1 PATRÍCIA DA SILVA FERREIRA A INFLUÊNCIA DAS PRÁTICAS POPULARES NO CUIDADO COM A MALÁRIA NO MUNICÍPIO DE JURUENA-MT CUIABÁ 2008 2 UNIVERSIDADE FEREDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM MESTRADO EM ENFERMAGEM PATRÍCIA DA SILVA FERREIRA A INFLUÊNCIA DAS PRÁTICAS POPULARES NO CUIDADO COM A MALÁRIA NO MUNICÍPIO DE JURUENA-MT CUIABÁ 2008 3 PATRÍCIA DA SILVA FERREIRA A INFLUÊNCIA DAS PRÁTICAS POPULARES NO CUIDADO COM A MALÁRIA NO MUNICÍPIO DE JURUENA-MT Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da UFMT, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Enfermagem – Área de concentração: Processos e Práticas em Saúde e Enfermagem. ORIENTADORA: Dra. ROSEMEIRY CAPRIATA DE SOUZA AZEVEDO CUIABÁ 2008 4 Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação. FICHA CATALOGRÁFICA Catalogação na Publicação (CIP). Bibliotecária Valéria Oliveira dos Anjos - CRB1 1713 F383i Ferreira, Patrícia da Silva. A influência das práticas populares no cuidado com a malária no município de Juruena-MT / Patrícia da Silva Ferreira. – Cuiabá, 2008. 112 f. ; il. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso para obtenção do título de Mestre em Enfermagem. “Orientadora: Profª. Dra. Rosemeiry Capriata de Souza Azevedo”. 1. Saúde Pública. 2. Doenças Parasitárias. 3. Atenção à Saúde. 4. Assistência à Saúde. 5. Malária. I. Título. CDU 614.253:616.936 5 DEDICATÓRIA A Deus presente em todos os momentos da minha vida, e por conduzir-me com amor, coragem e sabedoria deixando meu trilhar mais suave nesta jornada. À Minha Mãe querida, pela dedicação, força e amor, mostrando que vale a pena lutar pelos nossos ideais e que sempre existe uma solução para tudo em nossas vidas. Ao meu companheiro Alexsander, pelo seu respeito e amor constantes, compartilhando os momentos difíceis desta etapa de nossas vidas. 6 AGRADECIMENTOS - À Professora Drª Rosemeiry Capriata de Souza Azevedo, pela orientação, estímulo e disponibilidade nesse processo de crescimento pessoal e profissional. - Ao grupo de pesquisa pelas valiosas contribuições. - À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso - FAPEMAT pelo apoio financeiro; - À Secretaria de Estado de Saúde – SES e às minhas amigas de trabalho, Nice e Maria Conceição, pela oportunidade e por permitirem minha saída para fazer este curso. - Às minhas irmãs, Regina e Mariza por existirem e aos demais familiares que são de suma importância na minha existência. - As minhas amigas de todas as horas, pela disponibilidade em ajudar e sugerir, escutar e enxugar algumas lágrimas derramadas nos momentos de incertezas. Obrigada pela compreensão e carinho. - Aos colegas de mestrado pelos momentos de convívio e pelas experiências compartilhadas. - Às pessoas participantes deste estudo, pela receptividade e por compartilharem os seus saberes. - 7 "O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”. Fernando Sabino 8 FERREIRA, Patrícia da Silva. A influência das práticas populares no cuidado com a malária no município de Juruena – MT. 2008. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Curso de Pós-Graduação em Enfermagem, UFMT, Cuiabá. 113p. Orientadora: Drª Rosemeiry Capriata de Souza Azevedo. RESUMO Vários fatores colaboraram para a ocorrência da malária em Mato Grosso, detacando-se dentre eles o intenso fluxo migratório entre a fronteira com outros estados considerados endêmicos para a malária e o desequilíbrio ambiental provocado pelo desmatamento, extração mineral e queimadas. A maneira como as pessoas realizam o tratamento da malária está relacionada aos índices de mortalidade e à redução da transmissão da doença. Entretanto, alguns fatores podem influenciar na forma como as pessoas cuidam de sua saúde, especialmente quando são infectadas pelo plasmódio causador da malária. Dentre esses fatores podemos citar as reações adversas dos medicamentos, as condições ecológicas, geográficas, econômicas, sociais e culturais, bem como crenças e valores das pessoas do município pesquisado. Nesse sentido, a pesquisa teve por objetivo geral analisar a influência das práticas populares no cuidado desenvolvido pelas pessoas acometidas por malária no município de Juruena–MT e específicos: descrever a rede de atendimento às pessoas portadoras de malária existentes no município; identificar os conhecimentos que as pessoas têm sobre a malária e suas formas de cuidado e compreender os aspectos culturais envolvidos na maneira como as pessoas cuidam da malária. As pessoas investigadas foram usuários do SUS com diagnóstico de malária, moradores do município de Juruena – MT. Os dados foram organizados, categorizados e analisados com base no método de análise de conteúdo apoiado na técnica de análise temática, fundamentada nos conceitos de cultura, cuidado e Teoria do Cuidado Cultural de Leininger. Durante a análise dos dados, emergiram duas categorias: categoria 1 - A rede de serviço de saúde e terapêutica antimalárica e categoria 2 - práticas populares que influenciam no processo de cuidar da malária. A primeira categoria gerou duas subcategorias: o serviço de saúde e sua organização como espaço de diagnóstico e tratamento e a terapêutica antimalárica e seus efeitos colaterais. O mesmo ocorreu com a categoria 2, cujas categorias foram: o conhecimento das pessoas sobre formas de transmissão e tratamento da malária; formas de cuidar/ tratar da malária. Concluímos que em geral as práticas populares no cuidado com a malária pelas pessoas pesquisadas são influenciadas pela cultura individual e coletiva presentes naquela comunidade, pois é a maneira que encontraram para cuidar da saúde e auxiliar na cura da doença. Desta forma, surge a necessidade dos profissionais de saúde conhecerem e valorizarem o significado dessas práticas de cuidado e aproximarem-se das realidades para proporem ações de cuidado, buscando maior aproximação do conhecimento popular com o científico, a fim de sugerir políticas de saúde próximas da realidade. UNITERMOS: Malária; Cultura; Cuidados de saúde. 9 FERREIRA, Patrícia da Silva. A influência das práticas populares no cuidado com a malária. The influence of popular practices in handling malaria in the county of Juruena – MT, 2008. Essay (Masters in Nursing) Post Graduation Course in Nursing, UFMT (Federal University of Mato Grosso), Cuiaba. 113p. Orientation: Drª. Rosemeiry Capriata de Souza Azevedo. ABSTRACT Several factors collaborated for the occurrence of malaria in Mato Grosso, the main ones being the intense migration flow between bordering states considered endemic to malaria and the environmental disequilibrium provoked by deforesting, mining activities and land cleared by burniing. The way the people carry out the treatment of malaria, has to do with the mortality rates and the reduction of the transmission of the disease. However, some factors can influence the way the people take care of their health, especially when they are infected bt the plasmodium causar of malaria. Among these factors we can mention the adverse reactions of the medicine, the bionomical, geographical, economical, social and cultural conditions, as well as beliefs and merits of the people of the county researched. With that aim, the research had as its general purpose in anyalizing the influence of the popular practices of care carried out by those contaminated by malaria in the county of Juruena-MT and specific, make a discription of the medical attendance system for malaria infected people in the county; identify the knowledge the people have concerning malaria and the forms of care necessary; understand the cultural aspects involved in the way the people handle malaria. The people researched were SUS (Central Health System) users with diagnosis of malaria and living in the county of Juruena-MT. The data was arranged, grouped and analised based on the method of analysis of content supported by the theme analysis technique, based on cultural concepts, care and the Leininger Cultural Care Theory. During the analysis of the data, two groups emerged: group 1 – The health service and anti-malaria therapy and group 2 - Popular pratices that influence the malaria care process. The first group produced two subgroups: the health service and the organization of the treatment and diagnosis space and the anti-malaria therapy and their side effects. The same thing occured with group rwo, which were: knowledge of the people in regards to the transmission and treatment of malaria; ways of handling and treating mnalaria..We came to the conclusion that in a general way, all the popular practices to handle malaria, by those researched, are influenced by the individual and colective culture present in the community, being its the way they discovered to take care of their health as well as to help out in the cure of the disease. Thus, there is a need for the health agents to get to know and value the significance of these care practices, have a closer contact with local realities in order to propose care actions, seeking to Narrow popular knowledge with scientific knowledge so as to sponsor political health programs in tune with local realities. Keywords: malaria, culture, health care 10 FERREIRA, Patrícia da Silva. La Influencia de la Prácticas Populares en el Cuidado con la Malaria en el Município de Juruena – MT. 2008. Disertación. (Máster en la Enfermería) – Curso de Postgrado en Enfermería, Universidad Federal de Mato Grosso. Cuiaba, 113p. Orientación: Drª. Rosemeiry Capriata de Souza Azevedo. RESUMÉN Vários factores colaboraran para la ocurrencia de la Malaria en Mato Grosso, dentre ellos destacanse el intenso flujo migratório entre la frontera con otros Estados considerados endémicos para la malaria y el desequilibrio ambiental provocado por el deforestación, extracción mineral y quemadas. La manera como las personas realizan el tratamineto de la malaria está relacionado a los índices de mortalidad y la reducción de la transmisión de la enfermedad. Mientras, algunos factores pueden influenciar en la forma como las personas cuidan de su salud, especialmiente cuando són infectadas por el plasmódio causador de la malaria. Dentre eses factores podemos citar las reacciones contrarias de los medicamentos, las condiciones ecológicas, geográficas, economicas, sociales y culturales, bien como creencia y valores de las personas del município pesquisado. En ese sentido la pesquisa tuvo por objetivo general analizar la influencia de las prácticas populares en el cuidado desarollado por las personas acometidas por malaria en el município de Juruena-MT y específicos: describir la red de atendimiento de las personas portadoras de malaria existentes en el município; identificar los conocimientos que las personas tienen sobre la malaria y sus formas de cuidado; comprender los aspectos culturales envolvidos en las formas de las personas lidiaren com la malaria. Las personas investigadas fueron usuarios del SUS con diagnóstico de malaria, moradores del município de Juruena – MT. Los datos fueran organizados, categorizados y analizados con base en el método de análisis de contenido apoyado en la técnica de análisis temática, fundamentada en los conceptos de cultura, cuidado y Teoria del Cuidado Cultural de Leininger. Durante la análisis de los datos, emergeran dos categorias: categoria 1 – La red de servicio de salud y terapéutica antimalarica y categoria 2 – Prácticas populares que influencian en el proceso de cuidar de la malaria. La primera categoria generó dos subcategorias: el servicio de salud y su organización como espacio de diagnóstico y tratamiento y la terapéutica antimalarica y sus efectos colaterales. El mismo ocurrió com la categoria dos, cuyas categorias fueran: el conocimiento de las personas sobre formas de transmisión y tratamiento de la malaria; formas de cuidar/tratar de la malaria. Concluymos que en general las prácticas populares en el cuidado con la malaria por las personas pesquisadas són influenciadas por la cultura individual y colectiva presente en aquella comunidad, pues es la manera que encontraran para cuidar de la salud y auxiliar en la cura de la enfermedad. De esta forma surge la necesidad de los profisionales de salud conocer y valorizar el significado de esas prácticas de cuidado, aproximar de las realidades para proponer acciones de cuidado buscando mayor aproximación del conocimiento popular con el científico afín de proponer políticas de salud próximas de las realidades. UNITERMOS: Malaria;Cultura; Cuidados con la Salud 11 LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS BIRD Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento CEM Campanha de Erradicação da Malária CEP Comitê de Ética em Pesquisa CODEMAT Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso CONEP/MS Comitê Nacional de Ética em Pesquisa/ Ministério da Saúde DDT Dicloro-difeniltricloetano FAPEMAT Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso FSESP Fundação de Serviços Especiais de Saúde Pública FUNASA Fundação Nacional de Saúde HUJM Hospital Universitário Julio Muller IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INCRA Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária IPA Índice Parasitológico Anual LVC Lâmina de Verificação de Cura MS Ministério da Saúde OMS Organização Mundial de Saúde OPAS Organização Pan-Americana de Saúde PACS Programa de Agentes Comunitários de Saúde PCIM Programa de Controle Integrado da Malária PCMAM Projeto Controle da Malária na Bacia Amazônica PIACM Plano de Intensificação das Ações de Controle da Malária na Região Amazônica PNCM Plano Nacional de Controle da Malária PNCM Programa Nacional de Controle da Malária PSF Programa de Saúde da Família RAVREDA Rede Amazônica de Vigilância da Resistência às Drogas Antimaláricas RBM Retroceder a Malária SES/MT Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso SESP Serviço Especial de Saúde Pública SIVEP Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Malária SMN Serviço de Malária do Nordeste 12 SMS Secretaria Municipal de Saúde SNM Serviço Nacional de Malária SUCAN Superintendência de Campanha de Saúde Pública SUS Sistema Único de Saúde TCLE Termo de Consentimento Livre Esclarecido UBS Unidade Básica de Saúde USF Unidade de Saúde da Família WHO World Health Organization 13 LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Ciclo de infestação da malária no vetor e no hospedeiro FIGURA 2 Localidades sentinelas do projeto RAVREDA em funcionamento em 2005 FIGURA 3 Localização geográfica do município de Juruena – MT FIGURA 4 Vista aérea do município de Juruena – MT 14 LISTA DE FOTOGRAFIAS F1 Hospital Municipal e USF Urbana I F2 USF Urbana II e Unidade de Reabilitação F3 USF Rural e Unidade de Saúde Bucal F4 Prefeitura e Câmara Municipal de Juruena F5 e F6 Assentamento Vale do Amanhecer - local de atividade garimpeira e atualmente área de desmatamento e queimadas F7 Medicamento Cloroquina F8 Medicamento Primaquina F9 Medicamento Mefloquina F 10 Área utilizada pelos moradores da região para pesca F 11 Boldo F 12 Casca da quina em pó F 13 Figatil F 14 Salsaparilha F 15 Sabugueiro F 16 Melão de são caetano F 17 Caferana F 18 Picão F 19 Armário para guarda de medicamentos homeopáticos F 20 Própolis – medicamento homeopata 15 LISTA DE QUADROS QUADRO 1 Esquema terapêutico preconizado pelo MS/FUNASA tratamento da malária por Plasmodium falciparum. QUADRO 2 Esquema terapêutico para tratamento Plasmodium vivax ou Plasmodium malarie. QUADRO 3 Esquema alternativo para tratamento das infecções por Plasmodium vivax em crianças apresentando vômitos, com cápsulas retais de artesunato em 4 dias e primaquina em 7 dias. QUADRO 4 Esquema de prevenção de recaída da malária por Plasmodium vivax, com cloroquina dose única semanal, durante 3 meses. QUADRO 5 Esquema terapêutico para tratamento das infecções por Plasmodium falciparum com associação de artemeter mais lumefantrina – Cartem. QUADRO 6 Esquema alternativo para tratamento das infecções Plasmodium falciparum com quinina, dociciclina e primaquina das infecções para por por 16 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO.......................................................................................... 19 CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO...................................................................... 22 CAPÍTULO 2 – REFERENCIAL TEÓRICO E CONCEITUAL........................ 27 2.1 A malária: aspectos históricos e epidemiológicos............................... 28 2.2 Ciclo de infestação da malária no vetor e no hospedeiro................... 30 2.3 Políticas de saúde para o controle da malária no Brasil e em Mato Grosso.................................................................................................... 34 2.4 Os conceitos de cultura, cuidado e a Teoria do Cuidado Cultural de Leininger ................................................................................................ 42 CAPÍTULO 3 – METODOLÓGIA.................................................................... 50 3.1 Tipo de estudo..................................................................................... 51 3.2 Cenário ............................................................................................... 51 3.3 Sujeitos do estudo .............................................................................. 53 3.4 A coleta de dados................................................................................ 54 3.5 Análise dos dados............................................................................... 55 3.6 Aspectos éticos................................................................................... 57 CAPÍTULO 4 – A REDE DE SERVIÇO DE SAÚDE E A TERAPÊUTICA 58 ANTIMALÁRICA............................................................................................... 4.1 O serviço de saúde e sua organização como espaço para diagnóstico e tratamento da malária................................................... 4.2 A terapêutica antimalárica medicamentosa e seus 59 efeitos colaterais............................................................................................. 64 17 CAPÍTULO 5 – PRÁTICAS POPULARES QUE INFLUENCIAM NO PROCESSO DE CUIDAR DA MALÁRIA....................................................... 71 5.1 O conhecimento das pessoas sobre formas de transmissão e tratamento da malária......................................................................... 5.2 Formas de cuidar/tratar da malária....................................................... CAPÍTULO 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................. 72 77 94 REFERÊNCIAS ............................................................................................... 99 APÊNDICES .................................................................................................. 109 ANEXOS......................................................................................................... 113 18 APRESENTAÇÃO Esta pesquisa é parte de um projeto maior intitulado “Motivos para a não-adesão de usuários ao tratamento de malária por Plasmodium vivax”, desenvolvido por um grupo de pesquisadores da Faculdade de Enfermagem, vinculados ao Grupo de Pesquisa ARGOS, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). O projeto é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (FAPEMAT) EDITAL DE GOVERNO/FAPEMAT Nº007/2005 e tem por objetivo geral compreender os motivos que levam os usuários dos serviços públicos de saúde do município de Juruena - MT a aderir ou não, ao tratamento da malária. Este sub-projeto teve como foco de atenção a influência dos aspectos culturais no cuidado com a malária. O trabalho está dividido em seis capítulos. O primeiro capítulo apresenta uma breve introdução à temática do estudo, sua justificativa e relevância, bem como os objetivos geral e específicos. Já o segundo capítulo denominado referencial teórico e conceitual, discute os aspectos históricos e epidemiológicos da malária no âmbito mundial, nacional, estadual e local. Apresenta o ciclo de infestação da malária no vetor e no hospedeiro; discute as políticas de saúde para o controle da malária nas três esferas de governo: federal, estadual e municipal; os principais conceitos e teoria que dão sustentação à discussão do objeto de estudo, tais como a cultura, o cuidado e a Teoria do Cuidado Cultural de Leininger. O terceiro capítulo intitulado metodologia, descreve o tipo, os sujeitos e o cenário do estudo, a coleta e análise dos dados e princípios éticos observados em atendimento à Resolução nº196/96 do Comitê de Ética em Pesquisa. Os capítulos quarto e quinto apresentam e discutem as categorias emergidas do trabalho de campo identificadas como: categoria 1 - A REDE DE SERVIÇO DE SAÚDE E TERAPÊUTICA ANTIMALÁRICA, e a categoria 2 – 19 PRÁTICAS POPULARES QUE INFLUENCIAM NO PROCESSO DE CUIDAR DA MALÁRIA. O sexto capítulo se refere às considerações finais, no qual se destacam os aspectos relevantes do trabalho e a importância de se trabalhar as questões culturais no cuidado e tratamento das pessoas. Esperamos que a leitura deste trabalho possa estimular o leitor a refletir sobre a importância que a cultura exerce na forma como as pessoas cuidam de sua saúde e sobre a necessidade dos profissionais de saúde reconhecerem e compreenderem que o conhecimento dessas pessoas influencia nos modos como elas se comportam em relação ao seu cuidado à saúde. 20 CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO 21 1 INTRODUÇÃO A busca pelo conhecimento mais aprofundado na área da saúde e enfermagem, bem como no processo pesquisa conduziu-me ao curso de pósgraduação, mestrado, oferecido pela Universidade Federal de Mato Grosso. Durante a vivência na pós-graduação alguns questionamentos referentes à prática de enfermagem começaram a emergir e a participação no grupo de pesquisa foi de fundamental importância, por oportunizar momentos de encontros, trocas e reflexões sobre o processo de cuidar. Foram nessas discussões que percebi o quanto a cultura está relacionada ao processo saúde-doença, principalmente no que se refere aos cuidados desenvolvidos pelas pessoas quando apresentam alguma doença, em particular a malária foco de estudo do grupo. A malária é mundialmente reconhecida como um grave problema de saúde pública, incidindo sobre mais de 40% da população de 100 países e territórios. Sua estimativa é de 300 a 500 milhões de novos casos e um milhão de mortes/ano. Devido a sua ampla incidência e aos efeitos debilitantes, possui impacto regional e econômico ao reduzir a capacidade produtiva da população (BRASIL, 2006b). Típica de regiões tropicais e subtropicais, essa doença atinge principalmente países com baixo desenvolvimento socioeconômico. A Organização Mundial de Saúde (OMS) listou 101 países ou territórios como sendo endêmicos para a malária. Esta lista inclui: 45 países africanos, 21 países americanos, 04 países europeus, 14 países no Leste do mediterrâneo, 08 países no Sudeste asiático e 09 países na região Oeste do pacífico, porém mais de 90% dos casos de malária estão na África Sub-Saara. Fora do continente africano, a malária concentra-se em apenas 06 países, sendo estes as Ilhas Salomão, a Colômbia, o Vietnã, o Sri Lanka, o Brasil e a Índia (WHO, 1996). No Brasil, a malária desencadeou, no passado, severos surtos epidêmicos e na década de 1990 mais de meio milhão de casos foram registrados na região Amazônica. Esta região é composta pelos Estados do Acre, Amapá, 22 Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. O Estado de Tocantins, apesar de pertencer à região, é atualmente considerado área nãoendêmica, mas com risco de transmissão de malária (MATO GROSSO, 2005). O risco de transmissão da malária na região Amazônica é elevado, com áreas apresentando incidência parasitária anual (IPA) superior a 100 casos por 1000 habitantes. Em 2004, foram confirmados mais de 400 mil casos da doença, prevalecendo as infecções por Plasmodium vivax num total de 79% e por falciparum em torno de 21% dos casos (BRASIL, 2006a). Nessa região, a malária ocorre de forma heterogênea incidindo principalmente sobre populações que vivem em condições insatisfatórias de habitação e trabalho devido à ocupação desordenada de terras, à exploração manual de minérios, aos projetos de assentamento/ colonização agrária e à intensa migração da zona rural para a periferia de cidades amazônicas (SILVEIRA; REZENDE, 2001). Vários fatores colaboraram para a ocorrência da doença em Mato Grosso, dentre eles destaca-se o intenso fluxo migratório na fronteira com outros estados considerados endêmicos para a malária, o desequilíbrio ambiental provocado pelo desmatamento, extração mineral e queimadas. Esses fatores, além de prejudicarem o controle da doença afetam o desenvolvimento econômico de todos os estados envolvidos (MATO GROSSO, 2005). O relatório da situação epidemiológica de Mato Grosso, no ano de 2006, revelou que em 2005, o estado registrou 9.774 casos de malária, correspondendo a 2% do total de casos da Amazônia Legal, com aumento de 38,7% em relação a 2004. Dos 141 municípios existentes no estado, apenas o município de Colniza contribuiu com 80% dos casos de malária na Amazônia Legal. Além desse município outros dois merecem destaque: Juruena e Rondolândia, por apresentarem IPA elevados (IPA ≥ 50 /1000 mil habitantes) (BRASIL, 2006a). Com o processo de descentralização vários serviços como os laboratórios de diagnóstico e tratamento se tornam acessíveis à população amazônica, facilitando o diagnóstico precoce bem como o início do tratamento da malária. Na busca pelo controle da malária, a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde estabeleceu uma política permanente para a prevenção e o controle dessa endemia. Em 2003 foi implantado o Plano Nacional de Controle da Malária (PNCM), que estabeleceu como prática geral do controle 23 medidas para o diagnóstico e tratamento dos casos, com objetivos e métodos ajustados às características específicas de cada localidade (MATO GROSSO, 2005). No período de 1999 a 2004 foram realizados em média, 2.150.000 exames de gota espessa/ano para detecção de novos casos. Em 2005, esse número subiu para 2.618.000, além disso, foram realizados aproximadamente 546.000 exames classificados como Lâmina de Verificação de Cura (LVC) (BRASIL, 2006b). A maioria dessas lâminas é coletada pelos agentes de endemias e cerca de 18% delas são coletadas pelos agentes comunitários pertencentes ao Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e Programa de Saúde da Família (PSF), designado atualmente como estratégia de Saúde da Família, no âmbito do processo de inserção, cada vez maior do controle da malária nas USFs em áreas endêmicas ( BRASIL, 2006b). O tratamento adequado e oportuno da malária previne a ocorrência de complicações, bem como a mortalidade pela doença e elimina fontes de infecção para os mosquitos, contribuindo para reduzir a transmissão da doença (BRASIL, 2001). Os altos índices da malária no Brasil e em outros países estão relacionados ao adoecimento das pessoas ao serem picadas pelo mosquito, à falta de controle epidemiológico, bem como à resistência do Plasmodium falciparum a drogas como cloroquina, quinino, e mefloquina que tem dificultado a cura das pessoas e o controle da doença (ALECRIM et al, 2000). Entretanto, alguns fatores podem influenciar na forma como as pessoas cuidam de sua saúde, especialmente quando são infectadas pelo plasmódio causador da malária. Dentre os fatores que podem influenciar no processo de cuidar estão os relacionados às reações adversas dos medicamentos, além das condições ecológicas, geográficas, econômicas, sociais e culturais das pessoas do município pesquisado. Embora literaturas abordarem que provavelmente os aspectos culturais possam influenciar no cuidado das pessoas em relação a sua saúde, há uma lacuna em relação a trabalhos que apontam como a cultura pode influenciar no cuidado com a malária, pois de acordo com Carreira e Alvim (2002), as práticas de cuidado à saúde expressam as manifestações culturais de um povo. 24 Nesse sentido, a cultura identifica o modo de vida de uma determinada população e esta, segundo Azevedo (1998), pode ser considerada como um feixe de representações, de símbolos e de atitudes que revelam conhecimentos, crenças, valores, normas e símbolos. Assim, surgiram os seguintes questionamentos: de que maneira a cultura dos indivíduos pode influenciar no cuidado da malária? Que crenças têm orientado os indivíduos acometidos por malária no seu processo de cuidar? Portanto, partimos do pressuposto de que a cultura, por fazer parte do processo de formação da pessoa, influencia o seu modo de viver e de cuidar da saúde especialmente durante o tratamento da malária. A busca por alguns desses questionamentos nos remete a Madelaine Leininger, enfermeira que iniciou a discussão sobre a influência da cultura em todo o processo de viver, em particular no processo saúde-doença das pessoas, com um olhar antropológico (CARREIRA; ALVIM, 2002). Para compreender a forma como cada pessoa cuida de sua saúde, Leininger construiu a Teoria do Cuidado Cultural na qual propõe formas para prestar o cuidado de maneira coerente com o modo de vida e crenças das pessoas. Para isso sugere ações de preservação/manutenção do cuidado, acomodação/negociação e repadronização/reestruturação cultural do cuidado. Desse modo, é importante compreender que o processo de cuidar não se dá de forma isolada, mas sofre influências culturais que podem ser modificadas de acordo com cada cultura (CARREIRA; ALVIM, 2002). Assim, a Teoria do Cuidado Cultural se apresenta como possibilidade de compreensão do objeto de estudo proposto neste trabalho, pois segundo Leininger (1985), todas as formas de comportamento, atitudes e modo de vida relacionados à saúde são culturalmente apreendidas e transmitidas, trazendo então o entendimento de cuidado cultural. Diante do reconhecimento da importância da influência da cultura na forma de cuidar das pessoas, esta a pesquisa tem por objetivo geral analisar a influência das práticas populares no cuidado desenvolvido pelas pessoas acometidas por malária no município de Juruena – MT e específicos: descrever a rede de atendimento às pessoas portadoras de malária existentes no município; identificar os conhecimentos que as pessoas têm sobre a malária e suas formas de cuidado; compreender os aspectos culturais envolvidos na maneira como as pessoas cuidam da malária. 25 CAPÍTULO 2 REFERENCIAL TEÓRICO E CONCEITUAL 26 2 REFERENCIAL TEÓRICO E CONCEITUAL Neste capítulo, apresentamos alguns aspectos considerados relevantes sobre a malária, tais como as questões históricas, epidemiológicas, ciclo de infestação da doença no vetor e no hospedeiro, bem como as estratégias desenvolvidas pelo serviço público de saúde para o controle da doença no Brasil e em Mato Grosso. Descrevemos ainda os principais conceitos e teoria que dão sustentação a discussão do objeto de estudo. 2.1 A Malária: aspectos históricos e epidemiológicos Por ser uma doença tão antiga, a malária é referenciada desde o início da Medicina ocidental. Hipócrates realizou descrições detalhadas sobre a mesma e vários relatos surgiram na história romana e por toda a Idade Média. Em todos esses relatos a malária foi encontrada em regiões pantanosas, de várzeas e alagadiças (CAMARGO, 1995). O termo malária vem do italiano, malaria, que significa ar ruim ou nocivo, já paludismo vem do latim, palus, que significa pântano (CAMARGO, 1995). É uma doença parasitária cujo controle tem sido buscado há séculos meio de ações preventivas em várias partes do mundo. Ela pode ser conhecida como impaludismo, febre palustre, maleita e sezão (BRASIL, 2005a). O conhecimento técnico sobre o controle da malária vem se acumulando, desde a Antiguidade, com a descoberta do agente etiológico pelo médico francês Charles Alphonse Laveran, em 1880. Posteriormente o médico britânico Ronald Ross descreveu o mecanismo natural de transmissão da malária 27 identificando o mosquito do gênero Anopheles como vetor da doença ao encontrar no interior do mosquito formas do parasito, após se alimentar de sangue de um portador de malária (BRASIL, 2004). O primeiro medicamento eficaz contra a malária foi o extrato da casca da quina. Segundo Camargo (1995), os chineses, desde o século II, já usavam com sucesso infusões de uma planta chamada Artemísia para a cura da malária, mas a droga só teve seu uso farmacológico no ocidente na década de 1980. O uso da quina como febrículo originou-se no Peru, em meados de 1600, chegando à Europa através de mercadores e jesuítas, porém o seu princípio ativo – quinino variava de acordo com o corte da casca do tronco da Cinchona (planta nativa dos Andes do Equador, Peru e Bolívia), em função de suas inúmeras variedades. No início o quinino foi utilizado para todo o tipo de febre, mas só era eficaz na febre malárica (CAMARGO, 1995). O desenvolvimento de antimaláricos sintéticos, como pamaquina (1924), mepacrina (1930) e cloroquina (1934) e do inseticida dicloro-difeniltricloroetano (D.D.T.) foram importantes para a redução de casos da doença. Como conseqüência, por volta de 1970, os programas de erradicação havia livrado do risco da doença cerca de 53% da população residente em áreas suscetíveis ao aparecimento da malária. Contudo, na década de 1980, voltou a ocorrer um aumento progressivo no número de casos na maioria dos países (portalsaude.gov.br/saúde). A malária humana é uma doença parasitária que tem como agentes etiológicos protozoários do gênero Plasmodium e é transmitida ao homem pela picada de um mosquito do gênero Anopheles. Na América Latina, a maior incidência acontece na Amazônia Brasileira, com registros de cerca de 500 mil casos/ano. No Brasil, as espécies que causam a doença são o Plasmodium vivax e o Plasmodium falciparum e, eventualmente, o Plasmodium malarie. É transmitida por vetores, mosquitos do gênero Anopheles, destacando-se o Anopheles Darlingi, que tem como criadouros preferenciais água limpa, de baixo fluxo, quente e sombreada. Aproximadamente 99,5% dos casos de malária no Brasil ocorrem na Amazônia Legal, se destacando os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Rondônia e Roraima (BRASIL, 2004). 28 2.2 Ciclo de infestação da malária no vetor e no hospedeiro A infecção se inicia quando esporozoítos infectantes são inoculados no homem pelo inseto vetor. Estas formas desaparecem da circulação sanguínea do indivíduo suscetível dentro de 30 a 60 minutos para alcançarem os hepatócitos, onde evoluem. Após invadirem o hepatócito, os esporozoítos se diferenciam em trofozoítos pré-eritrocíticos. Estes se multiplicarão por reprodução assexuada do tipo esquizogônica, dando origem a milhares de merozoítos que invadirão os eritrócitos (BRASIL, 2001). O desenvolvimento dos merozoítos nas células do fígado requer aproximadamente uma semana para o Plasmódium faciparum e vivax, e cerca de duas semanas para o Plasmódium malarie. Nas infecções por P. vivax, o mosquito vetor inocula populações geneticamente distintas de esporozoítos: algumas se desenvolvem rapidamente, enquanto outras ficam em estado de latência no hepatócito, sendo denominadas hipnozoítos. Estes, se não tratados, são responsáveis pelas recaídas da doença, que ocorrem após períodos variáveis de incubação, em geral dentro de seis meses para a maioria de cepas Plasmodium vivax (BRASIL, 2001). O ciclo eritrocítico começa quando os merozoítos teciduais invadem os eritrócitos. O desenvolvimento intra-eritrocítico do parasito se dá por esquizogonia, com conseqüente formação de merozoítos que se multiplicam por divisão binária até serem liberados na circulação após ruptura do eritrócito, para em seguida, invadirem novos eritrócitos. Depois de algumas gerações de merozoítos sanguíneos, algumas formas se diferenciam em estágios sexuados, os gametócitos, que seguirão o seu desenvolvimento no mosquito vetor, dando origem aos esporozoítos (BRASIL, 2001). O ciclo sanguíneo se repete sucessivas vezes, a cada 48 horas nas infecções por P. falciparum e P. vivax e a cada 72 horas no P. malarie. O período de incubação da malária varia de acordo com a espécie do plasmódio, sendo de 8 a 12 dias para P. falciparum, 13 a 17 dias para P. vivax e 28-30 dias para P. malarie (BRASIL, 2001). 29 A figura abaixo apresenta o ciclo de infestação da malária no vetor e hospedeiro. Figura 1 -. Ciclo de infestação da malária no vetor e hospedeiro Disponível em www.dpd.cdc.gov/dpdx> Acesso em 12 de dezembro de 2006. A fase sintomática inicial da doença caracteriza-se por mal-estar, cefaléia, cansaço e mialgia, geralmente acompanhada da clássica febre da malária. O ataque paroxístico inicia-se com calafrios que duram de 15 minutos a uma hora, seguido por uma fase febril, com temperatura corpórea atingindo 41°C ou mais. Após o período de duas a seis horas ocorre redução da febre, a pessoa apresenta sudorese profusa e fraqueza intensa (BRASIL, 2001). Desta forma, a malária caracteriza-se por acessos intermitentes de febre, calafrios, cefaléia e sudorese. A febre geralmente vem acompanhada por sintomas inespecíficos caracterizados por mal-estar, cansaço e mialgia. A 30 temperatura corpórea chega a atingir até 41°C, após um período de duas a seis horas, a febre começa a diminuir e a pessoa apresenta sudorese e fraqueza intensa. Em alguns quadros clínicos pode evoluir para formas clínicas de malária grave e complicada acompanhada de forte cefaléia, hipertermia, vômitos, sonolência e convulsões (malária cerebral), insuficiência renal aguda, edema pulmonar agudo, hipoglicemia, disfunção hepática, hemoglobinúria (hemólise intravascular aguda maciça) e choque, que às vezes levam a óbito cerca de 10% dos casos (BRASIL, 2006c) Em crianças, a sintomatologia clínica costuma ser inespecífica, podendo não apresentar febre, sintoma mais importante da malária. Manifestações como astenia, anorexia, tosse, náuseas, vômitos, diarréia, dor abdominal, tonteiras, artralgia e mialgia aparecem como as primeiras queixas da doença. O fígado em algumas situações aumenta de tamanho e deve ser palpado ao final da primeira semana, enquanto o baço é palpado com maior freqüência ao final da segunda semana (BRASIL, 2006c). Outro sinal clínico observado é a colúria, que pode ser confundida com o diagnóstico de hepatite, mas essa dúvida é facilmente esclarecida através da dosagem de aminotransferases, que estarão mais elevadas na hepatite do que na malária (BRASIL, 2005a). Em relação à transmissão, a malária ocorre por meio da picada da fêmea do mosquito Anopheles infectada pelo plasmódio. O vetor tem hábitos alimentares nos horários do amanhecer e do entardecer e em algumas regiões da Amazônia, apresenta-se com hábitos noturnos, picando durante todas as horas da noite. Não há transmissão direta da doença de pessoa a pessoa. Raramente ocorrem transmissões através de transfusão de sangue infectado, uso compartilhado de seringas e, mais raro ainda, por via congênita (BRASIL, 2006c). O diagnóstico preciso da doença só é possível pela demonstração do parasito ou de antígenos presentes no sangue periférico da pessoa, através dos seguintes métodos: Gota espessa – é o método oficialmente adotado no Brasil para o diagnóstico da malária. Mesmo após o avanço de técnicas diagnósticas, este exame é eficaz por ser um método simples, de baixo custo e fácil realização. A técnica baseia-se na visualização do parasito através de microscopia ótica, permitindo a diferenciação específica dos parasitos a partir da análise de sua morfologia, e pelos estágios de desenvolvimento do parasito encontrados no sangue periférico; Esfregaço delgado - possui baixa sensibilidade (estima-se que 31 a gota espessa é cerca de 30 vezes mais eficiente na detecção da malária), entretanto, é o único método que permite com facilidade e segurança obter a diferenciação específica dos parasitos a partir das alterações provocadas no eritrócito infectado e, por último, os Testes rápidos para a detecção de componentes antigênicos de plasmódio (testes imunocromatográficos), novos métodos de diagnóstico rápido de malária. Realizados em fitas de nitrocelulose contendo anticorpo monoclonal contra antígenos específicos do parasito, apresentam sensibilidade superior a 95% quando comparados à gota espessa, com parasitemia superior a 100 parasitos/μL. Entretanto, os testes hoje disponíveis discriminam especificamente o P. falciparum e as demais espécies simultaneamente, não sendo capazes de diagnosticar a malária mista. Por sua praticidade e facilidade de realização, são úteis para a triagem e mesmo para a confirmação diagnóstica, principalmente em situações onde o processamento do exame da gota espessa é complicado, como áreas longínquas e de difícil acesso aos serviços de saúde e áreas de baixa prevalência da doença (BRASIL, 2005a). Existem ainda outros métodos utilizados para o diagnóstico de malária como o Imunofluorescência Indireta, o Elisa e a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), de grande importância para os laboratórios de referência para malária (BRASIL, 2005a). As medidas de prevenção e controle auxiliam no diagnóstico e tratamento imediato e adequado da doença. Essas medidas devem ser adaptadas à realidade de cada região, pois cada local possui suas particularidades. Tais medidas garantem a redução do aparecimento dos casos graves, prevenção de óbitos por malária, redução da fonte de infecção e diminuição da transmissão, mantendo a doença em níveis epidemiológicos aceitáveis. Dentre as medidas de proteção individual deve-se evitar o contato do mosquito com a pele do ser humano. Como o anofelino possui hábitos de alimentação noturnos, recomenda-se evitar aproximação de áreas de risco logo no amanhecer e entardecer, usar repelentes nas áreas expostas do corpo, telar portas e janelas e dormir com mosquiteiros. Medicamentos ou alimentos que promovam sudorese com odor forte, tais como o alho, também têm sido utilizados para repelir o mosquito (BRASIL, 2001; 2006c). Como medidas coletivas, podemos citar: medidas de combate ao vetor, com borrifação das paredes dos domicílios com inseticidas de ação residual ou nebulização espacial com inseticidas do peridomicílio; medidas de combate às 32 larvas, mas essa prática tem sido pouco utilizada devido à extensão das bacias hidrográficas e das mesmas serem contaminadas com larvicidas químicos; medidas de saneamento básico para evitar a formação de criadouros de mosquito, que surgem principalmente em locais onde ocorreram modificações ambientais provocadas pelo garimpo (BRASIL, 2001; 2006c). 2.3 Políticas de saúde para o controle da malária no Brasil e em Mato Grosso As primeiras ações de combate à malária no Brasil foram realizadas pela Fundação Rockefeller a partir de 1922, na região da baixada Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro. Nesse período, a investigação e o controle da doença no país foram objetos de interesse apenas eventual ou episódico (SILVEIRA; REZENDE, 2001). Em 1923, o Departamento Nacional de Saúde Pública estabelecia medidas profiláticas e de controle da doença por meio do diagnóstico parasitoscópio de indivíduos suspeitos, a determinação do índice endêmico, o uso de medidas antilarváricas, a telagem das casas, a distribuição de quinina às pessoas sadias, o tratamento dos doentes e a realização de inquérito epidemiológico relativo aos casos (BRASIL, 2006b). Em 1930, o Anopheles gambiae procedente da África infestou a cidade de Natal no Rio Grande do Norte, provocando surtos de malária. Esse fato foi decisivo para a criação do Serviço de Malária do Nordeste (SMN), o qual tinha como meta a erradicação da doença por meio de uma rígida disciplina, com ações de combate antilarvárico e contra o vetor, além do tratamento da doença (SILVEIRA; REZENDE, 2001). No início de 1940, o controle da malária passou a ter alcance nacional, com instituições atuando em diversas regiões tais como: o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) na região Amazônica, o Serviço Estadual de 33 Malária de São Paulo e o Serviço Nacional de Malária (SNM) que cobria o restante do país. A partir de 1950 o SNM passou a atuar também na região Amazônica. Nesse período, a malária era altamente prevalente e dispersa pelo país, com mais da metade dos casos registrados na região extra-Amazônica (SILVEIRA; REZENDE, 2001). Em 1956, foi criada a Campanha de Erradicação da Malária (CEM) em substituição ao SNM, a princípio fazendo parte do Departamento Nacional de Endemias Rurais e, a partir de 1965, se constituindo em agência autônoma. Uma instituição dedicada exclusivamente à erradicação da doença em atendimento às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) (SILVEIRA; REZENDE, 2001). Durante o período de atuação da CEM os dados epidemiológicos no Brasil mostraram aumento no número de exames realizados para o diagnóstico da malária e ao mesmo tempo diminuição do número de exames positivos (LOIOLA; SILVA; TAUIL, 2002). Porém a CEM apresentava seus limites não apenas na inadequação a determinados padrões ou condições de transmissão, mas também por desenvolver ações sem atender as particularidades de cada situação (SILVEIRA; REZENDE, 2001). Reconhecidos esses limites, a CEM foi incorporada à Superintendência de Campanha de Saúde Pública (SUCAM), com o objetivo de elaborar estratégias que pudessem se adequar a cada realidade, bem como ajustar a disponibilidade de recursos humanos e financeiros para dar maior cobertura e efetividade nas ações (LOIOLA; SILVA; TAUIL, 2002). Esta superintendência incorporou, ainda, o setor de Erradicação da Varíola e o Departamento Nacional de Endemias Rurais, no entanto, suas ações não se integravam ao sistema de saúde vigente da época (SILVEIRA; REZENDE, 2001). Na busca por novos caminhos para o controle e tratamento da malária é desenvolvido em 1989 um projeto de caráter especial - “Controle da Malária na Bacia Amazônica” (PCMAM) com financiamento do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Este teve por objetivos: reduzir a prevalência da malária, com ações capazes de promover mudanças nas regiões endêmicas mediante a incorporação de novas tecnologias e controle da malária em comunidades indígenas (BRASIL, 2004). 34 De acordo com Loiola, Silva e Tauil (2002), o PCMAM colaborou para a estruturação dos serviços de saúde locais, principalmente em relação ao diagnóstico e tratamento da doença, bem como na descentralização do controle das endemias. Esses autores ainda descrevem que em 1991 a SUCAM que era responsável pela gestão e execução do PCMAM foi incorporada à Fundação de Serviços Especiais de Saúde Pública (FSESP) juntamente com a Secretaria Nacional de Programas Especiais e Secretaria Nacional de Ações Básicas de Saúde, para se transformar em Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). Em 1992, ocorreu a Conferência Mundial Ministerial de Malária em Amsterdã, que se tornou um marco ao propor ações para o controle e erradicação da doença como: interrupção da transmissão em áreas com baixa incidência, sobretudo em centros urbanos, ações para impedir que a malária fosse reintroduzida em áreas livres de transmissão e interiorização do acesso aos antimaláricos (WHO, 1996). A partir desta Conferência as ações deixam de ser pautadas na erradicação mundial da malária (controle do vetor) e voltam para o controle da doença, devendo medidas preventivas ser adequadas às diferentes situações epidemiológicas. Assim deixa de existir uma receita única para todos os países e para todas as situações de transmissão. Nessa proposta, a malária é entendida como doença resultante de múltiplos fatores determinantes, que vão além dos de natureza biológica envolvendo também fatores ecológicos, econômicos, sociais e culturais (SILVEIRA; REZENDE, 2001). Desta forma o objetivo das ações de combate à malária passa a ser o homem e não mais o vetor, prevenindo, assim, novos casos e óbitos causados pela doença por meio do diagnóstico precoce e do tratamento imediato da malária (BRASIL, 2006b). Surge então o Programa de Controle Integrado da Malária (PCIM) que teve por objetivo realizar o diagnóstico e o tratamento dos casos de malária de forma rápida, detectar de forma precoce as endemias e aplicar medidas de controle, fortalecer a vigilância epidemiológica, detectar e prevenir a doença em áreas onde a transmissão da malária já fora interrompida e reavaliar periodicamente a situação da malária no país. Porém, esse programa nunca foi plenamente efetivado nos estados brasileiros (LOIOLA; SILVA; TAUIL, 2002). Ao final de 1996 e início de 1997, a FUNASA elaborou um novo plano para a intensificação das ações de controle da malária nos municípios de alto 35 risco na Amazônia Legal, entretanto, o que o diferenciava dos demais era a determinação de firmar convênios com os municípios por meio de instrumentos legais, transferindo recursos diretamente a eles (LOIOLA; SILVA; TAUIL, 2002). As políticas de saúde pública no Brasil, além de diminuir a morbimortalidade por malária visavam à redução das perdas sociais e econômicas provocadas pela doença, mediante o fortalecimento dos níveis regional e local de atenção à saúde. Para tanto, recomendava o aproveitamento do pessoal técnico existente na rede de saúde – suficientemente treinado – e as instalações disponíveis nos serviços de saúde locais (públicos e privados), de modo que cada unidade fosse um ponto de vigilância e de atendimento à malária. Entretanto, o controle da malária na região amazônica continuava sendo um desafio, em face da ocupação desordenada ocorrida na região, desde meados da década de 1990 (BRASIL, 2005b). Em outubro de 1998, a OMS lança uma campanha mundial chamada de “Retroceder a Malária” (RBM) cujo objetivo era reduzir pela metade a incidência da malária até o ano de 2010, buscando maior comprometimento dos serviços de saúde, bem como dos setores governamentais e privados, organizações não-governamentais e das próprias comunidades afetadas pela doença (WHO,1996). No ano de 2000 foi instituído o Plano de Intensificação das Ações de Controle da Malária na Região Amazônica (PIACM). Este plano foi desenvolvido prioritariamente em 254 municípios da Amazônia Legal, com o objetivo de reduzir os casos de malária em 50% até o ano de 2002. Sua estratégia centrava-se na mobilização política, estruturação dos sistemas locais de saúde, diagnóstico e tratamento precoce, educação em saúde e mobilização social, capacitação de recursos humanos e ações interinstitucionais, fortalecendo desta forma o processo de descentralização e garantindo a sua sustentabilidade (BRASIL, 2004, 2006b). Essas ações conseguiram reduzir em 38,9% o número de casos de malária e em 41,1% o IPA até o final de 2001. Também foi observada uma redução de 69,2% no número de internações e de 36,5% no número de óbitos por malária no Brasil (BRASIL, 2004). Porém, como estes resultados não foram homogêneos e o objetivo governamental era manter os índices de malária em níveis aceitáveis (IPA<10/1000 hab), bem como consolidar o processo de descentralização das ações de controle da malária, foi implantado em 2003 o Programa Nacional de 36 Controle da Malária (PNCM), com a finalidade de fornecer diretrizes para o controle da doença no âmbito federal, estadual e municipal, em parceria com a sociedade organizada (BRASIL, 2004). Essas diretrizes deveriam contemplar o apoio à estruturação dos sistemas locais de saúde, diagnóstico e tratamento; o fortalecimento da vigilância da malária; a capacitação de recursos humanos; a educação em saúde; a comunicação e a mobilização social; o controle seletivo de vetores; a pesquisa; a monitorização do PNCM e sustentabilidade política (BRASIL, 2004). As atribuições e competências para a implementação do PNCM estão alicerçadas nas Portarias GM Nº. 1.399 de 15 de dezembro de 1999 (BRASIL, 1999) e Resolução nº. 286 de 30 de agosto de 2001. Destacamos aqui as atribuições de competência municipal que estão definidas no PNCM (BRASIL, 2004) por exercer influência direta nos índices do IPA de seus municípios. Sendo assim, compete aos gestores municipais: • A coordenação municipal do Programa de Controle da Malária; • Notificação de casos de malária; • Investigação Epidemiológica de casos notificados, surtos e óbitos por malária; • Diagnóstico e início do tratamento de todos os pacientes com exame positivo para malária, no prazo máximo de 24 horas, a partir da data da coleta do exame; • Execução de busca ativa de casos de malária nas unidades de saúde, laboratórios e domicílios; • Execução de ações de controle químico e biológico do mosquito vetor da malária e eliminação de criadouros; • Envio regular dos dados da malária à Secretaria de Estado de Saúde, dentro dos prazos estabelecidos pelo gestor estadual; • Análise e retroalimentação dos dados às unidades notificantes; • Divulgação de informações e análise epidemiológica da malária no município; • Gestão dos estoques municipais de medicamentos, inseticidas e meios de diagnósticos (kit diagnóstico) para o controle da malária; • Coordenação e execução das atividades de educação em saúde e mobilização social de abrangência municipal; 37 • Capacitação de recursos humanos para execução das atividades de controle da malária • Estruturação dos núcleos de epidemiologia municipal, agregando ações de vigilância de casos, entomológica, laboratorial e as operações de campo; • Apresentação quadrimestral dos resultados do programa ao Conselho Municipal de Saúde, Câmaras de Vereadores e Secretaria de Estado de Saúde. Em 2001 é criada a Rede Amazônica de Vigilância da Resistência às Drogas Antimaláricas - RAVREDA, com o objetivo de monitorar a resistência das drogas antimaláricas em toda região amazônica, utilizando protocolos padronizados para avaliação da suscetibilidade dos parasitos aos medicamentos. Fazem parte da RAVREDA os seguintes países: Bolívia, Brasil, Equador, Colômbia, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Internacionalmente, o projeto é coordenado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e no Brasil, pela Secretaria de Vigilância de Saúde do Ministério da Saúde (BRASIL, 2004, 2006b). A RAVREDA instalou e mantém localidades sentinela em sete dos nove estados da Amazônia Legal, onde o tratamento das pessoas é monitorado para avaliação da eficiência dos medicamentos antimaláricos. Nesta fase do projeto, estão sendo realizados estudos de resposta terapêutica dos esquemas de drogas de primeira escolha preconizados pelo MS, tanto para a malária vivax quanto para a falciparum. A RAVREDA ainda desenvolve estudos sobre a adesão de pacientes ao tratamento da malária vivax e falciparum, controle da qualidade dos medicamentos, sensibilidade e estabilidade de testes de diagnósticos rápidos, estudos in vitro de avaliação da suscetibilidade aos antimaláricos, diagnóstico da situação de malária em gestantes nos estados do Amapá, Rondônia, Pará e Amazonas e monitoramento da suscetibilidade dos anofelinos em todos os estados participantes da Rede (BRASIL, 2006b). A figura abaixo apresenta os estados e localidades sentinela onde a RAVREDA realiza o monitoramento de resistência às drogas antimaláricas. 38 Figura 2 - Localidades sentinela do projeto RAVREDA em funcionamento em 2005. Boa Vista Careiro Macapá Belém São Luís Manaus Coari Augusto Tucuruí Correa Porto Velho Buritis Cuiabá Fonte: Relatório RAVREDA 2005: Vigilância da resistência aos antimaláricos Em 2003, a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde implantou o Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Malária (SIVEP) na região amazônica, cujo objetivo foi melhorar o fluxo, a qualidade e a troca de informações entre os municípios, estados e o governo federal (BRASIL, 2004). A série histórica 1980-2005 de diagnósticos confirmados de malária no Brasil revela que na década de 1980 e de 1990 a incidência de casos de malária aumentou significativamente, e apenas no final da década de 1990 e início do século vinte um, esses dados epidemiológicos começaram a diminuir (www.saude.gov.br). Segundo Atanaka-Santos et al (2006), o risco de transmissão da malária nos estados que compõem a Amazônia Legal mostrou-se variado a 39 exemplo do Estado de Roraima que apresentou IPA (razão do número de exames positivos de malária pela população) de 110,6 casos por 1000 habitantes e Mato Grosso de 4,7 casos por 1000 habitantes, em 2000. Estes autores ainda relatam que o Estado de Mato Grosso registrou 15.287 casos, correspondendo ao IPA de 16,3 casos/mil/habitantes em 1980. Este índice apresentou crescimento constante atingindo em 1992, 95,2 casos/mil/habitantes. Já em 2002 com o declínio da incidência dos casos, o IPA atingiu 2,7 casos/mil/habitantes. Em Mato Grosso, a malária ocorre com maior incidência nas regiões Norte e Nordeste, onde as condições locais favorecem o surgimento do vetor, ou seja, do mosquito do gênero Anopheles (também conhecido por carapana, muriçoca, mosquito-prego, sovela) por se tratar de regiões que possuem grande extensão de mata com fluxo migratório intenso, grande concentração populacional por assentamento, e de atividade econômica como garimpo e extração de madeira (www.saude.mt.gov.br). A explosão de casos de malária no norte mato-grossense está associada à intensificação das atividades garimpeiras, que atraíram migrantes, inicialmente de nordestinos e nortistas e mais tarde de sulistas, que recorreram a esta atividade como complementar à agricultura. A incipiente estrutura de serviços de saúde nas áreas de colonização recente, a dificuldade de acesso aos serviços de saúde existentes e o difícil acesso dos profissionais de saúde à localidade contribuíram para o aumento da mortalidade por malária no estado (ATANAKASANTOS et al, 2006). No período de janeiro a dezembro de 2005, Mato Grosso registrou um índice parasitário anual de 4,8/1000 habitantes, um aumento de 60% se comparado ao ano de 2004, cujo índice foi de 3,0/1000 habitantes. Observa-se também em 2005, um aumento considerável do IPA nos meses de maio a julho, que, juntos, foram os responsáveis por 1,4% do IPA de 2005. Frente a esses dados, profissionais da Secretaria de Saúde do estado elaboraram o “Projeto Força Tarefa na Região Noroeste do Estado” na tentativa de controlar a malária nos municípios de Aripuanã, Colniza, Juína e Juruena. O projeto foi financiado pelo Ministério da Saúde, Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso e Secretaria Municipal de Saúde e teve por objetivo implementar ações emergenciais de controle da malária mediante a capacitação e estruturação dos serviços locais de saúde para o enfrentamento da atual epidemia. Dentre as ações destacam-se: 40 delimitar áreas de assentamento, garimpos madeireiras e mineradoras; ampliar a estrutura dos municípios para diagnóstico, tratamento da malária e controle do vetor; capacitar os profissionais de saúde para diagnóstico/tratamento da malária e controle vetorial; instalar serviços de diagnóstico e tratamento mais próximos dos locais de infecção; implantar equipe itinerante para as regiões de maior risco de transmissão; realizar busca ativa de casos estabelecendo parcerias com o PACS e PFS e viabilizar estudos entomológicos, observando densidade, sazonalidade, identificação de vetores, com vistas a orientar as ações de controle seletivo de anofelinos. Essas ações contribuíram para a redução significativa no IPA no Estado (MATO GROSSO, 2005) Atualmente, Mato Grosso dispõe de um laboratório de Entomologia, localizado na capital, Cuiabá, mais especificamente no Hospital Universitário Júlio Müller (HUJM). Esse laboratório é tido como referência nas atividades de pesquisa entomológica para os vetores da malária e treinamentos em vigilância entomológica voltados à capacitação de técnicos dos dezesseis Escritórios Regionais de Saúde e municípios do estado (MATO GROSSO, 2005). 2.4 Os Conceitos de Cultura, Cuidado e a Teoria do Cuidado Cultural de Leininger A Cultura Desde o século XIX há uma preocupação em estudar as culturas dos seres humanos e esses estudos percorreram um longo caminho até adquirir o sentido de costumes, modos de vida, práticas, crenças1 e valores2 de um povo (SANTOS, 1983). 1 Crença – se refere à aceitação de uma proposição como verdadeira, seja ela comprovada cientificamente ou não (AZEVEDO, 1998, p.17). 2 Valores – são objetos e situações consideradas boas, desejáveis, apropriadas, que incentivam e orientam o comportamento humano (AZEVEDO, 1998, p.17). 41 O conceito de cultura pode ser apreendido a partir de diferentes origens, germânica, francesa e americana. O termo germânico kultur era utilizado para simbolizar todos os aspectos culturais de uma comunidade, enquanto a palavra francesa civilization referia-se principalmente às realizações materiais de um povo. Estes termos foram sintetizados por Edward Tylor no vocábulo inglês culture que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade (LARAIA, 1996). No dicionário da Língua Portuguesa, Ferreira (1986, p.508) define cultura como sendo padrões de comportamento das crenças, das instituições e doutros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente, característico de uma sociedade. Tylor, em 1971, definiu cultura como sendo o comportamento aprendido e que não depende de transmissão genética. Sendo assim, o homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado; é herdeiro de um processo acumulativo que reflete no conhecimento e na experiência adquirida pelas numerosas gerações que o antecederam (LARAIA, 1996). Para Santos (1983), a cultura diz respeito à humanidade como um todo, a cada um dos povos, nações, sociedades e grupos humanos. Cada realidade cultural tem sua lógica interna que devemos nos preocupar em conhecer para dar sentidos as suas práticas, costumes, concepções e transformações pelas quais estas passam. O autor ainda afirma que cada cultura é o resultado de uma história particular, porém pode ter características bem diferentes. Está associada aos estudos, formação escolar, manifestações artísticas, lendas e crenças de um determinado povo. Helman (1994) também compartilha da idéia de que a cultura é um conjunto de princípios herdados pelos indivíduos, enquanto membros de uma sociedade em particular. Tais princípios mostram a eles a forma de ver o mundo, de vivenciá-lo emocionalmente e de se comportar dentro de uma determinada sociedade em relação às outras pessoas, a forças sobrenaturais e ao meio ambiente. Os antropólogos consideram a cultura como comportamento aprendido, característico dos membros de uma sociedade, uma vez que o comportamento instintivo é inerente aos animais em geral. Assim, os instintos, os reflexos inatos devem ser excluídos. A cultura resulta então da invenção social, é 42 aprendida e transmitida por meio da aprendizagem e da comunicação (AZEVEDO, 1998, p.17) Assim, cada pessoa age e se comporta segundo valores e crenças compartilhadas em seu grupo, mas também segundo fatores individuais (idade, gênero, altura, aparência, personalidade, inteligência e experiência), fatores educativos (formais e informais, incluindo educação em uma subcultura religiosa, profissional ou étnica) e fatores socioeconômicos (classe social). Deste modo, a cultura é adquirida pelo homem a partir do mundo que o rodeia, produto das pessoas e da sociedade e envolve hábitos alimentares, modo de vestir, forma de saudar o semelhante, dentre outros (ULLMANN, 1991). Para Azevedo (1998) qualquer sistema cultural e está num contínuo processo de modificação, que pode ocorrer de duas maneiras: interna e externa. A interna é resultante da dinâmica do próprio sistema cultura, esta pode ocorrer de forma lenta, sendo alterada por eventos históricos tais como catástrofes ou inovações tecnológicas; e a externa que é resultante do contato de um sistema cultural com o outro ocorre de forma mais rápida, onde a troca de padrões culturais se dá sem grandes traumas. Já para Monticelli (1994), a cultura humana torna o indivíduo capaz de transformar o mundo e, na medida em que transforma o mundo transforma também a si mesmo, e este processo é dinâmico, ou seja, o homem cria sua própria cultura e a modifica. Apoiada nos conhecimentos de Geertz, Leininger e Langdon, Monticeli (1997) apresenta as seguintes características da cultura: teia de significados, que orienta os homens e dá significado às suas ações; dinâmica, pois os indivíduos estão sempre reorganizando suas representações; pública (há um consenso em relação aos significados), compartilhada (um indivíduo sozinho não inventa uma cultura, pois é através das interações dos indivíduos desempenhando e reinventando papéis sociais que a história se desenrola), apreendida (independe da questão biológica), lógica (organizada), não é apenas um produto, pois é importante saber como ela é produzida (relação /ter ação e representação). Além de apontar alguns elementos da cultura, a autora faz uma aproximação deste conceito com o trabalho desenvolvido pela enfermagem, uma vez ser está uma ciência a serviço do ser humano, sendo assim, se faz necessário compreender que a cultura faz parte da vida individual e coletiva das pessoas. 43 Segundo Laraia (1996, p. 70) entender a dinâmica da cultura é um elemento importante para atenuar o choque entre as gerações e evitar comportamentos pré-conceituosos, para a compreensão das diferenças entre povos de culturas diferentes os quais podem ser facilmente identificados por uma série de características, tais como: modo de agir, vestir, caminhar, comer, sem mencionar as diferenças lingüísticas, fato mais imediato de observação empírica. Sendo assim, neste estudo, o conceito de cultura se refere aos conhecimentos repassados de geração a geração, os quais determinam a forma de olhar o mundo, de se relacionar com o outro, de cuidar da sua saúde, do seu corpo; um processo de aprendizagem que define o seu comportamento e sua capacidade de inovações e invenções. O Cuidado O cuidado vem se constituindo no foco e expressão essencial da Enfermagem ao longo da história. Entretanto, somente nas últimas duas décadas têm emergido estudos sobre o cuidado e suas conceptualizações (Silva, 1997). Segundo Maia (1998), a vinculação histórica da enfermagem com o tema cuidado se dá há muito tempo. Porém, foi na década de 1990 que estudiosos, pesquisadoras e teóricas da enfermagem, procuraram clarificar, desenvolver e compreender o significado deste conceito. O termo cuidado deriva-se do inglês carion e das palavras góticas Kara ou Karon. Como substantivo, cuidado deriva-se de Kara, que significa aflição, pesar ou tristeza. Como verbo, cuidar (de carion) significa ter preocupação por sentir uma inclinação ou preferência, ou ainda, respeitar/considerar no sentido de ligação de afeto, amor, carinho e simpatia (Gaut, 1983). Na língua portuguesa, Ferreira (1986) define cuidar (do latim cogitare) como imaginar, pensar, aplicar atenção, refletir, ter cuidado, julgar-se, prevenir-se, acautelar-se, ter cuidado consigo mesmo e com sua saúde, a sua aparência ou apresentação e, cuidado como precaução, cautela, diligência, zelo, 44 responsabilidade, pessoa ou coisa que é objeto de desvelos, pensado, imaginado, meditado, previsto, calculado, suposto. De acordo com Azevedo (2001) o cuidado tem sido estudado nas perspectivas filosófica, psicossocial, fenomenológica e antropológica. Na filosofia o cuidado é tido como um valor fundamental ou ideal moral, o qual tem o compromisso de manter a dignidade e integridade do indivíduo. Dentro da perspectiva psicossocial, a essência do cuidado reside na criação de vínculo afetivo, empatia emocional do enfermeiro com o cliente. A fenomenologia por sua vez, compreende o cuidado como algo que não pode ser tocado, mas sim vivenciado pelas pessoas e na antropologia o cuidado é culturalmente apreendido, pois a maneira como fomos cuidados ou expressamos cuidados refletirá na forma de cuidar. Desta forma, o cuidado revela-se como um fenômeno complexo que não pode ser desvinculado do processo de cuidar da enfermagem, por se configurar como uma teia complexa de ações e relações. Nesse sentido Leininger prestou uma grande contribuição para o desenvolvimento ontológico e epistemológico do cuidado de enfermagem ao desenvolver as idéias sobre a enfermagem transcultural e posteriormente, a Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural. Para a autora o cuidado cultural são todas as formas de comportamento, atitudes e modos de vida que estão relacionados à saúde e ao bem estar das pessoas (LEININGER, 1985). Deste modo, as práticas de cuidado à saúde são manifestações culturais de um povo, principalmente as não convencionais, pois foram tradicionalmente repassadas pelas pessoas de uma determinada sociedade, por isso existem diferenças entre o cuidado popular e o cuidado prestado pelos profissionais de saúde (CARREIRA; ALVIM, 2002). Como a cultura está relacionada à maneira como as pessoas cuidam de sua saúde, Kleinman (1988) em seu modelo explicativo sobre a saúde e a doença, apresenta três sistemas de cuidado à saúde: O sistema familiar ou informal, o sistema popular e o profissional. O sistema familiar é o campo leigo onde as doenças são reconhecidas, definidas e tratadas; o sistema popular que é formado por curandeiros e populares (pessoas da comunidade) que compartilham os valores culturais básicos, as visões de mundo da comunidade em que vivem e as crenças sobre a origem, significado e tratamento das doenças e o sistema 45 profissional, que é a medicina científica, composta por profissionais de saúde (MARUYAMA, 2004). Teoria do Cuidado Cultural de Leininger Desde a década de 1950, Leininger tem enfatizado a importância de se estudar e escrever sobre o cuidar-cuidado nas diferentes culturas, como também a necessidade de aprofundar por meio de pesquisas o conhecimento das dimensões culturais essenciais ao cuidado de enfermagem, estabelecendo interrelações entre cuidado e cultura (MARTIN; ANGELO, 1998). Assim, começou a explorar como as crenças, os valores e as práticas culturais podiam influenciar no processo saúde-doença das pessoas. Entretanto, foi em 1960 que Leininger começou a teorizar sobre a relação do cuidado com a cultura, utilizando pela primeira vez os termos enfermagem transcultural (AZEVEDO 1998, p. 29). Leininger construiu a Teoria Transcultural de Enfermagem, baseada na crença de que os povos de cada cultura são capazes de reconhecer e definir maneiras através das quais experimentam e percebem o cuidado de enfermagem, mas também, são capazes de relacionar essas experiências e percepções às suas crenças e práticas gerais de saúde, onde o cuidado é culturalmente construído. Definiu a teoria como um conjunto de conceitos e hipóteses de enfermagem inter-relacionados, fundamentados nas necessidades culturais das pessoas e grupos que incluem manifestações de comportamentos relativas aos cuidados, crenças e aos valores com a finalidade de realizar um cuidado de enfermagem efetivo e satisfatório (AZEVEDO, 1998). Leininger (1985, p. 225-238) elaborou sua teoria para subsidiar as ações de cuidado da enfermagem por identificar o contexto cultural como sendo inerente e, ao mesmo tempo, condicionante de todos os aspectos que permeiam a relação saúde-doença a partir dos seguintes pressupostos: 46 • A enfermagem é um fenômeno essencialmente cultural que envolve assistência às pessoas de acordo com seu contexto cultural ou estilo de vida específico. • O cuidado tem sido, desde tempos remotos, essencial para o crescimento, desenvolvimento e sobrevivência dos seres humanos. • O cuidado, as manifestações, os processos, os valores e as crenças de enfermagem transcultural precisam ser explicados de maneira sistemática e científica com bases humanísticas. • O cuidado humanizado é universal com suas especificidades em cada cultura. É a característica central, dominante e unificadora da enfermagem. • O cuidado de enfermagem terapêutico e na maioria das vezes culturalmente determinado e embasado, podendo ser culturalmente validado. • As culturas têm seu modo particular de comportamento relativo ao cuidado que geralmente é conhecido pelos integrantes da própria cultura, mas desconhecidos pelo profissional enfermeiro, cuja bagagem é diferente das pessoas que cuidam. • Os processos, as funções e as atividades de enfermagem variam de acordo com a estrutura social e o sistema cultural em relação à sua história cultural. • No sistema profissional de saúde não pode haver cura sem cuidado, mas há cuidado sem ser para a cura. No seu modelo de cuidado “sol-nascente”, aponta o caminhar de uma subárea para a profissão denominada transcultural. Ela definiu a sua teoria como sendo um conjunto de conceitos (cuidado, cuidar, cultura, cuidado cultural) e hipóteses de enfermagem que incluem manifestações de comportamentos relativos ao cuidado, às crenças e aos valores, com o objetivo de realizar um cuidado de enfermagem satisfatório, bem como tornar o conhecimento e a prática profissional culturalmente embasados, conceituados e operacionalizados (LEININGER, 1978). Desta forma, Leininger (1985) apresenta três tipos de ações de enfermagem que possibilitam ao profissional enfermeiro cuidar da pessoa de acordo com sua cultura. A primeira é a preservação/manutenção do cuidado, onde o enfermeiro vai atuar no sentido de guiar e favorecer as pessoas mantendo seus valores culturais. A segunda ação é a acomodação ou negociação do cuidado e a terceira é a repadronização/reestruturação cultural do cuidado. A preservação/manutenção do cuidado é um fenômeno culturalmente embasado, de assistir, facilitar ou capacitar a pessoa, que a auxilia a 47 preservar ou manter hábitos favoráveis de cuidado e de saúde. O enfermeiro deve atuar no sentido de guiar e favorecer as pessoas a manter valores culturais próprios que lhes são benéficos. A acomodação/negociação do cuidadoé um ato culturalmente embasado de assistir, facilitar ou capacitar, que revela formas de adaptação, negociação ou ajustamento dos hábitos de saúde e vida das pessoas. Nesta etapa o enfermeiro deve identificar os valores culturais da pessoa e negociar formas de melhorá-los buscando promover a saúde. A terceira e última ação é a repadronização ou reestruturação cultural do cuidado, os modelos são reconstruídos ou alterados para auxiliar as pessoas a mudar os padrões de saúde ou de vida, de forma a torna-lós significativo ou congruente para ele. O enfermeiro assume o papel de interventor, propondo ações conciliadoras entre a cultura e as necessidades de saúde das pessoas nos aspectos em que os valores culturais forem considerados desfavoráveis à sua saúde. Desta forma, percebemos que há uma escassez de trabalhos que abordem as práticas de cuidados populares em relação à malária, já que esses cuidados estão associados à cultura das pessoas, que se entrelaça com uma rede de significados compartilhados nos grupos sociais nos quais as pessoas estão inseridas. Portanto é importante que o profissional de saúde compreenda os aspectos culturais para implementar ações voltadas à preservação, acomodação ou repadronização dos cuidados com a saúde. 48 CAPÍTULO 3 METODOLOGIA 49 3 METODOLOGIA 3.1 Tipo de estudo Esta pesquisa de caráter descritivo-exploratório de abordagem qualitativa, face às suas características, tem como foco principal os fenômenos das Ciências Sociais na medida em que busca compreender o fenômeno na perspectiva dos sujeitos, contextualizado em seu ambiente natural. O investigador é o principal instrumento da pesquisa (MINAYO, 2006). Desta forma, a pesquisa qualitativa possibilita a aproximação com o objeto de estudo na medida em que se pretende compreender as práticas de cuidado desenvolvidas pelas pessoas a partir do seu cotidiano, suas angústias, necessidades, crenças e valores. . 3.2 Cenário A pesquisa foi desenvolvida no município de Juruena–MT. A escolha deste município deveu-se aos crescentes índices de malária ocorridos na região, em particular nos anos de 2003 e 2004 quando se registrou IPA de 41,00/1.000hab e 116,8/1.000hab respectivamente, alcançando o primeiro lugar no ranking das doenças transmissíveis no município. Dentro da área de abrangência de Juruena o assentamento Vale do Amanhecer se destacou por apresentar, nesse período, respectivamente, 96,4% e 73,7% das lâminas positivas (MATO GROSSO, 2005). O município de Juruena está localizado na região Noroeste do Estado de Mato Grosso a 880 km de Cuiabá, com uma área total de 3.190 Km² e com 6.217 habitantes (JURUENA, 2007). 50 A região que compõe o município foi fortemente explorada por aventureiros e garimpeiros desde o século XIX, porém só foi desenvolvida a partir da década de 80 por meio de projetos colonizadores implementados pela Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso (CODEMAT) e pelos incentivos fiscais do governo federal. O primeiro projeto de colonização em Juruena, visava colonizar uma área de 200 mil hectares, assentando, em média, 1.000 pequenos e médios agricultores oriundos da região Sul do país (FERREIRA, 1997). A denominação Juruena está diretamente relacionada à referência geográfica do rio Juruena, como também pelo fato de se prestar homenagem à Juruena Empreendimentos de Colonização Ltda, empresa que colonizou vasta área de terra no Noroeste mato-grossense (www.saude.mt.gov.br). Figura 3 – Localização geográfica do município de Juruena – MT. Fonte: http://pt.wikipedea.org/wiki/Juruena Figura 4 – Vista aérea do município de Juruena – MT. Fonte: http://pt.wikipedea.org/wiki/Juruena 51 O município de Juruena foi criado em 04 de julho de 1988, pela Lei Estadual nº. 5.313, após o desmembramento do município de Aripuanã. Sua população é formada por descendentes de alemães, paranaenses, italianos e poloneses. Possui atividade econômica baseada no extrativismo vegetal, na pecuária e na agricultura, porém a região já foi cenário do extrativismo mineral, ou seja, áreas garimpeiras sempre estiveram presentes no local (FERREIRA,1997). Desde 2000, o turismo vem sendo desenvolvido na região e dentre os pontos turísticos está o rio Juruena e como opção de lazer os visitantes podem desfrutar da pesca, dos passeios ecológicos e dos banhos na cachoeira do Vale do Canamã (JURUENA, 2007). O assentamento Vale do Amanhecer foi criado pelo Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em 1998, possui 14,4 mil hectares de área, está localizado a 6,2 km da sede do município tendo como principal via de acesso a rodovia MT-208. O local é dividido em linhas as quais contêm os lotes residenciais e possui ainda uma reserva ambiental coletiva. A chegada das primeiras famílias se deu em 2000 e a estimativa era de assentar aproximadamente 250 famílias. Em novembro de 2005 estavam assentadas 220 famílias que permanecem até os dias atuais (INCRA, 2006; JURUENA, 2007). 3.3 Sujeitos do estudo Os critérios que fundamentaram a seleção dos sujeitos do estudo foram estabelecidos da seguinte forma: usuários da rede básica de saúde com o diagnóstico de malária nos últimos três anos, identificados pelos funcionários do setor de endemias do município, de ambos os sexos, com idade acima de 18 anos, residentes no município de Juruena – MT de forma aleatória. A maioria dos participantes da pesquisa residia no assentamento Vale do Amanhecer. O número de sujeitos participantes da pesquisa foi delimitado com base na saturação das informações coletadas. Participaram do estudo dezesseis pessoas, sendo oito do sexo masculino e oito do sexo feminino, com idade entre dezenove e sessenta anos. A maioria era casada e tinha o ensino fundamental 52 incompleto. A atividade de trabalho principal realizada por essas pessoas era a agricultura familiar. 3.4 A Coleta de dados A coleta de dados é uma das etapas da pesquisa que exige do pesquisador maior tempo e trabalho, pois, segundo Chizzotti (1998), nesta fase é importante reunir informações indispensáveis ao alcance dos objetivos. A entrevista foi o meio considerado mais apropriado para se obter as informações necessárias à compreensão do objeto deste estudo, pois, como afirma Minayo (2006), possibilita a obtenção de dados tanto objetivos quando subjetivos, como atitudes, valores, opiniões, idéias, crenças, maneiras de pensar, sentir e atuar das pessoas. Haguette (1997) define a entrevista como um processo de interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado. Para Leopardi (2001) é uma técnica em que o investigador formula questões relativas ao seu problema e pode ser construída de diferentes maneiras, porém sempre na perspectiva de encontro social no qual o pesquisador busca compreender o que está no íntimo da pessoa informante, ou seja, além das respostas ao questionamento, captar os sentimentos dos sujeitos pesquisados. Nesta pesquisa a coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas. De acordo com Minayo (1994, p.108), na entrevista semi-estruturada ocorre uma combinação de perguntas abertas e fechadas, onde o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto, sem resposta ou condição pré-fixada pelo pesquisador. Os dados foram coletados nos meses de agosto e setembro de 2007, seguindo um roteiro de questões fechadas e abertas previamente elaboradas e testadas (teste-piloto) junto às pessoas que tiveram malária, residentes em Cuiabá no período anterior à coleta (Apêndice A). A aplicação do teste-piloto foi importante, pois identificamos se as perguntas estavam adequadas ao nível de compreensão das pessoas e se as respostas possuíam informações que pudessem auxiliar na compreensão do objeto de estudo. Após a realização de cada entrevista 53 as questões norteadoras foram reformuladas e novamente testadas, obtendo-se, ao final, um resultado satisfatório. As entrevistas foram realizadas nas residências das pessoas. A escolha desse local auxiliou a coleta de dados, por ser um espaço informal e familiar, o que minimiza o desconforto durante a entrevista e favorece o diálogo com o pesquisador. Nesses encontros, primeiramente foi explicado às pessoas os objetivos da pesquisa e que poderiam deixar de participar da mesma a qualquer momento, como também, foi informado sobre o sigilo dos dados. Após essas informações foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice B) para autorização da coleta de dados através da assinatura do documento. Para o registro das informações foi utilizado um gravador de voz digital, marca Coby, modelo BR–R 188. 3.5. Análise dos dados Os dados foram organizados, categorizados e analisados com base no método de análise de conteúdo apoiado na técnica de análise temática proposta por Minayo (2006, p. 309), por ser, segundo a autora, [...] a mais simples e considerada apropriada para as investigações qualitativas em saúde. De acordo com Minayo (2006), a análise temática tem suas raízes na linha positivista de análise de conteúdo, ou seja, ênfase na freqüência dos significados, entretanto, dentre as suas variantes, comporta o estudo/ análise dos significados. Para a autora, a noção de tema está ligada a uma afirmação a respeito de determinado assunto e comporta um feixe de relações que pode ser representado por uma palavra, uma frase, um resumo. Nesse sentido a análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou freqüência signifique alguma coisa para o objetivo analítico visado. 54 Operacionalmente a análise temática se desdobra em três etapas: Pré-análise, Exploração do material e Interpretação (MINAYO 2006, p.316-18): Primeira etapa: Pré-Análise - consiste na escolha dos documentos a serem analisados e na retomada das hipóteses e dos objetivos iniciais da pesquisa. Pode ser decomposta nas seguintes tarefas: a) leitura flutuante do conjunto das comunicações. Consiste em tomar contato exaustivo com o material deixando-se impregnar pelo seu conteúdo. A dinâmica entre as hipóteses iniciais/emergentes, as teorias relacionadas ao tema tornarão a leitura sugestiva e capaz de ultrapassar a sensação de caos inicial. b) constituição do corpus organização do material de tal forma que possa responder a algumas normas de validade: exaustividade (contempla todos os aspectos levantados no roteiro; representatividade (representação do universo pretendido); homogeneidade (obedeça a critérios precisos de escolha em termos de temas, técnicas e interlocutores); pertinência (documentos analisados devem ser adequados ao objetivo do trabalho). c) Formulação e reformulação de hipóteses e objetivos, processo que consiste na retomada da etapa exploratória, tendo por parâmetro a leitura exaustiva do material e as indagações iniciais, pois a realidade não é evidente. Por isso se fala também em reformulação de hipóteses, o que significa a possibilidade de correção de rumos interpretativos ou abertura para novas indagações. Segunda etapa: Exploração do material - esta fase consiste essencialmente numa operação classificatória que visa alcançar o núcleo de compreensão do texto. Para isso o investigador busca encontrar categorias que são expressões ou palavras significativas em função das quais o conteúdo de uma fala será organizado. A categorização consiste num processo de redução do texto às palavras e expressões significativas. Terceira etapa: Tratamento dos resultados obtidos e interpretação - nesta fase os resultados das entrevistas são categorizados, o que permite colocar em relevo as informações obtidas. A partir daí o analista propõe inferências e realiza interpretações, inter-relacionando-as com o quadro teórico desenhado inicialmente ou abre outras pistas em torno de dimensões teóricas e interpretativas sugeridas pela leitura do material. É importante ressaltar que durante a análise dos dados estivemos identificando as diversas formas de expressão sobre o cuidado com a saúde, em 55 especial durante o tratamento da malária, que permeiam o cotidiano dessas pessoas e os fatores culturais que podem estar influenciando nesse cuidado. Após a análise do material empírico emergiram duas categorias: • Categoria 1 – A REDE DE SERVIÇO DE SAÚDE E TERAPÊUTICA ANTIMALÁRICA que se dividiu em duas sub-categorias: o serviço de saúde e sua organização como espaço de diagnóstico e a terapêutica antimalárica e seus efeitos colaterais • Categoria 2 – PRÁTICAS POPULARES QUE INFLUENCIAM NO PROCESSO DE CUIDAR DA MALÁRIA. Nesta categoria encontramos duas sub-categorias: o conhecimento das pessoas sobre formas de transmissão e tratamento da malária; formas de cuidar/ tratar da malária . 3.6. Aspectos éticos Esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) em atendimento à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos, Protocolo n° 329/CEPHUJM/07. Para garantir o anonimato dos informantes, as entrevistas foram identificadas com nomes de pedras preciosas encontradas na região brasileira, como por exemplo; Rubi, Esmeralda e assim sucessivamente. A escolha desses codinomes se deu por considerar as informações preciosas, ricas e importantes para a compreensão do objeto de estudo. 56 CAPÍTULO 4 A REDE DE SERVIÇO DE SAÚDE E TERAPÊUTICA ANTIMALÁRICA 57 4 A REDE DE SERVIÇO DE SAÚDE E TERAPÊUTICA ANTIMALÁRICA Neste capítulo abordaremos alguns aspectos relacionados ao serviço de saúde e sua organização como espaço para o diagnóstico e tratamento da malária e os efeitos colaterais da terapêutica antimalárica 4.1 O serviço de saúde e sua organização como espaço para o diagnóstico e tratamento da malária O serviço de saúde do município de Juruena é composto por um Hospital Municipal, três Unidades de Saúde da Família (USF), sendo duas urbanas e uma rural, uma Unidade de Reabilitação e uma Unidade de Saúde Bucal, ou seja, um serviço exclusivamente público. A rede de serviço de saúde pública existente em Juruena pode ser observada nas fotografias abaixo F1- Hospital Municipal e USF Urbana I F2- USF Urbana II e Unidade de Reabilitação 58 F3- USF Rural e Unidade de Saúde Bucal Fonte: Fotos da autora F4- Prefeitura e Câmara Municipal O hospital municipal foi construído com recursos financeiros municipais, estaduais e contribuição da população local sendo inaugurado em 1996. É um hospital de pequeno porte com capacidade para 20 leitos distribuídos entre as especialidades de pediatria, clínica médica, clínica cirúrgica, clínica obstétrica e pronto atendimento. Seu quadro profissional é formado por 04 médicos, 01 enfermeiro, 20 auxiliares/técnicos de enfermagem, 01 técnico em radiologia, 01 nutricionista e 01 Fisioterapeuta. O hospital ainda abriga em sua estrutura física uma USF urbana, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), onde está localizado o gabinete da secretária municipal e o Setor de Vigilância Epidemiológica. A primeira USF urbana foi implantada no município em 1998, em substituição à UBS existente com a proposta de prestar assistência à saúde de forma mais próxima da população tendo como foco de atenção as ações de promoção, prevenção e educação em saúde. Em 2001 foi inaugurada a segunda USF urbana e em 2005 a USF rural. Todas as USFs possuem uma enfermeira, um médico, dois auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde. A USF urbana localizada no bairro Vila Nova abriga a Unidade de Reabilitação e a USF rural a Unidade de Saúde Bucal. Através da Lei Orgânica da Saúde, Lei nº. 8.080 de 19 de setembro de 1990 e da Política Nacional de Atenção Básica, Portaria nº. 648/GM de 28 de março de 2006, os serviços de saúde existentes na rede SUS, precisam garantir a referência e a contra-referência aos serviços de maior complexidade, 59 porém na maioria dos municípios brasileiros este modelo de atendimento não obedece a essa lógica (atenção básica, secundária e terciária), pois as pessoas continuam a procurar atendimento especializado (secundário ou terciário) de caráter curativo em detrimento da atenção básica seja pelo desconhecimento do fluxo de atendimento ou mesmo pela deficiência do sistema em resolver os problemas da comunidade de forma ágil e efetiva. Em relação à malária o Ministério da Saúde (BRASIL, 2006c) preconiza o seguinte fluxo de atendimento à pessoa com suspeita da doença: Suspeito de malária Preencher ficha de notificação Colher lâmina para diagnóstico Realização do exame laboratorial Investigar febre Positivo Iniciar tratamento Acompanhar tratamento Colher LVC (Lâmina de verificação de Cura) Positivo Notificar Negativo Sinais de perigo Encaminhar com urgência para Unidade de Referência Negativo Alta com recomendações Adotar conduta recomendada pelo supervisor 60 Para o controle das doenças infecto-contagiosas a SMS possui o setor de Vigilância Ambiental e de Endemias que fica localizado no centro da cidade, próximo ao hospital. É nesse local que se faz o diagnóstico da malária mediante a realização do exame de gota espessa, se institui o tratamento preconizado pelo MS com a distribuição da medicação específica seguida de orientações e o controle da doença por meio de visitas domiciliares. O assentamento Vale do Amanhecer faz parte da área de abrangência da USF rural a qual deveria ser responsável pelo diagnóstico, notificação, tratamento e acompanhamento das pessoas portadoras de malária residentes nessa comunidade. Entretanto, o setor de Vigilância Ambiental e Endemias é que se responsabiliza por todo esse processo e a comunidade já se habituou a esse fluxo que foi estabelecido no município. Mesmo quando uma pessoa procura a USF com suspeita de malária, é imediatamente encaminhada pelo profissional de saúde ao setor de endemias no centro da cidade. Entretanto, frente à endemia de malária registrada no município de Juruena, em especial no assentamento Vale do Amanhecer, nos anos de 2003 e 2004, em decorrência da intensa atividade garimpeira desenvolvida no local, o setor de vigilância ambiental e de endemias juntamente com profissionais da SMS, gestores e comunidade buscaram estratégias para o controle imediato da malária estabelecendo um sistema de comunicação visual (utilização da bandeira vermelha) a fim de identificar e tratar os casos precocemente. F5 e F6 - Assentamento Vale do Amanhecer – local de atividade garimpeira e atualmente área de desmatamento e queimadas. Fonte: Fotos da autora 61 As bandeiras vermelhas deveriam ser colocadas na entrada das casas quando algum membro da família apresentasse sintomas sugestivos de malária. Diariamente os agentes de endemias percorriam a região e ao visualizar as bandeiras se aproximavam dessas casas para realizar o exame da gota espessa. Se confirmado o diagnóstico de malária fazia a entrega do medicamento imediatamente ou o mais rápido possível como pode ser observado nos seguintes relatos: A gente colocava uma bandeirinha pra mostrar que a gente tinha malária. Onde tinha a bandeirinha, eles chegavam e traziam o medicamento (Ágata) Eles [funcionários] pediam para colocar a bandeirinha na estrada se tinha alguma coisa [malária]. A gente colocava quando tinha e eles já vinham ver a gente, ver o que o pessoal estava precisando (Safira) Quando estava com malária colocava a bandeirinha sim. Era de cor vermelha. Quando o pai estava com malária ele colocava a bandeirinha. Eles [funcionários] passavam e entregavam aqui a bandeirinha (Esmeralda). Aí eu coloquei uma bandeirinha. Eles [funcionários] colhiam o sangue e descobriram que era malária (Diamante). A bandeirinha foi uma idéia boa porque não precisava mais correr atrás do agente. Ele [funcionário] já via a bandeira e passava aqui (Granada). Eu coloquei a bandeirinha. Fizeram [funcionários da saúde] uma reunião e informaram que tinha um agente pra passar direto nas linhas. Os agentes passavam, falavam pra gente e davam a bandeirinha que era vermelha (Granada). Caso a pessoa apresentasse sintomas tais como fraqueza intensa, sinais de desidratação e/ou desnutrição o agente de endemias encaminhava-a para avaliação médica no hospital. A estratégia de utilizar a bandeira vermelha para sinalizar a presença da malária pode ser comparada ao esquema de quarentena (plano de urgência) utilizado no final da Idade Média na França e em todos os países da Europa no momento em que a peste ou uma doença endêmica violenta aparecesse na cidade. 62 Segundo Foucault (2000, p. 88), no esquema de quarentena [...] todas as pessoas deveriam permanecer em casa para serem localizadas em um único lugar; a cidade deveria ser dividida e supervisionada por inspetores que deveriam percorrer as ruas para ver se alguém saía do seu local; os inspetores deviam apresentar relatórios informando tudo que tinham observado – registro centralizado e solicitar as pessoas para se apresentar em determinada janela para identificá-lo como vivo e por último, praticar a desinfecção casa por casa, com a ajuda de perfumes que eram queimados. A estratégia utilizada pelo serviço para identificação dos casos de malária (uso das bandeiras) surtiu efeito e sua eficácia para o controle da malária nessa comunidade se devem à relação de proximidade estabelecida de forma simétrica, dialogada e participativa entre os profissionais de saúde/ serviço de saúde com seus usuários. Não procurei o posto de saúde. O pessoal da saúde [setor de endemias] que veio aqui olhava as pessoas que estavam mal, fazia a lâmina e quem tinha malária eles foram na cidade e buscavam o remédio (Safira). Como se observa os profissionais de saúde do município desenvolveram práticas de cuidados a partir das realidades vivenciadas pelos moradores de forma a preservar e/ou acomodar cuidados para se evitar conflitos culturais. Esses cuidados geraram na comunidade mudança de comportamento, tanto das pessoas em relação a sua saúde quanto dos serviços de saúde em relação às pessoas e ao controle da malária. Isto reforça a necessidade dos profissionais estarem próximos das comunidades para utilizar de forma adequada estratégias de comunicação e mobilização social. 4.2 A terapêutica antimalárica medicamentosa e seus efeitos colaterais O tratamento imediato e adequado da malária é a principal alternativa para o controle da doença, visto não haver vacinas para a sua prevenção e tem por objetivos prevenir formas graves da doença, reduzir sua 63 mortalidade, eliminar a fonte de infecção para o mosquito e conseqüentemente, a transmissão da malária. Entretanto, esta terapêutica é influenciada pela cultura de uma sociedade. Para que o tratamento da malária possa ocorrer de forma satisfatória é necessário avaliar o quadro clínico apresentado pela pessoa, sua idade, identificar a espécie de plasmódio causador da doença e se a mesma já fez tratamento antimalárico anteriormente (BRASIL, 2002). Além disso, também é importante definir se a pessoa infectada é um caso autóctone (contraiu a doença no mesmo município/local que está sendo feito o diagnóstico), importado (malária contraída fora da zona onde foi feito diagnóstico), introduzido (caso secundário direto, quando se pode provar que o mesmo constitui o primeiro elo de transmissão local após um caso importado conhecido) ou crípticos (malária diagnosticada em área com transmissão interrompida quando não se consegue comprovar o local de infecção) (BRASIL, 2006c). Visando obter maior eficácia no tratamento e cura da malária, o Ministério da Saúde preconizou esquemas terapêuticos para cada espécie de Plasmodium (Quadro 1,Quadro 2, Quadro 3, Quadro 4, Quadro 5, Quadro 6). Nesses esquemas são utilizadas drogas como cloroquina, mefloquina e primaquina na forma de comprimidos (F,7, F8, F9). Caso a espécie de Plasmodium não seja identificada, deve-se instituir o tratamento para o Plasmodium falciparum uma vez que a infestação por esse protozoário apresenta manifestações clínicas graves, podendo evoluir para óbito. Ao persistirem os sintomas ou agravo dos sinais clínicos o doente deverá ser encaminhado para unidade de saúde de maior complexidade (hospital) (BRASIL, 2001). Quadro 1 – Esquema terapêutico preconizado pelo MS/FUNASA para o tratamento da malária por Plasmodium falciparum. Drogas e Doses 1º, 2º e 3º dias Grupos Etários 4º e 5º dias 6º dia Quinina Doxiciclina Doxiciclina Primaquina comprimido comprimido comprimido comprimido 8 a 11 anos 1e½ 1 12 a 14 anos 2e½ 2 15 ou mais anos 4 FONTE: BRASIL, 2006c. 2 2 3 64 Quadro 2 – Esquema terapêutico para tratamento das infecções vivax ou Plasmodium malarie. Drogas e Doses 1º. dia 2º. e 3º. dias Grupos Cloroquina Primaquina Cloroquin Primaquina Etários (Comp) (Comp) a (Comp) (Comp) Adulto Inf. Adulto Inf. Menor 1/4 1/4 6 meses 6-11 1/2 1 1/2 1 Meses 1-2 1 1 1/2 1 anos 3-6 1 2 1 2 anos 7-11 2 1 1 1 e 1/2 1 1 anos 12-14 3 1 e1/2 2 1 e1/2 anos 15 ou 4 2 3 2 mais por Plasmodium 4º. ao 7º. dia Primaquina (Comp) Adulto Inf. - - 1 - 1 - 2 1 1 1 e1/2 - 2 - Fonte: BRASIL, 2006c. Quadro 3 - Esquema alternativo para tratamento das infecções por Plasmodium vivax em crianças apresentando vômitos, com cápsulas retais de artesunato em 4 dias e primaquina em 7 dias. Drogas e doses 1º, 2º e 3º Grupos Etários 4º dia 5º ao 11º dias dias Artesunato Artesunato Primaquina - comprimido cápsula retal cápsula retal Adulto Infantil 1 a 2 anos 1 1 - 1 3 a 5 anos 2 (A) 1 ½ - 6 a 9 anos 3 (B) 1 - 2 10 a 12 anos 3 (B) 3 (B) 1 - FONTE: BRASIL, 2006c. (A) = administrar uma cápsula retal de 12 em 12 horas; (B) = administrar uma cápsula retal de 8 em 8 horas; Não recomendado esse tratamento para menores de 1 ano e maiores de 12 anos, e crianças com diarréia. 65 Quadro 4. Esquema de prevenção de recaída da malária por Plasmodium vivax, com cloroquina dose única semanal, durante 3 meses. Número de comprimidos Peso (Kg) Idade (150 mg/base/por semana) 5 – 6 Kg < 4 meses ¼ 7 – 14 Kg 4 meses a ½ 15 – 18 Kg 3 – 4 anos 3/4 19 – 35 Kg 5 – 10 anos 1 36 Kg e mais 11 e + anos 2 2 anos FONTE: BRASIL, 2006c. Quadro 5 - Esquema terapêutico para tratamento das infecções por Plasmodium falciparum com associação de artemeter mais lumefantrina – Cartem. 1º. dia 2º. dia 3º. dia Peso Idade 5-14 kg 6 meses Manhã Noite Manhã Noite Manhã Noite 1 1 1 1 1 1 8 2 2 2 2 2 2 14 3 3 3 3 3 3 14 4 4 4 4 4 4 a 2 anos 15-34 kg 25-34 kg >35 kg 3 a anos 9 a anos > anos Fonte: BRASIL, 2006c. Quadro 6 – Esquema alternativo para tratamento das infecções por Plasmodium falciparum com quinina, dociciclina e primaquina. Drogas e Doses (comprimidos) Idade 1º. 2º. e 3º. Dias 4º. e 5º. Dia 6º.. Dia Quinina Doxiciclina Doxiciclina Primaquina 8-11 anos 1 e 1/2 1 1 1 12-14 anos 2 e 1/2 1 e 1/2 1 e 1/2 2 4 2 2 3 15 anos ou mais Fonte: BRASIL, 2006c. 66 F 7 –Medicamento Cloroquina Fonte: Fotos da autora F 8 – Medicamento Primaquina F 9 – Medicamento Mefloquina Fonte: Fotos da autora Estudos revelam que o uso correto dos esquemas terapêuticos são eficientes para o controle e cura da malária. Entretanto, há fatores que interferem no tratamento da doença tais como a absorção do medicamento devido a distúrbios gastrintestinais (diarréias e vômitos), aderência ao tratamento, reinfecção e imunidade (SILVA et al, 2003). Abdon et al (2001) alertam para os efeitos colaterais que esses medicamentos apresentam em particular alterações do aparelho gastrintestinal (a diarréia), podendo ocorrer ainda prurido e anemia aplástica. Além das alterações gastrintestinais as pessoas que fizeram uso dos antimaláricos em Juruena apresentaram como efeitos colaterais dor no fígado, moleza, fraqueza, dor de cabeça, dor no corpo. Isto pode ser observado nas falas abaixo: 67 Dava febre, dor de cabeça. Só que a primeira vez que eu tive malária eu vomitava. Quando eu tomava o remédio tinha que cuidar para não vomitar (Ágata) O remédio da SUCAM ataca o fígado (Opala) O remédio dava uma indisposição. Não dava vontade de nada e nem podia sentir o cheiro da comida que dava uma vontade de vomitar terrível. Dava um pouco de moleza, mas passava logo. Dava uma fraqueza na gente, moleza, uma vontade de ficar deitado (Rubi). Sentia fraqueza, não conseguia comer. A gente está de idade e o remédio é forte. Então eu sentia muita fraqueza, canseira, dor nas pernas (Alexandrita). A informação que a gente tinha era que o remédio acabava com o organismo da pessoa, principalmente a visão, até porque a malária já ataca a visão da gente (Topázio). O remédio faz a gente ficar sem força. Faz a gente ficar uns dias sem trabalhar. Não sei se é da malária ou do tratamento, porque os comprimidos são muito fortes (Quartzo). Entretanto, apesar da medicação apresentar esses efeitos colaterais algumas pessoas não deixaram de tomar o medicamento por acreditar que o mesmo é forte e cura a malária. Assim, fica evidente que o uso do medicamento é resultante de um processo de decisão o qual, segundo Leite e Vasconcellos (2003) levam em conta fatores determinantes como a crença no tratamento proposto. Vontade eu tinha de parar, mas não podia se não iria piorar. Porque daí não sarava da malaria (Diamante). Eu tomei o remédio certinho. Tomava para sarar. Pra melhorar tem que tomar, não adianta parar. Para melhorar tem que tomar porque senão tomasse a gente continuava ruim igual (ÁguaMarinha). Eu tomava o remédio certinho. Porque eu sou assim: se tem que tomar esse remédio eu tomo, só é para parar quando sarar (Alexandrita) 68 O conhecimento que a comunidade possui sobre as drogas antimaláricas e seus efeitos colaterais foram adquiridos por meio de experiência pessoal, orientação dos profissionais de saúde, cuidado com familiares ou relatos de outras pessoas que já tiveram a malária. Isto pode ser observado nas falas abaixo: Uns [pessoas da comunidade] falam que é bom e a gente toma o remédio. (Ágata) Eles [os funcionários] me deram o remédio e me explicaram certinho e eu fiz do jeito que eles mandaram. (Ônix) Dizem [os funcionários] que é o remédio da SUCAM que cura a malária, então tem que tomar. (Opala) Alves (1993), em seus estudos descreve que os conhecimentos são constituídos de experiências diversas e que podem modificar-se no decorrer do tempo, pois constituídos são continuamente por familiares, confrontados amigos, vizinhos, por diferentes diagnósticos dentre Portanto, outros. o conhecimento das pessoas está em constante construção sendo reformulado e reestruturado de acordo com os processos vivenciados pela comunidade. Como se observa, as pessoas entrevistadas possuem conhecimentos a respeito da importância da utilização do medicamento para malária bem como dos seus efeitos colaterais. Para minimizar os efeitos adversos da medicação no organismo fazem uso de terapias complementares como chás e dietas alimentares. A terapia complementar é uma prática de cuidado popular que os profissionais de saúde não podem desconsiderar, pois é uma forma de acomodar o cuidado da malária, evitando que essas pessoas deixem de tomar o medicamento preconizado pelo MS e se tornem veículos de transmissão da doença. 69 CAPÍTULO 5 PRÁTICAS POPULARES QUE INFLUENCIAM NO PROCESSO DE CUIDAR DA MALÁRIA 70 5 Práticas populares que influenciam no processo de cuidar da malária Este capítulo discute a questão do cuidado popular à saúde, que entendemos ser um conjunto de saberes e práticas relacionado à saúde. Esses cuidados revelam a especificidade de uma comunidade, os quais estão permeados de valores e crenças das pessoas pertencentes ao grupo. Desta forma, identificamos duas subcategorias que emergiram dos dados trabalhados e analisados possibilitando, assim, o alcance do objetivo principal desta pesquisa que é analisar as influências da cultura no cuidado da malária. 5.1 O conhecimento das pessoas sobre formas de transmissão e tratamento da malária Identificamos que as pessoas pesquisadas possuíam informações referentes à malária tais como: sinais e sintomas, formas de transmissão, diagnóstico, tratamento e medidas de prevenção que estão relacionados com a forma que as pessoas compreendem o processo saúde-doença e a maneira como lidam/cuidam de si nessas situações. As pessoas geralmente associam os sintomas de moleza, fraquezas e dores no corpo à malária por alterar a dinâmica de sua vida cotidiana. Tais manifestações geram sentimentos de angústia, pois o corpo é o elemento de ligação do homem com o mundo e a sua existência. Por conseguinte, a malária nos remete ao mosquito, à atividade laboral (garimpo) e à água parada. Os relatos abaixo reforçam essas percepções. Achei que tava com malária porque dava muita dor de cabeça, mal estar e vômito, então eu fiz a lâmina e deu malária. (Quartzo). 71 Sentia dores nas pernas, fraqueza. Daí eu tirei o sangue, fiz o exame e deu malária (Esmeralda). Olha, o mosquito da malária ele não dá de noite, é de dia mesmo, no amanhecer e no anoitecer. É o horário que eles mais atacam (Topázio) Quando chegava às 05 horas evitava ficar na beira dos córregos, porque esse horário que o mosquito mais ataca, as 05 da tarde e às 07 da manhã (Água-marinha). Alguma coisa que a gente pode fazer é não deixar vasilha com água parada, cuidar para não ir à beira do córrego, para o mosquito não pegar a gente. Outra coisa que tem que fazer é bater veneno pra matar o mosquito (Diamante). Não vai a lugar como garimpo porque vai pegar malária.....lá tem muita água parada, depósito de água, vasilhames jogados, litros de garrafa que ficam cheios de água. Daí o mosquito pica você e transmite. Não adianta esconder do mosquito (Topázio) Procurei o posto de saúde e lá eles me atenderam, fizeram a lâmina e era malária mesmo. Aí me deram o remédio e aí eu fiz do jeito que eles mandaram fazer (Ônix). Essas falas reforçam os estudos de Uchôa e Vidal (1994), que revelam que o universo social e cultural influencia na adoção de comportamentos de prevenção ou de risco e sobre a utilização dos serviços de saúde. Durante as entrevistas e leitura profunda destas, ficou evidente que as pessoas participantes desta pesquisa possuem conhecimento dos aspectos referentes à doença, porém nem sempre esses conhecimentos foram repassados pelos profissionais de saúde que cuidam dessas pessoas, mas adquiridos ao longo do tempo, servindo de orientação para as mesmas. Passavam muito veneno, teve uma vez que eles passaram em poucos dias, duas vezes. Só que agora não passam mais o veneno, porque não tem mais malária (Safira). O garimpo parou, a malária parou se continuar [o garimpo], continua a malária (Granada). Percebi que tava com malária quando começou a dar uma moleza no corpo, febre, dor na nuca. Dói assim, aqui na frente, dói tudo. Começa assim. Aí só cama e cobertor (Ônix). 72 Na época que tinha mosquito tinha que fazer fumaça mesmo. Era feita com esterco de gado, porque era muito bom. Parece que diminuía o mosquito (Água-Marinha). É importante conhecer e compreender tais percepções, visto que fazem sentido às pessoas orientando-as quanto a forma de enfrentar a doença. Por outro lado, as informações sobre a malária oriundas dos profissionais de saúde são importantes por proporcionarem aos membros da comunidade esclarecimentos a respeito da doença, do mosquito transmissor, do diagnóstico e de medidas de prevenção e controle de forma individual e coletiva. No cotidiano da convivência com a malária cada pessoa reconstrói seus significados em busca da melhoria das condições de vida e saúde. Entender como se adquire a malária é importante para resignificar a doença e seu tratamento. Outro aspecto associado a malária é a relação com o mosquito. A doença é algo externo, que vem de fora e entra no sangue, por isso a sua preocupação com o ambiente e o tempo (clima). Fechava a casa mais cedo, pra evitar o pernilongo, porque uma época aqui tinha muito pernilongo, aí a gente fechava a casa mais cedo. Antes de escurecer. Que nem assim na época da chuva é perigoso pegar malária (Turmalina). A busca pelos serviços de saúde possibilita detectar o agente invasor na corrente sanguínea e assim proceder ao diagnóstico e tratamento. Fui no posto e fiz a lâmina. Já faziam a lâmina e passavam o remédio pra mim, mas não lembro qual era. (Turmalina). Portanto, é importante lembrarmos que o conhecimento e a informação sofrem influências da cultura local e o profissional de saúde deve estar atento, valorizá-las e compreendê-las, buscando às vezes a manutenção, acomodação e/ou repadronização do cuidado. Entretanto, apesar do repasse de informações e da identificação de locais como sendo de risco para a malária, alguns moradores de Juruena continuam a utilizar os lagos para pescar ao entardecer, mesmo sabendo que é neste horário que ocorre a maior incidência de picadas do mosquito transmissor da malária. 73 F 10 - Área utilizada pelos moradores da região para pesca Fonte: Fotos da autora Para Helman (1994) os grupos sociais utilizam diversas formas para explicar as causas das doenças, os tipos de tratamento, ou seja, a cultura herdada pelas pessoas enquanto membros de uma determinada sociedade nunca pode ser analisada num vácuo, mas sim, como componente de um complexo de influências que se refere àquilo em que as pessoas acreditam e ao modo como vivem. Assim, a apreensão do saber se constrói no cotidiano e se transmite de geração a geração, e o cuidado à saúde não está ligado somente a serviços formais de saúde, mas também aos valores compartilhados dentro de cada contexto social (SILVA et al, 1996). Por isso, é importante considerar que o cuidar fundamenta-se a partir da visão de mundo de cada um, isto é, da cultura pessoal e instituicional e social (FRANCO et al 1996, p. 27). Nesta pesquisa, percebemos que o conhecimento que as pessoas possuíam sobre a malária e suas formas de prevenção foram adquiridas não só pelas informações repassadas pelos profissionais de saúde, mas também pelos familiares e pela própria comunidade. Além das medidas preventivas preconizadas pelas instituições de saúde, as pessoas utilizam formas criativas para prevenir a doença utilizando informações e recursos disponíveis na comunidade tais como o alho, o fel de paca e a pinga. 74 As pessoas [da comunidade] falam prá tomar pinga com alho que é bom. Deve ser pelo cheiro forte, que não pega a malária. (Onix). Falavam [ pessoas da comunidade] que era bom tomar fel de paca que aí não pegava mais malária. Pinga com alho também. Eu tomei. (Quartzo). Quem falou que era bom tomar chás foram meus vizinhos, depois meu irmão que teve malaria comentou que minha mãe fazia para ele. (Turmalina). A gente aprende a cuidar da malária com o pai, com o avô, eles vêm ensinando a gente (Ônix). O povo falava que se não guardar dieta a malária volta. (Turmalina) Falaram [vizinhos] que não podia comer ovo, carne de porco, chupar abacaxi. Porque senão ela [a malária] poderia voltar de novo (Esmeralda) Observamos que apesar de as pessoas possuírem conhecimento sobre a malária e das experiências vivenciadas com a doença, alguns moradores continuam a realizar os cuidados de proteção e prevenção da malária, visto que a doença tem ocorrido na região. Mas para alguns a malária é percebida como algo “natural”, por isso não dão importância. Essa crença ocorre pelo fato de as pessoa poderem se infectar várias vezes e a morte em decorrência dela não ser aguda, o que nem sempre leva à associação entre malária e morte. Neste momento se torna fundamental a participação do profissional de saúde no sentido de auxiliar as pessoas a refletirem sobre suas atitudes em relação à saúde orientando-as quanto à necessidade de repadronizar as práticas de cuidado, pois a malária é uma doença que ameaça a vida de inúmeras pessoas naquela localidade. Apreender as representações da comunidade sobre a malária pode ser um meio de ajudar a entender, bem como de mobilizar a comunidade e gestores em saúde a reduzir os IPAs na região. 75 5.2 FORMAS DE CUIDAR/ TRATAR DA MALÁRIA Práticas não convencionais de saúde vêm sendo utilizadas pelas pessoas/ população para cuidar de sua saúde. De acordo com Siqueira et al (2006), os principais recursos populares adotados são os chás caseiros, as benzeduras, os banhos e a alimentação e dentre estes, o mais aceito é o chá. Além dos chás e da alimentação, a prática da “homeopatia”3 foi apontada como um recurso popular para tratar a malária. Esses recursos são utilizados por um determinado grupo e servem de orientação para suas escolhas quanto aos cuidados e tratamentos a serem desenvolvidos para a cura da doença. Uso dos Chás De acordo com Rezende; Coco (2002) a utilização de plantas medicinais tem grande importância para a cultura e a Medicina. O registro do uso de plantas como terapêutica data de mais de sessenta mil anos e as primeiras descobertas foram feitas por estudos arqueológicos em ruínas do Irã. Na China 3.000 a.C já existiam literaturas que descreviam suas indicações terapêuticas. Para os autores a medicina popular brasileira é influenciada pelos índios, negros e europeus, essa miscigenação gerou diversidade de informações e utilização para as plantas. Desde 1990, a utilização de chás para o tratamento de doenças vem sendo incorporada aos serviços públicos de saúde , em especial não Estado de São Paulo. O uso terapêutico das plantas é um assunto que tem suscitado interesse de muitos pesquisadores, inclusive os da enfermagem, pois de acordo com Oliveira e Araújo (2007), 80% da população mundial já tiveram alguma experiência com o uso de plantas para fins preventivos ou curativos. A utilização das plantas medicinais como prevenção e cura de doenças é um costume que 3 Termo utilizado pelas pessoas da região para identificar os cuidados realizados pela pastoral da saúde no tratamento da malária. 76 sempre existiu na história da humanidade, principalmente pela população com baixas condições econômicas. Na área de enfermagem e fitoterapia Nogueira é uma referência fundamental desde o início da década de 80 ao defender sua tese de livre docência pela Escola de Enfermagem da USP intitulada “Fitoterapia popular e enfermagem comunitária” incentivando os profissionais de enfermagem a se utilizar desses conhecimentos na tentativa de oferecer às pessoas elementos para uma vida melhor orientando-as quanto à forma de utilização mais adequada das plantas (REZENDE; COCO, 2002). Vários fatores podem levar as pessoas a utilizarem as plantas como terapêutica. Entre estes, os culturais, os sociais, os econômicos e ainda os filosóficos (MACIEL; GUARIM NETO, 2006). As pessoas, desde os tempos mais antigos, têm procurado se manter saudáveis utilizando formas alternativas de cuidado, buscando a manutenção da saúde e a cura de doenças. Essas alternativas sempre estiveram ligadas a crenças e conhecimentos adquiridos ao longo do tempo (SILVA et al, 1996). Essas crenças fazem parte da cultura das pessoas de um determinado local que são construídas e influenciadas ao longo do tempo. Monticelli (1994) afirma que sem os homens não haveria cultura e sem cultura não haveria homens, pois a cultura é um código de símbolos partilhados pelos membros de uma determinada comunidade. A descoberta do chá ocorreu no ano de 2737 a.C, quando o imperador chinês Shen Nung descansava sob uma árvore e algumas folhas caíram em uma vasilha de água que seus servos ferviam para beber e atraído pelo aroma, Shen Nung provou o líquido e adorou. Entretanto, o primeiro registro sobre o uso do chá data do século III a.C. e o primeiro tratado com caráter técnico foi escrito no séc. VIII, durante a dinastia Tang definindo assim, o papel da China como responsável pela introdução do chá no mundo (BENDER, 2007). Esse autor ainda descreve que a introdução do chá no continente europeu ocorreu no início do séc. XVII em função do comércio que então se estabelecia entre a Europa e o Oriente. Ao que parece, foram os holandeses que levaram pela primeira vez o chá à Europa, intensificando o seu comércio, mais tarde desenvolvido pelos ingleses. Na Inglaterra, o seu consumo difundiu-se rapidamente, tornando-se uma bebida muito popular. Essa popularidade se 77 estendeu aos países com forte influência inglesa, primeiramente nos Estados Unidos, depois na Austrália e Canadá. O chá é uma das bebidas mais consumidas no mundo e seu crescente interesse se deve aos estudos que o apontam como fonte de flavonóides e de favorecer a diminuição dos riscos de aparecimento de doenças degenerativas e do coração (MATSUBARA; AMAYA, 2006). A Portaria do SVS/MS nº 519, de 26 de junho de 1998 (BRASIL, 1998) define os chás como, Produtos constituídos de partes de vegetais, inteiras, fragmentadas ou moídas, obtidas por processos tecnológicos adequados a cada espécie, utilizados exclusivamente na preparação de bebidas alimentícias por infusão ou decocção, em água potável, não podendo ter finalidade farmacoterapêutica (finalidade de atuar como medicamento, prevenindo ou tratando doenças e/ou sintomas). A bebida pode ser preparada por meio de infusão (método de preparo no qual a água potável que ao atingir a temperatura acima de 90°C, é vertida sobre as plantas e permanece em repouso por aproximadamente 10 minutos), decocção (a planta é mergulhada sobre a água potável e mantida em temperatura acima de 90ºC por aproximadamente 5- 10 minutos); maceração (as ervas são deixadas de molho por 12 horas), cataplasma (as plantas são amassadas e colocadas diretamente no local indicado), gargarejos, inalação (inalar o vapor das ervas em fervura) e banhos (REZENDE; COCCO, 2002). A terapêutica pelo uso do chá pode ser considerada uma prática popular, pois segundo Loyola (1984, p.3) as práticas populares são um conjunto de técnicas de tratamento empregadas pelos especialistas não reconhecidos pela medicina oficial (curandeiros). Estas práticas são desenvolvidas dentro de um contexto social no qual os aspectos culturais são valorizados. O uso do chá é uma prática popular muito utilizada pelos participantes da pesquisa como complemento ao tratamento preconizado pelo MS. Por ser uma comunidade que reside próximo à floresta e distante dos grandes centros, é possível obter plantas para o preparo dos chás com maior facilidade que em regiões urbanas. As principais plantas utilizadas para o preparo dos chás são: o boldo, a quina, o figatil, a salsaparrilha, o sabugueiro, a erva de bicho, o melão de São Caetano, a caferana e picão (chá e banho), ou seja, plantas típicas da região. 78 Esses chás são utilizados diariamente nas formas de infusão, decocção e banho, às vezes obedecendo a um ritual, como utilizar um recipiente especial para o preparo “não pode ser de alumínio porque se não o chá não funciona” (Ônix). Os chás são utilizados para auxiliar na recuperação do fígado por acreditar que “a malária está no fígado” (Rubi, Esmeralda, Topázio, Diamante, Turmalina) Na tentativa de compreender as possíveis influências que a cultura exerce sobre as pessoas no cuidado com a saúde, em particular no tratamento da malária, buscamos identificar na literatura as propriedades das plantas utilizadas pela comunidade pesquisada. O boldo (Coleus Barbatus Benth) é indicado como auxiliar no tratamento de doenças hepáticas e da vesícula biliar, tônico das funções hepáticas e como laxativo. Diminui a cólica, aumenta e favorece o fluxo biliar, sendo indicado para distúrbios da função digestiva e problemas leves no trato gastrintestinal como má digestão, gases e intolerância à gordura (BIESK, 2005) O chá de boldo sempre é bom, é bom para o fígado. Porque quando tomava os remédios o fígado da gente doía muito. O boldo ajudou a sarar da malária (Turmalina). Tomava o chá de boldo quando estava com dor no fígado, tomava o chá pra combater a dor no fígado (Diamante) F 11 – Boldo Fonte: Foto da autora 79 Moraes-de-Souza (2007) em seus estudos também descreve que o boldo é indicado para os casos de má digestão, é útil na litíase biliar e nas afecções do fígado. A casca da Quina (Chinchona calisaya) serve para tratar anemias, fraqueza, falta de apetite e principalmente para febre, em especial a febre causada pela malária. F 12 - Casca da quina em pó Fonte: foto da autora Durante o tratamento da malária usei os remédios da homeopatia e também tomava a quina que é amarga e bom para o fígado (Topázio). A quina a gente fazia assim... rapa ela, coloca num copo de água e deixa por 10 a 15 minutos, aí a água fica amarga e a gente toma para a malária. (Ônix) Segundo Vale (2005), a quina foi o primeiro medicamento a ser utilizado para tratar a febre da malária bem como prevenir a doença. Desde então a planta tem sido utilizada pelas pessoas no tratamento da malária inclusive pelas pessoas pesquisadas. O figatil (Vernonia condensata), também chamado de alumã serve para dor no fígado e má digestão, para o seu preparo se utiliza folhas frescas ou secas da planta (GOMES et al, 2001). Para preparar o figatil pega a folha coloca no copo com um pouquinho de água, amassa e depois toma. O chá era para fortalecer o fígado. O cara que fazia o teste da malária falava que o comprimido era forte e prejudicava o fígado. Então pode tomar muito chá porque líquido é bom (Quartzo). 80 F 13 - Figatil Fonte : Foto autora Apesar de as pessoas entrevistadas fazerem uso do figatil para fortalecer o fígado durante o tratamento da malária, não foram encontrados trabalhos científicos que comprovem tal ação, mas sim de proteção gástrica (FISCHMAN et al, 1991). A salsaparinha (Smilax salsaparrilha) também é conhecida popularmente como japecanga-do-campo. É um depurativo do sangue, combate a gota, ácido úrico e reumatismo. Diminui a dificuldade em urinar, elimina pedras nos rins e bexiga (http://ervasmedicinaispt.blogspot.com). As folhas e os ramos são indicados como digestivo e para dores estomacais (ALICE et al, 2005). F 14 – Salsaparilha Fonte: www.ceunossasenhoradaconceiçao.com.br/plantas. 81 A salsaparinha é depurativa do sangue, mas é próprio para a malária também. Ela é um mato que dá assim uns cipós e a gente usa a raiz para fazer o chá (Ametista). A indicação do uso da salsaparilha pelas pessoas coincide com as propriedades da planta descritas na literatura. O sabugueiro (Sambucus nigra) - é utilizado para tratar a febre, gripe, infecções e outros. As propriedades do sabugueiro no uso medicinal são consideradas desde a antiguidade, esse arbusto ajuda nas inflamações, é antidiarréico e anti-febrículo (GOMES et al, 2001). F 15 – Sabugueiro Fonte: Foto da autora Tomava o sabugueiro para diminuir a febre, pra baixar a febre, pra recuperar da malária. Fervia um pouquinho da flor com água deixava esfriar e depois tomava (Safira). Em relação ao sabugueiro, as pessoas entrevistadas utilizavamno para tratar especificamente a febre da malária e, não para curar a doença. Em relação ao Melão de São Caetano (Mormodica charantia L), são utilizadas da planta as folhas, o fruto e as hastes no preparo do chá. Segundo Pereira et al (2005), é indicado para tratamento de hemorróidas, erisipela, pruridos e lesões de pele. Também pode ser utilizado para regularizar o fluxo menstrual, aliviar a cólica menstrual e abscessos. 82 F 16 - Melão de São Caetano Fonte: Foto da autora Tomava o Melão de São Caetano, que eles falavam que era para o fígado, era amargo. Eu pegava a folha ou raiz, fervia na panela, deixava esfriar e aí era só beber. É bom para o fígado que fica doendo. (Ágata). Tem um que eu usei que é o Melão de São Caetano. A gente pega a folha e coloca em uma vasilha de ferro (não pode ser de alumínio) tampada para ferver. Quando está abrindo a fervura, tira do fogo, aguarda 15 minutos e tira a folha fora. Para tomar o chá não pode colocar na geladeira. Eu tomava durante todo o dia aos poucos. Ajudavam no fígado, porque o remédio sempre dá aqueles negócios no fígado, ele fica inchado e melhorava da malária (Rubi). A literatura não faz nenhuma referência quanto ao uso desta planta para o tratamento da malária. Entretanto, as pessoas a utilizam por acreditar que auxilia na recuperação do fígado, consequentemente na melhora da doença. A Caferana (Tachia guyanensis) é utilizada para dor de barriga, como anticoncepcional e abortivo na forma macerada. (http://www.ufmt.br/agtrop/revista7/doc/05.htm). A gente sempre tomava coisa amarga: caferana, boldo tomava esses remédios do mato. Amassava numa vasilha, colocava água e tomava. O remédio do mato sempre é bom e ajuda abrir o apetite. (Ônix). 83 F 17 – Caferana Fonte: Foto da autora Embora este relato não possua nenhuma relação com as propriedades da caferana, as pessoas a utilizam por acreditar que estimula o apetite minimizando assim a fraqueza, um dos sintomas da malária. O preparado do chá Picão (Bidens pilosa) se dá a partir das folhas e raiz é indicada para a hepatite e a icterícia. Ainda pode ser utilizado no tratamento renal, gripe, febre, diabetes, dor de estômago e intestino (GUARIMNETO, 2006). F 18 – Picão Fonte: www.fiocruz.br/biossegurança/ Eu tomava bebia o chá de picão e tomava banho, pois eu ficava mais forte. Tomava banho duas vezes por dia. Eles ajudam a gente a melhorar. O chá é meio ruim, mas tem que tomar duas vezes por dia. Põe na água a raiz e a folha e bebe. Aqui no sítio tinha muito (Esmeralda) 84 Tomava chá de picão. Os outros, não sei. Era bom para anemia. Eu preparava assim: Cozinha a folha e a raiz com dois litros de água e deixe virar um litro. Coloca o açúcar e depois deixa esfriar para então tomar, tomava até acabar, porque o picão não faz mal, pode tomar direto. Ele ajudou porque eu estava com problema de anemia (Turquesa) O picão é para o amarelão. Depois que dá a malária, a gente fica muito amarelo, então daí é pra tirar o amarelão da gente (Diamante) Segundo Armond et al (2005), o picão tem o princípio ativo fenilacetileno que reduz a parasitemia da malária. Como se observa nesses relatos as plantas na forma de chá são muito utilizadas pela comunidade para o tratamento de doenças de maneira geral inclusive da malária. Segundo Kleinman (1988) o uso de chás é uma forma de cuidado informal compartilhado entre familiares, amigos, vizinhos, porém não reconhecido pelo sistema de cuidado profissional, que é sustentado na ciência médica e aponta para a necessidade que temos, enquanto profissionais de saúde, de reconhecer e valorizar as formas de cuidado compartilhadas no seu grupo aproximando assim da sua realidade, seus valores e suas crenças individuais e coletivas. O cuidado terapêutico não pode ser somente prescritivo, com regras a serem cumpridas, mas dialogado abrindo assim possibilidades de se preservar, acomodar ou repadronizar cuidados. Para Sena et al ( 2001) é freqüente o uso de chás como terapia complementar à medicação antimalárica em decorrência de costumes tradicionais do meio familiar e/ou comunitário e das facilidades locais para o cultivo e disseminação dessa prática. . Segundo Loyola (1994, p. 138) o repasse dessas informações resultam basicamente de experiências já vivenciadas pela família, por vizinhos ou por moradores da comunidade onde estão inseridos e que essas trocas favorecem a constituição de um “fundo comum” de experiências e conhecimentos terapêuticos (LOYOLA, 1994, p. 138). Às pessoas pesquisadas, as receitas dos chás são repassadas pelos avós, pais, tios e vizinhos. Isto revela a dinamicidade da cultura, ou seja, a cultura não se limita a determinado espaço de tempo e lugar, mas se transmite de geração a geração. 85 Estudos realizados por Nogueira (1984) na região de São Paulo, no período de 1979 a 1971, são semelhantes aos achados desta pesquisa, pois as informações sobre a utilização de plantas medicinais também foram repassadas por familiares. O estudo desenvolvido por Luz (2001) no Estado de Roraima também identificou que o conhecimento sobre plantas medicinais tinha origem na tradição familiar passada por pais e avós. No Brasil é comum a troca de receitas que utilizam plantas no processo de cuidar, geralmente essas fórmulas são elaboradas por pessoas mais idosas que tiveram a oportunidade de experimentar, testar e aprovar essas receitas (MACIEL; GUARIM NETO, 2006). Cuidados com a alimentação Outro cuidado popular utilizado pela comunidade para auxiliar no tratamento da malária se refere à alimentação. A cultura brasileira adota alguns princípios que orientam a forma como a dieta pode fazer parte do tratamento de doenças e estes geralmente estão relacionados a restrição/consumo de alguns alimentos, em especial a carne de porco, peixe e ovos (CARREIRA; ALVIM, 2002). Isto pode ser observado nas falas das pessoas entrevistadas, que reforçam a necessidade de manter uma dieta “leve” e de se evitar a “comida remosa”4 que são as carnes de caça, carne de porco, ovo, peixe, leite e pimenta. Quando a gente tá com malária não tem apetite pra comer nada, mas coisa remosa não pode comer. Por exemplo, comer, ovos pimenta, peixe, coisa gordurosa, bolinho pingado na banha. Acho que faz mal para o fígado. (Ônix) Não tomava leite. Por causa do fígado, porque ataca o fígado e por isso leite a gente não toma. Sei lá. (Turmalina) 4 Comida remosa - termo utilizado na região para se referir a comida “pesada”, gordurosa e “quente” de difícil digestão, que prejudica o fígado e agrava os problemas de saúde, inclusive a malária. 86 Depende da comida, banha de porco, carne de porco. Faz a malária voltar. Se não cuidar ela volta porque carne de porco é comida remosa, faz mal. (Diamante) A gente tem que guardar dieta. Não pode comer carne de porco. Nem abobrinha você pode comer, porque volta a malária. Não sara, você toma o remédio e a malária fica no fígado da gente. Aí você tem que guardar dieta. (Granada) A carne de porco e ovo faz mal, porque é muito remosa, muito pesada, prejudica mais o fígado da gente. (Diamante) Além dos alimentos considerados remosos, os ácidos como o abacaxi e as bebidas alcoólicas também deveriam ser evitados, pois prejudicam o fígado e, conseqüentemente o tratamento da malária. O abacaxi a gente não deve comer, a laranja e o limão porque esses a gente percebe que eles ficam assim queimando na boca do estomago. Parece que o comprimido deixa o estomago da gente sensível. Então aí já ataca (Alexandrita). Tem que deixar de tomar bebida alcoólica e evitar o abacaxi, porque é muito ácido e faz mal. Leite não tomava também. Melancia, se já estava com malária e ela ainda não manifestou e chupar melancia, ela manifesta. Ela revolta o fígado. Caldo de cana também, se tomar a malária manifesta. Não pode leite porque dizem que o leite é muito gorduroso. É deve ser por isso que faz mal para o fígado (Ametista). Não podia bebida de álcool nada e mais um monte de coisa que não poda tomar. Porque se tomasse o remédio perdia o efeito. Só podia era chá, água (Safira). A bebida alcoólica não pode também. Não combina com o remédio. Se tomar pode até morrer. A gente já viu né? Está com malária toma o remédio e mais a cachaça e aí morre (Turquesa). Segundo Guarim Neto (2006), a alimentação é capaz de retardar a cura ou ocasionar doenças. As carnes de caça e de peixe ditas como remosas com freqüência estão relacionadas com enfermidades de pele e estômago A carne de porco, carne de caça de jeito nenhum, não pode. Bebida alcoólica não pode e nem peixe. (...) Se você tem um machucado, uma ferida e come carne de caça que é uma comida remosa, a gente diz que a ferida vai voltar. Ela deve fazer mal para o fígado (Ametista) 87 Segundo Canesqui e Garcia (2005) a alimentação é indispensável para a vida e sobrevivência do ser humano, esta é modelada e influenciada pela cultura impondo normas que prescrevem, proíbem ou permitem o que comer, ou seja, cada cultura define quais são as substâncias que podem ou não ser consumidas, embora essas definições omitam, às vezes, alimentos que de fato são nutritivos. Para Daniel e Cravo (2005) a proibição de certos alimentos está presente nos diversos grupos sociais é norteada por regras, carregadas de significados que se apóiam na observação e experimentação. Por isso, não devem ser considerados irracionais ou desprovidos de uma lógica, mas valorizadas e apreendidas pela riqueza que as informações contêm. Essas regras foram identificadas em vários relatos das pessoas pesquisadas. O médico falava que podia comer de tudo, mas o rapaz lá depois que fazia o exame falava que não podia comer carne de porco, carne de bicho, gordura de porco. O resto da comida era normal. Mas muita coisa a gente não conseguia comer. Nesse caso eu acho que o médico estava errado e o rapaz certo, porque o fígado está ruim e a malária ataca o fígado. Então se você come a carne do porco o fígado vai ter que trabalhar mais que se comer um arroz, uma sopa (Quartzo) O pessoal [pessoas da comunidade] falava que se comer alguma coisa que faz mal pro fígado só dá problema (Granada) Não pode comer comida remosa porque ataca o fígado e a malária tá no fígado (Ametista). Se o fígado ta ruim, a malária ataca o fígado. (Quartzo). Acho que a comida remosa faz mal para o fígado e a malária está no fígado (Ônix). Nota-se que o cuidado com a alimentação reforça a valorização de seus costumes, das informações repassadas e preservação de seus hábitos alimentares, levando-as a desconsiderar outras culturas. Os relatos revelaram que algumas práticas de prevenção e cura de doenças adotadas pela comunidade não estão fundamentadas em explicações lógicas, mas pela crença de que a malária está no fígado. Assim, os grupos vão estabelecendo normas e definindo caminhos para enfrentar as situações 88 vivenciadas no seu cotidiano, ou seja, buscam na identidade cultural a coerência para suas práticas de cuidado (AZEVEDO, 1998). A homeopatia como terapia alternativa. Dentre as pessoas participantes da pesquisa, duas afirmaram não terem utilizado os medicamentos preconizados pelo MS para o tratamento da malária. Ao adquirirem a doença, optaram por fazer o tratamento alternativo chamado por eles de “homeopático” oferecido pela Pastoral da Saúde cujo diagnóstico da malária é realizado pelo método bioenergético. Na pastoral é assim, através da energia. Não sei se vocês nunca viram fazer. Usa um araminho. Não tem lâmina. Porque lá [na pastoral] tem as apostilas com as figuras das doenças e aí você vai colocando a Mao em cima das figuras. Esse exame é feito por duas pessoas e então a gente sabe se está com malária (Ametista). A Pastoral da Saúde é uma organização cívico-religiosa, sem fins lucrativos atuando de forma solidária, comunitária e político-institucional por meio de ações que visam à promoção e prevenção da saúde. No município de Juruena esta organização realiza o diagnóstico e tratamento de doenças, inclusive da malária. Tomazzoni; Negrelle; Centa (2006) relatam em seus estudos que as pessoas acreditam no poder da cura dos produtos naturais fornecidos pela Pastoral da Saúde, pois confiam nesse tratamento por apresentar redução dos efeitos colaterais em relação aos alopáticos, embora a resposta terapêutica seja mais lenta. Eu nunca senti o gosto do remédio da SUCAM. Tratei tudo com o remédio homeopático e chá caseiro. (Topázio) A crença no tratamento proporcionado pela Pastoral da Saúde à terapêutica tradicional da malária orientou a escolha desses moradores de Juruena. Sena et al (2006) complementa dizendo que plantas medicinais contribuem para a 89 melhoria da saúde e estão ligadas diretamente as crenças, valores, conhecimentos e práticas vivenciadas pelas pessoas. Ele é um remédio que demora curar e se recuperar, porque ele cura lentamente. A malária vence assim. Eu acredito. Para mim é o melhor tratamento. (Topázio) Um dos elementos culturais presentes na terapêutica homeopática é a crença/fé de que o medicamento possa realizar a cura da malária. Para Casarim; Heck e Schwartz (2005) a fé na homeopatia auxiliará no tratamento no sentido de aumentar sua eficácia, objetivando a cura da doença. A fé religiosa é um recurso com diferentes conotações que ajuda a pessoa com determinada doença e seus familiares a vivenciarem essa nova situação. Por meio de rituais religiosos, as pessoas esperam alcançar poderes e verdades que não podem ser alcançadas pelo esforço consciente (MARUYAMA, 2002, p. 201). Laplantine (1991, p. 173) define a homeopatia como uma das formas de terapia alternativa cujo princípio da cura deve ser buscado no interior das pessoas estimulando as defesas do organismo para produzir anticorpos. Assim esta terapia é mais ativista que a alopata, pois leva em consideração o potencial de autodefesa das pessoas, o que implica na participação ativa do doente no processo de recuperação da saúde. F 21 – Armário para guarda de medicamentos homeopáticos. Fonte: Fotos da autora 90 F 23 – Própolis – medicamento Homeopata Fonte: Fotos da autora Como se observa existe na cultura dessas pessoas a crença de que existem várias formas de se tratar a malária. Dentre elas, o tratamento homeopático apontado como uma alternativa ao tratamento preconizado pelo MS considerado “muito forte” (Amestista). Segundo Casarim; Heck e Schwartz (2005) as terapias não convencionais utilizadas pelas pessoas durante o desenvolvimento da doença refletem a necessidade de se tornarem sujeitos participativos do tratamento e cura dos seus males. Sua escolha muitas vezes é influenciada pelo contexto em que vive, ou seja, o tipo de assistência prestada e disponível na região ou ainda pelo custo do atendimento cobrado pela assistência prestada. Para as autoras as terapias alternativas acontecem informalmente e são mais baratas, uma vez que utilizam plantas que produzem substâncias químicas que podem ser usadas como remédio. Portanto, as pessoas para enfrentarem seus problemas utilizam de diferentes estratégias num processo de apropriação e construção de saberes (SIQUEIRA et al, 2006). Essas pessoas que utilizam os cuidados da Pastoral da Saúde não se preocupam com a comprovação científica dos recursos utilizados no tratamento da malária, mas sim com as respostas às suas necessidades em determinado momento. A primeira discussão sobre o uso da terapia complementar e alternativa no campo da saúde pública ocorreu em 1978 durante a Conferência Internacional de Cuidados Primários em Saúde em Alma-Ata no Cazaquistão. 91 Posteriormente, as práticas alternativas de assistência à saúde foram regulamentadas no âmbito da rede dos serviços públicos de saúde. Em março de 1988 a Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação (CIPLAN) emitiu a Resolução CIPLAN nº. 05 que definiu diretrizes, procedimentos e rotinas para a implantação de serviços de acupuntura e técnicas alternativas nos serviços públicos de saúde. No entanto ainda era preciso implantar uma Política Nacional de Terapias Alternativas e Complementares no SUS a qual foi efetivada pela Portaria Ministerial nº. 971 de 03 de março de 2006 (BRASIL, 2006d), que regulamentou os serviços de acupuntura, homeopatia, fitoterapia, entre outros. Mas, embora a homeopatia seja reconhecida como terapia alternativa, ainda não está comprovada sua eficácia na cura da malária. Entretanto, pode ser considerada como coadjuvante no tratamento, pois assume uma postura holística e naturalística diante da saúde e da doença (QUEIROZ, 2000, p. 367) Portanto, os profissionais de saúde devem acompanhar essas pessoas, buscando repadronizar suas práticas de cuidado para não se transformarem em reservatórios da doença uma vez que a cura da malária só pode ser comprovada com exames laboratoriais (lâmina de verificação de cura) realizados após o término do esquema terapêutico instituído. Como se observa, a cultura pode atuar de diversas maneiras na vida de uma pessoa. Na saúde, ela influencia o seu significado e valor no cuidado, por isso, compreender o processo saúde-doença é um desafio instigante para os profissionais da área. Estes no momento de prestar o cuidado devem levar em consideração não somente as práticas individuais, mas, procurar entendê-las enquanto práticas culturais (AZEVEDO, 1998). Desta forma fica evidente a necessidade dos profissionais de saúde conhecer como as pessoas vivem seus valores, suas crenças, seus costumes, para que possamos compreender o processo saúde-doença dessa comunidade (TOMAZZONI; NEGRELLE; CENTA, 2006). 92 CAPÍTULO 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 93 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo apresentamos o caminho percorrido para a construção da pesquisa, o alcance dos objetivos propostos, a síntese das principais reflexões empreendidas, os limites do estudo, suas implicações para o estado e profissionais de saúde local, bem como as suas contribuições. Compreender a cultura e a forma como esta pode influenciar no cuidado de saúde das pessoas com malária em uma determinada comunidade, exigiu muito estudo e leituras aprofundadas sobre a temática, pois o contexto cultural influencia as pessoas quanto ao seu modo de ser, de agir e de cuidar da saúde. A cultura vem sendo cada vez mais explorada pelo profissional enfermeiro, pois segundo Leininger (1978) só com a compreensão e valorização dos aspectos culturais é possível realizar um cuidado cultural humanizado. Para a autora, o cuidado cultural é uma forma eficiente e gratificante de cuidar, uma vez que é adaptada ao contexto das pessoas. Segundo Dias; Araújo e Barroso (2001) o cuidar requer observação direta, experiência participativa e reflexiva podendo ser evidenciado por meio de expressões, ações, padrões, estilo de vida e significados. Entretanto, para compreender a influência da cultura no cuidado desenvolvido pelas pessoas acometidas por malária foi preciso conhecer os aspectos históricos e epidemiológicos da doença, sua forma de transmissão, medidas preventivas, tratamento indicado, políticas de governo para o controle da malária nas esferas federal, estadual e municipal, em particular a estratégia utilizada pelo governo do Estado de Mato Grosso para o controle da endemia ocorrida no município de Juruena. Ainda nos apoiamos nos conceitos de cultura, cuidado e na Teoria do Cuidado Cultural de Leininger especialmente nas ações de preservação, acomodação e/ou repadronização de cuidado. Em relação aos objetivos propostos para o estudo podemos dizer que estes foram alcançados. Ao descrever a rede de saúde e sua organização para o diagnóstico e tratamento da malária no município de Juruena identificamos que: • As pessoas não obedecem ao fluxo de atendimento estabelecido pelo MS, pois ao invés de buscarem o primeiro atendimento na atenção básica (USF, UBS) 94 se dirigem para o nível terciário (hospital) ou órgãos administrativos ligados à SMS, como por exemplo, o setor de Vigilância Ambiental e de Endemias. • No geral, as pessoas possuem conhecimentos sobre a malária em relação aos sinais e sintomas, diagnóstico, formas de transmissão, tratamento e medidas de prevenção individuais e coletivas. Estas informações são repassadas por profissionais de saúde, familiares, vizinhos e pela própria comunidade. • Apesar desses conhecimentos, as pessoas lidam com a malária como se fosse uma doença “comum” sem complicações significativas, chegando a ser comparada à gripe. Isto se tornou mais visível durante as entrevistas quando referem saber o que deve ser feito para prevenir a malária, mas na prática cotidiana isso não é realizado. Em relação às práticas de cuidado desenvolvidas pelas pessoas para cuidar da malária verificamos que estas estão diretamente relacionadas ao uso de chás (boldo, figatil, caferana, sabugueiro, picão, salsaparilha, quina e melão de São Caetano), cuidados alimentares (restrição de alimentos remosos, ácidos e bebidas alcoólicas) e utilização de tratamento alternativo – a Homeopatia, desenvolvida pela Pastoral da Saúde. O uso da terapia complementar ao medicamento antimalárico preconizado pelo MS tais como uso de chás e restrições alimentares é freqüente. A justificativa para sua utilização tem como foco o cuidado com o fígado, órgão que sofre a ação dos medicamentos e que causam desconfortos gástricos como vômitos, náuseas, diminuição do apetite, além das experiências repassadas por pessoas, que tiveram malária e utilizaram terapia complementar. Portanto, são práticas carregadas de valores culturais. A homeopatia é uma terapia muito utilizada pela comunidade não só para o tratamento da malária, mas também para tratar outras doenças a ponto de substituir a terapêutica medicamentosa recomendada pelo MS. Sendo assim, é preciso que os profissionais de saúde estejam atentos às possíveis conseqüências que o uso da homeopatia como tratamento exclusivo para a malária possa causar, pois cientificamente não há nenhuma comprovação de cura da malária utilizando essa terapêutica. Assim essas pessoas correm o risco de tornarem foco infeccioso da doença. Aproximando esses achados da Teoria do Cuidado Cultural podemos dizer que os profissionais de saúde do município de Juruena no desenvolvimento de suas atividades têm preservado e /ou acomodado cuidados 95 relacionados ao tratamento da malária, pois além de distribuir e acompanhar o uso da medicação antimalárica estimulam o uso de chás e dietas para auxiliar no tratamento da doença. No entanto, necessitam repadronizar as formas de cuidar das pessoas que utilizam a homeopatia como terapia alternativa à alopática (Terapia antimalárica preconizada pelo MS). Este estudo revelou a influência que a cultura exerce na vida das pessoas, determinando a forma de olhar o mundo, de se relacionar com o outro e de cuidar de sua saúde e da malária, que as práticas de cuidados profissionais não podem ser distanciadas do contexto sociocultural de seus clientes. Nesse sentido Leininger (1978) afirma que enfermeiro deve conhecer/ se aproximar da cultura das pessoas às quais cuida, para realizar um cuidado cultural coerente, implementando ações de preservação, acomodação e/ou repadronização nas formas de cuidar de tal maneira que os significados culturais possam ser respeitados e valorizados. Prestar o cuidado valorizando a cultura das pessoas é uma meta a ser alcançada pelos profissionais de saúde, visto que exige de cada um de nós um exercício de desconstrução de conceitos e práticas de cuidado que são hegemônicas apoiadas na ciência, pois o processo saúde-doença não se limita à dimensão física, mas também a dimensões sociais e culturais de cada pessoa e portanto deve ser reconhecida no sistema de cuidado profissional. As políticas de saúde voltadas ao combate e controle da malária no Brasil e em Mato Grosso nos últimos anos têm buscado maior aproximação com as realidades de cada região considerada endêmica para a malária, porém a preocupação com os aspectos culturais das pessoas residentes nessas áreas é incipiente. Assim, o estudo aponta para a necessidade de reorientação das práticas de cuidado e de pesquisas com o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre os cuidados populares desenvolvidos pelas pessoas em relação aos demais problemas de saúde. Esperamos que este trabalho possa auxiliar os profissionais de saúde a refletirem sobre suas práticas de cuidado de forma mais abrangente, ou seja, a partir de um olhar antropológico, onde conhecer o mundo das pessoas, entender suas práticas, crenças e valores diretamente relacionados ao seu processo de cuidar tenham impacto positivo no processo de promoção, prevenção e recuperação da saúde sem que ocorram choques culturais 96 REFERÊNCIAS 97 REFERÊNCIAS 1. ABDON NP; et al. Avaliação da resposta aos esquemas de tratamento reduzidos para malária vivax. Rev. Soc. Bras. Med. Tropical. Uberaba, v.34, n.4, p.343-348. Jun/Ago 2001 2. ALECRIM, M.G.C. et al. Tratamento da malária com artesunate (retocaps) em crianças da Amazônia Brasileira. Rev. Soc.Bras.Med.Trop. v.33, n.2. Uberaba, mar./abr, 2000. 3. ALICE, C.B. et al. Plantas medicinais de uso popular: atlas farmacognóstico. Porto Alegre: ULBRA, 1995. 4. ALVES, P.C. A experiência da enfermidade: considerações teóricas. Cad.saúde Pública. 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ROTEIRO DE ENTREVISTA 1 – Idade ( )18 a 30anos 2 – Sexo ( )Feminino ( )31 a 45anos ( )46 a 60anos ( )acima de 60 anos ( ) Masculino 3- Cor (Declarada) ( )Branca ( )Parda ( )Negra ( )Amarela 4 – Estado Civil ( )Casado ( )Solteiro ( ) separado ( )Vermelha ( )viúvo ( )Amasiado 5 – Atividade principal nos últimos 15 dias ( )Agricultura ( )Pecuária ( )Turismo ( )Garimpagem ( )Viajante ( )exploração vegetal ( )pecuária ( )caça/pesca ( )mineração ( )construção de estrada/barragem 6 - Grau de escolaridade ( )Analfabeto ( )1º grau incompleto ( )1º grau completo ( )2º grau incompleto ( )2º grau completo ( )3º grau incompleto ( )3º grau completo. 7 – Religião: _____________________ Questão norteadora: Conte como o senhor(a) pegou malária e como lidou com ela. Atentar para: Como a pessoa cuida de sua saúde Como tratou ou acha que deveria tratar a malária Atentar para crenças acerca da malária e detalhá-las. 108 APÊNDICE B UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO: MESTRADO EM ENFERMAGEM. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Você está sendo convidado(a) a participar, como voluntário, em uma pesquisa. Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento que está em duas vias.em caso de recusa você não será penalizado(a) de forma alguma. Em caso de dúvidas você pode procurar o Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Muller da Universidade Federal de Mato Grosso pelo telefone (65)3615-7254. INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA: Título do projeto: A influência das práticas populares no cuidado com a malária no município de Juruena - MT. Pesquisadoras responsáveis: Patrícia da Silva Ferreira e Rosemeiry Capriata de Souza Azevedo. Telefones para contato (inclusive a cobrar): (65) 3621-1657. Objetivo principal do estudo: Analisar a influência das práticas populares no cuidado desenvolvido pelas pessoas acometidas por malária no município de Juruena – MT. Detalhamento dos procedimentos: A informações serão colhidas através de uma entrevista gravada, utilizando gravadores digitais de voz. Neste momento da entrevista podem ocorrer desconfortos, pois a pessoa falará “um pouco de si”. Esta pesquisa não oferece nenhum benefício direto, mas estará colaborando na elaboração de estratégias políticas para o controle e tratamento da malária. Não será oferecido nenhum tipo de ganho financeiro, bônus ou gratificações. Os dados coletados serão utilizados exclusivamente neste estudo e o nome da pessoa entrevistada (identidade) será mantida em sigilo. O entrevistado poderá deixar de participar deste estudo a qualquer momento. Patrícia da Silva Ferreira Pesquisadora 109 CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA NA PESQUISA Eu, ____________________________________, RG/CPF______________, concordo em participar do estudo “A influência das práticas populares no cuidado com a malária no município de Juruena – MT”, como sujeito do estudo. Fui devidamente informado e esclarecido pela pesquisadora Patrícia da Silva Ferreira sobre a pesquisa, os procedimentos nele envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade ou interrupção de meu acompanhamento/ assistência/tratamento. Local e Data: Juruena, ____ de _________ de 2007. _____________________________________ Nome e assinatura do participante ou responsável: Observações complementares: Em caso d e necessidade, entre em contato com Patrícia da Silva Ferreira, na Av. Afonso Pena, 1222, a1, 301, despraiado. Cuiabá-MT. Telefone:(65)3621-1657. E-mail: [email protected]. Caso necessite poderá ligar a cobrar. Informações sobre o projeto fazer contato com o comitê de ética em pesquisa do HUJM: (65)3615-7254. 110 ANEXOS 111