O papel dos relacionamentos interpessoais no processo de internacionalização das Instituições de Ensino Superior (IES) Autoria: Roberto Gonzalez Duarte, José Márcio de Castro, Ana Carolina Couto Pereira, Ana Luiza Albuquerque Cruz RESUMO A literatura sobre internacionalização de Instituições de Ensino Superior (IES) tem crescido significativamente nos últimos anos. De maneira geral, a literatura ainda concentra-se, entre outros temas, sobre os objetivos e as razões da internacionalização, sobre as ações mais comuns empreendidas pelas IES e também sobre o papel dos diferentes agentes envolvidos nesse processo. No que diz respeito ao papel dos agentes, a literatura analisa principalmente o papel da instituição, negligenciando o papel dos docentes. O propósito deste artigo é discutir o papel da rede de relacionamentos dos docentes para o processo de internacionalização de IES. Para tanto, realizou-se um estudo comparativo de casos em duas universidades brasileiras (PUC-RS e PUCSP). Os resultados mostram que em ambos os casos, o papel da instituição restringe-se principalmente à formalização da relação com IES estrangeiras. A efetiva internacionalização, no entanto, depende das relações interpessoais dos docentes. Estes são os reais catalisadores do processo de internacionalização. A partir da análise comparativa dos casos, argumenta-se que a internacionalização de IES compreende um processo formal (dirigido pela instituição) e outro informal (conduzido pelos docentes). Esses processos, embora complementares, são, ao mesmo tempo, independentes. Sendo assim, o principal desafio das IES relativamente ao seu processo de internacionalização diz respeito à institucionalização do processo informal. Entretanto a autonomia dos docentes na formação e na utilização das redes, principalmente no que se refere às ações de internacionalização, dificultam tal institucionalização. A internacionalização das IES parece então ser essencialmente caracterizada por esse traço distintivo: a relação de dependência da instituição em relação ao docente, cujo poder reside na sua independência de ação. Palavras-chave: internacionalização de IES; docentes; redes de relacionamentos; catalisadores. 1 – INTRODUÇÃO Desde o surgimento das primeiras universidades na Idade Média, a peregrinação acadêmica constitui um dos traços distintivos dessas instituições. A partir do século XVIII, a configuração do Estado-nação tem como conseqüência o surgimento de um forte sentimento nacionalista de cunho político-cultural. Isso leva à redução da peregrinação acadêmica, que é vista como responsável pela disseminação de idéias revolucionárias. No século XX, o relacionamento entre as IES de diferentes países foi novamente impulsionado, porém, dessa vez, não apenas pelos acadêmicos, mas também pelos governos, pelos avanços tecnológicos e pela globalização econômica e cultural. (de WIT, 2002). O desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação facilitou o acesso ao conhecimento, o que teve implicações significativas para o ambiente acadêmico. Do ponto de vista das instituições de ensino superior (IES), uma dessas implicações é particularmente importante: a maior integração entre IES de diferentes países. (ECONOMIST, 2009; CASTRO, 2008; CURRIE, 1998). Da mesma forma, com o incremento da globalização econômica, política e cultural, surgem movimentos – incremento da mobilidade estudantil; crescimento do ensino à distância; surgimento de padrões internacionais dos currículos; e consolidação da dimensão internacional das atividades de ensino e pesquisa – que delineiam um ambiente acadêmico distinto. Em resposta a tais movimentos, as IES têm formulado políticas, estratégias e ações com o propósito de acrescentar uma dimensão internacional aos seus serviços. (KNIGHT, 2002). Diferentes variáveis determinam o processo de internacionalização das IES. Os docentes, por exemplo, podem influenciar – direta e indiretamente – o processo de internacionalização. Indiretamente, podem estimular, incentivar e aconselhar estudantes relativamente ao desenvolvimento de uma carreira internacional. Podem ainda desenvolver currículos, programas e cursos de acordo com as exigências do atual ambiente acadêmico. (SANDERSON, 2008; CHAN, 2004; MOREY, 2003; CARTER, 1992). Os docentes podem, contudo, influenciar diretamente o processo de internacionalização. A efetividade, por exemplo, dos acordos acadêmicos – considerados um dos principais indícios do grau de internacionalização de uma IES – depende fundamentalmente das redes de relacionamentos dos docentes. A despeito de sua importância, o papel dos relacionamentos interpessoais para a internacionalização tem sido negligenciado pela literatura. Em geral, a literatura discute a questão da internacionalização de IES principalmente do ponto de vista organizacional. (SANDERSON, 2008). Ao se analisar a importância do docente nesse processo, discute-se prioritariamente o papel indireto exercido por ele, ou seja, como as ações internas desenvolvidas pelos professores contribuem para a internacionalização da instituição. (CARTER, 1992). Tendo em vista a relevância dos docentes para a internacionalização, realizou-se, entre 2004-2206, uma pesquisa, cujo objetivo geral era identificar e analisar as políticas de internacionalização das PUCs (SP, RJ, RS, PR e MG) e, mais especificamente, as ações de internacionalização empreendidas. A análise das ações de internacionalização mostra que embora as IES tenham um papel significativo na determinação das políticas, das estratégias e das ações de internacionalização, os docentes são os reais catalisadores do processo. As ações de internacionalização, principalmente no âmbito da pós-graduação, somente se efetivam por meio das redes de relacionamentos dos docentes. Essa rede de relacionamentos constitui, assim, um dos principais mecanismos por meio dos quais as IES se internacionalizam. O propósito deste artigo é, então, analisar o papel das redes de relacionamentos dos docentes para o processo de internacionalização das IES. Para tanto, comparam-se os processos de internacionalização das PUC-SP e PUC-RS e, mais particularmente, o papel das instituições e dos docentes nesses processos. Os resultados indicam que a internacionalização se subdivide em dois: um processo formal (dirigido pela instituição) e outro informal (conduzido pelos docentes). Esses processos, embora complementares são, ao mesmo tempo, independentes. Um dos principais desafios da IES relativamente ao seu processo de internacionalização refere-se à institucionalização do processo informal o que reduziria a dependência da instituição em relação ao docente. Entretanto, como a autonomia e a independência dos docentes na formação e na utilização de suas redes de relacionamentos lhes asseguram uma posição de poder em relação ao outro agente, a IES, a institucionalização do processo informal parece inviável. Sendo assim, a internacionalização das IES caracteriza-se pela relação de dependência da instituição em relação ao docente, cujo poder reside na sua independência de ação. O artigo estrutura-se da seguinte forma. Na próxima seção, apresenta-se o referencial teórico do artigo que, primeiramente, introduz a questão da internacionalização de IES e, em seguida, discute o papel dos docentes nesse processo de internacionalização. Subseqüentemente, discute-se metodologia da pesquisa (escolha do método, coleta de dados e utilidade dos resultados). Na seção seguinte, são apresentados dois estudos de casos realizados em duas universidades brasileiras: PUC-RS e PUC-SP. Nas duas seções finais, discutem-se os principais resultados da pesquisa e as implicações desses resultados para as IES. 2 – REFERENCIAL TEÓRICO 2 2.1 Internacionalização de IES Ao se analisar o processo de internacionalização das IES, observa-se que, inicialmente, a mobilidade acadêmica teve como motivação principal a busca do conhecimento. A inexistência de universidades foi determinante da peregrinação acadêmica. Mais recentemente, no pós-II Guerra Mundial, a mobilidade de discentes e docentes se revestiu, para além da busca de conhecimento propriamente dito, de um caráter eminentemente econômico, político e cultural. Nos últimos anos, a globalização econômica tem incrementado o processo de internacionalização das IES. (de WIT, 2002; KNIGHT, 2004). No princípio, a mobilidade dos acadêmicos, na universidade, era um aspecto distintivo dessas instituições. Durante a Idade Média, o reduzido número de universidades na Europa e a sua dispersão no continente obrigaram aqueles que buscavam o conhecimento ou desejavam prosseguir seus estudos a viajar longas distâncias para freqüentar as universidades. Esse movimento, que ficou conhecido como peregrinação acadêmica foi realizado por inúmeros estudiosos europeus, dentre eles Erasmus. (de WIT, 2002). A mobilidade acadêmica no continente europeu perdurou por aproximadamente quinhentos anos, porém decaiu significativamente a partir do século XVIII. Um dos fatores responsáveis por isso foi o movimento da contra-reforma, que encarava a peregrinação acadêmica como responsável pelo desenvolvimento e disseminação de idéias revolucionárias e contestadoras. A configuração do Estado-nação, necessário à construção de uma identidade nacional, dando origem a um sentimento nacionalista político e cultural, também contribuiu para reduzir a mobilidade dos acadêmicos europeus. Esses dois fatores resultaram na proibição do estudo no exterior e da substituição do latim – língua universal – por línguas vernaculares. Como conseqüência, a peregrinação acadêmica praticamente desapareceu do continente europeu. (de WIT, 2002). O movimento de internacionalização das IES retoma sua força e popularidade, dois séculos mais tarde. O pressuposto do movimento é o “imperialismo ou colonialismo acadêmico”, caracterizado pela exportação de modelos educacionais. Em 1913, foi criada, no Reino Unido, a Association of Commonwealth Universities (ACU), que visava ao desenvolvimento das áreas colonizadas, fortalecendo os vínculos entre a metrópole e a colônia. (de WIT, 2002; DENMAN, 2002). O caráter político-cultural da internacionalização pode ser verificado em outros países também. A criação de agências, como o Institute of International Education (IIE), nos Estados Unidos, a Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD), na Alemanha, o British Council, na Inglaterra, e o International Committee on Intellectual Co-operation, pela Liga das Nações, são exemplos da maior preocupação com a organização, a formalização e os objetivos dos processos de internacionalização de IES. O cunho político, cultural e econômico da internacionalização, adquirido, principalmente, durante o período do colonialismo acadêmico, mantém-se ao longo do século XX. A exportação de modelos educacionais é geradora de renda e também um instrumento de negociação para os países colonizadores, já que a adoção do sistema educacional ocidental era vista como necessária à modernização dos Estados. A exportação de modelos educacionais era, então, um mecanismo de pressão econômica, política e cultural ocidental sobre os demais países. Durante a Guerra Fria, a internacionalização assume um caráter eminentemente político. As superpotências incentivaram a colaboração internacional acadêmico-científica como forma de expandir seu poder político-econômico e de manter sob seu controle suas áreas de influência. A cooperação educacional, mediante programas de treinamento, bolsas de estudos, entre outros, era assim um instrumento de política externa, pois permitia a cada potência um maior domínio sobre suas esferas de influência. (de WIT, 2002). Nessa época, a internacionalização das universidades 3 era, sobretudo, um projeto dos governos, o que permitiu uma maior organização do processo. Um exemplo é o Plano Colombo, estabelecido em 1951, cujo objetivo era promover a cooperação para o desenvolvimento econômico na Ásia, mas acabou se expandindo também para a região do Pacífico. (DENMAN, 2002). Esse plano abrangia a transferência de capital físico e tecnológico, assim como o desenvolvimento de capacidades e treinamento de pessoal para a gestão de economias em desenvolvimento. Mais recentemente, a globalização, que pode ser associada a fluxos – investimentos, comércio, conhecimento, tecnologia, idéias e pessoas (KNIGHT; de WIT, 1997) –, aumentou o interesse tanto de acadêmicos quanto dos governos acerca da internacionalização das IES. Em um ambiente mais globalizado, as IES enfrentam alguns desafios importantes como a necessidade de oferecer programas acadêmicos diferenciados, captar recursos financeiros, ganhar visibilidade e reputação e adaptar suas estruturas curriculares à realidade contemporânea. (DENMAN, 2002; HAIGH, 2002; KNIGHT, 2004). Dessa forma, a internacionalização emerge como uma alternativa às IES para enfrentar esses desafios. Como o debate sobre o tema é recente, não há ainda um consenso sobre o significado de internacionalização de IES. Van der Wende (1977, p. 19), por exemplo, a define como qualquer esforço sistemático, sustentado, e que tem por objetivo “tornar o ensino superior receptivo às demandas e aos desafios relacionados à globalização das sociedades e dos mercados econômico e de trabalho”. Knight (1993, p.7), por sua vez, considera que internacionalização é o “processo no qual se integra uma dimensão internacional e intercultural ao ensino, à pesquisa e aos serviços de uma instituição”. Altbach (2004, p. 3), finalmente, afirma que “internacionalização inclui políticas e programas específicos desenvolvidos por governos, instituições e sistemas acadêmicos e também instituições ou departamentos individuais para cooperar com ou explorar a globalização”. Essas definições mostram que internacionalização tem um sentido bastante amplo, compreendendo um leque extenso de objetivos, ações e atores. Uma das ações de internacionalização mais comuns são os acordos entre IES de diferentes países. O número desses acordos tem crescido em virtude dos tratados regionais, tais como União Européia (UE), Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) e Cooperação Econômica da Ásia e Pacífico (APEC). A formação desses blocos econômicos deu lugar a uma grande diversidade de programas acadêmicos como ERASMUS, TEMPUS e ALFA. (DENMAN, 2002; ECONOMIST, 2009). No que se refere aos agentes envolvidos no processo de internacionalização das IES, embora os acordos sejam essenciais para incrementar o processo de internacionalização, a sua simples assinatura não é garantia de uma efetiva internacionalização. A internacionalização de IES resulta menos de procedimentos institucionalizados, e mais de atividades de inserção internacional isoladas e individualizadas. Tais atividades são normalmente desenvolvidas por docentes que mantêm contatos com outros acadêmicos no exterior. Embora a internacionalização de IES possa, então, ser analisada tanto no âmbito institucional, quanto na esfera individual (atividade docente), o papel desempenhado por professores nesse processo tem sido desconsiderado na literatura. 2.2 O papel dos docentes no processo de internacionalização de IES A internacionalização de IES envolve políticas, estratégias e ações. As políticas são caracterizadas como um conjunto de objetivos que servem de base ao planejamento de uma ou mais atividades. As estratégias, segundo de Wit (2002, p. 154), são “iniciativas adotadas pelas IES para integrarem uma dimensão internacional à pesquisa, ao ensino e ao serviço de educação superior assim como nas políticas e sistemas de gerenciamento”. Embora as IES possam ter tanto 4 políticas quanto estratégias muito bem definidas, são as ações que efetivam a internacionalização de uma IES. Ressalte-se que muitas dessas ações decorrem dos relacionamentos dos docentes. Observe-se que, se por um lado, existe o caráter formal da relação entre as IES – que se materializa na forma de acordos, por outro lado, esse relacionamento formal se materializa concretamente sob a forma dos contatos informais existentes entre os docentes das IES. No que concerne aos relacionamentos formais, estes ocorrem entre instituições, e não entre acadêmicos. Estão voltados mais para os aspectos administrativos e operacionais, tais como: (i) admissões e transferências de alunos; (ii) apoio estudantil; (iii) crédito acadêmico; e (iv) equivalências curriculares. São freqüentemente negociados pelos reitores e recebem especial atenção das áreas responsáveis pelas relações internacionais da instituição. Esses acordos são importantes, pois, asseguram aos estudantes a garantia de que seu estudo no exterior será validado e reconhecido em seu país de origem. (DENMAN, 2002). Do ponto de vista da internacionalização das IES, esses acordos são particularmente relevantes para a graduação. Por sua vez, os contatos dos docentes – formados quando eram alunos em universidades estrangeiras e/ou desenvolviam pesquisas conjuntas com docentes de outras instituições – têm um caráter mais informal e dinâmico e tendem a se desenvolver e consolidar (ou não) ao longo do tempo. Uma vez que a maior parte dos vínculos entre as IES são do tipo informal, ou seja, não são do tipo institucional ou formal, a estratégia mais freqüentemente utilizada pelas IES em seus processos de internacionalização é o aproveitamento das redes de relacionamentos dos professores. (DENMAN, 2002). Isso demonstra como as networks dos docentes, sobretudo no exterior, são vitais para as IES efetivar o seu processo de internacionalização. Sem esses relacionamentos, as universidades teriam mais dificuldades em se internacionalizar, pois os acordos tendem a ser mais duradouros quando originam-se das redes de relacionamentos estabelecidas pelos próprios docentes. (CARTER, 1992). A despeito da importância dos docentes para a internacionalização, a análise de seu papel nesse processo ainda se restringe ao seu desempenho concernente aos mecanismos intrainstitucionais inerentes ao processo. Analisam-se, por exemplo, o papel dos docentes para o desenvolvimento de um currículo mais internacional, na criação de uma didática apropriada a um ambiente globalizado, no aconselhamento de alunos quanto à mobilidade internacional e na formulação de programas de intercâmbio. A literatura concentra, então, a discussão sobre o papel administrativo e gerencial dos docentes no processo de internacionalização – implantação e execução de ações de internacionalização. (CARTER, 1992; de WIT, 2002). A literatura ainda negligencia o papel das redes de relacionamentos dos docentes para a ampliação e o aprofundamento do processo de internacionalização das IES (CARTER, 1992; CHAN, 2004; MOREY, 2003; TRICE, 2005). Segundo Carter (1992, p.39): É surpreendente notar, entretanto, que tão pouca atenção tem sido dada ao papel do docente na implementação de competência internacional à educação superior. Não há dúvida de que os professores têm desempenhado um papel crítico na definição e implementação de programas acadêmicos internacionais, nacionalmente. Mediante o desenvolvimento de currículo, estudos de áreas e estudos comparativos, cursos e programas de estudos internacionais, o docente estimula o interesse do estudante no campo das relações internacionais e geralmente serve como um catalisador para a internacionalização da universidade como um todo. Pesquisa realizada pela Universidade de Washington, em 1990, evidencia que 90% das 183 universidades norte-americanas analisadas reconhecem que o corpo docente é fundamental para a internacionalização do campus. Outra pesquisa realizada também por essa instituição concluiu que as instituições que tiveram amplo apoio e participação dos professores no processo de internacionalização tiveram mais sucesso em suas iniciativas de cooperação internacional do 5 que aquelas que não o fizeram com auxílio dos docentes. (CARTER, 1992). A despeito das evidências empíricas, a discussão sobre a importância das redes de relacionamentos para a internacionalização de IES, particularmente na esfera da pós-graduação, ainda é incipiente. No caso de acordos e convênios, ainda que sejam formalmente estabelecidos apenas por e entre IES, sua efetivação depende das relações existentes entre os docentes das IES envolvidas, principalmente quando se trata de ações no âmbito da pós-graduação. Em outras palavras, mesmo que a instituição logre estabelecer acordos (muitas vezes, o número de acordos assinados é sinônimo do grau de internacionalização de uma IES), com outras universidades estrangeiras, esses somente se viabilizarão caso haja um envolvimento específico por parte do corpo docente de ambas as instituições. A assinatura pura e simples de um acordo não é garantia de que haverá o desenvolvimento de atividades conjuntas como, por exemplo, de pesquisa. Sendo assim, Van Ginkel (1998) argumenta que a capacidade de uma instituição em vincular as relações interpessoais dos docentes à administração da IES é fator determinante do sucesso das relações entre IES. Portanto, o principal desafio é a institucionalização dos relacionamentos dos professores. Se não há a institucionalização de uma parceria, a saída de um docente pode significar ao mesmo tempo o término de um acordo ou, então, esse poderá ser transferido para a nova instituição a que o professor se dirigir. Desse modo, as ações de internacionalização de uma universidade dependem da manutenção, por parte dos docentes, de um bom relacionamento com os seus colegas no exterior e também da permanência desses docentes na instituição. Há, assim, uma relação de poder e de interdependência entre a instituição e o docente. Para os docentes, qualquer tentativa de institucionalização de suas parcerias com seus colegas estrangeiros pode significar uma redução da dependência da instituição em relação a eles. Para as instituições, por outro lado, os resultados dos relacionamentos de seus docentes com os colegas estrangeiros – pesquisas e publicações – significam um aumento da dependência das instituições em relação aos professores. Essa relação de dependência, por sua vez, cria uma situação de impasse. Quanto mais a instituição criar condições para que os seus docentes criem relacionamentos no exterior, mais essa situação poderá resultar em ações que aprofundem o processo de internacionalização da IES. Se a universidade não propicia ou cria condições para o estabelecimento e o aprofundamento de laços entre os docentes e seus pares nas instituições estrangeiras, o processo de internacionalização dessa IES pode se enfraquecer. (GRAY, 1996; MOREY, 2003). Um processo de internacionalização excessivamente dependente de relacionamentos entre docentes pode, por sua vez, ser um fator de vulnerabilidade institucional. 3- METODOLOGIA O objetivo desta seção é detalhar e discutir a metodologia da pesquisa, enfatizando aspectos relacionados à escolha do método, coleta de dados e utilidade dos resultados. 3.1. Estratégia e Método de pesquisa Com o objetivo de analisar o papel dos relacionamentos interpessoais no processo de internacionalização das IES, adotou-se o método do estudo comparativo de casos (YIN, 2001), de natureza qualitativa. Especificamente, o método do estudo de caso consiste no exame intensivo de um ou mais objetos de estudo, a fim de prover o mais profundo e completo entendimento desse objeto. (GREENWOOD, 1973; YIN, 2001; EISENHARDT, 1989; SOY, 1997; GOODE; HATT, 1973). “Os dados resultantes são ordenados de maneira tal que o caráter da unidade é preservado, para se 6 obter finalmente uma compreensão completa do fenômeno como um todo”. (GREENWOOD, 1973, p. 117). O estudo de caso enfatiza uma análise contextual detalhada de um limitado número de eventos ou condições e suas relações. Na presente pesquisa, o que se pretende é avaliar a relevância das redes de relacionamentos estabelecidas pelos docentes para a internacionalização das universidades. O estudo de dois casos permitirá ainda avaliar se essas evidências, já abordadas por Carter (1992), se confirmam e também a percepção dos próprios professores acerca desse fator. A escolha do método de casos comparativos se fundamenta em algumas vantagens como, por exemplo, seu uso para prover descrição, testar teoria ou gerar teoria sendo potencialmente eficaz na captura do fenômeno estudado. (EISENHARDT, 1989). É uma estratégia de pesquisa especialmente adequada para o entendimento de um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto utilizando-se múltiplas fontes de evidências, de maneira detalhada e em profundidade. (GREENWOOD, 1973; EISENHARDT, 1989; CRESWELL, 1998; YIN, 2005). Além disso, o foco da pesquisa qualitativa está no indivíduo e o papel do pesquisador é ter contato com o campo que se está estudando ou com as situações da vida diária do fenômeno estudado, por meio das pessoas nele envolvidas. Esta aproximação permite ao pesquisador entender não somente o que é óbvio, mas também o que está latente (MILLES; HUBERMAN, 1994), o que permite uma visão holística do contexto, captando as percepções dos sujeitos. (MILLES; HUBERMAN, 1994; GODOY, 1995). Outro aspecto essencial e decisivo para a escolha da estratégia de estudo de casos comparativos é que a literatura sobre o papel dos relacionamentos interpessoais no processo de internacionalização das IES pode ser considerado ainda emergente e pouco explorado, principalmente no Brasil. Além do mais, a pesquisa de múltiplos casos contribui para que os investigadores não tirem conclusões precipitadas, forçando-os a analisar os dados de várias maneiras. (SOY, 1997). Ademais, a escolha do método do estudo de caso se assenta no pressuposto de que a pesquisa de natureza qualitativa permite explorar em profundidade o impacto das variáveis estudadas sendo “(...) o principal ou mesmo o único artifício de conhecimento válido aberto a cientistas cujos interesses estão focados no comportamento humano”. (BONOMA, 1985, p.5). 3.2. Estratégia de Coleta de dados 3.2.1. Seleção das universidades investigadas Um estudo de caso tem por unidades de análise uma pessoa, uma situação em particular, um programa, uma entidade ou um grupo de pessoas. As possibilidades de questões a serem estudadas e a complexidade do estudo de caso estão relacionadas aos aspectos políticos, sociais, históricos e pessoais das unidades de análise. O pesquisador investiga o objeto do estudo de caso em profundidade usando uma variedade de técnicas de coleta de dados, para produzir evidências que levem à compreensão do caso e às respostas às questões da pesquisa. (GODOY, 1995; SOY, 1997). A seleção de casos é um aspecto decisivo na qualidade de um estudo dessa natureza e pode potencialmente contribuir para enriquecer ou, ao contrário, empobrecer uma investigação com escolhas incorretas. Casos únicos em geral são feitos a partir de fenômenos extremos ou raros para teste de teoria. Se o fenômeno é típico, casos comparativos são mais adequados. (YIN, 2001). Esta pesquisa, como mencionado anteriormente procurou entender o papel das networks de docentes no processo de internacionalização de IES. 7 A escolha dos casos foi feita intencionalmente, mas o critério se orientou para a riqueza do fenômeno nas instituições escolhidas, pois, em estudos dessa natureza, a escolha dos objetos não se baseia na incidência de fenômenos, mas no interesse do caso em relação ao fenômeno em estudo e nas variáveis potencialmente relevantes. Ou, como atesta Eisenhardt (1989), a seleção de casos não precisa e não deve ser randômica, mas, como sugere Yin (2001), deve estar associada a uma lógica de replicações teóricas, necessárias ao estudo. Ou seja, os estudos de casos não oferecem potencial de representatividade estatística, mas, ao contrário, oferecem profundidade no entendimento de um fenômeno específico, possibilitando uma descrição indutiva e rica. (EASTON apud HALINEN; TÖRNROOS, 2005). Neste trabalho, são apresentados depoimentos congruentes sobre a participação das networks dos docentes para a internacionalização de IES. As duas PUCs abordadas neste trabalho são a PUC-RS e a PUC-SP. Ambas foram criadas na década de 40, possuem aproximadamente 30.000 alunos na graduação e pós-graduação e diversos programas de mestrado e doutorado. Todavia apesar das semelhanças, essas instituições são autônomas e possuem prioridades distintas, inclusive no que concerne à internacionalização universitária. 3.2.2. Estratégia de coleta de dados As fontes principais de evidências em um estudo de casos são as entrevistas, os documentos, arquivos, observação e os artefatos físicos. (YIN, 2001). Para essa pesquisa foram utilizadas entrevistas em profundidade e documentos e arquivos disponíveis nas IES estudadas. A entrevista qualitativa é essencialmente uma técnica, ou um método para estabelecer ou descobrir as perspectivas, ou pontos de vista sobre fatos, tendo como objetivo a compreensão detalhada das crenças, atitudes, valores e motivações, em relação aos comportamentos das pessoas em contextos sociais específicos. (FARR, 1982; GASKELL, 2003) e, como tal, é uma das fontes de evidências mais importantes em estudos de casos (YIN, 2001). A partir da revisão da literatura, elaborou-se um roteiro de entrevistas que entre outros aspectos, considerou: (i) o papel das agências governamentais (CAPES e CNPq) na inserção internacional das PUCs pesquisadas; (ii) catalisadores da internacionalização; (iii) políticas, estratégias e ações de internacionalização das IES; (iv) razões para internacionalização universitária; e, (v) riscos e obstáculos do processo. A partir dos dados colhidos nas entrevistas, bem como em fontes secundárias (relatórios, websites), foi possível observar o quão relevante é o papel do docente para a internacionalização das IES. Foram entrevistados, inicialmente, membros da direção da IES, tais como reitores, vicereitores e pró-reitores de graduação e pós-graduação. Em seguida, entrevistaram-se os coordenadores de programa de pós-graduação e os responsáveis diretos pelas áreas internacionais (secretarias, assessorias, diretorias, entre outras). Por fim, entrevistaram-se professores que tivessem algum elo com o processo de internacionalização de cada IES. A pesquisa foi conduzida durante os meses de maio, julho e novembro de 2004. No total, foram entrevistados trinta profissionais, sendo dez em cada um dos casos. Com isso atingiu o se conhece como critério da saturação do sentido (GASKELL, 2003; EISENHARDT, 1989), isto é, o número de entrevistas realizadas tornou-se suficiente quando os dados começaram a se repetir, o que sugere que o acréscimo marginal de dados torna-se mínimo com o prosseguimento de novas entrevistas. Já para na pesquisa documental, foram analisados documentos internos das instituições, com o propósito de encontrar mais informações acerca dos programas e estratégias de internacionalização das IES analisadas. Dentre eles, foram utilizados boletins estatísticos, folders, jornais e matérias de divulgação institucional. Outros documentos que foram de grande utilidade 8 para pesquisa foram obtidos por meio dos sites institucionais da CAPES e do Ministério da Educação. 3.3. Estratégia de análise dos dados A análise dos dados é a parte mais complexa e menos codificada em pesquisas qualitativas. Os dados gerados das múltiplas fontes no estudo de casos são volumosos e precisam ser organizados em bancos de dados, para auxiliar na categorização, escolha, armazenamento e recuperação para a análise e, também, para que o pesquisador não perca de vista o propósito da pesquisa. (SOY, 1997; YIN 2001). Para efeitos da análise dos dados, considerou-se as seguintes categorias de análise: (i) nível de formalização do processo de internacionalização; (ii) inserção do plano de internacionalização no plano estratégico da organização; (iii) papel e ações de internacionalização desenvolvidas pela instituição; (iv) papel e ações dos docentes no processo de internacionalização; e (v) as networks no processo de internacionalização. Num primeiro momento foram elaboradas análises dos casos em separado (análise intracaso), procurando identificar o papel dos relacionamentos interpessoais no processo de internacionalização das IES. Em seguida, foi realizada a análise cruzada dos casos possibilitando uma visão mais aprofundada da relação entre as categorias consideradas e a internacionalização das IES. Tal processo assegura um aprofundamento na compreensão do fenômeno em estudo, proporciona uma visão mais global do fenômeno e, também, provê complementaridade aos dados coletados, contribuindo para a qualidade da pesquisa (ADAMI, 2005; JICK, 1979), justamente, porque a fraqueza de uma técnica pode ser compensada pela força de outra (JICK, 1979). Todavia, a triangulação não é uma estratégia de validação em si da pesquisa, mas uma vez que se utiliza de diversas técnicas em busca de uma convergência de resultados, a triangulação seguramente torna o estudo mais consistente e válido. (JICK, 1979). 4- ESTUDOS DE CASOS 4.1 PUC-RS A PUC-RS, criada em 1948, tem, atualmente, aproximadamente 33 mil alunos, sendo 84,7% na graduação e 15,3% na pós-graduação. No âmbito da pós-graduação, existem, atualmente, 21 programas de pós-graduação. Desses programas, três têm conceito 3, nove com conceito 4, oito com conceito 5 e apenas um – Letras – tem conceito 6, na avaliação da Capes. Diferentemente das outras instituições pesquisadas, a PUC-RS é a única que conta com uma política formal de internacionalização. Em 2001, a universidade elaborou seu plano estratégico, que incluiu sua política de internacionalização. Essa política busca, entre outras coisas, ordenar, formalizar e institucionalizar as ações de inserção internacional dos diferentes atores institucionais da PUC-RS. Além de estabelecer uma política de internacionalização, foi criada, em 2001, Assessoria para Assuntos Internacionais e Interinstitucionais (AAII) com o propósito de fortalecer a interação entre a PUC-RS e IES estrangeiras. Entre as principais funções da AAII, destacam-se: (i) articular contatos com instituições internacionais; (ii) incentivar mobilidade acadêmica de professores e alunos; e, (iii) centralizar, coordenar e administrar as atividades de cooperação internacional e interinstitucional, visando ao incentivo do ensino e da pesquisa. 9 A internacionalização da PUC-RS compreende tanto ações formais quanto informais. No que concerne às ações formais, estas decorrem de iniciativas institucionais e abrangem, principalmente, a mobilidade estudantil de graduandos. Quanto às ações informais, estas resultam, por sua vez, de esforços ou iniciativas pessoais de alguns docentes. Na opinião de alguns entrevistados, os docentes ainda são os principais catalisadores do processo de internacionalização. Segundo um entrevistado: [...] a ciência é feita de uma rede de relações. É preciso conhecer pessoas, ir a lugares, estabelecer contatos e mostrar o seu trabalho. É para isso que existem congressos e eventos internacionais: para promover esse tipo de troca. O professor é, então, fundamental nesse sentido, pois é, por intermédio dele, que as ações de internacionalização se consolidam. A internacionalização dos programas de pósgraduação, atualmente, se dá mediante a parceria entre as redes estabelecidas por cada professor e o incentivo e respaldo dado pela política institucional. Portanto, a internacionalização da PUC-RS decorre dos contatos que seus professores estabelecem com docentes (ou pesquisadores) de outros países. Os vínculos podem, ao longo do tempo, se aprofundar, dando lugar a um conjunto de ações de internacionalização. Segundo um entrevistado, a principal vantagem dos contatos estabelecidos entre docentes de instituições distintas é tornar mais viável a efetiva implementação de acordos acadêmicos. Em outras palavras, os acordos institucionais podem não ser efetivos quando não se ancoram em relações entre docentes. [...] se você fizer um acordo, te[m] mais dificuldade de implementá-lo do que se você fizer primeiro um intercâmbio de professores [...] se você for lá e fizer um [...] trabalho e ele [o parceiro] vê que você tem potencial para ele publicar, para ele desenvolver, automaticamente, ele vai [te] apoiar financeiramente [...]. (Entrevista). Entre os diversos resultados das ações individuais dos professores, talvez o mais importante, segundo os entrevistados, seria o reconhecimento internacional da universidade. A participação em seminários e congressos internacionais e o desenvolvimento de pesquisa em conjunto contribuiriam para a maior visibilidade acadêmica da instituição dentro e fora do país. Embora as ações informais sejam determinantes do processo de internacionalização da IES, o processo de internacionalização não é apenas resultado do empenho dos docentes. Da mesma forma, esse processo não é resultado apenas de ações exclusivamente formais. No caso da PUC-RS, a criação, dentro do próprio campus, de um parque tecnológico com a presença de várias empresas internacionais, como Siemens, Microsof e Dell Computer, foi resultado de uma ação conjunta dos professores e da instituição. Dessa forma, os entrevistados reconhecem que o docente é o principal catalisador do processo de internacionalização e também que acordos estabelecidos pela instituição, mas sem apoio nas redes de relacionamentos dos docentes, dificilmente se sustentam ao longo do tempo. Sendo assim, argumentam que o processo de internacionalização resulta da ação conjunta de professores e instituição. [O] professor sozinho não consegue nada [...] ele precisa de uma estrutura que lhe dê suporte. Mas, de fato, o professor é fundamental. Ele é quem sabe quais são os programas lá fora, quais são os eventos; é ele que tem o contato lá fora. Ele [o professor] é o catalisador do processo. (Entrevista). Apesar de reconhecerem a necessidade da ação conjunta entre docentes e IES, os entrevistados ponderam que a institucionalização é o principal desafio relativamente à internacionalização. A institucionalização do processo teria o propósito de assegurar à instituição a responsabilidade pelo processo de inserção internacional, pois sem a instituição, o docente dificilmente lograria estabelecer uma network que favorecesse suas ações de internacionalização. 10 Segundo um entrevistado, já se percebe, no âmbito da PUC-RS uma mudança no sentido de tornar menos individualizado e mais institucionalizado, o processo de internacionalização. Antes da elaboração dessa política, a internacionalização acontecia mais devido à ação do professor. Agora, ocorreu uma mudança importante no sentido de que o processo tem uma característica mais institucional. (Entrevista). Como dito antes, a AAII tem, entre suas atribuições, a centralização e a coordenação das atividades de cooperação internacional, traduzindo o propósito de institucionalizar ações desenvolvidas nos diversos departamentos, mas de maneira isolada e informal. A despeito desse propósito, as ações de internacionalização, sobretudo na esfera da pós-graduação, decorrem essencialmente das iniciativas dos professores. Sendo assim, se, por um lado, a iniciativa da PUC-RS de institucionalizar o processo de internacionalização surgiu da necessidade de responder às ações individuais de docentes, por outro, o controle dos desdobramentos das atividades internacionais dos docentes permanece uma questão a ser resolvida. 4.3 – PUC-SP A PUC-SP, fundada em 1946, tem aproximadamente 2133 professores, 18 mil alunos de graduação e 5 mil alunos de pós-graduação stricto sensu. São 23 programas de pós-graduação, sendo que quatro têm conceito 3, sete conceito 4, onze conceito 5 e apenas um programa – Serviço Social – tem conceito 6, na avaliação da Capes. Na década 90, a PUC-SP elaborou um documento formal que estabeleceu, entre outras coisas, uma política de internacionalização da universidade. Poucos entrevistados, no entanto, disseram ter conhecimento dessa política. Na realidade, os entrevistados divergem acerca da importância conferida à internacionalização. Segundo a vice-reitora da PUC-SP, a internacionalização é uma prioridade. Em suas palavras: [...] temos a internacionalização como prioridade. Ela está no nosso plano de gestão; há a intenção de incentivar a internacionalização, tanto na graduação quanto na pós-graduação. Nós já temos uma política de internacionalização para a PUC como um todo: na pósgraduação, continuaremos estimulando esse processo e, na graduação, vamos implantar mais. Nesta gestão, a gente colocou a internacionalização como um dos objetivos fundamentais. Vamos começar ampliando o setor da ARII. Na pós-graduação, o que nós fazemos é dar o apoio na distribuição das verbas, agilizar os pedidos de verba dos professores para FAPESP, para a CAPES. Para outros entrevistados, no entanto, o processo de internacionalização da PUC-SP ainda é uma preocupação sem, contudo, ser uma questão central. Segundo um entrevistado, a internacionalização deve-se mais às ações de alguns docentes do que propriamente ao esforço da instituição. Há vários esforços [de internacionalização por parte da PUC-SP], mas não considero que exista um esforço sistemático e estrutural. A internacionalização é implementada muito mais por grupos que se envolvem, que vão buscar tais ações. Existe um apoio da PUCSP à internacionalização, existem setores que apóiam, mas ainda não é uma preocupação dominante. Não existe uma política clara por parte da instituição. É um esforço dos [...] professores. Eu acho que outras preocupações internas têm reduzido a possibilidade de esta instituição se internacionalizar. Em 1995, foi criada a Assessoria de Relações Internacionais e Institucionais (ARII). Após o início da nova administração, a ARII passou por uma reestruturação e foi subdivida em: Divisão de Cooperação Internacional (DCI); Divisão de Parcerias Institucionais (DPI); Divisão de Gestão de Projetos (DGP); e Divisão de Desenvolvimento Institucional (DDI), responsável pela captação de recursos. Para além de sua própria estrutura, as funções da ARII também se 11 modificaram ao longo do tempo. Enquanto que, inicialmente, o objetivo era mapear as ações de internacionalização da PUC-SP, definindo o seu grau de internacionalização, atualmente, o objetivo é institucionalizar as práticas internacionais e construir uma agenda internacional para a universidade. A atual política da ARII consiste em estabelecer contatos com IES estrangeiras, com agências nacionais e internacionais de financiamento e com representantes diplomáticos de países estrangeiros. Em termos de ações de internacionalização presentemente desenvolvidas no âmbito da PUC, destacam-se as seguintes (ressalte-se que algumas ainda são praticamente embrionárias enquanto que outras estão consolidadas): (i) intercâmbio de alunos e professores; (ii) dupladiplomação; (iii) oferta de cursos no exterior; (iv) organização de congressos internacionais; (v) programas de co-tutela; (vi) filiação a organizações internacionais; e, (vii) convênios internacionais. Essas ações são geralmente coordenadas pela ARII, mas os professores têm um papel determinante tanto na implantação, quanto na execução da maioria dessas ações. Algumas dessas ações – congressos e mobilidade acadêmica – são particularmente importantes para os docentes em razão das possibilidades que criam em termos de estabelecimento de vínculos com docentes de outras instituições, sobretudo estrangeiras. Nos congressos, por exemplo, os professores ampliam e aprofundam suas redes de relacionamentos, que, posteriormente, podem dar origem a uma série de outras ações de internacionalização. Da mesma forma, a mobilidade acadêmica – realização do doutorado (pleno ou “sanduíche”) ou pós-doutorado no exterior – representa uma oportunidade tanto para docentes quanto para discentes criarem e até mesmo consolidarem seus relacionamentos com acadêmicos de outros países. O doutorado [no exterior] contribui para a internacionalização porque, em geral, quem fez o doutorado [no exterior] continua mantendo o contato [com os professores da instituição estrangeira]. Uma professora nossa foi, em dezembro, fazer o seu pósdoutorado. Ela voltou exatamente à mesma instituição na qual havia feito seu doutorado para dar continuidade à sua pesquisa. Então, os contatos que a pessoa estabelece em um doutorado, se bem feitos, são motivadores para que haja continuidade desses intercâmbios. (Entrevista). Um entrevistado ressalta que, dados alguns traços da cultura brasileira, como, por exemplo, a importância do contato pessoal, a rede de relacionamentos dos docentes pode ter um papel ainda mais crítico para a internacionalização das IES brasileiras. Acho que, dificilmente, alguém faz um convênio ou estabelece um contato com uma instituição sem ter alguém com quem falar previamente. Não sei se essa é uma questão brasileira, mas somos um povo de contato primário e, [como] povo de contato primário, a gente não assina as coisas no escuro. [...] Mesmo na burocracia, nas nossas instituições, o contato primário é prévio a qualquer oficialização. Não se faz um ofício para a reitoria, ou pra qualquer outra pessoa, sem ter tido uma conversa inicial. Esses contatos são feitos por professores [brasileiros] com professores [estrangeiros] e [por] alunos que já foram fazer estágios, bolsa-sanduíche, [...]. Embora ainda não haja um consenso entre os entrevistados acerca da importância da internacionalização para a instituição, a PUC-SP adotou um conjunto de medidas – redefinição de suas políticas, estratégias e ações de internacionalização assim como a reestruturação da ARII – visando incrementar o seu processo internacionalização. A despeito da importância dessas medidas formais para a internacionalização da PUC-SP, as redes de relacionamentos dos professores são os meios mediante os quais a internacionalização de fato se efetiva. Em outras palavras, os contatos pessoais são os principais catalisadores do processo de internacionalização da PUC-SP. 12 5 – DISCUSSÃO DOS CASOS A análise comparativa dos casos evidencia semelhanças importantes entre os processos de internacionalização das PUC-RS e PUC-SP. Os entrevistados de ambas as instituições reconhecem o papel crítico dos docentes nesse processo de internacionalização. Ademais, sublinham o caráter informal dessas relações, ou seja, a rede de relacionamentos do docente é formada pelo próprio docente, mas a instituição – que na maioria das vezes contribui, direta ou indiretamente, para a formação dessa rede – tem quase, ou nenhum controle sobre como as redes de relacionamentos são utilizadas pelos docentes. A autonomia dos docentes na formação de relacionamentos e na sua utilização conforme seus interesses confere informalidade e imprevisibilidade ao processo de internacionalização. Se, por um lado, tais características podem ser indesejáveis às instituições porque não lhes permitem controlar o seu próprio processo de internacionalização, por outro, elas asseguram a independência e, ao mesmo tempo, o poder do docente em relação à instituição. Sendo assim, um dos principais desafios da IES relativamente ao seu processo de internacionalização refere-se à institucionalização do processo informal, pois isso reduziria a dependência da instituição em relação ao docente. Entretanto, como a autonomia e a independência dos docentes na formação e na utilização de suas redes de relacionamentos lhes asseguram uma posição de poder em relação ao outro agente, a IES, a institucionalização, ou seja, a racionalização do processo informal parece inviável. Sendo assim, a internacionalização das IES caracteriza-se pela relação de dependência da instituição em relação ao docente, cujo poder reside na sua independência de ação. Em outras palavras, a formalidade e a informalidade, constitutivas do processo de internacionalização, delineiam a relação de poder existente entre os atores desse processo. Relação de poder pressupõe poder de barganha. Como as networks dos docentes são instrumentos eficazes de catalisação da internacionalização, a maneira como essas redes de relacionamento são utilizadas para fomentar as relações internacionais das IES pode incrementar o poder de barganha dos docentes em relação às IES. Essa não é, contudo, uma situação perene. Do ponto de vista da IES, se há inegavelmente uma relação de dependência em relação ao docente, o seu poder de barganha também pode se modificar, pois a independência dos docentes para estabelecer e utilizar suas redes de relacionamento depende do apoio institucional – da IES ou das diferentes agências de fomento. Sendo assim, a política de apoio aos docentes pode se tornar o elemento definidor do equilíbrio de poder entre as duas partes. Embora tanto a PUC-RS quanto a PUC-SP tenham o objetivo de institucionalizar o processo informal de internacionalização, nenhuma das duas instituições tem a devida clareza sobre como isso pode ser realizado. Na PUC-RS, os entrevistados deixam entrever a necessidade de uma ação conjunta entre docentes e instituição, ou seja, as políticas formais e informais devem ser definidas uma em função da outra, e não independentemente. Na PUC-SP, as instâncias superiores reconhecem a prioridade da internacionalização, mas o problema do controle do processo informal ainda é incipiente. A despeito dessas diferenças, ambas as IES se vêem diante de um problema similar: formatar, isto é, dar contorno a uma estratégia que interrelacione os processos formal e informal. As áreas de relações internacionais que, em geral, têm informações sobre o conjunto das ações desenvolvidas no interior da IES, deverão ter um papel fundamental nessa formatação. Vale ressaltar que tais áreas foram criadas muito recentemente e, em muitos casos, ainda não consolidaram o seu papel institucional. A capacidade de agir no sentido de conjugar os processos – informal e formal – poderá ser determinante para a consolidação do seu papel na instituição. 13 Acrescente-se ainda que essas áreas apenas raramente particularizam políticas e estratégias direcionadas para a IES como um todo, isto é, para a graduação e para a pós-graduação. As diferenças existentes entre as realidades e as demandas da graduação e da pós-graduação, por exemplo, exigem políticas e estratégias específicas, pois as implicações da formalidade e da informalidade tal como discutido antes são diferentes em cada uma dessas áreas. 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa evidenciou alguns resultados importantes a respeito dos processos de internacionalização das IES. Um primeiro resultado aponta para o papel crítico dos docentes no processo de internacionalização e, evidenciou o caráter informal que assumem essas relações, ou seja, a rede de relacionamentos é formada pelo próprio docente e se constitui, como constatado em ambos os casos, como o catalisador do processo de internacionalização das IESs. Um segundo resultado indica que embora a instituição, na maioria das vezes contribua, direta ou indiretamente, para a formação dessa rede, seu controle sobre como as redes de relacionamentos são utilizadas pelos docentes é nulo ou mínimo. Ou seja, a autonomia dos docentes na formação de relacionamentos e na sua utilização de acordo com seus interesses confere informalidade e imprevisibilidade ao processo de internacionalização. Embora tanto a PUC-RS quanto a PUC-SP tenham o objetivo de institucionalizar o processo informal de internacionalização, nenhuma das duas instituições tem a devida clareza sobre como isso pode ser realizado. Isso representa um paradoxo, pois, se essa informalidade pode ser indesejável para as instituições porque não lhes permitem controlar o seu próprio processo de internacionalização, por outro, ela assegura a independência e, ao mesmo tempo, o poder do docente em relação à instituição e o desenvolvimento da internacionalização da IES. Contudo, uma questão importante é relativa à intensidade dessa formalização. Nos dois casos estudados há iniciativas de formalização do processo de internacionalização, no entanto, emerge aqui um problema: o equilíbrio entre a autonomia e a dependência. Se por um lado a formalização excessiva pode reduzir a dependência da instituição em relação ao docente, por outro lado, pode restringir a iniciativa e a autonomia dos docentes que, como visto são essenciais para a dinâmica da internacionalização. No entanto, a excessiva informalidade também não permite que a IES tenha controle sobre sua própria internacionalização e cria uma dependência em relação ao docente. Achar o ponto de equilíbrio parece ser essencial para a efetividade da estratégia de internacionalização dessas instituições. Embora tenha havido um incremento de publicações e pesquisas na área, a literatura brasileira a respeito é ainda emergente. Apenas mais recentemente alguns autores têm investigado a questão da inserção internacional das universidades brasileiras (MOROSINI, 2001; MIURA, 2008). Este artigo contribui, portanto, para a literatura ressaltando como o processo de internacionalização depende das ações de dois atores – instituição e docentes – embora essa relação ainda não esteja clara em relação à questão da dependência e poder. REFERÊNCIAS ALTBACH, P. G. Globalization and the university: Myths and Realities in an unequal world. In: Tertiary Education and Management, 2004. CARTER, H. M. 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