1 UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS Cláudia Giovana Ferreira da Silva GRUPO CULTURAL “HERDEIROS DE ZUMBI” DE IJUÍ: CONSTRUÇÃO/AFIRMAÇÃO DAS IDENTIDADES Ijuí, 2013 2 Cláudia Giovana Ferreira da Silva GRUPO CULTURAL “HERDEIROS DE ZUMBI” DE IJUÍ: CONSTRUÇÃO/AFIRMAÇÃO DAS IDENTIDADES Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências, do Programa de PósGraduação em Educação nas Ciências. Linha de Pesquisa: Educação Popular em Movimentos e Organizações Sociais, sob orientação da professora Dra. Noeli Valentina Weschenfelder Ijuí, 2013 3 Catalogação (provisória) S222g Silva, Cláudia Giovana Ferreira da. Grupo Cultural “Herdeiros de zumbi” de ijuí: construção/ afirmação das identidades. – Ijuí, 2013. – 117 f. : il. ; 30 cm. Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI. Educação nas Ciências, 2013. “Orientadora: Prof. Dra. Noeli Valentina Weschenfelder”. CDU: Catalogação na fonte: (CRB) 4 Dedico este trabalho a todos os negros e negras, a todos os mestiços (as), que lutaram pelo direito à cidadania. E da mesma maneira a todos aqueles que continuam lutando para ter seu lugar na sociedade, reconstruindo a história e mostrando a sua capacidade. 5 Agradecimentos Agradeço à minha orientadora, Noeli Valentina Weschenfelder que me fez ir além, me mostrou ser possível e acreditou na minha capacidade, pessoa fundamental para o término desta pesquisa. Agradeço ao professor Paulo Zarth, pelas sábias palavras e pelo empréstimo de livros tão significativos para minha pesquisa. Agradeço aos docentes da linha três do mestrado em Educação nas Ciências “Educação Popular em movimentos e organizações sociais”. Docentes, mestres por excelência, próximos de uma proximidade extrema, obrigada pela possibilidade de tanto embasamento teórico, e também por tantas palavras de incentivo e de solidariedade. Agradeço em especial ao presidente do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, Wilmar Costa da Rosa, e T.C.S dançarina do Grupo pelo acolhimento e pelo tempo dedicado a mim, pela conversa que se tornou suporte para minha pesquisa. Às meninas, componentes do Grupo que também se mostraram amáveis e dispostas a me auxiliar. Agradeço a Deus pela força que me fez ir em frente. É com imenso carinho que agradeço à minha querida mãe, Maria Adiles Ferreira da Silva, incentivadora em todas as horas. E com muito orgulho, ao meu filho, Cauê Vinícios da Silva Buêno. Menino, adolescente, homem que é parte de mim, e com quem conquisto mais esta vitória. “Filho amado, menino dos meus olhos, obrigada pela gentileza de inúmeros abraços, pelo carinho escancarado que de maneira tão doce me fez ir em frente. Por tudo, amo-te”. Ao meu companheiro, Marcelo Limberger pelas palavras de incentivo, pelo aconchego. Em especial a amiga, mestre, incentivadora de todas as horas, Simone Nunes. Obrigada pelo empurrão inicial. Às minhas amigas Patrícia Brito e Cláudia Scherer pela troca de experiências e angústias, pelo abraço, pelo conforto. Ao meu irmão Eduardo Ferreira da silva por torcer pela minha conquista, pelo brilho nos olhos por cada etapa cumprida. À minha irmã Carla da Silva Destefani por transformar a minha angústia em risos. E em especial ao meu irmão Gilberto Ferreira da Silva incentivador pela simples presença real de mostrar que o irreal está ao lado, basta querer alcançar. Obrigada pelas palavras com embasamento teórico ou não, e pelo apoio e colaboração dedicado a mim desde o início, início mesmo, graduação e agora pós-graduação. 6 Inquietação: um pouco de mim Desde muito tempo penso em voltar, trazer as palavras para perto, tão perto para quase poder tocar. Porém, trazer as palavras para a folha em branco é um desafio, desafio lento. Sei bem que as palavras se tecem uma a uma, e ganham sentidos. Sentidos abstratos, pacatos, ousados, e indiscutivelmente livres. Exatamente por isso as palavras me atraem e me apego a elas como quem busca urgentemente a liberdade, na ânsia de criar um rascunho. Nas tentativas angustiadas, inquietantes e supremas de conseguir traduzir a inquietação que em mim se agita... Inquietação! Em mim há muitas! Mas esta que revelo agora vem da lembrança dos mares, da eterna dor das senzalas, do açoite feroz e da lágrima fria. Existe um silêncio triste nas palavras mudas que ecoam dos livros. A memória esqueceu-se da gente valente que dos mares trouxe a ferro e à corrente. A palavra, esta sim, tem o poder de desatar os nós, de contar o outro lado da história, e de buscar outras memórias. Num passado muito branco é preciso mostrar o guerreiro negro soberano que não foi só pranto. Que do açoite se fez livre e que do amo tirano não se deixou amedrontar. Os mares... é em mim que se agitam agora, com tudo que a história tenta contar. Mostram muitas dores, repletas de horrores, sem valentias a exaltar. Devo voltar, devo sim escrever sem vacilo, reescrever com paciência, e deixar que estas letrinhas que me instigam se formem, se intensifiquem e se tornem vivas. Palmares? Somos todos com histórias pra contar. Sou morena, índia, mulata, mestiça e negra, sem cor alguma para exaltar. Não há supremacia na cor, quando cheia de horror e dor, li Castro Alves a clamar. Ah! Castro Alves não há mais navios negreiros no mar. Mas estes continuam a navegar. Por entre pensamentos doentios, que a ti Castro Alves, certamente, iriam causar calafrios e amedrontar. Cláudia G. F. Silva 7 “Lembro-me bem da primeira vez que o li! Quem é ele, quem é ele? De onde vem este branir de ventos, este sofrimento doído. Entendo bem. Para mim estas palavras ressoam como um grito, aquele grito que não cala. O que sinto? Sinto que se pudesses, arrancaria dos mares o pranto, e dos escravos... destes não sobraria um tanto sem ter histórias de liberdade pra contar”. (Cláudia G.F. Silva) 8 O Navio Negreiro São mulheres desgraçadas, Como Agar o foi também. Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade Tanto horror perante os céus?! Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas De teu manto este borrão?... Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! Quem são estes desgraçados Que não encontram em vós Mais que o rir calmo da turba Que excita a fúria do algoz? Quem são? Se a estrela se cala, Se a vaga à pressa resvala Como um cúmplice fugaz, Perante a noite confusa... Dize-o tu, severa Musa, Musa libérrima, audaz!... São os filhos do deserto, Onde a terra esposa a luz. Onde vive em campo aberto A tribo dos homens nus... São os guerreiros ousados Que com os tigres mosqueados Combatem na solidão. Ontem simples, fortes, bravos. Hoje míseros escravos, Sem luz, sem ar, sem razão. . . [Que sedentas, alquebradas, De longe... bem longe vêm... Trazendo com tíbios passos, Filhos e algemas nos braços, N'alma — lágrimas e fel... Como Agar sofrendo tanto, Que nem o leite de pranto Têm que dar para Ismael. Lá nas areias infindas, Das palmeiras no país, Nasceram crianças lindas, Viveram moças gentis... Passa um dia a caravana, Quando a virgem na cabana Cisma da noite nos véus ... ... Adeus, ó choça do monte, ... Adeus, palmeiras da fonte!... ... Adeus, amores... adeus!... Depois, o areal extenso... Depois, o oceano de pó. Depois no horizonte imenso Desertos... desertos só... E a fome, o cansaço, a sede... Ai! quanto infeliz que cede, E cai p'ra não mais s'erguer!... Vaga um lugar na cadeia, Mas o chacal sobre a areia Acha um corpo que roer. Ontem a Serra Leoa, A guerra, a caça ao leão, O sono dormido à toa 9 Sob as tendas d'amplidão! Hoje... o porão negro, fundo, Infecto, apertado, imundo, Tendo a peste por jaguar... E o sono sempre cortado Pelo arranco de um finado, E o baque de um corpo ao mar... Ontem plena liberdade, A vontade por poder... Hoje... cúm'lo de maldade, Nem são livres p'ra morrer. . Prende-os a mesma corrente — Férrea, lúgubre serpente — Nas roscas da escravidão. E assim zombando da morte, Dança a lúgubre coorte Ao som do açoute... Irrisão!... Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus, Se eu deliro... ou se é verdade Tanto horror perante os céus?!... Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas Do teu manto este borrão? Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! ... (Castro Alves) 10 RESUMO Esta dissertação vem mostrar como a convivência e o pertencimento ao Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí contribui na constituição e afirmação das identidades, no que se refere a instigar nos integrantes o desejo de ser mais, o que para Freire (1974) significa se libertar de qualquer tipo de opressão. Para tanto, é necessário ressaltar que a convivência com o Grupo permite a participação em atividades culturais afirmativas, expressadas através da música, da dança, das vestimentas e dos pratos típicos. Tais atividades passam a ganhar visibilidade por ocasião da Fenadi. Quando tratamos do sentimento de orgulho e da busca por ser mais, faz-se necessário enfatizar que tal sentimento se tornou também possível devido às lutas e conquistas do Movimento Negro. Assim, reconhecemos que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi também pode ser efeito das vitórias que vem sendo impulsionadas por este Movimento, como, por exemplo, as políticas afirmativas, a Lei Federal Nº 10.639 de 09 de janeiro de 2003, que regulamentou o ensino de História afro-brasileira no ensino fundamental e médio, assim como a Constituição Federal de 1988, que reconhece a discriminação racial como prática de crime inafiançável e imprescritível. Reconhecer o Centro Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí como um espaço educador só se tornou possível através das observações e da pesquisa que foi realizada junto deste, por ocasião da feira de exposições EXPOIJUÍ. É preciso enfatizar que as identidades são constituídas a partir de elementos acerca da cultura, os quais dizem respeito às vivências e experiências dos componentes do Grupo Cultural. Nesse sentido, para tornar possível este estudo busca-se amparo em autores (as) como Canclini, Hall, Touraine, Silva, zarth, Gomes, Babha, dentre tantos outros. Como metodologia foi utilizada a coleta de dados feita a partir de entrevista narrativa, ou semi-aberta, com quatro pessoas: o atual presidente do Grupo Cultural, seguido de três dançarinas do grupo de dança Charme da Liberdade. Se confirmou através deste estudo o quão significativo é o pertencimento junto ao Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, uma vez que este não faz apenas uma amostra da cultura afro, mas também instiga os seus participantes a se reafirmar enquanto sujeitos (a) numa sociedade excludente, interferindo positivamente na construção ou na afirmação das identidades. Palavras-chave: Grupo cultural; cultura; identidade; preconceito. 11 ABSTRACT This dissertation is to show how the coexistence and belonging to the Heirs of Zombie Cultural Group from Ijuí contributes to the constitution and affirmation of identities in relation to instill in members the desire to be more, to what Freire (1974) means to break free from any kind of oppression. Therefore, it is necessary to emphasize that living with the Group enables participation in cultural statements, expressed through music, dance, costumes and typical dishes. Such activities are gaining visibility at the Fenadi. When we deal with the sense of pride and the quest to be more, it is necessary to emphasize that this feeling also became possible due to the struggles and achievements of the Black Movement. Thus, we recognize that the Heirs of Zombie Cultural Group can also be an effect of the victories that have been driven by this movement, for example, affirmative action policies, the Federal Law No. 10.639 of January 9th 2003, which regulated the teaching of African-Brazilian history in elementary and secondary education, as well as the Federal Constitution of 1988, which recognizes racial discrimination as a non-bailable and imprescriptible crime. Recognize the Heirs of Zumbi Cultural Center of Ijuí as an educator space became possible only through observations and research that has been conducted with it, at the Exhibition Fair EXPOIJUÍ. It should be emphasized that identities are formed from elements about culture, which relate to the experiences and experiments of Cultural Group components. Accordingly, to facilitate this study seeks to support authors as Canclini, Hall, Touraine, Silva, Zarth, Gomes, Babha, among many others. The methodology was used to collect data made from narrative interview, or semi-open, with four people: the current president of the Cultural Group, followed by three dancers from Freedom Charm group. It was confirmed through this study how significant is the membership with the Heirs of Zumbi Cultural Group, since it is not only a sample of african culture, but also entices participants to reassert themselves as subjects of an exclusionary society, interfering positively in the building or on the assertion of identities. Keywords: cultural group, culture, identity, prejudice. 12 LISTA DE IMAGENS Figura 1: Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí .............................................................. 26 Figura 2: Casa do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi no Parque de Exposições de Ijuí ....... 26 Figura 3: Grupo de dança Charme da Liberdade ...................................................................... 47 Figura 4: Grupo de dança Charme da Liberdade ...................................................................... 47 Figura 5: Foto de Zumbi dos Palmares ..................................................................................... 54 Figura 6: Grupo de dança Charme da Liberdade ...................................................................... 73 Figura 7: Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi ......................................................................... 78 Figura 8: A Redenção de Cam (de Modesto Broco, 1895) .................................................... 108 Figura 9: Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi ....................................................................... 115 13 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS EXPOIJUÍ – Exposição-Feira Industrial e Comercial de Ijuí FENADI – Festa Nacional das Culturas Diversificadas SESC – Serviço Social do Comércio UETI – União das Etnias de Ijuí 14 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................................................16 1. ENCONTRO COM A HISTÓRIA DO (GRUPO) AFRO-BRASILEIRO EM IJUÍ. ..........................27 Ijuí: terra das culturas diversificadas .............................................................................................................. 27 2. 3. 4. 1.1 A inserção do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi na Expoijuí/Fenadi ......................................... 31 1.2 O lugar ocupado pelo Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi no parque temático Expoijuí/Fenadi..35 1.3 Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi: espaço educador .................................................................... 42 1.4 Zumbi dos Palmares: símbolo de resistência para a cultura afro-brasileira .................................... 48 1.4.1 A Constituição Dos Palmares ....................................................................................................... 48 1.4.2 Zumbi: mito, guerreiro, homem. .................................................................................................. 53 O SIGNIFICADO DO MOVIMENTO NEGRO PARA OS AFRODESCENDENTES. .....................59 2.1 O mito da democracia racial pós abolição: o recomeço da luta pela igualdade racial ..................... 59 2.2 As conquistas do Movimento Negro ................................................................................................... 62 2.3 Os movimentos sociais sob o olhar de Boaventura Santos, Shamim Meer, e Alan Touraine .......... 70 GRUPO CULTURAL HERDEIROS DE ZUMBI: CULTURA X IDENTIDADE. .............................74 3.1 Cultura/tradição x cultura/informação: a importância do resgate da cultura através da tradição. 79 3.2 Multiculturalismo e interculturalismo: reeducação para mudança.................................................. 87 3.2.1 Interculturalismo: mudança de atitudes ...................................................................................... 92 3.2.2 Por um pensamento intercultural: Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi ................................ 97 DIFERENÇA, DESIGUALDADE, ESTEREÓTIPO: A CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES NA CONSTRUÇÃO E DESCONSTRUÇÃO DESSES VALORES .................................................................104 4.1 Mestiçagem, nem um, nem outro, de lugar nenhum: a história sob a visão crítica de kabengele Munanga ........................................................................................................................................................ 104 4.2 Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi: reconhecimento e aceitação da cor que lhe foi negada ...... 109 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................................116 REFERÊNCIAS ..........................................................................................................................................120 ANEXOS......................................................................................................................................................124 Anexo 1: Termo de consentimento livre e esclarecido destinado ao presidente do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí. ............................................................................................................................................ 124 15 Anexo 2: Termo de consentimento livre e esclarecido destinado as integrantes do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí. ............................................................................................................................................ 127 Anexo 3: Roteiro de entrevista semi-estruturada destinada ao presidente do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí. ................................................................................................................................................. 130 Anexo 4: Roteiro de entrevista semi-estruturada destinada as integrantes do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí. ................................................................................................................................................. 131 16 INTRODUÇÃO Inquietação. Esta é uma palavra que vem me acompanhando desde muito tempo. Volto ao ano de 2006, quando procurava um tema para meu projeto de conclusão do curso de Letras Português e Respectivas Literaturas. Foi justamente nessa época, que através da disciplina de Literaturas Africanas encontrei nas escritas de Mia Couto o que tanto me intrigava. Não houve dúvidas, meu Trabalho de Conclusão de Curso se intitulou “Raça, Colonialismo e Assimilação na obra Cada homem é uma raça, de Mia Couto.” Ressalto que estar diante da história de como se deu a colonização em Moçambique. Diante do processo bem como das consequências do colonialismo, da questão da assimilação e da exploração de um povo considerado inferior, julgado pela cor da pele, acendeu em mim um senso de justiça e questionamento que certamente me acompanhariam desde então. De fato, em 2010 fui instigada ao Mestrado em Educação nas Ciências e não consegui pensar em algo que me distanciasse deste tema. “Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí: construção/afirmação das identidades” é o tema norteador do estudo que escolhi para acompanhar meus dias de mestrado. Tal estudo tem como objetivo compreender como se dá a construção/afirmação das identidades dos sujeitos no contexto do Grupo. Interessa interrogar de que maneira este Grupo pode ou não produzir efeitos na construção ou afirmação das identidades. É necessário esclarecer que foi usado o termo Grupo Cultural com base nas palavras de Loureiro (2004) quando esta argumenta que um grupo é entendido como étnico quando é provido de características, como compartilhar valores culturais, conseguir interagir entre si, se identificar com o grupo e também ser identificado pelos demais como pertencente a um grupo distinto. Segundo Loureiro (Idem, p.65), “como valores culturais explícitos e importantes, gostaríamos de ressaltar que a religião, a moda, a ideologia, a concepção de beleza, os rituais de casamento e as cerimônias fúnebres são alguns elementos que dão ao grupo uma especificidade cultural”. Acredito ser fundamental acrescentar que este tema ganhou dimensão a partir da hipótese de que o Grupo poderia interferir de forma positiva na construção das identidades, pois mostra a cultura do afrodescendente, seja por meio das danças, músicas ou pratos típicos. Penso que diante de um contexto de exclusão e preconceito contra a cor da pele o Grupo Cultural poderia ser fomentador não somente da amostra da cultura, mas aliar a isso meios para instigar nos seus integrantes o desejo de ser mais, o que para Freire (1974) significa se libertar de qualquer tipo de opressão. 17 Aliada a essa hipótese estão as minhas experiências cotidianas através das quais observo comportamentos e falas que explicitam o preconceito existente contra o negro (a) e não somente, pois o índio, o mulato, a moreninha, ou seja, o mestiço, também se enquadram nesse contexto. Por isso retorno às palavras de Loureiro (2004) para acrescentar que é usado o termo afrodescendente ou negro para fazer referencia as características fenotípicas do povo negro africano e de seus descendentes no Brasil que podem ser considerados negros ou mestiços. Dessa forma o termo negro (a) ou afrodescendente aparecerá no decorrer deste estudo. A partir das experiências cotidianas, como negra, mulher, mãe, docente, profissional, venho me deparando com discursos e com atitudes de homens e mulheres, por vezes de alunos e alunas, que percebo estarem impregnadas de preconceito. Em função disso, dia a dia desperta-me uma sensação de inquietação, de perturbação. Estudos e observações permitem supor que o Grupo Cultural teria uma grande responsabilidade quanto a construção das identidades dos seus participantes no sentido destes se reafirmarem enquanto cidadãos, ou seja, a vivência no Grupo produz efeitos afirmativos; positivos na constituição das identidades, no sentido de ser mais (1974), passando pouco a pouco a se libertar de qualquer tipo de opressão. É necessário chamar atenção à palavra preconceito e explanar como ela se mostra no cotidiano através de pequenas atitudes ou palavras, no momento, por um lado escuto manifestações de alunos negros, que se sentem excluídos, e de outro, ainda que de forma implícita, observo o descaso, a minuciosa manifestação de preconceito que se mostra nos pequenos discursos, tais como dos exemplos que seguem. Um aluno negro com 17 anos, ao receber a tarefa de fazer uma pequena representação em sala de aula, na qual deveria se passar por um cliente em uma empresa fez questão de usar óculos de grau. Perguntei o porquê do uso dos óculos, este respondeu que um negro com óculos significa alguém inteligente, estudioso, e sem o mesmo seria somente mais um negro na visão da sociedade. Ao pedir para os alunos da oitava série do Ensino Fundamental escreverem uma história, um menino com 15 anos escreveu: “vou mostrar como é ser negro, sou acusado de ladrão e de marginal. Sou negro, mas sou limpo, sou negro, mas não sou ladrão. Sou um negro lindo e quieto. Sou negro, mas não sou animal e não me acho o tal. Sou negro, mas não sou ruim, eu sou legal.” Essa escrita me parece uma defesa pessoal. A questão é que não vejo normalidade no fato de o aluno defender-se por ser negro. Isso revela o preconceito contra a cor da pele, que de maneira mascarada, exclui e ignora. 18 Em outra conversa fora do contexto da escola a respeito da questão do racismo, um aluno branco argumentou não ser racista, e em seguida acrescentou que os negros são relaxados e sem vontade, caso contrário, segundo ele, todos teriam estudo e um bom trabalho. Num bate papo com uma colega de trabalho, esta desabafou que o fato de ter uma filha negra causa muito espanto às pessoas, pois sendo ela branca, não é normal ser mãe biológica de uma criança negra. Ela relata que sua filha já passou por inúmeras situações de preconceito, pois na maioria das vezes passa por filha adotiva. Da mesma maneira, sinto-me encorajada a expor a minha história de mulher negra, história que me inferiu num contexto, num lugar posto. Não me vejo morena, parda, cor de cuia, me sinto negra e questiono qual seria a diferença em ser considerada negra, parda ou morena. Passeando no shopping da capital com minha cunhada branca, e com meu sobrinho branco, ao conversarmos com uma desconhecida, esta logo concluiu em um de seus comentários, sem titubear, que eu fosse babá do meu sobrinho. Situações como essa acabam por dar visibilidade ao preconceito, à discriminação voltada para o negro (a) e para o mestiço (a). É este o lugar que assumo como meu. Sou negra, sou mestiça e trago na cor da pele a representação da miscigenação que é característica deste país. Não me refiro a miscigenação no sentido do branqueamento da população negra, me refiro àquela que reconhece e se reconhece através da cultura afro-brasileira. Por isso, retomo que não existe maneira de branquear o tom da pele com expressões apassivadoras já citadas anteriormente. Diante desse tipo de discurso, acredito que o preconceito está presente e se mostra de maneira consciente ou inconsciente. Em se tratando de preconceito implícito e inconsciente, enfatizo também as expressões usadas diariamente no vocabulário de homens e mulheres no contexto da escola ou fora deste. Penso que em algumas vezes passa despercebida a gravidade do sentido que está incutido em frases feitas e corriqueiras. Esse contexto que foi ditado pelas convenções sociais mostra uma atmosfera de normalidade, que talvez possa ser uma das responsáveis pelo uso impensado de jargões como: cabelo bom, isso é coisa de preto, a coisa ficou preta, entre tantas outras que de maneira sutil carregam o mesmo contexto de subalternização, exclusão e insanidades. Refiro-me a história de insanidade da escravidão, que deixou sua marca e difundiu uma pretensa superioridade da cor branca. Devido a isso não há como o Brasil passar imune pelo fato de ser o último a abolir a escravidão. Tal ato é responsável por consequências morais e sociais que se fazem presentes, e se mostram de forma explícita no cotidiano, no que diz respeito a profissões, lazer etc. Tal como preconiza a autora: 19 O modelo estético de projeção é ainda branco, quase alvo, louro e, de preferência, com o complemento dos olhos azuis. Afinal se identidade é alterativa, o que se verifica é que se joga para o outro o lugar da idealização. Talvez seja por isso que na música, no futebol e no carnaval as personagens sejam majoritariamente negras, nos programas de televisão, no cinema e no teatro ou mesmo no cenário da política, contam-se nos dedos aqueles que não são brancos. (SCHWARCZ, 1999, p. 124) Em consonância, retomo que o preconceito é consequência da tentativa de inferiorizar um povo cuja cor foi discriminada, e neste estereótipo é que se formou em parte a visão das sociedades brasileiras que se mostram preconceituosas. Tomo aqui preconceito como um sentimento preconcebido sobre pessoas, etnias, tradições, culturas que não se tem entendimento, e que numa reação prévia são consideradas “estranhas”. Preconceito é um julgamento negativo e prévio de grupos e pessoas. Referese a diversos elementos: religião, etnia, cultura, condição social, traços físicos, dentre outros. No entanto, cada forma de preconceito tem suas peculiaridades. Inclui a concepção de que o indivíduo tem de si mesmo e do outro e refere-se à relação entre as pessoas e grupos humanos. Ou seja, é consequência de alguns padrões existentes na sociedade, tidos como modelos de normalidade, quem não está dentro desses padrões sofre preconceito. “[...] Com relação ao preconceito racial, se insere num sistema social racista, que possui mecanismos operadores das desigualdades raciais na sociedade e encontra suas origens na doutrina da supremacia racial”. (GOMES, 1995, p. 06) Tomando a palavra preconceito como uma visão pejorativa do que não se sabe, vislumbro que talvez existam possilbilidades do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi ao menos instigar a reflexão dos sujeitos, à busca pelo entendimento consciente da sua cultura passando a buscar na valorização desta cultura a autoconfiança que lhe foi negada devido o contexto de exclusão. Vale supor que há a possibilidade de pensar que muito da autoconfiança do afrodescendente vem sendo resgatada a partir das lutas do Movimento Negro, através das quais algumas conquistas juridicas foram decretadas. Trago como exemplo a discriminação racial como prática de crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão nos termos da lei; o surgimento de um aparato jurídico-normativo que contempla a diversidade como variável nuclear propondo mudanças na proposta curricular, dentre outros (DIAS, 2007). Porém, chamo a atenção para o fato de que as conquistas jurídicas parecem ser somente um passo para a real cidadania do povo afro-brasileiro. Para Munanga: Não existem leis no mundo que sejam capazes de erradicar as atitudes preconceituosas existentes nas cabeças das pessoas, atitudes essas provenientes dos sistemas culturais de todas as sociedades humanas. No entanto, cremos que a educação é capaz de oferecer tanto aos jovens como 20 aos adultos a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de superioridade e inferioridade entre grupos humanos que foram introjetados neles pela cultura racista na qual foram socializados. (2005, p.17) Em consenso com Munanga (Idem) parece não haver fórmulas para acabar com o preconceito, porém, entendo ser necessário visualizar possibilidades de chamar a atenção para a aceitação do outro julgado como diferente. Aqui busco confirmação nas palavras de Boaventura (2003) quando define o multiculturalismo e interculturalismo. O primeiro diz respeito ao reconhecimento, enquanto o segundo ultrapassa tal ideia defendendo a aceitação do diferente e lançando um olhar além, na busca das relações entre as culturas, o que talvez pudesse tornar possível um maior entendimento e, consequentemente, a compreensão sobre que é ser diferente, neste caso a cultura negra. Acredito que a partir do que vem sendo enfatizado se afirma a existência da não aceitação do outro que é julgado diferente, neste caso o negro. É justamente a partir desse contexto de preconceito que busquei entender se o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi poderia ou não auxiliar, contribuir no que diz respeito à construção das identidades daqueles que dele fazem parte. É necessário expor que a convivência no Grupo produz efeitos nas subjetividades de seus participantes, como nos ensinou Freire (1974) um ser mais. Não há como não considerar o fato de que o afrodescendente sofre com um preconceito que tem um contexto histórico como já foi visto anteriormente. Dessa maneira retomamos o quão significativo é o convívio no Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, quando reconhecemos que este pode ser considerado também um espaço educador. Retomo que houve o desejo de entender a partir do “Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi” de Ijuí, como este poderia ou não se caracterizar como um espaço educador (fortalecido) daqueles que fazem parte do seu contexto. Dessa forma, meu interesse se voltou à pesquisa com anseio de estar em contato com as experiências dos sujeitos vinculados ao Grupo Cultural para entender como se educam como sujeitos a partir das expectativas e experiências vivenciadas no Grupo. Pensar na metodolgia para alcançar esse objetivo foi o primeiro passo para que este estudo pudesse ser realizado. Percebi de início que seria de grande importância realizar pesquisa de campo com objetivo de melhor entender sobre construção de identidades de alguns participantes do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, tal intenção exigiu presença constante, atenção e interesse em escutar, observar e registrar. Nessa perspectiva me dediquei a escutar pessoas de diferentes idades, o presidente atual do Grupo Gultural Wilmar Costa da Rosa, uma vez que este entre idas e vindas como presidente líder do Grupo teve muito a contribuir históricamente na construção deste trabalho. 21 É preciso enfatizar que o nome do presidente aparecerá nos depoimentos devido seu consentimento, pois o mesmo solicitou que eu não usasse pseudônimos. Manifestou que considerava fundamental a presença do seu nome e argumentou não ser necessário esconder a identidade das pessoas, muito pelo contrário. Falou da necessidade em mostrar que os negros são pessoas inteligentes e ativas na sociedade, tendo sugerido a realização de uma amostra de fotografias do Grupo Cultural. Wilmar Costa da Rosa nasceu em 10/03/1940, é professor aposentado desde 1995. É filho único, seu pai trabalhava na viação Férrea e sua mãe era do lar. Contou que os parentes achavam errado ele estudar, dizendo que seu bom porte físico deveria ser utilizado para o trabalho. Mencionou sua inacessibilidade à escola, e a vontade de seus pais pelos seus estudos, cujo esforço resultou no início do primário aos 12 anos. Já a escolha pela fala da adolescente dançarina me pareceu importante para a tentativa de entender o porquê da escolha pelo Grupo Herdeiros de Zumbi, bem como da sua auto-concepção em relação a sua identidade. J.J tem dezessete anos, cursa o 2º ano do ensino médio, vem de uma família de 4 irmãos. Contou que a mãe acabou o ensino fundamental e desistiu dos estudos e o pai cursou até a sétima série do ensino fundamental. Há dois anos faz parte do Grupo. L.L tem 24 anos, tem o ensino médio completo, no momento faz um curso Técnico em Informática. É filha única e seus pais têm ensino médio incompleto. Há dois anos faz parte do Grupo Cultural. Para isso conta com o apoio de sua família, que procura acompanhá-la sempre que possível às apresentações. Acredito que a entrevista com duas componentes do Grupo Cultural com idades diferentes e com o mesmo tempo de convivência no Grupo, poderia trazer evidências sobre a aprendizagem da cultura afro por intermédio do Grupo, pois independente da idade, ambas poderiam ter algum conhecimento sobre a cultura representada. Entrevistar uma dançarina com mais de 20 anos de idade e com muitos anos de convivência com o Grupo me pareceu fundamental, pois esta poderia retratar com propriedade sua vida antes e depois de pertencer ao Grupo Cultural; as mudanças ocorridas; a visão que tem de si mesma dentro e fora do Grupo, o que poderia levar ao entendimento se o Grupo poderia ser considerado como um espaço educador. T.C.S tem 22 anos, há 11 anos participa do Grupo, estudou Administração até o segundo semestre pela Unijuí, tem seis irmãos por parte de pai e de mãe e mais alguns por parte de pai, tem uma família grande e mantém contato com todos os irmãos, cada um no seu espaço e com uma boa convivência. Duas das pessoas integrantes do Grupo que participaram da pesquisa foram procuradas também em 2011. Já com as outras duas tive contato somente neste ano de 2012 durante o evento Expoijuí/Fenadi. Para a realização da pesquisa foi feito registro das 22 entrevistas narrativas de quatro participantes assíduos do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi do município de Ijuí. As falas foram gravadas e em seguida transcritas, e o registro seguiu um roteiro previamente elaborado com algumas questões para servirem de base às entrevistas. Vale expor que observações já vinham sendo feitas, pois estive em contato com o Grupo Cultural afro pela primeira vez em 2011, com a intenção de construir uma aproximação com o campo e os sujeitos da pesquisa. Essa busca de interação aconteceu durante o evento Expoijuí/Fenadi. Em 2012, retornei ao evento para o término da pesquisa. Durante as entrevistas foi possível perceber que a escolha e o cuidado ético com as perguntas são importantes, porém, isso só passa a ganhar dimensão quando se aprende a escutar. Por vezes através de uma única pergunta, todas as outras acabavam sendo consequentemente respondidas. Para Rosália Duarte (2004) o uso de entrevistas como fonte de pesquisa torna-se fundamental ao entendimento dos significados e das relações que se estabelecem no grupo pesquisado. Isso acontece quando a entrevista vem entrelaçada com o desejo de mapear práticas, crenças, mais ou menos bem delimitados em que os conflitos não estejam claramente explicitados. Se as entrevistas forem bem realizadas, elas permitem ao pesquisador fazer uma espécie de mergulho em profundidade, coletando indícios dos modos como cada um daqueles sujeitos percebe e significa sua realidade e levantando informações consistentes que lhe permitam descrever e compreender a lógica que preside as relações estabelecidas no interior daquele grupo, o que, em geral, é mais difícil obter com outros instrumentos de coleta de dados, valores e sistemas classificatórios de universos sociais específicos. (DUARTE, 2004, p.205) Nesse contexto, a escolha pela fonte de pesquisa através de entrevistas é justamente voltada também à necessidade de interação e de observação, além de tornar possível a coleta de informações para o desfecho do estudo. Acredito que estar diante dos entrevistados, percebendo seus gestos e expressões foi fundamental para conseguir entender o significado das falas, pois é preciso uma reflexão sobre os significados existentes na linguagem corporal o que exige atenção de quem esta realizando as entrevistas. Brandão (2004, p.26) define que “entrevista é trabalho, e reclama uma atenção permanente do pesquisador aos seus objetivos obrigando-o a colocar-se intensamente à escuta do que é dito, a refletir sobre a forma e conteúdo da fala do entrevistado”, acrescentando ainda a necessidade de atenção aos tons, ritmos e expressões gestuais que acompanham ou mesmo substituem essa fala, o que para o autor exige tempo e esforço. 23 Tempo e esforço. Este foi um dilema que acompanhou todos os passos desta pesquisa, considerando que muito dela foi registrada na casa afro “Herdeiros de Zumbi de Ijuí”, o que não foi tão simples, pois o evento exige muito da atenção das casas típicas e de seus integrantes. Foi uma busca contínua que se deu através de observações, fotos, entrevistas e esperas. E é justamente por ter escolhido trabalhar com entrevistas e observações que posso enfatizar o caráter qualitativo da pesquisa. Segundo Duarte: De um modo geral, pesquisas de cunho qualitativo exigem a realização de entrevistas, quase sempre longas e semi-estruturadas. Nesses casos, a definição de critérios segundo os quais serão selecionados os sujeitos que vão compor o universo de investigação é algo primordial, pois interfere diretamente na qualidade das informações a partir das quais será possível construir a análise e chegar à compreensão mais ampla do problema delineado. A descrição e delimitação da população base, ou seja, dos sujeitos a serem entrevistados, assim como o seu grau de representatividade no grupo social em estudo, constituem um problema a ser imediatamente enfrentado, já que se trata do solo, sobre o qual grande parte do trabalho de campo será assentado. (DUARTE, 2004, p.205) Foi justamente com a preocupação na qualidade das informações que retomo a escolha de trabalhar com pessoas de diferentes idades e gênero, já explicitada anteriormente. Tal decisão deu-se com base no fato de buscar entender se o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí auxilia ou não na construção/afirmação das identidades daqueles que dele são integrantes. Acredito que estar em contato com etnia afro de Ijuí, sem restrições a tempo, foi fundamental para a construção deste trabalho, pois não haveria como prever a partir de que momento as entrevistas passariam a ganhar densidade. E foi em momentos imprevistos que as informações mais instigantes e surpreendentes foram colhidas. À medida que se colhem os depoimentos, vão sendo levantadas e organizadas as informações relativas ao objeto da investigação e, dependendo do volume e da qualidade delas, o material de análise torna-se cada vez mais consistente e denso. Quando já é possível identificar padrões simbólicos, práticas, sistemas classificatórios, categorias de análise da realidade e visões de mundo do universo em questão, e as recorrências atingem o que se convencionou chamar de "ponto de saturação", dá-se por finalizado o trabalho de campo, sabendo que se pode (e deve) voltar para esclarecimentos. (DUARTE, 2004, p.17) Assim, a pretensão de querer entender se o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi pode influenciar ou não na construção das identidades dos seus integrantes, passou a ganhar sentido a cada observação e a cada diálogo, ou seja, passou a ganhar densidade, sendo necessário voltar para o campo teórico. Para explicitar a fundamentação teórica desta pesquisa é válido mencionar que de início fiz um breve resgate da história da inserção do afro-brasileiro em Ijuí, vindo a 24 mencionar também como este Grupo se tornou a etnia hoje vigente. A construção deste capítulo se justifica pelo fato da construção de Ijuí ter como paradigma a visão do colonizador, o que acredito ser um fator que pode desencadear conflitos no que diz respeito à construção da identidade do afrodescendente. Logo, o primeiro capítulo discute o estudo de pesquisadores como: Paulo Afonso Zarth, Regina Weber, Adelar Francisco Baggio, Mário Osório Marques, Jorge Mello, Sonza e Lechat e Paulo Freire. Ainda nesse capítulo, foi necessário trazer à tona a importância do personagem histórico Zumbi, assim como a formação do “Quilombo dos Palmares”, que acabou tornandose o refúgio de tantos escravos. Este referencial de estudo é importante tendo em vista que o Grupo Cultural afro desta cidade é representado com o nome de Zumbi dos Palmares. Para dar ênfase a este assunto reportei-me a Décio Freitas e João José Reis. No segundo capítulo, intitulado, O Significado do Movimento Negro para os afrodescendentes, busco ressaltar as conquistas proveniente das lutas do Movimento Negro, assim como a importância do que significou o Protesto Negro, e o Movimento Negritude, dentre tantas outras discussões voltadas à questão da importância e das diversas características que fundam os movimentos sociais. Estudiosos como Kabengele Munanga, Florestan Fernandes, Luciane Ribeiro Dias, Luiz Etevaldo da Silva, Paulo Afonso Zarth, Boaventura Santos, Alan Touraine e Shamim Meer são norteadores da escrita deste capítulo. Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi: cultura x identidade é o título que apresento no terceiro capítulo, com a necessidade de buscar mais conhecimentos nesta área de estudo, pois há a discussão sobre fatores culturais que interferem na construção das identidades. Neste capítulo também volto minha atenção para o debate entre multiculturalismo e interculturalismo. A escrita deste capítulo dar-se-á a partir de conceitos dos escritores como: Stuart Hall, Néstor García Canclini, Alan Touraine, Gilberto Ferreira da Silva, Jean Pierre Warnier, Boaventura de Souza Santos, Roberto Cardoso de Oliveira, Stefânie Arca Garrido Loureiro, Jacques Adesky e Homi Bhabha. O quarto e último capítulo apresenta o título Diferença, desigualdade, estereótipo: a construção de identidade na construção e desconstrução desses valores. Penso que essas questões se relacionam com o termo “mestiço”. Por isso é de meu interesse buscar identificar e entender sobre a origem da expressão “mestiçagem”. Logo, este também é um assunto que irá permear este último capítulo, construído com base em Paulo Freire, Kabengele Munanga e Stuart Hall. Amparada nas palavras dos teóricos mencionados pude encontrar possibilidades de chegar ao término deste trabalho. Penso que a sobrevivência da negritude está além do que os 25 pretensos “pesquisadores” mostram a partir da história, pois acredito que está presente nos movimentos, na cultura, bem como no “Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi” de Ijuí. É embasada nesse pensamento que este estudo se apresenta. O mesmo se preocupou em buscar evidencias que apontem para a certeza de que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi do município de Ijuí auxilia e contribui na construção ou afirmação das identidades dos seus integrantes. 26 Figura 1: Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí Fonte: http://www.expoijuifenadi.com.br/temp/f_publicacoes/imagem/149-1080x320-5.jpg acessado em 21 de janeiro Figura 2: Casa do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi no Parque de Exposições de Ijuí Fonte: http://www.expoijuifenadi.com.br/temp/f_publicacoes/imagem/149-1080x320-5.jpg Acessado em 21 de janeiro de 2013 27 1. ENCONTRO COM A HISTÓRIA DO (GRUPO) AFRO-BRASILEIRO EM IJUÍ Pelo fato deste trabalho ter como objetivo entender sobre como acontece a construção ou afirmação das identidades dos sujeitos negros e negras no ambiente do Grupo Cultural “Herdeiros de Zumbi” de Ijuí, faz-se necessário trazer alguns fatos históricos sobre a inserção dos negros (as) nesta cidade. Torna-se importante entender como se instituiu em Ijuí a Fenadi1 junto à Expoijuí2. Da mesma maneira é importante trazer um estudo sobre a inserção do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi no evento Fenadi. De início, este capítulo visa fazer um resgate histórico do porquê da cidade de Ijuí ser reconhecida como a terra das culturas diversificadas e qual o lugar destinado à etnia negra no Parque temático, ressaltando também a história do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi. É indispensável explicitar o porquê deste estudo, uma vez que se entende que sendo o Grupo Cultural responsável pela construção ou afirmação de identidades, é preciso mostrar o quanto essas identidades ainda trazem as marcas da opressão, da subalternização e do contexto da escravidão. Vale a pena ressaltar que, apesar de tais fenômenos, o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi foi umas das formas de se fazer presente e mostrar a cultura afro no contexto da Fenadi. Para tanto, este capítulo segue alicerçado em outros subitens que irão tratar exclusivamente desses assuntos para trazer evidencias sobre a importância deste Grupo para as pessoas de origem afro, tanto para os moradores de Ijuí, quanto para aqueles que dele são integrantes. Ijuí: terra das culturas diversificadas Antes de 1890 Ijuí era habitado pelos povos indígenas, tanto que seu nome emerge da língua Guarani. Ijuí significa “Rio das Águas Claras”, ou “Rio das Rãs”. Consolida-se assim, que os índios foram os primeiros moradores da região, seguidos pelos imigrantes de origem afro-brasileiros, luso-brasileiros, e descendentes de imigrantes europeus poloneses, alemães, 1 FENADI- Festa Nacional das culturas Diversificadas é o maior evento local, organizada a partir de 11 grupos étnicos, representado num parque temático construído para esse fim e composto de “casas típicas”, nas quais grupos folclóricos realizam danças tradicionais dos respectivos países de origem e servem comidas típicas. 2 EXPOIJUÍ- Exposição-Feira Industrial e Comercial de Ijuí (ZARTH, 2010, p.121) 28 italianos, austríacos, espanhóis, árabes e libaneses, o que faz com que Ijuí se caracterize pela diversidade étnica. O município se caracteriza como um laboratório para tratar a questão, considerando a história de sua formação multiétnica e pela importância das etnias na história e na cultura local. Ao mesmo tempo espelha em boa medida o conjunto do estado, ocupado por povos oriundos dos mais diversos locais do mundo e cuja historiografia atribui às etnias em lugar central e em sua formação. (ZARTH, p. 117, 2010) Como aponta Zarth, o estado foi habitado por povos de diferentes locais do mundo e Ijuí é um bom exemplo dessa ocupação pela sua diversidade étnica. Vale expor que Ijuí também foi habitado por outras etnias, embora em menor número, russos, lituanos, húngaros, franceses, romenos, rutenos, tchecos, finlandeses, gregos e japoneses. No entanto, toda essa diversidade étnica só ganhou maior visibilidade midiática e comercial na década de 1980. No que se refere à Fenadi, Baggio (2002) registra que foi a partir do período de 1980 que começam a ser realizadas reuniões nas quatro principais organizações estratégicas: Prefeitura Municipal, ACI, FIDENE e COTRIJUÍ, propiciando intenso debate na comunidade. Observa que logo foi concretizada a criação de 10 Comissões Interinstitucionais de Trabalho para estudo de prioridades municipais: solo, diversificação, comércio, saúde, indústria, desenvolvimento urbano e segurança. Assim, a diversidade cultural passa a ser discutida com interesses específicos em Ijuí, embora, como aponta Weber (2002), esta seja uma cidade reconhecida como sendo de colonização alemã. Para a autora isso se deu através da cultura e da língua germânica que era falada por alemães, teuto-russos, teutos-brasileiros, poloneses, húngaros e austríacos. Da mesma maneira, o fato de Ijuí ter no posto de poder os descendentes destas etnias também contribuiu para que se sobressaísse a cultura germânica. A imagem de Ijuí era até pouco tempo atrás, a de uma cidade de colonização alemã. A etnia alemã (ou comunidade linguística) nunca deve ter passado dos 30% da população de Ijuí. O caráter germânico talvez dado a Ijuí deveuse, muito mais, pela língua falada (a cultura) tanto por alemães natos, quanto por teuto-russos, austríacos, teuto-húngaros, teuto-poloneses, teuto-romenos e teuto-brasileiros. Mas o caráter germânico foi também resultante do fato dos descendentes destas etnias ocuparem quase todos os postos em evidência na administração pública, no comércio, na indústria, nas escolas e nas profissões liberais. (WEBER, 2002, p. 20) Mesmo que os grupos germânicos tivessem costumes diferentes, a língua os unificava e esta unificação garantia-lhes certa hegemonia cultural. Mas Weber, em sua análise, também aponta que nas décadas de 30 e 40 do século passado se visualizava Ijuí como uma 29 configuração tripartite. Na década de 90 o discurso da diversidade cultural é retomado com força e desta forma se consolida, se transformando imediatamente em movimento amplo. Devido ao discurso sobre a diversidade cultural, esta passa a ganhar visibilidade e é nesse contexto que emerge a União das Etnias3, que é uma Entidade Civil de caráter cultural com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos. Como afirma Marques (1985, p.11), “o significado do pluralismo étnico presente na colonização de Ijuí torna-se significativo a partir do caráter relacional da etnia”. Para o autor é na relação com as demais etnias que surgem as diferenças, e é no convívio em espaço e tempo social comum que se configura uma unidade original de culturas diversificadas. Ainda segundo Marques (1985) a retomada da diversidade cultural no movimento das etnias em Ijuí tem a ver com a necessidade destas se reencontrarem para se somarem como forças renovadas às outras formas de agrupamentos e aos setores da economia e vida locais. O autor afirma que uma peculiaridade do movimento das etnias é que existe razoável abertura na formação dos grupos que se envolvem na sua organização. O significado do pluralismo étnico, que caracteriza a formação colonial de Ijuí, não está nos aspectos específicos de cada etnia considerada em si mesma, como fator de unidade e identidade grupal à base de procedência geográfica ancestral determinada, fato sócio-cultural de especificidade própria, não, porém de alcance maior quando tomado em si mesmo, isoladamente. É o caráter relacional da etnia que a torna significativa a partir do momento em que surgem as diferenças e, por aí, o dinamismo dos contrários em luta por superarem-se no processo pelo qual o convívio em espaço e tempo social comum termina por configurar uma unidade original de culturas diferenciadas, diversificadas, ricas pelo seu poder de relativizar todo o seu mundo, de se contrapor aos mecanismos de mando e controle unitários, despóticos”. (MARQUES, 2002, p. 11) Segundo Marques (2002) Ijuí seria a “terra das culturas diversificadas”. Para o estudo aqui em questão é importante ressaltar que este é o segundo slogan que surge após a ideia de trabalhar as culturas diversificadas dentro do espaço da Expoijuí por meio do evento chamado Fenadi - Festa Nacional das Culturas Diversificadas. A primeira Fenadi foi realizada em 1987 em conjunto com a III Expoijuí. Transformou-se imediatamente em movimento artístico-cultural e foi assumido pela população de Ijuí de todas as idades, etnias e segmentos 3 É regida por Estatuto e pelas leis aplicáveis, registrada no Livro A-1, às folhas 197, sob número 344 nos Registros de Sociedade Civis, e no CNPJ sob o número 01.635.128/0001-94 e, tem como objetivos: Promover a União Étnica de Ijuí; Coordenar Eventos, Projetos e Atividades de interesse comum dos Centros Étnicos-culturais e estimular o intercâmbio com Entidades Congêneres (WEBER, 2002). 30 sociais com muita força, como algo promissor e com potencial de diferenciação frente às demais feiras, exposições e movimentos étnicos. (BAGGIO, 2002, p.59-60) Ainda segundo o autor, as etnias passaram a se reunir em Centros Culturais com o objetivo de manter as tradições e costumes de cada país representado. Assim é que se constituíram os Centros Culturais, dentre estes o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi fundado em 1987, e foi através deste movimento que com o passar do tempo, as diferentes etnias se transformaram numa grande atração turística pela construção das casas típicas que representam tanto a arquitetura quanto os costumes do seu país de origem. A festa Nacional das culturas Diversificadas é o maior evento local, organizada a partir de 11 grupos étnicos, representado num parque temático construído para esse fim e composto de “casas típicas”, nas quais grupos folclóricos realizam danças tradicionais dos respectivos países de origem e servem comidas típicas. (ZARTH, 2010, p.121) Em contraponto aos estudos de Marques e Baggio, Zarth argumenta que a consolidação das casas étnicas num parque de exposições, constituído enquanto feira comercial acaba também a virar comércio. Nessa premissa as casas típicas foram criadas para fins também comercias. Isso implica em entender que a organização sócio-econômica do setor cultural tem a ver com as características da cultura industrial, que se manifesta com a finalidade de lucro. Segundo Warnier (2000) o que os estudiosos chamam de cultura industrial, cultura de massa, pode acarretar uma padronização, porém, apenas de maneira ilusória, pois ao mesmo tempo em que aproxima também afasta as pessoas, sociedades, países, ou nações. Fazem parte das indústrias culturais as atividades industriais que visam produzir, e comercializar discursos, sons, imagens e artes, e qualquer outra habilidade ou hábito obtido pelo homem como parte da sociedade. Nesse contexto é possível retomar que também houve o interesse da Fenadi se tornar vigente no parque de exposições Expoijuí, para torná-lo mais atraente, o que nos remete a pensar que havia como interesse a possibilidade de dar maior visibilidade ao parque temático, com a finalidade de expandir o comércio. Nesse sentido, assim como Zarth, Sonza e Lechat (1997) também vem mostrar que havia outro interesse na consolidação da Fenadi na Feira de Exposições, quando afirmam que se buscava possibilitar visibilidade, fazendo que a Feira se tornasse mais atrativa ao público, objetivando o destaque nacional e até mesmo internacional. Ou seja, com eventos artísticoculturais havia possibilidade de um crescimento comercial da Expoijuí. . 31 1.1 A inserção do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi na Expoijuí/Fenadi Como já vem sendo discutido anteriormente, a FENADI ganhou dimensão no ano de 1987 devido às práticas discursivas e não discursivas como apresentações de danças, de roupas e das comidas típicas de cada casa. Essas práticas deram visibilidade a algumas das diferentes etnias desta cidade, porém, é preciso resgatar que fulminava o objetivo de trazer uma nova possibilidade de atração artístico-culturais para a festa comercial, através da qual se vislumbrava o destaque nacional e até internacional. Logo, as primeiras etnias a se organizar foram os alemães, os italianos e os poloneses, dando sequência a outras etnias, dentre elas a etnia afro-brasileira de Ijuí (SONZA e LECHAT, 1997). Como se pode imaginar, não foi tarefa fácil reunir os moradores de origem afro de Ijuí. É preciso mencionar o fato de que o frei Jenésio Pereira da Silva, pároco da Igreja São Geraldo e também afrodescendente, teve que fazer todo um trabalho de conscientização, da busca por um sujeito que pudesse dar voz e visibilidade à cultura afro-brasileira, mas nem sempre tinha bons resultados, pois os moradores não compareciam às reuniões que tratavam sobre a inserção da cultura afro na I Fenadi. Mesmo com essas adversidades se deu continuidade aos contatos com pessoas de origem afro. Como já foi mencionado, o frei Jenésio Pereira da Silva se ocupava na tentativa de convencer os afros de que “são gente e de que suas expressões e manifestações são importantes” a fim de que estes optassem por serem integrantes do Grupo Cultural (SONZA e LECHAT, 1997, p.64). Na época as reuniões aconteciam no SESC – Serviço Social do Comércio. E por meio dessas reuniões que foi acordado que o Grupo participaria da primeira Fenadi. Se iniciando também discussões sobre a construção de uma casa típica. O Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, no início de sua caminhada estava bem articulado, mas foi difícil reunir as pessoas, o trabalho inicial foi no sentido de registrar estatutos e conseguir a colaboração das pessoas. Para isso estabeceram-se contatos com pessoas moradoras do bairro de Ijuí, mas elas prometiam, comprometiam-se em aparecer nas reuniões e não apareciam e, assim, a participação nas atividades do Grupo geralmente ficava a nível de diretoria. Havia o Departamento Cultural, Social, da Memória, o presidente e o vice-presidente, dois secretários e dois tesoureiros. (SONZA E LECHAT, 1997, p. 65) 32 “Em 20 de novembro, dia Nacional da Consciência Negra foi fundado o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, tendo seu estatuto4 aprovado em 27 de fevereiro de 1988” (SONZA E LECHAT, 1997, p. 59). Há possibilidades de inferir que a escolha do nome do Grupo foi com a intenção de aclamar o líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi que lutou contra a escravidão, em favor da liberdade para o povo negro escravizado. Neste dia houve a projeção de filmes para posterior debate sobre o dia Nacional da Consciência Negra. Durante os anos de 1988 a 1990 foram construídos os primeiros módulos da casa típica. Estes foram pensados segundo a arquitetura africana de Dacar no Senegal, por influência do frei Jenésio Pereira da Silva que havia visitado o continente africano. O terreno para a construção da casa afro, assim como os demais foi doado pela prefeitura. Houve na época um discurso de que o espaço da casa afro seria ampliado e ganharia um lugar com mais visibilidade dentro do parque de exposições, porém isso não aconteceu. Para que a casa afro pudesse ser construída houve a mobilização dos componentes da diretoria que organizaram campanhas e promoções na busca de arrecadar fundos para a compra do material de construção. Vencido este desafio, outros viriam certamente. Mas o maior dentre eles foi o de conseguir fazer com que o afrodescendente de Ijuí quisesse fazer parte do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi. O fato da diretoria do Grupo ter sido, em alguns momentos, muito fechada a sugestões foi uma das dificuldades encontradas pelo Grupo. Outra dificuldade encontrada, desde a época de sua fundação, é o sentimento de inferioridade por parte de muitos membros, pelo fato de que o negro sempre foi desprezado, sempre ficou posto à parte, como uma pessoa de última categoria. Muitas pessoas introjetaram este tipo de coisa e não acreditaram numa condição de vida melhor. Algumas pessoas de etnia negra, que estavam em melhor posição ou casadas com pessoas de outras etnias, não quiseram participar porque, consideravam, de certo modo, humilhante participar da etnia negra. (SONZA e LECHAT, 1997, p. 66) Ainda segundo a pesquisa de Sonza e Lechat (1997) com o passar do tempo esse problema enfrentado pelo Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi foi sendo superado, é evidente 4 O Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi teve seus estatutos aprovados em assembleia geral, realizada no dia 27 de fevereiro de 1988. Esses estatutos foram registrados no Cartório de Registro Civil, no livro A-1, folhas 135, número 266, em 6 de maio de 1991, o que lhe valeu a obtenção do registro no Cadastro Nacional de Pessoas Juridicas – CNPJ, sob número 91.261.800/0001-11; registro na Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social, sob número 300563; e sendo declarado de utilidade pública, conforme decreto executivo número 1.900, de 4 de novembro de 1994. (BINDÉ, 2006, p.88) 33 que não ao todo, mas em partes. Sendo que muitos negros (as) passaram a lançar novo olhar para si mesmo, bem como à cultura afro que se encontra no parque de exposições. É partindo desse contexto que se voltam às atenções para o presente, para o ano de 2013, tendo consciência das muitas barreiras que poderiam impedir o crescimento ou até mesmo a existência da casa típica lar “Maria Augusta” (nome dado a casa em homenagem àquela que era uma das fundadoras da etnia, e também a mais idosa entre os afrodescendentes). É preciso apresentar que atualmente a casa leva o nome de Centro Cultural Herdeiros de Zumbi, isso devido a um estatuto que definiu as etnias como Centro Culturais. Já foram levantadas aqui algumas dificuldades em manter o Grupo, porém é preciso mencionar também os possíveis fatores que fizeram com que este Grupo se mantivesse. Muitas foram as diretorias que passaram pelo Grupo desde sua fundação em 1987 sendo que José Carlos Corrêa foi apontado como um dos fundadores. Segundo o Blog5 do Grupo, este atualmente tem como Presidente: Wilmar Costa da Rosa; Vice Presidente: 1Ademar Ferreira Barreto, 2-Darcy Prado da Rosa; 1º Secretario: Carlos Figueira, 2ª Secretaria: Juliana Barreto; 1º Tesoureira: Queli Cogo Barreto, 2ª Tesoureiro: Fabio Fin Krott; Diretora Cultural: Queli Cogo Barreto; Diretor Patrimonial: José De Oliveira; Conselho Fiscal: Cleusa Natalia Cogo Barreto e Teresinha de Oliveira. Ainda com base no Blog, no momento são 33 as pessoas envolvidas com o Grupo Herdeiros de Zumbi. O Grupo de Dança Charme da Liberdade com 16 dançarinas; o Grupo de Dança Zumbi Erê com 7 crianças e a Diretoria com 10 integrantes. Vale trazer o relato do presidente atual do Grupo Cultural: A casa afro foi fundada em 20 de novembro de 1987. Passei a ser integrante em 1988, vindo a assumir a presidência da casa afro em seguida, onde permaneci por alguns anos. Já nem lembro ao certo o tempo que permaneço como presidente da casa afro. No ano de 2011 outro componente do Grupo havia assumido, porém neste ano assumi novamente. Entendo que a grande importância das casas típicas é mostrar a dança, a religião e a gastronomia. (Entrevista com Wilmar Costa da Rosa) A partir do relato do atual presidente do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, é que se pretende trazer alguns fatores, os quais levantam a hipótese de como o Grupo vem resistindo como Grupo Cultural durante todo o tempo de sua existência. O presidente atual diz ser 5 http://www.ijui.com/blog/blog-da-marli/39503-folclore-etnia-afro-basileiros , acessado em 18 de novembro de 2012. 34 importante mostrar a dança, a religião e a gastronomia. Segundo ele seriam essas as atividades que podem propiciar a visibilidade à casa afro. Acredita-se que tais atividades realizadas pelo Grupo durante todo o ano e mostradas por ocasião das feiras anuais acabam por fortalecer o Grupo, além de ajudar os seus componentes a assumir uma consciência crítica, a ser mais, a ser confiante. Segundo Freire (1974) ser mais, diz respeito a libertar-se de qualquer tipo de opressão. O autor menciona que por meio da dolorosa comprovação da desumanização histórica é que os seres humanos vão se questionando sobre outra expectativa, que é a sua humanização. Ambas, na raiz de uma inconclusão, que os inscreve num permanente movimento de busca. Humanização e desumanização, dentro da história, num contexto real, concreto, objetivo, são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão. Mas, se ambas são possibilidades, só a primeira nos parece ser o que chamamos de vocação dos homens. Vocação negada, mas também afirmada na própria negação. Vocação negada na injustiça, na exploração, na opressão, na violência dos opressores. Mas afirmada no anseio de liberdade, de justiça, de luta dos oprimidos, pela recuperação de sua humanização roubada. (FREIRE, 1974, p. 30) É essa busca pela humanização roubada, busca pela liberdade, pelo anseio de justiça, mencionada por Freire (1974) que talvez possa fazer com que as reuniões, os debates, a organização para construir e manter o Grupo, assim como, a dança, a comida típica, (de uma parte do continente africano, considerando que este possui uma grande diversidade de línguas, religiões, etc.) bem como o vestuário inspirado na tribo Zulu escolhido para ser usado pelo Grupo Herdeiros de Zumbi simbolizem parte dos processos da conscientização em ser mais, em buscar sair da condição de oprimido para mostrar uma cultura que foi subjugada historicamente. O estudo realizado permite afirmar que as atividades desenvolvidas no Grupo aliadas às reuniões e eventos fora do contexto da Expoijuí, produzem efeito na construção das identidades dos seus componentes. Vale ressaltar que tal observação só foi possível por entender, mesmo que vagamente como aconteceu a inserção do afro-brasileiro nesta cidade. Como já foi mencionado não foi nada fácil o processo de construção da casa típica no parque, sendo ainda mais difícil a participação dos primeiros afrodescendente no contexto do Grupo Cultural, por motivos antes já mencionados. Interessa ao estudo interrogar se a participação no Grupo Cultural permitiria a conscientização, a mudança no que diz respeito a visão que os negros tem de si mesmos e de sua cultura, de sua história. Também importa saber se os integrantes do Grupo se fortalecem e 35 se reconhecem enquanto etnia específica e se é isso que faz com que seja possível a sobrevivência do Grupo, ainda mais quando se trata do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, o qual enfrentou diversas barreiras, que vão desde a questão econômica, até a questão do preconceito contra a cor da pele. Vale relembrar o lugar destinado à casa afro, ou seja, a última casa dentro do Parque de Exposições. De fato, as etnias dão continuidade às peculiaridades de cada país que representa, entretanto, este lugar reservado à etnia afro só vem mostrar que algumas casas típicas tiveram desde sua origem maior visibilidade e intensidade que as outras. Isso não é inerente à Expoijuí/ Fenadi, quando se trata da população negra dessa cidade que em partes ainda ganha um lugar de subalternização. Isso se esclarece nos relatos que vem sendo apontados desde a introdução. Logo, se entende o porquê desse contexto parecer ultrapassar o Evento Expoijuí. Pode-se pensar que ainda prevalece um olhar de desprezo para o negro (a) o que se explicita no cotidiano desta cidade composta por tamanha diversidade cultural e também com tamanha desigualdade ao se tratar das diferenças. 1.2 O lugar ocupado pelo Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi no parque temático Expoijuí/Fenadi “Pior a dor física de ser marcado a ferro e fogo quente é a dor de ser despersonalizado e obrigado a negar a sua própria raça, cor, cultura, tradição e modo de vida.” (José Carlos Corrêa) A construção deste sub-capítulo tem como maior interesse mostrar que apesar de tantas contrariedades e fatores negativos o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi vem buscando dar visibilidade a sua cultura. É relevante resgatar em partes o contexto histórico que mostra exatamente o lugar que foi ocupado pela etnia negra nesta cidade, dentro e fora do espaço da Fenadi. Como já vem sendo mencionado, não foi tão fácil para a etnia negra se consolidar no parque temático da Expoijuí. São muitos os fatores que interferiram que vão desde a falta de verbas, até a falta de pessoas negras dispostas a fazerem parte do Grupo Herdeiros de Zumbi. Embora já mencionado anteriormente, vale resgatar aqui o fato de Ijuí ser reconhecida como uma cidade de colonização alemã, não pelo número de colonizadores em questão, mas destes ganharem visibilidade devido à hegemonia da língua e também ocuparem os cargos que significam poder no Município. 36 Assim este sub-capítulo pretende mostrar que nada foi tão simples. Existiram barreiras, tanto no que diz respeito à inserção do negro nesta cidade, quanto a inserção da etnia negra no contexto do parque temático da Expoijuí por meio da Fenadi. É válido relembrar o lugar onde se encontra a casa típica afro-brasileira no parque de exposições da Expoijuí, ainda mais considerando que este espaço lhe foi destinado no início da Fenadi, quando o parque era bem menos ocupado geograficamente o que nos permite mencionar que talvez este lugar demonstre o preconceito explícito contra os negros (as) desta cidade. A casa afro-brasileira foi uma das últimas a ser constituída e a ela foi reservado um espaço, até então, periférico na geografia do “parque temático”. Tal fato revela as relações de poder existentes, podendo ainda evidenciar o porquê da etnia afro-brasileira de Ijuí ser uma das últimas no espaço da então conhecida Feira das Culturas Diversificadas, o que parece contraditório, devido à confirmação da existência de negros ainda antes da colonização em Ijuí. O professor Jorge Mello, descendente afro, realizou estudos, entrevistou muita gente e enfatiza em um de seus artigos que: Não eram proprietários. Eram posseiros, e moravam em ranchos de pau-apique cercados de madeira e taquara, rebocados de barro e coberto de capim. Os negros com grupos de índios constituíram-se no primeiro marco histórico da presença humana desta região. (MELLO, 1997, p. 32) Nesse contexto não há como não interrogar sobre o porquê da casa afro não ter um lugar com maior visibilidade, considerando que foi uma das primeiras etnias a chegar nesta cidade. Isso sem mencionar o fato dos índios serem esquecidos enquanto sujeitos numa cidade que deseja fomentar ao conhecimento das culturas diversificadas. Muito antes da medição das terras em Ijuí, negros e mulatos já habitavam a região. Moravam, via de regra, como posseiros e vieram para Ijuí no período pré e pós-abolição da escravatura, provindos das regiões missioneira e serrana. Após 1930, com a instalação do Frigorífico Serrano, outros negros vieram para Ijuí em busca de emprego na indústria. Infelizmente continua presente o preconceito racial que condena os negros a uma vida isolada, que buscam se superar pelo recurso ao ensino médio e superior. (Web Site: www.casaafro.rg3.net. Acessado em 05 de julho de 2012) Importa ressaltar que há estudos que comprovam que os negros, os mulatos, índios, caboclos, já se encontravam em Ijuí antes dos colonizadores europeus, que acabaram por se tornar referencia por serem considerados os desbravadores destas terras. 37 Da mesma maneira Sonza e Lechat (1997) descrevem Ijuí como sendo um município de colonização européia. Estes argumentam também que os caboclos6 já viviam nestas terras muito antes da colonização, e se ocupavam da extração da erva mate nativa. Ijuí era uma região de mata ocupada por caboclos que viviam da extração da erva mate nativa. As antigas regiões escravistas, ocupadas a mais de duzentos anos por espanhóis e portugueses, situavam-se à margem do futuro município de Ijuí, como Cruz Alta ao sudeste e Santo Ângelo ao oeste. Mas como nesta região a mata subtropical estremeia-se com campos, os contatos entre as duas regiões eram constantes, permitindo que elementos negros já estivessem presentes antes dos colonizadores e continuassem chegando depois de sua instalação. (SONZA e LECHAT, 1997, p. 37) Partindo desse pressuposto, por um lado o evento Fenadi pretendeu unir as etnias, mas, de outro lado parece distanciá-las, considerando que algumas casas típicas ganharam maior visibilidade que as outras. E é assim também que podemos perceber as diferenças étnicas fora do contexto da Expoijuí. Para tanto, é importante trazer à tona a questão de que ainda existem barreiras preconceituosas em relação à aceitação do outro julgado diferente. Voltando a atenção para a questão do Grupo afro. Segundo o presidente: De início eu era contra as casas típicas no parque, porque acreditava que isso iria significar uma separação, divisão de culturas. Porém estudei e entendi que as casas poderiam resgatar a cultura de seu povo. Inclusive a etnia afrobrasileira poderia ter muito a ganhar, pois iria contar a história do afrodescendente, que muito fez para a construção desta cidade e que mesmo assim era marginalizado, rotulado por alguns. (Entrevista com Wilmar Costa da Rosa) Nessa fala parece estar implícita a questão de que o povo Ijuiense não reconhece, ou até mesmo desconhece a contribuição do negro na evolução desta cidade. Fica claro também o preconceito existente com relação à cor da pele. É coerente afirmar que a fala do presidente do Grupo Cultural acaba por fazer um resgate daquilo que já vem sendo discutido. Retoma o fato de que os afrodescendentes residentes nesta cidade sofreram com a discriminação, considerando que se tornaram invisíveis diante da homogeneidade das etnias germânicas tão difundidas no município. É preciso relembrar também que estas etnias se tornaram visíveis e homogêneas devido ao forte jogo de poder existente no social. Com isso vale lembrar o que Bhabha (1998) diz sobre o colonizado e o colonizador. 6 “A palavra ‘caboclo’ é de origem tupi e designa o filho de indígena com branco europeu”. (ZARTH, 1998) 38 O objetivo do discurso colonial é apresentar o colonizado como uma população de tipos degenerados com base na origem racial de modo a justificar a conquista e estabelecer sistemas de administração e instrução. Apesar do jogo de poder no interior do discurso colonial e das posicionalidades deslizantes de seu sujeito (por exemplo, efeitos de classe, gênero, ideologia, sistema diversos de colonização, e assim por diante), estou me referindo a uma forma de governamentalidade que, ao delimitar uma “nação sujeita”, a própria, dirige e domina suas várias esferas de atividades. (BHABHA, 1998, p.111) A partir do que o autor descreve como sendo o objetivo do discurso colonial, instiga a fazer referência à forma como aconteceu a colonização em Ijuí, ainda mais no que diz respeito ao lugar destinado ao afro-brasileiro. Isso chama a atenção para a reflexão sobre o lugar do colonizado e colonizador no Rio Grande do Sul, e também em Ijuí, pois é notório que o negro ocupa o lugar do colonizado como em toda a sociedade brasileira. Assim, o discurso colonial se fez e faz presente no cotidiano, e parece ganhar forças diante de fatores como o preconceito. E desta maneira o colonizador continua dominando através das relações de poder. Nesse contexto, vem à tona a questão histórica da tentativa de inferiorização do povo negro no Rio grande do Sul. Há estudos e pesquisas que comprovam que houve descaso sobre a contribuição deste povo no crescimento do estado. “Historiadores e ideólogos dos grandes proprietários rurais procuraram minimizar a presença dos africanos na formação social do Rio Grande do Sul.” (ZARTH, 1997, p.19) Porém, existem evidencias que comprovam que os negros muito fizeram para o crescimento do município de Ijuí. Vale relembrar que com a chegada do Frigorífico Serrano após 1930, muitos negros seduzidos pela possibilidade de venda da sua mão de obra se instalaram nesta cidade. Segue o relato do presidente do Grupo: Em Ijuí haviam muitos negros que vieram como escravos, e outros que aqui chegaram para trabalhar no frigorífico Serrano. Havia o Pepito, neto de um escravo. Este foi uma figura muito importante na construção de Íjuí. Foi um dos primeiros negros a conquistarem um cargo político nesta cidade. Pepito foi vereador. (Entrevista com Wilmar Costa da Rosa) A fala do atual presidente do Grupo vem ao encontro do que Mello (1997) descreve ao relatar que uma das famílias que conseguiram emprego no frigorífico foi a de Eugênio Laureano Neto, mais conhecido como Pepito. O autor apresenta um relato deste negro sobre a vida dos afro-brasileiros em Ijuí. 39 No relato, Pepito esclareceu que devido ao preconceito, os negros se privavam de ir à praça, que era frequentada por pessoas de origem alemã, polonesa, italiana, etc., e mencionou também que havia dificuldades em frequentar bailes e outros eventos sociais no município de Ijuí. Nesse sentido torna-se importante trazer o relato do presidente do Grupo, este expõe uma lembrança que mostra o preconceito contra o afrodescendente. Em Ijuí sempre houve preconceito contra a cor da pele, eu lembro que um tenente negro foi barrado na entrada do Clube Ijuí. Para conseguir entrar no clube, ele precisou mostrar a carteira de tenente para mostrar quem era, porque na época o homem negro era visto como ladrão. Somente depois de ter provado que assumia um lugar considerado nobre teve sua entrada liberada. (Entrevista com Wilmar Costa da Rosa) Diante do exposto confirma-se que o afrodescendente morador do município de Ijuí, passou a ser reconhecido apenas como classe de trabalhador, o que o distanciava de fazer parte da sociedade como sujeito, pois era visto apenas como objeto e mão de obra, com exceção da sua contribuição no esporte que lhe era concedido. Com o transcorrer do tempo, no Frigorífico Serrano, em função do esporte, principalmente o futebol, formou-se uma sociedade, o Esporte Clube Serrano. Mais tarde passou a ser um clube recreativo para festas e bailes. Conforme palavras de Laureano Neto, tudo transcorria muito bem, até que em determinado momento foi eleita uma diretoria que introduziu na mesma elementos que não gostavam de mulatos e negros e começaram a impedir a participação destes nos eventos sociais. Para eles só era permitido a prática esportiva. (MELLO, 1997, p.35) Tal fato só vem a resgatar a história de exclusão e subalternização do afrodescendente, o que comprova que Ijuí contribuiu na tentativa de inferiorizar a cultura negra. Isso se esclarece também a partir de uma notícia do jornal Correio Serrano citada pelo pesquisador Zarth: Em 19 de novembro de 1933, mesmo ano em que circula o artigo fazendo apologia à diversidade étnica de Ijuí, o Correio serrano publica em primeira página uma matéria sobre a prisão de pais de santo (sacerdotes) que celebravam “o estranho ritual das macumbas e batuques”. O texto intitulado“ nos domínios da macumba”, é totalmente desrespeitoso em relação às práticas culturais e religiosas dos afrodescendentes em Ijuí. Em tom de deboche, o autor da matéria escreve que “Os pais de santos não lhes disseram que iriam acabar no xadrez”, pois “os búzios não disseram ao pai de santo que a polícia ia visitar o batuque. (ZARTH, 2010, p. 127) Nesse sentido é válido mencionar que o município de Ijuí muito contribuiu para fazer com que a cultura do negro se tornasse invisível, pois como aponta Zarth (Idem) a cultura afro era tratada com deboche e desrespeito. Assim como já foi relatado anteriormente, desde a 40 colonização de Ijuí a população branca se sobrepôs sendo reconhecida devido ao jogo de poder. Há que se enfatizar que este lugar de invisibilidade vem entrelaçado com a história de escravidão do negro no Rio Grande do Sul, pois há pouco conhecimento sobre a origem do movimento negro, e sobre a maneira destes pensar e entender a sociedade opressiva, no que diz respeito à questão do preconceito. As razões para a história dos afro-brasileiros ser pouca conhecida se deve, ao fato dos negros não terem produzido suficiente material escrito a respeito de suas próprias vidas e, principalmente, ao descaso dos historiadores, sociólogos e escritores literários que, por muito tempo ignoraram preconceituosamente essa população. (ZARTH, 1997, p.9) Esses acontecimentos só vem a expor o quanto a história da formação de Ijuí é marcada com fatos impregnados de preconceito contra o afrodescendente não somente moradores, mas sim, trabalhadores desta cidade. E é nesse contexto que se retoma a formação do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, que em meio a preconceitos e a toda essa desigualdade, consegue se manter no espaço da Fenadi e dar visibilidade a sua cultura por meio da dança, da música, dos pratos típicos, das apresentações e reuniões que acontecem no decorrer do ano, que também acabam por fomentar nos seus integrantes o desejo de mostrar que foram e são sujeitos ativos na construção do município de Ijuí. Isso se comprova na afirmação de uma das integrantes da casa afro, L.L, dançarina com 24 anos, que fala sobre seu sentimento em relação a sua participação no Grupo. Esta diz saber da importância do afro para a construção desta cidade e menciona que é integrante do Grupo a dois anos, esclarecendo que houve mudanças positivas na sua vida por fazer parte deste Grupo étnico, do qual se diz descendente por parte de avô. A minha vida mudou muito, pois antes de fazer parte do Grupo eu era uma pessoa muito tímida. Perdi a timidez, estou fazendo algo que eu gosto, e o mais importante, estou ajudando a resgatar a história do negro que foi tão importante na construção da nossa cidade e que continua sendo importante até hoje, ainda que muitas pessoas não reconheçam. (Entrevista com L.L) Vale salientar que a partir dessa fala se percebe a necessidade em mostrar a importância em fazer parte do Grupo, não só por perder a timidez, mas também, para ajudar a resgatar a história do negro que ajudou na construção de Ijuí. Esse depoimento pode significar que mesmo diante do preconceito, ser integrante do Grupo Cultural, é ter visibilidade enquanto sujeito que se reconhece na sua cor, além de dar visibilidade à cultura afro, assim como relembrar a contribuição do negro (a) na construção de Ijuí. Nesse sentido reconhecer 41 que a colaboração do trabalho do afrodescendente foi e é importante, poderia ser um passo para desmistificar o contexto histórico da construção desta cidade que mostra claramente a tentativa de subjugar a importância dos afro-brasileiros. J.J, uma menina com 17 anos, também fala sobre a importância em fazer parte do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi. Esta ressalta que há dois anos faz parte do Grupo. Contou que sua família a apóia, sua tia faz parte do Grupo há oito anos e que seus avós foram aqueles que mais a incentivaram a fazer parte do Grupo. J.J assume-se como descendente de negros. Escolhi ser integrante do Grupo afro por ser descendente de negro. Minha família me apóia. Minha tia faz parte do Grupo há oito anos, mas foram os meus avós que mais me incentivaram a fazer parte desta etnia. É importante fazer parte do grupo, porque gosto de dançar, e principalmente, representar o povo negro, que sofreu tanto. (Entrevista com J.J) A partir dessas falas é possível afirmar que estes integrantes do Grupo, independente da idade tem o desejo de ressaltar o valor da etnia afrodescendente. É viável ressaltar que além de entrevistas, também foram feitas observações, e através dessas foi possível perceber que o os componentes do Grupo Herdeiros de Zumbi não somente fazem uma amostra cultural por ocasião da Fenadi, através da dança, da música, das vestimentas, da comida típica, mas também buscam dar visibilidade a sua cultura e desta forma a si mesmos. Essa busca pela visibilidade só esclarece que por muito tempo a etnia negra se encontrou invisível tanto em relação à história de Ijuí, quanto na visão que tinha se si própria. Nesse sentido há possibilidades de inferir que a Fenadi contribui para que o afrodescendente se torne visível perante a sociedade, embora tenha características afins do comércio, esta foi também pensada com o propósito de interação cultural, o que poderia buscar no diálogo e na relação entre as diferenças a fraternidade entre os povos. Porém parece que a visitação entre uma casa cultural e outra só acontece durante o evento Fenadi. Isso implica em entender que há um longo caminho a ser conquistado, para se chegar a aceitação das diferenças. No entanto, não há realidades implícitas, quando está explícita historicamente, pois é preciso considerar o contexto da escravidão que subjugou a capacidade do negro, a história tornou o negro (a) invisível, a não ser quando o trata como escravo ou descendente de escravos. E justamente por isso é necessário entender que o fato de a Fenadi ter proporcionado um espaço para a construção da casa afro “Herdeiros de Zumbi”, é um 42 pequeno, mas significativo passo para que o Grupo possa mostrar a cultura e se tornar visível mesmo em meio à desigualdade social e racial que ainda emerge nesta cidade. Para tanto é viável chegar ao ponto de reconhecer que, mesmo a casa afro tendo ganhado um lugar com pouca visibilidade dentro do parque de exposições, esta se consolidou e criou raízes. Tais raízes estão presentes na dança, na participação assídua do Grupo em eventos culturais, nas comidas típicas, bem como nas falas dos integrantes. 1.3 Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi: espaço educador Até então se objetivou trazer estudos que comprovem que o afro-brasileiro morador desta cidade enfrentou muitas barreiras devido à exclusão, ao preconceito e ao lugar de subalternidade que lhe foi imposto. Como já relatado, atualmente o lugar ocupado pelo povo afro quando se trata da contribuição na construção e evolução desta cidade é de invisibilidade. Devido a esse contexto é de extrema importância chamar a atenção à responsabilidade do Grupo Herdeiros de Zumbi no que diz respeito à construção e afirmação das identidades dos seus componentes. Este sub-capítulo vem mostrar que o Grupo interfere de maneira positiva em relação a construção ou afirmação das identidades e pode ser reconhecido como um espaço educador. Amostras culturais aliam-se a um grande sentimento de orgulho em ser negro e ser representante da Cultura afro-brasileira. Segundo T.C.S, dançarina com 22 anos e 11 anos de convivência com o Grupo: Eu acho que se eu não fizesse parte do Grupo eu ia ser uma pessoa muito egoísta, individualista. Conviver em grupo me ensinou a respeitar o espaço do outro o que é muito importante, se não fosse integrante do Grupo eu iria ser uma pessoa pobre em relação a cultura afro. Não iria entender, não iria saber de onde eu vim, eu não ia ter este orgulho que eu tenho hoje em ser negra. Tudo que eu sei a respeito da cultura eu aprendi no Grupo. O que a gente dança, o que estamos representando eu aprendo no Grupo. No meu interior eu iria amar, mas, não iria entender o porquê daquela dança. Há muitos negros que não sabem quem foi Zumbi, que não sabem que se ele não tivesse força de vontade, se não tivesse sido guerreiro de lutar pelo sonho de liberdade, talvez a gente não estivesse assim como estamos hoje, livres. Quem da palestras sobre quem foi zumbi é o presidente, ele é o nosso professor, ele nos explica pra que a gente não passe informações erradas. Ele tem conhecimento, e sempre que temos dúvidas perguntamos pra ele pra quando o público perguntar a gente saiba responder. Também aprendemos de forma automática na convivência com o Grupo e também por causa das músicas que trazem a história do negro. (Entrevista com T.C.S) 43 A fala da integrante do Grupo Herdeiros de Zumbi revela o desejo de buscar conhecimentos sobre a cultura; uma busca por valorização e reafirmação enquanto sujeitos (as) ativos na sociedade, além de resgatar e deixar viva a cultura de seu povo. As palavras de T.C.S chamam atenção quando esta retrata que o povo afro de Ijuí não conhece a sua própria história, e ressalta que se não fosse pela luta de Zumbi, hoje as pessoas de origem afro não estariam felizes e livres. Essa fala remete a pensar sobre o trabalho que vem sendo desenvolvido no Grupo, e que muito do orgulho em ser negro que T.C.S revela, tem a ver com o conhecimento adquirido na convivência com Grupo Cultural. Nas palavras do presidente Grupo: Resolvi fazer parte do Grupo para ajudar a mostrar a qualidade e a capacidade do negro na construção de Ijuí. Me sinto orgulhoso de ajudar a provar pra sociedade que o negro é tão bom quanto qualquer outra pessoa. Por isso, acredito que a existência do Grupo Cultural mostra que o negro tem capacidade. O Grupo é fundamental para deixar viva a cultura afro. Os integrantes são acolhidos pela casa e instigados a se sentirem valorizados enquanto negro e negra ativos na sociedade, negros importantes. ( Entrevista com Wilmar Costa da Rosa) A narrativa vem reafirmar a garra desta etnia que se ergueu diante de um contexto excludente. Foram realizadas observações do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi por ocasião da Expoijuí desde 2011, ao fazer comparativos entre o ano de 2011 e 2012, foi possível perceber que aconteceram mudanças de um ano para outro. Em 2011 as danças se voltavam quase que exclusivamente para o Axé, poucas músicas faziam referência a Zumbi. Já em 2012 ocorreu mudanças que dizem respeito às vestimentas, à música que agora faz referência a Zumbi dos Palmares, o que acarretou mudanças na própria dança. Se esclarece que neste ano a ideologia da etnia afro se mostra numa busca à cultura de seus ancestrais. Não que antes não tivesse tal princípio. O fato é que agora, em 2012 parece haver um resgate mais intenso. T.C.S esclarece que: Nós mudamos porque a gente queria muito homenagear Zumbi, porque se a gente só dança Axé a gente acaba esquecendo e perdendo a história, porque tem toda uma história por trás, e por isso a gente se voltou pra música de raiz, pra resgatar a cultura afro-brasileira e pra mostrar quem foi Zumbi. É música mais instrumental, é batucada e passa uma energia, ao som do batuque e do atabaque. Quando eu começo a dançar acho maravilhoso, a gente se entrega, a gente tenta fazer o melhor, e dá um orgulho, eu não me imagino ser de outra cultura, eu amo ser negra, tenho paixão. Quando alguém pergunta se eu sou morena eu digo que não sou morena, eu sou negra. Às vezes perguntam para uma negra e ela diz que é morena, eu acho errado, tem que dizer que é negra, tem que ter orgulho do que ela é, do lugar 44 que ela veio. E do que os nossos antepassados passaram pra gente poder estar aqui hoje felizes e livres. (Entrevista com T.C.S) É preciso enfatizar nas palavras acima expostas, “quando alguém pergunta se eu sou morena eu digo que não sou morena, eu sou negra. Às vezes perguntam para uma negra e ela diz que é morena, eu acho errado, tem que dizer que é negra, tem que ter orgulho do que ela é, do lugar que ela veio”. A fala que se segue também vem ao encontro do que já foi relatado anteriormente e merece vir novamente à tona “se não fosse integrante do Grupo eu iria ser uma pessoa pobre em relação a cultura afro. Não iria entender, não iria saber de onde eu vim, eu não ia ter este orgulho que eu tenho hoje em ser negra. Tudo que eu sei a respeito da cultura eu aprendi no Grupo”. Vale fazer esse resgate para afirmar a hipótese lançada no início dessa pesquisa, de que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi ajuda os seus integrantes a se sentir sujeitos, a ter orgulho da sua cultura e se reconhecer nessa cultura. Dessa maneira o Grupo vai construindo uma consciência crítica. Acredita-se que se apresenta aqui o sentimento de ser mais, de ter orgulho da cultura o que ganha dimensão a partir das ações que fortalecem o Grupo, como a dança e a música. Durante o ano temos ensaio direto, no início do ano de quinze em quinze dias e depois todo o final de semana pelo fato de que entra gente nova, ai a gente passa as músicas. Tem anos que sai três jantas e outros que sai duas, depende o rendimento do Grupo, o dinheiro a gente usa pra comprar coisas que faltam para a casa, o que a gente ganha nas apresentações fica uma porcentagem pra UETI e o resto fica para o Grupo. (Entrevista com T.C.S) As músicas escolhidas para a dança são típicas africanas, buscam mostrar a cultura africana dos seus ancestrais o que se reflete também nas roupas confeccionadas de palha e outros adereços que reportam à África. A dança ganhou novos passos para além do Axé e parece ser nesse enlace que a cultura negra se fortalece ao mesmo tempo em que fortalece a identidade dos integrantes do Grupo que tem conhecimento da história. No que aponta T.C.S: A música desse ano é inspirada em uma tribo chamada Zulu de uma parte da África, na tribo Zulu o que mais valorizam, respeitam e cuidam são as crianças e os idosos, na coreografia tem um casal de crianças que são protegidas o tempo todo pelos guerreiros que ficam cuidando dos escudos. Tem a parte das cabaças que são 4 integrantes que dançam, tem uma parte que é feita a defumação do local onde as crianças estão, pelo fato de proteção, é um símbolo de proteção. Depois as crianças brincam e fazem cambalhotas neste lugar. Em seguida todos dançam no terreiro, é muita festa, todos tem que mostrar que estão felizes por estar protegendo as crianças. Isso porque muitas vezes vinham os estrangeiros e tentavam abusar ou raptar as crianças. Quando os africanos faziam noite de quilombos, de dança 45 era tudo festa mas simbolizava algo, os preto velhos ficavam sentados e a tribo se divertia para eles que eram os chefes, para tudo tem uma história. A coreógrafa é professora da cultura afro e trabalha no Centro de Cultura em outra cidade por isso a dança não é aleatória, sempre resgata uma história e com isso todos nós vamos aprendendo. (Entrevista com T.C.S) A realização das observações e entrevistas foi também clareando a ideia de que o Grupo Herdeiros de Zumbi de Ijuí é um espaço educador, de interação entre seus integrantes, de união pela busca em mostrar a cultura, a beleza e a importância do negro (a), e por isso interfere positivamente na construção das identidades. No Grupo nenhum afrodescendente descende de escravos, pois descendem sim, de pessoas que foram escravizadas e subjugadas segundo valores do colonizador e nesse sentido o Grupo Cultural tenta mostrar não somente aos participantes, mas também aos pais destes o quanto é importante resgatar e mostrar a cultura afro. É possível levantar a hipótese de que a tentativa de mostrar que o negro foi guerreiro, que lutou para defender a sua tribo faz com se visualize o outro lado da história, não a história do escravo, mas aquela que exalta a coragem do povo negro. No que menciona T.C.S: O presidente do Grupo faz reuniões duas vezes por ano, geralmente no início do ano quando tem integrante novo. Ele senta com os integrantes e com os pais pra explicar como funciona, explica a importância da cultura que os filhos irão representar, não só aqui, mas onde o Grupo for fazer uma apresentação. Eu me sinto muito honrada de participar, eu acho muito importante, acho maravilhoso a importância de representar a cultura afro. Tem lugares que a gente vai que ninguém havia visto um grupo afro dançar. E eles ficam maravilhados pelo gingado, a dança contagiante, a força. A gente tem vida pessoal, às vezes com dificuldades, mas a gente tenta sempre mostrar felicidade. Apesar de todo sofrimento do povo afro brasileiro e o povo, africano na época da escravidão, eram um povo feliz e guerreiro. A gente não pode deixar essa cultura morrer. Tem gente que paga pra gente dançar. Mas isso é indiferente, porque a gente gosta do que faz. A gente tem um sentimento de orgulho de passar a cultura afro-brasileira. O Grupo de crianças foi organizado pelo fato de entendermos que depende deles o futuro do Grupo, eles tem que ter amor e entender o que eles estão fazendo, não podem fazer por fazer. (Entrevista com T.C.S) “A gente gosta do que faz, a gente tem um sentimento de orgulho de passar a cultura afro-brasileira” (T.C.S). Retoma-se a frase para enfatizar a palavra orgulho, esta foi repetida inúmeras vezes no decorrer das entrevistas. Vale resgatar o já mencionado anteriormente, quando se encontrou em Freire (1974) uma definição para ser mais, quando isso significa se libertar de qualquer tipo de opressão. É com base em Freire que buscamos refletir sobre a palavra orgulho para questionar se essa não poderia estar relacionada com o sentimento de ser mais. Para tanto é preciso considerar as palavras da dançarina do Grupo: 46 No início eu vi muita coisa de preconceito contra o negro, agora mudou, porque a gente se impõe, a gente procura fazer o melhor a gente conquistou o nosso lugar e temos orgulho da nossa cor, da nossa cultura e isso ninguém tira, ainda mais com esse título que a gente conquistou de melhor Grupo Afro do Rio Grande do Sul, isso ficou para a história, isso é nosso, e a gente vai batalhar e a gente vai fazer sempre o nosso melhor. (Entrevista com T.C.S) É possível perceber confiança na fala de T.C.S e por isso vale ressaltar alguns fatores que podem estar relacionados a este sentimento. Os integrantes do Grupo participam de diversas tarefas durante o ano que vão desde jantas, ensaios, apresentações e também concursos, sendo importante trazer como exemplo a participação no evento “Encontro da Cultura afro-brasileira” em Santa Cruz do Sul. Nas palavras de T.C.S: Teve um evento em Santa Cruz do Sul, dia 10 de outubro de 2012, se não me engano este ano foi o 29º encontro da Cultura afro-brasileira. Neste encontro é escolhido o mais belo negro e a mais bela negra do Rio Grande do Sul, à tarde tem apresentação dos grupos de dança. É um evento regional, por isso tem grupos de todo o RS. Cada grupo de dança apresenta sua música em 2 minutos, conforme o regulamento. À noite tem a escolha da mais bela negra e do mais belo negro. Eu representei o grupo em 2005, eu fiquei em quarto lugar como a simpatia negra do RS, eu trouxe o título, este ano eu não consegui fiquei em quinto lugar. São três as etapas, uma delas é uma entrevista sobre a cultura afro, a cidade, um autor ou descendente que admira. Eu gosto muito de Zumbi que foi o líder dos Palmares, eu gosto muito da Margarete Menezes e da Daniela Mercury que não ficam só aqui no país mas levam a cultura pra outros países, do atabaque, do tambor é bem cultura do negro mesmo. Eu adoro o som do atabaque. Mas o que nos deixou muito mais felizes foi o fato de termos conquistado o título de melhor Grupo Afro do RS, ficamos muito felizes. (Entrevista com T.C.S) Esses relatos permitem-nos acrescentar que as atividades desenvolvidas no Grupo durante o ano são fomentadoras no sentido de entender a importância deste Grupo para os seus integrantes. É um Grupo em movimento, pois está presente e parece ganhar visibilidade ao passo que tem participação dentro e fora do contexto da Fenadi, dando visibilidade àqueles sujeitos também de origem afro-brasileira e que não fazem parte do Grupo. Nesse viés pretende-se argumentar que o Grupo Afro de Ijuí também é um espaço constituidor e educador capaz de instigar o sentimento de aceitação, reconhecimento e orgulho nos seus integrantes. É importante considerar o que já foi esclarecido sobre este ser ativo não somente durante a feira de exposições, mas também durante todo o ano de maneira a envolver os componentes, seja com palestras, com a dança ou com a música que vem homenagear Zumbi dos Palmares como enfatizou T.C.S uma das participantes do Grupo. 47 Figura 3: Grupo de dança Charme da Liberdade Fonte: Cláudia G. F. da Silva. Roupa e dança de origem da tribo Zulu, simboliza o momento em que os guerreiros estão protegendo as crianças. Expoijuí 2012 Figura 4: Grupo de dança Charme da Liberdade Fonte: Cláudia G. F. da Silva. Roupa e dança de origem da tribo Zulu, simboliza o momento da defumação do ambiente. Expoijuí 2012). 48 1.4 Zumbi dos Palmares: símbolo de resistência para a cultura afro-brasileira Zumbi, comandante guerreiro. Ogunhê, ferreiro-mor capitão Da capitania da minha cabeça mandai a alforria pro meu coração. Brasil, meu Brasil brasileiro. Meu grande terreiro, meu berço e nação. Zumbi protetor, guardião padroeiro Mandai a alforria pro meu coração (Gilberto Gil) A necessidade em estudar como se fundou e se caracterizou o refúgio dos “Palmares” se justifica diante do fato de que o nome do Grupo Cultural do qual alguns participantes são fonte de pesquisa vem a se chamar “Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi”. Portanto, entendese que ter conhecimento sobre como se consolidou os Palmares no qual Zumbi se consagrou como líder contra a escravidão, foi de total relevância para entender o porquê deste nome representar o grupo dos negros e negras de Ijuí. Da mesma maneira é importante fazer um resgate histórico da vida de Zumbi, pois isso possibilita-nos entender como o movimento feito por este durante a escravidão ainda repercute, por tratar sobre a liberdade, que agora ganha sentido amplo, pois trata de aceitação, reconhecimento, oportunidades etc. Dessa forma este sub-capítulo segue dividido em itens que irão tratar sobre a vida de Zumbi, na busca de mostrar o porquê deste ser reconhecido como líder pelo povo afrodescendente, mais necessariamente pelo Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi. 1.4.1 A Constituição Dos Palmares Os negros foram trazidos aos milhares para o Brasil devido à necessidade do trabalho nos engenhos de cana de açúcar. Quanto mais o mercado prosperava, maior o número de negros trazidos de diversas regiões do continente africano. Negros...negros...negros...Os colonizadores queriam negros, e estes, com efeito, foram chegando, primeiro às centenas, e depois aos milhares. Fecundadas pelo trabalho negro Pernambuco e Bahia ganharam vida. Na orla litorânea floresceram os canaviais, multiplicaram-se os engenhos. Pelos fins do século XVI, Pernambuco e Bahia já despontavam no mercado mundial como os maiores produtores de açúcar. (FREITAS, 1984, p.12) Segundo análise do historiador, para continuar ocupando o primeiro lugar na produção de cana de açúcar, havia a necessidade de trazer cada vez mais negros para o Brasil, 49 para que estes se ocupassem do trabalho braçal nos canaviais. “Para tornar possível essa produção, os traficantes descarregavam na costa brasileira, cada ano, uma média de cinco mil negros”. (FREITAS, 1984, p.12) Porém, diante das condições de vida e de trabalho forçado ainda no final do século XVI em Pernambuco, alguns negros se rebelaram contra a condição de escravo e reagiram contra os senhores de um grande engenho de açúcar que se localizava ao sul da Capitania de Pernambuco. Dominando-os, se tornaram senhores no lugar onde eram submetidos à escravidão, mas, depois deste ato, não sabiam como continuarem livres sem serem caçados e capturados pelos capitães do mato. Houve então, a tentativa de se embrenhar na região dos Palmares. 7 A região recebera esse nome devido à abundância de palmeirais. Um documento do século XVII descreve-a como “um sítio naturalmente áspero, montanhoso e agreste, com tal espessura e confusão de ramos, que em muitas partes é impenetrável à toda luz; a diversidade de espinhos e árvores rasteiras serve de impedir os passos e intrincar os troncos”. Um mundo animal de onças, chacais, serpentes e mosquitos, todos uma ameaça mortal para o homem ocultava-se naquelas hostis e incógnitas paragens. (FREITAS, 1984, p.9) Justamente pela dificuldade de adentrar nessas matas é que os negros viam ai uma possibilidade de continuarem livres da escravidão, da vida dura nos engenhos, a qual eram submetidos. Segundo Freitas (1984, p. 9) “no topo dessa serra abriram clareiras e levantaram choças cobertas de palha, chamaram as choças de mocambos – do quimbundo mukambu”. Este termo, explica o autor, passou a ser usado pelos portugueses para generalizar, nomear os povoados que se constituíam nas matas a partir da fuga dos escravos que se rebelavam contra o terror da escravidão. 8 É certo que a formação de quilombos não tenha sido a única resistência do povo negro na luta pela liberdade, mas, foi de fato a que ganhou maior visibilidade, pois foi um movimento típico dos escravos, (REIS, 1996). Logo, Palmares significou um refúgio seguro 6 Palmares- imensa selva virgem que principiava na parte superior do rio São Francisco e ia terminar sobre o sertão do cabo de Santo Agostinho. “Palmares. A guerra dos escravos” (FREITAS, 1984). 8 Reduzido à qualificação de coisa, o escravo podia ser vendido, alugado, penhorado, testado e, finalmente morto. (...) O Padre André João Antonil, provincial dos jesuítas e reitor do colégio da Bahia no começo do século XVIII colocava em pé de igualdade escravos, cavalos, éguas e bois. (...) Os senhores de escravos haviam criado um sistema de terror maciço e permanente que obedecia ao duplo propósito de julgar rebeldias e assegurar o normal funcionamento da organização econômica. Os castigos e tormentos infligidos aos escravos não constituíam atos isolados de puro sadismo dos amos e seus feitores, mas uma necessidade imposta irrecusavelmente pela própria ordem escravista, que de outro modo entraria em colapso (Idem). 50 para aqueles que conseguiam fugir dos engenhos, assim, o número de refugiados aumentava consideravelmente. Antes da descoberta deste refúgio as fugas não significavam libertação, pois não havia para onde fugir. Por isso, a formação dos quilombos foi fundamental para aqueles que se rebelavam contra a escravidão. “Um quilombo constava de sete quarteirões, para cada um dos quais era nomeado um oficial como chefe. No centro erguia-se a habitação do chefe – que os portugueses na sua concepção feudal, denominavam de senhor dos quilombos”. (FREITAS, 1991, p.32) Crescia então, o número de refugiados nos Palmares, que de tempo em tempo, acabavam voltando aos engenhos na busca de armas e ferramentas de trabalho, não perdendo a oportunidade de se vingar dos feitores. “Os palmarinos faziam excursões para se prover de armas, pólvora e ferramentas de trabalho. Como se pode imaginar, não perdiam oportunidade de exercer sua vingança depredando engenho, ateando fogo em plantações e justiçando feitores”. (FREITAS, 1984, p. 29) Além disso, os palmarinos disseminavam a ideia de liberdade para os negros que se encontravam nos engenhos. Também há relatos de que levavam para os Palmares mulheres negras, índias, mulatas e brancas: “um documento fala que os palmarinos voltavam a serra, depois de uma incursão, levando mulheres e filhas donzelas dos moradores. Mas, há notícias também de mulheres brancas que fugiam espontaneamente para o asilo selvático dos negros”. (FREITAS, 1984, p. 28) A vida dos negros nos Palmares se deu através de muito trabalho, principalmente em se tratando da agricultura que foi fundamental para sua sobrevivência. Na África haviam sido acima de tudo, homens da terra: a agricultura parece impregnar toda a história do Continente Negro. O cativeiro obliterara essa rica experiência agrícola. Ao passo que na África haviam praticado uma policultura baseada em técnicas complexas, no Brasil se tinham vistos rebaixados a uma monocultura primária. Neste aspecto, como em tantos outros, a escravidão significou para o negro, não um progresso, como se pretende, mas uma regressão brutal. (FREITAS, 1984, p.35) Outro processo de regressão se evidencia no uso de madeiras como instrumento para o trabalho agrícola, sendo que alguns grupos étnicos já conheciam a metalurgia, ou seja, o trabalho com o ferro. Foram estes negros da Serra da Barriga9 que utilizaram o ferro não só como instrumento de produção, mas também como instrumento de ataque contra as 9 A Serra da Barriga, localizada no município de União dos Palmares, em Alagoas. 51 propriedades que mantinham escravos. “Há indicações de que o trabalho do ferro assumiu entre os Palmares o mesmo caráter honroso, quase sagrado que tinha na África”. (FREITAS, 1984, p.35) A Serra da Barriga abrigava negros de diversas etnias africanas, o que acabou por constituir um “mosaico étnico cultural”, devido ao fato da diversidade cultural. (FREITAS, 1984, p.39) discute que, “Apenas porque os documentos aludem a negros da “Guiné”, “Ardas”, “Congos”, “Angolanos”, “Minas”, “Cafres”, de “Cabo Verde” ou “São Tomé” não se deve supor que eles possuíam uma origem étnica ou cultural comum”. De um lado, toda essa diversidade étnica significava segurança para os colonos, bem como para os traficantes que temiam rebeliões. De outro lado, a diversidade étnica só veio a se alastrar no “cadinho palmarino”. Em consonância com Freitas, Reis (1996) também discute que os negros foram trazidos de diversas partes do continente africano, o que tornou possível entender que Palmares tenha se transformado num “cadinho de grupos” que se originaram do centro-sul da África, com tamanha diversidade linguística. A confusão étnica aumentou ainda mais no cadinho palmarino. Os negros não apenas se misturaram entre si – misturaram-se também com índios, mulatos e mesmo brancos. A massa palmarina, portanto, longe de constituir um todo compacto e homogêneo, formava um complexo composto étnico. A mescla desvaneceu ou enfraqueceu muitos dos traços étnicos originários dos negros. (FREITAS, 1984) Justamente através dessa heterogeneidade é que houve possibilidades de compreender o movimento palmarino. No que menciona Freitas (1984) a base desse movimento não se fundava em questão de uma cultura incomum. Era antes de tudo alicerçada no sofrimento em comum, havia de fato um vínculo de sofrimento, de agonia. Da mesma maneira, Reis (1996) escreve que não eram somente negros a viver nos Palmares. Mas, também brancos em fuga devido à deserção do exército, ou fugitivos da lei eclesiástica, entre tantos outros que acabavam compondo uma enorme diversidade cultural. É claro que se evidencia que o número de africanos e seus descendentes imperava. Esta população não era constituída apenas de escravos fugidos e seus descendentes para ali também convergiam outros de trânsfugas, como soldados desertores, os perseguidos pela justiça secular e eclesiástica, ou simples aventureiros, vendedores, além de índios pressionados pelo avanço europeu, mas predominavam os africanos e seus descendentes, ali africanos de diferentes grupos étnicos administravam suas diferenças e forjavam novos laços de solidariedade, recriavam culturas. (REIS, 1996, p.16) 52 Na África os negros eram providos de uma rica tradição artística, como esculpir a madeira e a cerâmica, porém essa tradição acabou por se apagar diante do cativeiro. Para Freitas (1984) toda essa mistura étnica trouxe consequências pejorativas para os negros rebeldes. Principalmente em relação à linguagem e a religião, considerando que havia dificuldades para interação e troca de ideias. Tais fatos segundo o autor fizeram com que o negro tivesse que remendar suas culturas que devido ao tráfico foi dilacerada. Mais à frente, os negros dos Palmares vivenciaram muitos conflitos e lutas, pois aconteceram invasões em Pernambuco, resgatando a dos holandeses que aconteceu no dia 14 de fevereiro de 1630. Tal invasão se deu com aproximadamente três mil homens, os quais invadiram uma praia nomeada Pau Amarelo, nas proximidades de Olinda. Em meio a conflitos, rebeliões e vitórias, é escolhido um líder para os palmarinos. Ganga - Zumba. “Ao que tudo indica Ganga - Zumba chegou à Serra da Barriga no tempo da ocupação holandesa. Nada se sabe de sua vida pregressa, até o momento em que aparece como chefe, empenhado em celebrar um pacto de ajuda militar recíproca entre os diversos mocambos” (FREITAS, 1984, p.93). Sabe-se que este era provindo do povo arda que se constituía como civilização superior. Segundo o teórico: Estes ardas possuíam civilização superior, organização militar severa e notável talento artístico. Identificavam-se em Pernambuco por certas características bem definidas, ostentavam grande robustez física e se mostravam capazes de aprender qualquer trabalho mas exibiam também uma obstinação e uma rebeldia incorrigíveis, não raro atacavam os feitores e os moíam a pancadas falavam uma língua ininteligível para os demais escravos. (FREITAS, 1984, p.93) Na Serra da Barriga havia vários mocambos, cada um com um líder, e diante desse contexto, não é de se estranhar o porquê do líder dos macacos 10, Ganga – Zumba ser reconhecido como um líder maioral de todos os palmarinos. Muitas foram às lutas dos palmarinos para defender a sua liberdade, uma vez que os portugueses não se cansavam de procurar maneiras para exterminá-los, porém, Palmares resistia. “Um dos fatores da resistência palmarina era a prática militar, aguerrida na disciplina do seu capitão e general Zumbi, que os fez destríssimos no uso de todas as armas, de que têm muitas em quantidade, assim de fogo, lanças e flechas” (FREITAS, 1984, p.103). 10 Cidadela da Serra da Barriga – batizada pelos palmarinos de Macaco – nome surtido da morte que naquele lugar se deu a um animal destes (FREITAS, 1984). 53 Posteriormente Ganga - Zumba era destituído do poder de chefe. A decadência deste se deu devido a derrotas que acabou por descontentar os palmarinos. Não somente, pois isso teve repercussão em todos os mocambos, salvo Macaco. De fato, a maioria dos mocambos responsabilizou o então líder pelo fracasso. Zumbi foi o mais engajado na deposição de Ganga – Zumba. No que relata Freitas (1984, p.115) “Porta voz da oposição, Zumbi denunciou não apenas a inépcia militar, mas também a corrupção de Ganga – Zumba”. Logo, Zumbi passou a assumir o poder na confederação palmarina. 1.4.2 Zumbi: mito, guerreiro, homem Fazer um resgate histórico da vida de Zumbi foi de extrema importância para o desfecho desta pesquisa, considerando que o Grupo afro-brasileiro de Ijuí leva o nome deste negro que lutou contra a escravidão. Logo, ampliar conhecimentos sobre a vida de Zumbi, cuja luta pela liberdade ultrapassou os tempos, ajudou a entender o porquê do nome deste representar o Grupo Cultural afro de Ijuí. Buscar conhecimento ainda que breve sobre quem foi Zumbi dos Palmares auxiliou no que diz respeito a entender que o Grupo Cultural se preocupa em resgatar a história, trazendo à tona a força e a resistência do negro (a). É possível perceber que é instigada a busca por uma visão crítica mesmo que de maneira ingênua. De certa forma o resgate da luta de Zumbi traz outro olhar para o negro, este deixa o lugar de escravo para defender a sua cultura e com isso passa a mostrar que tem lugar na sociedade. Este estudo tornou possível entender o quanto Zumbi dos Palmares é importante não só para a etnia enquanto Grupo, mas também para cada um dos integrantes de forma individual. Estes conhecem a história da vida de Zumbi a quem reconhecem como símbolo da resistência na luta pela igualdade racial. Isso, como já foi explicitado anteriormente, fica também muito perceptível através da escolha das músicas, pois diferentemente dos anos anteriores, agora em 2012 todas as letras reverenciam Zumbi dos Palmares, símbolo de liberdade. Segundo L.L integrante do Grupo Herdeiros de Zumbi, “é importante mostrar quem foi Zumbi e o que ele significa para todos nós, por isso que o nome dele está presente em todas as músicas”. Para Wilmar da Costa Rosa, atual presidente da casa afro de Ijuí. “Zumbi dos Palmares foi um homem muito inteligente. Foi um padre quem o criou, ele sabia falar 54 português e latim. Ele é um orgulho para a raça negra”. A partir desse contexto é que se reafirma a importância deste sub-ítem que vem trazer de forma ainda que sucinta a história de vida de Zumbi dos Palmares. Figura 5: Foto de Zumbi dos Palmares Fonte: Cláudia G.F da Silva: foto tirada de uma parede do interior da casa afro-brasileira “Herdeiros de Zumbi” de ijuí, Expoijuí 2012 Num dos mocambos palmarinos, no começo do ano de 1655, nasce Zumbi. Na época os palmarinos foram atacados por uma expedição comandada por Brás da Rocha Cardoso a mando de Francisco Barreto governador de Pernambuco. Muitos escravos foram capturados, dentre eles um recém-nascido. Entre os prisioneiros feitos numa pequena povoação palmarina, constou uma cria do sexo masculino com escassos dias de existência. (...) O negrinho recém-nascido foi dado de presente ao padre português Antônio Melo, do 55 distrito de Porto Calvo, povoação cujos limites marcavam a fronteira entre o povoamento luso brasileiro e a república negra. (FREITAS, 1984, p.116) Francisco foi o nome que o padre deu ao menino que recebera de presente. Batizado, Francisco não vivia em condições de escravo, pois segundo o padre, com base em uma jurisprudência do Conselho Ultramarino11, consolidado por alvará de 1682, os negros nascidos em Palmares não eram considerados escravos. E nessas condições Francisco foi crescendo. Segundo relatos do padre, este aprendia o latim com facilidade, e se destacava de outros negros. Declara o padre Antônio Melo que Francisco “demonstrava engenho jamais imaginável na raça negra e que bem poucas havia encontrado em brancos. Aos dez anos, Francisco conhecia todo o latim e crescia em português a contento” (FREITAS, 1984, p.116). Com 15 anos, Francisco era coroinha e por vias de fato parecia seguir a tradição cristã. Porém, foi com 15 anos de idade no ano de 1670 que este fugiu para os Palmares, passando a viver em companhia dos palmarinos. Tal fato veio surpreender o padre Antônio Melo, que via no negro um perfeito cristão. Uma vez que Francisco sempre testemunhara “cordura perfeitamente Cristã”, o padre ficou consternado e perplexo quando, certa manhã, no ano de 1670, descobriu que seu coroinha, então com 15 anos de idade, fugira para a companhia dos negros levantados de Palmares. (FREITAS, 1984 p.117) Agora integrante dos Palmares, Francisco adota um nome africano e passa então a se chamar Zumbi12. O potencial de Zumbi foi logo percebido pelos palmarinos, seu crescimento dentro do grupo aconteceu de maneira rápida uma vez que com apenas 17 anos já era visto como o maioral. O mocambo que acolheu o menino passou então a ser reconhecido pelos portugueses como “Zumbi” e Foi a partir daí que os feitos deste só passam a aumentar. Aos 11 Órgão de administração colonial criado por D. João IV a 14 de julho de 1643, visando restaurar o Conselho da Índia, criado em 1604 por Filipe II, que teve uma vigência de apenas dez anos, fruto de dissensões entre os órgãos internos. A reposição deste organismo foi uma das ações no contexto da tarefa de Restauração encetada pelo monarca. Este teria um âmbito mais alargado do que o que o precedeu devido ao protagonismo que o Brasil começou a assumir em detrimento da Índia. Com capacidade para intervir em todos os assuntos ultramarinos todos os negócios e assuntos que dissessem respeito à Índia, ao Brasil, a São Tomé, a Cabo Verde e a todos os lugares ultramarinos de África, no tocante à fazenda, à administração, ao comércio, à justiça e à guerra. Conselho Ultramarino. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012]. Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$conselho-ultramarino>. 12 Há várias definições para o nome Zumbi. Um estudo afirma que Zumbi não designa um nome de um posto hierárquico, mas é um nome próprio, o nome de um indivíduo, um dos heróis da Tróia Negra. Na tradição popular alagoana, atribui-se a Zumbi o apodo de Sueca. Segundo o que consta na mitologia religiosa africana é uma divindade suprema chamada Nzambi (nyambi, Nyame), a qual, segundo Baumann, se cultuava na parte ocidental no norte congolês. (FREITAS, 1984) 56 18 anos, em 1673, quando derrotou a expedição de Antônio Jácome Bezerra, fora elevado a “cabo de guerra”, provavelmente um cabo maior. Aos 22 anos , em 1677, devido a expedição de Fernão Carrilho tornara-se comandante geral das milícias palmarinas, general-das-armas ou mestre-de-campo. (FREITAS, 1984, p.118) Logo, não é de se estranhar que Zumbi tenha ganhado a confiança dos palmarinos, e se tornado o maioral no grande quilombo dos Palmares que por sua vez se estruturava em uma grande federação. No que aponta Reis (1996, p.16) “O grande quilombo dos Palmares é na verdade uma federação de vários agrupamentos e chegou a contar com uma população de milhares de almas”. Justamente devido ao número de refugiados nos Palmares é que se confirma o poder de liderança deste guerreiro que se tornava a esperança viva de resistência em prol de um sonho de liberdade. Um conselho composto de adeptos aclamou-o chefe e outorgou-lhe poderes discricionários. Reza um documento: “Reconheceram-se todos fiéis ao negro Zumbi para que assim na paz como na guerra, tudo decidisse sem consultar a ninguém”, algo assim como uma ditadura de salvação pública. (FREITAS,1984, p.115) De fato a luta travada por Zumbi continua viva. Isso se mostra na fala das integrantes do grupo étnico. J.J afirma que Zumbi dos Palmares é de tamanha importância para ela e para o Grupo Herdeiros de Zumbi. “Zumbi dos Palmares é muito importante, ele fugiu e se refugiou no lugar onde havia palmeiras, era um lugar de difícil acesso. Ele significou e ainda significa a libertação dos negros”. Ainda que concisa, a descrição de Zumbi feita por J.J traz um resgate histórico verídico. O relato sobre zumbi ter fugido para os Palmares, lugar com enorme número de palmeiras aponta para a certeza de que J.J. ou se preocupou em pesquisar a vida deste guerreiro, ou teve a história contada por alguém. Segundo o presidente do Grupo: Existem reuniões que tem como função fazer um resgate da cultura afro. Estas tem como objetivo explicar o porquê deste movimento para os integrantes do grupo étnico. Há o empenho da etnia para que todos os componentes aprendam a se valorizar. É preciso que entendam as suas raízes e sintam orgulho em ser negro ou negra. A etnia é a continuidade do movimento de Zumbi dos Palmares na luta pela igualdade racial. (Entrevista com Wilmar Costa da Rosa) Não há dificuldade em entender o porquê de Zumbi significar a libertação do povo negro. Zumbi resistiu contra diversas expedições dos portugueses que tinham como interesse destruir os Palmares na tentativa de resgatar os negros para o trabalho nos engenhos. 57 E foi esse o interesse que fomentou nos líderes portugueses a necessidade de acabar com o líder Zumbi, pois acreditavam que assim seria mais fácil adentrar nos Palmares. Para isso conseguiram introduzir um homem nos quilombos para espionar as táticas de ataque de Zumbi, que com o tempo acabou confiando no então traidor. “Antônio Soares”, assim se chamava o homem, que iria desferir um abraço mortal no guerreiro, e em seguida entregá-lo aos inimigos. Para tanto, Antônio Soares, então denominado tenente, devido à confiança de Zumbi, planejou uma emboscada. “O grupo se aproximou cautelosamente durante a noite e tomou posição, à espera do amanhecer. Quando amanheceu, Antônio soares saiu do mato para uma pequena clareira e gritou com toda força. – Zumbi! Zumbi! Zumbi!” (Freitas, p.166, 1984). E foi então que o guerreiro apareceu para saldar seu companheiro de luta. O drama foi rápido. Soares se encaminhou para o chefe. Que o acolheu confiadamente. Então, bruscamente, Soares enterrou-lhe um punhal no estômago e deu o sinal aos paulistas, acudidos pelos companheiros e apesar de mortalmente ferido, Zumbi ainda lutou com bravura. Em carta de 14 de março de 1696 para o rei, o governador Melo e Castro contou que Zumbi pelejou valorosa e desesperadamente, matando um, ferindo alguns, e, não querendo render-se, nem aos companheiros, foi preciso matá-los e só a um se apanhou vivo. (FREITAS, 1984, p.166) Não bastou a certeza de que Zumbi estava de fato morto, era necessário mostrar ao povo escravo que este não era imortal. Zumbi teve seu corpo dilacerado. “Depois de morto, o general negro fora castrado e o pênis enfiado na boca; haviam-lhe arrancado um olho e decepado a mão direita.” (FREITAS, 1984, p.167). Depois disso, cortaram-lhe a cabeça e a enviaram para Recife. Lá, esta permaneceu espetada num “Chuço”, até se decompor. Todo esse enredo se deu de forma a aterrorizar, amedrontar os negros que de maneira supersticiosa acreditavam na imortalidade do seu chefe guerreiro. Vinte de novembro de 1695. Foi este o dia em que a voz do chefe guerreiro silenciou. Porém, este se tornou um símbolo da luta pela cidadania, pela resistência contra a escravidão. Zumbi lutou para que os negros pudessem ter liberdade. Liberdade de poderem cultivar e praticar a cultura africana no Brasil colonial. A partir desse contexto não há como não retomar a resistência de Zumbi contra a escravidão, este por sua vez jamais foi um escravo, pois não se deixou escravizar. Sua voz, jamais silenciou, e ecoará eternamente como um grito a clamar pela liberdade. Assim, dúvidas não há em relação ao mito, ao homem, ao guerreiro que faz germinar entre o povo negro e mestiço, não somente o sonho, mas a busca de uma liberdade que agora vai além de termos 58 jurídicos, pois ainda se vê subjugada à margem de preconceitos de uma sociedade fundada segundo valores que enobrecem a cor da pele. Talvez seja coerente apontar que as atitudes de Zumbi dos Palmares aqui enfatizadas movimentaram os negros que eram escravizados na região onde se situavam os quilombos, pois estes passaram a fugir para os Palmares no anseio pela liberdade. Logo, ainda que de maneira tímida, há a pretensão de escrever que através do movimento de Zumbi, se reafirma a importância de qualquer movimento, independente da luta. Isso se comprova pelo fato de que mesmo tendo passado tanto tempo, ainda é levantada a história e os ideais do então líder dos afro-brasileiros chamando a atenção para a almejada liberdade. E justamente por entender que o passo dado por Zumbi há tempos atrás ainda repercute de maneira significativa entre os afro-brasileiros, neste caso em especial o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi é que se pretende trazer no capítulo que se segue algumas informações sobre o Movimento Negro, dando ênfase às ações que este é capaz de instigar e conquistar. 59 2. O SIGNIFICADO DO MOVIMENTO NEGRO PARA OS AFRODESCENDENTES 2.1 O mito da democracia racial pós-abolição: o recomeço da luta pela igualdade racial O capítulo anterior pretendeu mostrar as dificuldades e superações do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi para se fazer presente no evento Fenadi. Já foram mencionados fatores negativos como a dificuldade do ingresso de novos participantes devido ao preconceito, a dificuldade em manter a casa dentre outros. Porém, os estudos levam a supor que há possibilidades de enfatizar que os fatores positivos superam as dificuldades e aspectos negativos, uma vez que foi possível compreender através das entrevistas com os participantes do Grupo, a existência da partilha na busca do conhecimento da cultura dos seus ancestrais e o compartilhar informações e conhecimentos entre os jovens do Grupo. Isso implica em entender que a casa afro de Ijuí constituiu-se num espaço que também produz identidades, pois fortalece e educa por meio das diferentes atividades desenvolvidas. Como já vem sendo observado, neste ano o Grupo Cultural afro de Ijuí adotou mudanças principalmente no que diz respeito às músicas e as danças, segundo relata uma das entrevistadas, seria necessário exaltar o que Zumbi significa para os integrantes do Grupo, chamando atenção para o movimento feito por Zumbi a partir do ano de 1670 quando fugiu para os Palmares para lutar pelo direito à liberdade e a cidadania, o que evidencia o interesse por que quase todas as músicas trazem o seu nome. No Grupo sabem e compartilham que zumbi dos Palmares se tornou símbolo de resistência, pois foi um dos pioneiros na luta pela liberdade do povo negro. Esta luta ganhou dimensão com o passar do tempo através do Movimento Negro, pois este tem como ideal à cidadania, o que Zumbi dos Palmares já almejava na época da escravidão. Este pensamento se consolida quando o Movimento Negro intitula alguns eventos, como a marcha de 20 de novembro de 1995 com o nome “Zumbi dos Palmares”. O início séc. XX registra a irrupção no espaço público e na agenda política do país, de um vigoroso debate acerca da oportunidade, necessidade e tipologia de políticas públicas de promoção da igualdade racial na sociedade brasileira. Medidas administrativas palpáveis, embora desprovidas de uma política governamental começaram a proliferar fortalecendo a reivindicação por medidas positivas voltadas para a promoção da igualdade, há décadas pleiteadas pelo Movimento Negro. (...) Em 20 de novembro de 1995, a 60 marcha “Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida” reuniu cerca de 30 mil pessoas em Brasília. (Hédio Silva Junior, 2010, p.21) O autor ressalta que os coordenadores da marcha “Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida” conseguiram se reunir com o presidente da República, na época Fernando Henrique Cardoso, entregando a este um documento escrito pelas principais lideranças e organizações negras do país, no qual estava escrito: “Não basta, repetirmos a mera abstenção da prática discriminatória: impõem-se medidas eficazes de promoção da igualdade de oportunidade e respeito à diferença (...) adoção de políticas da igualdade” (JUNIOR, 2010, p.21). Nesse pressuposto argumentamos que se hoje existem mudanças no que diz respeito ao reconhecimento do afrodescendente, isso se deve as batalhas travadas pelo Movimento negro. Este estudo permite enfatizar que não é possível apresentar a luta pela igualdade racial como se esta fosse reconhecida somente a partir do Movimento Negro, quando sabemos que esta luta se manifestou de forma intensa há muito tempo, sendo que uma das manifestações é reconhecida através dos ideais de Zumbi dos Palmares. É necessário chamar atenção para a abolição que de um lado pode ser vista como uma típica revolução de caráter social, pois teve a participação de inúmeros setores da sociedade civil, bem como dos intelectuais negros alforriados . De outro lado, com o fim da escravidão, o negro se torna livre, porém a abolição nada teve de democrática, pois os ex-escravos foram largados à própria sorte, a eles não era reservado um espaço enquanto categoria social. A partir de 13 de Maio de 1888 o negro foi colocado como igual perante a lei, entretanto, lhe foi imposta à submissão cultural, uma vez que inúmeros elementos de sua cultura foram proibidos por lei, como a capoeira e o candomblé. Nesse contexto é possível argumentar que não foi considerado o sistema de marginalização social em que predominava a lei de uma sociedade competitiva, o que fez o povo negro permanecer no lugar de submissão, e por isso exposto à exploração. O fato de o negro ter sido colocado como igual em termos de lei segundo Chaves (2010, p.32) não passou de “um mito protetor para esconder as desigualdades sociais, econômicas e étnicas”. Nesse sentido, é possível entender que o negro ficou em total desvantagem, pois, como seria possível ser comparado a outros grupos sociais, quando a ele já era imposto um lugar nas camadas consideradas subalternas. Logo, é importante enfatizar que a abolição gerou o mito de que o ex-escravo seria considerado cidadão, isso induz a pensar que a marginalização do negro era algo desejado pela classe social dominante, pois havia democracia somente para os 61 indivíduos brancos. No que afirma Fernandes (1989) a democracia racial era apenas um mito, pois a revolução social ligada à desagregação da produção escravista e da ordem social não era válida para toda a sociedade brasileira. Os limites da revolução social eram extremamente fechados, e neste não cabiam nem o escravo, nem o liberto, nem o negro ou o branco pobre, como categorias sociais. Na visão de Chaves: Vê-se que o negro foi obrigado a disputar a sobrevivência social, cultural e mesmo biológico em uma sociedade racista e colocado, desde o princípio, em condições desiguais em comparação a outros grupos sociais, na qual as técnicas de seleção profissional, cultural e política e étnica são feitas para que ele permaneça imobilizado nas camadas mais oprimidas, exploradoras e subalternizadas. Podemos dizer que os problemas da raça e classe se imbricam nesse processo de competição do negro, pois nos parece que o interesse das classes dominantes é vê-lo marginalizado. (CHAVES, 2010, p.32) Nesse contexto não é difícil compreender que a democracia racial tratava-se de uma revolução das elites, pelas elites e para as elites. No plano racial de uma revolução do branco para o branco, Fernandes (1989). É nesse sentido que se dá a importância do mito para sustentar a falsa ideia da democracia racial, na qual se ocultavam valores arcaicos que privilegiava a cor branca dominante e eram a essas classes sociais a quem se destinava os melhores trabalhos e condições de vida. Não podemos esquecer que com o decreto abolicionista, outra mão de obra barata se instalou no Brasil, eram os imigrantes europeus, na maioria camponeses sem terra, artesãos falidos, desempregados em geral, marginalizados e excluídos do processo da revolução industrial que vinham buscar trabalho, porque crescia no Brasil a produção do café. Com o passar do tempo alguns imigrantes tem êxito, enquanto que os negros permaneciam no lugar de subalterno, destinados ao trabalho braçal e a condições de vida cada vez mais precárias, o que para Fernandes (1989, p.36) “confirma o estereótipo de que o negro não serve mesmo para outra coisa”. Entretanto, este mesmo negro jogado a sorte e destinado ao trabalho braçal passou a se interrogar sobre esta condição. O negro entrou na corrente histórica e interrogava-se por que o imigrante tivera êxito e a massa negra continuava relegada a uma condição inferior e iníqua. Surgem assim as primeiras sondagens espontâneas do meio negro feitas por intelectuais negros e os primeiros desmascaramentos contundentes. O preconceito de cor entra em cena, na consciência social negra, como uma formação histórica [...]. Os próprios negros ganharam condições materiais e intelectuais para erguer o seu protesto. Um protesto que ficou ignorado pelo meio social ambiente, mas que teve enorme significação histórica, humana e 62 política. De fato até hoje, constitui a única manifestação autentica de populismo, de afirmação do povo humilde como agente de sua própria auto liberação. (FERNANDES, 1989, p. 15) Segundo o autor o Protesto Negro apareceu realmente na década de 30, deixando de ganhar dimensões maiores logo em seguida. Tal fato aconteceu devido à precariedade da vida do povo negro, bem como a indiferença do branco e a não aceitação do governo para tudo que era estruturado de maneira democrática. Ainda assim, o protesto negro deixou ganhos para a sociedade, pois era autêntico e revolucionário, no sentido de que lutava pela democratização da ordem republicana através das raças e contra os preconceitos raciais. No que ressalta Fernandes (1989) o protesto negro significou a exigência de uma segunda abolição, pois o negro protesta pela revolução social que não o atingiu, e assim assume o seu lugar de conquistador. 2.2 As conquistas do movimento negro Sabemos que a desigualdade social pode gerar preconceitos e que não fazer parte de um padrão estabelecido, tanto físico, quanto intelectual, também poderá contribuir a este tipo de sentimento. Isso implica ressaltar que nos dias atuais, 124 anos depois da abolição ocorrida no dia 13 de maio de 1888, a liberdade parece ser uma promessa para a maioria dos afrodescendentes. Por isso a importância do Movimento Negro e sua luta por liberdade que aqui ganha sentido amplo, ultrapassando do termo jurídico para falar de reconhecimento, aceitação, inclusão, possibilidades, tratamento, oportunidades e respeito. O Movimento Negro lutou e luta pelos direitos a favor da cidadania para o afrobrasileiro. Isso nos leva a percepção de que as conquistas fomentam no povo de origem afro a busca de dar visibilidade à sua cultura passando a se reconhecer enquanto cidadãos conscientes da sua cor. Logo, há a pretensão de imaginar que a existência do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí também possa ser influenciada pela conjuntura do Movimento Negro. Os estudos nos levam a crer que o Grupo Cultural “Herdeiros de Zumbi” de Ijuí, mesmo que não possa ser considerado um movimento social, no sentido de militância13, faz um movimento ainda que tímido na busca de que os participantes conheçam a cultura afro e se reconheçam, se sentindo sujeitos ativos na sociedade em que vivem. Este movimento é 13 Militância/militante : 1.Que ou o que milita. 2.Que ou quem luta, combate. 3.Que ou quem defende algo de forma activa ou convicta. (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). 63 construído em situações, ações, atividades manifestadas a partir de situações simples como a gastronomia, que apresenta a comida típica, as vestimentas, as danças etc., e este conjunto de atividades dão visibilidade à cultura afro, e nos faz entendê-lo como um espaço educador, capaz de constituir identidades, ainda que não tenha as características de militância das lutas do Movimento Negro. É importante observar que foi na década de 80 e 90, que o Brasil passou a ser palco de reivindicações do Movimento Negro, que procurou a partir dos costumes, tanto no que diz respeito às vestimentas, bem como às crenças, mostrar a resistência em favor da cultura negra. É válido salientar que foi na década de 90 que começaram a acontecer mudanças na constituição brasileira, ganho este, proveniente das ações do Movimento Negro a partir das quais é conquistado o aparato jurídico-normativo que então passa a considerar a diversidade. Proveniente de ações reivindicatórias do Movimento Negro percebe-se no Brasil, a partir da década de 90, o surgimento de um aparato jurídiconormativo que contempla a diversidade como variável nuclear propondo mudanças na proposta curricular. São esses ajustamentos apontados como inovadores nascidos das bases inscritas na Carta Magna, que se constituem na matéria-prima da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Da ação conjunta do texto constitucional e do contexto da LDB nascem a política e planejamento educacional, e depende o dia-a-dia do funcionamento das redes escolares de todos os graus de ensino. (DIAS, 2007, p. 03) No que menciona o autor a partir de então, a Constituição Federal de 1988, nomeada de Constituição Cidadã, passa a incorporar em seu artigo 5º a “discriminação racial como prática de crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão nos termos da lei. De um lado, numa sociedade excludente na qual a cidadania torna-se privilégio de uma elite, negros vítimas de uma história de inferioridade, tornaram-se sinônimo dos preconceitos e discriminação e formam um imenso grupo de excluídos sociais, políticos e culturais. De outro lado, Movimentos Negros engajados na busca de direitos à cidadania começam a colher os frutos de uma luta por igualdade. A constituição brasileira de 1988 trouxe importantes avanços sociais e trabalhistas - embora a onda neoliberal dos anos 1990 tenha eliminado muitos deles. Com a criação de diversos conselhos da criança e do idoso, por exemplo, uma nova atuação deu-se no campo dos direitos humanos. As cotas para negros e índios nas universidades públicas e o prouni (programa universidade para todos, que oferece bolsas para estudantes de baixa renda que estudaram em escolas públicas de ensino básico) foram políticas importantes para a inclusão sociocultural no ensino superior dos menos privilegiados. (SILVA, 2010, p. 08) 64 É importante enfatizar que as cotas para negros e índios foram de extrema significância, enquanto política afirmativa, ao considerarem o contexto de subalternização e de exclusão a que são submetidas grande parte da população negra e indígena. Os afrodescendentes aos poucos vêm conquistando seu espaço nas universidades. Em se tratando de educação, um ganho recente foi o surgimento da Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003, que visa incluir no Currículo Oficial da Rede de Ensino de maneira obrigatória o estudo da história e cultura afro-brasileira. Com o intuito de viabilizar a implementação da lei, são elaboradas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicoraciais e para o ensino de História e cultura afro-brasileira e africana, aprovada pelo Conselho Nacional de educação em 10 de março de 2004. Nos seus apontamentos as diretrizes apontam para que “estas condições materiais das escolas e de formação de professores são indispensáveis para uma educação de qualidade, para todos, assim como é o reconhecimento e valorização da história, cultura e identidade dos descendentes de africano (Diretrizes Curriculares). (DIAS, 2007, p.5) Inserir nas escolas o ensino da história e da cultura africana parece ser um passo significativo para mudanças no que diz respeito a valorização do afrodescendente, quando aliada à formação de professores que consigam ir além dos limites dos livros didáticos, os quais na maioria das vezes retratam o negro unicamente na condição de escravo. Segundo Gomes (2008, p.75) “Ainda quando se fala em África na escola e até mesmo no campo da pesquisa acadêmica, reporta-se mais ao escravismo e ao processo de escravidão”. Acreditamos que essa condição precisa ser desmistificada e isso pode acontecer através da educação quando deixar de lembrar o negro como escravizado, passando a dar visibilidade ao negro que foi trazido de seu país de origem e que mesmo assim resistiu diante do horror que lhe foi imposto. É importante para este estudo salientar que a lei 10.639 foi prevista como necessária em 5 de outubro de 1988, uma vez que a Constituição Federal já presumia que era necessário considerar no ensino de história a contribuição de diferentes culturas e etnias na formação do povo brasileiro. Segundo Junior (2010, p. 25) “quinze anos se passaram até que o Congresso Nacional aprovasse, em janeiro de 2003, uma lei – a famosa Lei nº 10.639 – cuja principal função normativa consistiria em regulamentar e assegurar a eficácia aos aludidos preceitos constitucionais”. Agora, importa trazer que depois de alguns anos a Lei 10.639, a qual tem o objetivo de incluir no Currículo Oficial da Rede de Ensino de maneira obrigatória o estudo da história e cultura afro-brasileira, ainda não foi exercida de fato. Esta, segundo Gomes (2008), 65 encontra resistência, nas secretarias estaduais, municipais, escolas e educadores. Para a autora: Essa resistência não se dá no vazio. Antes está relacionada com a presença de um imaginário social peculiar sobre a questão do negro no Brasil, alicerçado no mito da democracia racial. A crença apriorística de que a sociedade brasileira é o exemplo da democracia e inclusão racial e cultural faz com que a demanda do trato pedagógico e político da questão racial seja vista com desconfiança pelos brasileiros e brasileiras, de maneira geral, e por muitos educadores e formadores de políticas educacionais, de forma particular. (GOMES, 2008, p.70) Nesse sentido, reconhecemos que ainda há muito a fazer para que secretarias estaduais, municipais, escolas e principalmente os docentes estejam preparados para assumir esta nova concepção da história do afrodescendente, e lançar aos alunos um novo olhar para a cultura que desde a época da escravidão vem sendo considerada inferior. Entendemos que é preciso haver mudanças na esfera social e escolar, é necessário capacitar cada vez mais os docentes para que estes se apropriem da história que agora reflete o negro fora do contexto da escravidão, para esclarecer que este não foi escravo, mas foi escravizado. Talvez assim, a lei que surgiu a partir das pressões e das iniciativas dos movimentos sociais, especialmente, do Movimento Negro, do Ministério da Educação e de Estudos Afro-brasileiro seja realmente colocada em prática, o que poderia ajudar a lançar uma nova visão à cultura afro. Para Gomes: Maior conhecimento das nossas raízes africanas e da participação do povo negro na construção da sociedade brasileira haverá de nos ajudar na superação de mitos que discursam sobre a suposta indolência do africano escravizado e a visão desse como selvagem e incivilizado. Essa revisão histórica do nosso passado e o estudo da participação da população negra brasileira no presente poderão contribuir também na superação de preconceitos arraigados em nosso imaginário social e que tendem a tratar a cultura negra e africana como exóticas e/ou fadadas ao sofrimento e a miséria. (GOMES, 2008, p.72) Diante do que afirma a pesquisadora é necessário enfatizar, retomar sobre a importância do estudo da cultura afro-brasileira nas escolas, pois é possível supor que uma vez esta sendo tratada com responsabilidade e seriedade pode acarretar mudanças positivas no que diz respeito a superação de preconceitos, o que vem sendo pleiteado desde muito tempo através das lutas do Movimento Negro. 66 Zarth (2010) também enfatiza sobre as mudanças ocorridas no que se refere ao ensino de história do Brasil e reconhece que trabalhar tal história numa perspectiva étnica, não ganhou intensidade somente devido às políticas educacionais atuais, mas, também devido à luta dos Movimentos Sociais com bases étnicas e aponta como exemplo o Movimento Negro e o indígena. O retorno da questão étnica no ensino de história, em particular, e na educação brasileira, de um modo geral, é uma exigência expressa na resolução Nº 1, de 17 de junho de 2004, do Conselho Nacional de educação que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das relações etnorraciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, as quais devem ser consideradas pelas instituições formadoras de professores. (ZARTH, 2010, p.117) As diretrizes curriculares atendem exigências da lei 10.639/2003 que impõe o ensino de história da cultura Afro-brasileira e africana na Educação Básica. No que discute o autor, tais diretrizes competem avanços no que diz respeito à visibilidade da cultura afro- brasileira e parece ser um passo importante na construção de um pensamento anti-preconceituoso para proporcionar a reflexão voltada à questão do branco no papel do dominante e o negro como dominado. No entanto, o pesquisador acrescenta que é necessário apresentar o parecer da relatora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva do Conselho Nacional de Educação, e esclarece que esta contempla as diretrizes do estudo das relações étnicas. Para ela, ainda há no Brasil um imaginário étnico racial que valoriza a brancura, em especial aquela de raízes européias. Por consequência, há a desvalorização das outras culturas, neste caso a africana, indígena e asiática. É necessário anunciar que este parecer apresentado por Zarth (2010) vem ao encontro das dificuldades apontadas por Gomes (2008), quando esta revela que o ensino da cultura afro nas escolas ainda não é vigente. Nesse contexto, entendemos que ainda há muito que lutar para contemplar a justiça racial num país que se estruturou segundo valores que privilegiavam a cor da pele branca. É justamente com base nesse pressuposto que reafirmamos a importância e a necessidade da luta travada pelo Movimento Negro que ainda tem muitas conquistas a serem pleiteadas a favor da cidadania e da democracia racial. Embora ainda haja muito a ser conquistado é preciso ressaltar as vitórias alcançadas pelo Movimento Negro que se mostra de diferentes maneiras, seja através das leis, seja pela valorização do negro em ser negro, pela valorização de sua cultura. 67 Nesse enlace que se reafirma que ao pensar sobre a importância do Movimento Negro não há como não resgatar o significado do Movimento “Negritude”14, considerando que esta palavra tem diferentes sentidos, iremos abordá-la segundo os estudos de Munanga (1986). Como define o autor o termo negritude teve varias definições, algumas até contraditórias entre os pesquisadores, mas a negritude enquanto movimento acabou cumprindo historicamente seu papel emancipador, uma vez que traduzido pelas independências africanas “estendeu-se como libertação para todos os negros da diáspora, ainda vítimas do racismo branco, por exemplo, nas Américas” (Munanga, 1986, p.07). O Movimento Negritude surgiu no momento em que o negro enfadado com a visão posta de inferioridade, tenta retomar as suas raízes na busca de refazer sua identidade negra, assumindo assim sua origem e negando a assimilação do estrangeiro. Para o autor o Movimento Negritude é significativo, pois de um lado lutou pelo resgate da cultura, e de outro lado se empenhou para que o negro se reconhecesse, passando a assumir a sua origem. Ao se aceitar, o negro se auto-afirma de forma moral, psíquica e física, e assume a cor negada percebendo então que nesta pode-se encontrar feiúra e beleza como em qualquer outro ser humano. A auto-aceitação aparece impregnada pela ansiedade de refugar tudo o que fora imposto pelo colonizador, resgatando e reafirmando sua identidade cultural, tal como preconiza o autor: O que impressiona imediatamente por sua amplitude e pela variedade das disciplinas mobilizadas à sua compreensão é a afirmação e a reabilitação da identidade cultural, da personalidade própria dos povos negros. Poetas, romancistas, etnólogos, filósofos, historiadores, etc. quiseram restituir à África o orgulho de seu passado, afirmar o valor de suas culturas, rejeitar uma assimilação que teria sufocado a sua personalidade. Tem-se a tendência, sob várias formas, de fazer equivaler os valores das civilizações africana e ocidental. É a esse objetivo fundamental que correspondem às diversas definições do conceito de negritude. (MUNANGA 1986, p. 44) 14 No Brasil, a palavra Negritude é dicionarizada pela primeira vez em 1975, no Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda e define Negritude como: 1) estado ou condição das pessoas de raça negra; 2) ideologia característica da fase de conscientização, pelos povos negros africanos, da opressão colonialista, a qual busca reencontrar a subjetividade negra, observada objetivamente na fase pré-colonial e perdida pela dominação da cultura ocidental. (Zilá Bernd, 1988, p.16) Negritude - com N maiúsculo – refere-se a um momento pontual da trajetória da construção de uma identidade negra, dando-se a conhecer ao mundo como um movimento que pretendia reverter o sentido da palavra negro, dando-lhe um sentido positivo. negritude – com n minúsculo é utilizada para se referir a tomada se consciência de uma situação de dominação e de discriminação e a consequente reação pela busca de uma identidade negra. Nesta medida podemos dizer que houve negritude desde que os primeiros escravos se rebelaram e deram inicio aos movimentos conhecidos por marronnage, no Caribe, cimmarronage, na América Hispânica, e quilonbolismo, no Brasil, iniciadas logo após a chegada dos primeiros negros na América. (Zilá Bernd, 1988, p.20) 68 Nesse pressuposto se afirma que negritude, além de ser um termo amplo devido às várias definições acabou por ser reconhecida como a busca da identificação da cultura africana, e com isso também o resgate do orgulho do seu passado. Como enfatiza o autor a negritude tem como característica a rejeição da assimilação na busca do resgate da sua identidade cultural. Como vem sendo enfatizado há definições distintas para o termo negritude, sendo importante trazer que Munanga (1986) a difere entre duas apresentações antinômicas, uma mítica, que chama atenção para a descoberta do passado africano anterior à colonização, almejando o retorno às origens para revigorar a realidade africana perdida em meio à intromissão ocidental. Esta no que ressalta o autor foi considerada como sendo uma marginalização do grupo negro o que poderia o levar ao desaparecimento. Quanto à negritude interpretada como mito, o estudioso discorre que esta é vista como realidade voltada ao passado, sonhadora, auto-suficiente e não de combate. Embora haja perigo em confundir os meios e as finalidades, acrescenta que o mito é considerado importante no momento em que ajuda os novos ideais a se constituir. Outra apresentação é a de fator ideológico que segundo o teórico, propõe esquemas de ação, impondo uma negritude agressiva ao branco, como resposta às situações históricas, psicológicas dentre outras, comum a todos os negros colonizados. Tal apresentação no que condiz Munanga (1986) poderia gerar uma fusão da problemática negra com a dos colonizados independente da origem, se aproximando assim da teoria marxista. Dentre as apresentações ideológicas e míticas existe varias definições para a negritude que discutem sobre o Caráter biológico ou racial, Conceito sócio-cultural de classe, Caráter psicológico, e Definição cultural. Nas palavras do teórico, diante de tantas oposições binárias, é esclarecido que a negritude pode num mesmo momento ser considerada mito e realidade, ideologia e utopia, ilusão e mistificação, reação, ser negro, fato histórico. A partir daí se acrescenta que a negritude poderia ser chamada de uma rica confusão. Negritude dolorosa, agressiva, serena e vitoriosa. Em consonância com o que acima está exposto, é possível entender que o Movimento Negritude representou a busca de uma identidade aniquilada em prol de uma cultura imposta e dominante. Este se originou num tempo em predominava a tentativa de assimilação dos povos considerados inferiores, e como já abordado anteriormente significou a libertação para todos 69 os negros da diáspora, ainda vítimas do racismo branco, por exemplo, nas Américas, aparecendo também no Brasil15 no período pós-abolicionista. Embora ainda haja muito a ser conquistado este estudo exige que seja apontado aqui o fato de que o Movimento Negro, assim como o Movimento Negritude impulsionou diversas conquistas e acabou por se enraizar em todo o país, pois se encontra nas capitais, nas cidades médias, grandes ou pequenas (Junior e Silva, 2010). Sendo assim, é de extrema importância mostrar as conquistas políticas do Movimento Negro apontadas por (JUNIOR e SILVA 2010, p. 48, 49). ● Desmascaramento do mito da democracia racial. ● Criminalização do racismo, tornando-o crime imprescritível e inafiançável. ● Mudanças significativas na publicidade, propaganda e televisão, em que tornou cada vez mais frequente a inserção de imagens positivas de negros e negras em peças publicitárias. ● Introdução da temática do racismo e da intolerância religiosa na agenda dos direitos humanos. ● Divulgação do caráter eurocêntrico do ensino no Brasil. ● Desmistificação do vestibular e conquista de políticas de inclusão de jovens negros e pobres no ensino superior. ● introdução de informações sobre a cor, racismo, discriminação e desigualdades raciais nos principais centros de pesquisa e de demografia do país. ● Introdução do debate sobre racismo em sindicatos, na academia, nos partidos políticos, em instituições públicas e privadas. Como informam os pesquisadores, todas as conquistas do Movimento Negro colocam na pauta das políticas públicas e do debate as questões que instigaram e instigam o povo brasileiro a reconhecer a gravidade do racismo, passando a considerar justas as medidas que vem sendo adotadas para superá-lo. Estas medidas têm a ver com a inclusão do quesito cor em quase todos os cadastros públicos ou privados. Nesse pressuposto entendemos que 15 Apesar de não ter havido no Brasil a tendência de nomear os vários momentos de tomada de consciência de ser negro com o termo negritude, a palavra é usada, sobretudo a partir dos anos 60, por alguns poetas, em seu sentido mais abrangente, referindo-se a consciência e a reivindicação da comunidade negra. (...) Porém podem ser considerados como manifestações da negritude os quilombos brasileiros, que representam o primeiro sinal de revolta contra o dominador branco. (...) A ação do herói da libertação do quilombo dos palmares – Zumbi – pode ser tomada como o marco zero da negritude, na medida em que esta, em suas origens, associa-se ao marronnage: comportamento revolucionário que levou os escravos a fugirem de seus senhores em busca de liberdade, preferindo o espaço agreste das matas à condição de submissão imposta no espaço da fazenda. (Zilá Bernd, 1988, p.47) 70 todas as conquistas que dizem respeito à cidadania para o povo afrodescendente é reflexo das lutas travadas pelo Movimento Negro no Brasil. 2.3 Os movimentos sociais sob o olhar de Boaventura Santos, Shamim Meer, e Alan Touraine Através do que já vem sendo discutido afirmamos a importância dos movimentos sociais para o afrodescendente. É interessante resgatarmos o fato de as conquistas jurídicas terem dado visibilidade ao povo afro, porém, neste estudo, enfatizamos que isso não é o bastante, pois muito mais do que reconhecer as culturas diferentes, seria necessário incentivar o diálogo entre os diferentes grupos culturais. Nesse sentido, vale chamar a atenção para o conceito de Santos (2003) quando este define multiculturalismo e interculturalismo. O primeiro diz respeito ao reconhecimento do que é julgado diferente, enquanto o segundo defende a aceitação dessas diferenças, incentivando que é através da troca, do diálogo que há possibilidades de interação. Logo, é possível argumentar que a interculturalidade parece ser uma ideia mais sensata quando se trata das diferentes culturas, assunto este que será abordado no decorrer da pesquisa. Santos (2001) defende a possibilidade de haver troca de informações entre os Movimentos Sociais e discorre sobre criar redes de inteligibilidade entre os grupos, como por exemplo, o movimento dos sem-terra e o movimento das mulheres, entre o movimento das mulheres e dos negros e assim sucessivamente. Trocar ideias e experiências pode trazer resultados produtivos e, segundo o autor, aceitar que há reconhecimento não significa chegar ao ponto de estabelecer critérios de autenticidade. Isso faria com que as culturas se tornassem apenas culturas de testemunho. A opressão existe em constelação de opressões e, portanto, eu penso que é fundamental que elas estejam articuladas. E aqui realmente está a nossa inovação: a de que esta articulação se deva realizar, não dando prioridade a uma luta sobre as outras, quaisquer que elas sejam não criando uma grande teoria que em si mesma envolva tudo e todos em certo momento, mas criando aquilo que eu chamo a “teoria da tradução”. A possibilidade de criar inteligibilidade entre os grupos. (SANTOS, 2001, p.23) Este estudo exige expor sobre a necessidade da união entre os diversos movimentos para alcançar melhores resultados. A partir dessa premissa, enfatizamos que reunir áreas diferentes, trocar ideias, experiências, pode realmente fazer com que os resultados das lutas travadas, idealizadas pelos movimentos sejam mais significantes. Essa troca de informações 71 acarretaria na ampliação de conhecimentos, num fazer, enfatizando aquilo que vem dando certo em outros movimentos. Quando o autor menciona a rede de inteligibilidade, entendemos que tal rede só existirá através da troca, da interação entre os grupos. Segundo Santos (2001) a ausência de interação entre os grupos poderia gerar o que ele chama apartheid16 cultural, no qual cada um fala por si. Fica explícito que ainda há muito a ser discutido e aprendido sobre as características dos movimentos sociais que hoje se manifestam de diferentes formas. Nesse contexto, há a possibilidade de enfatizar sobre a década de 80, quando o Brasil passa por um momento de reivindicações do Movimento Negro, que ganha voz diante de algumas conquistas, tais como o reconhecimento da diversidade e da discriminação racial como prática de crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão nos termos da lei, assim como a implementação da Lei 10.639 a partir da qual torna-se obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas. Em se tratando da importância dos Movimentos Sociais, Touraine (1988) esclarece que estes são fundamentais na vida social, pois no que argumenta o autor o que nos permite viver juntos não é a união de nossa participação no mundo técnico nem as variedades das nossas identidades culturais. Para ele o que nos permite viver juntos é o parentesco dos nossos esforços para juntar os dois domínios da nossa experiência, para descobrir e defender uma unidade que não é a de um ego, mas a de um eu, de um sujeito. Assim, entendemos que não é a partir da convivência no ambiente de trabalho, tampouco apenas as diversidades culturais, que irão fazer com que seja possível vivermos juntos, mas sim, na afinidade de buscarmos ser vistos como sujeitos. E esta é uma das principais bandeiras de luta de muitos dos Movimentos Sociais. Tomando como base o exposto acima, buscou-se um diálogo com o estudioso, Shamim Meer (2003). Este defende que para entender a questão dos Movimentos Sociais é necessário analisar a relação Estado/sociedade e a maneira como as organizações-movimento são moldadas pelo Estado no mesmo momento em que se estabelece um conflito entre ambos. Segundo o autor, as políticas dos Movimentos são respostas a políticas do estado. Acrescenta ainda a existência de uma relação dinâmica e dialética entre Estados e Movimentos. 16 Apartheid (“vida separada” é uma palavra africânder adotada legalmente em 1984 na África do sul para designar um regime segundo o qual os brancos detinham o poder e os povos restantes eram obrigados a viver separadamente, de acordo com regras que os impediam de ser verdadeiros cidadãos. Este regime foi abolido por Frederik de Klerk, em 1990 e, finalmente, em 1994, eleições livres foram realizadas). (Disponível em: <http://pt.org/apartheid.htm>. Acesso em; 7. Jul. 2012) 72 Na África do Sul, por exemplo, os Movimentos foram moldados segundo a repressão do Estado Capitalista, colonialista e do apartheid. As histórias de resistência da África do Sul também são moldadas pelas ideologias dominantes acerca do sexo, embora os relatos históricos não enfatizem sobre as questões de subordinação sexual. Porém é necessário acrescentar que a repressão estatal afetou homens e mulheres de formas distintas. Em se tratando do Brasil não há como não trazer à tona o Movimento Negro, que segundo os pesquisadores Junior e Silva (2010) é um dos mais antigos Movimentos Sociais brasileiros, formado por diversas entidades tais como quilombolas, rurais, urbanas, culturais, políticas, jovens e mulheres, dentre outras. Mesmo na diversidade os pesquisadores afirmam que todos têm em comum duas bandeiras consideradas principais “a luta pela igualdade racial e a defesa da cultura e da identidade negra” (JUNIOR e SILVA, 2010, p. 48). É importante relembrar, mesmo que de forma breve, que as mulheres tiveram um grande envolvimento na resistência política contra o estado e o apartheid, ainda que tal resistência tenha ocorrido nas organizações dominadas por homens que reconheciam a questão da mulher, mas não consideravam que tal desigualdade fosse algo fundamental a ser extinguido para se conquistar uma sociedade igualitária, Meer (2003). O autor defende que as mulheres contribuíram no seio das organizações e ergueram-se em protesto ativo. Dentre tantos movimentos e sindicatos que foram se unindo e somando forças os trabalhadores negros resistiram à investida do capitalismo racial. Este fato só vem a concretizar que é unindo forças que os movimentos podem chegar aos seus objetivos, retomando então os ideais de Santos (2001), que buscam o resgate de algumas posturas e ideais que se consolidaram nos antigos Movimentos. É certo que os países com Novos Movimentos Sociais fortes são aqueles em que os velhos Movimentos Sociais também continuam fortes. Devido a isso é que a América Latina se sobressai aos países periféricos e semi-periféricos (SANTOS, 2001). A partir do que vem sendo discutido podemos acrescentar que os Movimentos Sociais têm uma grande responsabilidade quanto à formação dos sujeitos em seu interior, considerando que um movimento, independente de qual for a causa da luta, seja contra o racismo, a exclusão da mulher, bem como outros, estão diretamente ligados a fatores que envolvem a cultura em que cada ser esta inserido, e por isso podem ser pensados como um meio para fortalecer ou resgatar a identidade individual enquanto sujeito. Assim se volta à busca pela reflexão de que as conquistas do Movimento Negro podem instigar a mudança no que tange à visão de subalterno que a maior parte do povo de 73 origem afro tem de si mesmo. Isso nos reporta novamente as palavras de Freire (1974) ao definir a expressão “ser mais”. Acreditamos que estas mudanças significam que o povo afro vem pouco a pouco, se libertando das opressões a qual foi submetido, passando a se identificar e a se reconhecer na sua cultura. Isso leva-nos a crer que as conquistas do Movimento Negro interferem de maneira positiva na construção das identidades do afrodescendente no Brasil. Figura 6: Grupo de dança Charme da Liberdade http://www.expoijuifenadi.com.br/publicacao-42expoijui.fire. Acessado em 25 de janeiro de 2013. 74 3. GRUPO CULTURAL HERDEIROS DE ZUMBI: CULTURA X IDENTIDADE. Considerando que este trabalho trata sobre construção de identidades no contexto do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, é que se entende a necessidade de buscar entendimento e dar visibilidade ao conceito de cultura, pois é nas relações culturais que as identidades se constroem. Importa ressaltar que, conforme os referenciais assumidos, a identidade não é estática, pois se modifica devido às mudanças culturais. Nesse sentido há necessidade de enfatizar que as mudanças ocorridas na concepção de cultura são fatores que atravessam a construção das identidades, moldando-se em meio a tantas relações, vivências e informações. Estas, por sua vez, vão muito além de uma cultura local, pois se enredam na cultura global. Assim, para estudar a construção das identidades no Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí é fundamental entender que as identidades se afirmam e se chocam em meio a diferentes culturas. O estudo efetivado vem mostrar que a identificação da cultura africana, realizada nos anos anteriores a 2012, se mostrava de uma maneira mais sutil pelos integrantes do Grupo Cultural, e que talvez isso possa ser visto como um meio de afirmação de suas identidades. Neste ano, de uma forma bem mais intensa mostraram a cultura africana através dos costumes dos povos ancestrais, e parecem estar fortemente engajados para que a cultura afro não seja esquecida em meio ao emaranhado de informações que nos são lançadas a todo o momento devido à globalização. Como já foi visto anteriormente há estudos que comprovam que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí é fomentador da busca pela afirmação da identidade negra junto aos seus participantes, bem com em sua relação com a comunidade e a feira de culturas diversificadas. Já foi referido que esta identidade é atravessada por fatores de diversas ordens com um histórico que ressalta o preconceito e a exclusão. Aqui, buscar-se-á mostrar que na contemporaneidade a identidade também é atravessada por fatores que dizem respeito à massificação das informações. Reafirmamos também que a identidade não é estática, e vem entrelaçada com o termo cultura, que por sua vez se modifica a todo o momento. Para Hall: A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, na medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, em cada 75 uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente. (HALL, 1999, p.13) A partir do que salienta Hall (1999) vale ressaltar que não existe uma identidade fixa, uma vez que é preciso considerar que os conceitos, as crenças, os valores vão sendo mudados diante dos sistemas culturais. E nesse sentido podemos inferir que além do contexto de exclusão e inferiorização, a identidade do afro-brasileiro também se molda segundo o que é imposto pela mídia. Através do estudo feito, foi possível perceber que a cultura afro-brasileira, assim como qualquer outra, parece estar sofrendo alterações diante da cultura global que passou a invadir a vida pública e privada. Isso se traduz na fala do presidente do Grupo Cultural que diz “ter medo de que a cultura afro desapareça”, motivo da preocupação em oferecer condições para que os componentes não desistam. Na fala do presidente: Nós nos preocupamos com tudo, desde a roupa até o transporte. Precisamos dar condições para que as pessoas possam fazer parte do grupo. Tenho medo de que com o tempo a etnia desapareça, e por isso mesmo tudo é doado pelo movimento. Há também o grupo de dança infantil, chamado Zumbi Erê, que significa a continuidade do Grupo. Precisamos dar continuidade à visibilidade da cultura afro nesta cidade. (Wilmar Costa da Rosa) É preciso esclarecer que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí se preocupa com a cultura a partir da tradição africana. Como relatado pelo presidente o Grupo infantil representa a continuação do Grupo Herdeiros de Zumbi de Ijuí, pois neles se observa a possibilidade de continuidade e visibilidade da cultura afro. Há algum tempo houve a tentativa de montar um Grupo infantil, porém não havia crianças o suficiente. Segundo T.C.S: 2012 foi o primeiro ano do Grupo infantil, há uns 2 anos atrás a gente já tentou montar mas não tinha criança, porque a gente queria pelo menos umas 6 ou 8 crianças, pois era preciso um número par por causa de algumas danças. Se tiver menos crianças alguém sobra e eles se sentem mal. Agora deu certo, porque cada integrante do Grupo incentivou um irmão. Depois da expo foi feito um anúncio no rádio para convidar as crianças a participarem. As mães escutaram e agora estão buscando informações porque acharam muito bonito. Nós acreditamos que é bom pra eles fazer parte do Grupo. Precisamos tomar iniciativa de fazer um Grupo infantil agora porque quando forem maiores já terão responsabilidade, saberão conviver em grupo. Eles aprendem no Grupo, eles aprendem a cultura, e o quanto é importante mostrar essa cultura. A gente tem planilhas, livros, há xerox que a gente instiga a ler. Cada coreografia faz o resgate de uma história, assim eles sabem o que estão fazendo e com cada dança também vão aprendendo. (Entrevista com T.C.S.) 76 Considerando a fala de T.C.S é possível uma reflexão para o fato de que as crianças ou até mesmo os adultos participantes assíduos do Grupo, ao mesmo tempo em que aprendem a história de seu povo também passam a se identificar com essa história. Acredita-se que nesse contexto se afirmam e se constroem identidades, conforme explicita o conceito trabalhado por Hall (1999), quando este afirma que as identidades não são fixas, mas vão se moldando segundo sistemas culturais. A argumentação do autor chama atenção para o fato de que hoje fazem parte deste sistema os meios de comunicação de massa, que por um lado parecem homogeneizar as culturas; e por outro parecem distanciá-las ainda mais. Interessa expor que a construção das identidades não é instigada apenas pela cultura local, pois a cultura global é invasiva. Logo, as teorias vêm mostrar e discutir sobre esses fatores que interferem na construção das identidades. Os seres humanos são seres interpretativos, instituidores de sentido. A ação social é significativa tanto para aqueles que a praticam quanto para os que a observam: não em si mesma, mas em razão dos muitos e variados sistemas de significado que os seres humanos utilizam para definir o que significam as coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns em relação aos outros. Estes sistemas ou códigos de significado dão sentido as nossas ações. Eles nos permitem interpretar significativamente nossas ações alheias. Tomados em seu conjunto, eles constituem nossas “culturas”. (HALL, 1999 p.16) Dessa maneira, é possível entender que toda ação social é cultural, uma vez que as práticas sociais são responsáveis por expressar significado, e assim, são práticas de significação. Hall (1999) menciona que no século XX vem ocorrendo uma “Revolução Cultural”, que se mostra devido às mudanças na organização da sociedade moderna. “Os meios de produção, circulação e troca cultural, em particular tem se expandido, através das tecnologias e da revolução da informação” (HALL, 1999, p.17). Nesse prisma, a indústria cultural, ainda que indiretamente, tem se tornado mediadora em muitos processos, uma vez que a mídia ao mesmo momento em que é uma parte crítica na infra-estrutura material das sociedades modernas, também é um dos principais condutores de circulação de ideias e imagens existentes nestas sociedades, “Hoje, a mídia sustenta os circuitos globais de trocas econômicas dos quais depende todo o movimento mundial de informação, conhecimento, capital, investimento, produção de bens, comércio de matéria prima e marketing de produtos e ideias” (HALL, 1999, p.17). É por este viés que se descobre um mundo midiático no qual as distâncias e o tempo se encurtam e tudo nos é oferecido com tamanha velocidade, são os “novos sistemas nervosos que enredam numa teia sociedades com histórias distintas, diferentes modos de vida, em 77 estágios diversos de desenvolvimento e situada em diferentes fusos horários”. (Hall, p.18, 1999) Nesse sentido se entende o impacto que tais mudanças vêm causando, tendo em vista que vivemos neste mundo de urgências sob influência da cultura global. Como aponta o autor, “É especialmente aqui que as revoluções da cultura em nível global causam impacto sobre os modos de viver, sobre o sentido que as pessoas dão à vida, sobre suas aspirações para o futuro – sobre a cultura num sentido mais local” (HALL, p.18, 1999). Nessa perspectiva, a mídia acaba por vir a possibilitar uma homogeneização cultural uma vez que por meio das tecnologias é oferecido ao mundo um conjunto de produtos culturais. No conceito de Hall (1999) não há uma resposta simplista para o fenômeno da globalização e das mudanças significativas que esta trouxe tanto para o aspecto espacial, temporal, bem como para o cultural. É certo que tais mudanças impactam também no local, no qual são evidentes as transformações no modo de vida das pessoas que por vezes acabam se tornando vítimas desta mudança cultural, que engloba desde o mundo do trabalho até as questões de composição familiar, bem como as crenças. E assim, a cultura acaba sendo mediada pela mídia que impõe, e acaba também por ser responsável pela construção das diferentes identidades. Segundo a dançarina do Grupo: A cultura pra mim é uma coisa que a gente já vem aprendendo desde criança, não só a cultura afro, todo tipo de cultura é um resgate do que os nossos antepassados faziam, eu, como dançarina penso que a gente tem que buscar resgatar a nossa cultura antes que seja esquecida. Hoje, com a modernidade a cultura vai se perdendo, sendo esquecida pelo povo. Tem pessoas que cuidam muito da parte física, porque é isso que a mídia impõe. Nós temos muitas gordinhas dançando, isso pra nós é importante, porque elas mostram que todos podem fazer a mesma coisa, elas deixam as pessoas num patamar de igualdade. Mas para isso a pessoa tem gostar do que faz, tem que amar mostrar a nossa cultura, não pode ficar se menosprezando e dando valor pra tantas informações que nos são passadas. (Entrevista com T.C.S) Através do depoimento, conferimos a importância do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi para a dançarina do Grupo, e sua preocupação em identificar a cultura do povo afrobrasileiro. Apesar das dificuldades, é preciso considerar que o trabalho desenvolvido no Grupo tanto para mostrar a cultura quanto para aprender sobre ela, seja através da música, da dança, dos pratos típicos, das reuniões ou dos eventos internos e externos, só vem a auxiliar no que diz respeito a afirmação da cultura afro-brasileira. Interessa questionarmos se há a possibilidade de a cultura afro, através dos costumes, crenças, tradições, corra o risco de perder gradativamente espaço para a cultura midiática. Talvez seja por isso que o Grupo Herdeiros de Zumbi de Ijuí tenha sentido a necessidade de 78 buscar a identificação da cultura nos povos ancestrais, o que nos faz entender o quanto a cultura atravessa a constituição das identidades, seja ela ancestral ou contemporânea. Entendemos com base nos estudos de Hall (1999) que as identidades são construídas, confirmadas, confrontadas e negociadas somente na cultura, sendo assim o Grupo Cultural trabalha na perspectiva de ensinar e buscar identificação na cultura afro. Figura 7: Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi Fonte: T.C.S Desfile das etnias no centro de Ijuí. Abertura da Expoijuí 2012 79 3.1 Cultura/tradição x cultura/informação: a importância do resgate da cultura através da tradição. É importante para este trabalho mostrar as mudanças que vem acontecendo a todo o momento em relação a questões culturais, pois estão intrinsecamente ligadas a questões da identidade. Nesse sentido chamamos a atenção para o trabalho realizado no Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, como sendo ações afirmativas de identidades, se tornando necessário ressaltar que mesmo diante de toda a complexibilidade a envolver a “cultura” o Grupo Cultural busca formas para manter viva a tradição africana dos seus ancestrais, seja por meio das músicas que trazem a história, ou por meio das diversas atividades desenvolvidas durante o ano. Isso vem a comprovar o fato de que o Grupo Cultural embora não seja uma instituição como a exemplo da escola, também educa por meio das atividades já mencionadas. Para tanto é importante retomar o sentido pelo qual a Lei 10.639 entrou em vigor. A pesquisadora e militante Nilma Gomes enfatiza: A Lei 10.639/03 faz parte das políticas de ação afirmativa. Estas tem como objetivo central a correção de desigualdades, a construção de oportunidades iguais para os grupos sociais e étnico-raciais com um comprovado histórico de exclusão e primam pelo reconhecimento e valorização da história, da cultura e da identidade desses segmentos. (GOMES, 2008, p.79) O que a pesquisadora ressalta pode servir de base para afirmar que o Grupo Cultural Herdeiros de zumbi de Ijuí vivencia ações educativas. Pode-se dizer, ainda, que o Grupo usa da educação informal para a valorização da história, centrada na tradição de seus ancestrais, pois se ocupa das várias atividades aqui já mencionadas para dar visibilidade a sua cultura, auxiliando de maneira positiva na construção das identidades que estão em contato com a história do povo negro para além do contexto da escravidão. É importante salientar que a identificação da cultura por meio da tradição não deva ser uma tarefa fácil, considerando a complexidade da cultura contemporânea. Isso implica em entender que todas as mudanças que agora são instigadas por fatores que vão além de tradições, de crenças e de formas de organização locais e particulares, dizem respeito também a questões que envolvem este mundo globalizado, midiático e centrado em urgências. Tudo muda se transforma com rapidez. Isso alude em afirmar o quanto é significativa a função do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, pois mesmo diante desse contexto complexo instiga nos 80 participantes o sentimento de ser mais, (FREIRE, 1974) e assim auxilia na afirmação das identidades dos seus integrantes. Os estudos e as entrevistas com os integrantes do Grupo Cultural permitem afirmar que este tem como alicerce a busca da cultura através da tradição, ou seja, das crenças, dos costumes que vem sendo passados de geração em geração, mesmo que aconteça ali também um trabalho de tradução. Entendemos que há todo um trabalho voltado a essa construção, pois a cultura se constrói na sociedade, e esta por sua vez esta impregnada da cultura globalizada que vem inovando e se desfazendo do que é conhecido como tradição. Dessa forma é possível entender que a cultura não é algo estático, pois não pertence a uma sociedade ou comunidade fechada, e por isso esta em constante transformação. Nesse sentido a cultura é atravessada por diferentes instrumentos que vão desde a cultura de massa até mesmo as particularidades e escolhas de cada pessoa. Uma cultura é uma associação de técnicas de utilização de recursos naturais, de modos de integração a uma coletividade e de referências a uma concepção do sujeito, religiosa ou humanista. Ela não é um bloco de crenças e de práticas, e por isso pode se transformar quando um de seus componentes principais se modifica. (TOURAINE, 1998, p.46) Ante ao já mencionado, o assunto cultura vem entrelaçado com as questões da modernidade e globalização, e assim entendemos que não há como estudar fatores culturais trazendo como base somente teorias antecedentes a este fenômeno, uma vez que a cultura vem sendo reformulada a cada passo crescente da tecnologia. Logo, somos interpelados por essa cultura de massa, que de um lado massifica as informações, dita regras quanto à estética, trabalho, moda instigando a homogeneização, e de outro lado acaba por incentivar também o imediatismo, individualismo, a competição etc., a partir daí se questiona como conviver e negociar e, talvez, organizar as diversidades diante de tanta informação e comunicação. Nesse pressuposto entendemos que as identidades, que antes se constituíam segundo valores da cultura através da tradição agora também sofrem influências da modernidade, da globalização, o que nos permite observar que quanto mais a globalização se impõe, mais os movimentos sociais se fazem necessários. Dentre tantos o Movimento Negro, e não somente, quando entendemos que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí ainda que não assuma uma postura de militância, também exerce um trabalho fundamental para dar visibilidade à cultura através da tradição. Nesse sentido este estudo busca abranger os vários aspectos sobre a cultura contemporânea para tentar entender algumas dificuldades encontradas pelo Grupo Cultural na 81 busca de um pertencimento comunitário, mesmo em contraste com os outros grupos junto a Expo Fenadi, quando se trata da afirmação de uma identidade provinda do contexto de exclusão e preconceitos, além de outros fatores diversos gerados pela globalização. Para melhor entendimento buscamos amparo em Canclini (1997) para enfatizar o sentido da palavra “cultura” em diversas áreas de estudos. Segundo o autor: para as antropologias da diferença, cultura é pertencimento comunitário e contraste com os outros, já para algumas teorias sociológicas da desigualdade, cultura é algo que se adquire fazendo parte das elites ou aderindo aos seus pensamentos e gostos; as diferenças culturais procederiam da apropriação desigual dos recursos econômicos e educativos. Enquanto que os estudos Comunicacionais consideram quase sempre que ter cultura é estar conectado. É importante chamar a atenção ao sentido da palavra cultura para a teoria sociológica e também para a teoria da antropologia, pois é perceptível que os componentes do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí tem um pertencimento comunitário, ao mesmo tempo em que formam suas subjetividades, pois é nas relações culturais que as identidades estão sendo construídas e significadas. No entanto, há possibilidades de supor que os estudos Comunicacionais acabam por enfraquecer o que entendemos por cultura através da tradição, a qual diz respeito a valores, costumes, crenças de nossos antepassados. Parece que agora está em evidencia uma cultura imediata, que deixa de lado a tradição, ou seja, os valores, crenças, etc., e que se propaga através dos meios tecnológicos a partir dos quais devemos estar conectados. Nesse aspecto dos diferentes sentidos para o termo “cultura” Canclini (1997) chama atenção para o fato de que não existe um processo de evolução que vá substituir uma teoria por outra, a questão está em estudar como se chocam ou se ignoram as então cultura.com, cultura comunitária e a cultura como distinção. É uma questão teórica e é um dilema-chave nas políticas sociais e culturais. Não só como reconhecer as diferenças, como corrigir as desigualdades e como conectar as maiorias às redes globalizadas. Para definir cada um desses três termos, é necessário pensar os modos pelos quais se complementam e desencontram. Nenhuma destas questões tem o formato de há trinta anos. Mudaram desde que a globalização tecnológica passou a interconectar simultaneamente quase todo o planeta e a criar novas diferenças e desigualdades. (CANCLINI, 1997, p.16) Sempre existiram diferenças e desigualdades, porém o que salienta o autor é que com a globalização surgiram novas diferenças e novas desigualdades. Isso implica em novos 82 desafios ao Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí que busca dar visibilidade à cultura dos seus ancestrais. Acreditamos que as atividades desenvolvidas no Grupo, em especial as participações em eventos externos acabam por conectar o Grupo neste universo globalizado. Isso se concretiza quando há sites que publicam a última conquista do Grupo afro de Ijuí ressaltando que este ganhou o título de melhor Grupo afrodescendente do Rio Grande do Sul. Porém, sabemos que estar conectado não significa pertencer a uma sociedade. Nesse sentido Hall (1999) e Touraine (1998) discutem que o desenvolvimento já não é mais a série das etapas pelas quais uma sociedade sai do subdesenvolvimento, assim como a modernidade não ocorre a partir da tradição. Para os estudiosos as informações bem como os capitais e as mercadorias atravessam fronteiras, e o que estava distante se aproxima e o passado torna-se presente. Dessa forma: Tudo se mistura; o espaço e o tempo estão comprimidos. Em vastas partes do mundo, os controles sociais e culturais estabelecidos pelos estados, pelas igrejas, pelas famílias ou pelas escolas se enfraquecem. E a fronteira entre o normal e o patológico o permitido e o proibido, perde a sua nitidez. (TOURAINE,1998 p.9) Aqui, vale resgatar o que Hall (1999) salienta, no momento em que argumenta sobre as mudanças devido a globalização, sendo necessário chamar a atenção a pergunta lançada por Touraine (1998) “poderemos viver juntos?” Segundo o autor já vivemos juntos numa sociedade mundializada, globalizada que invade a vida privada e pública de cada pessoa, pois assistimos os mesmos programas de televisão, usamos as mesmas roupas, bebemos as mesmas bebidas e por fim usamos a mesma língua para nos comunicarmos com pessoas de outros países. Porém, é fácil entender que não é toda essa semelhança que nos fará pertencer a uma mesma sociedade ou cultura, uma vez que devido a globalização, as tecnologias, os instrumentos e mensagens, de um lado estão presentes em toda a parte e de outro lado não estão em lugar nenhum, pois não estão diretamente ligados a nenhuma sociedade ou cultura em particular. Esta dessocialização da cultura de massa, faz com que vivamos juntos apenas à medida que fazemos os mesmos gestos e utilizamos os mesmos objetos, mas sem sermos capazes de nos comunicar além da troca dos signos da modernidade. Nossa cultura não comanda mais a nossa organização social, a qual por sua vez, não comanda mais a atividade técnica e econômica, mundo instrumental e mundo simbólico separam-se. (TOURAINE, 1998, p.10) 83 Nesse prisma, o autor aborda que as pequenas sociedades se fundam na sociedade mundial e devido a isso se desfazem os conjuntos ao mesmo tempo territoriais e políticos, sociais e culturais que se intitulavam até então, sociedades, civilizações ou países. Nesse sentido, a dessocialização da cultura de massa, por um lado, acaba por fazer que o sujeito mergulhe na globalização, e de outro lado, conduz a defesa da identidade na busca de apoio em grupos primários, “reprivatizando uma parte ou às vezes a totalidade da vida pública” (TOURAINE, 1998, p.12). Esses fatores acabam pela complexibilidade a causar uma confusão, considerando que de um lado há uma sociedade que busca manter valores, crenças, etc. E de outro está uma sociedade midiática e globalizada que se ocupa de todos os signos da comunicação para a interação com o resto do mundo. Dessa forma existem dois lados a serem pensados sendo que para viver em comunidade é preciso da comunicação. Ou então, vivemos juntos sem nos comunicar senão de maneira impessoal, por sinais técnicos, ou só nos comunicamos no interior de comunidades que se fecham tanto mais sobre si mesmas porque sentem-se ameaçadas por uma cultura de massa que lhes parece estranha. [...] Esta ruptura entre o mundo instrumental e o mundo simbólico, entre a técnica e os valores, atravessa toda a nossa experiência, da vida individual à situação mundial. Somos ao mesmo tempo daqui e de toda parte, isto é, de lugar algum. (TOURAINE, 1999, p.13) Esse é um dos fatores que segundo o autor é um agravante no que diz respeito à dificuldade de definir nossa personalidade, pois os laços entre a sociedade local ou nacional que se sustentavam através das instituições, da língua e da educação agora se desfazem. Seguindo essa concepção, a globalização pode significar a transnacionalização, ou seja, a ruptura de barreiras na transação comercial e cultural de um país para outro, mas, também pode significar a exclusão, tendo em vista que estamos expostos a tudo, mas com poucas possibilidades de interação, de aceitação para entender todas estas diferenças que se mostram no cotidiano. Alguns de nós se lançam no fluxo das informações e dos produtos da sociedade de massa; outros procuram reconstruir uma comunidade que protege a sua identidade. Filtrando as incitações provenientes da produção, do consumo ou da comunicação de massa. Mas a imensa maioria de nós pertence e quer pertencer a um e outro universos. Vivemos numa mistura de submissão à cultura de massa e de volta a nossa vida privada. (TOURAINE, 1998, p.29) Nesse contexto se entende que a vida privada é invadida pela cultura de massa, e que a globalização parece ter privado a sociedade de seu papel de criadora de normas, mesmo 84 assim, cada um de nós se reafirma enquanto sujeito como pertencentes a uma tradição. Para Touraine (1998) é preciso questionar a representação social da sociedade e da história que coloca acima de tudo a ideia de uma sociedade racional, animada por seres nacionais. O autor chama a atenção a tal pensamento porque este afasta a ideia de uma diversidade cultural ligada à persistência de tradições, de crenças e de formas de organização locais e particulares. O fato é que essa cultura que se destina a persistência das tradições, se choca com os produtos culturais de alta tecnologia. No que aponta Warnier (2000) os filmes, bem como as séries de televisão, são produtos culturais de alta tecnologia e representam objetos de um consumo de massa transitório que se inova a cada momento. Assim, de um lado, existe uma tradição que na maioria das vezes, já dura há séculos, e de outro lado temos uma produção recente que se destina ao consumo quase que imediato. Os problemas colocados pela globalização da cultura se inscrevem no espaço aberto por esta diferença: qual é peso das culturas do mundo – como por exemplo a cultura do índios da Amazônia, dos Inuits, dos ciganos ou dos alsacianos – diante do assalto das indústrias da cultura? Qual é o peso do cinema ou do audiovisual francês diante do gigante americano? (WARNIER, 2000, p.11) Para o teórico as palavras cultura e civilização, podem ser consideradas como a bússola da sociedade, pois a partir daí uma sociedade sabe de onde vem e como deveria se comportar. Logo, enfatiza que a noção de cultura, passa a se caracterizar pela maneira com que é transmitida, e chama a atenção para a palavra “tradição”. Esta para o autor se define como sendo o que permanece do passado no presente e que transmitida continua sendo aceita pelos que a recebem que por consequência continuarão por transmiti-la ao longo dos tempos. Para Warnier: A indústria se intromete nas culturas-tradições, transformando-as e, às vezes, destruindo-as. Esta intrusão é um momento de conflitos. Ela se presta à controvérsia e deve ser colocada no centro da análise da globalização cultural. Na realidade as culturas antigas são transmitidas pela tradição, ao passo que a cultura industrial se destina à inovação. (WARNIER, 2000, p.13) Porém tais observações não simplificam de todo a análise para o termo cultura, pois existe uma resposta universal às questões ligadas a cultura,“tudo depende do que desejamos analisar. Ora o que queremos analisar, são as turbulências culturais da época atual. Ao olhar da globalização dos mercados, as culturas aparecem como localizadas”. (WARNIER, 2000, p.14) 85 Por localização, compreendemos, por exemplo, o fato de que a música dos pigmeus seja praticada nas florestas tropicais do Golfo da Guiné, que a troca cerimonial chamada de Rula tenha sido desenvolvida nas ilhas Trobriand do Pacífico, que as touradas seja uma prática limitada à Península Ibérica e ao Sul da França, etc. as culturas são singulares, extraordinariamente diversas e localizadas, na maioria dos casos, esta localização é geográfica. Mas ela pode cobrir uma dimensão mais social que espacial, no caso das diásporas, ou seja, das comunidades dispersas pelo mundo. (WARNIER, 2000, p.14) O estudioso declara que as culturas sempre mantiveram contato umas com as outras, e que devido às transformações causadas pelas revoluções industriais17, muitas mudanças ocorreram também nas culturas. Segundo o autor, a partir do momento em que os países desenvolvidos adotaram máquinas para fabricar produtos culturais e, aliado a isso, meios de difundi-los com grande potência, conseguem espalhar no mundo inteiro tais produtos, de maneira massiva. São produtos da sua própria cultura, mas também da cultura dos outros, o que foi designado por Indústrias Culturais18. Para o pesquisador o que os estudiosos chamam de cultura industrial, cultura de massa, pode acarretar uma padronização, porém, apenas de maneira superficial, pois ao mesmo tempo em que aproxima também afasta as pessoas, sociedades, países, ou nações. Fazem parte das indústrias culturais as atividades industriais que visam produzir, e comercializar discursos, sons, imagens e artes, e qualquer outra habilidade ou hábito obtido pelo homem como parte da sociedade que possuam em diferentes graus as características da cultura mencionada até agora. Cada cultura-tradição possui suas próprias práticas nos domínios das técnicas do corpo, da cultura material, dos costumes. A produção industrial dos bens do consumo corrente despeja no mercado objetos que, levados pela expansão contínua das trocas mercantis até os recantos mais distantes do planeta, entram em concorrência com os produtos das culturas locais: cassetes e transitores contra o balafon, a flauta andina, xilofone ou o gamelão; mesa e cadeira contra esteiras e tatame; hambúrguer contra o cozido [...] Neste sentido, todos os sistemas de abastecimento industriais de massa veiculam e mercantilizam a cultura. Este privilégio não é reservado às indústrias culturais. (WARNIER, 2000, p.30) 17 Revolução Industrial: processo pelo qual os países desenvolvidos foram dotados de máquinas para fabricar produtos culturais e de meios de difusão de grande potência. (WARNIER,2000, p. 26) 18 A expressão “Indústrias Culturais” parece ter sido utilizada pela primeira vez em 1947, por Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, dois sociólogos de um grupo que chamamos de Escola de Frankfurt (cujas personalidades mais marcantes foramTheodor W. Adorno e Max Horkheimer, Herbert Marcuse e Jurgen Habermas). Os dois primeiros pretendiam estigmatizar a reprodução em série dos bens culturais, que coloca em perigo a criação artística. De uma maneira geral, a Escola de Frankfurt sublinhava os aspectos negativos da modernidade industrial, incapaz de transmitir uma cultura que atingisse os sujeitos em sua profundidade, reduzida ao pastiche, ao falso e a padronização superficial. (WARNIER, 2000, p. 27) 86 Nesse enfoque, a indústria como cultura nada mais é, do que uma cultura-tradição entre as outras, porém surge aliada a uma potência de difusão planetária, conhecida aqui como indústria, a qual, no que discerne o autor também pode ser considerada como uma tradição que tem raízes em uma história local, cuja devido à tecnologia tem uma inclinação mundial. Há uma indagação no que se refere às mudanças no conceito de cultura, e a todo esse amontoado de informações provenientes de um momento em que a globalização acaba por apontar diferentes fatores para se pensar numa cultura segundo valores midiáticos. Tal indagação nos faz resgatar o que Canclini (1990) questiona sobre o que ainda resta daquilo que então já foi chamado de “popular”. Nesse sentido o autor discute que, embora os meios eletrônicos venham a mostrar continuidade com as culturas populares tradicionais sendo considerados “teatralizações imaginárias do social”, estes acabam por deformar a autenticidade do folclore. “A mídia chega para incumbir-se da aventura, do folhetim, do mistério, da festa, do humor, toda uma zona mal vista pela cultura culta, e incorporá-la à cultura hegemônica com uma eficácia que o folclore nunca tinha conseguido” (CANCLINI, 1999, p. 259). A cultura então conhecida como popular, ou seja, própria do povo com suas especificidades e também diferenças vem desde muito tempo se chocando com este fato de ganhar um lugar posto, uma vez que lhe é imposto um lugar de inferioridade, e neste enlace é interpelada a todo momento às mudanças feitas pelo contexto midiático que acaba por corromper a sua autenticidade. O que é o povo para o gerente de um canal de televisão ou para um pesquisador de mercado? Os índices de audiência, a média de discos que um cantor vende por mês, as estatísticas que podem exibir diante dos anunciantes. Para a mídia, o popular não é o resultado de tradições, nem da “personalidade” coletiva, tampouco se define por seu caráter manual, artesanal, oral, em suma pré-moderno. Os comunicólogos vêem a cultura popular contemporânea constituída a partir dos meios eletrônicos, não como resultado de diferenças locais, mas da ação difusora e integradora da indústria cultural. (CANCLINI, 1999, p.259) Os meios de comunicação entendem o popular de acordo com a lógica do mercado, e assim o popular nada mais é do que aquilo que agrada o maior número de pessoas, o que importa é dar visibilidade ao substantivo “popularidade”. Para o autor o interesse maior da indústria cultural não se centra em preservar o popular como cultura ou tradição, fato que vem ao encontro do que já vínhamos discutindo anteriormente quando foi apresentado que a cultura através da tradição parece enfraquecer diante dos aspectos da globalização, no qual se 87 evidencia a lógica do mercado, do consumismo, das urgências, da mídia que impõe normas e que por isso, de um lado parece homogeneizar as culturas e de outro lado distancia ainda mais. Canclini (1997, p.16) ressalta que “As trocas econômicas e midiáticas globais, assim como os deslocamentos de multidões aproximam zonas do mundo pouco ou mal preparadas para se encontrarem”. Esse estudo nos leva a supor que todas essas mudanças provindas do fenômeno da globalização interferem na construção das identidades, sendo necessário trazer à tona que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí, consegue chamar atenção para a cultura/tradição contradizendo a todos os aspectos que vem sendo discutidos. E o mais importante é que consegue desencadear nos seus participantes o orgulho em ser afrodescendente, em ser negro, mesmo não tendo o cabelo ou a cor da pele em evidencia no momento. Todas essas transformações acabaram por trazer consequências para a arquitetura da multiculturalidade, considerando que já não são suficientes as políticas educacionais e de comunicação, bem como os estados e as legislações nacionais que até então ordenavam a coexistência de grupos em território. Em consequência, falam-se mais de cinquenta línguas numa única cidade; aumenta o tráfico ilegal entre os países, assim como as guerras preventivas entre países que são travadas no interior de cada nação, e no interior das megacidades. Acontece que passamos do mundo multicultural ao mundo intercultural globalizado. 3.2 Multiculturalismo e interculturalismo: reeducação para mudança Este capítulo vem se preocupando em mostrar evidencias que foram se constituindo a partir das observações e entrevistas realizadas no contexto da casa afro Herdeiros de Zumbi. Tais evidências vêm afirmar que o Grupo tem um papel importante no que diz respeito à construção ou afirmação das identidades dos seus integrantes, ainda mais quando se entende que as identidades são construídas, confirmadas, confrontadas, e negociadas somente na cultura. Logo, as identidades se constituem não somente segundo valores a partir da tradição, mas também segundo valores que dizem respeito à Indústria Cultural. Tais assuntos acabaram por levantar o questionamento sobre ser possível que a cultura a partir da tradição venha perdendo espaço para esta cultura da informação. Esta por sua vez acaba por instigar a homogeneização por meio de valores em relação à estética, trabalho etc. Porém é necessário retomar que Canclini (1997) afirma que essa 88 homogeneização acaba por incentivar também ao imediatismo, individualismo e a competição. Nesse sentido vale resgatar o que Touraine (1999) defende quando trata das mudanças no âmbito cultural, pois esclarece que a homogeneização pode significar a exclusão, uma vez que todos estão expostos a tudo, porém com poucas possibilidades de aceitação e interação. Foi a partir de tal discussão que ficou clara a importância de trazer à tona a questão da multiculturalidade e da interculturalidade. Tendo em vista que a busca pela interculturalidade ainda parece ser o caminho mais próximo para a aceitação ao diálogo com o outro, enquanto que da multiculturalidade se entende o reconhecimento das diversas culturas. Devemos lembrar que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí foi reconhecido como representante da cultura afro-brasileira no espaço da Feira das Culturas Diversificadas. Isso vem ao encontro do multiculturalismo, uma vez que este defende a ideia do reconhecimento das culturas diferenciadas. Porém há a indagação de que é necessário muito mais do que reconhecimento da existência de uma cultura, é preciso que acima de tudo haja aceitação e diálogo entre os diferentes grupos culturais. Nesse sentido é considerada a teoria do interculturalismo, pois esta tem a ver não só com o reconhecimento de que há culturas diferentes, mas também com a aceitação e com a interação a partir do diálogo entre as diferentes culturas. Entende-se que através de um pensamento intercultural se torne possível a convivência de diversos grupos culturais dentro de um mesmo espaço. É possível entender que sempre houve e irá haver divergências entre um grupo e outro, porém é fato que é necessário saber conviver com todas as diferenças aceitando-as nas suas particularidades, é isso que tornará possível a convivência diante de tanta diversidade cultural. Wilmar Costa da Rosa, atual presidente do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí relatou que foi presidente da União das Etnias (UETI), e dividia este cargo com um representante de outra etnia. Segundo ele havia uma luta pelos interesses de todos os outros grupos, porém notam-se algumas divergências. É preciso mencionar que através das conversas com os integrantes da casa afro ficou claro que existe o convívio entre os grupos, entretanto alguns tentam se mostrar superiores, e justamente por isso a existência da União das etnias se faz necessária. Segundo o presidente do Grupo Cultural: Há algum tempo uma etnia tentou monopolizar um produto (Chopp), afirmando que este era originário do seu país de origem, e por isso tinham o direito de ter privilégios. Porém essa monopolização traria desvantagens às 89 outras casas étnicas. Nesse momento foi importante fazer parte da presidência da União das Etnias, pois isso possibilitou fazer um estudo para defender uma causa que era de todos. A partir de uma pesquisa ficou constatado que o produto a ser monopolizado não era de origem da tal casa étnica. Isso desbancou qualquer possibilidade de privilégios em relação ao produto. (Entrevista Wilmar Costa da Rosa) Aqui fica a ideia que há possibilidades de interação entre as culturas, mas é importante ressaltar que sempre haverá aqueles que tentarão se mostrar superiores, considerando que ainda há um forte apego a questão do colonizado e do colonizador, no qual está em evidencia o colonizador europeu. Isso não é uma particularidade dos Grupos Culturais que se mostram dentro de um parque temático, neste caso a Expoijuí/Fenadi, pois fatos desse gênero estão presentes no dia a dia da sociedade Ijuiense. E é justamente por isso que se levanta a questão de que ainda prevalece a falsa ideia de que existem culturas superiores. Segundo a fala da bailarina integrante do Grupo T.C.S “a gente conversa com as pessoas dos outros grupos, tem relação boa. Em toda etnia tem alguém que a gente conversa, os grupos tem relação entre si, mas é uma festa”. Sobre as palavras de T.C.S é possível levantar um questionamento, pois ao mesmo tempo em que esta diz que os participantes do Grupo Herdeiros de Zumbi tem uma relação boa com os participantes dos outros grupos, esta também acaba falando “mas é uma festa”, isto poderia remeter a vários pressupostos, como o fato de que só existe o convívio devido à festa, o que levanta a hipótese de que fora do evento não haja interação entre os Grupos Culturais, ou até aconteça, porém de forma restrita. Nas palavras de T.C.S: Quem entra no Grupo tem que estar lá porque ama, porque gosta, no início já passamos isso para a pessoa, porque tem que passar isso para o público, dançar, representar a cultura, mostrar para o povo a importância da cultura que esta representando. Tem muita gente que fala mal da Cultura afro, existem muitos dizeres. Tem preconceito, agora menos que antigamente, mas tem preconceito por baixo dos panos, nós temos que quebrar esta barreira, temos que levantar a cabeça e representar a nossa cultura, porque as pessoas que falam mal, na realidade nem sabem o que estão falando porque não entendem, não convivem com o nosso sentimento de orgulho. (Entrevista com T.C.S) A partir do relato de T.C.S é viável relembrar a questão de que o Grupo Cultural passa por desafios para se manter no espaço da Fenadi, dentre os já mencionados no desenvolver deste estudo, pode-se acrescentar o fato de que ainda existem aqueles que alimentam a falsa ideia de que existem culturas mais desenvolvidas, mais importantes que as outras. Quando a dançarina do Grupo revela que “tem muita gente que fala mal da cultura afro”, de certa forma 90 ela está explicitando o que vem sendo discutido desde o primeiro capítulo, o qual apresenta o lugar ocupado pelo afrodescendente nesta cidade. Em contrapartida é importante dar atenção às palavras de T.C.S quando esta diz que é preciso quebrar as barreiras impostas pelo preconceito, que é preciso levantar a cabeça e mostrar a cultura do povo afro-brasileiro “porque as pessoas que falam mal, na realidade nem sabem o que estão falando porque não entendem, não convivem com o nosso sentimento de orgulho”. Aqui se evidencia a existência do preconceito que T.C.S diz se mostrar por baixo dos panos. Porém também chama atenção para o sentimento de ser mais, o qual para Freire (1974) significa se libertar de qualquer tipo de opressão, “nós temos que quebrar essa barreira temos que levantar a cabeça e representar nossa cultura” (T.C.S). Vale salientar ainda que diante de todos os relatos que vem sendo apresentados, se torna possível supor que o preconceito não está por baixo dos panos, ele está explícito e se mostra no cotidiano, seja através dos relatos dos participantes do Grupo, seja por meio das atitudes da sociedade. Segundo T.C.S quando instigada a falar sobre a maior dificuldade do Grupo: A maior dificuldade encontrada pelo Grupo é conseguir dançarinos homens, porque as outras coisas nós vamos nos ajudando. É muito difícil conseguir dançarinos que queiram mostrar a cultura, resgatar a história. Nós, participantes do Grupo conversamos e achamos que isso tem a ver com a cidade. Eu já vi grupos de outras cidades que tem músicas somente dançadas por homens, então depende dos olhares da população. Em Ijuí tem bastante negros, negros lindos, maravilhosos, mas eles se somem, desaparecem. Há preconceito, tem homens que pensam que vão ficar dançando e por isso serão rotulados de homossexual, eles não entendem que tem passos masculinos. Nós convidamos eles para ir ver os ensaios, mas eles não vão. (Entrevista com T.C.S) Novamente essa fala vem ao encontro do que já foi abordado em capítulos anteriores, sobre Ijuí ser uma cidade construída segundo valores que enobrecem a cor da pele, sendo necessário repetir que fazer parte do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi auxilia na construção das identidades dos seus integrantes, quando na voz de T.C.S se encontra mais uma vez o fator preconceito como um agravante para o Grupo, neste caso a dificuldade em ter componentes homens como integrantes. Isso, no que ressalta a dançarina do Grupo acaba por interferir também no que trata em organizar um grupo para mostrar a dança capoeira. 19 19 CAPOEIRA: É brasileira, mas de raiz cultural africana. É dança? É jogo? É luta? É tudo isso ao mesmo tempo? Parece que sim, e é isso que a torna tão complexa, tão rica, tão surpreendente. É luta "das mais violentas e traiçoeiras", dissimulada, disfarçada em "brinquedo", jogo de habilidade física, astúcia, beleza... e muita malícia! A Capoeira é uma manifestação da cultura popular brasileira que reúne características muito peculiares: 91 Nós queríamos muito que tivesse um grupo de capoeira, mas não tem homens o suficiente. Já pensamos em montar um grupo com maior número de meninas, mas não deu certo, quando tem eventos a gente convida um grupo de capoeira de fora pra mostrar a cultura. Mas nós queremos ter um grupo na casa, pode ser composto com mais meninas porque isso também acaba chamando atenção contra o machismo, a mulher também pode dar salto mortal, pode fazer qualquer coisa. (Entrevista com T.C.S) Através dos relatos da dançarina da casa é percebido novamente que há inúmeras dificuldades enfrentadas pela casa, mas fica evidente o quanto os participantes são persistentes, sendo interessante destacar a fala de T.C.S quanto menciona a possibilidade de ter um grupo de capoeira com maior número de meninas, o que chamaria atenção contra o machismo. Isso nos leva a entender que há uma consciência crítica que talvez possa ser despertada também pelo convívio no Grupo Cultural. Este, por sua vez vem dando visibilidade a cultura afro, ultrapassando barreiras impostas pelo preconceito de alguns que acreditam na existência de culturas mais desenvolvidas que as outras. Isso implica em acreditar que ainda há muito a fazer para desmistificar o lugar ocupado pelo colonizador e pelo colonizado no município de Ijuí. Diante desse enredo, parece já não haver mais espaços para os modelos de uma época em que era possível acreditar que cada nação podia combinar suas inúmeras culturas, agregando também as que iam chegando e, então “num só cadinho, ser um crisol de raças”. (CANCLINE, 1999, p.16). O que se percebe é que existe aceitação na crença de que há culturas mais desenvolvidas que as outras, o que pode ser uma das causas da não aceitação do outro cuja cultura se diferencia. É preciso chamar a atenção para o lugar onde a casa Herdeiros de Zumbi está localizada dentro do Parque de Exposições, e retomar também que diante do que vem sendo discutido não é difícil entender o porquê dos afrodescendentes terem sido os últimos a se instalarem na Fenadi. Assim seria oportuno pensar que também não deve ser fácil conviver em meio aos outros grupos culturais quando é preciso se reafirmar enquanto sujeito permanentemente, devido aos dizeres como ressaltou T.C.S sobre a cultura afro-brasileira. 1. É um misto de luta–jogo–dança; 2. O ritmo e as características do jogo são regidos pelo toque do berimbau, instrumento preponderante na orquestra de capoeira (que inclui também o pandeiro, o atabaque, além do agogô, o reco-reco, o adufe etc.) 3. Os cânticos (às vezes acompanhados de palmas) também têm função importante na determinação do tipo de jogo. 4. É um excepcional sistema de autodefesa e treinamento físico, destacando-se entre as modalidades desportivas por ser a única originariamente brasileira e fundamentada em nossas tradições culturais. (http://www.ijui.com/especiais/artigos/40136-folclore-etnia-afro-basileiro) acessado em 01 de janeiro de 2013 92 Diante desse pressuposto seriam necessárias mudanças para que as diferentes culturas interajam entre si o que exigiria uma mudança de atitude que coloque todas as culturas num patamar de igualdade. Sobre essa perspectiva Silva (2006) chama a reflexão para o fato de que considerar culturas mais ou menos desenvolvidas, como às que se ampliam e às que se mantêm imóveis, depende do lugar de onde observamos ou nos colocamos e salienta ainda que podemos ter diversas posturas ao nos relacionarmos com outra cultura diferente da nossa. Para permitir um intercâmbio entre cultura é preciso extinguir totalmente esta forma de estabelecer relações com outros povos. É preciso uma mudança de atitude e postura por parte daqueles que historicamente sempre se compreenderam superiores. Isso implica uma revisão, inclusive histórica, dos povos colonizadores que se consideravam os mensageiros da “boa nova” aos portadores das chamadas culturas tradicionais (inferiores). (SILVA, 2006, p.140) O fato é que as culturas se cruzam, e contribuem umas com as outras, e nessa troca de experiências avançam no que diz respeito a conhecimentos. As culturas não se encontram isoladas, uma vez que estão em contato. A civilização alude este encontro entre as diferentes culturas que por sua vez possibilitam o crescimento e a melhoria da própria sociedade. A partir do que já vem sendo discutido é preciso trazer à tona que ouve a tentativa de homogeneizar a cultura brasileira, esta seria designada como uma etnia. Tal pensamento não vingou, mas agora é preciso chamar atenção para todas as mudanças que vem ocorrendo no termo cultura e que já foram apresentadas no capítulo anterior. Nesse viés, a questão da globalização e da consequente massificação das informações pode também significar homogeneizar, fazendo com que se extinga as então culturas inferiores, da raças, etnias, gêneros, linguagens etc., as quais na ótica da percepção hegemônica são vistas como portadoras de deficiência e de racionalidade. Justamente devido a esse contexto é que chamamos atenção para a necessidade de um pensamento intercultural que priorize a troca, a interação e o diálogo com as diferentes culturas. 3.2.1 Interculturalismo: mudança de atitudes Como já vem sendo abordado, o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí está em constante busca à aceitação de que a Cultura afro-brasileira é de tamanha importância, tanto no que diz respeito à história da sua contribuição na construção de Ijuí, quanto à história vista de uma maneira global. Isso está incutido nos relatos já ressaltados anteriormente. Para tanto 93 o Grupo busca dar visibilidade à sua cultura se expressando através da música, da dança, entre outras atividades. Assim, ao mesmo passo em que os componentes mostram a cultura afro, acabam por se fortalecer enquanto sujeitos. Nesse sentido é preciso reafirmar que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, mesmo não sendo uma instituição escolar, é um espaço educador capaz de fortalecer o conhecimento da história e da cultura africana, afro-brasileira, capaz de formar subjetividades críticas, democráticas e rebeldes. Nilma Gomes (2008) aborda Santos (1996) para afirmar que a escola deveria propiciar aos estudantes um olhar afirmativo que pudesse ser tomado como instrumento para a libertação do racismo. Isso implica em retomar que este é um trabalho desenvolvido junto à casa afro de Ijuí, considerando o orgulho dos participantes em serem negros (as), da mesma forma que sentem orgulho em mostrar a cultura afro. Através das entrevistas foi possível perceber não somente orgulho, mas também o desejo de seguir em frente e manter o Grupo Cultural para dar visibilidade a uma cultura que por muito tempo ficou invisível. Esta invisibilidade exige um grande esforço da parte dos participantes, assim como de seus dirigentes para manter o Grupo Cultural. Isso já foi relatado nos capítulos anteriores e nos permite lançar a hipótese de que há uma luta no sentido da busca pelo ingresso de novos participantes, ainda mais quando se refere ao gênero masculino. Vale ressaltar que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi quase se extinguiu, porém conseguiu se reerguer devido à força de vontade de alguns participantes. No que menciona T.C.S participante do Grupo há 11 anos: Eu decidi fazer parte do grupo muito nova, tinha 10 pra 11 anos, a minha prima que estava indo nos ensaios me convidou pra ir porque tinha saído um monte de gente, porque uns haviam constituído família, outros haviam ido embora estudar e para o Grupo não desaparecer era preciso fazer um Grupo novo, havia só dois integrantes do Grupo velho, em três meses foi montado outro Grupo. Os ensaios eram na garagem da casa do seu Wilmar, porque era perto e todo mundo tinha compromisso. Seu Wilmar quase sempre foi o presidente da etnia quando eu entrei ele já era presidente, acho que ele ficou 2 ou 3 anos afastado, digamos como cabeça da etnia afro, mas, por trás de tudo estava sempre tentando ajudar. Em seguida ele assumiu o cargo de presidente novamente. A gente agradece a ele e as duas pessoas do Grupo antigo porque elas que resgataram as músicas antigas e os passos das danças. Foi uma época que o Grupo estava quebrado, todo o pessoal era novo, por isso que a gente agradece a eles. Na direção do seu Wilmar o Grupo cresceu. Nas idas e vindas do Seu Wilmar como presidente houve um momento em que novamente o Grupo decaiu, seu Wilmar reassumiu a direção e agora ele falou que vai ficar enquanto ele puder lutar para mostrar nossa cultura. Nós demos força, o Grupo de dança vende ficha de janta, atende clientes, porque não tem muita gente, são 33 pessoas e tem que se revezar, durante a Expo a gente faz as apresentações e volta para a casa para ajudar, os maiores de idade também ajudam no pagode. (Entrevista com T.C.S) 94 Nota-se através do relato de T.C.S que não foi fácil manter o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, assim como não deve ser fácil manter qualquer grupo. O fato é que na casa afro Herdeiros de Zumbi ainda há um contexto de subalternização, de exclusão, e como já foi dito pela integrante do Grupo, ainda há quem fale mal da cultura afro-brasileira. Devido a esse contexto é que se buscou trazer algumas características da multiculturalidade e da interculturalidade para buscar respostas sobre qual seria a teoria mais adequada para que se chegue à interação a aceitação entre as diversidades culturais, considerando a existência da ideia de que há culturas mais desenvolvidas e importantes o que pode gerar desigualdade entre os grupos culturais. Silva (2003) aponta que expressão multiculturalismo se origina das lutas contra o racismo20 cultivada pelos negros norte-americanos. E se há um tempo este assunto parecia estar limitado às preocupações da América do Norte, hoje é de preocupação não só dos países europeus, mas também dos países menos desenvolvidos, o que é o caso das nações latinoamericanas. Com conotações diferenciadas, a discussão vem ganhando novos acréscimos teóricos, seja por parte das especificidades nacionais e regionais, seja pelos novos contextos socioculturais que se configuram de forma hibrida, já não mais somente no mundo ocidental, mas também no oriental. (SILVA, 2003, p.17) O que antes era enfatizado somente por países desenvolvidos, agora também passa a ser motivo de constantes preocupações para os países subdesenvolvidos e neste caso os que fazem parte das nações latino-americanas. No que discerne o autor o multiculturalismo tem como berço os Estados Unidos da América, e esta, por sua vez, tinha como maior interesse fazer com que as distintas culturas existentes no interior do seu território se assimilassem à cultura dominante, ou seja, a cultura norte-americana. Foram então introduzidas muitas estratégias políticas para ratificar a visão assimilacionista, entre elas aparece a educação compensatória, que servia como um reforço para os filhos de imigrantes, ou seja, crianças que tinham dificuldade para aprender a língua e a cultura dominante. Silva (2003) pontua ainda que a educação compensatória tinha também 20 Racismo, no Dicionário Aurélio, significa: “Uma doutrina que sustenta a superioridade de certas raças. Preconceito ou discriminação em relação a indivíduo considerado de outra raça”. Portanto, partindo deste conceito, podemos constatar que o racismo é a representação de uma desigualdade étnico-racial que atinge o Brasil de forma vergonhosa e assustadora desde o período colonial. A raça negra foi cruelmente massacrada, humilhada e escravizada com base no racismo. (Disponível em: http://www.artigonal.com/educacao-artigos/racismo-no-brasil1119632.html> Acesso em 10. Set. 2012). 95 outro interesse que era nivelar em especial a população negra no mercado de trabalho e na educação com os índices de empregados e de alunos brancos. O ano de 1965 pode ser considerado um marco na implantação de políticas que visavam à justiça social e à igualdade para os negros. Além da educação e do trabalho, uma série de outras medidas foi tomada para combater a pobreza, que acabou diminuindo também, e a discriminação racial sofrida pelos negros. Um exemplo é o lançamento de programas de saúde (medicare) para idosos e assistência aos pobres, a proibição da lei que discriminava os negros na aquisição de moradia e a aprovação da legislação sobre os direitos civis. (SILVA, 2003, p.20) Essa política acabou de um lado ajudando a população negra e de outro lado, partes da sociedade que estavam à margem do sistema educacional e econômico. Silva (2003) aponta ainda que tais medidas contribuíram significativamente no que diz respeito ao bem estar social da população e ao repudio à discriminação contra o negro. O autor menciona o documento “O status social e econômico dos negros nos Estados Unidos”, de onde foram retiradas algumas cifras que demonstram que as medidas políticas implantadas significaram um crescimento econômico para os pobres e negros. No entanto, Silva (2003) lembra que Nathan Glazer (1981) questiona esta realidade, sobre até quanto os negros foram inseridos de forma igualitária na sociedade, pois ainda que alguns estudos tenham mostrado a ascensão do negro e inserção deste nas universidades, muitos ainda vivem em péssimas condições, tanto sociais quanto materiais. Tais medidas também foram implantadas em alguns países da Europa como Grã-Bretanha e Holanda. Seguindo a percepção de Mary A. Hepburn (1992), Silva (2003) menciona que nos Estados Unidos as diferentes concepções que dirigiram o debate sobre multiculturalismo/pluralismo cultural podem ser reunidas em quatro aspectos teóricos e admite uma distinção entre pluralismo cultural e multiculturalismo, na qual este busca a compreensão à formação das sociedades multiculturais, enquanto aquele a compreensão dos ideais assimilacionistas. Na visão de Santos (2003) o termo multiculturalismo institui a coexistência de culturas diferentes no meio das sociedades modernas. Para ele existem muitas definições para multiculturalismo, porém nem todas são de sentido emancipatório. “O termo apresenta as mesmas dificuldades e os mesmos potenciais do conceito de “cultura”, um conceito central das humanidades e das ciências sociais e que, nas últimas décadas, se tornou um terreno explícito das lutas políticas” (SANTOS, 2003, p.26). 96 O teórico resgata a ideia de cultura, e acrescenta que tal expressão esta ligada a um dos campos do saber institucionalizados no Ocidente, segundo ele as humanidades. Nesse enfoque a cultura é vista como um repositório de tudo que de melhor foi pensado pela humanidade e por isso tem como base critérios de valor, estéticos, morais etc. Partindo desse pressuposto a humanidade pode se auto-definir como universal. Para Santos (2003, p.27) “o cânone é a expressão por excelência desta concepção de cultura, estabelecendo os critérios de seleção e as listas de objetos especialmente valorizados como patrimônio cultural”, que são as artes, a música, filosofia, dentre outros. No entanto existe outra percepção de cultura que de forma simultânea está ligada a visão anterior. Esta outra percepção reconhece a pluralidade de culturas, e as define como sendo totalidades complexas que acabam por se confundir com as sociedades o que segundo ele comporta a caracterizar estilos de vida baseados em condições materiais e simbólicas. Estes dois modos de definir a cultura permitiam estabelecer uma distinção entre as sociedades modernas – as sociedades coincidentes com espaços nacionais e com os territórios sob a autoridade de um estado – estruturalmente diferenciadas, que tem “cultura”, e as “outras” sociedades “pré-modernas” ou “orientais” que são culturas. Essas duas formas foram consagradas e reproduzidas por instituições típicas da modernidade ocidental como as universidades, o ensino obrigatório, os museus e outras organizações, e exportadas para os territórios coloniais ou para os novos países emergentes dos processos de descolonização, reproduzindo nesses contextos concepções eurocêntricas de universalidade e de diversidade. (SANTOS, 2003, p.27) Afirma-se a visão de maioridade dos países desenvolvidos ao se tratar do termo cultura, sendo que de uma forma ou de outra sempre houve a tentativa de mostrar a cultura ocidental como sendo dominante, ou seja, superior. Essa ideia vem reforçar o que já foi discutido anteriormente, sendo necessário expor que o pensamento voltado à alteridade da cultura ocidental, se espalhou com a imigração para outros países. Nesse sentido há a possibilidade de enfatizar sobre a construção da branquitude que segundo Nilma Gomes (2008, p. 73) “é a produção de uma identidade racial que toma o branco como padrão de referencia de toda uma espécie”. Em 1980 estudos realizados pela área das Ciências Humanas e Sociais se concentraram a estudar o campo transdisciplinar dos Estudos Culturais na tentativa de pensar a cultura como um fenômeno ligado a repertórios de sentido ou de significado. Para Santos (2003) estes são partilhados pelos componentes de uma sociedade. No entanto, também se associa na diferenciação e hierarquização no âmbito de sociedades nacionais, de contextos 97 locais ou espaços transacionais. Com isso o autor nos mostra que a organização se dá de acordo com diversos graus de poder e subordinação. Para o autor a cultura passou a ser vista como um conceito estratégico para definir alteridades e identidades no mundo moderno. Também pode ser vista como um auxilio para afirmar a diferença e a reivindicação de seu reconhecimento em campos de lutas e de contradições. Multiculturalismo então tem um conceito que é de fato “controverso e atravessado por tensões” e remete de forma simultânea ou alternada para uma descrição e para um projeto. Logo, o teórico nos remete a pensar em versões emancipatórias do multiculturalismo acrescentando que estas “baseiam-se no reconhecimento da diferença e do direito à diferença e da coexistência ou construção de uma vida em comum além de diferenças de vários tipos”. (SANTOS, 2003, p.33). É importante mencionar que esta visão de multiculturalismo emancipatório vai para além do reconhecimento das diferenças como supõe o autor, pois se preocupa também com as questões da aceitação das diferenças e das possibilidades da convivência de sociedades que tenham culturas diferenciadas. 3.2.2 Por um pensamento intercultural: Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi Em consenso ao que vem sendo enfatizado sobre o multiculturalismo e interculturalismo há a necessidade de trazer argumentos que comprovem que o ideal adotado pelo interculturalismo pode ser pensado como uma possibilidade palpável de mudanças no que diz respeito à convivência entre as culturas diferenciadas. Isso implica em entender que uma vez essa postura seja adotada, muitos ganhos seriam obtidos pelos afro-brasileiros, sendo importante resgatar o fato de que alguns ganhos jurídicos foram conquistados ao seu favor, o que não mudou a sua condição de subalterno para grande parte da sociedade. Esta por sua vez parece estar presa em valores impregnados de sentimento racista. Nesse sentido é que se buscará apresentar estudos que possam inferir que o pensamento intercultural é um passo significativo para mudanças no que diz respeito à aceitação das diferenças. No ano de 2001, Santos foi entrevistado pela revista Educação e realidade cuja entrevista foi intitulada Dilemas do nosso tempo: globalização, multiculturalismo e conhecimento e dentre as questões levantadas, uma foi sobre qual a diferença de multiculturalismo emancipatório trabalhado por ele e as outras visões de multiculturalismo. Já de início o teórico defende, 98 Uma das formas de pensar a globalização contra hegemônica é pensar em modos alternativos de pensar, é pensar em culturas alternativas, em conhecimentos alternativos, os quais só podem, naturalmente ser reconhecidos se tomarmos uma atitude de multiculturalismo ativo e progressista. Neste sentido, é muito importante que se distinga entre as formas conservadoras ou reacionárias do multiculturalismo e as formas progressistas e inovadoras. (SANTOS, 2001, p. 20) Para distinguir tais formas o autor pontua que de início precisamos entender que vivemos num momento de grandes discussões sobre o multiculturalismo sendo que por muito tempo vivemos sob o domínio do monoculturalismo (a assimilação dos imigrantes e da sua cultura nos países de acolhimento). Não que o multiculturalismo não existisse muito pelo contrário, o que acontecia é que este não era reconhecido e “portanto o monoculturalismo assentou-se fundamentalmente numa grande supressão de culturas alternativas que sempre existiram sob a cultura dominante” (SANTOS, 2001, p.20). As culturas alternativas mesmo marginalizadas foram sobrevivendo, progredindo, ainda que por vezes suprimidas pela cultura dominante, afirma o autor e discute que estas jamais foram de todo extinguidas, e, em momentos, incontestavelmente iam se revelando. Relembra também que a primeira forma de multiculturalismo foi o imperial, e define este como sendo aquele em que o colonizador até reconhece a existencia de outras culturas, porém como inferiores. Tal cultura dominante é de fato extramente ligada aos costumes europeus, admitindo somente como cultura válida aquela que se assimila a essa visão eurocêntrica. A cultura eurocêntrica, explica Santos (2001) nunca é étnica porque o étnico significa o não branco, e por isso não é admitida a etnicidade21. Na visão do autor o que se pensava sobre essa cultura era que: Essa é uma cultura em que em si mesma contém tudo o que melhor foi dito e pensado no mundo. É uma cultura universal como toda cultura eurocêntrica de tradição, e é ela que resume em si mesma tudo o que foi dito e pensado no mundo em geral. E, como tal, tem o direito a esta universalidade, tem o direito de se impor, não tem particularismos e, quando muito pode ser enriquecida por adições de outras culturas. (SANTOS, 2001, p.21) Um exemplo desta adição de outras culturas se dá na pintura moderna do início do século que tem muito da cultura africana. O autor ainda argumenta que o interesse não era 21 A etnicidade distinta de um grupo se constitui pelo auto-reconhecimento de pertencimento a um determinado conjunto de pessoas que possuem heranças culturais comuns e que também são reconhecidas pelos outros como diferentes da cultura oficial. Outro aspecto a ser considerado é o fato de que estes grupos buscam de alguma maneira constituir um espaço de livre manifestação e formas de preservação de suas tradições culturais. (Silva, 2004, p. 298) 99 ressaltar como tal esta cultura, mas como matéria-prima tranformá-la em alta cultura, ou seja, de acordo com os termos da cultura dominante. Logo, a prioridade do multiculturalismo conservador era a assimilação de outros a sua cultura. “Portanto, eu penso que o multiculturalismo conservador tem naturalmente como consequência, uma política de assimilacionismo” (SANTOS, 2001, p. 21). O autor defende que um multiculturalismo que somente reconhece a existência de culturas distintas consequentemente prioriza uma língua normalizada, padronizada que é a língua considerada oficial, neste caso seja qual for inglês, português, etc. Porém, o teórico menciona outra forma de multiculturalismo. “O multiculturalismo emancipatório que buscamos é um multiculturalismo decididamente pós-colonial, neste sentido amplo. Portanto, assenta fundamentalmente numa política, numa tensão dinâmica, mas complexa , entre a política de igualdade e a política da diferença” (SANTOS, 2001, p. 21). No entanto, o autor traz à tona que o fato de pensarmos sermos todos iguais fosse exigir que se optasse por uma redistribuição social ao nível ecônomico para assumirmos a igualdade como príncipio e como prática. O autor assume que: Naturalmente que este princípio não reconheceu a diferença como tal. A política de igualdade, baseada na luta contra as diferenciações de classe, deixou na sombra outras formas de discriminação étnicas, de orientação sexual ou de diferença sexual, etárias e muitas outras. É a emergência das lutas contra estas formas de discriminação que veio a trazer a política da diferença. E a política da diferença não se resolve progressisticamente pela redistribuição: resolve-se por reconhecimento. (SANTOS, 2001, p. 21) O multiculturalismo progressita é aquele que ainda de maneira complexa, tenta se refletir numa equação, política, científica, intelectual e cultural e desta forma, defende o teórico, “vale a pena ser um objeto de luta, esta tensão entre uma política de igualdade e uma política de diferença”(SANTOS, 2001, p.21). O mesmo acredita que tais políticas, no entanto se estabelecem em dois objetivos que não devem ir de encontro um ao outro, que é os objetivos da redistribuição social-econômico e do reconhecimento de diferença cultural. Para o autor essa forma de pensar, pode causar alguns problemas, tendo em vista que é bem mais fácil falar do que realizar o proposto, e também porque pode vir a adimitir uma ideia de homogeneidade das culturas. Devido a isso, é importante para o multiculturalimo emancipatório ter como referência a questão de que todas as culturas se diferenciam internamente. E sendo assim é fundamental que as culturas sejam, reconhecidas umas entre as outras, mas, da mesma forma reconhecer a diversidade dentro de cada cultura e permitir que exista resistência, diferença, argumenta Santos (2001). 100 Dessa forma, é que o autor enfatiza assumir um postura completamente antiessencialista, ou seja, ele se esquiva do conceito de essência e pontua que as defesas de uma cultura minoritária em se tratando às ameaças externas possa ser complementada, porém sem que se esmague a diversidade, o dissenso interno de cada cultura em nome de uma pureza, de uma essência. Neste sentido, para Santos (2001, p.22) “as culturas só se movem por conflito. Todas as culturas são conflituais, e isso se aplica tanto às culturas hegemônicas como às culturas não-hegemônicas. E é nessa luta e nessa prioridade dada ao conflito que o multiculturalismo também se firma”. O diálogo e as interações seguem limitados ainda por muito tempo, porque vem de um contexto em que é muito desigual, e remete a certas medidas no que discerne a avaliar, melhorar e apressar as condições de igualdade para que esse diálogo, possa então ser realizado de forma com que não venha significar uma outra liquidação do passado, e uma outra eliminação das diferenças culturais. E é justamente neste enfoque que é preciso mostrar que existe outro lado deste multiculturalismo que para o autor tem em si outro risco, ou seja, o de cair na armadilha de aceitar que reconhecimento signifique chegar ao ponto de estabelecer critérios de autenticidade, o que por certo acarretaria com que as culturas se tornassem apenas culturas de testemunho. O autor esclarece que desta forma: Sobre as mulheres, sobre o movimento das mulheres e sobre a discriminação contra as mulheres só possam falar as mulheres; pelos negros e contra a discriminação contra os negros, só passam falar os negros. A ideia da autenticidade de testemunho é, no meu entender, uma das formas que pode levar a um desenvolvimento de um novo apartheid cultural realizado através de um radicalismo excessivo, porque permitiria criar iguladade, mas com separação. (SANTOS, 2001, p.22) Reconhecer as culturas diferentes, não significa autenticar as culturas para que estas não venham a se tornar culturas de reconhecimento, em que cada movimento fala por si próprio, sem interação alguma com outros movimentos, outras lutas. O autor reconhece que os movimentos sociais precisam estar articulados e buscar força no que está dando certo em outros movimentos. Esta interação é o que ele passa a chamar de rede de inteligibilidade que acontece a partir da troca de ideias e experiências para conseguir alcançar bons resultados. Para Santos (2001) é evidente ainda hoje há a existência do multiculturalismo colonial, uma vez que tomado como exemplo alguma das diferentes políticas conservadoras dos Estados Unidos e da Alemanha é possivel ver que o primeiro tem um conceito dos chamados core values que significa os valores fundamentais aos quais o estrangeiro precisa obedecer, ou 101 seja, assimilar para poder ser naturalizado. O segundo, da mesma forma tem o conceito chamado leit-kultur, que é a cultura guia, a qual todos, inclusive os imigrantes devem seguir para se inserir na sociedade alemã. Assim, é notável que o multiculturalismo adotado é colonial, e parte do princípio de que as outras culturas são inferiores, pois no mesmo momento que aceitam e reconhecem a diferença, acabam por inferir estratégias para abafar essas diferenças, deixando sempre em evidencia a sua própria cultura que é a então cultura dominante. Se até o momento, foi pensado e discutido sobre as questões e definições para o multiculturalismo, abre-se uma nova janela para se retratar o termo interculturalidade, uma vez que esse aponta novas possibilidades de pensar. Sob a perspectiva multicultural, é considerada a existência da diversidade cultural, enquanto que a “educação intercultural preconiza a intervenção propositiva e desafiadora no trabalho com as diferenças culturais para além do reconhecimento” (SILVA, 2006, p. 146). Nesse sentido a interculturalidade sugere que se problematize a realidade sócio – cultural para que se instigue a troca de saberes de enfrentamentos bem como de cruzamentos culturais. Para Silva (2006) ainda que haja cruzamento de culturas é válido salientar que é preservado a originalidade de cada cultura, e que estas se complementam umas com as outras o que possibilita que se crie laços espirituais e sociais que acaba por agilizar a organização de sistemas de trocas entre si. Tendo como referencia a postura de Silva (2006) é que se pode também pensar nos conflitos e enfrentamentos causados nessas interações, uma vez que esses encontros não são harmoniosos. Nesse caso, o interessante é entender que mesmo nos conflitos há relações que permitem o crescimento intercultural. No que aponta o autor: Aqui cabe destacar, preliminarmente, a noção de interculturalidade como esta espécie de intervenção, pois no encontro/enfrentamento resultam processos de interações e trocas que podem e devem ser potencializadas como elementos fundantes da constituição do novo. (SILVA, 2006, p.141) Dessa maneira, se reconhece que apenas aceitar que existem as diversidades, e que devemos respeitá-las já não é o suficiente para o momento em que há choque entre inúmeras culturas, que por vezes não conseguem manter diálogo para que haja uma troca que se de na interação e na aceitação. Quando se fala em diversidade cultural, compreende-se para além da simples manifestações de grupos culturais distintos da sociedade, comumente designados como grupos étnicos. Mas se amplia essa percepção, estendendo 102 a noção de etnia para outras formas de agrupamentos ou mesmo de sociabilidades que se constituem pelo interior das estruturas sociais. (SILVA, 2006, p. 146) Na mesma perspectiva Canclini (1997), discute sobre as questões da interculturalidadee da multiculturalidade esclarecendo que, de um mundo multicultural no qual se compreende a aproximação de etnias ou grupos em uma cidade ou nação, decorremos a outro, o intercultural e globalizado. Sob concepções multiculturais admite-se a diversidade de culturas, sublinhando sua diferença e propondo políticas relativistas de respeito, que frequentemente reforçam a segregação, em contrapartida a interculturalidade remete à confrontação e ao entrelaçamento, àquilo que sucede quando os grupos entram em relações e trocas, ambos os termos implicam dois modos de produção do social: multiculturalidade supõe aceitação do heterogêneo; interculturalidade implica que os diferentes são o que são, em relações de negociação, conflito e empréstimos recíprocos. (CANCLINI, 1997, p.17) Nesse enfoque, da multiculturalidade se entende a aceitação do diferente, entretanto, da interculturalidade se entende que além da aceitação se dá a busca das relações entre as distintas culturas, uma vez que é na troca de experiências e informações que se possibilita o crescimento individual de cada um, o que certamente acarretará no desenvolvimento da sociedade. Partindo dessa concepção é que se torna possível acrescentar que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí seria talvez o Grupo que mais iria ter ganhos se fosse possível assumir uma concepção intercultural, pois este Grupo faz parte daqueles que foram marginalizados e rotulados por uma história de desigualdades. Estes, por sua vez aceitam as diferenças, mas é preciso que as outras etnias consigam se libertar de um pensamento hegemônico, através do qual se sobressai aqueles que se enquadram em alguns padrões pré-estabelecidos. De fato, a cor da pele surge aqui como referência para estabelecer a cultura que julga dominar e aquela que vem lutando para conquistar o seu espaço e para mudar um contexto de exclusão. Segundo Munanga: Não existem leis no mundo que sejam capazes de erradicar as atitudes preconceituosas existentes nas cabeças das pessoas, atitudes essas provenientes dos sistemas culturais de todas as sociedades humanas. No entanto, cremos que a educação é capaz de oferecer tanto aos jovens como aos adultos a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de superioridade e inferioridade entre grupos humanos que foram introjetados neles pela cultura racista na qual foram socializados. (2005, p.17) 103 Diante disso, é preciso lançar um olhar mais intenso para a ideologia intercultural, pois talvez estejam ai as possibilidades de mudanças. As diferenças já são reconhecidas, o importante agora é aceitar, entender e aprender a conviver, pois é justamente na interação com o outro que se torna possível aprender a ser intercultural. 104 4. DIFERENÇA, DESIGUALDADE, ESTEREÓTIPO: A CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES NA CONSTRUÇÃO E DESCONSTRUÇÃO DESSES VALORES Inquirido sobre sua raça, respondeu: - A minha raça sou eu, João Passarinheiro. Convidado a explicar-se, acrescentou: - minha raça sou eu mesmo. A pessoa é uma humanidade individual. Cada homem é uma raça senhor polícia. Mia Couto (O vendedor de pássaro) A construção deste capítulo vem ao encontro dos anseios desta pesquisa. Entender questões que envolvem o termo “mestiçagem é fundamental, uma vez que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí é composto por morenos, pardos, mulatos, enfim, mestiços. Confirmamos aqui o quanto o Grupo pode interferir positivamente na construção das identidades dos seus participantes, considerando a existência do preconceito que é consequência de um estereótipo imposto, que trata aqueles em quem não se reconhece como diferentes, passando então a disseminar a desigualdade. Trata-se de uma desigualdade que vai além da cor da pele, considerando-se o entendimento que muito do antes visto e reconhecido como negro, hoje é designado pelo termo mestiço. 4.1 Mestiçagem, nem um, nem outro, de lugar nenhum: a história sob a visão crítica de kabengele Munanga “O mulato se humaniza no drama de ser dois, que é o de ser ninguém” (Darcy Ribeiro) “De um certo ponto de vista, as relações raciais e a mestiçagem constituem a trama de toda história da América Latina” (MUNANGA, 2003). José Vasconcelos, um filósofo mexicano, na sua obra intitulada “Em La Raza Cósmica” (1925), achava que a América Latina iria se tornar uma nova raça, rica de todas as virtualidades das raças anteriores, a raça final, a raça cósmica, relembra Munanga (2010). Tal previsão acabou por se confirmar 105 nos fatos, porque a América Latina foi o lugar em que a mestiçagem teve sua maior importância, como em nenhum outro lugar, afirma o autor. Fato esse, que acabou por tornar impossível definir o status racial da grande parte dos latinos americanos. São muitas as obras que tem como interesse mostrar cifras e percentagens exatas sobre a composição racial da América Latina, e, no que defende o autor mesmo que se admitisse que o aspecto puramente racial perdesse o seu valor, não teria como negar que ao se pensar no ponto de partida da evolução da América Latina, se estabelece o encontro de elementos mongolóides, caucasóides e negróides. As ideias do sociólogo Darcy Ribeiro (1995), acrescenta Munanga (2010) nos remete a questão de que, do encontro dos portugueses invasores com os índios e com os africanos escravizados é que se originou um povo novo, numa sociedade com um novo modelo de estrutura. De fato, ainda sob a perspectiva de Darcy Ribeiro é novo, porque aparece como sendo uma etnia nacional, porém diferente culturalmente, ou seja, mestiçada. No que preconiza o teórico: A ideia de uma nova etnia nacional traduz a de uma unidade que restou de um processo continuado e violento de unificação política por meio de supressão das identidades étnicas discrepantes e de opressão e repressão das tendências virtualmente separatistas, inclusive dos movimentos sociais que lutavam para edificar uma sociedade mais aberta e solidária. (MUNANGA, 2010, p. 445) Nesse sentido, tal processo de unificação política brasileira, realizado de uma forma nada democrática, pode ter sido o fator pelo qual, ainda com inúmeras e variadas matrizes, não se obteve como resultado uma sociedade multiétnica. Para Munanga (2010, p. 445) “O surgimento de uma etnia brasileira, capaz de envolver e acolher a gente variada que no país se juntou, passou tanto pela acumulação de identificações étnicas de índios, africanos e europeus quanto pela indiferenciação entre as várias formas de mestiçagem”. Munanga (2010) revela em seu estudo que Darcy Ribeiro (1995) teve interesse em quando surgiram os brasileiros conscientes de si, e menciona que foi Darcy Ribeiro a sugerir como resposta a idéia de que a consciência se dá a partir do momento em que as pessoas começam a não se ver mais como natural de uma tribo de índio, ou africanos e muito menos portugueses e passam a perceber que podem construir-se, partindo das rejeições sofridas, para então construir uma nova identidade étnico-racial, neste caso a de brasileiros. Essa questão para Munanga (2010) pode até ser concreta, mas afirma que a resposta é especulativa porque não houve até o momento alguém, ou melhor, um mestiço brasileiro que 106 seja constitutivo da nova etnia brasileira que tenha contado sobre quais os caminhos percorridos para alcançar a consciência e se sentir um autêntico brasileiro. O teórico questiona Darcy Ribeiro (1995) por entender que este se contradiz quando afirma que a nova identidade é decorrente da opressão e repressão das identidades anteriores. Para Munanga (2003, 2005-2006) o modelo sincrético, ou seja, confuso em concepções heterogêneas, não democrático, estabelecido pela pressão política e psicológica desempenhada pela elite dirigente, foi de todo assimilacionista. Esse processo teve como princípio assimilar as diferentes identidades já existentes na identidade nacional, que ainda estava em construção, e ressalta ainda que fosse pensada de maneira hegemônica, numa visão eurocêntrica. Entende-se, então, que para a construção da nova identidade, a elite que dirigia a política não tinha como interesse perpetuar a cultura local do povo. No entanto, era voltada a uma supremacia a tudo que era do branco, neste caso o branco europeu. A partir disso se compreende o uso do termo “assimilação”, uma vez que era justamente esta que estava sendo imposta ao povo brasileiro. No que discute Munanga (2010, p.447), “Embora houvesse uma resistência cultural, tanto dos povos indígenas como dos “alienígenas” que aqui vieram ou foram trazidos pela força, suas identidades foram inibidas de manifestar-se em oposição à chamada cultura nacional”. A cultura nacional passou a incorporar as diferentes resistências como símbolos da identidade nacional. Porém, o autor discute que para a elite pensante e política o processo de construção da identidade brasileira precisava obedecer ao ideal hegemônico, que tinha como princípio o ideal do branqueamento. Os negros, assim como seus descendentes mestiços, passaram a perseguir tal ideal de maneira individual, para tentar escapar aos efeitos da discriminação racial, aponta o teórico. Para o mesmo, isso teve como consequência a falta de unidade e de solidariedade, bem como a falta de uma consciência coletiva, no que diz respeito a segmentos politicamente excluídos da participação política e da distribuição igualitária do produto social. A construção dessa unidade, dessa identidade dos excluídos supõe, na perspectiva dos movimentos negros contemporâneos, o resgate de sua cultura, do seu passado histórico negado e falsificado, da consciência de sua participação positiva na construção do Brasil, da cor de sua pele inferiorizada etc. Ou seja, a recuperação de sua negritude, na sua complexidade biológica, cultural e ontológica. (MUNANGA, 2010, p. 447) É visto que essa identidade dos excluídos, que teve seu passado histórico negado vem ao encontro dos assuntos que vem sendo investigados. Fica claro que há uma busca da cor que 107 também foi negada devido ao contexto de inferioridade. Isso se evidenciou no Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi da cidade de Ijuí que busca afirmar a importância da cultura afrodescendente, neste caso num sentido mais local do que global, uma vez que este representa as pessoas de origem afro desta cidade. É sabido que houve a tentativa de que os mulatos passassem a negar a sua negritude, a fim de participarem do mundo branco, porém Munanga (2010) chama ao questionamento o que Darcy Ribeiro (1995) defende a respeito da consciência própria de mestiço, ao definir que os mulatos só conseguem se desenvolver quando negam sua negritude e passam a participar de uma forma geral do mundo branco. Não é difícil entender que essa trama toda em relação a tentativa de uma cultura mestiça acabou por interferir na construção das identidades daqueles que não eram considerados brancos, mas que também não eram considerados negros. Munanga (2010, p.447) afirma que “se Darcy Ribeiro acredita na existência de uma cultura brasileira mestiça, o que é uma visão unicultural do Brasil”, o Movimento Negro por sua vez, acredita e defende a construção de uma sociedade plural em todos os sentidos (biologia e culturalmente). Munanga (2010) traz para discussão a questão de que a expectativa progressista do branqueamento da sociedade é substituída por Darcy Ribeiro (1995) pelo termo morenização bilateral, que se dá seja pela branquização dos pretos, seja pela negrização dos brancos o que poderia acarretar uma população morena, em que as famílias, devido a ordem genética teriam uma “negrinha retinta ou uma branquinha desbotada”. Em contrapartida Munanga (2010) defende a evidência do crescimento da população negra, devido ao fato do grande índice de natalidade que ocorre por causa da pobreza. Quando Munanga apresenta a expectativa do branqueamento, nos faz lembrar do famoso quadro a “Redenção de Cam” que demonstra como seria na prática o processo de branqueamento da sociedade brasileira. O quadro mostra a mãe negra junto da filha e do genro. A filha poderia ser considerada negrinha retinta ou branquinha desbotada, já o genro considerado branco, e por fim a criança cuja a cor significa a branquização dos pretos, como ressalta Darcy Ribeiro (1995). 108 Figura 8: A Redenção de Cam (de Modesto Broco, 1895) Fonte: Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. Segundo o que enfatiza Munanga (2010) quando trata das ideias de Darcy Ribeiro, este acredita que além do aspecto do branqueamento que resulta da miscigenação, também se deve atribuir a esta, os fatores sócio-econômicos e culturais. Nesse prisma os negros que tiveram ascensão social e econômica, passaram então a fazer parte dos grupos, cujos pertenciam a brancos, sem esquecer que eram da mesma classe social e mesmo nível cultural. Para Munanga (p.448, 2010) “São aqueles designados popularmente como negros de alma branca”. Munanga (Idem) traz um exemplo que Darcy Ribeiro (1995) apresenta para justificar este outro aspecto de branqueamento, que se dá através de um diálogo entre um pintor negro e um jovem também negro. O jovem negro falava sobre as dificuldades devido a cor para ingressar na carreira escolhida, o pintor indaga então que sabia bem o que era isto, uma vez que também já tinha sido um negro. 109 4.2 Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi: reconhecimento e aceitação da cor que lhe foi negada O Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí é formado por integrantes de diferentes etnias, o que faz possível entender que a cor não é o que predomina para dele ser integrante. Aqui, se torna visível que o Grupo aceita o fato de que não há como homogeneizar as culturas devido à miscigenação, afinal, o Brasil se caracteriza por essa diversidade étnica, o que não poderia ser diferente nesta cidade. É importante expor o que o presidente da casa afro pensa sobre essa diversidade cultural no Grupo Herdeiros de Zumbi: Eu defendo que a cor da pele não é considerada como principal requisito para que alguém possa fazer parte do Grupo Herdeiros de Zumbi. Acredito que tem que ter ginga, e que tem que haver o desejo em fazer parte do Grupo tem que buscar entender e gostar da cultura afro. Um dia não vai mais haver diferenças, todos seremos tratados como iguais, pois ainda hoje é lançado um olhar pejorativo para aqueles julgados diferentes. São negros e mestiços que precisam mostrar que são importantes. Precisam buscar o seu lugar enquanto sujeitos ativos nessa cidade. E é por isso que o Grupo afro é tão importante, pois através dele é possível deixar viva a cultura africana, e fomentar nos integrantes o orgulho em ser afrodescendente. (Entrevista com Wilmar Costa da Rosa) A partir do depoimento do presidente do Grupo é preciso ressaltar a idéia de que as tentativas do branqueamento criticadas por Munanga (2010) acabaram por impor um lugar de invisibilidade também ao mestiço, que hoje não é considerado negro, nem branco, mas que também sofre preconceitos, porque se distancia de um estereótipo que enobrece a cor da pele branca como já foi mencionado. Num desafio a história, contradizendo as imposições, o negro, o mestiço, o afrobrasileiro componente do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi agora recusa o lugar de invisibilidade e busca no regresso à cultura de seus ancestrais a cor que lhe foi negada. Segundo o relato de uma das participantes assíduas do Grupo: Quando alguém pergunta se eu sou morena eu digo que não sou morena, eu sou negra. Às vezes perguntam para uma negra e ela diz que é morena, eu acho errado, tem que dizer que é negra, tem que ter orgulho do que ela é, do lugar que ela veio. E do que os nossos antepassados passaram pra que pudéssemos estar aqui hoje felizes e livres, livres. (Entrevista com T.C.S) O depoimento da integrante do Grupo Cultural vem ao encontro do que Munanga (2010) postula, este por sua vez enfatiza que a identidade dos excluídos está perdendo espaço para o resgate da cultura negra que foi subjugada, que foi negada e falsificada por um passado 110 histórico e que agora é instigada a ter consciência de que ajudou positivamente na construção do Brasil, o que para o autor significa recuperar a negritude. Isso implica em entender que o mestiço sai da condição de ninguém para assumir a sua identidade que está longe de ser uma identidade mestiça, uma vez que é reconhecida a pluralidade da sociedade brasileira. A sociedade plural é reconhecida a partir de suas particularidades e isso se fundamenta quando há teóricos que chamam a atenção ao fato de que não há uma identidade mestiça. Vale retomar a problematização que Hall (1999) faz a respeito de inexistência de uma identidade unificada e completa, porque acredita que elas são culturais, sociais, relacionais, pois há conflitos, confrontos com a multiplicidade de identidades, com as quais as pessoas podem se identificar ou não. Logo, vale salientar que cada um tem a sua identidade, e que esta vai sendo construída e reconstruída segundo diversos fatores que estão relacionados com as mudanças no âmbito cultural e social, e são, portanto, negociadas em meio a relações de poder. É justamente a partir do diálogo que Munanga (2010) faz com as teorias de Darçy Ribeiro que se chega ao ponto de trazer que há ambiguidade entre cor e classe social, que de fato é característica do racismo brasileiro. No Brasil, os estudiosos da área das humanidades retomam que a discriminação mais importante do país é social e mesmo que as pessoas tentem se libertar do mito da democracia racial, este está presente devido à ambiguidade entre cor/classe. O povo brasileiro surgiu do cruzamento de uns poucos brancos com multidões de mulheres índias e negras. Daí a tolerância no Brasil das uniões inter-raciais nunca tidas, segundo Darcy, como crime ou pecado. Embora rejeite o pensamento de Gilberto Freyre e, ver na tolerância deste intercurso sexual entre branco e negra a configuração de uma democracia racial, porque a própria expectativa de que o negro desapareceria pela mestiçagem é um racismo, Darcy pondera: “ mas o certo é que contrasta muito, e contrasta para melhor, com as formas de preconceito racial que conduzem ao apartheid”. (MUNANGA, 1995, p.448) É preciso argumentar que a frase “contrasta para melhor” traz à tona o contexto de insanidades e de exclusão a que os negros foram submetidos devido à escravidão, parece haver semelhança entre este termo com aqueles usados para provar a inferioridade do negro no século XVI, quando estes eram trazidos ao Brasil para o trabalho escravo nos engenhos de cana de açúcar. Nesse sentido acreditar que o negro desapareceria devido a mestiçagem parece significar o reconhecimento de inferioridade. Logo, em acordo com Munanga (1995) o termo contrasta para melhor, parece mais um pretexto para justificar tal inferioridade, o que está diretamente ligado ao preconceito racial que segundo o autor instiga ao apartheid. 111 Examinando bem essa frase, argumenta Munanga (2010) Darcy parece-me um dos pensadores que acreditavam, comparativamente ao apartheid e ao sistema Jim Crow, que o racismo brasileiro é o melhor por não ter criado uma linha de cor e por permitir o passing, ou seja a drenagem dos mestiços mais claros na categoria de brancos. No que discerne o autor é difícil aceitar a expressão “contrasta para melhor” que ao ser pensada poderia nos levar a ideia de que o racismo brasileiro é o melhor, ao ser comparado com os sistemas praticados na África do Sul e nos Estados Unidos. Munanga (2010) discorda da ideia de Darcy Ribeiro, que reconhece haver tolerância no regime apartheid, e acrescenta que do ponto de vista brasileiro não há como admitir um regime que durante meio século manteve separados brancos e negros. No que argumenta: Para nós, a chamada tolerância das diferenças raciais e culturais na África do Sul durante o apartheid foi apenas uma estratégia ou um pretexto para legitimar a segregação racial, e consequentemente, a exclusão da população negra de seus direitos cívicos e políticos. Quem aparta e segrega não mostra nenhuma tolerância para conviver com as diferenças. (MUNANGA, 2010, p.450) De fato, se entende que tolerar diferenças assim como já supôs Munanga (2010) não implica na postura de aceitar o outro, o então diferente como igual. E foi a separação imposta pelo regime denominado apartheid, que teve como princípio ainda que subentendido a intenção de tornar legítima tal segregação.Nesse pressuposto é possível entender que saber que existem diferenças não significa aceitar as diferenças, isso já foi discutido ao tratar sobre a possibilidade de um pensamento intercultural. De certa forma esse contexto gerado pelo apartheid, parece ainda ser lembrado, quando se trata da identificação da cultura negra. Segundo o que vem sendo discutido vale trazer a fala do presidente do Grupo Herdeiros de Zumbi: Eu não era a favor das etnias, porque eu acreditava que isso iria gerar ainda mais divisão, pra mim isso significava separação. Mas com tempo fui entendendo que poderia ter seu lado bom, porque através da formação de etnias seria possível mostrar a importância da cultura afro-brasileira. Fui presidente da UETI, (União das Etnias de Ijuí) e trabalhava em prol de todas as outras etnias, porque não sou de todo a favor da separação das etnias, porque isso parece distanciá-las ainda mais. (Entrevista com Wilmar Costa da Rosa) Nas palavras do presidente do Grupo percebe-se estar incutida a questão de uma suposta divisão. Tal divisão poderia ser entendida a partir do preconceito racial que separa que exclui e ignora as diferenças, uma vez que reconhece a cor da pele branca como sendo 112 superior. Em contrapartida mostra que o negro, que o afro-brasileiro componente do Grupo Cultural é incentivado a buscar seu espaço através da identificação da cultura afro. É válido trazer aqui que são inúmeras as barreiras históricas pelas quais o negro, o mestiço tem que passar para se reconhecer pertencente a uma identidade negra, considerando todos os agravantes pejorativos lançados devido a cor da sua pele. No que acrescenta Munanga (2010) a expectativa da miscigenação brasileira também se baseia na discriminação porque não aceitam os negros como estes são, mas sim esperam que clareiem para que então seja possível aceitá-los. Em contrapartida, menciona que tal miscigenação também pode ser um fator capaz de integrar, vista como um mecanismo de miscigenação. Porém, na visão do autor: Como acreditar numa suposta harmonização quando o biológico e o social não se conjugam? No Brasil, apesar do conteúdo integrador e assimilacionista defendido por Darcy, os mestiços constituem, pela sua importância numérica, a categoria social mais excluída e mais discriminada. Basta olhar a cor das vítimas do Carandiru, de Vigário Geral e da favela de Diadema para nos convencermos disso. (apud, MUNANGA, 2003, 20052006) A população que mais cresce é justamente a dos mestiços, e estes não são os filhos de senhores de engenho, que alguns estudos já mostraram terem sido beneficiados devido à proteção recebida pelos seus pais. Hoje, ocupam uma posição de subalternos, por causa da cor negra que vem aliado ao critério econômico. Munanga (2010) chama ao questionamento as palavras de Darcy Ribeiro, quando este expressa que o mameluco e o mulato não eram europeus, índios ou africanos, eram ninguém e tiveram que sair desta condição (ninguedade) para inventar uma identidade que viria a ser brasileira. Estamos de acordo que o Brasil é uma nova civilização, feita das contribuições de negros, índios, europeus e asiáticos que aqui se encontraram. Apesar do fato colonial e da assimetria no relacionamento que dele resultou isso não impediu que se processasse uma transculturação entre os diversos segmentos culturais, como se pode constatar no cotidiano brasileiro. (MUNANGA, 2010, p.452) No ponto de vista de Munanga (2010) esta nova cultura não chega a ser sincrética, pois acredita ser uma cultura de pluralidades, que é compartilhada por todos, pois é notável a participação do índio, negro, asiático e europeu de varias origens... Para retratar isso o autor nos conduz a pensar na música baiana, cantada em todo o Brasil, e nos descreve que além desta poder ser proveniente de cultura jamaicana, americana etc., o que daria a ela um conteúdo mais sincrético, ela também é vista em relação a identidade, como uma música 113 afro-baiana e perante o mundo é vista como uma música brasileira e, sendo assim, deve ser integrado numa cultura brasileira plural e não sincrética retoma o teórico. “Essa integração das diversidades ou pluralidades é o que caracterizaria a meu ver o assimilacionismo brasileiro, e faz com que a chamada cultura nacional, feita de colchas de retalhos e não de síntese, não impeça a produção cultural das minorias étnicas” Munanga (2010, p.452). O autor argumenta que isso se dá além de toda a repressão que foi sofrida no passado. Dessa forma, o teórico admite ser difícil que haja uma tomada de consciência de maneira grupal dos mamelucos, mulatos, ou seja, de todos os mestiços em prol de uma identidade própria, a identidade mestiça. Tal processo teria sido prejudicado pela ideologia e pelo ideal do branqueamento. Como é possível se pensar numa identidade mestiça quando a maioria dos mestiços buscam a brancura, para tentar escapar às barreiras que os deixam afastados da ascensão sócio econômica e política. Dessa forma: A luta dos movimentos negros brasileiros contemporâneos, que enfatiza muito o resgate de sua identidade étnica e a construção de uma sociedade pluriracial e pluricultural na qual o mulato possa solidarizar-se com o negro, em vez de ver suas conquistas drenadas no grupo branco, desmente a ideia de uma identidade mestiça conscientemente consolidada. Sem dúvida o conceito de pureza racial, que biologicamente nunca existiu em nenhum país do mundo, se aplicaria muito menos ainda a um país tão mestiçado como o Brasil. (MUNANGA, 2010, p.453) De acordo com o autor fazer confusão com o termo miscigenação, que é um fator biológico da mestiçagem brasileira, e a questão transcultural22 dos povos envolvidos nessa miscigenação com o processo de identificação e de identidade, que tem como origem o fator político-ideológico, seria cometer um erro epistemológico considerável. Para Munanga (2010, p.453) “Se, do ponto de vista biológico e sociológico a mestiçagem e a transculturação entre povos que aqui se encontraram é um fato consumado, a identidade é um processo sempre negociado, de acordo com os critérios ideológico-políticos e as relações de poder”. Dessa forma é que o autor resgata a questão de que os países que se construíram segundo o modelo Estado-nação perpetuando a imagem de que havia uma unidade cultural compatível com a unidade racial, é justamente onde ressurgem os conflitos étnicos e identitários. Tal conjuntura poderia esclarecer a ideia de que possa existir uma identidade 22 TRANSCULTURAL. Relativo às relações ou trocas entre culturas. Que se estabelece entre culturas diferentes. (Acessado em, 20 de jul de 2012. http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=intercultural) 114 mestiça. O teórico afirma que tal identidade seria resultado das categorias objetivas da racionalidade intelectual e da retórica política dos que não estão dispostos a enfrentar os reais problemas brasileiros. Vale ressaltar que o fato do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí ser composto por pessoas negras, mulatas, morenas, ou seja, mestiças, vem ao encontro de que não há possibilidades de uma identidade unificada. Nas palavras de T.C.S: O povo brasileiro é uma mistura, eu posso ser branca ou preta eu posso representar a cultura afro. Desde o tempo de Zumbi já havia a mistura, porque as mulheres brancas iam para os Palmares e ficavam com os negros, e também tinha os senhores dos engenhos que ficavam com mulheres negras. Nós não temos preconceito, a pessoa precisa querer estar no Grupo e sinta orgulho e goste da dança. A gente não precisa ficar se explicando porque essa mistura é a cultura brasileira. Eu vi muita coisa de preconceito contra o negro, agora mudou, porque a gente se impõe, a gente procura fazer o melhor, a gente conquistou o nosso lugar e isso ninguém nos tira, a gente vai batalhar e vai fazer sempre o nosso melhor. (Entrevista com T.C.S) Em última análise, se reafirma que o Grupo Cultural Herdeiros de zumbi é capaz instigar nos seus participantes o reconhecimento da importância da sua cultura e com isso passa a auxiliar na construção das identidades. O afrodescendente se reconhece na sua cor no sentido de ser mais, o que para Freire (1974) significa se libertar de qualquer tipo de opressão. Se confirma a partir deste estudo o quão significativo é o pertencimento junto ao Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi, quando se entende que este não faz apenas uma amostra da cultura afro, mas também instiga os seus participantes a se reafirmar enquanto sujeitos (a) numa sociedade excludente, interferindo positivamente na construção ou na afirmação das identidades. Isso se consolida através do empenho que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi demonstra para fazer com que aqueles que dele são integrantes sintam orgulho em ser afrodescendente e desta forma se identifiquem na sua tradição, sejam negros, mulatos, morenos, enfim, mestiços. 115 Peço emprestada as palavras de Zilá Bernd (1988) para desejar àqueles que chegam ao término da leitura deste estudo, AXÉ, ou seja, força vital! Que para a cosmogonia nagô, significa que os seres não podem ter existência sem transformação. AXÉ! Figura 9: Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi Fonte: Cláudia G. F. da Silva Evento Expoijuí , 2012 116 CONSIDERAÇÕES FINAIS Desde o início deste estudo tratei sobre uma inquietação. No decorrer da pesquisa algumas ânsias que em mim se afloravam foram se amenizando. Agora, no término da dissertação há um olhar mais encorajador, talvez não sobre reais mudanças no que diz respeito a tão sonhada igualdade racial. Mas, mudanças no que diz respeito a valorização do negro e da sua cultura por si próprio. Isso se evidenciou nesta pesquisa, penso que há consciência crítica do negro ou mestiço que se identificam na cultura afro-brasileira. Os componentes do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí se mostraram encorajados e engajados a mostrar a história de seus ancestrais. Tal história está muito além do que se encontra escrita em livros didáticos. Este trabalho traz estudos que comprovam que a sociedade Ijuiense se fundou segundo valores preconceituosos, e por isso excludente. De fato, a sociedade negra que aqui habita foi subjugada a um lugar de subalterna, reconhecida apenas como mão de obra. Porém, é preciso esclarecer que mesmo diante desse contexto, os negros (as) moradores de Ijuí em particular aqueles que são integrantes do Grupo Cultural, vêm pouco a pouco conquistando seu espaço. Inquietação! É isso que parece mover também os componentes do Grupo afro de Ijuí, pois através do diálogo com alguns integrantes foi possível observar e entender que este Grupo tem a necessidade de mostrar a importância da cultura afro-brasileira para a sociedade desta cidade. Este trabalho para mim foi revelador. Não me cabe aqui chamar as conversas de entrevistas, quando sinto que foi muito mais do que isso. Foram conversas, narrativas com sonhos. Encontrei nas falas o sonho e a certeza de que um dia haverá igualdade no que diz respeito à cidadania, à oportunidade, ao respeito entre as diferentes culturas. Desde então passei a questionar essa possibilidade. Sei que existem os movimentos que lutaram, lutam e continuarão lutando para que o sonho de igualdade racial se concretize. Isso se comprova através dos ganhos, que são efeitos destas lutas, como a discriminação racial reconhecida como prática de crime inafiançável e a obrigatoriedade do estudo da cultura afro nas escolas. Em se tratando da Lei 10.639, é necessário levantar questionamentos sobre a concretização desta no âmbito escolar. Como já relatou Nilma Lino Gomes (2008), ainda há resistência por parte das secretarias municipais e estaduais, escolas, e também educadores, em relação a esta mudança que diz respeito trazer à tona uma cultura que até então foi negada ao 117 afrodescendente. Infelizmente essa resistência só comprova que ainda há muito a ser pleiteado para que a Lei seja cumprida de fato. Fica aqui a indagação, de que é preciso que este olhar à cultura negra que vai além do contexto da escravidão seja entendido pelos profissionais da educação que estão diretamente com os estudantes. Acredito que esta mudança tem que partir principalmente dos educadores. Penso que todos os ganhos jurídicos significam um passo, porque me ficou claro que é preciso muito mais do que leis para que realmente a igualdade racial deixe de ser um mito. Questiono em como ser possível mudar sentimentos preconcebidos. Existem leis que amparam os negros, mas não existem fórmulas para acabar com o preconceito, com o racismo. Acredito que a mudança deveria começar em cada um, seria preciso rever conceitos, atitudes e princípios, para que talvez assim se torne possível que o afrodescendente conquiste a tão almejada liberdade. Liberdade à cidadania, à igualdade, à oportunidade e ao reconhecimento. Como enfatiza Nilma Lino Gomes (2008, p.82) “é no campo da liberdade que a questão racial deve ser pensada. Ser negro, reconhecer-se negro e ser reconhecido como tal, na perspectiva ética nunca deveria ser motivo de vergonha.” Assim, é fácil entender a igualdade racial como um mito, pois há o reconhecimento das diferenças, mas infelizmente não há a aceitação de uma grande parte da população. Esta ainda se prende em valores que enobrecem e julgam segundo a cor da pele. Não é difícil fazer essa constatação, pois se fosse o contrário, a igualdade racial seria real, e os Movimentos Sociais, que dizem respeito a negritude não precisariam se empenhar tanto para mostrar que os negros fazem parte da sociedade. A partir deste estudo, afirmo que esta é uma luta em andamento, e que muito depende dos Movimentos Sociais. Chamando atenção para o trabalho desenvolvido pelo Grupo afro Herdeiros de Zumbi de Ijuí uma vez que este traz à tona a necessidade de que o negro (a) se entenda e se reconheça na sua cor. Existe o princípio em valorizar, identificar a cultura afro, na busca de fortalecer os sujeitos que precisam conviver numa sociedade excludente. Não me refiro exclusivamente a Ijuí, pois esta exclusão vai muito além do local. É uma exclusão global que diz respeito também a questões de classe social. Durante os trajetos percorridos que se fizeram entre estudos teóricos e pesquisa de campo, de um lado fui me indignando, e de outro me encantando. Não há como não haver indignação diante de uma história (memória) que tenta subjugar o outro, usando como pretexto a cor da pele. Quando me refiro sobre a cor da pele, preciso explicar que não é somente o negro (a) que sofre discriminação, pois mesmo que de maneira ainda mais 118 mascarada sofrem preconceito também aqueles que são considerados morenos, pardos, ou seja, mestiços. Enfim, ficou claro que para ter um lugar de destaque prevalece o estereótipo da pele branca e de preferência olhos azuis, ou seja, ainda prevalece o padrão europeu. Como vim tratando na dissertação, toda essa busca da identificação da cultura africana que no ano de 2012 se mostrou mais intensa pode ser efeito das mudanças que vem ocorrendo no termo cultura. É visto que a cultura através da tradição vem perdendo espaço para a cultura da informação que invade a vida privada e massifica as informações. Retomo que o Grupo Herdeiros de Zumbi recorreu à busca da tradição para mostrar a cultura de seus ancestrais. Fica claro todo um movimento para que a cultura afro não se perca diante desse amontoado de informações. Trago agora um dos maiores anseios deste trabalho, que era entender se o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí poderia ou não auxiliar na construção ou afirmação das identidades. A mim ficou exposto que sim, o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi desta cidade auxilia de maneira positiva na construção ou afirmação das identidades daqueles que fazem parte do seu contexto. Isso se autenticou durante a pesquisa, e foi se concretizando a partir das falas e das observações. De um lado as meninas esclarecendo sobre o desejo em mostrar a importância do negro. E de outro a preocupação e o movimento feito pelo presidente da casa afro para que os integrantes se valorizem e se reconheçam como negros “importantes”. Dentre tantas observações e conversas, percebi que dei início à pesquisa teórica com algumas hipóteses da conclusão que eu poderia vir a ter. Porém no decorrer do estudo todas as suposições foram se desfazendo. Fui levada a todo o momento a percorrer caminhos diferentes, o que significa para mim um grande aprendizado. Aprendi que somente através do convívio, da troca e da interação é que se pode chegar a um entendimento. O olhar de fora é estranho e incerto, o que só vem a afirmar que é no convívio que aprendemos a ser interculturais. Esta dissertação agora concluída me traz uma sensação de alivio. Tal sentimento não é fruto somente do término desta, mas sim de uma constatação. Embora haja preconceito, racismo e exclusão, os negros e negras, os mestiços integrantes do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí enobrecem a sua cor, e se reafirmam enquanto sujeitos nesta sociedade que lhes impôs um lugar de subalternização. A luta pela liberdade, pela cidadania, despertada por Zumbi dos Palmares no século XVII, ainda hoje não se concretizou ao todo, mas, os negros estão pouco a pouco refazendo e recontando a sua história. Trago aqui o que já foi mencionado no texto deste trabalho, ninguém descende de escravos, porque acredito que ser 119 escravo não é uma condição. As pessoas foram escravizadas e talvez entender isso pode significar mais um passo para recontar a história do afrodescendente que segue em transformação. Todos estamos pré-destinados a mudanças, por isso ressalto que não saio deste trabalho ilesa, pois muitas indagações povoam meus pensamentos. Importa agora ressaltar que muito além de um contexto de tentativas de inferiorização e de exclusão, está o sentimento de orgulho da cor da pele, da cultura dos ancestrais, e da memória que os integrantes do Grupo a quem entrevistei aprenderam a ter junto à casa afro. Esta memória me mostrou muito mais da coragem do povo afro, da beleza e da força, o que me faz enfatizar que já não há dúvidas de que o convívio na casa afro de Ijuí, o pertencimento ao Grupo Cultural muito tem de significativo, pois é nesse contexto que os integrantes vem recontando as histórias de seus ancestrais e assim construindo e re-construindo suas identidades imersos no sentimento de ser mais, aprendendo a ser tornar livres de opressões como o preconceito e a desigualdade (FREIRE 1974). Acredito na possibilidade de que a opressão perca espaço a cada passo em que os integrantes da casa ressaltam o orgulho em ser afrodescendente, sendo necessário enfatizar que o despertar deste sentimento acontece de forma lenta, através do conhecimento, da interação e da convivência. Isso se comprova por meio das entrevistas que foram feitas com pessoas com mais e menos tempo de participação no Grupo Cultural. Através dos relatos das integrantes com menos tempo de convivência com o Grupo foi perceptível o conhecimento da história, o desejo de mostrar que o povo negro tem participação na construção de Ijuí além de se reconhecerem como afrodescendente. Entretanto, as entrevistas realizadas com as pessoas com mais tempo de participação no Grupo Cultural foram mais intensas e reveladoras, pois foi transparente o senso crítico com que as palavras ganhavam densidade. Há nestes o conhecimento sobre a história da escravidão imposta a seus ancestrais, mas acima de tudo há o entendimento de uma outra história, aquela que foi negada pelo colonizador e que passa a ganhar visibilidade a partir das atividades culturais desenvolvidas no Grupo Cultural. Este é um estudo inacabado, pois sabemos que é inexistente a possibilidade de esgotar um tema, seja qual for. Por isso, de momento este estudo me possibilita afirmar que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí auxilia de maneira positiva e afirmativa, na construção ou afirmação das identidades dos seus integrantes que seguem em transformação. Pois como afirma a cosmogonia nagô, os seres não podem ter existência sem transformação. AXÉ! 120 REFERÊNCIAS BERND, Zilá. O que é Negritude. Ed. Brasiliense. São Paulo, 1988. BHABHA, Homi K. O local da Cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Reflexões sobre como fazer trabalho de campo. rev. Sociedade e Cultura, V. 10, N. 1, JAN./JUN. 2007, P. 11-27. Disponível em: <http Scielo.br> Acesso em: 01de nov. 2009. BAGGIO, Adelar Francisco. Da fragmentação para convergências e desenvolvimento da comunidade ijuiense. Ed. Unijuí. Ijuí. 2002. (Coleção museu antropológico Diretor Pestana). CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas. Estratégias para entrar y salir de lamodernidad. Grijalbo, México, 1990. CANDAU, Vera Maria. 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Sua colaboração neste estudo será de muita importância para nós, mas se desistir, a qualquer momento, isso não causará nenhum prejuízo para você. 2 IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO DA PESQUISA Nome: _____________________________________________________________________ Estado civil:________________________________________________________________ Data de nasc.: _________________ Profissão:____________________________________ Endereço:_________________________________________________________________ E-mail:_____________________________________________________________________ 3 IDENTIFICAÇÃO DO PESQUISADOR RESPONSÁVEL 125 Mestranda: Cláudia Giovana Ferreira da Silva Endereço: São Boaventura, N.142. Residencial Bela Vista, bairro São Geraldo, AP, 301, bloco 1B Telefone: 91519055 Profissão: Professora de Língua Portuguesa E-mail: [email protected] Orientadora responsável: Noeli Valentina Weschenfelder Endereço: Rua Roberto Löw, N.308. Ijuí RS. Telefone: (55) 91010753 Profissão: Professora E-mail: [email protected] Eu, sujeito da pesquisa, abaixo assinado (a), após receber informações e esclarecimento sobre o projeto de pesquisa, acima identificado, concordo de livre e espontânea vontade em participar como voluntário (a) e estou ciente: 1 Da justificativa e dos objetivos para realização desta pesquisa Esta pesquisa visa analisar e compreender como se dá a construção/ afirmação das identidades da cultura negra, a partir das experiências vividas no grupo, e de que maneira um movimento étnico organizado pode ou não produzir efeitos na construção e ou, afirmação das identidades, e ainda quais os possíveis significados políticos desencadeados pelo Movimento afro-brasileiro de Ijuí. 2 Do objetivo de minha participação A minha participação neste projeto tem como objetivo fornecer informação sobre o processo de construção/afirmação das identidades dos sujeitos envolvidos em um grupo cultural. 3 Do procedimento para coleta de dados: A coleta de dados se fará a partir de uma entrevista narrativa, ou semi aberta, bem como observações realizadas na casa afro desta cidade, por ocasião da Expoijuí/ Fenadi. 4 Da utilização, armazenamento e descarte das amostras Os participantes da pesquisa irão assinar o Termo de Consentimento Livre (TCL). A assinatura do TCL será realizada após a leitura do referido termo e antes da realização da entrevista. Os arquivos com as entrevistas após dois anos serão destruídos. 5 Dos desconfortos e dos riscos A pesquisa de campo não implicará em nenhum desconforto e/ou risco a saúde do participante, sendo que cada colaborador/a ficará à vontade para retirar-se da pesquisa ou para concluir a entrevista, ou não responder questões que lhes seja inconveniente. 6 Dos benefícios Entender como um movimento organizado, neste caso, o grupo étnico Herdeiros de Zumbi de Ijuí, pode influenciar na construção/ afirmação das identidades dos sujeitos que dele são integrantes só vem a validar a força e a necessidade da existência dos movimentos sociais. Esta pesquisa tem como interesse evidenciar que o negro foi protagonista de uma história que busca tratá-lo como anônimo. É justamente para se opor a esta história que os movimentos são significantes, pois se acredita que através deles vive a luta pela igualdade racial, pelo 126 resgate, e pela sobrevivência da cultura afro brasileira. Partindo dessa reflexão é importante mencionar que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi desta cidade significa não só a busca por manter viva a tradição, mas também de auxiliar positivamente na construção ou afirmação das identidades daqueles que dele fazem parte. 7 Da liberdade de recusar, desistir ou retirar meu consentimento Tenho a liberdade de desistir ou de interromper a colaboração nesta pesquisa no momento em que desejar, sem necessidade de qualquer explicação. 8 Da garantia de sigilo e de privacidade Os resultados obtidos durante este estudo serão mantidos em sigilo, mas concordo que sejam divulgados em publicações científicas, desde que meus dados pessoais não sejam mencionados. 9 Da garantia de esclarecimento e informações a qualquer tempo Tenho a garantia de tomar conhecimento e obter informações, a qualquer tempo, dos procedimentos e métodos utilizados neste estudo, bem como dos resultados, parciais e finais, desta pesquisa. Para tanto, poderei consultar o pesquisador responsável (acima identificado). 10 Declaro que é com meu consentimento que esta pesquisa apresentará meu nome nos relatos, assim como também é com meu consentimento que poderão ser mostradas fotos no decorrer deste trabalho. Declaro que obtive todas as informações necessárias e esclarecimento quanto às dúvidas por mim apresentadas e, por estar de acordo, assino o presente documento em duas vias de igual conteúdo e forma, ficando uma em minha posse. Ijuí RS, _________ de___________________ de 2012. __________________________________ Sujeito da pesquisa __________________________________ 127 Anexo 2: Termo de consentimento livre e esclarecido destinado às integrantes do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí. TERMO DE CONSENTIMENTO 1. IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA Título do Projeto: GRUPO CULTURAL HERDEIROS DE ZUMBI DE IJUÍ: CONSTRUÇÃO/ AFIRMAÇÃO DAS IDENTIDADES Área do Conhecimento: Educação Curso: Mestrado em Educação nas Ciências Instituição a partir da qual será realizado: Na etnia Afro-brasileira desta cidade, Ijuí Nome dos pesquisadores e colaboradores: Noeli Valentina Weschenfelder; Cláudia Giovana Ferreira da Silva. Você está sendo convidado (a) para participar do projeto de pesquisa acima identificado. O documento abaixo contém todas as informações necessárias sobre a pesquisa que estamos fazendo. Sua colaboração neste estudo será de muita importância para nós, mas se desistir, a qualquer momento, isso não causará nenhum prejuízo para você. 2 IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO DA PESQUISA Nome: _____________________________________________________________________ Estado civil:________________________________________________________________ Data de nasc.: _________________ Profissão:____________________________________ Endereço:__________________________________________________________________ E-mail:_____________________________________________________________________ 3 IDENTIFICAÇÃO DO PESQUISADOR RESPONSÁVEL Mestranda: Cláudia Giovana Ferreira da Silva 128 Endereço: São Boaventura, N.142. Residencial Bela Vista, bairro São Geraldo, AP, 301, bloco 1B Telefone: 91519055 Profissão: Professora de Língua Portuguesa E-mail: [email protected] Orientadora responsável: Noeli Valentina Weschenfelder Endereço: Rua Roberto Löw, N.308. Ijuí RS. Telefone: (55) 91010753 Profissão: Professora E-mail: [email protected] Eu, sujeito da pesquisa, abaixo assinado (a), após receber informações e esclarecimento sobre o projeto de pesquisa, acima identificado, concordo de livre e espontânea vontade em participar como voluntário (a) e estou ciente: 1 Da justificativa e dos objetivos para realização desta pesquisa Esta pesquisa visa analisar e compreender como se dá a construção/ afirmação das identidades da cultura negra, a partir das experiências vividas no grupo, e de que maneira um movimento étnico organizado pode ou não produzir efeitos na construção e ou, afirmação das identidades, e ainda quais os possíveis significados políticos desencadeados pelo Movimento afro-brasileiro de Ijuí. 2 Do objetivo de minha participação A minha participação neste projeto tem como objetivo fornecer informação sobre o processo de construção/afirmação das identidades dos sujeitos envolvidos em um grupo cultural. 3 Do procedimento para coleta de dados: A coleta de dados se fará a partir de uma entrevista narrativa, ou semi aberta, bem como observações realizadas na casa afro desta cidade, por ocasião da Expoijuí/ Fenadi. 4 Da utilização, armazenamento e descarte das amostras Os participantes da pesquisa irão assinar o Termo de Consentimento Livre (TCL). A assinatura do TCL será realizada após a leitura do referido termo e antes da realização da entrevista. Os arquivos com as entrevistas após dois anos serão destruídos. 5 Dos desconfortos e dos riscos A pesquisa de campo não implicará em nenhum desconforto e/ou risco a saúde do participante, sendo que cada colaborador/a ficará à vontade para retirar-se da pesquisa ou para concluir a entrevista, ou não responder questões que lhes seja inconveniente. 6 Dos benefícios Entender como um movimento organizado, neste caso, o grupo étnico Herdeiros de Zumbi de Ijuí, pode influenciar na construção/ afirmação das identidades dos sujeitos que dele 129 são integrantes só vem a validar a força e a necessidade da existência dos movimentos sociais. Esta pesquisa tem como interesse evidenciar que o negro foi protagonista de uma história que busca tratá-lo como anônimo. É justamente para se opor a esta história que os movimentos são significantes, pois se acredita que através deles vive a luta pela igualdade racial, pelo resgate, e pela sobrevivência da cultura afro brasileira. Partindo dessa reflexão é importante mencionar que o Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi desta cidade significa não só a busca por manter viva a tradição, mas também de auxiliar positivamente na construção ou afirmação das identidades daqueles que dele fazem parte. 7 Da liberdade de recusar, desistir ou retirar meu consentimento Tenho a liberdade de desistir ou de interromper a colaboração nesta pesquisa no momento em que desejar, sem necessidade de qualquer explicação. 8 Da garantia de sigilo e de privacidade Os resultados obtidos durante este estudo serão mantidos em sigilo, mas concordo que sejam divulgados em publicações científicas, desde que meus dados pessoais não sejam mencionados. 9 Da garantia de esclarecimento e informações a qualquer tempo Tenho a garantia de tomar conhecimento e obter informações, a qualquer tempo, dos procedimentos e métodos utilizados neste estudo, bem como dos resultados, parciais e finais, desta pesquisa. Para tanto, poderei consultar o pesquisador responsável (acima identificado). Declaro que obtive todas as informações necessárias e esclarecimento quanto às dúvidas por mim apresentadas e, por estar de acordo, assino o presente documento em duas vias de igual conteúdo e forma, ficando uma em minha posse. Ijuí RS, _________ de___________________ de 2012. __________________________________ Sujeito da pesquisa __________________________________ 130 Anexo 3: Roteiro de entrevista semi-estruturada destinada ao presidente do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí. 1- Nome e idade? 2- Profissão? 3- Tempo de permanência no Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi? 4- Pode falar sobre o porquê em decidir fazer parte do Grupo Cultural, ainda mais no que diz respeito a assumir a presidência da casa. 5- Existem dificuldades em manter a casa afro, poderia falar sobre isso? 6- Na sua concepção, como o afrodescendente é visto em Ijuí? 7- Por que a casa afro foi nomeada com o nome de Zumbi dos Palmares? O que isso significa para a casa afro em geral? 131 Anexo 4: Roteiro de entrevista semi-estruturada destinada as integrantes do Grupo Cultural Herdeiros de Zumbi de Ijuí. 1- Nome e idade? 2- Formação? 3- Escolarização dos pais? 4- Tem irmãos? Quantos? 5- Tempo de participação no Grupo? 6- Sua família apóia a participação no Grupo? Pode falar sobre isso? 7- Como é sua convivência com os colegas do Grupo? 8- O porque da escolha em ser integrante do Grupo afro de Ijuí? 9- Como se sente em fazer parte do Grupo afro, o que isso representa? 10- Ocorreram mudanças por fazer parte do Grupo? Pode falar sobre isso? 11- O porquê do nome Zumbi dos palmares representar a casa afro? O que ele significa para o Grupo e para você?