O DNA e o Outubro Rosa
Outubro Rosa, que teve seu berço em Nova York no ano de 1990, é representado pelo
movimento que visa conscientizar a mulher e até mesmo a sociedade a respeito da
prevenção e diagnóstico precoce de câncer de mama. O avanço da biotecnologia e da
biotecnociência proporciona um novo mundo de experiências com células-tronco,
engenharia e manipulação genéticas, transgenias, a leitura do genoma humano, dentre
tantas outras atividades tecnocientíficas, obrigando o homem a acompanhar a evolução
das ciências da saúde e usá-las quando necessário. Não só. O Estado desempenha
importante papel nesta tarefa, pois cabe a ele cumprir a missão constitucional de
garantir políticas públicas que visem a redução de doenças tendo como prioridade as
ações preventivas.
A Lei nº11.664/2008 dispõe sobre a efetivação de ações de saúde que assegurem a
prevenção, a detecção, o tratamento dos cânceres do colo uterino e de mama, no âmbito
do Sistema Único de Saúde - SUS. Referida lei confere assistência integral à saúde da
mulher, incluindo o trabalho informativo e educativo sobre a prevenção, detecção,
tratamento, controle ou seguimento pós-tratamento da doença. Trata-se da aplicação do
princípio bioético da justiça distributiva, tendo como sustentáculo uma ação beneficente
obrigatória para que o bem-estar individual possa atingir o bem-estar coletivo, sem
peculiaridades diferenciadoras da pessoa humana, em razão da isonomia e da dignidade
que a reveste.
Sem olvidar ainda do prazo contido no artigo 2º da Lei 12.732, de 22/11/12, que
assegura ao paciente portador de neoplasia maligna o direito de se submeter ao primeiro
tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS), no prazo de até 60 (sessenta) dias,
contados a partir do dia em que for firmado o diagnóstico em laudo patológico ou em
prazo menor, conforme a necessidade terapêutica do caso, registrada em prontuário
único. Portaria posterior do Ministério da Saúde (nº 1.220/2014) mitigou a interpretação
da Lei dos 60 dias e passou a considerar o prazo a partir da data do diagnóstico da
doença no exame (laudo patológico). Quer dizer, a data da assinatura do laudo
patológico apontará o termo inicial para a contagem do prazo de 60 dias, obrigando os
gestores públicos a tal determinação.
Mesmo assim, há sérias críticas a respeito da agilização do atendimento fazendo com
que o paciente espere longos períodos para obter o tratamento. Tanto é que a FEMAMA
(Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama),
idealizadora do Outubro Rosa no Brasil, lançou a campanha “O tempo corre contra”.
Um dos objetivos é angariar provas da desatenção pública e encaminhá-las ao
Ministério Público Federal para viabilizar posterior ação civil pública, visando o
cumprimento da lei.
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Indo além e alcançando a vontade que o legislador deixou transparecer na da lei citada,
a Agência Nacional de Saúde Suplementar expediu a Nota Técnica 876/2013 ampliando
a cobertura obrigatória dos planos de saúde, agora para detectar doenças genéticas.
Dentre elas destacam-se a análise dos genes BRCA1/BRCA2, relacionados com câncer
de mama e ovário hereditários, mediante a prescrição de um geneticista, a partir de 02
de janeiro de 2014. É, sem dúvida, um novo caminho que se abre em termos de
prevenção de doença. Basta ver a decisão de Angelina Jolie ao se submeter a uma
mastectomia dupla (retirada dos seios) porque, segundo os médicos, carregava 87% de
chances de desenvolver o mesmo câncer que vitimou sua mãe. É uma atitude inusitada e
que causou repercussão mundial. A decisão foi tomada após a realização de um
mapeamento genético capaz de detectar o crescimento das células defeituosas com o
consequente viciamento do DNA.
A decifração do Código Genético é uma das maiores conquistas da humanidade.
Conhecer a função que cada gene exerce no interior do DNA significa ler a informação
genética e descobrir o código da vida. O homem, no entanto, não é apenas resultado do
mapeamento genético, mas também dotado de potencialidade genética que, em sintonia
com o meio onde vive, poderá diferenciá-lo dos demais, formando uma unidade
exclusiva. A ciência inclina-se para desvendar os genes responsáveis por determinadas
moléstias, como Alzheimer (o Prêmio Nobel de Medicina foi para a pesquisa conhecida
como “GPS mental”) síndrome de down, parkinson e outras, com a intenção de alterar o
código genético e possibilitar a erradicação da doença.
Parte-se para uma medicina preventiva, estruturada no genoma para garantir a saúde das
pessoas. Comercialmente é possível fazer a leitura do DNA, não completa, mas que
garimpa informações importantes para que a pessoa conheça seu código genético e,
principalmente, para evitar a ocorrência de doenças de que tenha predisposição
genética. É o verdadeiro nosce te ipsum do pensamento do grego Sócrates, que
apregoava o conhecimento de si mesmo para organizar racionalmente sua vida.
Com relação à decisão de Angelina Jolie, respeitando autonomia da vontade de cada
paciente, parece-me compatível com a realidade apresentada nos exames. A tecnologia
revela novos contornos que trazem benefícios para o homem, no sentido de
proporcionar-lhe uma vida com melhor qualidade, evitando doenças incuráveis e
sofrimentos dolorosos, sem qualquer ofensa ao princípio da dignidade humana. A
decisão de Angelina marca uma nova etapa na história da humanidade e demonstra cada
vez mais que o homem fica refém de sua própria tecnologia, quando desenvolvida em
favor da vida. É o princípio da beneficência da Bioética.
Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado, mestre em direito
público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, reitor da Unorp/São José do
Rio Preto;
Gabriela Bellentani de Oliveira Andrade, advogada, pós-graduanda em Direito do
Trabalho.
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