UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA 4ª Semana do Servidor e 5ª Semana Acadêmica 2008 – UFU 30 anos Ocorrência de Agressões por Cães: Caracterização da Situação de Domicílio do Animal Agressor e Espaço Geográfico da Agressão Jordana Almeida Santana1 Universidade Federal de Uberlândia, Av. Pará, 1720 – Campus Umuarama – Bloco 2T. Cep: 38400-902, Uberlândia, MG. *e-mail: [email protected] Laerte Pereira de Almeida2 Universidade Federal de Uberlândia. Resumo :Os cães são animais predadores, que mesmo após a domesticação, ainda mantêm seus instintos selvagens, como a agressividade. Com base nos aspectos mencionados é que se propôs a realização de uma pesquisa com o objetivo de investigar a ocorrência de algumas variáveis, presentes no manejo e na interação entre homens e animais, que possam influenciar o contexto das agressões por cães. Foram entrevistados 249 proprietários de cães, por meio de um questionário padronizado, no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia, no período de agosto de 2007 a março de 2008. Após a coleta, os dados foram submetidos a controle de qualidade e, em seguida, digitados para um banco de dados, criado pelo software EpiInfo 6.04, para análise. Os resultados mostraram que 53,4% dos proprietários possuem cadelas, o que pode revelar certa preferência por esse sexo na escolha do animal, devido às fêmeas serem mais afetivas, obedientes e menos destrutivas que os machos. 41,8% dos cães são criados fora de casa, o que constitui uma relação mais distante entre proprietário e cão. 16,1% dos cães saem sozinhos para a rua e, 30,5% estão com a vacinação incompleta ou nunca foram vacinados, expondo a sociedade a um grande perigo, já que são eles os reservatórios e transmissores de diversas zoonoses. 40,2% dos proprietários revelaram que às vezes perdem a paciência com seu cão e 40,6 % têm sentimentos ruins como raiva, mau humor e chateação diante da desobediência do animal. 44,2% disseram que ameaçam ou batem no cão, o que poderia ser indicativo de certa agressividade por parte do proprietário.Vê-se, freqüentemente, que alguns proprietários deixam evidente a má interação com seus animais de estimação, o que indica necessidades físicas e psicológicas não atendidas, podendo ser um motivo no desenvolvimento da agressividade. Palavras-chave: Agressividade canina, interação homem-cão, epidemiologia 1. INTRODUÇÃO 1.1. Aspectos gerais da Agressividade canina Segundo Bertani e Bracchi (1999), a agressão, em seu sentido literal, emprega o ato de agredir ou assaltar. Trata-se da manifestação de um ser que, devido a uma irritação, ataca outro ser da mesma espécie ou de uma espécie diferente. Os cães são animais predadores, que mesmo após vários anos de domesticação, ainda mantêm seus instintos selvagens, provindos de seus ancestrais lobos (ROSSI, 1999). Acredita-se na teoria de que homens e lobos iniciaram seu relacionamento pelo sucesso que obtinham no compartilhamento da caça (BEAVER, 2001). De uma relação inicial de competição e predatismo mútuos foram surgindo interações diferentes como o mutualismo, o comensalismo e a simbiose. Essa interação permaneceu até a evolução atual para cães (BANILLA, 1969; SERPELL, 1995). ............................................................................................... 1 2 Acadêmica do curdo de Medicina Veterinária Orientador 1 Essa interação tem seu lado bom e seu lado ruim. O cão pode trazer muitos benefícios aos humanos, e vice-versa. Entretanto, há a questão da agressividade que chama a atenção para alguns fatos importantes, que devem ser levados em consideração devido aos problemas que podem acarretar (Ciampo et al., 2000). Freqüentemente, há relatos de crianças e adultos que foram vítimas de ataques por cães. Isso sempre ocorreu, entretanto, ultimamente, a freqüência, as circunstâncias e a gravidade dos casos, tem causado maior impacto na sociedade, levando este problema a debates e até mesmo à elaboração de projetos de lei, que proíbem ou restringem a criação de algumas raças rotuladas como altamente agressivas (Lantzman, 2000). 1.2. A agressividade canina e sua relevância na Saúde Pública O contato com o cão pode provocar diversos problemas, entre eles, as zoonoses, que representam um dos riscos mais freqüentes e mais temíveis que a humanidade está exposta. A transmissão dessas doenças pode ser direta (por contato com o animal doente) ou indireta: alimentos, água e fômites contaminados (Schwabe, 1984). A grande maioria dos ataques ocorre no interior do domicílio com animal da própria família, mostrando que há desconhecimento por parte dos proprietários de como interagir com seu cão (Rocha, 2003). Segundo Rocha (2003), as agressões freqüentemente não são notificadas, nem tratadas com a relevante importância que merecem. Sendo proprietários ou não e, desconhecendo a gravidade da situação, muitas pessoas não anunciam a agressão, nem dirigem-se aos postos médicos para atendimento ou orientação, estando assim expostas a danos maiores. A mordedura de um cão pode transmitir a Raiva para animais e humanos, que é uma doença de extrema importância, devido à sua letalidade e aos elevados custos diretos e indiretos relacionados ao tratamento médico dos acidentados, consumindo recursos que poderiam ser aplicados em programas de promoção à saúde que atenderiam um grande número de pessoas (Rocha, 2003). Outros problemas também são acarretados pela mordedura de um cão. Pode haver infecção local ou generalizada pela presença de patógenos na boca do animal. Pode haver repercussão física ou psicológica que requeiram tratamentos psiquiátricos ou cirurgias plásticas reconstrutivas (Rocha, 2003). Estes problemas estão diretamente relacionados com a educação do animal e a apresentação das causas envolvidas no desencadeamento da agressão, o que confirma a importância da Saúde Pública na tentativa de solucioná-los (Miguel, 2003). No Brasil, o Ministério da Saúde é o órgão responsável pelo sistema de informações de agravos de notificação (SINAN), responsável pelas informações sobre os casos de agressão de cães ao homem. Embora esse sistema seja de grande valia para a tomada de decisões ao nível municipal, estadual e federal, ele não contempla algumas informações referentes às agressões, dificultando uma maior compreensão do fenômeno da agressão de cães (Lantzman, 2000). 1.3. Fatores que Podem Influenciar a Agressão Quando um cão manifesta comportamento de agressividade, sinaliza sua condição de insatisfação ou descontentamento por meio de uma série de sinais. Caso a agressão se consuma, será pela falta de percepção ou incorreta interpretação desses sinais. Nesse sentido, dizer que um cachorro é agressivo em termos gerais, não quer dizer absolutamente nada. É necessário entender quando ou em quais situações o cachorro é agressivo. Desse modo, deve-se avaliar individualmente o caso, para poder abordar essa agressividade (Lantzman, 2000). 2 Ciampo et al. (2000) denotam que pessoas adultas, crianças, conhecidos, desconhecidos, proprietários ou visitantes podem ser alvo dessas reações, e são atacadas quando o animal se sente ameaçado e sem maneiras de se defender. O comportamento agressivo, de maneira geral, tem início na infância do cão, quando não lhe foram impostos limites, onde o mesmo se reconhece como líder, ou seja, como dominante (Rocha, 2003). Fatores hereditários e até mesmo sexuais também interferem. Mães ou pais agressivos podem gerar ninhadas com maior probabilidade de agressividade. O hormônio testosterona também é determinante em cães mais bravos. Portanto, machos não castrados têm maior tendência à agressividade que cães não castrados (Rossi, 1999). As condições de vida do animal podem contribuir para o desenvolvimento da agressividade. Ele deve ter um local adequado para alimentação, alimentar-se nos horários recomendados, ter água limpa e filtrada em abundância, ter brinquedos para sua distração, carinho, entre outros. A falta de um ambiente que proporcione aos filhotes contato com outras pessoas e outros animais também é importante no desvio de suas condutas funcionais (Rossi, 1999). Segundo Rossi (1999), castigos ou “mimos” excessivos, isolamento de outras pessoas desconhecidas e alojamentos inadequados podem levar à formação de um cão agressivo. Razões genéticas também estão relacionadas, mas na maioria das vezes os responsáveis pelo desvio de comportamento dos cães são os próprios proprietários que não realizam um bom manejo com seus animais (Beaver, 2001). Concordando com Rossi (1999), a agressividade canina está relacionada, com diferentes fatores, que vão daqueles ligados ao meio ambiente até os relacionados às características biológicas dos animais. De acordo com Rocha (2003), existem raças consideradas mais agressivas que outras, tais como pitbull, dog argentino ou rottweiler. No entanto, não se pode atribuir a agressividade apenas à raça. O que há é uma predisposição genética artificialmente obtida através de cruzamentos, onde cães de mesma raça ou de raças diferentes, com uma tendência mais agressiva, reproduzem-se gerando cães também agressivos. Eles são, portanto, geneticamente propensos para a agressão, não indicando a raça como problema, mas sim a genética e a hereditariedade (Lantzman, 2000). Esse panorama não significa, portanto, que dentre as raças consideradas mais agressivas não existam indivíduos dóceis. Há uma preocupação dos melhoristas de raças em selecionar cães mais calmos para criação, para minimizar o risco de agressão na convivência com os humanos (Rocha, 2003). A relação entre homem e cão deve ser harmônica e prazerosa e, agressão e maus tratos traduzem a quebra da harmonia dessa relação (Beaver, 2001). Neste sentido, conhecer algumas variáveis, presentes na interação entre homens e animais, que possam influenciar o contexto das agressões por cães é de grande importância para a compreensão desse fenômeno e para a proposição de medidas preventivas que consigam reduzir sua ocorrência. Com base nestes fatos é que se realizou uma pesquisa com uma amostra de cães atendidos no Hospital veterinário da UFU. 2. OBJETIVOS Investigar a ocorrência de algumas variáveis, presentes no manejo e na interação entre homens e animais e que possam influenciar o contexto das agressões por cães. 3. MATERIAIS E MÉTODOS 3.1. População de Estudo 3 Para o desenvolvimento desta pesquisa foi escolhida como População de Estudo cães atendidos no Hospital Veterinário da UFU, sendo escolhida uma amostra de conveniência, coletando-se dados sobre os cães e proprietários. 3.2. Coleta de Dados Foram selecionados e coletados dados de 249 cães por meio de um questionário padronizado, previamente testado e codificado, contendo dados sobre os cães: raça, sexo, idade, aspectos do manejo, da interação entre homem e animal, do domicilio do animal e referente ao proprietário. Os dados foram coletados por estudantes de Medicina Veterinária, submetidos a treinamento prévio, por meio de entrevistas realizadas, no Hospital Veterinário, com o proprietário do cão. 3.3. Processamento e Análise dos Dados Os dados coletados foram duplamente digitados para um banco de dados, criado por meio do software EpiInfo 6.04, e, após serem submetidos a controle de qualidade os dados foram analisados estatisticamente. Na análise, os dados foram dispostos em tabelas, sendo estimadas as respectivas freqüências das variáveis estudadas. 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES Tabela 1 – Dados referentes aos cães avaliados, Uberlândia – MG, 2008. Variável Fêmea Número de cães (%) 133 53,4 116 46,6 Sim (vacinação completa) 170 68,3 Sim (vacinação incompleta) 65 26,1 Não (nunca foi vacinado) 11 4,4 Não sabe informar 3 1,2 Sexo Macho O cão foi vacinado 4 Tabela 2 – Dados referentes ao comportamento e à função social do animal, Uberlândia – MG, 2008. Variável Número de cães (%) Dentro de casa 52 20,9 Fora de casa 104 41,8 Dentro e fora de casa 93 37,3 Sim 40 16,1 Não 209 83,9 Local de Criação O cão sai sozinho para a rua Dos 249 proprietários entrevistados, 53,4% possuem cães fêmeas, o que pode revelar certa preferência por esse sexo na escolha do animal, justificando a analogia de Fogle (2006), que relata que as fêmeas são mais afetivas, mais obedientes, menos destrutivas e necessitam de mais atenção que os machos. 41,8% dos cães são criados fora de casa, o que constitui uma relação mais distante entre proprietário e cão. Outra informação relevante é o fato de que 16,1% dos cães saem sozinhos para a rua e, associando 30,5% de cães que estão com a vacinação incompleta ou nunca foram vacinados, tem-se um perigo exposto à sociedade, já que são eles os reservatórios e transmissores de diversas zoonoses. Tabela 3 – Dados referentes à interação Proprietário e Cão, segundo variáveis psicológicas, Uberlândia – MG, 2008. Variável Número de proprietários (%) Caso o cão não obedeça a uma ordem, o que faz? Não faz nada 18 7,2 Continua a repetir a ordem 39 15,7 Muda a forma de dar a ordem 52 20,9 Começa a gritar 30 12 Ameaça a bater no cão 45 18,1 Chega a dar umas palmadas 65 26,1 5 Tabela 4 - Dados referentes à interação Proprietário e Cão, segundo variáveis psicológicas, Uberlândia – MG, 2008. Variável Número de proprietários (%) Calmo e paciente 137 55 Pouco paciente 10 4 Às vezes perde a paciência 100 40,2 Sempre perde a paciência 2 0,8 Tranquilo e bem-humorado 76 30,5 Desconfortável e chateado 63 25,3 Com raiva 38 15,3 Impotente, sem saber o que fazer 12 4,8 Sente que vai explodir 7 2,8 Indiferente 53 21,3 O proprietário em relação ao seu cão, considera-se: Sentimento do proprietário diante da desobediência do cão: 40,2% dos entrevistados referiram que às vezes perdem a paciência com seu cão e 40,6 % têm sentimentos ruins como raiva, mau humor, chateação diante da desobediência do animal. Ao serem questionados sobre as condutas adotadas quando o cão não obedece a uma ordem, 44,2% disseram que ameaçam ou bate no animal, o que poderia ser indicativo de certa agressividade por parte do proprietário, que segundo Rossi (1999), pode levar a agressão do cão por medo, onde por defesa ele ataca. Rossi (1999) enfatiza que a causa desse tipo de agressividade é o tratamento do dono, que pode levar a uma reação recíproca do animal, demonstrando que a agressividade pode ser reflexa do ambiente em que o cão é criado, havendo influência em seu temperamento. 6 5. CONCLUSÕES O manejo dos cães pesquisados está inadequado, podendo propiciar situações que incrementem a agressividade do animal ou do próprio proprietário. Alguns proprietários deixam evidente a má interação com seus animais de estimação, o que pode indicar necessidades físicas e psicológicas não atendidas, podendo ser um motivo no desenvolvimento da agressividade. 6. AGRADECIMENTOS Agradecemos ao Grupo de Pesquisa de Epidemiologia de Zoonoses, pelo apoio e fornecimento do material necessário. 7. REFERÊNCIAS Banilla, L., 1969,”Historia y Psicologya del Perro”, Ed. Tecnos, Madrid.. Beaver, B.V., 2001,“Comportamento canino: um guia para veterinário”, São Paulo: Roca. Bertani, C. and Bracchi, P.G., 1999, Dog’s Aggressiveness Towards Man, “ Diagnostic Methods And Preventive Suggestions”, Disponível em: http://www.unipr.it/arpa/facvet/annali/1999/bertani.htm Acesso em 20 abr. 2008. Ciampo, L.A.D; Riccoa, R.G; Almeida, C.A.N; Bonilhac, L.R.C.M; Santos, T.C.C., 2000, “Acidentes de mordeduras de cães na infância”, Revista de Saúde Pública, São Paulo v. 34, nº 4, p. 411-412. Fogle, B., 2006, “Escolhendo um cão, Dicas de Comportamento”. Disponível em:http://www.dogwalker.com.br/dicas/index.php?id=14&category=1&titulo=Escolhendo%20um %20c%C3%A3o Acesso em: 22 abr. 2008. Lantzman, M., 2000, “Agressão canina”. Disponível em: http://www.saudeanimal.com/artig167.htm Acesso em: 20 abr. 2008. Miguel, O.A., 2003, “Vigilância Sanitária e o Controle das Principais Zoonoses”. Disponível em: http://www.bichoonline.com.br/artigos/Xom0001.html Acesso em 21 abr. 2008. Rocha, R.R., 2003, “Relação Homem-Animal e Agressividade Canina”, 32 f. Monografia (Graduação em Medicina Veterinária) – Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia. Rossi, A., 1999, In:” Adestramento Inteligente’, São Paulo: CMS, p.260. Schwabe, C., 1984, “Veterinary Medicine and Human Health”, 3ed. Baltimore: Williams & Wilkins, p.680. Serpell, J.A., 1995, “The Domestic Dog: Its Evolution, Behavior and Interactions with People”, Cambridge University Press. Occurrence of Attacks by Dogs: Characterization of the Aggressor Animal’s Domicile State and Geographic Space of Aggression Jordana Almeida Santana1 Federal University of Uberlândia, 1720 Pará Avenue - Campus Umuarama - Block 2T. CEP: 38400-902, Uberlândia, Brazil. * E-mail: [email protected] Laerte Pereira de Almeida2 Federal University of Uberlândia. Abstract: Dogs are predatory animals, which even after domestication still maintain their wild instincts, such as aggression. Based on the points mentioned it has proposed conducting a search in order to investigate the occurrence of some variables present in the management and interaction between men and animals, which may influence the context of attacks by dogs. It was interviewed 249 dogs owners, using a standardized questionnaire, in the Veterinary Hospital of the Federal University 7 of Uberlândia in the period about August 2007 to March 2008. After collecting, the data were submitted to quality control, and then entered into a database, created by the software EpiInfo 6.04, for analysis. The results showed that 53.4% of the owners have female dogs, which may reveal some preference for this sex because females are more affectionate, obedient and less destructive than males. 41.8% of dogs are created outside, which is a more distant relationship between owner and dog. 16.1% of the dogs come out to the street alone, and 30.5% of the dogs have vaccination incomplete or have never been vaccinated, exposing the society to a big danger, because they are the main zoonoses transmitters. 40.2% of the owners revealed that sometimes they lose their patience with his dog and 40.6% have bad feelings about this like anger, petulance and hassle in front of disobedience of their animals. 44.2% said they threaten or beat the dog, which could be indicative of certain aggressiveness by the owner .So, it is often evident that some owners leave the poor interaction with their pets, which indicates physical needs and psychological missed, may be a reason in the development of aggressiveness. Keywords: Canine agressiveness, dog-human interaction, epidemiology 8