UM ESTUDO SOBRE A PARTICIPAÇÃO DOS EDUCADORES NO PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DA ESCOLA Angela Maria Alberton1 Liliane Cristina Sechini2 Natalina Francisca Mezzari3 RESUMO: Neste ensaio apresentamos o resultado de reflexões decorrentes do diálogo com educadores de duas escolas municipais da região sudoeste do Paraná. Inicialmente exploramos o tema gestão democrática e as formas de participação, tema que serviu como elemento norteador para a apresentação dos possíveis limites para a democratização da escola. Destacamos, nos limites, a relação da escola com a estrutura organizacional e as relações intraescolares. Ao questionarmos os professores, procuramos compreender as formas como participam nas decisões da escola, quais os espaços constituídos na escola para a participação nas decisões e qual o entendimento de escola democrática que permeia as relações entre professores e dirigentes. Evidenciamos que a compreensão sobre a gestão democrática já foi incorporada por todos, mas, por outro lado, o hiato entre compreensão e consolidação de formas democráticas permanece. Palavras-chave: democracia; participação; gestão escolar. 1 Introdução No presente artigo apresentamos o resultado de nossos estudos que buscam proporcionar maior conhecimento sobre democracia no âmbito escolar, procurando perceber, assim, até que ponto essa democracia acontece e, principalmente, quais são os limites e as possibilidades para a construção de relações democráticas na escola através do processo de gestão. Procuramos melhor compreender a gestão democrática na escola pelo fato de já trabalharmos em escola pública e assim acabamos percebendo que muitas decisões são tomadas somente por alguns, decisões em relação às quais os demais devem obedecer sem opinar. Mesmo assim, porém, nas referências à forma de gestão da escola, essa gestão sempre é apresentada como democrática. Partimos do entendimento de que a gestão democrática tem seus fundamentos 1 Pedagoga, docente da rede estadual de ensino do Paraná. E-mail: [email protected]. 2 Pedagoga, docente da rede estadual de ensino Paraná. E-mail: [email protected]. 3 Pedagoga da rede estadual de ensino do PR. Orientadora do artigo. E-mail: [email protected]. 1 legais, porém sua efetivação está diretamente relacionada ao envolvimento e ao comprometimento dos que atuam na escola, na educação e no sistema social mais amplo. Esse entendimento direcionou a metodologia adotada para a construção do presente texto e para a coleta de dados. A problematização resultou em duas questões fundamentais: – Como pode ser a participação dos envolvidos na organização do trabalho escolar? – Há interesse dos profissionais na participação dessa organização? A partir das indagações iniciais organizamos os fundamentos teóricos apresentando possíveis limites e as possibilidades para a construção de uma escola democrática. Na sequência verificamos qual é o entendimento dos professores sobre democracia e se eles apresentam interesses que contribuam para que o processo de democratização escolar ocorra. Para essa compreensão, ouvimos, através de questionário, 13 professores escolhidos aleatoriamente de duas escolas de um município da região sudoeste do Estado do Paraná. Considerando as coordenadas de espaço e tempo de realização deste estudo, podemos caracterizá-lo como um ensaio exploratório sobre democratização da escola. O estudo contribui propondo melhorias nas relações no nosso espaço de trabalho e, acreditamos, que também possa contribuir para que haja uma melhor participação de todos nas tomadas de decisões na escola, justamente para que esse processo de democratização escolar ocorra realmente, não ficando somente no papel. Ao verificar como está sendo compreendido e realizado o processo de democratização na escola, pretendemos desvelar aspectos sobre até onde essa democracia se desenvolve na organização da gestão da escola, já que, na teoria, é tudo bem elaborado, mas cabe a interrogação: – Será que o que é apresentado e amplamente discutido ou verbalizado em teoria ocorre na prática escolar? O tema gestão democrática faz parte das discussões quotidianas nas escolas públicas de nosso país desde meados dos anos 1980 e foi institucionalizado a partir de 1988 com a promulgação da então nova Constituição Federal (artigo 206, VI). 2 Com o fim da ditadura militar, que permaneceu em nosso país por mais de 20 anos, e a ascensão do neoliberalismo4, cujas ideias visam suprir as necessidades individuais e não do conjunto que forma a sociedade, temos a presença constante do discurso de democracia ou, então, o estabelecimento institucionalizado de democracia, porém “[...] uma sociedade democrática não pode ser estabelecida autocraticamente” (LÖWY, 2000, p. 24). A participação da sociedade nesse momento histórico não se constituía como a democratização do sistema, e sim como uma maneira de atender aos interesses individuais dentro de uma sociedade competitiva. Sendo assim, a partir da década de 1980 falava-se e lutava-se pela participação e democratização, no entanto, isso não era entendido pela sociedade na sua real amplitude, pois permanecia a centralidade nas necessidades individuais e não do grupo social, dificultando a realização do que se buscava, que era a união das ideias na luta por um ideal democrático. Nos anos 1990, Viera nos mostra que, apesar de os termos gestão democrática e democracia estarem presentes no discurso oficial, isso de fato não assegurava a efetivação de práticas de gestão escolar (VIEIRA, 2000). Para a autora, esse período caracterizou-se por um amplo processo de reformas; as novas orientações legais da política educacional brasileira foram redesenhadas por influência de organismos multilaterais como a CEPAL5, a UNESCO6, o Banco Mundial, entre outros. A política do Estado Mínimo desencadeada pelo neoliberalismo coloca em jogo a democracia como garantia dos direitos básicos para a sobrevivência (BOBBIO, 2002). No espaço educacional, a gestão democrática passa ser discutida como prática política e prática pedagógica. Como prática política, a democracia apresenta-se como „[...] um elemento da organicidade de um sistema descentralizado, sistema no qual a instituição tenha autonomia de decisão financeira, pedagógica e administrativa e conte com a participação de seus membros para tomar decisões coletivas” (VIRIATO, et al, 2001, p. 176). Oliveira extrapola o âmbito educacional e nos mostra que "A democracia é, portanto, um sistema de vida no qual a organização e a regulamentação dos processos 4 "Pautado no paradigma de liberdade econômica,da eficiência e da qualidade imprime seu projeto pautado no Estado Mínimo, economia de mercado auto-regulável e o ideal de democracia é a indireta com ênfase na democracia política (formal)" (LIBÂNEO, OLIVEIRA e TOSCHI, 2003, p. 84-88). 5 Comissão Econômica para a América Latina e Caribe. 6 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. 3 de integração social são fundamentais no princípio da liberdade, entendida como o direito à autodeterminação" (1999, p. 27). Para Paro, a democracia pode ser entendida como um processo globalizante que precisa da colaboração recíproca entre grupos e pessoas, ou seja, para que haja democracia é preciso que existam pessoas democráticas para exercê-la e locais que privilegiem esse aspecto visando à formação de pessoas críticas e participantes na sociedade (PARO, 2002). Já é de consenso que um dos locais onde pode ser iniciado um trabalho que possibilite a formação de cidadãos críticos para atuar democraticamente é a escola. Arroyo afirma que “[...] o aprendizado das relações sociais de produção se dá na vivência das relações sociais da educação, nas práticas escolares” (1999, p. 15). A democratização, segundo Arroyo, se apresenta no papel educativo da organização do espaço, organização do movimento, a economia do tempo, a normatização e o controle disciplinar (1999). É importante ressaltar que democracia e centralização do planejamento e do poder de decisões não são compatíveis para o desenvolvimento de relações democráticas na escola. A escola precisa ser desenvolvida num ambiente de liberdade, assim oportunizando à comunidade escolar condições de participar da organização do trabalho escolar. A importância da escola nesse novo contexto político se caracteriza no esclarecimento do real significado de democracia e de participação, deixando evidenciado como se apresenta. Nesse sentido, Libânio, Oliveira e Toschi apresentam quatro concepções de gestão que se fazem presentes na escola: a técnico-científica, que se “[...] baseia[-se] na hierarquia de cargos e de funções, nas regras e nos procedimentos administrativos, para racionalização do trabalho e a eficiência dos trabalhos escolares”; a autogestionária, que se “[...] baseia[-se] na responsabilidade coletiva, na ausência de direção centralizada e na acentuação da participação direta”; a interpretativa, apoia-se na “[...] análise dos processos de organização e gestão, os significados subjetivos, as intenções e a interpretação das pessoas”; e a concepção democrático-participativa, que se “[...] baseia[-se] na relação orgânica entre direção e a participação dos membros da equipe [...]”, acentuando a busca de objetivos comuns assumidos por todos (2003, p. 324-325). A prática da gestão democrático-participativa, para se realizar nas atividades 4 escolares, necessita “[...] que cada membro da equipe assuma a sua parte no trabalho, admitindo a coordenação e a avaliação sistemática da operacionalização [...]” das decisões tomadas coletivamente (LIBÂNEO, OLIVEIRA & TOSCHI. 2003, p. 325). Diante dessas observações, entendemos que as atitudes e o envolvimento de cada um que trabalha na escola são indispensáveis para a construção de uma gestão democrática. Não se pode, portanto, falar em democracia ou tentar buscar um processo de democratização escolar sem contar com a participação nas decisões dos que nela atam. A escola, para dizer-se democrática, precisa, antes de qualquer coisa, privilegiar a participação de toda a comunidade envolvida no processo educacional e não somente nos interesses de alguns e, principalmente, acreditando que a democracia pode ser concretizada. 2 Possíveis limites no processo de democratização da escola A gestão da escola e a relação com a estrutura educacional Até hoje percebemos que a escola não tem autonomia para tomar decisões sobre o que acontece dentro dela, nem mesmo o diretor, que é visto como "autoridade máxima" na escola, nem ele tem poder de decisão sobre os assuntos referentes à organização escolar, pois tem a responsabilidades, mas não poder. Se tivesse o poder, então teria a possibilidades de impor a própria vontade ou do grupo escolar e isso não acontece. O diretor tem somente a responsabilidade de desempenhar um trabalho que lhe é determinado pelo sistema educacional. Esse sistema, por sua vez, é decorrente de uma organização política que, no momento histórico em que vivemos, é oriundo da classe dominante da sociedade capitalista e que trabalha objetivando o lucro. Por esse fato, o interesse das políticas educacionais da gestão não está voltado ao trabalho coletivo e democrático. Deste modo, o que ocorre é que se fragmenta o trabalho do gestor buscando a rapidez na produção pretendendo alcançar seu objetivo, resultado da ideologia taylorista, que trabalha objetivando sistematizar a produção, buscando aumentar a produtividade, e assim economizar tempo e diminuir gastos desnecessários no processo produtivo. Com isso, a escola, que é parte integrante dessa sociedade, acaba sendo um 5 palco para a organização econômica e social, pois nela se reproduzem os interesses da classe que está no poder, a elite burguesa, a qual centraliza o poder em suas mãos, não deixando espaço para que os demais tenham vez e voz. Essas contradições presentes na escola acabam fazendo, segundo Paro (2002), com que ela se torne cada vez mais autoritária, distanciando-se cada vez mais de relações democráticas. Essa impotência e falta de autonomia do diretor sintetizam a impotência e a falta de autonomia da própria escola. Assim, se a escola não tem autonomia, se a escola é impotente, é o próprio trabalhador enquanto usuário que fica privado de uma das instâncias por meio das quais ele poderia apropriar-se do saber e da consciência crítica (PARO, 2002, p. II). Paro continua dizendo que "[...] conferir autonomia à escola deve consistir em conferir poder e condições concretas para que ela alcance objetivos educacionais articulados com os interesses das camadas trabalhadoras" (PARO, 2002, p. 11). Isso, porém, não acontecerá se depender do consentimento dos grupos que estão no poder. Sendo assim, essa autonomia só será real a partir da conquista através das próprias camadas trabalhadoras. Essa conquista é sempre gradativa, pois, segundo Saviani, uma escola que se pauta numa pedagogia crítica, antes de tudo, "sabe-se condicionada" (2000, p. 65). Pelo fato de não entender a educação como fator principal das transformações sociais, acabase por caracterizá-la como elemento que é determinado pela sociedade e não como um elemento determinante. Sendo assim, se a escola depende das condições sociais, acaba por não possuir uma autonomia verdadeira. Percebe-se esse fato claramente em nossa sociedade, quando analisamos as leis que regem a educação, que são aprovadas por representantes da sociedade e os programas que são criados pelos mesmos representantes, contrariando o que está exposto nessas leis. A Lei Federal nº 9.394/1996, que estabelece as "Diretrizes e Bases da Educação Nacional", aponta, em seus artigos 12, 13 e 14, a importância da gestão democrática para a educação, tomando parceiros, para a concretização dessa gestão nos estabelecimentos de ensino, docentes e os sistemas de ensino, mas, para contrariar esta e outras leis, são criados programas como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), que praticamente obriga as escolas a reproduzirem o mesmo ensino em 6 todo o Brasil, limitando a escola a seguir um único modelo proposto para cada região do país. As relações intraescolares Desde a década de 1980 os educadores lutam pela descentralização do poder para que as escolas tenham maior autonomia. Muitas vezes, porém, o poder central considera autonomia como desconcentração7 das atividades de cunho executivo. Seria importante que a escola tivesse maior autonomia para que pudesse exercer seu poder de decisão não somente dentro da escola, mas, sim, compartilhar esse poder com seus usuários, para que estes últimos pudessem ficar mais satisfeitos, pelo fato de estarem sendo ouvidos. Segundo Bordenave (1994), a palavra participação vem da palavra parte. Participação é fazer parte, tomar parte ou ter parte. Para que haja uma real participação, ou seja, uma participação ativa, que busque sempre beneficiar o grupo, seria importante que seus integrantes tivessem primeiramente interesse em contribuir e depois que compreendessem como deve ser a sua participação enquanto grupo. Seria também necessário levar em consideração que o ser humano não nasce sabendo participar, mesmo que ele goste disso. Essa é uma atitude que se aprende com a convivência, por isso, a princípio, não se pode exigir de uma pessoa uma grande participação. É preciso ter calma e iniciar com uma participação pequena e, no decorrer do tempo, o indivíduo vai conhecendo mais sobre a importância de participar e deste modo podendo ampliar seu nível de participação. Continuando com o entendimento de Bordenave (1994), o grau de participação se ampliará com a aquisição de novas experiências a partir da convivência em grupos que a facilitem, sem deixar de lembrar que ela se inicia em um nível mais baixo e vai se ampliando. Então, essa participação pode ser iniciada a partir de informações sobre as decisões que foram tomadas, pois, apesar de não parecer, essa prestação de contas já é uma forma de participação, sendo que, a partir daí, o indivíduo 7 Casassus defende que a desconcentração "[...] é uma perspectiva e uma política que reflete os interesses do poder central, com seu desejo de levar as decisões para mais perto do lugar em que ocorre o ato educacional [...]", enquanto que a descentralização "[...] é uma perspectiva e uma política que reflete os interesses do poder local" (1995, p. 40, apud VIRIATO, et al, 2001, p. 176). 7 pode passar a tomar gosto por essa atitude, chegando a um grau bem elaborado, onde membros e dirigentes praticam a autogestão, ou seja, onde o grupo todo determina seus objetivos e metas, escolhendo entre eles próprios os meios para chegarem a isso. A democracia participativa promove a subida da população a níveis cada vez mais elevados de participação decisória, acabando com a divisão de funções entre os que planejam e decidem lá em cima e os que executam e sofrem as conseqüências das decisões cá em baixo. (BORDENAVE, 1994, p.34). A comunidade, uma vez participando das decisões das construções de metas a serem desenvolvidas na escola, também poderá cobrar quando algo não está sendo cumprido e, mais importante ainda, pode participar da avaliação sobre os serviços que a escola presta, podendo reivindicar melhorias e assim exercer uma democracia social. Quanto a uma democracia social, não podemos deixar de falar que ela está ligada intimamente com a gestão democrática, pois, a partir do momento em que observamos as condições de vida das pessoas da comunidade, a partir desse momento estamos lidando com o social e essa ligação com a sociedade é algo imprescindível para que ela se concretize. Assim, percebemos que a organização da escola, ou seja, a gestão escolar será democrática ou não conforme está organizada a sociedade da qual ela faz parte. Como uma está ligada à outra, a escola reflete os interesses da sociedade. Portanto, uma sociedade autoritária, organizada autoritariamente, refletir-se-á na escola de modo que se torne autoritária. Da mesma forma, se a sociedade for democrática, terá na escola uma organização democrática. Não podemos, porém, nos deixar levar pelos determinantes econômicos, sociais, políticos e culturais presentes na sociedade autoritária, usando-os como desculpa para não fazer nada, esperando que a sociedade se transforme para depois transformar a escola, pois, sem a transformação das pessoas de forma verdadeira, não há sociedade que se transforme verdadeiramente. Se a escola está permeada pelo autoritarismo entre professor e funcionários, como ela conseguirá abrir espaço para que a comunidade entre e possa contribuir no processo de democratização escolar? Em sala de aula podemos perceber a existência do autoritarismo por parte do professor em relação aos alunos. Essas práticas de dominação não contribuem para a 8 construção da autonomia do aluno, o que acaba só continuando um processo de repressão, deixando-nos cada vez mais longe da democratização escolar. Muitas vezes os diretores alegam que a comunidade não participa da escola por falta de interesse, mas qual é o estímulo dado para que haja maior participação? 3 O processo de participação na escola Diante de toda essa problemática em relação à democratização escolar, realizamos uma pesquisa de campo para analisarmos a realidade escolar. Para isso questionamos alguns professores, com identidade já especificada anteriormente, e de que passamos à interpretação das respostas. Desse grupo de professores, um pouco mais da metade têm mais de oito anos de serviço no magistério. Nenhum dos entrevistados atuou em direção de escola e apenas um já fez parte da equipe pedagógica. As respostas dos professores foram analisadas conjuntamente, organizadas em três eixos: a) formas de participação dos professores nas decisões da escola; b) espaços constituídos na escola para a participação nas decisões; c) os conceitos de "escola democrática" que permeiam as relações entre professores e dirigentes. Em relação ao primeiro eixo, ao analisarmos as respostas dos professores percebemos que a principal forma de participação apresentada pelos docentes na escola está na organização e direcionamento diários de sua sala de aula como, por exemplo, numa situação de indisciplina, o professor conversa com o aluno buscando a solução do problema em sala de aula, porém necessita comunicar a direção. Essa participação está relacionada a assumir a sua função dentro da escola. Outra forma de participação apresentada pelos professores ocorre quando da construção do planejamento, pois, "no início do ano se reúnem os professores por série e planejam o conteúdo anual e depois é repassado para a equipe para a aprovação ou não dos conteúdos". O que percebemos é que não há clareza, tanto para a equipe de direção, como para os docentes, de que o plano de ensino precisa ser analisado não como um fim fiscalizador, mas para perceber e explicitar a relação do que está sendo realizado em sala de aula através das disciplinas com os pressupostos apresentados no Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola. 9 Percebemos que a escola, ao mesmo tempo em que busca a democratização, não tem esse caminho muito claro, pois, no primeiro momento, ela oferece autonomia aos professores para que produzam seu planejamento, mas logo depois controla as suas decisões. Essa atitude pode desmotivar os professores, pois, quando suas opiniões são simplesmente rejeitadas (não debatidas e nem esclarecidas), percebem que seu trabalho de nada adiantou. Diante do exposto, podemos afirmar que as formas de participação dos professores nas decisões da escola chegam até o grau denominado, por Bordenave (1994, p. 32), de elaboração/recomendação, situação em que, segundo ele, "[...] os subordinados até elaboram propostas e recomendam medidas que a administração aceita ou rejeita, mas sempre se obrigando a justificar sua posição". Através da pesquisa verificamos que a direção oportuniza a participação, buscando a colaboração na elaboração de propostas, no entanto cabe à direção aceitar ou rejeitar essas sugestões. Compreendemos que um ambiente democrático só é construído quando a direção organiza espaços para discussões de modo a destacar os aspectos relevantes da educação e da escola, possibilitando maior compreensão tanto do diretor quanto dos professores, deixando todos satisfeitos, ou seja, predispostos a participarem em todo o processo. Em relação ao segundo eixo, que diz respeito aos espaços constituídos na escola para a participação, os professores dizem que a direção oportuniza a participação dos professores através de reuniões, porém estas sempre são organizadas por ela, não abrindo espaço para que os professores participem da elaboração da pauta. São discutidos assuntos que a direção julga interessantes e não os que todos os professores gostariam de discutir. Percebemos que a direção da escola precisa proporcionar espaços e estímulos para o engajamento de toda a comunidade escolar, possibilitando maior participação através da criação de novos espaços participativos e a reformulação dos já existentes, dando abertura aos professores para a participação na elaboração da pauta das reuniões para que eles possam não somente votar ou opinar por assuntos que já vêm previamente estabelecidos, mas que possam estabelecer, também, o que gostariam de discutir. Em relação ao terceiro eixo, que diz respeito ao entendimento que os professores têm sobre escola democrática, notamos que eles têm uma compreensão de certo modo 10 abrangente. A escola democrática é o local "onde as pessoas têm liberdade de se expressarem e agirem" (professor 1); "onde todos os seus integrantes têm direito de vir e ir com igualdade e de participar de todos os momentos decisivos" (professor 2); "onde todos têm vez e voz" (professor 3). A partir do que expressam os professores, é possível inferir que se faz necessário extrapolar o nível de entendimento para tornar-se força para efetivar essa escola democrática, lutando pelos interesses coletivos, não servindo apenas de marionetes que estão sobre um palco (escola), palco sobre o qual se reproduzem apenas interesses da classe burguesa. É preciso que os professores acreditem que é possível construir relações democráticas dentro da escola, e essas relações só se realizam através do exercício de participação. Assim, pelo exercício da participação, terão mais força para lutar por seus ideais. Acreditamos que os professores têm vontade de mudar, mas são reprimidos por todos os lados e acabam por alienar-se, desempenhando um trabalho que não lhes agrada, de reprodutores do sistema capitalista. É importante acreditar no processo democrático e ter perseverança, já que esse processo não é algo que acontece de uma hora para outra. É, sim, um caminho que será construído a partir do momento em que todos compreendam a importância de participar. A construção do Projeto Político-Pedagógico pode ser a chave para impulsionar a democratização da gestão escolar. Esse PPP, construído coletivamente, envolvendo toda a comunidade e pensando no aluno que queremos formar, deixa que a comunidade opine e dê sugestões, criando um processo democrático nas relações entre os grupos. Igualmente, estaremos propiciando condições concretas para que os pais dos alunos participem no destino da educação escolar. Com a distribuição da autoridade dentro da escola, a comunidade se une, dando condições para um melhor funcionamento da escola internamente e criando mecanismos para maior cobrança das responsabilidades do Estado. Desse modo, como escreve Hora (1994 p. 14), "[...] quanto mais participativo, solidário e democrático for o processo administrativo, maior as possibilidades de que seja relevante para indivíduos e grupos e também maiores as possibilidades para explicar e promover a qualidade da vida necessária". O papel da comunidade não é substituir o Estado, mas se organizar de maneira 11 competente para fazer a escola atender aos interesses da classe a que atende. Para isso, é importante que a escola desenvolva seu trabalho de maneira que vise a formação de cidadãos conscientes, críticos e atuantes na sociedade. Sendo assim, os indivíduos podem utilizar-se dessa formação cidadã para determinar a qualidade do Estado. A escola tem um papel primordial na formação para a cidadania, portanto é preciso que comece nela um processo democrático para que do mesmo modo os cidadãos frequentadores dessa escola, por consequência, busquem construir um processo de democracia social. Neste sentido, é indispensável que, na escola, seja oportunizada a participação de todos, principalmente dos professores, estimulando para que a participação não seja algo obrigatório, mas, prazeroso. Para isso, faz-se necessário construir uma gestão da educação que permeie democraticamente todos os espaços escolares, criando um ambiente escolar, onde haja a disciplina e a organização, sem deixar de haver participação. A partir dessa análise, percebemos que ainda há um longo caminho para se chegar a uma escola democrática, pois a escola está permeada de atitudes repressoras resultantes da sociedade capitalista. Nesse amalgama, ela não abre espaços para novas sugestões e prefere que os professores continuem alienados reproduzindo somente os interesses da classe burguesa. Vale ressaltar que as direções das escolas pesquisadas oportunizam pouco espaço para a participação dos professores, o que contribui para que essa situação continue sem avanços democráticos. Diante disso, percebemos que, antes de qualquer ação externa, a participação de todos precisa ser oportuniza pela direção da escola. Fato este que se constitui elemento provocador e ao mesmo tempo incentivador para que os trabalhadores da escola sintam vontade de participar cada vez mais e com maior intensidade. Como diz Bordenave, a participação não é algo que se aprende, mas é algo que adquirimos através de experiências resultantes do convívio social (1994). É essa participação de forma organizada que vai fazer com que a democratização escolar seja real e não utópica. Referências ARROYO, Miguel G. As relações sociais na escola e a formação do trabalhador. In: 12 FERRETTI, C. J.; SILVA JR, J. R.; OLIVEIRA, M. R. N. S. (Orgs.). Trabalho, formação e currículo: para onde vai a escola? São Paulo: Xamã, 1999. BIANCHETTI, Roberto G. Modelo neoliberal e políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 1997. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Trad. Marco Aurélio Nogueira. 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