Faculdade de Farmácia A cafeína é uma das substâncias mais estudadas, será que realmente a conhece? E os seus malefícios, sabe quais são? Terá ela efeitos benéficos? Trabalho realizado no âmbito da disciplina de Toxicologia e Análises Toxicológicas I no ano lectivo 2004/05. Este trabalho tem a responsabilidade pedagógica e científica do Prof. Doutor Fernando Remião do Laboratório de Toxicologia da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto. Ana Isabel Sousa Montenegro Soares Bruno Miguel Reis Fonseca 1 Faculdade de Farmácia Índice 1. História ………………………………………………………………………………. 2. Propriedades Químicas/Físicas …………………………………………………... 3. Biosíntese da cafeína nas plantas ……………………………………………….. 4. Onde se Encontra ………………………………………………………………….. 5. Farmacologia ……………………………………………………………………….. 5.1. Sistema Nervoso Central ……………………………………………………. 5.2. Sistema Cardiovascular ……………………………………………………… 5.3. Efeitos no Sono e Ansiedade ……………………………………………….. 5.4. Sistema Respiratório …………………………………………………………. 5.5. Sistema Urinário e Genital …………………………………………………... 5.6. Sistema Digestivo …………………………………………………………….. 5.7. Sistema Endócrino …………………………………………………………… 5.8. Outros Efeitos ………………………………………………………………… 5.9. Tolerância/Dependência …………………………………………………….. 6. Farmacocinética ……………………………………………………………………. 6.1. Absorção e Distribuição ……………………………………………………… 6.2. Metabolização e Eliminação ………………………………………………… 6.3. Cafeína e Citocromo P-450 …………………………………………………. 7. Efeitos Benéficos …………………………………………………………………… 7.1. Doença de Parkinson ………………………………………………………… 7.2. Rendimento Físico …………………………………………………………… 7.3. Melhoria da Atenção …………………………………………………………. 7.4. Dores de Cabeça …………………………………………………………….. 7.5. Apnéia do Recém Nascido ………………………………………………….. 7.6. Outros Efeitos ………………………………………………………………… 8. Toxicologia ………………………………………………………………………….. 8.1. Generalidades ………………………………………………………………… 8.2. Imunotoxicidade ………………………………………………………………. 8.3. Genotoxicidade e Carcinogenecidade ……………………………………... 8.4. Teratogenecidade e Reprodução …………………………………………... 8.5. Efeitos Renais e Osteoporose ………………………………………………. 8.6. Efeitos Gastrointestinais …………………………………………………….. 8.7. Efeitos no Sistema Endócrino a Nível Cerebral …………………………... 8.8. Efeitos Cardiovasculares e Circulatórios ………………………………….. 8.9. Ecotoxicologia ………………………………………………………………… 9. O que dizem as Entidades ………………………………………………………… 10. Descafeínado ……………………………………………………………………… 11. Curiosidades ………………………………………………………………………. 12. Bibliografia …………………………………………………………………………. 13. Contactos ………………………………………………………………………….. 2 Pág. 3 4 5 7 10 10 12 13 14 15 16 17 18 19 20 20 22 25 29 29 30 31 32 33 34 35 35 38 39 40 42 43 44 45 46 48 50 52 53 55 Faculdade de Farmácia 1. História Historicamente, a cafeína proveniente de fontes naturais, tem sido consumida e apreciada desde sempre, sendo o chá a bebida mais antiga que contém cafeína. Alguns antropologistas pensam que o primeiro uso da cafeína, incluída nas plantas, remonta a 600 mil anos a.C. (Idade da Pedra), no entanto, a sua descoberta acreditase ter sido feita na Etiópia (antiga Abissínia), em torno de 700 a.C., onde a planta crescia naturalmente. As primeiras plantações de café designadas por “Kaweh” apareceram na península Arábica, no século XIV, e eram usadas como alimento, na fabricação de vinho, como remédio e para fazer uma bebida árabe denominada “qahwa”, conhecida por prevenir o sono. Posteriormente, difundiu-se através do Iémen e dos países árabes para o resto do mundo. O hábito de tomar café foi condenado pela ortodoxia islâmica, no entanto, posteriormente, chegou a ser considerado como algo providencial para rezar sem cair em sonolência e, como um excelente substituto das bebidas alcoólicas. Na Europa, o café apareceu no século XVI sendo introduzido, principalmente, pelos espanhóis e holandeses, no período das descobertas. Antes disso, o café era consumido de maneira restrita e a bebida nobre era o chá. Inicialmente, o café encontrou uma forte oposição em alguns países protestantes, como a Alemanha, Áustria e Suiça, nações essas que chegaram mesmo a castigar o comércio e o seu consumo. Com o passar do tempo, todas as proibições acabaram por desaparecer na Europa e, a partir da segunda metade do século XVII, o café converteu-se em sinónimo de bebida intelectual, devido à existência de muitos comércios que ofereciam espaços públicos para o consumir, em todas as grandes cidades. Consta que, em França, os cafés se tornaram locais de reunião dos intelectuais, entre eles Victor Hugo, Voltaire, Rousseau. Em 1736, surgem as primeiras plantações na América Latina, nomeadamente, em Porto Rico e cerca de 20 anos depois era já o principal produto de exportação do país, o que acontece até aos nossos dias. O primeiro protótipo de uma máquina de café expresso foi criado em França, em 1822, mas só em 1905 surge um modelo comercial em Itália. O descafeinado é descoberto na Alemanha em 1903 após investigações que visavam obter um processo que permitisse remover a cafeína sem destruir o verdadeiro sabor do café. Em 1938, o café instantâneo (Nescafé) é inventado pela companhia Nestlé que pretendia ajudar o governo brasileiro a escoar o seu excedente de café. Actualmente, a cafeína é consumida por biliões de pessoas no mundo, estando este hábito inserido em diversas e variadas práticas culturais, sendo até vital para a economia de alguns países. 3 Faculdade de Farmácia 2. Propriedades Químicas/Físicas A cafeína pertence à família química dos alcalóides e de entre os vários alcalóides existentes na natureza, encontram-se as metil-xantinas. Existem 3 metilxantinas particularmente importantes: a cafeína (3,7 dihidro-1,3,7 trimetil-1H-purina-2,6 diona) comumente chamada de 1,3,7-trimetilxantina (ver figura 1), a teofilina (3,7 dihidro-1,3 trimetil-1H-purina-2,6 diona) habitualmente designada 1,3-dimetilxantina e a teobromina (3,7 dihidro-3,7 trimetil-1H-purina-2,6 diona) mais conhecida por 3,7dimetilxantina. Todas são derivadas da purina (o grupo xantina é o 2,6-dioxopurina). A teobromina e teofilina são duas dimeti-lxantinas, com dois grupos metilo, em contraste com a cafeína, que possui três. A fórmula molecular da cafeína é C8H10N4O2 e o seu peso molecular é de 194,19. As diferentes proporções dos seus constituintes são de 49,48% de Carbono, 5,19% de Hidrogénio, 28,85% de azoto e 16,48% de Oxigénio [29]. Uma grama de cafeína dissolve-se em 46 ml de água, 5,5 ml de água a 80º C, 1,5 ml de água em ebulição, 66 ml de álcool, em 22 ml de álcool a 60º C, 50 ml de acetona, 5,5 ml de clorofórmio, 530 ml de éter, 100 ml de benzeno e 22 ml de benzeno em ebulição [29]. A cafeína apresenta um ponto de fusão de 238º C (460 F) e um ponto de ebulição de 178º C (352 F). Sublima sem que se decomponha termicamente e é solúvel na água embora com hidrofobicidade suficiente para atravessar as membranas biológicas. A sua densidade é de 1,23 e apresenta uma volatilidade de 0,5%. Apresenta um pH de 6,9 em uma solução a 1%. A cafeína apresenta uma temperatura de auto-ignição de 925 ºC (1697 F). Caracteriza-se por ser um pó branco, cristalino, com sabor muito amargo, sem cheiro e com aspecto Figura 1 – Molécula de Cafeína brilhante. Em relação à reactividade, podemos dizer que a cafeína é estável em condições normais de temperatura e pressão. Quanto às compatibilidades podemos dizer que a cafeína é incompatível com ácidos fortes, bases fortes, água com cloro e, com oxidantes fortes, há perigo de explosão e fogo. Quando há uma decomposição térmica os produtos resultantes podem incluir óxidos tóxicos de carbono e azoto. Nenhum risco de polimerização, à temperatura e pressão normais, é mencionado. 4 Faculdade de Farmácia 3. Biosíntese da cafeína nas plantas A biosíntese da cafeína, teobromina e teofilina inicia-se a partir do ácido inosinico, como mostrado na figura 2. Este ácido é oxidado pela enzima 5-fosfato desidrogenase que origina o ácido xantílico. Posteriormente, ocorre uma metilação no azoto 3, sendo esta reacção efectuada pela metil-transferase, que necessita sempre como co-factor a 5-adenosil metionina, originando a 3-metil-xantina. Figura 2 - Biosíntese da cafeína e teobomina [8] A partir da 3-metil-xantina existem várias vias que permitem a formação das três diferentes metil-xantinas. Sendo assim, se a 3 metil-xantina sofrer nova metilação por acção das metil-transferases e respectivo co-factor já referido, mas agora no azoto 7, vamos obter a 3,7 dimetil-xantina (teobromina). Se a 3 metil-xantina sofrer metilação no azoto 1, pela a acção da mesma enzima e co-factor, então estaremos na presença da 1,3 dimetil-xantina (teofilina). 5 Faculdade de Farmácia A cafeína sendo a única trimetil-xantina, pode-se formar ou a partir da teobromina se sofrer metilação no azoto 1 ou pode-se formar a partir da teofilina se sofrer um metilação no azoto 7. Este processo ocorre em sentido inverso, aquando da metabolização da cafeína pois dois dos seus metabolitos são os seus precursores biosintéticos (teofilina e teobromina). Na planta de cacau, a metilação no azoto 7 é mais rápida produzindo, então, uma maior quantidade de teobromina em relação a quantidade de cafeína. Este facto pode contribuir para explicar a diferença de concentração entre a cafeína e teobromina na planta de cacau quando comparada a mesma diferença no café e no chá, onde a quantidade de cafeína é bem superior à da teobromina. 6 Faculdade de Farmácia 4. Onde se Encontra Das metil-xantinas existentes na natureza a que mais prevalece na dieta é, sem dúvida, a cafeína, existindo em mais de 60 espécies de plantas em todo o mundo. O café é, inevitavelmente, a fonte primária de cafeína no adulto mas, a cafeína está também contida, naturalmente, em muitos alimentos como o chá, o cacau e o guaraná. A cafeína é adicionada, artificialmente, a muitos outros produtos, incluindo alguns refrigerantes à base de cafeína, “bebidas energéticas” e em algumas formulações farmacêuticas, não tendo qualquer valor nutricional para o organismo humano, restringindo-se apenas aos seus efeitos estimulantes. A preparação do café normalmente usada, está longe de ser uniforme. A planta de café cresce em diferentes partes do mundo, diferindo na sua composição genética, alterando assim a quantidade de cafeína por grama de grão de café. Existem várias preparações de café, nomeadamente por percolação, filtração, instantâneo, por fervura, expresso, etc., o que fará com que a quantidade extraída de cafeína, por grama de grão de café, seja diferente (ver tabela 1). A quantidade de grãos de café empregues, o grão de torrefacção, grau de moagem e a quantidade de água usada para a extracção, bem como o tempo de extracção podem diferir de acordo com o tipo de preparação. Os hábitos de consumo de café diferem nas várias áreas geográficas do mundo, bem como a quantidade de café ingerida. Sendo assim, o conteúdo de cafeína em cada chávena de café varia consideravelmente. A quantidade de cafeína no chá é mais baixa que no café e depende da origem, do tipo de empacotamento e do tempo que dura a extracção (um máximo aparece após 5 minutos de infusão). Relativamente às bebidas em que a cafeína é adicionada, a sua quantidade é mais consistente nas diferentes bebidas mas, a sua preparação tem variado ao longo dos anos. O chocolate possui cafeína mas em muito pouca quantidade. Relativamente aos medicamentos contendo cafeína, existentes em Portugal, é apresentada uma tabela anexa (tabela 2) onde são referidos todos os nomes comerciais, bem como as respectivas dosagens dos princípios activos e formas farmacêuticas. Nos últimos anos, têm-se popularizado uma grande variedade de suplementos para a perda de peso que tem na sua constituição cafeína e, embora não esteja contra-indicado nas pessoas que não são sensíveis à cafeína, há muitas pessoas que consomem estes produtos sem saber que contêm cafeína. Deve-se, então, nestas situações recomendar a leitura atenta das embalagens e consultar o seu médico ou farmacêutico. Tabela 1 Caffeine Content of Foods and Drugs Serving Size 1 Caffeine (mg) 2 NoDoz, maximum strength; Vivarin 1 tablet 200 Excedrin 2 tablets 130 Product OTC Drugs 7 Faculdade de Farmácia NoDoz, regular strength 1 tablet 100 Anacin 2 tablets 64 Coffee, brewed 8 ounces 135 Coffee, instant 8 ounces 95 Maxwell House Cappuccino, French Vanilla or Irish Cream 8 ounces 45-50 General Foods International Coffee, Viennese Chocolate Cafe 8 ounces 26 Coffee, decaffeinated 8 ounces 5 Celestial Seasonings Iced Lemon Ginseng Tea 16-ounce bottle 100 Tea, leaf or bag 8 ounces 50 Snapple Iced Tea, all varieties 16-ounce bottle 48 Lipton Tea 8 ounces 35-40 Lipton Iced Tea, assorted varieties 16-ounce bottle 18-40 Nestea Pure Sweetened Iced Tea 16-ounce bottle 34 Tea, green 8 ounces 30 Tea, instant 8 ounces 15 Diet Coke 12 ounces 47 Coca-Cola 12 ounces 45 Pepsi-Cola 12 ounces 37 Barqs Root Beer 12 ounces 23 7-UP or Diet 7-UP 12 ounces 0 Red Bull 12 ounces 80 Coffees Teas Soft Drinks Caffeine-free Coca-Cola or Diet Coke 12 ounces 0 Caffeine-free Pepsi or Diet Pepsi 12 ounces 0 Sprite or Diet Sprite 12 ounces 0 Java Water ½ liter (16.9 ounces) 125 Aqua Blast ½ liter (16.9 ounces) 90 10 ounces 60 Caffeinated Waters Juices Juiced 8 Faculdade de Farmácia Frozen Desserts Ben & Jerry’s No Fat Coffee Fudge Frozen Yogurt 1 cup 85 Starbucks Coffee Ice Cream, assorted flavors 1 cup 40-60 Häagen-Dazs Coffee Ice Cream 1 cup 58 Häagen-Dazs Coffee Frozen Yogurt, fat-free 1 cup 40 Häagen-Dazs Coffee Fudge Ice Cream, low-fat 1 cup 30 Dannon Coffee Yogurt 8 ounces 45 Yoplait Cafe Au Lait Yogurt 6 ounces 5 Dannon Light Cappuccino Yogurt 8 ounces <1 Stonyfield Farm Cappuccino Yogurt 8 ounces 0 Yogurts, one container Chocolates or Candies Hershey’s Special Dark Chocolate Bar 1 bar 31 (1.5 ounces) Perugina Milk Chocolate Bar with Cappuccino Filling 1/3 bar 24 (1.2 ounces) Hershey Bar (milk chocolate) 1 bar 10 (1.5 ounces) Coffee Nips (hard candy) 2 pieces 6 Cocoa or Hot Chocolate 8 ounces 5 1 — Serving sizes are based on commonly eaten portions, pharmaceutical instructions, or the amount of the leading-selling container size. For example, beverages sold in 16-ounce or half-liter bottles were counted as one serving. 2 — Sources: National Coffee Association, National Soft Drink Association, Tea Council of the USA, and information provided by food, beverage, and pharmaceutical companies and J.J. Barone, H.R. Roberts (1996) “Caffeine Consumption.” Food Chemistry and Toxicology, vol. 34, pp. 119-129. - From NAH December 1996 9 Faculdade de Farmácia 5. Farmacologia 5.1. Sistema Nervoso Central Muitas das acções que a cafeína exerce têm mecanismos semelhantes às das anfetaminas, cocaína e heroína, no entanto os seus efeitos são bem mais leves. O efeito mais conhecido da cafeína é a sua acção como estimulante do Sistema Nervoso Central, tendo capacidade de chegar à corrente sanguínea e, deste modo, atingir o córtex cerebral exercendo aí os seus efeitos. Nos seres humanos estes efeitos traduzem-se por uma redução da fadiga levando à insónia, com uma melhoria da concentração e capacidade de pensamento mais clara e também na capacidade do desempenho de actividades motoras. Relativamente aos seus principais metabolitos a cafeína é farmacologicamente mais activa que a teobromina e menos activa que a teofilina e paraxantina. Estudos confirmam que a cafeína reduz o tempo de reacção, melhora a capacidade mental, tais como testes de associação, e produz um aumento na velocidade de realização de cálculos, embora a precisão não sofra grandes melhorias. No entanto, estes benefícios só se fazem sentir até um limite de 200 mg de cafeína que, ultrapassado, pode inibir estas capacidades. [26] No Sistema Nervoso Central, mais precisamente, no Sistema Nervoso Autónomo, a adenosina, um neurotransmissor natural, ao ligar-se aos seus receptores (A1 e A2), diminui a actividade neuronal, dilata os vasos sanguíneos, reduz a frequência cardíaca, a pressão sanguínea e a temperatura corporal. A popularidade da cafeína como droga psicoactiva, deve-se às suas propriedades estimulantes, que depende da sua habilidade de diminuir a transmissão de adenosina no cérebro [10]. Para a célula nervosa, a cafeína parece-se com a adenosina (figura 3). A cafeína, devido a esta semelhança, liga-se aos receptores da adenosina. No entanto, não diminui a actividade das células como a adenosina o faz. Então, a célula “não pode ver” a adenosina porque a cafeína está a ocupar o seu receptor, o que leva a um aumento da actividade celular, exercendo um efeito antagónico nos receptores centrais da Figura 3 - Adenosina adenosina [10]. Os efeitos estimulatórios da cafeína devemse largamente ao bloqueio dos receptores A2A havendo uma estimulação dos neurónios inibitórios Gabaérgicos. No entanto, o bloqueio dos receptores A1 tem também algum papel nos seus efeitos estimulatórios [19]. A cafeína causa a constrição dos vasos sanguíneos da cabeça, pois bloqueia a acção dilatadora da adenosina. Alguns medicamentos para a dor de cabeça, contêm cafeína, o que poderá ser benéfico, já que ao contrair os vasos sanguíneos irá haver um alívio da dor. Outro modo de acção da cafeína, é pelo bloqueio da enzima fosfodiesterase (ver figura 4), responsável pelo metabolismo intracelular do Figura 4 - cAMP AMPc, ou seja, há um aumento da concentração 10 Faculdade de Farmácia do AMPc intracelular [19], produzindo efeitos que mimetizam os dos mediadores que estimulam a adenilciclase [26]. Assim, os efeitos da adrenalina persistem por mais tempo e com o aumento da actividade neuronal, a glândula pituitária age como se de uma situação anómala se tratasse e libertando grandes quantidades de hormonas que levam à libertação de adrenalina pelas supra-renais aparecendo uma série de efeitos no corpo humano, como a taquicardia, dilatação da pupila, aumento da pressão arterial, abertura dos tubos respiratórios (daí alguns anti-asmáticos conterem cafeína), aumento do metabolismo e contracção dos músculos, diminuição da afluência sanguínea ao estômago e aumento da secreção da enzima lipase, uma lipoproteína que mobiliza os depósitos de gordura para utilizá-los como fonte de energia em vez do glicogênio muscular. Este último efeito reduz a utilização de glicogénio muscular permitindo aumentar a resistência à fadiga. Duas a três chávenas de café forte, portanto cerca de 300 mg levam a uma concentração de cafeína no plasma e no cérebro de cerca de 100 µM, o que é suficiente para produzir um bloqueio dos receptores da adenosina bem como alguma inibição das fosfodiesterases [26]. Em doses muito elevadas, a cafeína pode provocar a libertação intracelular de iões cálcio [11], desencadeando pequenos tremores involuntários, aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca. A cafeína também aumenta a concentração de dopamina no sangue (assim como as anfetaminas, a cocaína e a heroína), por diminuir a recaptação desta no SNC. A dopamina actua também como um neurotransmissor, estando relacionada com o prazer, e pensa-se que seja este aumento dos níveis de dopamina que leva ao vício da cafeína. Obviamente, o efeito da cafeína é muito menor que o da heroína embora o mecanismo de acção seja o mesmo. O comportamento estimulante da cafeína e dos seus metabolitos principais, como a paraxantina e a teofilina correlaciona-se com a afinidade da ocupação dos receptores da adenosina. A paraxantina contribui para a acção farmacológica da cafeína, especialmente durante um consumo a longo prazo e em altas doses, quando a paraxantina se acumula no plasma. Os níveis plasmáticos produzidos a partir da cafeína de teofilina são provavelmente tão baixos para exercer qualquer tipo de efeitos farmacológicos adicionais [19]. De uma forma geral, a cafeína em pouco tempo, pode dificultar o sono porque bloqueia os receptores da adenosina, dá “energia” pois há libertação de adrenalina e dá uma sensação de bem-estar, pois inibe a recaptação da dopamina. 11 Faculdade de Farmácia 5.2. Sistema Cardiovascular Aproximadamente 250 mg de cafeína (2 chávenas de café), para pessoas que não estejam habituadas ao seu consumo regular, pode levar a um aumento da frequência cardíaca (taquicardia). Em certos casos, pode chegar a sentir-se a sensação de palpitações. A probabilidade da pressão sanguínea aumentar é maior, juntamente com a vasodilatação e também o aumento do fluxo sanguíneo para os tecidos em geral, incluindo as artérias coronárias. No entanto, o uso regular de cafeína pode alterar os efeitos no sistema cardiovascular devido ao desenvolvimento de tolerância à substância. 12 Faculdade de Farmácia 5.3. Efeitos no Sono e Ansiedade Poderíamos pensar que o efeito da cafeína no sono se deve ao chamado “efeito psicológico”, o que poderá até influenciar, no entanto, existem estudos que mostram que a cafeína incrementa o período de latência do sono, reduz a sua duração, altera os patamares normais do sono e a sua qualidade está diminuída. A cafeína pode produzir efeitos no incremento de latência na primeira metade da noite mas sendo diferente do que ocorre na insónia [28]. Existem grandes diferenças individuais no efeito da cafeína no sono. Há estudos que mostram que tomar um café de manhã pode influenciar a próxima noite de sono, no entanto, existem referências de indivíduos que consomem produtos com cafeína durante todo o dia e principio da noite e não sentem qualquer efeito no sono. Existem provavelmente muitas razões para que isto ocorra, nomeadamente a dose de cafeína, o tempo que medeia entre a ingestão e a altura de dormir, a idade, factores familiares e diferenças individuais na sensibilidade e tolerância à cafeína. Há evidências que os indivíduos que consomem grandes quantidades de cafeína relatam menos distúrbios ao nível do sono que as pessoas que a consomem esporadicamente. Na realidade, há resultados que sugerem que o desenvolvimento da tolerância tem efeitos no sono [28]. Smith A. (2002) [28] concluiu que uma grande quantidade de cafeína consumida à noite faz com que os indivíduos tenham maiores dificuldades de dormir e uma redução na duração do sono. Os efeitos de pequenas doses mostram grande variabilidade individual apesar de os consumidores assíduos serem mais resistentes aos efeitos da cafeína no sono. O impacto total das mudanças induzidas pela cafeína no sono ou comportamento no dia seguinte e a saúde a longo prazo não é conhecido. Elevados níveis de cafeína não parecem estar relacionados com os parâmetros do sono. Há estudos que referem que altas doses de cafeína na dieta ( >200 mg), aumentam os níveis de ansiedade e podem induzir ataques de pânico [28]. Indivíduos com problemas de ansiedade e pânico são especialmente susceptíveis aos efeitos da cafeína. Embora muitos dos indivíduos ansiosos tendam a limitar o consumo de cafeína consumida, alguns não o fazem e tendem posteriormente a confundir os sintomas com os provocados pela cafeína. Doentes com ansiedade, responderam positivamente a baixas doses de cafeína, isto é, com uma pequena dose há uma exacerbação da ansiedade já existente [28]. Tudo isto sugere que o consumo deve ser controlado afim de evitar problemas de ansiedade e de sono, principalmente em indivíduos mais susceptíveis aos efeitos da cafeína. 13 Faculdade de Farmácia 5.4. Sistema Respiratório Há dois importantes efeitos resultantes da acção da cafeína no sistema respiratório. Por um lado, há estimulação dos neurónios do centro respiratório que se encontra a nível cerebral, o que proporciona um aumento muito discreto da frequência e da intensidade da respiração, por outro lado ocorre um efeito local a nível dos brônquios, levando à sua maior dilatação, daí o sinergismo com os anti-asmáticos como referido anteriormente. 14 Faculdade de Farmácia 5.5. Sistema Urinário e Genital Uma elevada dose de cafeína produz um ligeiro aumento no volume de urina e na excreção urinária de sódio, diminuindo a reabsorção de sódio e de água nos túbulos renais. Por outro lado há uma vasodilatação da arteríola glomerular aferente [26]. Este efeito diurético pode ser útil no alívio de cólicas menstruais (dismenorreia) produzidas pela retenção de líquidos, no entanto, quando a cafeína é usada para a perda de peso, pode haver perda de peso efectivo mas que não corresponde a perda de matéria gorda. Devido a este ligeiro efeito diurético, e não havendo reposição em quantidade suficiente de água que compense as perdas, inicia-se um processo de desidratação que pode trazer graves consequências ao organismo. Por este facto devem-se evitar bebidas adicionadas de cafeína nas épocas mais quentes mas, no entanto, o “Institute of Medicine” refere que todas as bebidas, incluindo as que contêm cafeína, podem contribuir para a quantidade recomendada de ingestão diária de fluidos. 15 Faculdade de Farmácia 5.6. Sistema Digestivo A cafeína estimula a secreção gástrica de ácido clorídrico e da enzima pepsina no ser humano, em doses a partir de 250 mg (aproximadamente duas chávenas de café). Essa característica da cafeína é contra-indica em pacientes com úlcera digestiva. No entanto, em pessoas que não possuam nenhuma patologia digestiva a cafeína não tem sido associada a um aumento do risco de úlcera péptica. 16 Faculdade de Farmácia 5.7. Sistema Endócrino Um aumento nos níveis de ácidos gordos livres no sangue, tem sido associado à cafeína, portanto esta, funcionaria como uma substância capaz de mobilizar as gorduras. No entanto, este efeito observa-se tanto em pessoas que ingerem cafeína esporadicamente, bem como em pessoas que a ingerem diariamente. Actualmente, existem evidências de que a cafeína possa ter algum efeito no emagrecimento de pessoas obesas, principalmente quando ingerida junto com as refeições. Ainda em relação ao Sistema Endócrino, a ingestão de cafeína por uma pessoa que a ingira esporadicamente pode levar ao aumento dos níveis de algumas hormonas, como a renina, as catecolaminas (já referido), a insulina e a hormona da paratiróide. Estes efeitos, entretanto, como acontece no fenómeno da tolerância, não ocorrem nas pessoas que faz uso regular da substância devido à adaptação do organismo à mesma. 17 Faculdade de Farmácia 5.8. Outros Efeitos Dada a semelhança bioquímica entre a intoxicação por cafeína e a esquizofrenia (em ambos casos a dopamina está aumentada), há quem recomende que não deve ser dado muito café aos esquizofrénicos, devido ao risco de agravar os seus sintomas. No entanto, não está explicado o porquê dos pacientes esquizofrénicos terem, quase todos, uma grande tendência para a ingestão de café. De facto, talvez isso se relacione com o metabolismo da dopamina ou dos receptores dopaminérgicos. Mikkelsem (1978) [21] sugere que um incremento do consumo de cafeína leva a uma exacerbação do processo de esquizofrenia. Nesse caso, o facto dos esquizofrénicos gostarem tanto de café precederia a doença. A ideia considerava que o sistema de transmissão dopaminérgico no cérebro esquizofrénico pudesse ser anormal, e as propriedades dopaminérgicas da cafeína poderiam supersensibilizar e vulnerar esse sistema previamente alterado, precipitando a psicose. 18 Faculdade de Farmácia 5.9. Tolerância/Dependência Muitas pessoas referem “não passo sem um café”, e tendem a usar esta expressão tal como se estivessem a dizer que não passam sem comer chocolate, sem ver televisão e mesmo sem trabalhar, isto demonstra a naturalidade de como é encarado o café na sociedade, isto é, a cafeína no seu todo. A tolerância a uma droga refere-se a uma diminuição da resposta provocada após repetidas exposições a essa droga. Doses de cafeína entre 750-1200 mg/dia durante alguns dias produzem o fenómeno de tolerância “completa”, ou seja, os efeitos da cafeína não estão longe dos efeitos de um placebo, embora não se verifique para todos os aspectos farmacológicos. No entanto, baixas doses ou normais doses de cafeína na dieta produzem uma tolerância, neste caso “incompleta”, e por exemplo, o sono continua a ser interrompido aquando da sua ingestão. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, “não existem evidências que o uso da cafeína possa ser remotamente comparável às consequências físicas e sociais que estão associadas com as verdadeiras drogas de abuso”. As pessoas diferem grandemente na sensibilidade à cafeína. Alguns indivíduos podem beber muito café, chá, e outras bebidas contendo cafeína, não sentindo qualquer efeito, outros sentem os efeitos estimulantes no momento da ingestão. Em certos indivíduos, a cafeína pode aumentar o estado de alerta, principalmente em indivíduos cansados e aumentar o rendimento de certas tarefas. Muitas pessoas encontram nas bebidas contendo cafeína uma ajuda para se manterem alerta quando trabalham ou estudam. A sensibilidade individual e a frequência de consumo determinam o efeito da cafeína no sono. A tolerância às acções da cafeína é notada após um regular consumo, estando provavelmente associado a um incremento da actividade do receptor para a adenosina e a uma troca dos receptores A1 para maiores afinidades, levando a um aumento da sensibilidade funcional para a adenosina e a um diminuição da actividade β adrenérgica [19]. A cafeína pode provocar dependência física e psicológica (síndrome de ansiedade, depressão e até psicoses), estando referenciado que doses maiores que 350 mg diários de cafeína consumidos durante um mês podem provocar o aparecimento de um síndrome de abstinência [13], pelo que quando usada com fins terapêuticos, os médicos devem recomendar a redução gradual do seu consumo, ou seja, fazer o desmame. Este síndrome manifesta-se por dores de cabeça, irritabilidade, dificuldade na concentração, náuseas, ansiedade, cansaço, depressão e sonolência. Não é grave e desaparece em poucos dias. As dores de cabeça verificam-se porque quando há redução do consumo de cafeína o corpo torna-se mais sensível à adenosina. Como resposta, há um aumento da pressão sanguínea que irá fazer com que um fluxo excessivo de sangue chegue ao cérebro. O tempo de semi-vida da cafeína no organismo é entre 2 e 4 horas, por exemplo a ingestão durante a tarde de um café (aproximadamente 125 mg de cafeína), faz com que ao início da noite ainda cerca de 65 mg de cafeína estejam no nosso organismo. Estas quantidades diminuem os benefícios do sono profundo e em algumas pessoas podem mesmo dificultar o sono. No dia seguinte, há uma necessidade maior de recorrer à cafeína para se manter alerta já que o seu sono poderá não ter sido tão repousante e tudo isto se torna um ciclo vicioso. Por outro lado, se se tentar diminuir ou mesmo parar o seu consumo a pessoa vai-se sentir muitas vezes deprimida ou com grandes dores de cabeça, o que forçará a retoma do seu consumo, aliás daí muitas bebidas recorrerem à adição de cafeína para aumentarem as suas vendas. É por tudo isto que 90% dos americanos consomem cafeína todos os dias e, uma vez no ciclo, sentem sempre a necessidade de a tomar diariamente. 19 Faculdade de Farmácia 6. Farmacocinética 6.1. Absorção e Distribuição Farmacocinética pode ser definida simplesmente como o que o corpo faz a um agente xenobiótico, em oposição à farmacodinâmica que é o que o agente faz no corpo. O termo xenobiótico (químico normalmente estranho ao organismo), inclui não só drogas mas também poluentes e potencias tóxicos que são transformados no organismo por vias similares às dos compostos endógenos. A farmacocinética refere-se, portanto, à cinética (taxas e mecanismos das reacções químicas) envolvidas com as doses farmacológicas, existindo um termo mais recente, toxicinética, relacionado com as taxas e mecanismos de reacção químicas produzidos por doses tóxicas. A forma não dissociada da molécula da cafeína é solúvel na membrana gástrica sendo, por isso, bem absorvida por via gastro-intestinal, distribuindo-se em todo o organismo, encontrando-se portanto uniformemente em todos os tecidos. Cerca de 99% é absorvida por via oral e após 15 a 45 minutos obtém-se o pico da concentração plasmática [11]. Também é bem absorvida através da via subcutânea e da pele, e a absorção após injecção intra-muscular pode ser mais lenta que a administração via oral. A absorção via rectal, pelo uso de supositórios, pode ser lenta e nada aconselhável. O volume aparente da cafeína é muito similar ao das restantes metil-xantinas e encontra-se geralmente entre 0,4 e 0,6 L/kg. Já a ligação às proteínas plasmáticas difere entre as três metil-xantinas, apresentando a teofilina 50-60%, a cafeína 25-30% e a teobromina 15-25%, justificando-se este valor mais baixo para a teobromina devido esta ter ausente o grupo metilo no N-1, importante para a ligação com as proteínas plasmáticas [8]. Wilkerson & Pollard [8], referem a deposição de cafeína e seus metabolitos, teobromina, teofilina e paraxantina no cérebro de um feto de rato, o que pode ser explicado tendo em conta que a cafeína tem uma grande solubilidade lipidica e uma baixa ligação às proteínas plasmáticas permitindo-lhe, por isso, atravessar mais rapidamente a barreira hematoencefálica. A cafeína não tem um efeito significativo de primeira passagem, passa rapidamente para a saliva e é rapidamente distribuída no leite, tendo o leite humano 75% dos níveis plasmáticos. Estudos mostram que a cafeína ingerida em doses de 35 a 336 mg pela lactante dá origem a concentrações plasmáticas de 2,4 a 4,7 µg/ml, concentrações salivares de 1,2 a 9,2 µg/ml e origina concentrações no leite materno de 1,4 a 7,2 µg/ml. Estas concentrações no leite materno levam a estimar que a criança irá ingerir diariamente entre 1,3 a 3,1 mg. Embora não cause problemas de imediato é referido que pode provocar irritabilidade bem como interferir no sono da criança. Atravessa a barreira placentária, no entanto, apenas 1% da quantidade ingerida pela mãe é consumida pelos fetos humanos (Chistensen et al, 1981). A ingestão de alimentos não afecta a absorção da cafeína. A clearance da cafeína é aproximadamente 1-3 mg/kg/min, tanto nos homens como nas mulheres, após ingestão de baixas doses. No entanto, como a farmacocinética da cafeína é dependente da dose, para maiores doses, há diminuição da clearance, o que sugere uma saturação do metabolismo [20], portanto para altos níveis séricos, a eliminação segue a cinética de ordem zero. Os níveis plasmáticos após uma chávena de café ronda as 1-2 mg/g de sangue quando comparado com 150-200 mg/g de sangue em casos de overdose. [11]. A saturação do metabolismo da cafeína deve-se, em grande parte, ao metabolismo da paraxantina, pois a paraxantina acumula-se no plasma e leva a uma redução da clearance da cafeína [19]. 20 Faculdade de Farmácia O tempo de semi-vida plasmática da cafeína para os adultos é entre duas e quatro horas, no entanto este tempo pode estar aumentado para cerca de nove horas em casos de overdose [11]. O tempo de semi-vida é também prolongado por outros factores, tais como em casos de disfunção hepática (cirrose e hepatites virais), durante a gravidez, onde nos últimos meses de gestação pode chegar ao dobro e devido ao uso prolongado de anti-concepcionais esteróides orais. O tempo de semi-vida está também aumentado em fetos e bebés neonatais, com um tempo de semi-vida de 80100h, devendo-se presumivelmente a uma deficiência em enzimas do P-450 no feto e bebés neonatais (Aldridge, 1979). Em oposição, o tempo de semi-vida pode estar diminuído, nos fumadores, desportistas e aquando da ingestão de indutores das enzimas microssomais hepáticas, como por exemplo o fenobarbital. O tempo de semi-vida da cafeína não é afectado pela obesidade nem pela elevada idade [20]. 21 Faculdade de Farmácia 6.2. Metabolização e Eliminação Sendo a cafeína, das metil-xantinas, a mais presente na dieta, o seu metabolismo é de particular importância e interesse. Além do mais a familiarização com os processos metabólicos básicos das metil-xantinas é necessário para podermos extrapolar e interpretar os seus efeitos toxicológicos. Khanna et al. (1972) [15] procederam ao primeiro estudo sobre o metabolismo da cafeína sendo este realizado em ratos e consistiu na administração intraperitoneal do composto marcado radioactivamente (3H) e verificaram que 64 a 67% do composto radiactivo foi eliminado pela urina nas primeiras 24 horas. Khanna et al. utilizaram a cromatografia preparativa em camada fina, e o seu extracto de clorofórmio-metanol foi usado para a detecção dos metabolitos. Assim, verificaram que continha 1,2% de teofilina, 5,1% de teobromina, 8,8% de paraxantina e quantidades vestigiais de ácido 1,3,7-trimetilúrico e ácido 3-metilúrico. Foram também encontrados dois metabolitos que na altura não foi possível identificar. Quando administrada numa dose de 10 mg/kg de peso corporal em fetos de ratos com 20 dias, a cafeína é desmetilada em vários metabolitos primários sendo eles a teobromina, a teofilina e a paraxantina. O passo de desmetilação (N-1, N-3 e N-7) é inibido por pregnendiol numa concentração de 5 mg/kg de peso corporal.[15] Recapitulando, a cafeína tendo na sua molécula azotos metilados, é degradada por desmetilação e esta pode ocorrer no N-1, N-3 e N-7 originando teobromina, paraxantina e teofilina respectivamente (ver figura 5). A cafeína é metabolizada no fígado, por desmetilação, portanto, envolvendo o citocromo P450. Em ratos a N-1 desmetilação da cafeína que origina a teobromina é a via metabólica mais importante da cafeína, constituindo 51% do total de dimetil-xantinas (Bienvenu et al ) [8]. No entanto, outros estudos mostram que a formação de paraxantina é a principal via metabólica nos seres humanos, na ordem dos 70%.Quer a teobromina, formada por desmetilação da cafeína, quer a proveniente da dieta sofre posteriormente uma desmetilação a 3-metil-xantina e a 7-metil-xantina, subsequentemente oxidados aos correspondentes ácidos úricos (ácido 7-metil-urico e ácido 3-metil-úrico). Existe uma quantidade de teobromina que pode ser directamente oxidada ao ácido 3,7-dimetil-úrico que irá sofrer biotransformação. Na presença de Glutationa (GSH) o anel imidazol do ácido 3,7-dimetil-úrico é quebrado, abre e o intermediário resultante é reduzido a 6-amino-5-(N-formil metilamino)-1-metil uracilo (ver figura 5).A teofilina, outro metabolito primário da cafeína, é quebrada em ácido 1metil-úrico e em ácido 1,3-dimetil-úrico. Uma fracção da cafeína pode ser directamente convertida em ácido 1,3,7-trimetil-úrico por oxidação (ver figura 5). Sintetizando a metabolização da cafeína esta pode ocorrer por: a) Oxidação dos grupos metilo originando metilxantinas (teofilina, teobromina e paraxantina). b) Oxidação da posição 8 da purina originando como produto o ácido 1, 3, 7trimetil-úrico. c) Ruptura hidrolítica da purina entre a posição 8 e 9 produzindo 6-amino-5(N-formil-metilamino)-1,3 dimetiluracilo e origina como produtos finais os vários ácidos úricos e o 6-amino-5-(N-formil metilamino)-1-metil uracilo e como metabolitos activos da cafeína temos a paraxantina, a teofilina e a teobromina. Finalmente, a cafeína inalterada é excretada na urina. A nicotina aumenta a eliminação da cafeína, explicando, talvez, porque os fumadores têm tendência a um maior consumo de cafeína. Por outro lado, os antibióticos, principalmente as quinolonas, aumentam a sua concentração. 22 Faculdade de Farmácia Figura 5 - Biotransformação Metabólica da cafeína e teobromina [8] A eliminação da cafeína é rápida após biotransformação, embora a retenção seja aumentada durante a gravidez em humanos e em fetos e bebés neonatais (Arnaud, 1984). Dois exemplos em particular do metabolismo e eliminação dão-se durante a gravidez e em recém-nascidos. Estudos em mulheres grávidas demonstraram que a eliminação da cafeína está significativamente reduzida durante este período, o que incrementa um possível risco de toxicidade para o feto e para a mãe (Aldridge et al 1981; Knutti et al; Parsons & Pelletier, 1982) [15]. 23 Faculdade de Farmácia No caso dos recém-nascidos, a cafeína e uma outra metil-xantina, a teofilina, são possíveis hipóteses de tratamento de algumas patologias, nomeadamente a apneia infantil prematura, uma desordem espontânea da falta de ar por pequenos períodos de tempo. Vários estudos mostram uma redução na eliminação da cafeína e da teofilina em recém-nascidos. Durante o primeiro mês de vida a cafeína representa cerca de 85% dos metabolitos que são identificados na urina, diminuindo esta percentagem gradualmente para os valores do adulto (cerca de 2%) quando a criança atinge os sete a nove meses (Aldridge et al 1979)[15]. Nos recém-nascidos a cafeína apresenta um tempo de semi-vida plasmática na ordem dos quatro dias, comparada com os adultos que é entre duas e quatro horas, estando este tempo de semi-vida dependente de uma excreção urinária lenta da cafeína, muito pouco ou nada metabolizada. Existem vários factores que afectam a farmacocinética, sendo eles: - Exercício: O exercício moderado em humanos produz um aumento substancial na concentração plasmática, uma aceleração da taxa de eliminação e uma diminuição do volume de distribuição. - Dieta: Em humanos foi demonstrado que a dieta pode afectar a farmacocinética, sendo o tempo de semi-vida reduzido aproximadamente 20% após duas ou três refeições contendo vegetais da família das Brassicáceas, por exemplo couves e grelos (McDanell et al, 1992). - Fumar: Como referido anteriormente, o tempo de semi-vida da cafeína nos fumadores é aproximadamente metade do que nos não fumadores. - Ciclos Sexuais: Em fêmeas de ratos, a clearance plasmática da cafeína varia significativamente durante o ciclo estro, sendo elevado durante o ciclo estro e baixo durante o pró-estro. O tempo de semi-vida e os valores de AUC tendem a deslocar-se na mesma direcção, não sendo no entanto estatisticamente diferentes (Bruguerolle, 1992). Nas mulheres, a eliminação da cafeína flutua ao longo do ciclo menstrual, com menor eliminação na fase lútea, após o inicio da menstruação (Lane et al, 1992). - Efeito dos agentes contraceptivos: N-1, N-3 e N-7 desmetilação é inibida no fígado de fêmeas de ratos após 7 dias de tratamento com 5 mg/kg de pregnandiol, indicando que este agente contraceptivo induz alterações marcadas no metabolismo da cafeína (Bienvenu et al, 1993). Nas mulheres, contraceptivos orais contendo etinilestradiol, um com gestodeno e outro com levonorgestrel, reduzem a clearance da cafeína, aproximadamente em 50% após o tratamento de um ciclo (Balogh et al, 1995). - Altitude: A uma altitude de 4300 metros, há uma diminuição do tempo de semi-vida e dos valores de AUC e um aumento da clearance (Kamimori et al, 1995). Fadel e Persaud (1992) estudaram a potencial interacção da cafeína com o etanol usando cultura de embriões, os quais foram expostos a 300 mg de etanol/dl de soro e 1 mmol de cafeína por 1 ml de soro, ao décimo dia de gestação. Os resultados indicaram que a cafeína e o álcool produzem efeitos independentemente um do outro, por acção directa no embrião e que a combinação destes não potencia os seus efeitos isoladamente. 24 Faculdade de Farmácia 6.3. Cafeína e Citocromo P-450 Como já foi referido, a cafeína é um alcalóide, mais precisamente, uma xantina trimetilada nas posições N-1, N-3, e N-7. A enzima xantina oxidase converte xantinas livres em ácidos úricos mas as xantinas metiladas como a cafeína ou teobromina não são metabolizadas por esta enzima e, por isso, podemos pensar que existem outras enzimas envolvidas no metabolismo da cafeína. Se a cafeína sofrer desmetilação a nível do N-1, N-3 e N-7 há formação, respectivamente, de teobromina, paraxantina e teofilina havendo sempre a saída, em cada caso, de uma molécula de formaldeído (HCHO) [5]. Por C-8 hidroxilação é produzido trimetilurato (TMU), ver figura 6. Numerosos estudos têm demonstrado o envolvimento do Citocromo P450 na via metabólica da cafeína usando para isso vários indutores e inibidores destas enzimas [8]. Normalmente, as CYP’s Figura 6 -N-desmetilação da cafeína [5] (isoformas do Citocromo P450) estão envolvidas na produção de importantes metabolitos endógenos como hormonas esteróides, ácidos biliares, ácidos, etc. e, também, é sabido que as CYP’s existem em distintas isoformas e que cada uma delas tem mais afinidade para um determinado substrato. Entre os metabolitos da cafeína a formação paraxantina é catalisada especificamente pela CYP1A2 em ratos e humanos [4]. Esta enzima é também conhecida por catalisar a N-hidroxilação das arilaminas que existem no fumo do cigarro. A seguir, apresentamos resultados de vários estudos [4] realizados para tentar identificar quais as enzimas envolvidas na produção de vários metabolitos da cafeína. Para já, só o envolvimento da CYP1A2 na formação da paraxantina e da Nacetiltransferase (NAT2) na catalização da conjugação da paraxantina para se formar 5-acetylamino-6-formilamino-3-metiluracil ( AFMU) foram identificadas com certeza. Neste contexto, estudos utilizando inibidores da CYP1A2, que bloqueiam a oxidação microssomal da cafeína, relatam que a formação de teobromina, teofilina e trimetilurato está escassamente inibida, por isso, pode-se prever que existem outras oxidases para além da CYP1A2 envolvidas na produção dos metabolitos da cafeína. Assim, a expressão humana da CYP2E1 foi referenciada como sendo a catalizadora da formação de teofilina e teobromina. Para além disso, ficou demonstrado que um anticorpo anti CYP3A conseguiu diminuir e até mesmo abolir a C-8 hidroxilação da cafeína o que sugere que CYP3A é responsável pela formação do trimetilurato . Neste estudo, realizado por Woon-Gye Chung et al [4] pretendia-se identificar o envolvimento das diferentes isoformas da CYP (2B1, 2E1, 3A1 e 1A2) e da flavina monooxigenase ( FMO) (enzima também presente nos fígado, com múltiplas formas, que oxida várias drogas usadas clinicamente e plantas com alcalóides e, por isso, tem interesse saber qual o seu envolvimento no metabolismo da cafeína) que são responsáveis pela produção dos vários metabolitos da cafeína (ver figura 7). 25 Faculdade de Farmácia Para isto, foi induzido o contéudo das CYP’s e da FMO1 com um pré tratamento com os respectivos indutores tais como o fenobartibal, a acetona, dexametasona e 3metilcolantreno. Posteriormente, foi medida a actividade específica de cada uma das isoformas da CYP e da FMO presentes no microssoma e, para isso, foram analisados os metabolitos da hidrolize da testosterona. Não entraremos aqui em detalhe sobre este assunto (metabolitos da hidrolize da testosterona) que é fundamental para saber qual das isoformas aumentou o seu conteúdo e finalmente tentar identificar qual a isoforma do Citocromo P450 e da FMO que é responsável pela produção dos quatro metabolitos primários da cafeína. Seguidamente, apresentar-se-ão duas tabelas importantes que foram obtidas neste estudo: Figura 7 - Vias metabólicas da cafeína catalizadas pelas isoformas hepáticas do rato, indicando as enzimas responsáveis pela produção dos metabolitos [4] Tabela 1 - Efeito do pré-tratamento dos vários indutores no contéudo microssomal do Citocromo P450 do fígado de rato [4] Indutor Conteúdo em P450 (nmol/mgmicrossoma) Controlo Acetona Dexametasona 3-metilcolantreno Fenobarbital 0,56 ± 0,10 0,60 ± 0,11 0,66 ± 0,12 0,92 ± 0,16 1,44 ± 0,19 Apenas nos dois últimos valores se verifica uma significativa diferença com os animais controlo. Tabela 2 - Efeito da indução do metabolismo dos microssomas no metabolismo da cafeína [4] Teobromina Paraxantina Teofilina TMU Total Controlo Acetona Dexametasona 3-metilcolantreno Fenobarbital 24±4 51±6 57±14 202±61 334 32±2 59±2 48±1 343±38* 482 6±2* 20±3* 12±3* 343±16* 381 165±30* 201±30* 148±20* 623±90* 1137 24±2 50±10 48±4 527±80* 655 Apenas nos resultados com asterisco se verifica uma significativa diferença com os animais controlo. 26 Faculdade de Farmácia Através da análise das tabelas, podemos verificar que nos microssomas hepáticos tratados com 3-metilcolantreno a quantidade formada dos quatro metabolitos está aumentada tal como o conteúdo microssomal de P450, nomeadamente, as isoformas 1A1:2, 2A1 e 3A1 (este último dado referente aos diferentes tipos de isoformas foi fornecido no estudo pela a análise dos metabolitos da hidrolize da testosterona) [4]. O contéudo da CYP2A1 e da 2C11, contidos nos microssomas hepáticos tratados com dexametasona, diminuem bem como os metabolitos provenientes da Ndesmetilação (paraxantina, teobromina e teofilina). Outra informação refere-se ao envolvimento da CYP2A1 na C-8 hidroxilação ou na N-desmetilação que não pode ser desprezada. O conteúdo em CYP3A1 nos microssomas tratados com dexametasona está aumentado em conjunto com o produto resultante da C-8 hidroxilação que é TMU. Podemos numa avaliação geral dizer que a CYP2C11 tem responsabilidades na N-desmetilação e a CYP3A1 na C-8 hidroxilação da cafeína. Quando o metabolismo da cafeína é estudado nos microssomas tratados com acetona, verifica-se que este não é significativamente alterado, mas os metabolitos da testosterona que são produzidos pela CYP2C11 estão diminuídos. Com estes dados, está como que afastado o envolvimento da CYP2C11 na N-desmetilação da cafeína. Além disso, fica também demonstrado que a CYP3A1 é responsável pela produção do metabolito da C-8 hidroxillaçao e, também, que a CYP2A1 e aCYP2C11 não estão envolvidas com a N desmetilação da cafeina. Quando o metabolismo da cafeína é testado nos microssomas de fígado pré tratado com fenobarbital, há um aumento específico da CYP1A1:2 e da 3A1 bem como da CYP2B1 e a quantidade de TMU está aumentada sem que haja alteração na quantidade desmetilada. Os resultados indicam, também, que o CYP3A1 e o 2B1 são responsáveis pela C-8 hidoxilação e que a CYP1A2 (que é a única que aumenta nos microssomas tratados com 3-metilcolantreno) é, fortemente, responsável pela Ndesmetilação da cafeína. Em estudos prévios com microssomas normais de rato para o metabolismo da cafeína demonstrou-se que a N-desmetilação da cafeína não é apenas catalizada pelo Citocromo P450 mas também pelo FMO. Chung et al [4], nos seus estudos observaram um incremento na quantidade de cafeína desmetilada observada nos microssomas tratados com 3-metilcolanterene que não se deve apenas ao incremento da actividade do CYP1A2 mas também a um aumento da actividade da FMO. Num processo de associação e comparação dos resultados obtidos pensa-se que a C8 hidroxilação da cafeína que leva à produção de TMU aparece como sendo catalisada pela CYP2B1, 2E1 e 3A1 e a N3 desmetilação que leva à produção de paraxantina é realizada pela CYP1A2 nos microssomas do fígado do rato. A N1 e a N7 desmetilação da cafeína, produzindo teobromina e teofilina, respectivamente, são catalizados preferencialmente pela FMO que está presente constitutivamente nos microssomas do fígado do rato mas também existem referências que a CYP2E1 [5] tem importância nesta metabolização, ver figura 7. Um outro estudo efectuado agora por Lelo et al [8], verificou que ao adicionar inibidores da Citocromo P450 (como por exemplo a cimetidina), havia o bloqueio da conversão do ácido 3,7 dimetilúrico a 6 amino (N metil Formilamina)metiluracilo, sendo mais uma evidência que o P450 é muito importante para a metabolização da cafeína no organismo. Uma outra investigação nesta área foi realizada por François Berthou et al, [2] em que se estudou a capacidade da cafeína aumentar o seu próprio metabolismo através da indução do Citocromo P450 nomeadamente da isoforma 1A em ratos. Fazendo um pré tratamento em ratos durante 3 dias, com 150 mg/Kg/dia com cafeína, havia um incremento do P4501A e P4502B, dependentes da actividade catalítica. Assim a N-desmetilação e a C-8 oxidação da cafeína estão aumentadas duas vezes com o tratamento com ela própria. Está também demonstrado que o conteúdo em 27 Faculdade de Farmácia P4501A2, P4502B1 e P4502B2, que se sabe estarem envolvidas em actividades monooxigenases estão aumentadas cerca de 2 vezes. O Citocromo P4503A1 e P4502El não estão modificados. Actividades monooxogenases que se sabem ser especificas do P4501A1, P4501A2 P4502B1 e P4502B2 foram medidas em preparações microssomais dos ratos controlo e dos ratos tratados com cafeína. Como se pode ver na tabela 3, as quatro actividades monooxigenases estão bastante aumentadas com o tratamento com cafeína respectivamente 7, 16,11, 15 vezes quando comparado com o controlo. Tabela 3 - Resultados do metabolismo com 1mM de cafeína pela fracções microssomais de fígado no controlo e em ratos tratados com cafeína. Os resultados estão expressos em pmol/min/mg proteína [2] Metabolito formado Grupo controlo Tratamento com cafeína N-1 desmetilação- teobromina N-3 desmetilaçãoParaxantina N-7 desmetilação- Teofilina C-8 oxidação- TMU Total do metabolismo 47±10 41±8 116±14 93±12 67±12 532±113 680±139 121±18 1207±115 1538±189 Com tudo isto pensa-se que a cafeína incrementa o seu próprio metabolismo através da indução do P4501A. Após ingestão oral de café, a cafeína é extensamente metabolizada e há a produção de cerca de 17 metabolitos diferentes que são detectados por métodos não invasivos na urina humana. Sendo assim, estão a ser feitos esforços laboratoriais para identificar as várias enzimas específicas que originam estes 17 metabolitos com objectivo de mais tarde usar o metabolismo da cafeína como método não invasivo para o estudo do fenótipo humano da actividade enzimática na metabolização de drogas. O trabalho que se descreve, seguidamente, embora não tenha por objectivo o estudo do metabolismo da cafeína, incide na utilidade de se conhecerem os seus metabolitos e quais as enzimas envolvidas na sua formação para o estudo da correlação entre a actividade de uma determinada enzima e a cancro colo-rectal [23]. O Citocromo P450 2A6 (CYP2A6) cataliza activações metabólicas de por exemplo prócancerinogénicos incluídos na dieta e no ambiente tal como as nitrosamidas. O envolvimento das CYP2A6 no desenvolvimento do cancro tem vindo a ser questionado. A conversão de um metabolito da cafeína (1,7 dimetil xantina) em ácido 1,7 dimetilúrico é catalisado primariamente pela CYP2A6 e essa actividade pode ser medida comparando a quantidade molar de ácido 1,7 dimetilurico na urina. No seu estudo, Susan Nowell et al [23] administraram 200 mg de cafeína a cada participante e, passado 4-5 horas, foram recolhidas amostras de urina e os metabolitos da cafeína foram separados por HPLC e quantificados. O rácio dos 2 metabolitos da cafeína na urina foi usado para reflectir a actividade da CYP2A6. Havendo uma maior quantidade destes metabolitos isto reflecte uma maior actividade da enzima sendo encontrada uma forte relação entre a actividade da CYP2A6, medida pela quantidade de metabolitos na urina, com o risco de cancro colo-rectal. A Cafeína é bastante usada como droga de ensaio e, pode ser usada em simultâneo para estabelecer o fenótipo da metabolização enzimática de várias drogas incluindo N-acetiltransferases, Citocromo P450, Flavina Monooxigenase e Xantinas Oxidases e daí a utilidade da cafeína neste tipo de ensaios. 28 Faculdade de Farmácia 7. Efeitos Benéficos 7.1. Doença de Parkinson A Doença de Parkinson causa tremores musculares, fraqueza e afecta muitas pessoas, em todo o mundo, sendo mais comum em idosos. Existem dados experimentais que sugerem que a cafeína reduz o risco da doença de Parkinson e, realmente, existe uma associação inversa entre o consumo de cafeína e o risco da doença, tendo esta associação sido encontrada em estudos realizados em vários locais do mundo, nomeadamente, na Alemanha e Suécia. No entanto, em Espanha esta associação não foi tão significativas [1]. A cafeína pode ajudar a prevenir, ou mesmo retardar a evolução da doença mas, tendo em conta o ainda reduzido número de trabalhos sobre este tema, não se sabe o suficiente para poder recomendar, com bastante segurança, o aumento do consumo de cafeína como medida preventiva para a Doença de Parkinson. Paulson (1992) [1] sugere uma causa comum entre a baixa ingestão de cafeína e a doença de Parkinson, devido aos baixos níveis de dopamina determinados geneticamente ou como resultado da exposição ambiental. No entanto, Soroko (1996) [1], explica, de maneira diferente, o facto de se diminuir a ingestão de cafeína quando se tem doença de Parkinson, devido a esta doença ter efeitos comuns com o consumo de cafeína, nomeadamente dificuldades em dormir e distúrbio durante o sono, levando as pessoas a associar esses sintomas à cafeína. Finalmente, a possibilidade que o consumo crónico, mas moderado, de cafeína poder reduzir o risco de doença de Parkinson relaciona-se com o efeito da cafeína no cérebro onde ocorre uma inibição do receptor A2Ada adenosina. Em roedores, agonistas dos receptores A2A da adenosina diminuem a actividade locomotora e, atendendo que antagonistas melhoram a locomoção em roedores tratados com MPTP (neurotoxina que destrói selectivamente os neurónios dopaminérgicos na substância negra), estes resultados suportam o papel da cafeína na modulação da transmissão dopaminérgica [1]. De qualquer maneira, altas doses de cafeína testada como co-adjuvante com outras drogas no tratamento da doença de Parkinson, traz benefícios adicionais. Ascherio et al (2001) [1] sugerem uma forte associação inversa entre o consumo de cafeína e a doença de Parkinson em homens e uma associação não linear em mulheres. Esta associação é consistente com o efeito protectivo, embora moderado, provocado pela ingestão de cafeína contra a doença de Parkinson, mas a possibilidade de uma relação não linear na mulher requer mais estudos. Também em 2001, Chen e colaboradores elaboraram estudos epidemiológicos associando o consumo de cafeína e a Doença de Parkinson. Os dados de Chen estabelecem uma base neurológica potencial para a associação inversa da cafeína com o desenvolvimento da Doença de Parkinson, ou seja, quanto mais presente estiver a cafeína na vida da pessoa, menor é a possibilidade dessa doença. A cafeína actuaria no sentido de evitar o défice dopaminérgico característico da Doença de Parkinson. Schwarzschild (2003) [27] afirma que os potenciais benefícios neuroprotectores dos antagonistas dos receptores A2A, onde se encontra a cafeína, sugerem a possibilidade de tratamento e melhorar os resultados da doença de Parkinson. Na verdade, estas drogas já estão em testes e poderão não somente aliviar os sintomas, mas também retardar o progresso da doença. 29 Faculdade de Farmácia 7.2. Rendimento Físico Os três maiores tipos de estimulantes do SNC correntemente usados em excesso no desporto são as anfetaminas, a cocaína e a cafeína. Embora muitos estudos sejam inconclusivos acerca da cafeína nas actividades físicas, há muitos atletas que acreditam que a substância pode aumentar a sua performance quer física quer mental. Há mesmo quem considere que esta melhoria se deve à diferença da percepção do cansaço, ou seja, ela teria um papel ergogênico no desempenho do exercício, alterando a percepção neural do esforço e da disponibilidade física [24]. No entanto, a cafeína aumenta o metabolismo dos ácidos gordos levando à conservação da glucose, tornando-se benéfico devido à mobilização dos depósitos de gordura, que são usados como fonte de energia, diminuindo a utilização do glicogénio muscular, permitindo aumentar a resistência do corpo à fadiga. A cafeína tem vários efeitos benéficos em diferentes tipos de atletas. É suposto que possa aumentar a resistência em desportos que necessitam de um contínuo uso energético. No atletismo, os corredores que tomaram cafeína equivalente a duas chávenas de café (300 mg cafeína) uma hora antes do exercício, correram 15 minutos mais do que quando eles se exercitavam sem a cafeína. Outro estudo em ciclistas que usaram 2,5 mg de cafeína por quilo de peso corporal, mostrou que eles se exercitaram 29% a mais que o grupo controle sem cafeína. Isto mostra a importância da cafeína nos desportos de endurance, que requerem exercício exaustivo e por longos períodos [24], como atletismo, ciclismo e futebol, em que os atletas necessitam de um grande vigor físico para poderem competir. A cafeína estimula o Sistema Nervoso Central em elevados níveis, tal como a medula e o córtex, e tem também a capacidade de atingir a medula espinal. O efeito no córtex reduz a fadiga e aumenta o estado de alerta [24]. Isto dá aos atletas uma grande concentração por 1 a 3 horas. Para atletas que competem em desportos em que é necessário um rápido pensamento e reacção, a cafeína pode aumentar essas respostas. O uso de cafeína é relativamente seguro, e não são conhecidos efeitos negativos na performance, nem tão pouco causa desidratação significativa ou um desequilíbrio electrolítico durante o exercício [23]. É uma substância incluída nos regulamentos de dopping de todas as federações desportivas, estando os atletas olímpicos sujeitos à desqualificação da competição a partir de 12 mg/ml de urina, quantidades obtidas com um consumo relativamente elevado de café (ver curiosidades). As pesquisas não mostram qualquer efeito da cafeína sobre a força muscular máxima ou sobre as contracções musculares voluntárias. O seu efeito, entretanto, estaria na capacidade de retardar a fadiga, possivelmente devido à sua influência sobre a sensibilidade das miofibrilhas ao ião cálcio. 30 Faculdade de Farmácia 7.3. Melhoria da Atenção Sabe-se há muito que as substâncias estimulantes podem melhorar a atenção, entre elas a cafeína, e que apresentam resultados positivos sobre os níveis de atenção. Em pacientes portadores de défice de atenção e hiperactividade, onde está prejudicada a atenção voluntária e selectiva por um excesso de atenção espontânea (aumento da vigilância e prejuízo da tenacidade), a cafeína teria um possível efeito nos mecanismos frontais do controle, isto é, melhorando a atenção focalizada (espontânea) e favorecendo uma maior selectividade do objecto a dedicar atenção. Liguori (2001) [17] estudou o efeito da cafeína e do álcool na capacidade de um indivíduo dirigir veículos e sugere que a cafeína pode aumentar o alerta e melhorar o tempo de reacção após a ingestão de álcool mas sem neutralizar completamente os efeitos maléficos do álcool na condução. Liguori refere ainda que a cafeína sozinha aumenta o estado de alerta e o nervosismo, mas não afecta significativamente o domínio corporal e a performance psicomotora para a condução. Embora as bases fisiológicas da atenção selectiva e do alerta não estejam bem compreendidas, sabe-se que o tálamo está envolvido em ambos e, embora outras áreas do cérebro intervenham, estas não alteram a sua actividade durante o período de alerta [24]. Portas (1998) [25] através de seus estudos refere alterações na actividade talâmica secundariamente à administração de cafeína, o que sugere uma intervenção desta no estado de alerta e atenção. Estudos do “National Institutes of Health” [14], mostram que as crianças reagem da mesma forma que os adultos à cafeína. Estes estudos mostram que a cafeína contida nas comidas e bebidas não tem efeito na hiperactividade e no défice de atenção das crianças. Os pais devem, então, usar o bom senso para decidir as quantidades de cafeína contidas nos alimentos a fornecer às suas crianças. 31 Faculdade de Farmácia 7.4. Dores de Cabeça A cafeína, devido à sua capacidade de contrair os vasos sanguíneos, é muito referida na melhoria das dores de cabeça, já que estas se devem sobretudo à dilatação dos vasos sanguíneos do crânio e, portanto, se houver algo que contrarie essa dilatação vai-se verificar uma melhoria dos sintomas e é exactamente isso que se passa com a cafeína. Actualmente, existem em Portugal numerosos medicamentos nomeadamente anti-inflamatórios não esteróides (AINE’s), como o ácido acetilsalicílico e o paracetamol que aparecem normalmente associados com a cafeína em diferentes quantidades, já que devido às suas propriedades de contracção dos vasos sanguíneos cerebrais têm um efeito sinérgico com estes anti-inflamatórios, ou seja, o alívio da dor pode verificar-se mais rapidamente. Seymour Diamond (2001), realizou um estudo com 301 pessoas que sofriam de dor de cabeça (cefaleia) frequente e mostrou que uma dose de cafeína também pode ajudar a tratar a cefaleia comum associada à tensão e atingir resultados ainda melhores se combinada com ibuprofeno. Da população pesquisada, 80% dos que tomaram a combinação de ibuprofeno com cafeína verificaram que as dores melhoraram significativamente em seis horas em comparação com 67% que tomaram somente ibuprofeno. Os pacientes que receberam ibuprofeno associado à cafeína tiveram um alívio da dor quase uma hora antes dos pacientes que tomaram apenas ibuprofeno. Esses pacientes pesquisados por Diamond apresentavam dores de cabeça associadas à tensão, conhecidas como cefaleias por tensão, de 3 a 15 vezes por mês. Indivíduos que sofram frequentemente de dores de cabeça, do tipo enxaqueca, podem recorrer ao café para melhorar os sintomas, no entanto, não o devem ingerir com frequência para não adquirirem tolerância à cafeína e assim aquando das crises de enxaqueca possam recorrer ao café como terapêutica. 32 Faculdade de Farmácia 7.5. Apnéia do Recém Nascido Define-se apnéia a paragem da respiração por um tempo superior a 5 segundos, podendo ser patológica se for seguida de diminuição dos batimentos cardíacos (bradicardia) e palidez da pele (cianose). A apnéia é o distúrbio respiratório mais frequente no período neonatal. Na maioria das vezes, a apnéia é uma ocorrência isolada, mas que pode colocar o recém-nascido em risco de vida, quando não é prontamente reconhecida e tratada adequadamente. Frequentemente, a apnéia neonatal ocorre em crianças com baixo peso (inferior a 2,5 Kg) e prematuros mas, excepcionalmente, a apnéia grave também pode ocorrer no recém-nascido de tempo e pesos normais. Embora o tratamento oficialmente reconhecido para a apnéia neonatal seja com teofilina, a cafeína poderia também ser uma escolha, tendo como vantagens sobre a teofilina, um tempo de semi-vida maior, podendo ser administrada a cada 24h e com menos efeitos colaterais. Alguns autores recomendam a administração de cafeína em recém-nascidos em que o uso de teofilina não resolveu o problema e ainda apresentam apnéias. No Brasil a cafeína existe para estas situações em solução ou pó de cafeína para uso via oral. 33 Faculdade de Farmácia 7.6. Outros Efeitos Além dos efeitos terapêuticos referidos, muitos outros têm sido propostos, como por exemplo, para a inseminação artificial, em casos de espermatozóides hipocinéticos, benefícios no tratamento da dermatite atópica e alívio de cólicas menstruais (dismenorreia), produzidas pela retenção de líquidos, onde o efeito diurético da cafeína pode ser útil. A possível acção antineoplásica da cafeína necessita de pesquisas adicionais, pois ela poderá ter um papel importante na protecção dos fumadores contra o cancro do pulmão. 34 Faculdade de Farmácia 8. Toxicologia 8.1. Generalidades A já longa história da cafeína confirma que é seguro o seu consumo desde que feito com moderação, no entanto, o mesmo pode não acontecer para elevadas doses. Os primeiros estudos sobre as propriedades toxicológicas da cafeína foram realizados por Salant e Rieger (1912) [15] que demonstraram que a dose mínima fatal administrada intraperitonealmente em coelhos, porcos da índia e gatos varia entre 150 a 250 mg/kg. A dose mínima fatal em humanos é aproximadamente de 150-200 mg/kg, embora haja casos em que ocorreu a morte por intoxicação com apenas doses de 57 mg/kg. A dose tóxica mínima não letal é 2-5 mg/kg [15], sendo os sintomas típicos iniciais náuseas, vómitos, diarreias e caimbrãs. Os efeitos, no sistema nervoso central, manifestam-se por cansaço, agitação e irritabilidade. Em casos mais severos pode ocorrer ataque apopléctico. A dose mortal para um adulto rondaria a ingestão de 70 a 100 cafés. No entanto, a sensação de mau estar que se sente quando se ingere o vigésimo café é tão grande que geralmente é impossível continuar a ingerir mais café evitando-se, assim atingir a dose fatal. Relativamente aos LD50's, estes variam muito consoante a via de administração bem como a espécie animal (Ver tabela 1). Para os ratos estes valores variam entre as 105-200 mg/kg, enquanto para o homem situam-se entre 150-200 mg/kg. Os LD50 são expressos tradicionalmente em mg/kg, significando, por exemplo, que se se injectarem 100 mg de cafeína em 100 ratos, com um Kg de peso, 50% deles morriam. Tabela 1 Toxicidade da cafeína (From Tarka, 1982) Compound Caffeine a b Species Man Rat Mouse Hamster Guinea pig Rabbit Cat Dog LD50 (mg/kg) p.o. i.p. a 150-200 200 200 127 220b 230 230 235 246 b 125 190b 145b - Clinical Signs i.v. 57a 105 100 175 Convulsions, emesis, coma Convulsions, respiratory failure Convulsions Convulsions, stupor Convulsions Convulsions Convulsions Convulsions Fatal dose Median lethal dose Usando uma escala linear, a LD50 administrada via intravenosa em ratos com 2kg seria 200 mg, em cães com 10 kg seria 1 g e numa pessoa de 60 kg seria aproximadamente 6 g (100 mg x 60 Kg). No entanto estes 6 g são entendidos como uma aproximação da LD50 da cafeína em humanos, pois é discutível até que ponto é correcto usar uma escala linear e obter directamente um valor aproximado para a LD50.A dúvida baseia-se nas diferenças entre o metabolismo dos ratos e o dos humanos, bem como noutros factores, devendo a LD50 deve ser ligeiramente mais baixa que a obtida numa escala linear baseada nas obtidas para os ratos. Por tudo isto é sugerido multiplicar o valor resultante da escala linear por um factor, que no caso dos humanos será 0,7 e assim vamos ter um resultado mais aproximado, o que fará baixar dos 6000 mg para os 4200 35 Faculdade de Farmácia mg a dose potencialmente letal por via intravenosa, para um indivíduo com 60 kg. No entanto é importando reter que este valor não é necessariamente a dose letal, mas sim uma aproximação da dose em que 50% dos sujeitos submetidos aos testes poderiam morrer. Este factor de 0,7 permite aproximar os valores constantes da tabela 1 que seriam 3420 mg (57 x 60) com os baseados em outros animais. Os efeitos tóxicos, a nível cardiovascular, incluem supraventricular e ventricular taquicardia. Podem também verificar-se dores abdominais, vómitos e a nível do sistema nervoso central verifica-se agitação, alteração do estado de consciência, rigidez e ataque apopléctico [11]. Foi, também, referido edema pulmonar após ingestões severas e, em estudos animais, foi sugerido a vasodilatação pulmonar como o mecanismo responsável pela morte. A desidratação pode ocorrer devido a uma diurese excessiva conjuntamente com perdas gastrointestinais. Em termos laboratoriais, a toxicidade da cafeína inclui hipocalémia, hipocalcémia, hiperglicémia, leucocitoses, glicosúria bem como cetonúria. As concentrações plasmáticas de cafeína atingem um pico duas horas após a ingestão. A ingestão de duas chávenas de café resultará em níveis plasmáticos de 1-10 µg/ml. Os ataques apoplécticos foram reportados para níveis de 50 µg/ml e a morte para níveis pouco abaixo de 80 µg/ml. Os metabolitos da cafeína estavam aumentados quando comparados com os níveis de teofilina. Peters (1967) [15] refere que após a injecção subcutânea em ratos, a morte aparece depois de severas convulsões, e pós a administração oral são observadas convulsões tetânicas, sendo a morte atribuída a falha respiratória ou, em alguns casos, ao colapso cardiovascular. Elevadas doses de cafeína (185 mg/kg) matam os ratos susceptíveis em 2 a 3 dias, deixando, no entanto, alguns mais resistentes ainda vivos. No entanto, Peters não apresenta nenhuma explicação para este facto, verificando um aumento no peso relativo da glândula adrenal e uma diminuição no peso relativo da glândula do timo, sendo estes efeitos observados ao fim de 7 dias após administração. A dieta e as condições metabólicas marcam muito a magnitude da toxicidade. A causa directa de morte é descrita como sendo fibrilação ventricular, estando demonstrado em ratos anestesiados que a fibrilação ventricular ocorre com doses letais de cafeína [11]. Não existe um antídoto específico para a intoxicação com cafeína, sendo a atenção e o cuidado a melhor ajuda. A ipecacuanha não é recomendada, ao passo que a indução prévia do vómito com ipecacuanha é recomendado. O carvão activado tem demonstrado ser útil para se ligar à cafeína. Pode, também, ser usada uma sonda para remover do tracto gastrointestinal a droga por absorver. A lavagem gástrica, com solução salina, pode ser útil para remover substâncias do estômago, bem como tratar hemorragias gastrointestinais. Os anti-ácidos são também de considerar nestas situações. O ataque apopléctico pode ser tratado com diazepam ou fenobarbital que pode também servir para neutralizar o efeito da cafeína no sistema nervoso central. As arritmias cardíacas devem ser tratadas com agente apropriado, sendo a contribuição dos β-bloqueadores particularmente importantes na neutralização da estimulação excessiva dos β-adrenérgicos. O esmolol é uma escolha atractiva devido à sua cardioselectividade e tempo de semi-vida curto. O paciente deve ser monitorizado pelo balanço electrolítico, particularmente a hiperglicémia, hipocalcémia e hipocalémia, embora estes distúrbios raramente requeiram tratamento. Dietrich e Mortensen (1990) [7] referem o caso de uma criança com um ano de idade, que após ingestão aproximada de 2-3 g de cafeína (200-300 mg/kg), sobreviveu com uma concentração máxima de cafeína de 385 µg/ml quatro horas após a ingestão. A criança desenvolveu arritmias ventriculares, ataque apopléctico, distúrbios metabólicos e um grave edema pulmonar. Devido à magnitude da quantidade ingerida e da severidade dos sintomas cardíacos e neurológicos, o doente foi tratado com 36 Faculdade de Farmácia carvão activado por hemoperfusão e a criança sobreviveu sem quaisquer sequelas aparentes a longo prazo. A criança obteve uma concentração no soro que é a segunda mais elevada alguma vez reportada num sobrevivente com intoxicação por cafeína. No entanto, a maioria dos pacientes não requer técnicas tão agressivas para a eliminação do composto e conseguirão melhorar desde que devidamente acompanhados. Existem mais dados de intoxicações por cafeína, nomeadamente num Hospital Universitário Sueco, onde são referidos 4 casos durante um ano (ver tabela 2). Tabela 2 – Resumo da análise toxicológica e da causa principal de morte [11] Case Age Sex Toxicological results Cause of death Manner of death 1 54 M Intoxication by caffeine Uncertain 2 21 M Ethanol negative 173 caffeine 2.2 orphenadrine 1.1 thioridazine Ethanol negative 210 caffeine 0.5 venlafaxine 0.1desmethylvenlafaxine Intoxication by caffeine Suicide 3 31 M Ethanol negative 153 caffeine Intoxication by caffeine Suicide 4 47 F Ethanol negative 200 caffeine 4.8 ephedrine Intoxication by caffeine Uncertain Em todos os casos a cafeína foi encontrada em concentrações consideradas letais, sendo esta 80-100 µg/g de sangue [11], e apenas no caso 3 a cafeína é a única droga encontrada. A orfenadrina e a efedrina foram encontradas em altas doses e todas as outras substâncias também presentes, estavam nas suas concentrações terapêuticas. Em nenhum dos casos foi encontrado etanol. P. Holmgren et al (2004) [11] consideram que a overdose com comprimidos contendo cafeína causa intoxicação fatal, sendo usado no suicídio intencional. No entanto, há casos em que a intoxicação intencional deve ser suspeitada. A cafeína tem algumas características que a tornam mais perigosa do que pensamos, pois é fácil de obter, o efeito é rápido, a farmacocinética é dose dependente e existem interacções com outros fármacos, nomeadamente com halopurinol, anti-arritmicos, antibióticos, anti-epilécticos, anti-fúngicos, antagonistas H2 da histamina, simpaticomiméticos e contraceptivos orais [20]. 37 Faculdade de Farmácia 8.2. Imunotoxicidade Elevadas doses de cafeína, cerca de 1/5 da LD50, produzem significativas diminuições da resposta imune humoral como o demonstrado pela diminuição do anticorpo IgM. Há referências de que a administração de altas doses de cafeína (200 mg/kg i.p.) em ratos aumenta os níveis em circulação de interferão, em resposta a uma infecção viral. Quando expostos a uma dieta com grandes quantidades de cafeína, os ratos apresentam uma diminuição do peso do timo, sendo esta atrofia mais notória no macho, bem como um aumento do peso das glândulas adrenais e dos nódulos linfáticos periféricos. 38 Faculdade de Farmácia 8.3. Genotoxicidade e Carcinogenecidade Devido à semelhança química entre a cafeína e a purina, componente dos ácidos nucleicos, e consequentemente do ADN, a cafeína poderia ter uma potencial mutagenecidade. A cafeína tem, também, sido investigada pelo seu potencial mutagénico na actividade de bactérias, fungos e células de mamíferos em cultura, bem como em altas concentrações poder induzir a apoptose. Em baixas doses de cafeína não foi demonstrada citotoxidade e actividade apoptótica, podendo actuar até como um antioxidante mas, em elevadas concentrações, pode induzir a apoptose de duas formas: na actividade da caspase ou na fragmentação do ADN [9]. Mildred e Robert (2001) num artigo de revisão referem que a cafeína é um inibidor da síntese e reparação do ADN em pequenos organismos e sistemas celulares simples, não parecendo afectar as formas mamíferas. Estudos em ratos, com elevadas doses (200 mg/kg) foram negativos considerando-se a cafeína como uma droga que não aparenta ter significativa genotoxicidade para o homem [22]. Ao longo dos anos, a cafeína tem sido relacionada com o aparecimento de certos cancros, mas esta associação não é suportada por estudos médicos. Rosenberg (1990) [13] estudou a relação entre o cancro rectal, do cólon, pancreático e da bexiga e a sua relação com o consumo de cafeína. Este estudo incluiu mais de 20 mil indivíduos e não foi encontrada uma relação entre o consumo de cafeína e estes tipos de cancro. Têm sido realizados outros estudos nesta área, nomeadamente, no cancro pancreático e do tracto urinário sem qualquer relação encontrada com o consumo de cafeína, além de que é sempre difícil analisar apenas o contributo da cafeína pois, existem numerosos factores que concorrem com esta para um provável aumento da incidência de cancro. De acordo com “American Cancer Society”, os estudos actuais não permitem concluir que um aumento da ingestão de cafeína possa contribuir para um maior risco de cancro no homem, afirmação proferida também pela “International Agency for Research on Cancer”. Cancros mamários benignos, foram muitas vezes associados ao consumo de cafeína, Minton (1981) [15] referia mesmo que uma abstenção do consumo de metilxantinas, nomeadamente cafeína, resultava numa completa resolução do problema em 82,5% das mulheres, bem como estes tumores benignos poderiam levar a uma degeneração para malignos devido ao aumento de cAMP já que um consumo crónico de cafeína leva a uma inibição de fosfodiesterases. Estudos a nível mundial demonstraram não haver qualquer relação entre o consumo de cafeína e o cancro da mama, bem como uma associação desta com o aparecimento de tumores mamários benignos [14]. Quer a “American Medical Association’s Council on Scientific Affairs”, quer a “National Cancer Institute” concordam em afirmar que não existe associação entre a ingestão de cafeína e a incidência dos tumores mamários benignos. 39 Faculdade de Farmácia 8.4. Teratogenecidade e Reprodução Será a cafeína um potencial teratogénio, isto é, estará demonstrado que a cafeína produza uma alteração permanente no embrião ou feto humano, após exposição intra-uterina a níveis que, usualmente, ocorram ou se consigam alcançar, isto é o que se pretende responder nas próximas linhas. O estudo levado a cabo por Nishimura e Nakai (1960), pretendia dar atenção ao potencial desenvolvimento de efeitos causados pela administração intraperitoneal de cafeína em doses de 250 mg/kg em ratos, no entanto, tratava-se de doses extremamente elevadas, que, em condições normais nunca seriam possíveis de obter pelo consumo de alimentos com cafeína. Estudos epidemiológicos (Fedrick, 1974; Borlee et al, 1978) descrevem que mulheres que consumam cafeína durante a gravidez estão mais sujeitas a desenvolverem aborto espontâneo, mal formações fetais, bem como retardamento do crescimento fetal e bebés de baixo peso à nascença. Os resultados indicaram que um elevado consumo de cafeína, mais de 8 chávenas de café por dia, estava associado a um incremento na frequência de mal formações congénitas, de 13% para 23%. No entanto, é sempre complicado analisar os estudos epidemiológicos isolados, nomeadamente, o risco de aborto, sem se ter em conta efeitos reprodutivos e no desenvolvimento. Aliás estes estudos foram posteriormente considerados como usando metodologias limitadas (Pieters, 1985; James e Pauli, 1985). Dependendo do método de administração e das espécies, a dose máxima para a qual não se observa qualquer efeito (NOEL), em roedores, é aproximadamente 30 mg/kg por dia, a NOEL teratogénica é 8,100 mg/kg por dia e a NOEL reprodutiva é aproximadamente 80-120 mg/kg por dia [22]. Klebanoff et al (1999) concluíram que “o consumo moderado de cafeína é pouco provável aumentar o risco de aborto espontâneo”. As mulheres grávidas ou mesmo a pensar engravidar, que não fumem, não bebam álcool e que consumam quantidades moderadas de cafeína (<5-6 mg/kg por dia) não aumentam o risco de aborto nem diminuem a taxa de reprodução. Christian e Brent (2001) [22], concluem que a cafeína é um químico que está na longa lista de químicos e drogas que podem ter um potencial que provoque mal formações fetais se usadas em excesso. A “Organization of Teratology Information Services” (OTIS) refere que não existem evidências que a cafeína provoque deficiências nos recém-nascidos humanos. Toda esta controvérsia sobre a toxicidade fetal da cafeína surge porque foi demonstrado in vitro que induz mutações cromossomais, mas nunca o foi demonstrado in vivo. Os estudos em animais demonstraram teratogenecidade para doses extremamente elevadas, mas não para doses fisiológicas ou doses moderadamente tóxicas. Martin e Bracken (1987), reportam que o uso de cafeína em grandes quantidades estaria associada a uma diminuição de 105 g no peso do recém-nascido, no entanto, o seu uso moderado não está associado ao nascimento de bebés com baixo peso. Fortier et al (1993) referem que existe um risco do nascimento de bebés com baixo peso de 5,2% em consumidoras de grandes quantidades de cafeína (>300 mg/dia) e 1,3% em mulheres que não ingeriam cafeína, no entanto este 1,3% é um valor abaixo da incidência verificada num grupo controlo. Outros estudos não detectaram relação entre o peso do recém-nascido e o consumo de cafeína (Larroque, 1993). A relação entre consumo de cafeína e a alteração da fertilidade foi estudada por Wilcox et al, (1988) em que 28% das mulheres que não conseguiram engravidar até 3 meses após deixarem de tomar anti-conceptivos orais, ingeriam grandes 40 Faculdade de Farmácia quantidades de cafeína, e que só 6% engravidaram ao tomar grandes quantidades de cafeína. Williams et al (1990) referem que mulheres que bebiam mais de 4 chávenas de café por dia, tinham um tempo de concepção de 6.65 meses, comparado com 4,84 meses em mulheres que não consumiam café. 41 Faculdade de Farmácia 8.5. Efeitos Renais e Osteoporose Existem dados referindo um aumento da excreção via urinária de minerais, nomeadamente de cálcio, magnésio, sódio mas não potássio após 3h da ingestão de bebidas contendo entre 150 a 300 mg de cafeína, bem como um aumento do volume urinário, sendo sugerido um envolvimento das prostaglandinas no incremento da concentração de cálcio na urina. Existe uma relação entre o consumo de café por mulheres na pré-menopausa manifestada pela diminuição do balanço do cálcio atribuído a perdas urinárias e intestinais de cálcio. Pelo facto de ter sido demonstrado que a cafeína aumenta ligeiramente a excreção de cálcio, foi sugerido que a sua ingestão seria um factor de risco para a osteoporose, nomeadamente, em mulheres na menopausa. No entanto, existem pesquisas que demonstram que a ingestão de cafeína não representa um risco tão significativo na diminuição dos níveis de cálcio e consequente aparecimento da osteoporose, particularmente em mulheres que consomem as quantidades adequadas de cálcio. Em 1994 o National Institutes of Health [14] concluiu que a cafeína não afectava, significativamente, a excreção ou absorção de cálcio. 42 Faculdade de Farmácia 8.6. Efeitos Gastrointestinais Está demonstrado que a administração de cafeína é um estimulante da secreção de ácido e pepsina no suco gástrico. Um aumento significativo do volume e da acidez do suco gástrico é verificado quer a administração de cafeína ocorra por via oral ou intra-venosa. Como é sabido, o aumento de ácido e pepsina é observado no agravamento das úlceras pépticas e, por isso, é recomendado evitar a cafeína nestas situações. 43 Faculdade de Farmácia 8.7. Efeitos no Sistema Endócrino a Nível Cerebral A administração intraperitoneal de cafeína em elevadas doses (100 mg/kg) em ratos leva a uma depressão da secreção de tirotropina até 6h após administração bem como da hormona do crescimento, havendo ainda um nítido aumento da concentração plasmática de corticosterona. Ocorre, também, a diminuição das concentrações no soro de 3,5,3-triiodotironina e tiroxina acompanhando a resposta da tirotropina. 44 Faculdade de Farmácia 8.8. Efeitos Cardiovasculares e Circulatórios A cafeína, o café e as doenças cardiovasculares é outra área extensivamente estudada. Em 1986, um estudo tentou relacionar o consumo excessivo de café e as doenças do coração. No entanto, os investigadores falharam no controlo de outros factores significativos como as dietas e os hábitos tabágicos. Investigadores da Universidade de Harvard [14] conduziram um estudo que levou à conclusão que o consumo de cafeína não contribuía para um aumento substancial do risco de doença coronária, sendo os principais indicadores a dieta rica em gorduras, nomeadamente o colesterol e o tabaco. O consumo de cafeína leva a um ligeiro aumento dos níveis das lipoproteínas de alta densidade (HDL), o bom colesterol, para proteger e diminuir o risco de doenças coronárias. No entanto um estudo de “Scottish Heart Health” refere não haver qualquer relação entre o consumo de cafeína e o aumento do HDL ou diminuição do risco de doença coronária [13]. Uma discussão alargada tem sugerido uma relação entre a cafeína e o aumento da pressão sanguínea. No entanto, um grande número de estudos tem demonstrado que o pequeno aumento temporário da pressão sanguínea, devido ao consumo de cafeína, é menor que o provocado pelas actividades normais diárias. A cafeína não causa hipertensão crónica ou incremento persistente da pressão sanguínea. No entanto, alguns indivíduos sensíveis à cafeína podem experimentar um ligeiro aumento da pressão sanguínea que, normalmente, não dura mais que algumas horas. Indivíduos com elevada pressão sanguínea devem consultar o seu médico a fim de se aconselharem sobre a ingestão de cafeína [14]. A abstenção de cafeína não influencia a ocorrência ou frequência de arritmias bem como a excitabilidade ou severidade das arritmias ventriculares [13]. 45 Faculdade de Farmácia 8.9. Ecotoxicologia A água natural é importante para os ecosistemas, consumo humano, práticas agrícolas e para actividades recreativas requerendo uma rigorosa protecção da sua contaminação quer por xenobióticos quer por microorganismos patogénicos. A poluição na água pode advir de diversas fontes, como a doméstica, a industrial, ou a resultante de práticas agrícolas, sendo então necessários marcadores apropriados tanto para detectar como para localizar as fontes de poluição da água. Um marcador ideal deveria dar-nos uma resposta concreta da fonte bem como permitir a quantificação da poluição. Os indicadores baseados em bactérias, como os coliformes fecais, são tradicionalmente usados para monitorizar a contaminação das águas naturais, mas a sua fiabilidade tem sido questionada devido quer ao seu pequeno tempo de vida quer à sua limitação relativamente a fontes específicas. Alternativamente, uma série de marcadores químicos têm sido sugeridos para avaliar a poluição causada pela actividade doméstica. Um potencial marcador químico para as águas residuais domésticas é a cafeína, pois o homem é a única espécie que a consome, utiliza e a excreta de uma forma regular. A cafeína tem sido detectada nas águas residuais, águas de superfície e águas do solo em todo o mundo. No entanto, poucos estudos mostram uma relação entre as concentrações de cafeína encontradas e o número populacional. B. Ignaz et al (2003) [12] estudaram a cafeína como um marcador humano nas águas residuais e a contaminação destas nas águas superficiais. As concentrações de cafeína nos afluentes e efluentes das Estações de tratamento de águas residuais (ETAR’s) da Suiça foram de 7-73 µg/L e de 0,03-9,5, µg/L respectivamente) demonstrando uma eliminação eficiente de 81%-99%, devido primariamente a uma degradação por microorganismos. A cafeína possui portanto uma boa biodegradabilidade, verificando-se concentrações menores que 1% algumas horas ou dias depois [6]. Existem também estudos que determinaram as concentrações de cafeína em efluentes de ETAR’s: >100 µg/L nos EUA; 20-300 µg/L no Canadá e 34 µg/L na Suécia [3]. As concentrações de cafeína nas águas residuais não tratadas reflectem não só o consumo, metabolismo, e excreção de cafeína mas também a proveniente de bebidas e alimentos eliminados directamente, bem como as grandes quantidades de chá e café eliminados também directamente pelos cafés e restaurantes [3]. A média das quantidades de cafeína nas águas residuais tratadas foi de 0,06±0,03 mg pessoa-1 dia-1, valor este menor a 0,1% quando comparada com a cafeína consumida, isto se se tiver em conta que entre os mais de 20 metabolitos, apenas entre 0,5% e 10% de cafeína é excretada inalterada na urina. Assumindo um consumo de sensivelmente 300 mg pessoa-1 dia-1, a quantidade de cafeína nas afluentes das ETAR’s seria de aproximadamente de 16 mg pessoa-1 dia-1, sugerido por uma excreção colectiva de aproximadamente 5% [12]. Conclui-se que as ETAR’s são na generalidade eficientes na eliminação da cafeína, no entanto, B. Ignaz et al (2003) [12] verificam também a sua presença em lagos e rios na Suiça em concentrações de 6 a 250 ng/L, excepto em lagos de montanhas remotas (<2 ng/L). A cafeína foi também encontrada nas águas superficiais do Figura 8– Localização das mar mediterrâneo (5m, 4 a 5 ng/L) mas não no mesmo amostras no Oceano local a uma profundidade maior (150 m, <2 ng/L) (ver Mediterrâneo [12] figura 8). 46 Faculdade de Farmácia Legenda da Figura 8 [12] Mediterranean Sea Sampling date Southern Spain, position May 26, 2001 A, 37º9’ N, 0º56’ W (5 m) Position B, 36º21’ N, 3º47’ May 28, 2001 W (5 m)a Position B, 36º21’ N, 3º47’ May 28, 2001 W (150 m) a – Primarily water from the Atlantic Ocean b – Limit of detection Caffeine (ng/l) 5 4 <2b Têm surgido nos últimos anos avanços significativos nos métodos de quantificação, nomeadamente para a cafeína na ordem menor a 1µg/L em amostras de água, no entanto estes métodos não são tão reprodutíveis em amostras ambientais [3], o que pode levar a pensar até que ponto não estamos nós sujeitos ao contacto com as mais diversas substâncias químicas. A cafeína também já foi encontrada em níveis superiores a 1µg/L na água para consumo humano, o que leva a concluir que os produtos farmacêuticos podem estar presentes na água para beber, felizmente em menores concentrações que nas águas superficiais [16]. A correlação entre as concentrações de cafeína nos lagos da Suiça e a população, demonstram que a cafeína é um marcador químico antropológico adequado para verificar a contaminação das águas superficiais pelas águas residuais (ver figura 9 [12]). A cafeína é proveniente de uma fonte específica, águas residuais domésticas e as concentrações nas águas superficiais são suficientemente elevadas para a sua quantificação analítica, no entanto o seu uso como marcador químico está limitado a áreas sem fontes naturais ou industriais de cafeína. Figura 9 – Concentração de Cafeína [12] 47 Faculdade de Farmácia 9. O que dizem as Entidades A cafeína é um dos ingredientes mais estudados pelas diversas associações governamentais e não governamentais, sendo a droga mais adicionada nos alimentos. Em 1958 a entidade responsável pelos alimentos e medicamentos dos Estados Unidos da América “ Food and Drug Administration” (FDA) classificou a cafeína como um composto GRAS, isto é, substância reconhecida geralmente como segura [13]. A FDA em 1987 não encontrou qualquer evidência que demonstrasse que o normal consumo de cafeína produzisse qualquer risco para a saúde, tendo a “ American Medical Association”, a “ American Cancer Society, “National Academy of Sciences e a “National Institutes of Health” efectuado declarações similares às da FDA concordando que o consumo moderado de cafeína é seguro. O consumo moderado e com bom senso é importante quando se ingerem alimentos contendo cafeína. Considera-se um consumo moderado de cafeína cerca de 300 mg diários, o que equivale a cerca de duas chávenas de café mas, dependendo, no entanto, dos alimentos e da sensibilidade individual. As pessoas que têm problemas de saúde devem procurar falar com o seu médico afim de se aconselharem relativamente ao consumo ou não de cafeína no seu caso particular. O “Center of Science in the Public Interest” (CSPI) defende que os consumidores têm o direito a saber a quantidade de cafeína existente nos diversos alimentos. Estes dados são muitos importantes para várias pessoas, especialmente mulheres que estejam ou venham a estar grávidas e que queiram evitar ou limitar o seu consumo. É referido ainda que os pais devem saber que quantidade de cafeína têm os alimentos para poderem limitar o seu consumo por parte das crianças. Legalmente a CSPI em 1970 interpelou a FDA para que esta emitisse um parecer, que só apareceu em 1981,em que se avisava que, se possível, as mulheres grávidas deviam evitar alimentos e medicamentos contendo cafeína ou então que a consumissem com moderação. A FDA continua a manter esta informação como oficial. Infelizmente, alguns alimentos não informam os seus níveis de cafeína, dificultando, assim, a prática do aviso da FDA. A CSPI refere que, devido à grande diversidade de produtos contendo cafeína, é impossível aos consumidores estimar a quantidade de cafeína baseando-se nos nomes dos produtos ou nas informações fornecidas. Em todo este contexto a “American Medical Association” interpelou, recentemente, a FDA para requerer a obrigatoriedade de se encontrar nos produtos as quantidades de cafeína adicionadas e, sendo a cafeína um ingrediente adicionado aos alimentos, deve ser incluída na respectiva lista dos ingredientes. A CSPI entregou, recentemente uma petição à FDA para que esta estudasse os efeitos da cafeína na saúde humana, afim de determinar até que ponto devem ser emitidos avisos alarmantes ou não, tendo em conta as quantidades presentes nos alimentos, para que assim se possa proteger as pessoas. Situações mais específicas emitidas pelas respectivas entidades são referidas ao longo dos textos, consoante os temas aí abordados. A cafeína, apesar de estar incluída na lista elaborada pela FDA como sendo um composto geralmente reconhecido como seguro é, no entanto, necessário que as bebidas com cafeína obedeçam a determinados limites impostos, para terem os requisitos que permitam a sua inclusão na lista das drogas geralmente reconhecidas como seguras. Nessas bebidas o nível máximo admissível é de 0,02%, no entanto, segundo a legislação dos Estados Unidos da América a cafeína não está considerada como um aditivo em bebidas carbonatadas, uma vez que se parte geralmente de um extracto de sementes da planta Cola que, praticamente, contém uma concentração de cafeína que é o dobro da do café. Por este motivo, a tendência actual é que a cafeína 48 Faculdade de Farmácia seja eliminada da GRAS. A agravar esta situação está o facto de que os maiores consumidores deste tipo de bebida serem crianças ou jovens, que normalmente não estão consciencializados para o risco que o consumo de cafeína representa. Na União Europeia, é obrigatório ser assinalado nas embalagens a presença de cafeína sempre que esta exceda os 150 mg por litro. Isto aplica-se à cafeína proveniente de qualquer fonte, incluindo o guaraná que é frequentemente encontrado em bebidas energéticas. A cafeína é, em alguns países, considerada um condimento e não um ingrediente. 49 Faculdade de Farmácia 10. Descafeínado Existem numerosos métodos para remover a cafeína das suas fontes naturais, nomeadamente, com diclorometano, acetato de etilo, dióxido de carbono e água. O diclorometano é um químico usado como solvente para extrair a cafeína, uma vez que a dissolve selectivamente, sem dissolver os açúcares, peptídeos e ingredientes do sabor. As moléculas de cafeína ligam-se às moléculas de diclorometano sendo, posteriormente, separadas em banho ou vapor de água. No entanto, pode-se usar dois métodos para processar a cafeína contida nos grãos de café com diclorometano: Método directo, em que a cafeína é removida directamente misturando-se todos os constituintes com o diclorometano. Método indirecto, baseado na solubilidade da cafeína na água em que se misturam todos os constituintes na água. Muitos dos sabores e óleos característicos são também extraídos; então a solução é tratada com o diclorometano e, posteriormente, por reabsorção, os sabores e os óleos retornam aos grãos de café. O diclorometano extraía a cafeína sem mudar o sabor ou aroma do café, no entanto, o diclorometano é tóxico e surgiram evidências de que era carcinogénico tendo sido apenas usado até 1980 para descafeinar o café. Interessa referir que o diclorometano, embora já não se use para descafeinar o café com fins industriais, pode ainda ser usado com fins científicos para extrair a cafeína das amostras a analisar [18]. O acetato de etilo foi então o substituto do diclorometano, sendo os produtos descafeinados com este composto referidos como “descafeinados naturalmente” pois o acetato de etilo é um composto encontrado naturalmente em muitos frutos. A cafeína, com o acetato de etilo era extraída da mesma maneira como o diclorometano. No entanto usou-se apenas até ao início dos anos 90, pois só então se descobriu que apresentava também alguma toxicidade. Foi, somente, a partir de 1990 que um solvente não tóxico e mais natural passou a ser usado: O dióxido de carbono. A pressões e temperaturas elevadas (acima de 72.8 atm e 304.2 K ) a densidade do gás CO2 e do seu líquido é idêntica, e este torna-se um fluído super crítico. O fluído dissolve substâncias como um líquido, principalmente substâncias orgânicas, como a cafeína. O processo de extracção é simples: as pequenas moléculas não Figura 10 - Processo de Extração da polares do CO2 supercrítico, sob alta cafeína, usando CO2. pressão, atraem as moléculas de cafeína, dissolvendo cerca de 99% da cafeína presente. (ver figura 10). A extracção da cafeína com água é usada como uma extracção primária, sendo um processo similar ao método indirecto usado no processamento com diclorometano, mas sem uso de outros químicos. O processo baseia-se no contacto de 50 Faculdade de Farmácia água quente com a substância, durante um certo período, sendo, posteriormente, necessário proceder a uma filtração, com filtros de carbono, para remover a cafeína. A água é, novamente, adicionada aos grãos de café para a reabsorção dos sabores e óleos característicos. No entanto, a cafeína não é completamente removida, qualquer que seja o método usado mas, segundo os regulamentos federais dos Estados Unidos, a cafeína não pode estar presente em quantidades superiores a 2,5% para o produto poder denominar-se como sendo um produto descafeinado. A maior parte da cafeína removida no processo é usada na produção de outros produtos, principalmente em bebidas e na indústria farmacêutica. Na generalidade das bebidas, uma pequena fracção, menos de 5% da cafeína presente é actualmente proveniente dos bagos de cola, sendo a restante proveniente do processo de remoção da cafeína mas, em certas bebidas com altas doses de cafeína esta é proveniente, na sua totalidade, dos processos industriais. 51 Faculdade de Farmácia 11. Curiosidades A lenda sobre a descoberta do café provém da Arábia. Conta-se que um pastor, de nome Kaldi, observou que as suas cabras, depois de terem comido os bagos de café, estavam com mais brio que o costume; pareciam mais activas e contentes. Kaldi também quis provar os bagos dessa misteriosa planta e, imediatamente, foi invadido por uma euforia e, nessa noite, dormiu menos que o costume. Kaldi compartilhou a sua experiência com um dos seus vizinhos, um fervoroso seguidor do Corão e este obteve os mesmos resultados que Kaldi tendo recebido de Maomé o segredo para preparar o café a partir dos grãos secos. Em todo o mundo mais de 120 mil toneladas de café são consumidas em cada ano, sendo os Estados Unidos os maiores importadores de café a nível mundial (cerca de 30%), onde mais de 80% dos adultos consome cafeína diariamente, numa taxa de consumo diário de 2,6 chávenas por dia. Ainda nos Estados Unidos, a quantidade total de cafeína ingerida é de 363,5 mg por dia, incluindo não apenas a cafeína do café mas, também, todas as outras fontes desta substância. A cafeína é uma droga presente na lista das substâncias proibidas pelo Comité Olímpico Internacional (COI). Atletas que obtenham resultados positivos, ou seja, mais de 12 µg/ml de cafeína na urina podem ser expulsos dos Jogos Olímpicos. Estes níveis podem ser encontrados após a ingestão de cerca de 5 chávenas de café. No entanto, o COI removeu a cafeína da lista das substâncias proibidas em 2004. Portanto, a cafeína saiu da nova lista de substâncias proibidas, podendo os atletas consumir café ou colas que não são penalizados. As pessoas que não consomem café, nunca ingerem grandes quantidades de cafeína, acabam no entanto por ingerir cerca de 91 mg por dia, mesmo sem consumirem café. 52 Faculdade de Farmácia 12. Bibliografia [1] Ascherio, Alberto MD; Shumin M. Zhang, MD; Miguel A. Herna´n, MD; Ichiro Kawachi; Graham A. Colditz; Frank E. Speizer; and Walter C. Willett. Prospective Study of Caffeine Consumption and Risk of Parkinson’s Disease in Men and Women. In Annals of Neurology. Vol 50. 2001; 56-63 [2] Berthoul, Francois ; Goasduff, Thierry ; Dreano, Yvonne ; Ménez, Jean-Francois. Caffeine Increases it’s own Metabolism Through Cytochrome P45O 1A Induction in Rats. In Life Sciences, Vol. 57, No. 6,. 1995. 541-549 [3] Chen Zuliang; Pavelic Paul; Dillon Peter; Naidu Revenda. Determination of caffeine as a tracer of sewage effluent in natural waters by on-line solid-phase extraction and liquid chromatography with diode-array detection. 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