HISTORIOGRAFIA DAS INSTITUIÇÕES ESCOLARES E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: REVISITANDO OS DEBATESi PEREIRA, Rosimeri da Silva Doutoranda em Educação Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP Campinas - São Paulo [email protected] INTRODUÇÃO No contexto de renovação da historiografia da educação no Brasil, tem sido crescente o número de estudos que buscam compreender a produção do conhecimento histórico no campo da Educação e tais pesquisas têm contribuído para um melhor entendimento do papel desempenhado pelo historiador na definição daquilo que, ao longo do tempo, tem sido considerado essencial na formação das novas gerações – a pesquisa no campo da História da Educação brasileira. O artigo se constitui num ensaio bibliográfico que visa identificar e problematizar tendências de pesquisa no campo da História da Educação bem como explicitar estudos realizados recentemente por pesquisadores brasileiros que se inserem na linha de investigação das instituições escolares no Brasil. Neste caso, vale destacar que partimos do pressuposto de que a Historiografia das instituições escolares não se constitui em uma nova área estudos em historia da educação, mas sim numa nova tendência que deve se propor em romper com a perspectiva descritiva, narrativa e fragmentada da historia da realidade. Observa-se também que somente com a realização periódica de balanços é possível tornar compreensível o processo de transformação e construção do conhecimento histórico tanto no que diz respeito a sua natureza bem como do referencial que corresponda a teoria da historiografia. Sem tais fundamentos a produção do conhecimento histórico ficará reduzida a rotinas de descrições narrativas, de uma história sem objeto, sem problema e sem indagações visto que sem a teoria o conhecimento em história da educação não avança. 1. A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO AO LONGO DOS ANOS: DEBATES E DILEMAS A ruptura com as formas de vida que prevalecem até a idade media dá origem a idade moderna. Nesta condição de produção a existência humana deixa de ser natural e passa a ser social, isto é, produzidas pelos próprios homens. Neste caso emerge aí a questão de se compreender a causa, o significado e a direção das transformações e a Historia se impõe como um problema não apenas prático, mas também teórico. O homem, além de um ser histórico e, portanto, objetivo, busca agora apropriar-se da sua historicidade e além de fazer história aspira se tornar consciente dessa sua identidade ii. No decorrer dos tempos um conjunto de reflexões sobre a História vai se desenvolver a partir do século XVII que atingirá a sua máxima expressão teórica no século XIX nas obras de Marx e Engels e numa outra vertente que desemboca no positivismo de origem comtiana e sob a base de tais reflexões foi possível imprimir um caráter cientifico aos estudos históricos considerando que por volta de ate 1850 a História não passava, tanto para os historiadores como para o publico, de gênero literário – portanto como narrativa – de certa forma em consonância com a visão positivista – centrada numa cientificidade de descrição fiel dos fatos – que dará continuidade a tradição que remonta à antiguidade (SAVIANI, 2006). É certo observar também que uma diversidade de pesquisas no campo da História da Educação ao longo do século XX se filiem ao Marxismo, ao Positivismo iii, ao Idealismo ao Culturalismo, e ate mesmo ao Estruturalismo distinguindo-se no método de exposição e de pesquisa como declara Buffa e Nosella (2006) como se pode verificar a seguir: Para os positivistas, o dado empírico é um absoluto, um fim em si mesmo. Não se propõem eles nem o conhecimento, nem a mudança da sociedade como um todo. Assim, no estudo de uma instituição escolar, o pesquisador positivista se encanta com as fontes e acredita que os dados falam por si. Sua postura fundamental é descrever fielmente a maior parte de dados da Escola. [...]O idealismo, por sua vez, supervaloriza a subjetividade e a intencionalidade humanas. Essa tendência teórica considera que a idéia é o demiurgo da história. Desse ponto de vista, o pesquisador, ao retratar a história de uma instituição escolar, atribui o mérito principal da sua criação e sucesso, aos fundadores, ao pensamento dos grandes pedagogos e às atividades formativas daquela específica escola. [...] Para o estruturalismo, a sociedade é o resultado de um mero jogo entre estrutura e superestrutura, sem direção histórica, sem contradições reais e sem riscos. Tanto na Grécia clássica, como na sociedade feudal ou na capitalista moderna, o jogo é o mesmo: uma dialética “domesticada”, cujo resultado já é conhecido a priori, pois tese e antítese respeitam necessariamente as regras e os limites de um jogo. Nesse sentido, todas as escolas desempenham as mesmas funções sociais, reprodutivistas ou salvadoras. [...] Os culturalistas, seduzidos e aprisionados pelas interessantes e variadas formas de viver dos homens, comprazem-se na descrição das mesmas. Para estes, todas as formas culturais são equivalentes, pois o que importa não é a luta pela hegemonia, mas unicamente o sentido de distinção social. Assim, por exemplo, tanto a fotografia de um aluno descalço de uma escola profissional como a de uma aluna de grupo escolar, vestida de azul e branco numa escrivaninha, tendo ao lado o globo terrestre, suscitam a mesma emoção, o mesmo encantamento. O pesquisador culturalista não atribui primazia aos valores de justiça e igualdade sociais, por isso não se indigna frente à desigualdade social e escolar expressas nessas imagens. (p.5079) Durante o século XX no Brasil um conjunto de pesquisas incorporou procedimentos formais derivados do método cientifico no processo de levantamento e organização das fontes e na sistematização e exposição de conhecimentos e informações só que a questão que se impõe neste caso é que a historiografia vai se fragmentar iv e hiperespecializar-se em diversas abordagens em busca do específico gerando os lotes da história ou a história em migalhas, na contramão de um conhecimento que vise compreender o real na sua totalidade e que, portanto, considera suas múltiplas determinações. Cardoso (1997)v sentencia que o embate teórico-metodológico atual trava-se entre dois paradigmas – o Iluminista e o pós-modernovi – visto que para este último as teorias disponíveis caducaram sobretudo porque o próprio objeto de análise (as sociedades humanas contemporâneas) se transformou intrinsecamente. O paradigma iluminista ou “moderno” apóia-se na construção de um conhecimento histórico científico e racional, buscando a explicação do real e das demandas da práxis social surgidas na relação do homem com o tempo. Já o anti-racionalismo acompanha-se, por vezes, de certo desleixo teórico e metodológico e, o que é especialmente grave no caso de historiadores, até mesmo no que diz respeito à crítica das fontes. Se considerarmos que o chamado paradigma Pós - Moderno vem carregado de um anti-racionalismo, acompanhado, em alguns momentos, de certos desleixos teóricometodológico, sobretudo no que diz respeito a critica das fontes – realizando afirmações do tipo “as fontes falam por si próprias”, ou seja, não cabe ao historiador emitir quaisquer que seja análises ou sínteses sobre o que observa – facilmente perceberemos que é a própria negação do sujeito agente (prático e social) – contrapondo-se ao que Marx nos lembra quando afirma a respeito da capacidade humana – “a razão humana é capaz de conhecer/compreender e realizar síntese sobre o real. O pós-modernismo no campo da História prevê o fim da História globalizante, cedendo lugar a história loteada fortalecendo o ideário de que as grandes utopias são impraticáveis. O debate instaurado gira em torno da desqualificação do passado prevalecendo a tendência de utilização da narrativa como forma de cooptar mais leitores ao conhecimento da História, sob a alegação de que as histórias romanceadas serão mais interessantes que uma obra historiográfica. Nesta visão fazer história passe ser concebida como contar histórias. Neste caso tal debate nos impõe a escolha de um caminho a trilhar – o da historiografia ou o da Narrativa romanceada. Ao verificar o influxo do debate teórico-metodológico do campo da história, o professor Jose Paulo Netto (2006) nos faz pensar que em Marx encontramos a reprodução ideal do movimento real da sociabilidade humana além de nos chamar atenção para as categorias - práxis (categoria central), totalidade, mediação e negatividade (categorias nucleares) que podem sustentar a produção do campo da História: Primeiro, a ciência da História como um processo objetivo, conforme propõe Schaff (1987), segundo medularmente contraditória, visto que é marcado pela tensão entre os sujeitos, terceiro no qual concorrem sujeitos coletivos; quarto que são determinados socialmente por sujeitos em espaços e tempos determinados, e que por tanto atuam com diferentes graus de análises; quinto por questão da constituição da consciência, ou seja, são sujeitos conscientes dotados de conhecimentos com limites e possibilidades de ação; sexto pela presença de teleologias diversas marcada pela ação de sujeitos com finalidades diversas. Parece-nos que o referencial teórico apresentado por Marx e Engels nos possibilita compreender a História das Instituições Escolares em seu movimento processual, ou melhor, na totalidade de um período histórico. Partindo da formação econômica e social brasileira articulada ao movimento capitalista, bem como as relações de dominação no Estado e suas determinações no interior da escola. Marx (1973; 236) deu a humanidade novas lentes a fim de que pudéssemos compreender tamanha influência do fator econômico sobre os fatos humanos e a história da humanidade, portanto inicialmente entendemos que a história moderna e contemporânea é subordinada ao domínio do capital, sendo assim torna-se difícil compreender a história da sociedade atual e conseqüentemente a história da educação regional desarticulada dos movimentos que configuram as diversas fases do capital. É a visão de mundo, marxista seja em seu nascedouro seja em seu processo de explicitação desde o final do século XIX, com suas especificidades, vertentes e tendências, que guarda estreita relações com a questão educativa, dada a sua preocupação com o ser do homem no interior da sociedade capitalista. Afinal, parafraseando Araújo (2005:41), a existência humana implica sua educação colocando-se esta como uma dimensão irredutível da mesma. “A força motora da História (...) não é a crítica, mas sim a revolução. Ela mostra que a história não termina resolvendo-se na “Consciência de Si” como “espírito do espírito”, mas que nela, em todos os estádios, se encontra um resultado material, uma soma de forças de produção, uma relação historicamente criada com a natureza e dos indivíduos uns com os outros que cada geração é transmitida pela sua predecessora, uma massa de forças produtivas capitais e circunstâncias que, por um lado, é de fato modificada pela nova geração, mas que por outro lado também lhe prescrevem as suas próprias condições de vida e lhe dá um determinado desenvolvimento, um caráter especial – mostra, portanto, que as circunstâncias fazem os homens tanto como os homens fazem as circunstâncias.” (Marx; 2002:48) Esta concepção da História assenta, portanto, no desenvolvimento do processo real da produção, partindo logo da produção material da vida imediata, e na concepção da forma de intercâmbio intimamente ligada a este modo de produção e por ele produzida. (Marx; 2002:47). Captar as relações que se estabelecem entre o singular, o trabalho didático da escola, e o universal, as relações de produção, através da reconstrução da trajetória histórica da organização dos processos de trabalho no interior da sociedade capitalista e a transposição deste modo de produção para a escola pública moderna são questões que carecem de investigação. 2. HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: LIMITES E POSSIBILIDADES DE AMPLIAÇÃO DO CAMPO Considerando os estudosvii realizados sobre a formação do campo de história da educação verifica-se que num primeiro momento, situado nas décadas de 1950 e 1960, portanto, num período anterior à criação dos programas de pós-graduação, a pesquisa e a produção historiográfica da educação brasileira, em particular, da paulista, desenvolveu-se na antiga Seção de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP e em meados dos anos 50 tal produção é impulsionada com a criação do CBPE (Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional) e do CRPE (Centro Regional de Pesquisa Educacional) de São Paulo, um dos cinco Centros Regionais de Pesquisa criados pelo INEP, na gestão de Anísio Teixeira. O segundo momento do desenvolvimento de pesquisas no campo da Historia da educação foi marcado pela criação e expansão dos Programas de Pós-Graduação em Educação, durante os governos militares entre os anos de 1970 e 1980 neste caso duas características fundamentais qualificam a pesquisa em educação - a escolarização da produção da pesquisa pelos programas de Pós-Graduação e a reação à política dos governos militares. Caracterizado pela chamada crise dos paradigmas - o terceiro momento que marca o processo de desenvolvimento das investigações em história da educação inicia se nos anos 1990 e caracteriza-se pela consolidação da pós-graduação. Parece-nos que o avanço da pesquisa histórica deste período está no processo de ampliação das linhas de investigação, pela diversificação teórico-metodológica e pela utilização das mais variadas fontes de pesquisa só que o pluralismo epistemológico e temático privilegia-se o estudo de objetos singulares desconsiderando a tensão existente entre o particular, o singular e o universal viii. O fenômeno da ampliação do campo da história incluindo novos sujeitos, novos objetos, novas temáticas e novas abordagens representadas principalmente pela história social e história cultural tem influenciado a escrita da história em geral e a história da educação em particular. Tal fenômeno se, por um lado, pode representar uma nova contribuição por lançar luzes sobre novas fontes, novos sujeitos, novos símbolos e rituais que foram de modo geral relegados ao esquecimento pelo determinismo da história econômica, pelo modelo demográfico e pela história quantitativista e pragmatista americana, por outro, aumenta a dificuldade metodológica de escrever-se a história. Talvez, no momento da investigação do objeto, as dificuldades não se mostrem tão grandes, mas, no momento da exposição, torna-se complicada a apresentação dos elementos constitutivos do objeto, uma vez que as relações entre particular e universal não foram consideradas no processo de investigação ix. Como adverte o professor Sanfelice (2006), a historiografia da educação, um campo mais recente da pesquisa científica acadêmica, vive um processo semelhante àquele que ocorre no fazer geral de toda a historiografia. Ela também se fragmenta e se reparte em especializações. Temos, no caso, exemplos que se multiplicam. É possível, nesse campo, estudar-se de políticas educacionais até a memória de um docente. Dos níveis e modalidades de ensino à história do livro, tudo é permitido. O imaginário de exalunos e a história das instituições, da educação indígena, dos negros, das mulheres; do mobiliário, da arquitetura escolar, dos métodos pedagógicos, do currículo e das idéias pedagógicas, nada fica fora das investigações dos atuais pesquisadores da história da educação. Se considerarmos que os estudos atuais sobre as instituições escolares representam um tema significativo entre diversos pesquisadores e sabendo que os paradigmas pós-modernos em grande parte isolaram o singular do geral e, por conseguinte, costumeiramente abandonam a particularidade fenomênica como categoria de mediação existente entre os elementos da totalidade que perpassam as características individuais dos objetos de pesquisa é pertinente a inquietação diante de algumas questões: - Como apreender o real e produzir um conhecimento crítico do processo que o determinou considerando as relações entre o singular e o universal? - Se o lócus de pesquisa se trata de uma instituição escolar que critérios devem ser considerados no processo de seleção e análise da sua história? - Tendo por pressuposto x que a história da sociedade humana se explica pela lógica do desenvolvimento das forças sociais de produção, pelo conflito entre as classes sociais antagônicas, pelo controle econômico e ideológico que o Estado assume no âmbito da sociedade de classes, pela relação dialética entre Estado, sociedade civil e sociedade política e, sobretudo, pela condição autônoma de criar e produzir modos de formação e instrução que as instituições superestruturais gozam frente às relações sociais de produção da vida material que referencial teórico-metodológico nos habilita a investigar e produzir um conhecimento histórico sobre as instituições escolar e assim compreender como a sociedade se transformou e evoluiu num determinado tempo? 3. INSTITUIÇÕES ESCOLARES E O MATERIALISMO HISTÓRICO- DIALÉTICO Uma análise ofertada por Aróstegui (2001) considera que a historiografia das instituições escolares ainda não possui um método formalizado e estruturado sobre uma base canônica e com regras básicas a serem seguidas mesmo assim identifica especificidades determinantes do método historiográfico xi com os quais devemos atentar: A primeira especificidade e a mais acusada do método historiográfico reside sem dúvida na natureza de suas "fontes de informação". A [matéria] sobre a qual o historiador trabalha é de índole muito peculiar: restos materiais de atividade humana, relatos escritos, relatos orais, textos de qualquer gênero, documentos administrativos, etc. Se entendeu tradicionalmente que o histórico não pode ser outra coisa que não seja [o passado]; [...] isto não é inteiramente certo [...] o histórico não é precisamente o passado, mas o "temporal" e as fontes de informação indiretas, que constituem as pistas ou testemunho, são a matéria informativa do historiador (ARÓSTEGUI, 2001, p. 72,). A segunda das grandes determinações do método historiográfico é aquela que deriva da perspectiva da "temporalidade" como natureza do histórico. Assim, o correto método historiográfico é o que entende que investigar e representar a História não é, meramente descobrir coisas ocorridas no passado cuja memória se havia perdido, mas dar conta de como as sociedades se comportam e evoluem no seu tempo... a cronologia de forma alguma representa a temporalidade.[idem] A terceira peculiaridade do método se refere ao fato de que o processo histórico de qualquer sociedade, inclusive de qualquer instância humana específica, tanto como a própria história em escala universal, são realidades globais. A história de uma sociedade reúne em si todas as atividades que os homens realizam e que estão entrelaçadas de modo indissolúvel.[idem] Um assunto último é a preparação técnica do historiador um dos problemas mais comuns que afetam a preparação e a prática, não só do historiador mas de qualquer investigador social, é a freqüente confusão ente método e técnica ... o método é um conjunto de princípios que vão sempre ligados à teoria, enquanto que as técnicas,que são as que realmente podem adaptar-se em cada caso a natureza do objeto investigado, podem ser compartilhadas e são intercambiáveis entre disciplinas diversas [idem, p. 73, grifos meu]. Já Magalhães (1998, 1999b) nos chama atenção para o fato de que a “instituição educativa” constitui, no plano histórico, como no plano pedagógico, “uma totalidade em construção e organização”, investindo-se duma identidade. Totalidade em organização, a instituição educativa apresenta uma cultura pedagógica que compreende um ideário e práticas de diversa natureza, dados os fins, os atores, os conteúdos, inserida num contexto histórico, e desenvolvendo uma relação educacional adequada aos públicos, aos condicionalismos e às circunstâncias. A instituição educativa constrói um projeto pedagógico, indo ao encontro de um determinado público, constituindo-se, deste modo, a relação e a razão fundamentais para a manutenção do seu projeto educativo – um processo que envolve dimensões humanas, culturais e profissionais de diversas naturezas: dimensões pedagógicas, sociológicas, administrativas, relações de poder e comunicação, relações de transmissão e apropriação do saber. No seu trabalho, o historiador não parte dos fatos, mas dos materiais históricos, das fontes, no sentido mais extenso deste termo, com a ajuda dos quais constrói o que chamamos os fatos históricos. Constrói-os na medida em que seleciona os materiais disponíveis em função de um certo critério de valor, como na medida em que os articula, conferindo-Ihes a forma de acontecimentos históricos. Assim, a despeito das aparências e das convicções correntes, os fatos históricos, não são um ponto de partida, mas um fim, um resultado. Por conseguinte, não há nada de espantoso em que os mesmos materiais, semelhantes nisto a uma matéria-prima, a uma substancia bruta, sirvam para construções diferentes. E é aí que intervém toda a gama das manifestações do fator subjetivo: desde o saber efetivo do sujeito sobre a sociedade até as determinações sociais mais diversas. (SHAFF,p.307) É possível observar que o conhecimento histórico compreende fatos ou evidências, certamente dotados de existência real, mas que só se torna cognocível, mediante sua própria voz, que é determinado pelas perguntas feitas pelo historiador o que significa dizer que tais fatos não se expressam por si só a menos que tenham sido interrogados. Neste caso podemos perceber o caráter de provisoriedade e de determinação mútua que se estabelece entre indagação e a resposta no processo de constituição do conhecimento histórico. Noronha (2007) nos permite compreender que o conhecimento histórico se realiza como decomposição do todo em partes e como distinção e separação do que é fenômeno e do que é essência, do que é imediato e visível e do que é essencial. E tal atitude científico-filosófica poderá permitir a destruição da pseudoconcreticidade (mundo-claro e escuro da verdade e engano) mediante a união dialética entre sujeito e objeto. Neste caso cabe ao historiador marxista compreender e capturar a estrutura constitutiva do fenômeno e assim chegar a sua essência considerando que a realidade não se reduz nem se esgota naquilo que ela manifesta de forma imediata aos olhos do observador. “Do ponto de vista historiográfico, a reinvenção da identidade de uma instituição educativa se não se obtém através de uma abordagem descritiva, ou justificativa, (...). Compreender e explicar a existência histórica de uma instituição educativa, sem deixar de integrá-la na realidade mais ampla que é o sistema educativo, contextualizá-la, implicando-a no quadro de evolução de uma comunidade e de uma região, é por fim sistematizar e (re) escrever-lhe o itinerário de vida na sua multidimensionà1idade, conferindo um sentido histórico. Com efeito, a relação entre cada instituição educativa e a sua comunidade envolvente enquanto objeto historiográfico, construído a partir de uma reconceitualização e de um apurado cruzamento de informação, não esgota a problemática da descoberta de um sentido para a evolução histórica das instituições educativas que envolvem uma hermenêutica sutil de aprofundamento e de descoberta. Uma hermenêutica que, em última instância medeia entre a memória e arquivo. Um desafio que não se desenvolve através da acumulação ou da justaposição de informação e que interpela o devir espaço-temporal, na relação entre espaços, agentes, meios, atitudes, culturas, valores, interesses, motivações, racionalidades que se traduzem na ação educativa. Uma ação educativa cujo conhecimento historiográfico se desenvolve a partir de um processo cognoscente retrospectivo dos produtos para os processos, sempre integrados em contextos. Um percurso investigativo onde a relação histórica das instituições educativas com o meio envolvente é, não obstante, uma via fundamental na estruturação do conhecimento.” (MAGALHÃES, 1999a: 64-65) Para o mesmo pesquisador torna-se por conseqüência necessária conhecer e caracterizar os atores, inferir das suas causas de ação, das suas expectativas e formas de realização e participação, seja no que se refere a alunos, professores, funcionários; seja no que se refere a pais e à comunidade sócio-cultural envolvente - se a memória faculta uma visão das táticas, das expectativas e das realizações/frustrações dos agentes, o arquivo permite (re)construir as estratégias e os contextos. Bittar e Jr Amarílio (2009) chama atenção para o fato de que não é quaisquer transformação no interior de uma instituição escolar, por exemplo, que pode ser tomada exclusivamente por causas geradas no âmbito das relações sociais de produção, pois as próprias instituições superestruturais, movidas por um conjunto complexo e contraditório de causas (políticas, ideológicas, religiosas, culturais, pedagógicas etc.), acabam por estabelecer entre si múltiplas interações que têm conseqüências nem sempre condicionadas economicamente. Dito de outra forma: a economia determina a natureza própria da instituição escolar somente em última instância, pois, no fundamental, é sempre necessário que se investigue o desenvolvimento da lógica interna da instituição escolar, buscando perceber o paradigma educacional por meio do qual a sua história foi se constituindo, isto é, procurando estabelecer os nexos por meio dos quais se viabilizaram as concretas relações entre a própria instituição e a sociedade que lhe conferia sustentação. Tais pesquisadores destacam ainda que a mediação que a instituição escolar desempenha entre relações materiais e ideológicas permite evidenciar os conceitos históricos, sociológicos, filosóficos e pedagógicos que caracterizam a estrutura e a especificidade qualitativa de uma dada formação societária. “Em boa parte a história das instituições educativas, como a história das práticas educativas estão por fazer. São domínios fundamentais no debate de um conjunto de renovações educativas que atualmente se procuram implementar ao nível quer da escola. quer do espaço / turma, quer ainda da relação entre cada instituição educativa e o meio envolvente. Muito provavelmente, este é o momento oportuno para um novo olhar sobre a documentação que traduz e informa acerca do quotidiano da educação; acerca da complexidade das práticas educativas. Um olhar crítico mas também e sobretudo um olhar que se traduza numa intervenção efetiva. São muitos os indícios de boa vontade e de procura de diálogo por parte dos vários interlocutores no terreno mas aos historiadores cabe uma palavra de inquietação, um desafio fundamental para a proposta de legislação e de ações concertadas, conduzidas sob apurado rigor científico e esclarecidas para uma historiografia atualizada. Porque há de fato uma história da educação ameaçada.” (MAGALHÃES, 1999:76). Partilhamos da opinião de Magalhães (1999) e Noronha (2007) ao observar que é preciso ter indagações e clareza teórico-metodológica do "lugar teórico" de onde se está falando (do seu alcance e limites) para que seja possível fazer avançar a compreensão do objeto e dos modos de tratar-se o objeto nas relações que se estabelecem entre sujeito e objeto no processo de construção do conhecimento e que, além disso, a história das instituições educativas, como a história das práticas educativas estão por fazer. São domínios fundamentais no debate de um conjunto de renovações educativas. O movimento dialético ajuda-nos a entender o princípio da totalidade, ou seja, a examinar o fato histórico como momento de um determinado todo, a partir das recíprocas conexões e mediações que necessariamente se estabelecem, porque um está constituído no outro e isto significa anunciar que as diversidades e peculiaridades regionais são capazes de contribuir para complementar ou enriquecer a história da educação, permitindo que a identificação das mesmas e sua compreensão no contexto da totalidade nos possibilitem uma nova síntese. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para efeito de nossas proposições, parafraseando Lapa (1981), vale destacar que o objeto do conhecimento histórico é o que chamamos História e esta é a chamada realidade objetiva do materialismo histórico visto que o conhecimento histórico resulta do processo limitativo de conhecimento e reconstituição, análise e interpretação do objeto, vindo a Historiografia ser a análise crítica do conhecimento histórico e historiográfico e do seu processo de produção e representação, reconhecendo que esta análise não deixa por sua vez de constituir-se em conhecimento. “(...) o historiador não pode ser um simples observador da realidade histórica, mas um seu conhecedor. Daí o que ele produz, isto é, o conhecimento histórico resultar de um processo de informação e compreensão. Não que haja a possibilidade de uma informação ou compreensão total ou absoluta, pois seria um falso pressuposto acreditarmos poder captar a realidade histórica integral para assim registrá-la através do conhecimento histórico.” (LAPA, 1981:19) A historiografia não deve ser concebida como mera enumeração de autores e obras; mas sim captar em profundidade o conteúdo das obras; a procurar pela interpretação do significado das palavras, das idéias, das ações dos historiadores; observar a visão de conjunto, a evolução sofrida dos estudos, dos rumos e da projeção futura que poderá ou não a vir a ser assumida; recriar criticamente o pensamento histórico; e ao historiador cabe repensar o seu próprio conhecimento histórico. (SANFELICE, 2006, p.30) O ponto de partida que este estudo nos arremete é o de que podemos compreender e considerar a nossa realidade e assim tentarmos construir um conhecimento crítico do processo que o determinou. E é por aí que tudo indica que deve se iniciar a trajetória da nossa compreensão a respeito de uma instituição escolar, considerando desde os determinantes gerais do modo de produção capitalista, na direção do desvendamento das determinações particulares ou históricas constituídas ao longo dos anos. REFERÊNCIAS: AROSTEGUI, Júlio. (2006). A pesquisa Histórica: Teoria e Método. Bauru, SP: EDUSC. ___. (2001). La investigación histórica: teoria e método. Barcelona: Crítica. BARROS, José d´Assunção (2004). O Campo da História: especialidades e abordagens. Petrópolis, RJ: Vozes BITTAR, M.; FERREIRA Jr, A. história, epistemologia marxista e pesquisa educacional brasileira. In: Educação e sociedade. Vol.30 nº 107, maio/ago. – 2009. São Paulo: Cortez; Campinas: Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), pp. 489511. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br CARDOSO, C. F. (1994). Paradigmas rivais na historiografia atual. Educação e Sociedade. n. 47, abril/1994. p. 61-72. ______. (1997). 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São Paulo: Martins Fontes. i Artigo publicado em CD-rom no VII Colóquio de Pesquisa sobre Insttiuições Escolaress realizado no período de 02 a 03 de Setembro de 2010. São Paulo: UNINOVE - UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO. ii iii Saviani,2006. Vale destacar que o Positivismo, com origem explicita na filosofia da luzes (séc.XVIII), segundo o modelo cientifico-natural, em sua figuração ideal, está fundamentado nas seguintes premissas básicas: 1A sociedade é regida por leis naturais e invariáveis, ou seja, independentes da vontade e da ação humanas; na vida social, reina uma harmonia natural. 2- A sociedade pode, portanto, ser epistemologicamente assimilada pela natureza, e ser estudada pelos mesmos métodos e processos empregados pelas ciências da natureza. 3- As ciências da sociedade, assim como as da natureza, devem limitar-se à observação e à explicação causal dos fenômenos, de forma objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor ou ideologias, descartando previamente todas as pré-noções e preconceitos. Isto significa afirmar que na concepção positivista a pesquisa científico-social, livre de preconceitos deve ser realizada de maneira completamente desvinculada das classes sociais, posições políticas, morais, ideológicas, utópicas etc. (LOWY, p.35-36, 1995) iv A esse respeito ver BARROS (2004). v Saviani (2006,p. adverte que tal contraposição apresentada por Ciro Ramarion Cardoso entre os paradigmas "iluminista" e "pós-moderno", não deixa de ser instigante - entretanto, é forçoso reconhecer que implica uma esquematização um tanto simplificadora, já que coloca sob uma mesma rubrica correntes bastante distintas e até mesmo, opostas entre si. Com efeito embora o marxismo participe com as demais correntes do século XIX do entendimento de que a razão humana é capaz de conhecer a realidade objetivamente, a obra de Marx se formulou em contraposição tanto ao iluminismo quanto ao positivismo, criticando-os de forma contundente. vi Os pós-modernos costumam ser mais apodícticos e retóricos do que argumentativos, lançando mão de afirmações apresentadas como se fossem axiomáticas e auto-evidentes. não sendo então demonstradas como se bastasse dizer "eu acho", "eu quero", "minha posição é...". não se preocupando, também, com a refutação detalhada e rigorosa das posições contrárias. vii Sobre a formação do campo de Historia da Educação ver Gondra (2005),Monarcha (2007) e Buffa e Nosella (2005,2009). viii Bittar e Jr Ferreira (2009) ix Noronha 2007 e Sanfelice 2005. x Bittar e Jr Ferreira (2009). xi Vale destacar que tal método deriva-se da observação, documentação, e temporalidade considerando que este último provém da totalidade do próprio movimento histórico.