimo quando na verdade não possuem renda alguma. Tal fato deve-se ao motivo de no prontuário do SAM não existir a opção “sem renda”. Esta falha foi detectada durante a coleta de dados deste estudo sugerindo-se, portanto, a devida modificação no prontuário de atendimento daquela instituição. Ainda com relação à renda das pacientes e agressores podemos discutir que apesar de muitos estudos, assim como o nosso, apontarem uma forte ligação entre pobreza e violência, devemos levar em consideração que a baixa renda encontrada no nosso trabalho também pode ser explicada pela característica da população que procura o SAM, visto que este estabelecimento trata-se de um serviço público onde talvez não seja tão freqüentado por pacientes de classes sociais mais abastardas. Somando-se a isso, o próprio local onde o SAM foi alocado representa uma das localidades mais populosas do Recife e onde se encontram situações de maior diferença social. No que concerne os tipos de lesões sofridas, as agressões físicas constituirão-se na principal queixa das usuárias do SAM, estando presente em 78,4% dos casos. Agressão sexual foi referida em 24,5% das pacientes e agressão moral esteve presente em apenas 9,2% dos casos. É importante salientar que uma mesma paciente pode ter sofrido mais de um tipo de agressão. Estes dados são compatíveis com aqueles encontrados na literatura pesquisada. ZALDÍVAR et al. (1998), encontraram, entre mulheres vítimas de violência doméstica uma prevalência de agressão física em 40% dos casos e de 39% de agressão moral. ARCOS et al. (1999), avaliando pacientes vítimas de violência, encontraram que 41 63,5% das mesmas referiam agressão física. ORTEGA et al. (2001), em estudo envolvendo mulheres vítimas de violência atendidas em um serviço de atenção primária à saúde, encontraram que 58,6% das pacientes eram vítimas de agressão física e que o abuso sexual representou 15,3% dos casos. Com fins meramente metodológicos, foi segregada a violência sexual da física e moral, entretanto, em momento algum, a sensibilidade em reconhecer que toda violência sexual é antes de tudo uma grande agressão moral além de física, foi esquecida. Quanto às lesões físicas apresentadas, estas se localizaram principalmente na cabeça, face e membros superiores. WADMAN & MUELLEMAN (1999), avaliando 34 mulheres vítimas de homicídio relacionado à violência doméstica, encontraram que 53,3% apresentavam danos na cabeça. DESLANDES et al. (2000), em estudo realizado no Rio de Janeiro encontraram que, das 72 pacientes vítimas de violência, 22 apresentavam lesões na face, cinco tiveram a cabeça lesionada e 21 delas apresentavam lesões de membros superiores. YEAGER & SEID (2002), encontraram que 25% das mulheres vítimas de violência doméstica tinham hematomas peri-orbitários, 8% tinham dentes quebrados e 4% tinham lesão de tímpano. As agressões na cabeça e face decorrem principalmente de socos e ferimentos provocados por objetos, armas brancas e projeteis de arma de fogo (WADMAN & MUELLEMAN, 1999). Os membros superiores são atingidos principalmente durante as tentativas das pacientes em defenderem-se dos golpes proferidos contra a face, cabeça, tórax e abdome (DESLANDES et al., 2000). Devemos aqui ressaltar que muitas pacientes tiveram múltiplos locais lesionados. Ainda com relação às lesões, estas se apresentaram principalmente como equimoses/hematomas (33,7%), ferimentos de pele e tecido celular subcutâneo (22%) e 42 escoriações (21,2%). Porém, as fraturas e queimaduras embora em número menor também estiveram presentes nas lesões apresentadas (sete e dois casos respectivamente) e como tratam-se de lesões graves valem ser ressaltadas. Na literatura pesquisada não encontramos estudos que abordassem os tipos de lesões apresentadas por pacientes em situação de violência, demonstrando a necessidade de se fomentar pesquisas neste sentido. Muitos estudos estimam que entre 4% e 17% das mulheres grávidas sejam vítimas de violência doméstica (DATNER & FERROGGIARO, 1999). No nosso estudo encontramos que quarenta e quatro das 477 pacientes avaliadas encontravam-se gestantes no momento da agressão. CANTERINO et al. (1999), em estudo realizado em New Jersey (EUA), verificaram que 36% de mulheres gestantes que procuravam o pré-natal eram vítimas de abuso doméstico. A gravidez vem sendo descrita como um fator de risco para violência e, por sua vez, a violência neste período da vida da mulher define um contexto multifatorial de situações adversas como gestação não desejada, inadequado acesso ao pré-natal, maior consumo de cigarros, álcool e drogas, uma má história obstétrica, abortos espontâneos, nutrição materna deficiente, infecções, anemia, parto prematuro e crescimento intra-uterino retardado, entre outras (ARCOS et al., 1999). Violência durante a gravidez atinge duas gerações, causando danos à mulher grávida e ao concepto e nos piores casos mãe ou criança é morta (HAMBERGER & AMBUEL, 2001). No que se refere às formas de intimidação, a força física foi utilizada pelos agressores como forma de intimidar as pacientes em 83,5% dos casos. Dados semelhantes 43 foram descritos por DESLANDES et al. (2000), em estudo realizado no Rio de janeiro, no qual o espancamento foi a forma utilizada pelos agressores em 70,4% dos casos. A maioria dos estudos que abordam o número de agressores encontrou dados semelhantes ao presente estudo, demonstrando que cerca de 85% das pacientes sofreram agressão mediadas por um único agressor. Assim como outros autores (DATNER & FERROGGIARO, 1999; ARCOS et al., 1999; DESLANDES et al., 2000 e KRASNOFF & MOSCATI, 2002) relataram, o nosso estudo mostrou uma grande freqüência de agressões cometidas por parceiros e ex-parceiros íntimos. Em apenas 26,2% dos casos o agressor era um estranho. Estes achados reforçam a violência doméstica como sendo uma das principais formas de violência contra a mulher, um verdadeiro problema de saúde pública. Outro ponto importante a ser discutido é o uso de álcool pelo agressor no momento da violência. No nosso estudo verificamos que 46,4% destes estavam sob o efeito do álcool no momento da agressão, somando-se a estes dados ocorreram casos em que a paciente tinha dúvidas e foi catalogado como desconhecido, podendo esta estatística ser ainda maior. Vários estudos encontraram uma forte associação entre consumo de álcool e violência, principalmente violência doméstica. ZALDÍVAR et al. (1998), em estudo avaliando pacientes vítimas de violência doméstica na Cidade de Durango - México, encontraram que 57,1% dos agressores tinham problemas com álcool. ARCOS et al. (1999), em Santiago do Chile, também avaliando vítimas de violência doméstica, obtiveram que 76,2% dos agressores faziam uso de álcool. VIZCARRA et al. (2001), também no chile, ainda avaliando vítimas de violência doméstica, encontraram que 38,1% dos agressores estavam sob efeito do álcool no momento da agressão. ORTEGA et al. (2001), no México, em 44 estudo que avaliou pacientes vítimas de violência de uma maneira geral, obtiveram um uso de álcool durante a violência em 15,4% dos casos. Devemos ainda discutir algumas limitações metodológicas do nosso trabalho. Como se trata de um estudo descritivo com busca em prontuário, algumas variáveis apresentaram dados sem informação, que não puderam ser resgatados, pois não houve contato com as participantes. Principalmente na avaliação do perfil do agressor, muitos dados eram desconhecidos pelas pacientes dificultando a análise das referidas variáveis. Embora algumas limitações sejam evidentes, estudos como o nosso são extremamente válidos para que seja possível o reconhecimento das características das mulheres vítimas de violência. Este fato é importante para que se possam adequar os serviços de saúde ao atendimento destas vítimas, bem como possam ser propostas e tomadas medidas preventivas para redução da violência contra a mulher. Baseados em nossas observações e nos dados encontrados na literatura pesquisada, podemos sugerir que protocolos de atendimento a mulheres vítimas de violência, declarada ou suspeita, sejam implantados nas emergências médicas, com o intuito de reconhecer as vítimas, tratá-las adequadamente e protegê-las das possíveis recorrências. Para que isto ocorra, faz-se necessário o adequado treinamento dos profissionais de saúde. Assim como nas emergências gerais, os profissionais que prestam atendimento a mulheres ambulatorialmente devem ser treinados para o reconhecimento de pacientes em situação de violência. Faz-se também necessária a criação de novos serviços especializados no atendimento à mulher vítima de violência, nos quais, as equipes, treinadas especialmente para lidar com estas pacientes, estão mais aptos no manejo da usuária agredida. 45 Portanto, novos estudos devem ser realizados para que se mantenham sempre atualizados dados sobre a violência contra a mulher, com o intuito maior de acolhê-la, tratála e protegê-la. 46 VI. CONCLUSÃO Baseados nos dados obtidos verificamos que a maioria das mulheres atendidas no Serviço de Apoio à Mulher durante o estudo tinham as seguintes características principais: • Mediana de idade de 30,0 anos • Cor parda • Solteiras • Grau de escolaridade menor que 8 anos • Renda familiar de até 2 salários mínimos Os principais locais atingidos pelas lesões foram: • Cabeça • Face • Membros superiores • Região genital As principais lesões apresentadas foram: • Escoriações • Equimoses/Hematomas • Ferimentos de pele e tecido celular subcutâneo Em 9,2% dos casos as pacientes encontravam-se gestantes no momento da agressão 47 As formas de intimidação mais usadas foram • Força física • Ameaças verbais A maioria dos agressores tinham as seguintes características: • Eram parceiros íntimos ou conhecidos das pacientes • Idade variando entre 20 e 35 anos ou tinham idade desconhecida • Renda de até 2 salários mínimos • Escolaridade de menos de 8 anos completos de estudo • Uso de álcool no momento da agressão 48 VII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, R. M.; CECATTI, J. G.; HARDY, E. E.; FAÚNDES, A. – Causas e fatores associados à mortalidade de mulheres em idade reprodutiva em Recife, Brasil. Caderno de Saúde Pública, 14 (suplemento 1): 41-8, 1998. ALMEIDA, J. R. – Mini Dicionário do Estudante Língua Portuguesa, Ed Tomini, São Paulo, p.380, 2001. ANDRADE, R. P.; GUIMARÃES, A. C. P.; FAGOTTI FILLHO, A.; ARRABAL, N. C. S. J. S.; ROCHA, D. M.; MEDEIROS, J. M. – Características demográficas e intervalo para atendimento em mulheres vítimas de violência sexual. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, 23(9): 583-7, 2001. ARCOS, E.; MOLINA, I.; REPOSSI, A.; URAC, M.; RITTER, P.; ARIAS, L. – Violencia domestica y sexualidad. Revista Médica de Chile, 127(11): 1329-38, 1999. BARROS, M. D. A. – A mortalidade por causas externas em crianças e adolescentes residentes no Recife: Análise de tendência na série temporal de 1979 a 1995 e uma avaliação do Sistema de Informação de Mortalidade. 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ANEXO I PESQUISA PERFIL CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICO DAS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA ATENDIDAS NO SERVIÇO DE APOIO À MULHER Formulário nº IDENTIFICAÇÃO Iniciais: ________________________ Idade ______ Prontuário _____________________ Cor da pele: Branca Parda Amarela Preta Sem informação Estado civil: Solteira Casada Separada União consensual Sem informação Escolaridade: Analfabeta Fundamental - incompleto Médio - incompleto Superior - incompleto completo completo completo Sem informação Renda familiar: Até 1 salário mínimo 2 a 5 salários mínimos Sem informação 1 a 2 salários mínimos > 5 salários mínimos Viúva ASPECTOS CLÍNICOS Tipos de agressões sofridas: Física Sexual Localização da lesão: Cabeça Pescoço Região genital Outras Tipo da lesão: Escoriações Moral Face Membros superiores Hematomas/Equimoses Fraturas Queimaduras Sem informação Gravidez no momento da agressão: Sim Não Sem informação Abdome Membros inferiores Sem informação Lesão de pele e tecido celular subcutâneo Outras Tórax Desconhecido PERFIL DO AGRESSOR Intimidação: Arma branca Outras Arma de fogo 2 3 4 Conhecimento do agressor: Desconhecido >4 Parceiro íntimo Rival Parente Outros Sem informação Desconhecido Sem informação Escolaridade: Analfabeto completo Fundamental - incompleto Médio incompleto Superior incompleto Desconhecido completo completo Sem informação Renda: Até 1 salário mínimo 1 a 2 salários mínimos 2 a 5 salários mínimos Desconhecido Ameaças Sem informação Número de agressores: 1 Idade: ______________ Força física > 5 salários mínimos Sem informação Sem informação Ex-parceiro íntimo Vizinho