16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas
Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolis
Algumas palavras sobre a arte do corpo
Danillo Silva Barata
Professor da Faculdade de Tecnologia e Ciências
Resumo
O artigo contextualiza a saída da representação mimética do corpo para a sua
apresentação, sobretudo na Body Art. As relações de como os artistas utilizaram o
corpo como potencializador de intervenções artísticas. Empreendendo em suas
performances as tecnologias tais como: o vídeo e a música eletro-acústica,
percorrendo dos primórdios da performance até as sideralidades de Orlan e Stelarc.
Palavras-chave: Corpo, vídeo, performance, estética e artes visuais.
Abstract
This article is about the change of the body mimetic representation to its presentation,
specially in the Body Art. The relations in which way the artists had used the body as a
stimulating power for artistic interventions. Undertaking in their performances the
technologies such as: the video and electro-acoustic music covering of the primordium
of the performance until the sidereal time of Orlan and Stelarc.
Keywords: Body, video, performance, aesthetics and visual arts.
Como forma de dar visibilidade às experiências sensíveis e às
mutações que a sociedade industrial produz, a fusão entre arte e tecnologia
coloca a experiência do corpo numa dimensionalidade ampliada trabalhando o
corpo, os sexos, extraindo o máximo das potencialidades significantes dos
novos meios. Testar os limites do corpo, “desfetichizar”, descaracterizar os
modelos vigentes que permearam e permeiam nossa cultura seja pela pintura,
escultura ou pelos cânones midiáticos, perpetuados no cinema e na TV. Foram
esses os passos perseguidos pelos artistas em suas atuações durante as
primeiras pesquisas com o corpo.
A experiência dos dadaístas no início do século XX proporcionou a
formação e as bases do espírito transgressor. O espírito provocativo de seus
participantes quebrava o modelo tradicional, desenvolvendo uma ampliação do
fazer artístico, conectando literatura e dança, além de incorporar a presença do
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artista. Seus mentores, o filósofo Hugo Ball, juntamente com Tristan Tizara e
Hans Harp faziam a junção de outras expressões como poesia, literatura,
pintura e a música, desenvolviam performances com a intenção de despertar a
atenção do espectador e promover a experimentação de outros meios. Para
VIRILIO:
No início do século XX, com os futuristas e Dada, caminhavase para uma despersonalização total da coisa dada a ver, bem
como também de quem a olha, e o jogo dialético entre artes e
ciências se apaga progressivamente em benefício de uma
lógica paradoxal que prefigurava aquela, delirante, da
tecnociência (2002, p. 52).
Através da negação da arte, da passagem da obra a objeto, da quebra
com a representação e os meios tradicionais da arte, promovia-se a anti-arte. E
é na obra de Marcel Duchamp, sobretudo, nas obras Roda de Bicicleta e
Suporte de garrafas, de 1913 e 1914 respectivamente, que o artista coloca-se
como um interlocutor transgressor, retirando objetos de seu lugar de origem,
desvinculando sua função e apresentando-o como um Ready Made. A arte
passa talvez pelo seu maior deslocamento, sua negação. O uso de termos,
como “objeto” e “processo” marcam e imprimem os conceitos que futuramente
vamos ver na Pós-Modernidade, a exemplo do conceito de “apropriação”.
Duchamp e os demais artistas Dadaístas estavam agora acionando o espírito
crítico, despertando um diálogo entre Obra X Artista X Fruidor.
Duchamp foi um dos grandes precursores da arte do corpo. Em seus
trabalhos fotográficos em que aparecia vestido de mulher e assinava como
Rrose Sélavi levava a experiência corporal ao estatuto de obra. Amparou-se
em procedimentos fundamentais para o alicerce das futuras performances.
Questionou o conceito de autoria. Apresentou-se também em fotografias, com
desenhos (feitos com corte de cabelo) em sua cabeça e jogando xadrez com
uma modelo nua. Em verdade, Duchamp “jogava” de maneira irônica com a
instituição artística. Era uma maneira de artista (Duchamp) e obra (modelo),
desenvolverem uma outra relação, desconstruindo do ponto de vista formal o
próprio modernismo. Para GARDNER:
O fundador da moderna arte do corpo foi Marcel Duchamp,
que se vestiu como uma drag queen nos anos vinte e fez com
que escrevessem palavras em sua cabeça através de cortes
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de cabelo na esperança de espremer o último sumo do
modernismo.(1996, p.202).
Segundo o autor, os passos de Duchamp não foram desenvolvidos até
os anos setenta, quando artistas do Akitionismo, entre eles Vito Acconci,
Hermann Nitsch, Rudolf Schwarzkogler e Artur Rainer conquistaram uma
proximidade com suas ações.
No mesmo período, o manifesto Futurista, apresentado no Variety
Theater (1913), trazia consigo o espírito transgressor em manifestações que
ocasionavam confusões generalizadas. As “Noites Futuristas” aconteceram
após o Manifesto de Marinetti, que incitava os artistas “a cantar o amor ao
perigo, o hábito pela energia e pelo destemor, e exaltar a ação agressiva, a
insônia febril, o passo dos corredores, o salto mortal e a potência de uma
bofetada” (citado por GLUSBERG,1987, p.13). Esse espírito transgressor
permeou o fazer artístico dos Futuristas e uniu-se às ações dos Dadaístas. Um
deles,
Hugo
Ball,
poeta
alemão
fundador
do
Cabaret
Voltaire,
foi
profundamente inspirado pelas montagens de Frank Wekending. Segundo
GLUSBERG (1987, p.14), “foi com suas cenas de Cabaré nos anos de 19001910 o precursor da Body-Art dos anos sessenta. Infelizmente Wedekind não
tem tido esse reconhecimento”.
A partir do manifesto Surrealista de 1924, que concentrou as suas
atividades em torno da poesia e do cinema, surgem, do ponto de vista formal,
as primeiras performances. Os seus manifestos eram próximos aos
procedimentos das performances atuais, caracterizando-se pelo “abandono do
raciocínio lógico, amparando-se o processo criativo no automatismo psíquico,
fundamento básico recém definido por Breton” (GLUSBERG, 1987, p.20).
No inicio da de década de 60, Yves Klein realizou o que poderíamos
denominar da primeira performance, O salto no vazio. Curiosamente, é com a
mediação da fotografia que teremos umas das obras mais marcantes da
performance. Para WEITEMEIER:
Neste contexto, a imagem que retrata Yves Klein a lançar-se
livremente no espaço, um ano antes do primeiro vôo espacial
tripulado, assumia um valor iconográfico muito particular.
Simultaneamente, a montagem fotográfica de Um Homem no
Espaço! voltava a dar vida a reminiscência de um sonho antigo
– voar – refletindo também um arquétipo da Arte
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Contemporânea, com sua otimista crença no potencial do
futuro.(2001, p.51).
Esta obra, que é lembrada como uma das primeiras performances, é
material vasto para engendrar uma análise minuciosa na quebra de
paradigmas na história da arte ocidental. Tornou-se um dos trabalhos mais
emblemáticos,
pois
desempenhou
uma
forte
influência
em
diversos
movimentos da arte no período. Nesta obra, há o rompimento com o espaço, a
quebra do lugar preferencial – o ateliê. O trabalho consiste em uma montagem
fotográfica em que o artista lança-se no “espaço” pela janela de seu ateliê.
Desempenha ali o papel de sujeito e obra. O registro fotográfico foge ao
conceito de obra acabada e instaura as etapas do processo de execução e
concepção.
Ainda no campo performático vamos observar o artista Jonh Cage, que
integrou experiências em diversos campos artísticos, tais como a música,
teatro, pintura, poesia e a dança. Criou as chamadas Untitled Event,
conservava a individualidade das linguagens, ao mesmo tempo em que
formava “uma sexta linguagem”. Cage desenvolvia experimentações em
relação à música que denominava de música aleatória. Os Untitled Event,
reuniam, também, inserções de projeções de slide e de filmes, assim como a
execução de uma composição com a utilização de rádio. Críticos, teóricos e
historiadores atribuem a Cage, com seu evento de 1952, a fonte geradora da
incrível produção artística dos anos sessenta e setenta (GLUSBERG, 1987,
p.26). Ministrou cursos na escola de Investigações Sociais nos Estados Unidos
e foi membro do Grupo Fluxus.
A criação do Grupo Fluxus vai tornar-se um dos marcos da arte
contemporânea. Descrito pela sua atitude subversiva e preocupada com as
mudanças que as instituições estavam promovendo na arte, o Fluxus explorou
conexões entre as artes visuais, poesia música, teatro e pelo radicalismo nas
performances, nas suas ações, que combinavam o teatro de guerrilha e os
espetáculos de rua, reunindo artistas de diversas áreas. Um de seus
idealizadores,
George
Maciunas,
realizava
“concertos”
de
grande
experimentação que classificava de “Teatro NeoBarroco de mixed-media”.
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O Fluxus iniciou suas atividades no início dos anos sessenta, por um
grupo de jovens estrangeiros e americanos no bairro do Soho, em Nova York,
que ainda hoje é um dos bairros que contêm as galerias de arte com maior
representação na América. O grupo desenvolveu uma série de atividades entre
objetos e publicações como forma de ampliar o discurso do artista e envolver
de forma direta a sociedade. Assim como o envolvimento de seus participantes,
entre eles: Joseph Beuys, Yoko Ono, John Cage, Nam June Paik, Karlheinz
Stockhausen, Ken Friedman e o próprio Maciunas.
O artista alemão Joseph Beuys, foi um dos artistas mais emblemáticos
do século XX, foi aluno de Ewald Mataré, com quem Beuys pôde desenvolver a
sua percepção em relação à composição espacial de suas obras. Tornou-se
um dos artistas mais importantes da vanguarda internacional. A Documenta de
Kassel o homenageou, fazendo justiça a um dos artistas mais emblemáticos do
século XX. Para De Fusco, Beuys, estaria na linha da redução como um
conceitualista comportamentalista. A influência de sua arte, que trabalhava com
os aspectos formais com o espaço e os materiais, ainda hoje, permite um
grande estudo de sua poética, ”um jogo de proximidade e distância, simpatia e
estranhamento, entre fenômenos distintos. Na relação entre as formas e os
materiais
empregados
para
fabricar
as
esculturas
tal
jogo
se
aprofunda”.(TASSINARI, 2001, p.110). A complexidade na abordagem de suas
obras torna ainda mais instigantes as suas referências e a “polifonia” das
ações.
O projeto de Escultura Social de Beuys era uma forma do artista fazer
uma junção entra arte e vida, o projeto consistia em uma ampla discussão de
diversos grupos, sobre arte e ecologia, visionando a noção de rede,
antecipando os conceitos da Internet de trocas de arquivos e informações. Foi
membro
do
movimento
“Verde”
na
Alemanha,
buscava
ampliar
os
questionamentos, as premissas da cultura dominante. Acreditava que essa era
a função da arte e “somente a arte torna a vida possível”. O artista-cidadão
poderia reverberar o seu discurso com toda a sociedade, através da polifonia
das ações. Sua obra tornava-se um “xamanismo” pela relação com os
materiais utilizados. A semântica na utilização da banha e do feltro, por
exemplo: o artista acreditava no poder térmico isolante do feltro, assim como a
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ação orgânica da banha e utilizava-se destes conceitos em suas obras. Os
resultados dessas ações eram às vezes monumentais, o fruidor percebia e até
podia sentir a presença do artista.
A influência da arte conceitual, que eliminava a utilização do objeto,
rompeu e promoveu um certo reducionismo. A introdução dessa definição no
campo da análise artística é de Renato De Fusco (1998, p. 293). O autor chega
a esse conceito mapeando a sua utilização em diversos movimentos da arte,
tais como: dadaísmo, Neo-dadá, Minimalismo, Arte conceitual, Arte Polvera e o
Conceitualismo Comportamentalista, do ponto de vista formal, nas práticas
artísticas. Foi fundamental para uma ampliação dos valores, que implicariam o
direcionamento das práticas corporais. O sentido político caracterizou a arte
conceitual, a utilização dos meios midiáticos, o confronto de suas políticas de
identidade, em consonância com a crítica institucional. A partir daí surgem
novas indagações sobre o fazer artístico e o lugar da arte na sociedade.
Antigos suportes, posturas frente à arte, formas expressivas como a
representação foram revistas e muitas delas negadas, estabelecendo, assim,
em decorrência da pop art, os primeiros momentos de uma estética pósmoderna contemporânea (COHEN, 1985).
Na arte Conceitual, as obras precedem de uma atitude artística sobre a
estética A essência do movimento é o conceito e pode existir diversas formas,
na ausência do objeto e da sua representação, sobretudo, através da palavra
(comumente
utilizou-se
o
dicionário).
Apresentou-se
com
diversas
terminologias tais como Arte Idea, Post-Object e Arte Desmaterializada, pois
sempre se apresentou como fotografia documental, projetos, plantas, vídeo,
slides. Assumindo e interrogando as possibilidades quando o conceito substitui
o objeto. Explorou diversos campos como a lingüística, matemática e o
“processo orientado”.
Temos um rompimento, uma quebra, com a representação do objeto.
Os textos agora exprimem e direcionam o olhar do fruidor. O artista Joseph
Kosuth é um dos membros do Art & Language, grupo que questionou as
convenções artísticas e as estruturas vigentes.
Por sua vez, o grupo de Viena desenvolveu trabalhos viscerais, seja
pela violência que utilizava no próprio corpo e pelas ações por diversas vezes
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sadomasoquistas, flagelando o corpo, através de mutilações de seus
participantes. Com a intenção de promover uma “terapia de choque”, suas
atividades foram muito questionadas pela ética. Acreditavam que os rituais
estavam conceitualmente na “ação material” e na realidade como elemento
fundamental de suas performances. O extremismo marcou as atividades do
grupo.
Vale ressaltar dois artistas londrinos que abdicaram de suas
identidades para criar uma “escultura viva”, a experiência de sua vida como
obra. Gilbert e George se conheceram nos anos 60 e a partir de então vêm
desenvolvendo trabalhos que consistem em tornar público toda sua vida íntima,
registros de vídeo dos dois embriagados em um bar, fotos dos dois em lugares
públicos, sempre com o comedimento inglês. Talvez essa postura não tivesse
tanto destaque se não tivesse sido realizado na Inglaterra, um país tão
conservador. O corpo como objeto de arte e a vida como fenômeno estético,
são as tônicas de seus trabalhos.
Essa postura frente à arte serviu como forma de desprender e
“ultrapassar” o objeto. A arte do corpo, elemento agenciador de um discurso
contundente, foi a forma que esses artistas dispuseram para desenvolver suas
ações transitórias e de passagem. A desmaterialização do objeto artístico foi
recorrente nas intervenções dos artistas conceituais, um trabalho que ilustra
bem esse conceito é o Auto-enterro, de Keith Arnatt, em que o artista promove
o seu desaparecimento, retirando não só a ausência do objeto, mas também o
próprio artista.
O agrupamento das diversas tendências do teatro dança e de grupos
que desenvolviam performances e Happening, vão originar a terminologia body
art. Vale destacar as artistas Gina Pane e Marina Abramovik que levaram os
seus corpos ao extremo, através da superação de todos os limites físicos e
morais, era sua intenção esvaziá-lo e “deixá-lo em prontidão para uma
experiência espiritual mais plena” (ARCHER, 2001, p.113). A artista iugoslava
Marina Abramovik iniciou suas atividades no início da década de 70, levando o
próprio corpo ao limite. A descrição das Performances de Abramovic,
denominadas de Ritmos, eram originárias de trabalhos anteriores nos quais ela
utilizava instalações sonoras. A descrição formal dessas performances era da
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artista gritar até a sua rouquidão, dançar até o seu esgotamento físico e o uso
de medicamentos para alterar a sua mente. Contudo a performance de maior
destaque foi a Ritmo 5, na qual a artista dispunha de diversos objetos e o
público era convidado a participar da performance, utilizando esses objetos no
corpo da artista. Depois de ter sua roupa totalmente retirada a “artista foi
forçada a segurar uma pistola, com o cano em sua boca aberta” (ARCHER,
2001, p.114). O incômodo e a significação de tais ações confrontavam os
limites morais da arte e os limites físicos da performer. A responsabilidade,
assim como, a sua própria integridade física era mediada entre a platéia e a
artista. Sendo elemento fundamental para o conceito de “obra”.
No final da década de 70 e no início dos 80, artistas como Bárbara
Kruger, Cindy Sherman e Kiki Smith, vão desenvolver dentro da esfera
feminista trabalhos utilizando o corpo, seja na fotografia, com os fluidos
corporais, ou até mesmo utilizando material publicitário para desenvolver as
suas ações. Denominadas artistas da primeira geração feminista, estavam
associando o papel da mulher na sociedade e utilizando o corpo como campo
preferencial de intervenção. O olhar dessa geração esteve muito associado às
minorias, ao papel da mulher na arte e na sociedade e na constatação de que a
arte, até então relegava as mulheres artistas a segundo plano. Empreenderam
um vasto olhar no universo feminino, e desenvolveram trabalhos que
justapunham a força de suas intervenções, de forma política e contundente.
Barbara Kruger é uma dessas artistas que conseguiu ampliar o seu discurso
utilizando-se da propaganda e dos meios de comunicação em massa para
potencializar sua expressão, “atacando” o público com manchetes, ou imagens
lançadas ao “consumidor”.
As vias de expressão, na década de 80, estiveram ligadas ao
multiculturalismo e às questões de sexualidade, e ao recém descoberto vírus
da aids. Alguns artistas documentaram a falência múltipla de amigos e
companheiros nessa época. Emergiram questões de raça e gênero, seja na via
videográfica, na fotografia ou mesmo na performance. Desenvolveram-se então
ensaios auto-protagonistas de artistas que disponibilizavam sua vida, tornandoa pública. A percepção, nesse período, era de um profundo re-direcionamento
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da arte, uma mudança de consciência no encaminhamento de políticas de
identidade e das memórias coletivas.
As novas gramáticas corporais, associadas à voz imperativa da arte,
puderam resultar na auto-expressão de artistas que desenvolveram a imagem
corporal como campo dominante. Orlan é uma das artistas que trata o seu
corpo como a própria obra, sua arte consiste em modificar a si mesma através
de cirurgias plásticas, tendo como modelo a ser atingido obras barrocas e
renascentistas. Segundo GARDNER:
A parábola de Zeuxis vive na mente de Orlan. Insistindo que a
vida imita a arte, ela procurou e achou, em diversas pinturas
clássicas, as formas que quer perpetuar em seu próprio rosto:
o nariz de Diana de Fontainebleau, a boca da Europa de
Boucher, o queixo da Vênus de Botticelli, os olhos da Psique
de Gerome e a Testa de Mona Lisa.
Para Gardner, a obsessão que os franceses têm com a beleza, é a
razão e o grande “agente” potencializador das ações de Orlan. A indústria
cosmética, assim como a alta costura, é elemento dominante na sua cultura. O
exibicionismo de Orlan pôde ser visto na sua performance, A Boca de Europa e
o Corpo de Vênus que consiste em uma operação cirúrgica, os médicos e
enfermeiros vestidos com roupas desenvolvidas pelo estilista Paco Rabane,
cortam com seu bisturi operando o corpo de Orlan. Curioso é o fato da artista
estar consciente durante toda a “performance” e a sua exibição acontecer em
uma sala no museu in loco para a platéia.
A celebração do corpo está presente na arte atual, seja na recepção
das obras, de forma táctil, interativa e participativa. O corpo contemporâneo é
um lugar de inscrição, mutante e de passagem. As intervenções se voltaram
para o interior do corpo, transformando-o; as nanotecnologias e as próteses
invadem o nosso interior (COUTO, 2000, p.174). Como palco de exibições, a
percepção e o controle do corpo, aliadas a essas tecnologias, têm sido o foco
de pesquisa de alguns artistas, entre eles, o artista australiano Stelarc. Para o
artista, o corpo humano está obsoleto e só a partir do uso das tecnologias,
conseguiremos tornar o corpo em via de apreciação. Essa inconformidade tem
sido a tônica do seu trabalho e as suas obras denotam a sua preocupação em
reconhecer esse campo, expandido que é o corpo humano. O despertar para
as novas tecnologias e o desenvolvimento de ações para demonstrar a sua
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presentificação são algumas das ações do artista. Stelarc acredita que na
junção do binômio homem-máquina estaremos aptos a desenvolver nossas
tarefas diárias com maior precisão. Alguns de seus projetos desenvolvem-se
em centros de alta tecnologia. Entre algumas ações do artista está o implante
de um terceiro braço e de uma orelha, pois ele acredita que “ouvimos muito
pouco”, e é no homem biônico que está a nossa redenção.
Nesse campo de ações, dá-se uma redescoberta às primeiras
performances que remontam aos dadaístas, pelo caráter de evento. Na
contemporaneidade essas atividades estão sendo redirecionadas para o
íntimo, o que significa descobrir o interior do corpo e sua fisiologia, aproximar
os fluxos e a carne de uma esfera pública, nas galerias, museus e bienais. O
corpo como objeto artístico e em conectividade com as tecnologias.
A abordagem dessas análises não pretende “esgotar” o assunto. Em
relação à experiência do corpo e às mediações do corpo com a arte
tecnológica. O propósito deste estudo é, sobretudo, contextualizar essas
experiências como performance, desde sua origem Dadá até o confronto com a
câmera.
Referências
ARCHER, Michael. Arte contemporânea: Uma história concisa. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
CAGE, John. De Segunda a Humano: novas conferências e escritos. São Paulo:
Hucitec, 1985.
COHEN, Renato. A Performance como linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1985.
COUTO, Edvaldo Souza. O Homem Satélite: estética e mutações do corpo na
sociedade tecnológica. Rio Grande do Sul: Ed. UNIJUÍ, 2000.
DE FUSCO, Renato. História da arte contemporânea. Lisboa: Presença, 1998.
GARDNER, James. Cultura ou Lixo?. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
GLUSBERG, Jorge. A arte da performance. São Paulo: Perspectiva, 1987.
HEARTENEY, Eleanor. Pós-Modernismo. São Paulo: Cosac e Naify, 2002.
LIOTARD, Philippe. A bricolagem corporal. O Correio Unesco, 2001.
TASSINARI, Alberto. O espaço moderno. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.
VIRILIO, Paul. A máquina de visão. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002.
WEITEMEIER, Hannah. Klein. Koln: Taschen, 2001.
Currículo Resumido
Danillo Silva Barata é Mestre em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes UFBA. Coordenador do Núcleo de Arte e Educação do Museu de Arte Moderna
da Bahia (MAM), professor da Faculdade de Tecnologias e Ciências (FTC) e
presidente da Associação de Artistas Visuais da Bahia (AAV-Ba).
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