Renovação do Ar e da Água em Piscinas Cobertas: sua Correlação V. M. Beleza, R. M. S. S. Costa Centro de Estudos de Águas do Instituto Superior de Engenharia do Instituto Politécnico do Porto1 Resumo – Numa piscina coberta os reagentes usados no tratamento de água e os banhistas são os principais responsáveis pela introdução de contaminantes no sistema ar/água. Porque alguns desses compostos incomodam e afectam sua saúde dos banhistas, aqueles devem ser removidos do meio. Para o fazer as renovações do ar e da água são as ferramentas mais utilizadas e sugeridas por diversas Leis, Regulamentos e Directivas, em particular a Directiva CNQ 23/93. Contudo, as renovações instituídas podem não ser suficientes ou muito caras, obrigando a encontrar outros meios para manter a qualidade do ambiente em causa. A redução na quantidade de contaminantes introduzidos é a solução mais interessante e, quiçá, a mais económica. A redução no consumo de reagentes é o primeiro passo. Segue-se formação dos banhistas que é, sem dúvida, o contributo importantíssimo para a manutenção da qualidade do ar e da água de uma piscina. O uso de métodos físicoquímicos podem resolver a generalidade dos casos, embora os custos de investimento e de operação possam ser desencorajadores. O uso de ozono como oxidante e a aplicação da foto-oxidação com apoio de radiações ultra-violetas são as técnicas mais usadas no tratamento da água da piscina. A extracção de tricloraminas do ar da nave por um processo de transferência de massa apresenta-se como uma excelente solução para as piscinas cobertas. Palavras-chave: piscina, ar, água, contaminantes, renovação 1 Contacto: [email protected] 1 Numa piscina, qualquer contaminante introduzido no sistema ou se transforma, ou é rejeitado para o exterior através das renovações da água da piscina e do ar da nave. A acumulação, quer na água quer no ar, de alguns compostos, originais ou resultantes de transformações, podem vir a originar problemas graves para os utilizadores deste tipo de instalações. Os problemas são muito importantes nas piscinas cobertas, as preferidas a nível público. Na figura 1 apresentam-se as entradas e saídas de matéria numa piscina. O uso de reagentes usados no tratamento de água e os banhistas são os principais veículos de contaminantes para o sistema ar/água de uma piscina. Figura 1 – Correntes de entrada e saída de uma piscina coberta A renovação do ar e da água numa piscina tem por objectivo manter a sua qualidade ambiental, sobretudo no que diz respeito à saúde e comodidade dos banhistas e de outros utilizadores da piscina. Tecnicamente, e de acordo com a filosofia da Directiva CNQ 23/93 do Conselho Nacional da Qualidade, as quantidades de ar e de água eliminadas para o exterior devem limitar a concentração de contaminantes introduzidos no sistema, quer directamente pelas correntes de entrada quer devido a reacções químicas que venham a ocorrer entre dois ou mais contaminantes. Numa piscina concentração de um contaminante na água aumentará como consequência da evaporação da água. A quantidade de água a purgar, Qp (m3.dia-1) para que a concentração desse contaminante não ultrapasse um dado limite pode ser calculado pela seguinte equação: 2 Qp = 1 me ρ cp ca (1) −1 em que me, kg.dia-1, é o caudal de água evaporada, ρ é a massa volúmica da água, kg.m-3, e cp e ca são, respectivamente, as concentrações, mg.L-1, do contaminante na água de compensação e na água da piscina. Para uma piscina de 400 m2 de área do plano de água, com a lotação máxima diária de 800 banhistas, para ρ = 1.000 kg.m-3, e para uma evaporação estimada em 2.500 kg/dia de água da piscina, admitindo que cp = 1,3 virá: ca Qp = 2500 1 × = 8,3 m3/dia, 1000 1,3 − 1 que corresponde a 10,4 L/banhista, valor muito inferior ao recomendado pela Directiva CNQ 23/93 que é de 30 L/banhista. No caso de um contaminante não volátil introduzido simultaneamente como reagente e pela água de compensação e que não participe em qualquer reacção química a quantidade de água a purgar é dada pela equação: me Qp = ρ ca + mr c p − ca (2) em que mr, g.dia-1, é a quantidade de contaminante adicionada. Admitamos que o contaminante em causa é o sulfato e que, diariamente, se adiciona sulfato de alumínio equivalente a 1.000 g.dia-1 de sulfato. Para uma concentração, na água de compensação, de 30 mg SO4/L, e admitindo que o contributo dos banhistas é nulo e que as concentrações de sulfato na água de compensação e na piscina são, respectivamente, 30 e 40 mg SO4/L, teremos: 3 2500 × 30 + 1000 Qp = 1000 = 107,5 m3/dia 40 − 30 que corresponde a 134,4 L/banhista, valor muito superior ao recomendado pela referida Directiva. Este exemplo mostra bem a necessidade de limitar o uso de reagentes no tratamento de água da piscina. O caso mais flagrante pode coincidir com o uso de desinfectante. Admitamos que se usa um derivado do cloro a uma dose contínua de 0,5 mg Cl2/L. Supondo que todo o cloro adicionado se transforma em cloreto e que este ião não é oxidado a clorito ou clorato, teremos uma produção diária de 2.400 g de cloretos para o caudal de circulação de 200 m3/h. Se a concentração em cloretos na água de compensação e na água da piscina for, respectivamente, 50 e 65 mg Cl/L, teremos: 2500 × 50 + 2400 Qp = 1000 = 168 m3/dia 65 − 50 O valor obtido mostra, mais uma vez, que o uso do desinfectante pode obrigar a uma renovação de água bem superior ao recomendado pela Directiva CNQ 23/93. A aplicação dos anteriores princípios à presença de compostos orgânicos e/ou azotados é muito mais complexa, sobretudo pelas reacções químicas que se dão entre os contaminantes e os produtos usados na desinfecção. Essas reacções podem ocorrer com contaminantes inorgânicos, como o brometo e os compostos amoniacais, ou orgânicos, como os aminoácidos, introduzidos pelos banhistas através da urina, suor, cosméticos, etc. e numa quantidade proporcional à sua frequência. O desinfectante (cloro, bromo, e seus derivados) usado para preservar a qualidade bacteriológica da água da piscina reage com alguns dos poluentes orgânicos para formar compostos organo-halogenados, dos quais se destacam os tri-halometanos, TMH’s; Como os THM’s são bastante voláteis eles transferem-se para a atmosfera onde a sua concentração pode atingir valores superiores a 800 µg/L. 4 A injecção de compostos azotados na água da piscina é essencialmente feita através da urina que é introduzida em quantidades que se estimam entre 25 e 30 mL por banhista, sendo a contribuição de cada banhista é equivalente a cerca de 340 mg de azoto. A ureia, por degradação, gera mais azoto amoniacal e este reage rapidamente com o ácido hipocloroso para formar cloraminas inorgânicas (mono-, NH 2Cl , di-, NHCl 2 , e tricloramina, NCl 3 ). A formação da monocloramina 1 mg/L de azoto na forma amoniacal consome 5 mg/L de Cl2. Admitindo que o cloro combinado na água da piscina corresponde essencialmente à presença da monocloramina, e que esta não entra em qualquer reacção química nem se escapa para a atmosfera da nave, a quantidade de água a purgar para manter o nível de cloro combinado na água da piscina em 0,5 mg Cl2/L (equivalente a 0,1 mg N/L) será, para o exemplo que temos vindo a seguir, determinada a partir da equação (3), tendo em atenção que ca = mr = 0 e mb representa a quantidade, g.dia-1, de azoto introduzida por cada banhista: mb − Qpc p = 0 Qp = (3) mb 340 × 10−3 × 800 = = 2720 m3/dia cp 0,1 O valor obtido é tão elevado que mostra claramente que a renovação da água não é a melhor via para eliminar as cloraminas formadas. A sua remoção da água da piscina é possível por oxidação, usando oxidantes, como o ozono ou o próprio cloro em quantidades acima do ponto de ruptura, ou com a ajuda da radiação ultravioleta. A remoção de cloraminas recorrendo apenas ao cloro obriga a um grande excesso deste desinfectante, geralmente com residuais de 5 a 10 mg/L de Cl2, sendo imperioso que a relação Cl2:N seja superior a 7,6. Melhor seria, contudo, que os banhistas não introduzissem tanto azoto na água da piscina. O cheiro típico da atmosfera de uma piscina é atribuído ao cloro, embora estudos muito bem consolidados tenham demonstrado que tal se deve à presença de cloraminas no ar, em especial a tricloramina. Sendo bastante mais volátil do que as outras duas 5 cloraminas, ela é facilmente é transferida para a atmosfera. Como a a tricloramina pode ser uma causa de asma e responsável por irritações oculares e respiratórias, é necessário removê-la do sistema. Sendo a tricloramina 100 e 300 vezes, respectivamente, mais volátil do que a di- e a monocloramina, ela predomina na atmosfera da nave de uma piscina e em concentrações que podem chegar a 1,7 g/m3. As concentrações mais elevadas na atmosfera são favorecidas por: o Valores elevados da relação Cl2:N na água; o Maiores taxas de ocupação da piscina (maior turbulência da água e maior contribuição de contaminantes); o Temperaturas mais elevadas; o Maiores velocidades do ar junto à superfície da água; o Menor renovação de água; o Menor renovação de ar. Em alguns países, como a França, aceita-se, como máxima a concentração de 0,5 mg/m3 de tricloramina no ar da nave. Como se viu anteriormente, a eliminação de cloraminas através da renovação da água da piscina tem reduzido significado. Por isso, a sua expulsão através da renovação do ar é extremamente importante, embora esta solução esbarre com o custo energético que isso pode representar, já que maiores caudais de ar fresco implicam um maior consumo de energia para o seu aquecimento. Os valores preconizados pela Directiva CNQ 23/93 para a renovação do ar da nave podem não ser suficientes para manter a concentração de tricloramina inferior a 0,5 mg/m3. Por isso, torna-se necessário introduzir nas piscinas públicas um processo de extracção de tricloraminas e outros produtos voláteis recorrendo a unidades de transferência de massa muito simples e com custos bastante mais modestos dos que outros processos como a utilização de ozono, de radiação ultravioleta ou elevadas renovações de água e de ar. Diversos regulamentos tentam suportar a qualidade da água e do ar na sua renovação. A fixação cega de valores para as taxas de renovação não tem em conta nem a natureza dos banhistas, nem o tipo de equipamento recreativo, nem os meios 6 tecnológicos de tratamento do ar e da água. Assim, a manutenção da qualidade dos serviços prestados por uma piscina obriga a limitar a concentração de contaminantes indesejados. Esta restrição pode ser efectuada por renovação da água e do ar, embora se verifique que tal só é razoavelmente conseguido se os valores reais superarem os preconizados na Directiva CNQ 23/93. Por isso, alguns cuidados devem ser considerados prioritários, a saber: o Os banhistas devem ter conhecimento que eles são os principais veículos de contaminantes para a água e o ar da piscina; o Para limitar o nível de contaminação, os banhistas devem dedicar especial atenção à sua higiene; um prévio e abundante banho de chuveiro, de preferência em nu, é uma boa garantia para a qualidade da água e do ar; o Assoar, cuspir, urinar, etc., para a água da piscina é uma prática que deve ser liminarmente banida das piscinas públicas; o O uso de produtos químicos (coagulantes, neutralizantes, desinfectantes, etc.) deve ser feito com parcimónia. O abuso custa dinheiro e aumenta o grau de contaminação; o Devem ser evitados residuais mais elevados de desinfectante (cloro ou bromo) que favorecem a formação de organo-halogenados, em particular trihalometanos, e cloraminas. A formação da tricloramina ocorre para razões Cloro:Azoto mais altas; o Temperaturas da água da piscina mais elevadas aumentam a velocidade de formação de compostos indesejáveis e promovem a transferência de compostos voláteis para a atmosfera; o A oxidação de cloraminas com cloro ou ozono, ou a sua foto-oxidação com recurso à radiação ultra-violeta, são ferramentas muito úteis para limitar a presença de organo-halogenados e cloraminas na água da piscina e no ar da nave; o A remoção da água da piscina da tricloramina e de outros compostos voláteis por um processo de transferência de massa é um meio simples e eficaz de garantir a qualidade da água e do ar; o A renovação da água da piscina e do ar da nave deve ser feita de modo a garantir o cumprimento de requisitos de qualidade a definir (concentração máxima de tricloramina no ar, razão entre as concentrações de cloretos na água 7 da piscina e na água de compensação, por exemplo). A fixação de taxas de renovação com base no banhista, como o faz a Directiva CNQ 23/93, não é garantia absoluta de uma piscina pública saudável. Bibliografia Beleza, V. M., 2003, Inter-relações Ar/Água em Piscinas Públicas Cobertas, 2º Congresso da Associação Portuguesa de Profissionais de Piscinas, Instalações Desportivas e Lazer, Porto Carbonnelle, S., 2003, Les Risques Sanitaires des Produits Dérivés de la Chloration des Eaux de Bassins de Natation, Vertigo, Vol 4, nº 1, pp. 32 – 37 Conselho Nacional da Qualidade, 1993. “Directiva CNQ 23/93”, Lisboa Fantuzzi, G., Righi, E., Predieri, G. 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