Rct25_book.book Page 47 Thursday, January 1, 1970 12:15 AM Ozonização: uma alternativa para o tratamento de água com cianobactérias Ozonization: an alternative to water treatment to the removal of cyanobacteria MAURÍCIO LUIZ SENS Universidade Federal de Santa Catarina (Florianópolis, Brasil) [email protected] LUIZ CARLOS DE MELO FILHO Universidade Federal de Santa Catarina (Florianópolis, Brasil) [email protected] RENATA IZA MONDARDO Universidade Federal de Santa Catarina (Florianópolis, Brasil) [email protected] LUÍS ANTÔNIO DE OLIVEIRA PROENÇA Universidade do Vale do Itajaí (Itajaí, Brasil) luis.proenç[email protected] RESUMO O presente trabalho teve por objetivo investigar a ozonização como pré ou pós-tratamento para a filtração direta descendente de águas com elevada densidade de cianobactérias. Os experimentos foram conduzidos num sistema piloto, construído numa estação de tratamento de água, em Florianópolis/SC, cujo manancial apresenta elevada densidade da espécie Cylindrospermopsis raciborskii. As análises realizadas em cromatografia líquida de alta eficiência detectaram a concentração de saxitoxina e neosaxitoxina nas águas do manancial. Os resultados demonstraram que a ozonização (2 mgO3/L), seguida de filtração rápida descendente (filtração direta), reduziu o número de células de cianobactérias em mais de 99%. Por outro lado, a dosagem de ozônio utilizada no pós-tratamento, 1 mgO3/L, não foi suficiente para remover as células de cianobactérias remanescentes na água tratada apenas por filtração direta, permanecendo em média 24.000 células/mL. A ozonização como pré ou pós-tratamento removeu 100% de saxitoxina. Entretanto, a neosaxitoxina apresentou maior resistência à oxidação por ozônio, atingindo nível de concentração na água tratada superior a 10 µg/L. A pesquisa concluiu que, para a completa oxidação das toxinas encontradas, é preciso avaliar melhor a dosagem de ozônio e o tempo de contato no reator de transferência empregados na pré ou na pós-ozonização. Palavras-chave CIANOBACTÉRIAS – SAXITOXINAS – OZONIZAÇÃO – TRATAMENTO DE ÁGUA – NEOSAXITOXINA. ABSTRACT The aim of the present study was to investigate the performance of ozonization as pre- or post-treatment to the direct descent filtration of waters with high cyanobacteria densities. The experiments were conducted in a pilot-scale system, built at a water treatment plant coupled to a reservoir in Florianópolis/SC/Brazil. This reservoir has high densities of the cyanobacteria Cylindrospermopsis raciborskii. Analysis by high performance liquid chromatography detected the presence of saxitoxin and neosaxitoxin in the reservoir waters. The results showed that the ozonization followed by direct filtration reduced the concentration of cyanobacterium by more than 99%. On the other hand, the amount of ozone used in the post-treatment was not enough to remove the cyanobacterial cells that remained after filtration, which could still be found at concentration up to 24,000 cells/mL. The use of ozonization as pre- or post-treatment removed 100% of saxitoxin. However, neosaxitoxin had a higher resistance to oxidation by ozone, persisting in the treated water at concentrations up to 10 µg/L. We concluded that to reach complete oxidation of the toxins found in the reservoir further studies are necessary to determine the correct ozone dose and time of exposure in the transference reactor, both for the pre- and post-treatment. Keywords CYANOBACTERIA – SAXITOXINS – OZONIZATION – WATER TREATMENT – NEOSAXITOXIN. REVISTA DE CIÊNCIA & TECNOLOGIA • V. 13, Nº 25/26 – pp. 47-54 47 Rct25_book.book Page 48 Thursday, January 1, 1970 12:15 AM INTRODUÇÃO U m grave problema que está afetando os mananciais de água de superfície utilizados para abastecimento público é a ocorrência de florações de cianobactérias. Entre elas, a espécie Cylindrospermopsis raciborskii tem merecido especial atenção de pesquisadores e autoridades sanitárias, porque ocorre em corpos d’água de todo mundo, em florações com elevados picos de densidade. A sua importância não se restringe, porém, somente à sua capacidade altamente invasora, mas sobretudo por ser capaz de produzir toxinas extremamente agressivas, como as saxitoxinas e a cilindrospermopsina. A resistência química, a morfologia e a flutuabilidade da Cylindrospermopsis raciborskii permitem que ela resista às diversas etapas do tratamento convencional de água e, inclusive, encontre-se presente na água já tratada. A pré-ozonização vem sendo apresentada na literatura como capaz de promover uma remoção eficiente de cianobactérias. Contudo, a aplicação da ozonização antes da remoção das células de cianobactérias potencialmente tóxicas deve ser analisada com muita precaução, pois poderá promover a lise das células e, conseqüentemente, a liberação de cianotoxinas desses microorganismos para a água. Por sua vez, a pós-ozonização, ou seja, a ozonização realizada no final do processo de tratamento, após a redução do número de células viáveis de cianobactérias, pode apresentar elevada eficiência de remoção de cianotoxinas, chegando à completa destruição desses compostos. O presente trabalho objetiva investigar o desempenho da ozonização aplicada como pré ou pós-tratamento à filtração rápida de escoamento descendente (filtração direta) na tratabilidade de água com elevada densidade de cianobactérias, particularmente a espécie Cylindrospermopsis raciborskii, avaliando não só a remoção desses microorganismos, como também a remoção de saxitoxina e toxinas análogas. MATERIAIS E MÉTODOS Os experimentos foram conduzidos num sistema piloto contínuo, construído numa estação de tratamento de água (ETA), cujo manancial apresenta elevada densidade de cianobactérias. O manancial é uma lagoa costeira, a Lagoa do Peri, localizada na Ilha de Santa Catarina, em Florianópolis/SC. A espécie de cianobactéria dominante nas águas do manancial é a Cylindrospermopsis raciborskii. Análises para identificação da cianotoxina encontrada nas águas da Lagoa do Peri As análises ocorreram em cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE), no Laboratório de Algas Nocivas do Centro de Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar (CTTMar) da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), e direcionadas para a detecção de saxitoxinas. Conforme Yunes et al. (2003), as florações de Cylindrospermopsis raciborskii no sul do Brasil são predominantemente produtoras de saxitoxina ou toxinas análogas. O método empregado foi uma adaptação do procedimento descrito por Oshima (1995), que consiste na separação iônica por CLAE, numa derivatização pós-coluna e na detecção por fluorescência. Optou-se por cromatógrafo de fabricação Shimadzu, com coluna cromatográfica Merck Lichrospher RP8, 4,6 mm x 125 mm (5µm). As fases móveis empregadas constituíram uma mistura de ácido 1-heptanosulfônico 2 mM em fosfato de amônio 30 mM (pH 7,1) e acetonitrila (100:6). A coluna manteve-se a 30˚C e a fase móvel, num fluxo isocrático de 0,6 mL/min. As amostras foram previamente misturadas à fase móvel (1:1), homogeneizadas e, em seguida, inseridas num injetor Rheodyne 7725i, equipado com um loop de 20 µL. As reações pós-coluna ocorreram num tubo de 0,5 mm de diâmetro e 10 m de comprimento, aquecido a 85˚C. As reações consistiram numa oxidação com ácido periódico 7 mM em fosfato de potássio (pH 9) e numa acidificação com ácido acético 500 mM, sob um fluxo de 0,4 mL/min. A detecção das toxinas fez-se num fluorímetro Shimadzu, modelo RF51, ajustado para 330 nm de excitação e 390 nm de emissão. A análise de cada amostra durou 20 minutos para a corrida cromatográfica, com intervalos de 5 a 10 minutos de espera antes da corrida de uma próxima amostra. Os tempos de retenção dos picos identificados nos cromatogramas das amostras foram comparados aos dos cromatogramas dos padrões de saxitoxina (SXT) e neosaxitoxina (neoSTX), obtidos no Centro Nacional de Pesquisa do Canadá (CNRC). 48 jan./dez. • 2005 Rct25_book.book Page 49 Thursday, January 1, 1970 12:15 AM Ensaios no sistema piloto de filtração direta descendente Seqüências de tratamento investigadas no sistema piloto: • filtração rápida descendente (filtração direta); • pré-ozonização / filtração rápida descendente; • filtração rápida descendente (filtração direta) / pós-ozonização. Empregou-se o coagulante sulfato de alumínio, por ser esse o produto usado na ETA da Lagoa do Peri. Antes da execução dos ensaios no sistema piloto, determinaram-se as faixas de pH e as dosagens ótimas do coagulante, para água bruta e ozonizada, em ensaios de bancada. A pré-ozonização, realizada com dosagem aproximada de 2 mgO3/L, tomou por base os estudos desenvolvidos por Mondardo (2004), a qual se mostrou eficiente na remoção do fitoplâncton encontrado na Lagoa do Peri. As seqüências de tratamento investigadas no sistema piloto receberam avaliação mediante análises da água bruta, ozonizada e filtrada, de acordo com parâmetros descritos a seguir. Análises realizadas em amostras coletadas quando o filtro atingia 1 metro de perda de carga – Clorofila-a (µg/ L) (extração com etanol – Nusch – espectrofotômetro DR 2010 – Hach); COT (mg/L) (calorimétrico – espectrofotômetro DR 2010 – Hach); cianobactérias (células/mL) (contagem em câmara de Utermöl – Reynolds – microscópio invertido Leitz); saxitoxina e neosaxitoxina (µg/L) (cromatografia líquida de alta eficiência com derivatização pós-coluna e detecção por fluorescência – Oshima/1995). Análises realizadas em amostras coletadas a cada uma hora, durante a realização da carreira de filtração ⇒ cor aparente (uH) (espectrofotometria λ = 455 nm – espectrofotômetro DR 2010 – Hach); pH (potenciométrico pHmetro Hach); Turbidez (uT) (neofelométrico, turbidímetro 2100-P Hach). Fig. 1. Esquema ilustrativo do sistema piloto utilizado na pesquisa. REVISTA DE CIÊNCIA & TECNOLOGIA • V. 13, Nº 25/26 – pp. 47-54 49 Rct25_book.book Page 50 Thursday, January 1, 1970 12:15 AM O sistema piloto era alimentado por gravidade com a água da Lagoa do Peri. Registros permitiam a alternância da alimentação desse sistema. A unidade de ozonização compunha-se de um gerador de ozônio, modelo LABO-6LO (Trailagaz), com capacidade média de produção de 22 gO3/h a uma concentração de 40 gO3/m3. A transferência de ozônio para água ocorreu em duas colunas de acrílico dispostas em série, através de difusores porosos situados nas suas bases. Determinou-se a concentração de ozônio na fase gasosa pelo método iodométrico, no ponto de aplicação e saída da coluna. A dosagem de ozônio aplicada na pré-oxidação foi de, aproximadamente, 2 mgO3/L e o tempo de contato, 2,2 minutos. As soluções de sulfato de alumínio (1%) e auxiliar de coagulação (ácido sulfúrico para estabilizar o pH de coagulação) foram aplicadas através de bombas dosadoras. Após receber a adição de coagulante, a água passava por um filtro de fluxo descendente. A composição do filtro piloto obedecia às características dos filtros em escala real, construídos na ETA. O meio filtrante compunha-se de camada dupla de antracito e areia. A taxa de filtração era constante, na ordem de 200 m3/ m2.dia, e a carga hidráulica, variável. Estabelecia-se o término de uma carreira de filtração quando a perda de carga total, avaliada por piêzometros, atingisse dois metros de coluna d’água. Na seqüência de tratamento envolvendo a pós-ozonização, a água bruta era encaminhada inicialmente para a filtração e, depois, direcionada para a unidade de ozonização. A dosagem de ozônio aplicada na pós-oxidação foi de, aproximadamente, 1 mgO3/L e o tempo de contato, 2,2 minutos. RESULTADOS E DISCUSSÕES Caracterização da água da Lagoa do Peri durante a realização dos experimentos Os valores médios de alguns parâmetros de qualidade da água da Lagoa do Peri, no período em que se avaliaram as seqüências de tratamento (abril a maio de 2005), são apresentados na tabela 1. Tab. 1. Características da água da Lagoa do Peri no período do estudo. PARÂMETRO VALOR MÉDIO PARÂMETRO VALOR MÉDIO Cor aparente (uH) Turbidez (uT) PH COT (mg/L) 84,0 22,4 6,66 7,7 Fitoplâncton total (células/mL) Cianobactérias total (células/mL) Cylindrospermopsis raciborskii (células/mL) Clorofila a (µg/L) Cianotoxina (µg/L) Neosaxitoxina Saxitoxina 1.067.065 1.052.439 1.037.337 37,16 1,85 3,68 As análises detectaram a concentração de saxitoxina e neosaxitoxina, perfazendo um total de 5,4 µg/L de equivalentes de saxitoxina, num período de dominância da espécie de cianobactéria Cylindrospermopsis raciborskii nas águas da Lagoa do Peri. Alguns autores (Laudares Silva, 1997; Mondardo, 2004) já haviam relatado a dominância e abundância dessa espécie nas águas dessa lagoa. Todavia, nenhum trabalho publicado jamais havia relatado a detecção de saxitoxinas nas águas desse manancial. Ensaios em contínuo no sistema piloto Realizaram-se quatro ensaios envolvendo as seqüências de tratamento investigadas e denominados Teste 1, Teste 2, Teste 3 e Teste 4, cujas características são mostradas na tabela 2. Tab 2. Características dos ensaios realizados. Seqüência de tratamento Dosagem de ozônio aplicada Tempo de contato no reator pH médio de coagulação 50 TESTE 1 TESTE 2 TESTE 3 TESTE 4 Pré-ozonização filtração rápida 2 mgO3/L 2,2 minutos 5,6 Pré-ozonização filtração rápida 2 mgO3/L 2,2 minutos 5,6 Filtração rápida pós-ozonização 1 mgO3/L 2,2 minutos 5,6 Filtração rápida pós-ozonização 1 mgO3/L 2,2 minutos 5,6 jan./dez. • 2005 Rct25_book.book Page 51 Thursday, January 1, 1970 12:15 AM Avaliação das seqüências de tratamento em relação ao comportamento das carreiras de filtração Quanto à duração das carreiras de filtração, levou-se em conta apenas o emprego da ozonização como pré-tratamento, já que a pós-ozonização não tem, obviamente, nenhum efeito sobre a sua duração. A tabela 3 traz a avaliação das carreiras de filtração realizadas na execução dos testes 1, 2, 3 e 4. Tab 3. Avaliação das carreiras de filtração. CARREIRA DE FILTRAÇÃO TESTE 1 TESTE 2 TESTE 3 TESTE 4 Dosagem de coagulante (mg Al2SO4/L) Turbidez remanescente (uT) Cor aparente remanescente (uH) Duração da carreira (h) 12 0,36 2 7 9 0,45 2 8,25 18,5 0,58 8 6 20,5 0,51 6 6 Estabeleceu-se que os valores de turbidez e cor aparente para água produzida nas carreiras de filtração permanecessem abaixo de 0,5 uT e 5 uH, respectivamente. A razão da diminuição da dosagem de coagulante entre os testes 1 e 2 (pré-ozonização e filtração rápida) de 12 mg/L para 9 mg/L deve-se ao fato de a água produzida ter atingindo facilmente valores de turbidez e cor aparente abaixo dos limites estabelecidos. Por outro lado, a dosagem de coagulante nos testes 3 e 4 (filtração direta) foi aumentada de 18,5 mg/L para 20,5 mg/L, a fim de permitir alcançar os limites determinados para turbidez e cor aparente. Pode-se observar que a realização da pré-ozonização é responsável por carreiras mais longas, alcançando valores de aumento de duração de até 38%, quando comparados aos valores dos ensaios que não tiveram pré-tratamento. Houve redução da dosagem de coagulante empregada na filtração direta de até 55% para as carreiras realizadas com pré-ozonização. A diferença da dosagem de sulfato de alumínio poderia ser até maior, considerando que a cor remanescente dos ensaios sem pré-ozonização ainda está muito alta, comparativamente aos ensaios feitos com pré-ozonização, necessitando maiores dosagens de coagulante. Avaliação das seqüências de tratamento em relação à remoção de cianobactérias Os ensaios com pré-ozonização, no final da seqüência de tratamento, resultaram numa água com um número de cianobactérias consideravelmente menor do que os ensaios feitos sem pré-ozonização. Na figura 2 constam os resultados da contagem de cianobactérias de amostras coletadas nas diferentes etapas das seqüências de tratamento investigadas. Fig. 2. Contagem de células de cianobactérias nas diferentes etapas das seqüências de tratamento investigadas. Bruta Pré-O3 FD Pós-O3 REVISTA DE CIÊNCIA & TECNOLOGIA • V. 13, Nº 25/26 – pp. 47-54 51 Rct25_book.book Page 52 Thursday, January 1, 1970 12:15 AM A água resultante dos ensaios realizados com a seqüência de tratamento formada por pré-ozonização e filtração rápida apresentou uma concentração de cianobactérias – em média, 6.100 células/mL – consideravelmente menor do que a água dos ensaios feitos apenas com filtração rápida (filtração direta) – em média, 72.000 células/mL. Mesmo assim, a água produzida na seqüência composta por pré-ozonização e filtração rápida exibe números altos de células de cianobactérias, o que é preocupante, pois a espécie dominante nas águas da Lagoa do Peri é potencialmente tóxica. As dosagens de ozônio adotadas na pós-ozonização não se mostraram suficientes para atingir o desempenho dos ensaios com pré-ozonização. Na água resultante da seqüência de tratamento formada por filtração rápida descendente e pós-ozonização, observou-se uma concentração de cianobactérias quatro vezes maior do que naquela produzida na seqüência composta por pré-ozonização e filtração rápida. Avaliação das seqüências de tratamento em relação à remoção de saxitoxinas A figura 3 traz o resultado das análises de saxitoxina e neosaxitoxina para as amostras de água das várias etapas das seqüências de tratamento avaliadas. 2 Fig 3. Concentração de saxitoxinas nas diferentes etapas das seqüências de tratamento investigadas. 52 jan./dez. • 2005 Rct25_book.book Page 53 Thursday, January 1, 1970 12:15 AM Nos ensaios que apresentaram saxitoxina na água bruta, verificou-se que a sua concentração na água tratada não foi detectada. Kaeding et al. (1999) e House et al. (2004) relataram que variantes de saxitoxina reagem diferentemente com o ozônio, sendo a saxitoxina (STX), em comparação com a C-toxinas (C) e goniautoxinas (GTX), a que mais facilmente é oxidada. Nessa mesma linha, observa-se que a neosaxitoxina presente na água bruta permaneceu na água após o tratamento completo, em todos os ensaios. Esse resultado pode indicar uma maior resistência da neosaxitoxina à oxidação por ozônio. Contudo, é preciso um maior número de ensaios para confirmar tal resistência da neosaxitoxina. São poucos os trabalhos na literatura a fazer referência à ozonização de neosaxitoxina. No caso específico do teste 4, a alta concentração de neosaxitoxina (11,38 µg/L) na água, após o tratamento completo, poderia ser explicada pelo fato de a pós-ozonização ter sido realizada numa água filtrada ainda contendo um número elevado de células de cianobactérias (82.996 células/mL). Talvez essas células estivessem sendo “lisadas”, liberando, assim, toxina para a água, e a dosagem de ozônio pode não ter sido suficiente para a oxidação da toxina. Convém salientar ainda a presença de outras matérias orgânicas naturais (COT = 2,1 mg/L) na água filtrada capazes de competir com a toxina pelo ozônio e, como conseqüência, prejudicar a remoção completa da toxina. Outra explicação para essa alta concentração de neosatoxina encontrada no teste 4 seria a transformação de uma outra variante de saxitoxina, não avaliada nas análises de cromatografia líquida, em neosaxitoxina, após o processo de ozonização. CONCLUSÕES No período de realização da investigação experimental foram detectadas concentrações de saxitoxina e neosaxitoxina nas águas da Lagoa do Peri, perfazendo um total de 5,4 µg/L de equivalentes de saxitoxina. Nesse mesmo período, a cianobactéria Cylindrospermopsis raciborskii era a espécie dominante, com uma densidade média de 1,04x106 células/mL, perfazendo 99% do número total de cianobactérias e 97% do total do fitoplâncton do manancial. Considerando tais dados, é possível afirmar que a cepa encontrada na Lagoa do Peri produz saxitoxinas. Entretanto, faz-se necessário o isolamento e o cultivo puro dessa cepa, a fim da confirmação inequívoca dessa constatação. Em relação aos estudos no sistema piloto, a pré-ozonização revelou-se responsável pela prolongação das carreiras de filtração, com acréscimo médio de 38%, comparativamente aos ensaios realizados sem o prétratamento. Tal desempenho, numa estação de tratamento de água, representaria a possibilidade de interrupções menos freqüentes nas carreiras filtrantes provocadas pela lavagem de filtros. A água produzida no processo composto por pré-ozonização e filtração direta descendente apresentou ainda números altos de células de cianobactérias – a densidade média foi de 6.000 células/mL. A dosagem de ozônio empregada na pós-ozonização não se mostrou suficiente para atingir o desempenho dos ensaios com pré-ozonização. A água produzida no processo composto por filtração direta descendente e pós-ozonização exibiu números ainda maiores de células de cianobactérias – em média, aproximadamente 24.000 células/mL – após a oxidação, fato preocupante, levando-se em conta que a espécie dominante é potencialmente tóxica. A completa remoção das cianobactérias poderá ser alcançada com dosagens de ozônio e tempo de contato no reator de transferência adaptados às características das espécies presentes na água. Nos ensaios que revelaram saxitoxina na água bruta, verificou-se que a concentração dessa toxina na água tratada não foi detectada. No entanto, a neosaxitoxina sempre foi percebida na água produzida nas duas composições de tratamento investigadas. Esse resultado pode indicar uma maior resistência da neosaxitoxina à oxidação por ozônio. Contudo, deve-se realizar um maior número de ensaios para confirmar tal hipótese. A dosagem de ozônio e o tempo de contato no reator de transferência empregado tanto no pré como no pós-tratamento deverão ser melhor analisados, a fim de permitir uma completa oxidação das toxinas encontradas nas águas da Lagoa do Peri, considerando a variante de saxitoxina e a matéria orgânica natural competidora. REVISTA DE CIÊNCIA & TECNOLOGIA • V. 13, Nº 25/26 – pp. 47-54 53 Rct25_book.book Page 54 Thursday, January 1, 1970 12:15 AM REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS HOUSE, J. et al. Management Strategies for Toxic Blue-Green Algae: literature survey. Salisbury: Global Water Research Coalition (GWRC), 2004. KAEDING, U. et al. Ozone treatment of a water containing high concentrations of natural organic matter. Proceedings of 18th Federal AWWA Convention, Adelaide, apr./1999. LAUDARES SILVA, R. Aspectos liminológicos, variabilidade espacial e temporal na estrutura da comunidade fitoplanctônica da Lagoa do Peri. Tese (Doutorado), Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 1999. MONDARDO, R.I. Influência da pré-ozonização na tratabilidade das águas via filtração direta descendente em manancial com elevadas concentrações de microalgas e cianobactérias. Dissertação (mestrado em engenharia ambiental), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004. OSHIMA, Y. Post-column derivatization liquid chromatographic method for paralytic shellfish toxins. Journal of the Association Official Analytical Chemists International, 78:528-32, 1995. YUNES, J.S. et al. Cyanobacterial neurotoxins from southern Brazilian freshwaters. Comments on Toxicology, ano 9, 2:103-15, 2003. Agradecimentos Esta pesquisa teve o apoio financeiro do CT-HIDRO/PROSAB 4. Agradecemos a assistência técnica da Dra. Roselane Laudares Silva (professora e coordenadora do Laboratório de Ficologia da UFSC) pelas análises de quantificação das cianobactérias, e também ao Oceanógrafo Márcio da Silva Tamanaha (Laboratório de Oceanografia Biológica - Algas Nocivas da Univali) pelas análises de concentração de saxitoxinas. Dados dos Autores MAURÍCIO LUIZ SENS Engenheiro sanitarista (UFSC), mestre e doutor (ENSCR/França). Professor titular do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental/UFSC. LUIZ CARLOS DE MELO FILHO Engenheiro sanitarista (UFSC) e especialista em engenharia da saúde pública (Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz). Mestre em engenharia ambiental, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental e pesquisador do Laboratório de Potabilização de Águas da UFSC. RENATA IZA MONDARDO Bacharel em química, mestre em engenharia ambiental, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental e pesquisadora do Laboratório de Potabilização de Águas da UFSC. LUÍS ANTÔNIO DE OLIVEIRA PROENÇA Oceanógrafo e mestre em oceanografia biológica (FURG). Doutor em oceanografia (University of Southampton) e professor na Univali/SC. Recebimento do artigo: 23/dez./05 Aprovado: 7/jun./06 54 jan./dez. • 2005