UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA DIREITO Princípios do Processo: Inadmissibilidade da prova ilícita. Danillo Silva Arraes de Carvalho Matrícula: 12/0114763 Brasília, Abril de 2014. PRIMEIRA PARTE – TRANSCRIÇÃO DA EMENTA HC 80949 / RJ - RIO DE JANEIRO EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento: prova ilícita. 1. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação a pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal. II. Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, art. 5º, LVI): considerações gerais. 2. Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade - à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira - para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação. III. Gravação clandestina de "conversa informal" do indiciado com policiais. 3. Ilicitude decorrente - quando não da evidência de estar o suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou da falta de prova idônea do seu assentimento à gravação ambiental - de constituir, dita "conversa informal", modalidade de "interrogatório" sub- reptício, o qual - além de realizar-se sem as formalidades legais do interrogatório no inquérito policial (C.Pr.Pen., art. 6º, V) -, se faz sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio. 4. O privilégio contra a auto-incriminação - nemo tenetur se detegere -, erigido em garantia fundamental pela Constituição - além da inconstitucionalidade superveniente da parte final do art. 186 C.Pr.Pen. - importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da advertência - e da sua documentação formal - faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em "conversa informal" gravada, clandestinamente ou não. IV. Escuta gravada da comunicação telefônica com terceiro, que conteria evidência de quadrilha que integrariam: ilicitude, nas circunstâncias, com relação a ambos os interlocutores. 5. A hipótese não configura a gravação da conversa telefônica própria por um dos interlocutores - cujo uso como prova o STF, em dadas circunstâncias, tem julgado lícito - mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda que com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: essa última, dada a intervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas e o seu registro só se admitirá como prova, se realizada mediante prévia e regular autorização judicial. 6. A prova obtida mediante a escuta gravada por terceiro de conversa telefônica alheia é patentemente ilícita em relação ao interlocutor insciente da intromissão indevida, não importando o conteúdo do diálogo assim captado. 7. A ilicitude da escuta e gravação não autorizadas de conversa alheia não aproveita, em princípio, ao interlocutor que, ciente, haja aquiescido na operação; aproveita-lhe, no entanto, se, ilegalmente preso na ocasião, o seu aparente assentimento na empreitada policial, ainda que existente, não seria válido. 8. A extensão ao interlocutor ciente da exclusão processual do registro da escuta telefônica clandestina - ainda quando livre o seu assentimento nela - em princípio, parece inevitável, se a participação de ambos os interlocutores no fato probando for incindível ou mesmo necessária à composição do tipo criminal cogitado, qual, na espécie, o de quadrilha. V. Prova ilícita e contaminação de provas derivadas (fruits of the poisonous tree). 9. A imprecisão do pedido genérico de exclusão de provas derivadas daquelas cuja ilicitude se declara e o estágio do procedimento (ainda em curso o inquérito policial) levam, no ponto, ao indeferimento do pedido. SEGUNDA PARTE – ANÁLISE DO CASO “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;”1 A Constituição brasileira de 1988 é por muitos vista como prolixa quanto aos direitos e garantias individuais elencados no art. 5° de seu corpo. Tal fato é consequência direta do período de repressão que antecede a promulgação de tal Constituição que tem por fim maior o reestabelecimento da ordem democrática no Estado brasileiro. Fenômeno interessante a se observar é a difusão de tais princípios constitucionais, atualmente classificado como constitucionalização, sob todos os demais ramos do direito. Acontecido este claramente notado também no ramo do direito processual a que este trabalho faz menção direta sob a luz do preceito constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita. A inadmissibilidade da prova ilícita é pressuposto do direito processual. Antes de qualquer análise, é fundamental que se tenha em mente quais os aspectos necessários para que uma prova seja considerada ilícita e, portanto, seja invalidada. As provas ilícitas são juntamente com as provas ilegítimas parte de um gênero maior classificado por Alexandre Moraes como provas ilegais e sua diferença se funda na forma como são obtidas. Se determinada prova é obtida com a transgressão de um direito material tem-se uma prova ilícita, se obtida em afronta com os ditames procedimentais, tem-se uma prova ilegítima.2 O caso concreto escolhido para análise diz respeito a um indivíduo, Francisco Agathos Trivellas (Chico), que era investigado pela polícia como suspeito de 1 2 Constituição Federal Brasileira de 1988, art. 5°, LVI; VICENTE PAULO e MARCELO ALEXANDRINO, 2013; envolvimento em fornecimento de armamento de grosso calibre a traficantes de conhecidos morros do Rio de Janeiro. Como medida preventiva Chico foi preso para o prosseguimento do inquérito policial. Para a análise aqui presente, o relevante é se saber quais as provas embasaram a prisão de Chico e em que circunstâncias elas foram obtidas para que sejam tidas como evidências válidas ou não. Na função de guardião do ordenamento jurídico é crucial que o juiz aja com imparcialidade (princípio da imparcialidade do juiz), não cabendo a ele um juízo de valor mas a obediência aos dispositivos legais (princípio da legalidade) que determinam como ele, em seu papel de servidor, deve agir. Tal aspecto se torna relevante, dentro da discussão aqui presente, porque a análise recai exclusivamente sobre aspectos procedimentais do inquérito policial e do processo acusatório que devem observar, em seu modus operandi, os limites legais préfixados. A transgressão desses limites na obtenção de provas torna-as inválidas como meios de evidência e juntamente com elas todos os atos que delas derivam (teoria dos frutos da árvore envenenada). As provas que incriminaram Chico foram uma gravação telefônica feita após sua prisão e uma gravação ambiental feita de uma conversa informal de Chico com os policias: “que, em conversa informal, confidenciou-nos (...). Tais esclarecimentos constram de fita gravada nesta sede, haja vista que o mesmo se nega a prestar tais esclarecimentos oficialmente.”3 Da primeira prova cabe dizer que a prisão foi feita de forma ilícita pois se baseou em alegação de terceiro envolvido que declarava apenas saber onde estaria Chico em determinada hora e dia, tendo ele sido então preso sem a verificação de flagrante ou motivo que ensejasse suficientemente tal atitude. De tal ilicitude advém primeiramente a invalidade da prova obtida por meio de gravação telefônica posterior à prisão. 3 Voto do Relator p. 22; Cabe aqui ainda um comentário, mesmo ignorando-se esse primeiro motivo que enseja a invalidade da gravação telefônica, é comum também o entendimento de que a gravação telefônica obtida por terceiro não pode ser admitida, mesmo que autorizada por algum dos participantes da ligação, a não ser em caso de legítima defesa desse participante. Não serve, também, como prova a fim de incriminação do participante inconsciente da escuta. No que se refere à segunda prova de incriminação de Chico, o trecho supracitado deixa claro que tal prova diz respeito a conversa informal entre Chico e os policiais. Há motivos suficientes para se crer que Chico não foi avisado de seu direito de permanecer calado, (a todos é reservado o direito de não produzir provas contra si mesmo), podendo ele ter sido induzido a dizer coisas que não teria dito caso soubesse de tal direito que é a ele garantido inclusive por via constitucional. “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;”4 Assim sendo, as alegações dadas por Chico nesse ambiente também não podem ser consideradas como meios lícitos que fundamentem sua prisão, esse também é o entendimento do relator conforme o disposto em seu voto: “o interrogatório é a única forma legal de tomada, no inquérito policial, de declarações do indiciado: nele, não há espaço para acolher como declarações do indiciado – e menos ainda para validar eventual confissão nelas contida -, o registro, gravado ou não, de “conversa informal” dele com policiais.”5 Essas foram as alegações, que entre outras, ensejaram o cabimento da impetração de habeas corpus em favor de Chico. Como já dito anteriormente, a questão aqui discutida recai sobre o âmbito procedimental, é imprescindível num Estado Democrático de Direito como se proclama o Brasil, a observância de regras e normas na execução dos atos estatais para que se evitem os erros já cometidos no passado. A administração deve efetuar seus atos no modo exato como prevê a lei, estando sujeita à análise do judiciário e a eventuais invalidações de suas atividades que não estejam de 4 5 Constituição Federal Brasileira de 1988, art. 5°, LXIII; Voto do Relator p. 23; acordo com os ditames legais. As ilicitudes que foram observadas no caso acima descrito são exemplos da inobservância por parte da administração desses limites a ela legalmente impostos. Desse modo, concordo com a atitude do Supremo Tribunal Federal em impugnar tais atos. Entendo, contudo, ser necessária uma reestruturação da administração de modo a tornar menos burocrática a obtenção de mandados judiciais para a execução de atos policiais, pois muitas vezes a demora em se conseguir autorizações judiciais para a execução de determinados procedimentos faz com que as oportunidades sejam perdidas. Referências Bibliográficas: CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. 2013, 29ª Edição, Malheiros Editores; CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988; VICENTE, Paulo. ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 2013, 10ªEdição, Ed. Método;