O Empoderamento como estratégia de inclusão das mulheres nas políticas sociais Teresa Kleba Lisboa Universidade Federal de Santa Catarina Empoderamento, inclusão social, políticas de gênero ST 11 – Exclusão Social, Poder e Violência Nas últimas décadas, constata-se que a exclusão social e a pobreza absoluta tem aumentado no Brasil e na América Latina e o predomínio de mulheres entre os pobres é conseqüência do desigual acesso feminino às oportunidades econômicas e sociais O ano de 2005 marca o décimo aniversário da Conferência Mundial de Pequim sobre as mulheres e traz foco e energia renovados aos esforços para o empoderamento das mulheres. Entre os “Objetivos do Milênio da ONU” (UNESCO – Brasil, 2005), consta o objetivo de número 3 (três) que é: “promover a igualdade entre os gêneros e dar mais poder às mulheres”. Da mesma forma, o Fórum Econômico Mundial, comprometido com a melhoria das condições do mundo, elaborou o documento “Empoderamento das Mulheres - Avaliação das Disparidades Globais de Gênero” (FEM, 2005), definindo cinco dimensões importantes para o empoderamento e oportunidade das mulheres: participação econômica; oportunidade econômica; empoderamento político; conquistas educacionais; saúde e bem-estar. 1. A participação econômica de mulheres – diz respeito à presença das mulheres no mercado de trabalho em termos quantitativos; é importante aumentar a renda familiar e estimular o desenvolvimento econômico nos países como um todo. As sociedades precisam ver as mulheres menos como receptoras passivas de ajuda e mais como promotoras de dinâmicas de transformação. 2. Oportunidade Econômica - diz respeito à qualidade do envolvimento econômico das mulheres; internacionalmente, as mulheres estão concentradas, na maioria dos casos em profissões consideradas “femininas” como enfermagem, serviço social, magistério, cuidado de idosos e enfermos - e tendem a permanecer nas categorias trabalhistas inferiores às dos homens: faxineiras, domésticas, serviços de limpeza e outros. coberto); trabalhadoras profissionais e técnicas (em relação ao percentual total 3. Empoderamento Político - diz respeito à representação eqüitativa de mulheres em estruturas de tomada de decisão, tanto formais quanto informais, e também ao seu direito à voz na formulação de políticas que afetam a sociedade na qual estão inseridas. A ausência de mulheres nas estruturas de governo significa inevitavelmente que prioridades nacionais, regionais e locais – isto é, como os recursos são alocados – são definidas sem participação 2 significativa de mulheres, cuja experiência de vida em relação aos homens proporciona a elas uma compreensão diferenciada das necessidades, preocupações e interesses. 4. Conquistas Educacionais - é o requisito fundamental para o empoderamento das mulheres em todas as esferas da sociedade. Sem educação de qualidade as mulheres não conseguem acesso a empregos bem-pagos do setor formal, nem avanços na carreira, participação e representação no governo e influência política. Educação e alfabetização reduzem índices de mortalidade infantil e ajudam a diminuir as taxas de fertilidade. 5. Saúde e bem-estar - de acordo com a Organização Mundial da Saúde, 585 mil mulheres morrem a cada ano, mais de 1.600 por dia, de causas relacionadas à gravidez e ao parto; dos 46 milhões de abortos anuais em todo o mundo, cerca de 20 milhões são realizados de forma insegura e resultam na morte de 80 mil mulheres por complicações; As taxas de fertilidade de adolescentes e o elevado número de gravidez na adolescência também são incluídas como indicadores de riscos à saúde entre mulheres de 15 a 19 anos. Portanto, o empoderamento implica a alteração radical dos processos e das estruturas que reproduzem a posição da mulher como submissa. No campo das discussões sobre desenvolvimento, o empoderamento é visto por algumas ONGs como principal estratégia de combate à pobreza e de mudanças nas relações de poder. Dentre as condições prévias para o empoderamento da mulher, estão os espaços democráticos e participativos, assim como a organização das mulheres. O movimento de mulheres tem situado o empoderamento no campo das relações de gênero e na luta contra a posição socialmente subordinada das mulheres em contextos específicos. O termo empoderamento chama a atenção para a palavra “poder” e o conceito de poder enquanto relação social. O poder (na ciência política geralmente vinculado ao Estado) pode ser fonte de opressão, autoritarismo, abuso e dominação. Na proposta do feminismo, porém, pode ser uma fonte de emancipação, uma forma de resistência. Empoderamento na perspectiva feminista é um poder que afirma, reconhece e valoriza as mulheres; é precondição para obter a igualdade entre homens e mulheres; representa um desafio às relações patriarcais, em especial dentro da família, ao poder dominante do homem e a manutenção dos seus privilégios de gênero. Implica a alteração radical dos processos e das estruturas que reproduzem a posição subalterna da mulher como gênero; significa uma mudança na dominação tradicional dos homens sobre as mulheres, garantindo-lhes a autonomia no que se refere ao controle dos seus corpos, da sua sexualidade, do seu direito de ir e vir, bem como um rechaço ao abuso físico e as violações. Os estudos feministas partem do pressuposto que o empoderamento das mulheres é condição para a eqüidade de gênero. O primeiro passo para o empoderamento deve ser o despertar da consciência por parte das mulheres em relação à discriminação de gênero: reconhecer que existe 3 desigualdade entre homens e mulheres, indignar-se com esta situação e querer transformá-la. Para se empoderarem, as mulheres devem melhorar a auto-percepção que tem sobre si mesmas, acreditar que são capazes de mudar suas crenças em relação a submissão e despertar para os seus direitos Para Friedmann (1996, p.50), “não são os indivíduos, mas as unidades domésticas que são ‘pobres’, a própria pobreza deve ser redefinida como um estado de desempoderamento”. As mulheres pobres são excluídas dos direitos mínimos porque suas famílias não tiveram ou não têm acesso ao poder social para melhorar as condições de vida de seus membros; elas não têm acesso ao poder político porque não compartilham as tomadas de decisões; não possuem o poder da voz, nem o da ação coletiva. Da mesma forma, não têm acesso ao poder psicológico que decorre da consciência individual de força e manifesta-se na autoconfiança. Em suma, não são consideradas cidadãs. Tipos de empoderamento Friedmann (1996, p. viii) afirma que empoderamento “é todo acréscimo de poder que, induzido ou conquistado, permite aos indivíduos ou unidades familiares aumentarem a eficácia do seu exercício de cidadania”. Ele aponta três tipos de empoderamento, importantes para as unidades domésticas: o social, o político e o psicológico. O social refere-se ao acesso a certas “bases” de produção doméstica, tais como informação, conhecimento e técnicas, e recursos financeiros. Prevê o acesso à instituições e serviços e capacidade de influência à nível público. O político diz respeito ao processo pelo qual são tomadas as decisões; não é apenas o poder de votar, mas, principalmente, o poder da voz e da ação coletiva que importa; significa maior participação no âmbito político inclusive o acesso a ocupar cargos de representação e direção. O psicológico ou pessoal inicia com o despertar da consciência em relação à sua autonomia e desenvolvimento pessoal; envolve autoestima e auto-confiança; ter controle sobre a sua própria sexualidade, sobre a reprodução e sobre a sua segurança pessoal; decorre da consciência individual de força. Portanto, a motivação primária consiste na superação da pobreza, que por sua vez exige a tomada de consciência, principalmente por parte das mulheres pobres, de seu poder social, político e psicológico. No combate à pobreza, o empoderamento orienta-se para a conquista da cidadania, isto é, a conquista da plena capacidade de um ator individual ou coletivo de usar seus recursos econômicos, sociais, políticos e culturais para atuar com responsabilidade no espaço público na defesa de seus direitos, influenciando as ações dos governos na distribuição dos serviços e recursos. Para que haja empoderamento Sonia Montaño (2001) propõe as seguintes condições: 4 - A criação de espaços institucionais adequados para que os setores excluídos participem das decisões que fazem parte do seu cotidiano; que possam propor estratégias sobre o “que fazer” em relação às principais reivindicações no campo político público. - Formalização de direitos legais, divulgação sobre as leis e resguardo de seu conhecimento e respeito - Fomento de organizações em que as pessoas que integram o setor social excluído possam, efetivamente, participar e influenciar nas estratégias adotadas pela sociedade. Isso acontece quando as organizações tornam possível estender e ampliar a rede social que integram, publicizando-a e tornando-a acessível . - Capacitação para o exercício da cidadania e da produção, incluindo os saberes instrumentais essenciais, além do conhecimento sobre ferramentas para analisar dinâmicas econômicas e políticas relevantes. - Criação de acesso e controle sobre os recursos e ativos (materiais, financeiros e de informação) para possibilitar o efetivo aproveitamento de espaços, direitos, organização e capacidades. Uma vez construída esta base de condições facilitadoras do empoderamento é importante trabalhar na perspectiva da autonomia das mulheres pois o alcance desta, servirá de medida para avaliar o processo de empoderamento e superação da exclusão social. Deverão ser feitas as seguintes perguntas para avaliar a eqüidade de gênero: em que medida as mulheres são capazes de decidir, autonomamente, sua participação no mercado de trabalho, na política ou na vida cívica? O acesso à Políticas Públicas para superação da exclusão social Analisando a exclusão social das mulheres, e por tanto sua autonomia, deve-se vincular essa questão com a compreensão das relações de poder em todos os âmbitos, incluindo os direitos sexuais e reprodutivos. Há evidências sobre o fato que homens e mulheres com os mesmos níveis de escolaridade não acedam às mesmas oportunidades de trabalho, porque é no âmbito reprodutivo e das responsabilidades familiares que se encontram os obstáculos para o desempenho eqüitativo. (Presser, Sen 2000, apud Montaño, 2001). Um exemplo claro nesse sentido é a desistência escolar de meninas pobres que está diretamente relacionada aos seus direitos reprodutivos (gravidez na adolescência). Outro exemplo que nos mostra a importância de analisarmos a esfera reprodutiva se refere ao uso do tempo e o cumprimento do mandato cultural do cuidado que relaciona as mulheres com o 5 cuidado não remunerado da família. Esta verdadeira “atadura” às obrigações domésticas não remuneradas e não reconhecidas está na base dos obstáculos enfrentados pelas mulheres para sair para o mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens. Se assumimos que o conceito de exclusão social articulado com os de empoderamento e autonomía nos dão a pauta para entender a complexidade da pobreza, na perspectiva de gênero, devemos ter cuidado em manter uma distinção entre os aspectos constitutivos da pobreza e os aspectos instrumentais que apóiam o empoderamento das mulheres. Como formular políticas que permitam participar equitativamente nos mercados com o desafio que requer criatividade e pragmatismo no sentido de fazer uso dos recursos que dispõem os países para enfrentar o desenvolvimento? Um desses recursos são as mulheres, suas organizações e experiências e, que lamentavelmente tem sido mobilizadas como recursos sem valor econômico, nem reconhecimento político. Cabe ressaltar que o processo de empoderamento é visto como estreitamente relacionado ao de participação. Experiências em diversas partes do mundo têm mostrado que processos de participação possibilitam processos de empoderamento e que estas metodologias favorecem o estabelecimento de políticas e práticas de desenvolvimento que contemplam as necessidades das pessoas vivendo na pobreza. É importante a promoção e a implementação de processos participativos na gestão das políticas. Iorio (2002) propõe que os governos devem assegurar canais para que as pessoas e os grupos de pessoas vivendo na pobreza possam fazer parte de instâncias de definição, implantação e monitoramento de políticas mais gerais (como orçamento participativo, conselhos de políticas sociais, segurança alimentar, previdência, conselhos de saúde, educação) e de programas de combate à pobreza e à exclusão (mas não somente nestes espaços). A participação é um elemento constitutivo das estratégias de empoderamento. O Banco Mundial, por exemplo, vê o empoderamento como a última etapa nos processos de participação local nos projetos de desenvolvimento. Por isso, o “empoderamento” é indicado como passo inicial de um processo mais amplo de conquista da cidadania, que deve ser facilitado através da participação em projetos com vistas a propor demandas de políticas públicas. Nos propusemos, através desse trabalho, mostrar que os profissionais de Serviço Social devem atuar como facilitadores do processo de empoderamento, na medida em que despertam nas mulheres condições de mudança em relação a sua consciência, aos seus direitos e capacidades, possibilitando dessa forma, sua autonomia e inclusão nas políticas sociais. Bibliografia 6 FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL, Empoderamento de mulheres. Avaliação das disparidades globais de gênero. Genebra, 2005 FRIEDMAN, John. Empowerment - uma política de desenvolvimento alternativo. Oeiras, Celta, 1996. IORIO, C. Algumas considerações sobre estratégias de empoderamento e de direitos. In: ROMANO, J. O.; ANTUNES, M. Empoderamento e direitos no combate à pobreza. Rio de Janeiro: ActionAid Brasil, 2002. P. 21-44 LISBOA, T. K. Gênero, Classe e Etnia – Trajetória de mulheres migrantes. Florianópolis & Chapecó, Editora da UFSC & ARGOS, 2003 MONTAÑO, Sonia. Políticas para el empoderamiento de las mujeres como estrategia de la lucha contra la pobreza. In: CEPAL - Comisión Económica para América Latina y el Caribe. Trigésima tercera reunión de la Mesa Directiva de la Conferencia Regional sobre la Mujer en América Latina y el Caribe. Puerto España, Trinidad y Tabago, 9 al 11 de octubre de 2001 RAPPAPORT, Julian. Ein plädoyer für die widersprüchlichkeit: ein sozialpolitisches Konzept des “empowerment” anstähle präventiver Anzätze. In: Verhaltenstherapie und Psychosoziale Praxis. n. 2, p. 257-278. 1985. STARK, Wolfgang. Empowerment: neue handlungskompetenzen in der psychosozialen praxis. Freiburg und Breisgau, Lambertus, 1996. VILLACORTA, A. E.; RODRÍGUEZ, M. Metodologias e ferramentas para implementar estratégias de empoderamento. In: ROMANO, J. O.; ANTUNES, M. Empoderamento e direitos no combate à pobreza. Rio de Janeiro: ActionAid Brasil, 2002.