UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO TOPICALIZAÇÃO E CULTURA DE ORALIDADE LUCIANA DE MELO 2012 2 TOPICALIZAÇÃO E CULTURA DE ORALIDADE LUCIANA DE MELO Tese de Doutorado apresentada ao programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística. Orientadora: Professora Doutora Maria Cecilia de Magalhães Mollica. Rio de Janeiro Setembro de 2012 3 TOPICALIZAÇÃO E CULTURA DE ORALIDADE Luciana de Melo Orientadora: Maria Cecilia de Magalhães Mollica Tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutora em Linguística. Aprovada por: __________________________________________________________________ Presidente, Professora Doutora Maria Cecilia de Magalhães Mollica – UFRJ/Linguística – Orientadora. ______________________________________________________________________ Professora Doutora Tania Conceição Clemente de Souza – UFRJ/Museu Nacional ______________________________________________________________________ Professora Doutora Vania Lisboa da Silveira Guedes – UFRJ/Ciência da Informação ______________________________________________________________________ Professora Doutora Cynthia A. Pereira Patusco Gomes S. – UFRJ/Linguística ______________________________________________________________________ Professor Doutor Victor Luiz Silveira – UFRJ/Linguística Rio de Janeiro Setembro de 2012 4 FICHA CATALOGRÁFICA Melo, Luciana de Topicalização e cultura de oralidade/ Luciana de Melo. - Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2012. xiii, 138f.: il.; 31 cm. Orientadora: Professora Doutora Maria Cecilia de Magalhães Mollica Tese (Doutorado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL), 2012. Referências Bibliográficas: f. 104-112 1. Sócio-história. 2. Sociolinguística. 3. Sintagma Nominal 4. Letramento. 5. Ruralidade. 6. I. Mollica, Maria Cecilia de Magalhães. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Linguística. III. Título. 5 DEDICATÓRIA A meus dois amores: Victor Hugo, meu anjo e Luciano, meu marido, pelo amor, paciência e principalmente pela imensa compreensão durante minha ausência. 6 AGRADECIMENTOS À minha Orientadora, a Professora Doutora Maria Cecilia de Magalhães Mollica por mais uma vez ter contribuído com o meu crescimento acadêmico. Agradeço, ainda, a disposição, o carinho e, principalmente, a compreensão e respeito nestes últimos anos tão difíceis de minha vida. À Professora Doutora Tânia Clemente, pelos comentários e sugestões feitos e apresentados no exame de qualificação e na defesa de tese; À Professora Doutora Vânia Lisboa da Silveira Guedes pelas sugestões e detalhes sugeridos no exame de qualificação e na defesa de tese; À Professora Doutora Helena Gryner pela leitura minuciosa no exame de qualificação; Ao Professor Doutor Dante Lucchesi do Projeto Vertentes da UFBA, que forneceu as amostras de fala utilizadas neste trabalho. À minha mãe que descansa no céu. Ao meu pai pelas aulas diárias. Ao meu filho Victor Hugo pelo seu carinho e abraços nas horas que eu mais precisava. Ah, seus abraçinhos... Ao meu marido Luciano pela ajuda diária. À minha sobrinha Isabelle e meu irmão César pelos gráficos. À minha irmã Marisa que reuniu a família novamente e me deu força para continuar e principalmente ela, a “culpada” de tudo! Aos amigos sempre presentes. Aos meus familiares e amigos, pelos abraços e palavras e incentivo. Aos colegas de trabalho e funcionários da UFRJ. A bolsa de estudos que recebi da Capes. Agradecimento especial: A Deus por estar dentro do meu coração. A Deus por me mostrar, nos momentos mais difíceis, uma saída. Enfim, agradeço a Deus pelo trabalho realizado. 7 O futuro tem muitos nomes. Para os fracos é o inalcançável. para os temerosos, o desconhecido. Para os valentes é a oportunidade. Victor Hugo 8 RESUMO Melo, Luciana de. Tese (Doutorado em Linguística) – Programa de Pós-graduação em linguística (PPGL) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. Esta tese de doutorado analisa como os falantes das comunidades de Barra e Bananal – BA formam estruturas de tópico no português brasileiro. Sua finalidade é caracterizar as construções de tópico e suas motivações de uso. E também confirmar a relevância da variável escolaridade como responsável pelo surgimento de sentenças de topicalização em comunidades de oralidade. As comunidades pesquisadas foram escolhidas em função de tais critérios: (a) povoados constituídos por uma população afrodescendente advinda de um antigo quilombo; (b) comunidades rurais isoladas das outras cidades vizinhas e apresentam visíveis marcas de línguas de oralidade; (c) pouco ou nenhum acesso aos meios de comunicação em massa como televisão e rádio. Como suporte para a análise quantitativa dos dados, o pacote de programas GOLDVARB X constituiu ferramenta fundamental para o processamento da análise multivariacional no âmbito da sociolinguística quantitativa laboviana. Os resultados mostram que o falante com menor grau de escolaridade tende a empregar mais topicalizações que aquele que possui mais tempo de letramento, fornecendo indicadores para a postulação da hipótese segundo a qual a escolarização inibe a topicalização. A variável faixa etária também se mostrou relevante, já que os falantes mais velhos das comunidades que constituem a amostra tendem a topicalizar mais que os mais novos. As variáveis linguísticas como animacidade, peso do sintagma nominal e material interveniente entre o sintagma nominal e o sintagma verbal são também fatores importantes para a emergência de topicalizações. Processamento é vetor determinante para o surgimento de construções de tópico e deslocamentos à esquerda. Quanto maior o custo do processamento, medido por distância, complexidade sintática e presença de material interveniente, tanto mais provável o emprego de pronomes anafóricos cujo papel fundamental é o de recuperar o referente que quer ser acessível e realçado. O estudo deixa portas abertas para pesquisas que comparem outras comunidades de cultura oral, de modo a atestar com maior grau de certeza a hipótese central. A análise de variedades faladas em Portugal e em África tornam-se, então, pontos de pauta numa agenda de investigações a ser levadas a termo. PALAVRAS-CHAVE: Topicalização. Cultura de Oralidade. Sintagma Nominal. Sintagma Verbal. Escolaridade. Sociolinguística. Funcionalismo linguístico. 9 ABSTRACT Melo, Luciana de, 2012. Tese (Doctorate in Linguistics) – Postgraduate Program in Linguistics (PPGL) - Federal University of Rio de Janeiro, 2012. This doctoral thesis analyzes how speakers of the communities of Barra and Bananal - BA build structures of topic in Brazilian Portuguese. The aim is to characterize the structures of topic and their motivations to use. And also confirm the relevance of education variable as responsible for the appearance of topicalization sentences in communities of orality. The communities researched were chosen according to these criteria: (a) villages constituted arising out of a population African descent an old quilombo, (b) rural communities isolated from other nearby towns that have visible marks of oral language, (c) little or no access to mass media like television and radio. As support for the quantitative analysis of data, the program package GOLDVARB X was a fundamental tool for analysis processing in the multivariacional sociolinguistics Labovian quantitative.The results show that the speaker with lower educational level tend to use more topicalizations than the speaker with more level of schooling, providing indicators for the postulation of the hypothesis that the schooling inhibits topicalization. The variable age was also relevant, since the older speakers of the communities that constitute the sample tend to topic more than younger ones. The linguistic variables like animacy, noun phrase and weight of material intervening between the noun phrase and verb phrase are also important factors for the emergence of topicalizations. Processing is a determinant vector for the emergence of topic constructions and left-dislocation. The higher the cost of processing, as measured by distance, syntactic complexity and presence of intervening material, the more likely the use of anaphoric pronouns whose fundamental role is to recover the respect you want to be accessible and highlighted. The study leaves open doors to researches that compare other communities of oral culture in order to demonstrate with greater certainty the central hypothesis. The analysis of varieties spoken in Portugal and in Africa then become points of staff to organize an agenda of further investigations to be carried to term. KEY-WORDS: Topicalization. Culture of Orality. Noun Phrase. Verbal Phrase. Education. Sociolinguistics. Functionalism. 10 RESUMEN Melo, Luciana de, Tesis (Doctorado en Lingüística) – Programa de Postgrado en Lingüística (PPGL) - Universidad Federal de Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. Esta Tesis Docotoral analiza cómo los hablantes de las comunidades de Barra y Bananal - BA forman estructuras de tópico en portugués brasileño. El propósito es caracterizar la estructura de tópico y las motivaciones para su uso. Y además confirmar la importancia de la variable educación como responsable por la aparición de sentencias de topicalización en comunidades oralizadas. Las comunidades estudiadas fueron elegidas de acuerdo con los siguientes criterios: a) poblaciones formadas por africano descendientes surgida de un antiguo quilombo; (b) comunidades rurales aisladas de las demás ciudades vecinas que presentan visibles marcas de lenguas de oralidad; (c) poco o ningún acceso a medios de comunicación como la televisión y la radio. Como apoyo para el análisis cuantitativo de los datos, el programa del paquete GOLDVARB X fue una fundamental herramienta para el procesamiento del análisis multivariacional en el ámbito de la sociolinguística cuantitativa laboviana. Los resultados muestran que los hablantes con menos tiempo de escolaridad tienden a emplear más de una topicalización que los que tienen más tiempo, proporcionando indicadores para que se postule la hipótesis de que la educación inhibe la topicalización. La variable edad también se mostró relevante, ya que los hablantes de las comunidades con más edad de la muestra tienden a topicalizar más que las más jóvenes. Las variables lingüísticas como animacidad, sintagma nominal y el peso del material intermedio entre el sintagma nominal y sintagma verbal son también factores importantes para el surgimiento de topicalizaciones. El procesamiento es un factor importante para la aparición de construcciones de tópico y deslocamiento a la izquierda. Cuanto mayor el coste de procesamiento, medido por la distancia, la complejidad sintáctica, la presencia de material interviniente, es más probable el empleo de los pronombres anafóricos, cuyo papel fundamental es recuperar el referente que se espera que esté accesible y que se quiere destacar .El estudio abre paso para nuevas investigaciones en las que se comparen otras comunidades de cultura oral con el fin de demostrar con mayor certeza la hipótesis central. El análisis de las variedades lingüísticas que se hablan en Portugal y en África se convierten en temas importantes de investigación que aún quedan por hacer. PALABRAS CLAVES: Topicalización. Cultura de la Oralidad. Sintagma Nominal. Sintagma Verbal. Educación, Sociolingüística. Funcionalismo Lingüístico. 11 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... página 14 2 RETROSPECTIVA DO PORTUGUÊS DO BRASIL ........................................ página 19 3 O ANALFABETISMO E A CULTURA DE ORALIDADE.............................. página 30 4 AS COMUNIDADES DE BARRA E BANANAL............................................... página 37 4.1 O município de Rio de Contas.................................................................... página 41 4.2 Os informantes............................................................................................ página 52 5 REFERENCIAL TEÓRICO................................................................................. página 55 5.1 O tópico em suas diversas acepções........................................................... página 68 5.1.1 O tópico na sintaxe...................................................................... página 67 5.1.2 Tópico no plano discursivo: âmbito da frase.............................. página 69 5.1.3 Tópico no plano discursivo: âmbito do texto/discurso.................página 72 5.1.4 A ordenação vocabular.................................................................página 74 6 METODOLOGIA ..................................................................................................página 76 6.1 As etapas da análise ....................................................................................página 77 6.2 Grupo de fatores..........................................................................................página 79 7 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE RESULTADOS........................................página 83 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................página 100 9 REFERÊNCIAS.....................................................................................................página 103 10 ANEXOS.............................................................................................................. página 112 12 LISTA DE ABREVIATURAS CT – Construções de Tópico DE – Deslocamento à esquerda Doc - Documentador Inf – Informante INTERRUP – Interrupção ININT – ininteligível OD – Objeto Direto PB – Português Brasileiro PE – Português Europeu PPB – Português Popular Brasileiro SN – Sintagma Nominal Suj – Sujeito Top – Tópico SVO – Sujeito, Verbo e Objeto LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – página 46 Gráfico 2 – página 47 Gráfico 3 – página 48 Gráfico 4 – página 49 Gráfico 5 – página 49 Gráfico 6 – página 50 Gráfico 7 – página 51 Gráfico 8 – página 84 Gráfico 9 – página 87 Gráfico 10 – página 88 Gráfico 11 – página 90 Gráfico 12 – página 91 Gráfico 13 – página 93 Gráfico 14 – página 94 Gráfico 15 – página 95 13 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura1 - Quilombola de Bananal - Rio de Contas/BA - página 14 Figura 2 - Comunidade Quilombola de Bananal - Rio de Contas/BA - página 37 Figura 3 - O povoado de Barra - página 38 Figura 4 - Comunidade Quilombola de Barra - Rio de Contas/BA - página 39 Figura 5 - Fazenda de Bananal, antigo quilombo - página 40 Figura 6 - Artesanato local - página 41 Figura 7 - Artesanato local - página 42 Figura 8 - Turismo ecológico local - página 44 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – página 45 Quadro 2 – página 45 Quadro 3 – página 46 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – página 84 Tabela 2 – página 85 Tabela 3 – página 88 Tabela 4 – página 92 Tabela 5 – página 93 Tabela 6 – página 93 Tabela 7 – página 97 Tabela 8 – página 97 Tabela 9 – página 98 Tabela 10 – página 98 Tabela 11 – página 98 Tabela 12 – página 98 14 Figura1 - Quilombola de Bananal - Rio de Contas - Chapada Diamantina - Bahia – Brasil 15 1 INTRODUÇÃO Construções de tópico no PB Essa pesquisa de doutorado verifica no português brasileiro (daqui em diante - PB) a ordem dos constituintes, e em particular, as construções de tópico (CT). O objetivo principal é buscar, em comunidades afro-brasileiras isoladas, (e, neste específico caso, remanescentes de antigos quilombos) evidências do caráter de oralidade das construções de tópico no PB dessas comunidades. A escolha pelas comunidades de fala de Barra e Bananal surgiu do interesse durante o trabalho com o professor Dante Lucchesi, da Universidade Federal da Bahia, do Projeto Vestígios de dialetos crioulos em comunidades rurais afro-brasileiras isoladas. O Projeto Vestígios tem, como seu objetivo principal, “buscar, em comunidades afro-brasileiras isoladas, atualmente existentes no território brasileiro (e, em muitos casos, remanescentes de antigos quilombos), evidências linguísticas de processos de crioulização prévia” (Baxter & Lucchesi, 1993: 1). O projeto focaliza questões relacionadas à origem e à natureza da fala da região, assim como às propriedades das variedades dessas comunidades. Cabe lembrar aqui que, no âmbito da discussão da natureza da crioulização ou não crioulização do Português do Brasil, há linguistas que advogam haver distância grande entre o PB e o português europeu (doravante PE), principalmente se levarmos em consideração a fala. Trabalhos na área comparam as variedades do PB e do PE e vêm reunindo acervo grande de pesquisa sobre o assunto sem, no entanto, nem sempre convergirem para pontos comuns, já que a discussão comumente se volta fundamentalmente às fontes de língua falada. É, pois, pouco provável chegar-se, no curto e médio prazo, a um consenso sobre as questões que envolvem o grau de distanciamento e aproximação do PB e do PE, dado que a língua falada é mais vulnerável às inovações que sua contraparte escrita e, via de regra, constitui o berçário e o passaporte para as mudanças nas línguas naturais nas culturas de letramento. A questão torna-se ainda mais instigante se lhe acrescentarmos reflexões sobre as línguas de cultura eminentemente de oralidade cujos registros inexistem. Assim, o principal 16 objetivo deste trabalho é o de comprovar o caráter de oralidade das construções de tópico no português brasileiro de comunidades isoladas. Partimos do princípio de que, para gerar uma sentença com tópicos, em geral é baixo o grau de formalidade e escolaridade do falante, o que não quer dizer que a topicalização não possa surgir em falantes muito letrados e, até na Literatura, como estratégia de efeito estilístico importante. Assim, é coerente e pertinente que consideremos a topicalização como fenômeno linguístico resultante de um complexo de motivações de base comunicativa, cognitiva, sociocultural e gramatical (Givón, 1990, 1991). A definição de tópico há muito levanta polêmica na literatura temática, principalmente em relação ao seu conceito e abrangência. Segundo Givón (1990), antes de entender o uso da língua na comunicação, é preciso estabelecer correlações entre os mecanismos gramaticais e os contextos discursivos onde, no caso do estudo em questão, aparece o uso de tópico. Os enfoques mais comuns sobre o termo é “tópico sintático” e “tópico discursivo”. No âmbito da sintaxe, usa-se o termo “estruturas de tópico”, que abrange basicamente as construções de topicalização e deslocamento para a esquerda. Como tais construções sob esta ótica não extrapolam os limites da frase, não há necessidade de contextualização discursiva, seja de ordem linguística ou situacional. Segundo o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001), o termo Topicalização significa o processo que seleciona um constituinte da frase destacando-o à frente como tópico, sendo o restante o comentário (p. ex. a topicalização do sintagma nominal objeto direto a vida na frase A vida, o vento levou). Tópico então é definido como a parte de um enunciado identificado gramaticalmente por elementos contextuais sobre o qual o restante do enunciado que faz uma declaração (ou comentário) formula uma pergunta. O tópico, no entanto, pode ou não ser o sujeito da frase (p. ex.: A Aninha eu conheço muito.). Embora constatemos hoje uma inclinação para identificar o tópico como uma função do domínio discursivo, mesmo nessa abordagem não há consenso quanto a sua definição na literatura linguística. Têm se verificado enfoques que se alternam entre uma acepção semântica que, em nível de texto/discurso, (a) identifica tópico com assunto, depreendendo-o a partir de uma estrutura hierarquizada e (b) outra perspectiva que salienta uma acepção sintática que, em nível de frase, trata basicamente do elemento que se constitui no ponto de partida do enunciado, sendo, portanto, depreendido com base numa estrutura linearizada. Tais definições implicam que o tópico seja contextualizado linguística ou situacionalmente, pressupondo-se o contexto discursivo como fundamental. 17 O texto desta tese se estrutura, além da Introdução, pelos seguintes capítulos. O capítulo II, intitulado As comunidades de Barra e Bananal, apresenta uma visão da história social e cultural do lugar em que as comunidades se localizam. Através dessa caracterização, pode-se perceber que as comunidades oriundas de um quilombo, são marcadas (a) pelo isolamento da comunidade, e (b) pelas reminiscências de um contato linguístico. Mas isso é outra história. Nesse capítulo podemos ter uma noção sobre o município de Rio de Contas, onde se situam as duas comunidades de Barra e Bananal. O capítulo III – referencial teórico – fundamenta o conceito de tópico, a partir da definição de topicalização de alguns autores e de alguns trabalhos sobre o assunto abordado nesta tese. Desse modo, coloca-se a tarefa de identificar e de alguma forma tentar definir o conceito de tópico com base na teoria de pesquisadores e gramáticos. Vários exemplos ilustram questões relativas à conceituação do processo de topicalização a fim de atingir melhor e mais suficiente entendimento. No capítulo IV, metodologia, encontram-se as etapas da análise desde o fornecimento da amostra que foi gentilmente concedida pelo professor Dante Lucchesi, da Universidade Federal da Bahia, até os grupos de fatores. A amostra das comunidades de fala de Barra e Bananal permite a consideração do grau de motivação das construções de tópico em relação às seguintes variáveis sociais: faixa etária, sexo, nível de escolaridade e estada fora da comunidade. A análise de tais variáveis não estruturais fornece evidências empíricas satisfatórias para se identificar as motivações dos falantes ao empregar a topicalização e fornece pistas para se levantar suspeitas quanto à possibilidade de o processo analisado encontrar-se em mudança em curso ou em variação estável. O exame dos dados, sob a perspectiva de análise multivariacional, referentes à variação das topicalizações no sintagma nominal nos padrões coletivos de uso linguístico na comunidade de fala de Barra e Bananal – BA, que se apresenta no capítulo V desta tese, visa (a) comprovar a hipótese segundo a qual o falante com grau mínimo de letramento tende a utilizar mais topicalizações, (b) a relevância do contato e (c) a pertinência de fatores de processamento responsáveis pelo surgimento de empregos de estruturas topicalizadas. Vale acrescentar aqui que a análise dos dados foi feita em arquivo digitado previamente pelos bolsistas do Projeto Vertentes e também por um arquivo de áudio das fitas das entrevistas dos informantes. Todo o processo de análise das topicalizações foi levado em conta a prosódia da fala dos informantes. A caracterização da língua falada, segundo Ataliba de Castilho (2012) passa pelos seguintes pontos: 18 (1) É um fato bastante óbvio que a língua falada resulta de um diálogo em presença, ou de um diálogo em ausência, como na conversação telefônica. Processos e produtos da oralidade são fortemente marcados por essa dialogicidade. Descrever a língua falada é, em grande medida, identificar os sinais da dialogicidade. (2) A língua falada documenta simultaneamente os dois momentos fundamentais da linguagem: o momento de planejamento, pré-verbal, de caráter cognitivo, e o momento de execução verbal, de caráter sócio-interacional. Esses dois momentos são muito visíveis quando ouvimos gravações da língua falada e quando consultamos suas transcrições. Eles não são claros na língua escrita. (3) No domínio do discurso, o estudo dessas propriedades é feito através da Análise da Conversação e da Linguística do Texto. No domínio da gramática, a reunião dessas propriedades configura uma Sintaxe colaborativa, que é uma nova modalidade da descrição sintática. 19 2 RETROSPECTIVA DO PORTUGUÊS DO BRASIL Uma abordagem histórica Esta tese de doutoramento, como já demonstrado anteriormente, encontrou suas fundamentações na linguagem falada em pequenas comunidades cujo letramento é pouco, ou nada, desenvolvido. O foco da pesquisa não é, de fato, a crioulização, contudo, faz-se necessário uma delineação dos fatos históricos acerca da constituição, tanto das comunidades, como do próprio português brasileiro. Nesse mister, é perfeito o termo utilizado por Silva Neto (1963: 73) - a mancha de azeite que os portugueses deixaram na história da constituição da realidade linguística brasileira, pois é exatamente o ocorrido. O azeite está impregnado no Brasil inteiro. Leia-se “azeite” tudo o que venha de Portugal, desde os costumes até a língua, e é a língua o tema em questão. Iniciando a história da constituição linguística brasileira, temos a primeira fase no início da colonização (1532) até a expulsão dos holandeses (1654), onde o homem branco é muito raro. A maioria da população é constituída por índios e africanos. É a fase que todos conhecem dos filmes e romances, onde o homem branco fica encantado pela índia faceira e perfumosa, diferente das europeias mal cheirosas. Dessa fase descendeu o mameluco. Já na década de 1560 a 1600, no litoral da Bahia e Pernambuco, o índio foi substituído pelo escravo africano, muito mais forte e resistente. A fase segunda inicia em 1654, com a vinda de portugueses ao Brasil, marco histórico para as características portuguesas atuais. O elemento indígena começa a desaparecer. Muitos fogem e uma grande porção deles, morre. Um documento datado de 1611 lamenta a extinção de numerosas aldeias de São Vicente, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e Pernambuco, nesse documento jesuítico, diz-se que as 40 mil almas residentes na Bahia estavam reduzidas a apenas 400 (CALMON, 1959: 347-8). 20 Já os negros começam a aparecer mais e os brancos a se interessar pela escrava negra de pele reluzente. A influência africana é observada em todos os sentidos. Essa fase é a de expansão territorial, como lembra Silva Neto (1963): Dá-se como que um abalo formidável da massa colonial, mais ou menos comprimida nas regiões próximas da costa; abalo que, num dado momento, a derrama pelos recessos dos altos sertões, fracionada em bandos inumeráveis, dotados de maravilhosa mobilidade. Outra característica dessa fase é que a língua geral foi perdendo o uso, “(...) índios, negros, mestiços, brancos decaídos se entendiam num falar crioulo, linguajar de emergência, em que o branco figurava como professor involuntário e desinteressado.” (SILVA NETO, 1963: 82-3). Foi no ano de 1694 que esmagaram e aniquilaram o famoso Quilombo de Palmares, sonho de liberdade de todo escravo da época. A população do Quilombo era de 1500 casas e mais de 20000 pessoas. Silva Neto (1963: 85) relata que nessa comunidade quilombola, o traço mais forte da cultura é a língua, e que se falava um dialeto africano do tipo bantu, porém, nesse falar africano havia boa influência do vocabulário português brasileiro: “Há de reconhecer-se, ainda, que esses negros, provenientes de engenhos brasileiros ou de possessões lusitanas, se poderiam exprimir num falar crioulizante, de base portuguesa.” O autor acrescenta ainda que os mais familiarizados com a língua portuguesa eram os angolanos. E diz ainda, que esses mais familiarizados com a língua portuguesa, ensinavam os recém-chegados ou os que tinham mais dificuldade em aprender a língua do senhor. Já pelo fim do século XVIII aparece uma geração que se esforça por emancipar-se de Portugal. Não da língua, que continua a ser portuguesa, mas no espírito e no sentimento literário. É a geração mineira da Inconfidência. A terceira fase começa em 1808, com a chegada do Príncipe Regente e da Corte, grande fato que transforma o Rio de Janeiro em capital do mundo português. As famílias tradicionais do campo emigram para as cidades em busca dos prazeres da vida urbana. Viu-se então uma mistura de tudo naquele momento peculiar, como nos relata Silva Neto (1963: 88): Dos princípios da colonização até 1808, e daí por diante com intensidade cada vez maior, se notava a dualidade linguística entre a nata social, viveiro de brancos e mestiços que ascenderam, e a plebe, descendente dos índios, negros e mestiços da colônia. O grau desse falar crioulizado varia de lugar para lugar: depende da percentagem de brancos e do estatus cultural. Onde menor for o número de brancos, onde a população consistir, quase exclusivamente, de índios, negros, ou mestiços, maior será o grau de linguajar crioulizante. 21 Se o autor até certo momento afirma a teoria da crioulização e de uma língua de contato, num dado momento vacila e desfaz sua linha de pensamento e retoma a observação do linguista norte americano Sapir (1921: 72): Cada língua possui a sua deriva (drift), isto é, determinada direção evolutiva, que já encerra uma série de possibilidades. Pois, cada falar continua a deriva geral da língua comum máter, mas não consegue manter valores constantes para cada parte componente da deriva. Desvios em relação à própria deriva, a princípio leves, depois acumulados, são, portanto inevitáveis. Assim como foi visto no estudo de Melo (2003), algumas destas características presentes na língua falada no Brasil, tem sido relacionada por muitos estudiosos ao aprendizado precário do português por aloglotas ou a possíveis processos de crioulização ou semicrioulização, ou seja, a uma vasta gama de situações que podem ser recobertas pelo conceito mais geral de transmissão linguística irregular ou nativização, como Naro e Scherre (2003) preferem chamar, pois o termo ‘irregular’, segundo os autores, possui “CLARA CONOTAÇÃO NEGATIVA (grifos dos autores) e dá a impressão falsa de se tratar de um fenômeno anormal, errático, imprevisível”. Naro e Scherre (2003) preferem adotar o termo nativização: “o que costuma acontecer de fato é que uma língua vinda de fora se torna a língua nativa da comunidade, que perde parcial ou totalmente a plena funcionalidade de suas línguas maternas anteriores”. Retomando o pensamento do linguista Silva Neto (1963: 107), que refuta a ideia da influência negra ou indígena, o autor retrata o contato apenas como superficial: No português brasileiro não há, positivamente, influência de línguas africanas ou ameríndias. O que há é cicatrizes da tosca aprendizagem que da língua portuguesa, por causa de sua mísera condição social, fizeram os negros e os índios. O autor diz que qualquer criança, branca, negra, indígena ou de qualquer raça ou cor, é capaz de aprender uma nova língua. Visto que, na época da escravidão e do convívio dos brancos com índios e negros o contato da língua era apenas de oitiva, o aprendizado da língua portuguesa tornou-se mais generalizado que se fosse dentro de uma escola. Já é senso comum entre os antropólogos e sociólogos que o convívio dos brancos com os negros foi muito maior que com os índios, já que aqueles conviviam dentro das casas grandes e estes ocasionalmente nas florestas (naturalmente após a falência do modelo de apresamento do nativo brasileiro). 22 Silva Neto (1963: 108) exemplifica seu pensamento através de um diálogo entre um senhor e sua escrava. Para conseguir se comunicar, o senhor eliminou algumas palavras, surgindo uma língua de contato: Quanto ano? Não tender? Como chamar terra vosso? Quantos filhos vós parir? A vosso tem inda dente? Mais adiante o autor volta a admitir ter ocorrido um semicrioulo (1963: 108): “Daí admitir-se a existência do semicrioulo, ou seja, um estágio aperfeiçoado da primitiva aprendizagem”. Esse dualismo linguístico do português brasileiro, portanto, caracteriza todo o período colonial, entre os séculos XVI e XIX. Nas palavras de Cunha: O Brasil foi, no decurso de mais de três séculos, um vasto país rural. Suas cidades e vilas, quase todas costeiras, de pequena densidade demográfica e desprovida de centros culturais importantes, nenhuma influência exerciam nas longínquas e espacejadas povoações no interior (CUNHA, 1985: 17). Neste cenário pródigo em diversidade cultural, saltava aos olhos a influência da metrópole portuguesa nos negócios políticos e culturais dos pequenos centros urbanos. Neste diapasão, leciona o linguista Lucchesi (2008): A elite colonial era naturalmente bastante zelosa dos valores europeus, buscando assimilar e preservar ao máximo (o que é previsível nessas situações) os modelos de cultura e de língua vindos da Metrópole. Desse quadro temos o significativo testemunho do cronista, que, em 1618, definiu o Brasil como "academia pública, onde se aprende com muita facilidade [o] bom modo de falar". É evidente a preferência do padrão normativo português durante o período do Império, uma vez que a maioria dos professores de língua portuguesa nos liceus era de origem portuguesa. E pode-se dizer que a adoção de usos portugueses como modelos normativos no Brasil ainda está presente na grande maioria de nossas gramáticas escolares, em flagrante conflito com os usos atuais da norma culta brasileira, o que produz um acentuado sentimento de insegurança linguística que aflige todos os segmentos da sociedade brasileira (LUCCHESI, 2002). O outro lado desta construção linguística estava representado pelos gentios pobres, descendentes dos índios aldeados e dos africanos escravos que produziram rudimentos de 23 língua que tinha por base o português falado pela aristocracia, os altos funcionários da administração metropolitana e comerciantes ricos. No entanto, deste se distanciava na medida em que novos elementos linguísticos foram introduzidos. Sob essas ásperas condições, a língua portuguesa se foi disseminando entre a população pobre, de origem predominantemente indígena e africana, nos três primeiros séculos da história do Brasil. Outro pensamento que merece ser dissecado, sobre as relações de contato linguístico no Brasil, é o de Mendonça (1936: 98). Ele retrata muito bem este cenário nas linhas a seguir: E quando se vir que a tendência da fala do Brasil é completamente diversa da fala de Portugal, que a civilização afasta cada vez mais os dois países graças aos neologismos diferentes para as invenções, que a literatura no Brasil já se tornou brasileira, rompendo com um passado artificial para ser compreendida do povo; que as influências de fatores vários transformaram a nossa pronúncia e nosso vocabulário, criando aos poucos outra sintaxe – só existirá uma coisa a fazer: o brasileiro dar bons dias como faz na fronteira com o uruguaio, o argentino e o Paraguai. O autor salienta (1936: 101) que não é somente no vocabulário que recebemos influências, mas também na sintaxe. Cabe aos eminentes linguistas portugueses Adolfo Coelho, introdutor do método histórico comparativo, e Leite de Vasconcelos, o mestre da dialetologia portuguesa, os primeiros esboços do que chamaram de dialeto brasileiro. Mendonça é categórico: E o classicismo desse português da época da colonização deixou seus vestígios bem vivos em muitos recônditos do Brasil, onde hoje o povo diz ainda mas porém, sem saber que está falando a linguagem camoniana. Não é outra a causa de muitos supostos brasileirismos serem simplesmente arcaísmos portugueses, velhos termos esquecidos na península e conservados no trópico graças a uma temperatura sempre germinativa. E a própria sintaxe brasileira não se afasta dessa origem (1936: 120). Em meio à literatura e história da língua portuguesa no Brasil, encontra-se com o poema de Vargas Neto que celebra as excelências dos tipos cruzados dos brasileiros (1936: 123): Mestiças Chinóca Cacimba de algum verão!... Flôr madura, polpa verde, lindo fruto temporão! Tu tens mormaço nos olhos, camoatim no coração... 24 Mulata Bronze sonoro, ondulando... Com tal graça tu meneias as tuas ancas redondas, que o teu corpo é um grupo de ondas, com o sol fechado nas veias... Cabôcla E’s tigipió do carinho... Fruta que mata ou acalma, veneno bom do caminho... Não há quem cure um espinho quando êle se crava nalma... Cabrocha Flôr canalha! Debochada! Maxixe de carne em flôr... De alma alegre ou desolada, desatas a gargalhada, pois tens na mesma risada gritos de insulto e de amor... O contato com o índio nativo do Brasil teve repercussões distintas, terminando por influenciar menos os traços linguísticos do português brasileiro. Mendonça retrata todo percurso do índio quando os colonizadores vieram tomar-lhes as terras, pois os indígenas diante da presença da raça colonizadora não se mostrou amigo em nenhum momento e por isso mesmo não conseguiram ser escravizados, nem quiseram aprender a língua de branco. Mesmo sendo menores que os negros, esses vestígios deixados pelos índios, são a maioria no léxico e na fonologia, como salienta o autor (1936: 159): Quando duas senhoras brasileiras conversam, ouve-se muitas vezes este dissílabo – em-em; ora este em-em é o sim das senhoras – na língua tupi. A língua tupi não tem l; o nosso homem do povo paulista, mineiro, guaiano ou fluminense nunca pronuncia o l com o h; não diz: melhor, mulher, milho, e sim: mio, muié, e mió, porque o tupi não tem l. 25 Na sintaxe, a influência africana é muito menos sensível. Os fenômenos de mais importância seriam os de decalque, em que o negro traduziria suas ideias em nossa língua, partindo do seu modo de falar africano. Falando português, os negros do Brasil faziam a concordância aliterativa, repetindo a partícula inicial em todo corpo da frase, como se fosse prefixo concordante. Conforme o exemplo retirado de Mendonça (1936: 193): Z’ere z’mandou z’dizê êle mandou dizer Outro interessante trecho em Mendonça (1972: 69) que exemplifica parte da história: Estes, todavia não persistiram nem deixaram de si vestígios. Podemos augurar da sua existência por frases soltas de uma pastoral de D. Correia Neri que assim faz falar um preto: Por conta de quem camaná, F. não bate caliquaqua? o Cambône responde: - Por conta de caussê e mais adiante: Por conta de quam camaná, F. não tem café cá – tudo? Nota-se em ambos a partícula ca que é sem dúvida o prefixo denotativo de alguma classe. Onde, porém, se há apontado a influência sintática do africano como no português é relativamente à colocação dos pronomes átonos. Gonçalves Viana (1931: 130) assegura que esta construção sintática é crioula, como as particularidades de pronúncia brasileira, que das de Portugal se afastam. O Português do Brasil continua sendo um grande desafio para os sociolinguístas mundiais. As mais diversas teorias sobre a formação da unidade linguística nacional têm sido formuladas sobre o seu dualismo (ou mesmo trialismo). Neste sentido, o Professor Gregory Guy (1981) afirma existir um Português Popular Brasileiro (Popular Brazilian Portuguese) que difere de muitas formas das variáveis padrão da língua falada nas salas de aula ou pelos brasileiros letrados. Em seus estudos, ele questiona a evolução e a origem do PPB. A partir daí levanta possíveis hipóteses. A resposta mais simples seria supor que o PPB sofreu alterações naturais, assim como todas as línguas, e divergiu da variedade padrão, pois os falantes de um nível elevado, como é de costume, têm resistido às inovações e continuam falando uma variedade mais conservadora da língua, hipótese defendida também por Naro e Scherre (2003). A outra hipótese seria a de que o PPB teria sua origem em uma língua crioula falada predominantemente pelo massivo contato com o povo africano no período colonial, e que, através desse excessivo contato com falantes do português padrão, passou por uma descriolização, hipótese defendida por Lucchesi (2008). Esta hipótese 26 se baseia em observações sobre a história social do Brasil, e semelhanças com outros países onde aconteceram situações sociais parecidas e desenvolveram línguas crioulas. A questão da crioulização prévia no PB tem sido levantada por muitos autores em muitos trabalhos e pesquisas. Vejamos o que Mattoso Câmara, por exemplo, tem a dizer sobre o assunto em relação às diferenças entre o Português Europeu e Brasileiro: A explicação para as discrepâncias entre as línguas do Brasil e de Portugal não pode ser atribuída a um suposto substrato Tupi ou a uma influência Africana profunda. Logicamente, os dialetos populares do Brasil são outra questão. Neste caso, é bem possível que um substrato indígena... E vários dialetos africanos tiveram efeitos fonológico e gramatical. (1972: 21-2) Parece, então, que Mattoso fez uma clara distinção entre o português padrão e o PPB (ou Português coloquial), que difere do português europeu só por causa da divergência dialetal regular, e o dialeto popular, que pode ter tido uma história crioula. Ao discutir essas origens crioulas, ele diz: parece que... Os escravos logo criaram um Português crioulo. A distinção que Mattoso faz é crucial, certamente ninguém gostaria de afirmar que o padrão brasileiro mostrou evidências de crioulização, Se a influência crioula é encontrada em algum lugar em PB hoje, ela será encontrada na fala popular. Tal como a citação de Mattoso indica, a atenção também tem sido dada à possibilidade de línguas indígenas o Tupi principalmente ter influenciado o PPB. Embora seja certo que o Tupi e outras línguas indígenas contribuiram com muitas palavras para o léxico do PB, e que por muitos anos falou-se o Tupi (ou língua geral) – ocorreu o bilinguismo no Português em determinadas áreas, no entanto, o efeito dos povos indígenas do Brasil na língua e na cultura do Brasil não foi tão grande quanto dos povos africanos. Em primeiro lugar, eles eram tão poucos em número e morreram tão rapidamente em face às doenças e armas européias que o seu impacto demográfico foi muito pequeno. E em segundo lugar, eles não configuravam o tipo de relações sociais e situações que normalmente levam a crioulização. A maioria das línguas crioulas mais conhecidas surgiu (provavelmente de pidgins precursoras), como resultado da escravidão ou de trabalho escravo, nas comunidades de fala recém-criada, onde muitos povos diferentes que não compartilham uma língua em comum (Hymes 1971, Bickerton, 1975, Valdman, 1977). Esta situação obtida por escravos africanos trazidos para o plantio e minas do Brasil colonial, mas não, ordinariamente, para o Tupi e outros povos indígenas, que, mesmo se eles foram escravizados pelo Português, pelo menos ainda em sua terra natal e ainda cercado por pessoas que falavam a mesma língua. 27 Mendonça, em seu livro A Influência Africana no Português do Brasil, atribui o grande interesse pela língua indígena no PB à fase do Romantismo na literatura que se tornou moda durante o Império: O negro que sua no eito e… trabalha sob o chicote não oferece a mesma poesia do índio aventureiro que erra pelas floretas. Se um alicerça obscuramente a economia nacional com lavoura da cana de açúcar e do café, e a mineração do ouro, o outro sugere motivos sentimentais para o passatempo dos elegantes do Império. (Mendonça 1935: 109) Na procura de influências no PB, encontraremos muitos vestígios dos povos africanos, pois o contato foi muito mais numeroso e prolongado. Enquanto que com os indígenas foi mais curto e superficial. O impacto da cultura africana com a cultura brasileira foi muito grande, tanto que até hoje uma se mescla à outra não se sabendo onde uma acaba e termina a outra. Esse contato influenciou a religião, a música, a culinária, o modo de se vestir, agir e, como podemos ver a maneira de falar. Se estamos a decidir entre as duas hipóteses sobre a origem do dialeto popular crioulização natural - temos de lidar com a questão que constitui evidência apropriada nesta matéria. A argumentação linguística comum tende a confiar exclusivamente em evidência linguística interna, mas é duvidoso que tal será suficiente, no caso presente. Não existem critérios amplamente aceites, mesmo entre os especialistas pidgin / crioulas, para determinar se uma característica linguística dado é o resultado de uma crioulização, embora as listas de característica típica crioula têm sido propostos (por exemplo Bickerton 1977, Tsuzaki, 1971). Na ausência de um bom teste linguístico, portanto, é necessário considerar a evidência adicional de história social. Como Southworth (1971) coloca: A fim de fazer um antes pedido plausível de pidgnização, é necessário mostrar que as circunstâncias necessárias sociais já existiam no momento certo, e também que os efeitos característicos linguísticas de pidginização estejam em evidência. (1971: 268) Com base nas ideias expostas acima, o Professor Gregory Guy (1981: 287) é enfático ao afirmar que: Não parece haver qualquer evidência, seja linguística ou social, o que por si só é suficiente para decidir a questão. Há certas circunstâncias sociais que parecem ser necessárias para haver formação de um pidgin / crioulo e, como veremos, eles certamente ocorreram no Brasil ao mesmo tempo. Lucchesi (1994, 1998, 2001, 2002 e 2006), caracteriza assim a polarização sociolinguística brasileira: “Um dos maiores desafios que se colocam para a linguística 28 brasileira é a caracterização da realidade sociolinguística do país, bem como de sua formação sócio histórica, com fundamentos empíricos consistentes”. O autor busca mostrar que a materialidade linguística brasileira só pode ser considerada a partir da análise concreta de seus processos sóciohistóricos. Lucchesi parte do princípio de que é possível estabelecer uma dualidade do português falado com base na história sociolinguística do Brasil. De fato, o uso da língua originária em Portugal configurou diferentes matizes quando se leva em consideração o que se falava nos centros urbanos desenvolvidos e o utilizado nos cantões pelas populações indígenas e africanas. Por conseguinte, pode-se inferir essa “segunda língua” e acabou se tornando a mais importante para essa imensa comunidade de excluídos, gerando mudanças na gramática e nos usos do português do Brasil. Desse conflito entre a norma culta da elite escolarizada e a norma popular de amplo uso pela maioria alienada da educação formal, forma-se a língua brasileira, reflexo de sua pluralidade sociocultural. Em poucas palavras, esses seriam os dois grandes vetores da polarização sociolinguística do Brasil: de um lado, uma norma culta derivada dos padrões linguísticos da elite da Colônia e do Império; de outro, as variedades populares do português brasileiro, marcadas por um conjunto de mudanças estruturais induzidas pelo contato entre línguas, através do processo de transmissão linguística irregular (Lucchesi, 2003 e 2008). E a consideração desse cenário polarizado é crucial para a compreensão dos grandes processos de mudança em curso desde o século XX, os quais vão definir as feições atuais da realidade linguística brasileira. O desenvolvimento do Brasil, no século XX, promoveu uma reestruturação socioeconômica com reflexos em diversos campos. Seus principais vetores foram a industrialização e a urbanização da sociedade brasileira. No plano linguístico, o êxodo rural promoveu a conversão de uma ampla variação geográfica em uma profunda variação sociocultural. Os vernáculos ficaram por muito tempo mais ou menos circunscritos às regiões interioranas e isoladas. No século XX, assistimos, porém, a dois fenômenos de notáveis consequências linguísticas: a migração das populações de pequenas cidades e zonas rurais para os grandes centros e a difusão dos meios de comunicação de massa. Resumindo e definindo o escopo do Projeto Vertentes, faz-se necessária a alusão, aqui, de um trecho elucidativo captado do seu sítio na rede mundial: 29 Portanto, após ter pesquisado a fala mais recôndita de antigos quilombos, das zonas rurais e pequenas cidades do interior do estado da Bahia, o Projeto Vertentes chega à capital, metrópole, com mais de dois milhões de habitantes, para descortinar e desvendar o panorama sociolinguístico de sua norma popular. Com isso, visa a trilhar as vertentes de um importante pólo da realidade sociolinguística do país que reúnem os reflexos de processos de variação e mudança induzidos pelo contato entre línguas no passado e pelos processos de difusão e nivelamento linguístico a partir dos modelos urbanos cultos no presente. Assim, muitas culturas de oralidade formaram-se no vasto Brasil de ontem e de hoje. Muitas línguas, dialetos ou variações do português que encontramos são de raízes diversas. Não se pode afirmar de onde vêm os falares das comunidades, assim como as comunidades de Barra e Bananal, pois não possuem um registro formal de língua escrita. O que se sabe é que as comunidades foram remanescentes de um Quilombo de outrora e hoje se fala um português carregado de influências crioulas. Um melhor conhecimento das comunidades será colocado em melhor amplitude no capítulo III a seguir. Do exposto até aqui, é possível inferir que não há unanimidade quanto à existência ou não de um Português Brasileiro derivado do europeu. O certo é que houve exposição entre as línguas europeia e africana que deixaram marcas em comunidades isoladas brasileiras. 30 3 O ANALFABETISMO E A CULTURA DE ORALIDADE Cultura de oralidade, cultura letrada, analfabetismo funcional. Antes de prosseguir é preciso definir o que realmente significa cada um desses títulos. Antes de qualquer outra definição, precisamos esclarecer o que é um analfabeto funcional. O indivíduo precisa saber ler e escrever, no pleno sentido da palavra. Sendo assim, desloca-se o enfoque de simplesmente dominar determinadas habilidades de ler e escrever textos (cf. Scliar, 2006), para “as diversas práticas sociais nas quais esses textos se fazem presentes” (cf. Masagão, 2003). O conceito de analfabetismo referido aqui é também o adotado pelo IBGE: desde 1990, é considerado analfabeto funcional quem tem menos de quatro anos de escolaridade, no Canadá, o teto é de nove anos; nos Estados Unidos, é de oito anos e, na Espanha, é de seis anos (cf. Scliar, 2006). Mesmo critério de classificação quanto ao analfabetismo adotado por Bruening (1989) e por (cf. Scliar, 2006): Tempo de escolaridade Definição utilizada De 0 a 4 anos Analfabeto funcional De 5 a 8 anos Marginalmente alfabetizado 9 ou mais anos Alfabetizado funcional O analfabeto funcional, muitas vezes tem mais tempo de escolaridade do que realmente demonstra, porém, ficaremos com esta definição em princípio. Devemos levar em conta que um indivíduo denominado analfabeto funcional, não tem competência para ler, escrever ou de realizar tarefas que demandam habilidades de leitura e escrita de números e de outras representações matemáticas relacionadas com sua vida cotidiana familiar, social e de trabalho. 31 Para esclarecer tais conceitos, temos um exemplo muito bem relacionado com produtividade quando Scliar (2006) cita Botelho (2003): “A queda da produtividade provocada pela deficiência em habilidades básicas resulta em perdas e danos da ordem de US$6 bilhões por ano no mundo inteiro. Por quê? Porque são pessoas que não entendem sinais de aviso de perigo, instruções de higiene e segurança do trabalho, orientações sobre processo produtivo, procedimentos de qualidade total e negligência dos valores da organização empresarial. Eis aí o “calcanhar de Aquiles” de tantas organizações. O custo da qualidade é a despesa do trabalho errado, mal feito, incompleto e, portanto, sem profissionalismo”. A definição sobre o que é analfabetismo vem, ao longo das últimas décadas, sofrendo revisões significativas, como reflexo das próprias mudanças sociais. Em 1958, a UNESCO definia como alfabetizada uma pessoa capaz de ler e escrever um enunciado simples, relacionando a sua vida diária. Vinte anos depois, a UNESCO sugeriu a adoção dos conceitos de analfabetismo e analfabetismo funcional. É considerada alfabetizada funcional a pessoa capaz de utilizar a leitura e escrita para fazer frente às demandas de seu contexto social e usar essas habilidades para continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida. Seguindo recomendações da UNESCO, na década de 90, o IBGE passou a divulgar também índices de analfabetismo funcional, tomando como base não a autoavaliação dos respondentes, e sim o número de séries escolares concluídas. Pelo critério adotado, são analfabetas funcionais as pessoas com menos de quatro anos de escolaridade. O texto do Instituto continua dizendo que os anos de escolaridade muitas vezes não são suficientes para que o indivíduo seja colocado no patamar de alfabetizado ou não, pois esse conceito é relativo, pois depende muito das demandas de leitura e escritas colocadas pela sociedade. E muitos desses indivíduos terminam aquele ano, mas não necessariamente estão aptos. No Brasil quatro anos é suficiente, enquanto que na Europa e na América no Norte é necessário oito ou nove anos para o indivíduo ser considerado analfabeto funcional. De acordo com o teste feito, 9% da população brasileira na faixa de 15 a 64 anos de idade encontra-se na situação de analfabetismo. As pessoas alfabetizadas, por sua vez, foram classificadas em três níveis de alfabetismo: ♦ As pessoas de nível 1 (31% do total da população estudada) conseguem retirar uma informação explícita em textos muito curtos, como títulos ou anúncios, cuja configuração auxilia o reconhecimento do conteúdo solicitado. 32 ♦ As pessoas de nível 2 (34% do total), além de possuir a habilidade acima descrita, conseguem também localizar uma informação não explícita em textos de maior extensão, por exemplo, pequenas matérias de jornal. ♦ As pessoas de nível 3 (26% do total) mostram-se capazes de ler textos mais longos, podendo orientar-se por subtítulos, além de comparar textos, localizar mais de uma informação, estabelecer relações entre diversos elementos do texto e realizar inferências. TAXAS DE ANALFABETISMO ENTRE PESSOAS DE 15 ANOS OU MAIS (BRASIL, 1920-1999) 1920 65% 1940 56% 1960 40% 1980 26% 1999 13% TAXAS DE ANALFABETISMO FUNCIONAL PESSOAS COM 15 ANOS OU MAIS COM MENOS DE 4 ANOS DE ESTUDO (BRASIL, 1992-1999) 1992 37% 1997 32% 1999 29% Além da escolaridade, o poder aquisitivo também influi no nível de alfabetismo. Mesmo entre pessoas com o mesmo grau de instrução, as diferenças de renda correspondem a diferenças no desempenho em leitura no teste. O texto pode ser encontrado na íntegra na página eletrônica do Instituto Paulo Montenegro/IBOPE (ver pag. 105 desta tese). Nas comunidades de Barra e Bananal apesar de muitos dizerem ter um nível de escolaridade médio, muitas vezes não condiz com o que percebemos na fala de cada um desses entrevistados. A maioria encaixa-se como analfabetos funcionais, pois conseguem apenas escrever o nome e fazer contas básicas. 33 Mas as comunidades de Barra e Bananal não estão tão distantes da realidade linguística vivida hoje pelos brasileiros. O percentual de brasileiros que participa ativamente da cultura letrada é mínimo. O percentual estatístico referente ao analfabetismo no Brasil de acordo com as pesquisas no IBGE, em função do proposto pela UNESCO de analfabetismo funcional, está em conformidade com as pesquisas do Instituto Paulo Montenegro/IBOPE. Tais pesquisas demonstram que o nível de analfabetismo está caindo, porém aumenta o de analfabetos funcionais, o que não aumenta o nível de cidadãos letrados em um nível aceitável. A tese de doutorado da excelente Professora Doutora Tânia Clemente de Souza – Discurso e Oralidade – Um Estudo em Língua Indígena - analisa o discurso oral de uma língua sem escrita – o bakairi, língua da família Carib. A autora relata que na necessidade de uma descrição linguística, deparou-se com a constatação de que no âmbito da linguística, falar do funcionamento das línguas pressupõe, de maneira geral, a separação entre o oral e o escrito, o que restabelece a dicotomia discurso/língua. As inúmeras teorias trabalham com conceitos sobre a gramática de frase, a gramática do discurso, a gramática de texto, etc. Então temos a relação entre o discurso e a língua que se define por uma questão de interferência, uma questão de causa e efeito. De tal modo que o funcionamento linguístico é entendido ora por uma imposição da sintaxe, ora pela imposição do discurso; e a parametrização das línguas caminha na mesma direção: línguas voltadas para o discurso e línguas voltadas para a sentença. Aqui a linguista já poderia definir no bakairi suas principais características que a denomina uma língua sem escrita, uma língua voltada para o discurso, o que acontece frequentemente nos estudos de língua indígenas: estudos superficiais. Mas não foi o caso. Souza procura depreender as estruturas do discurso oral do bakairi mesmo encontrando uma oralidade isenta de uma sintaxe pré-estabelecida. Esse estudo explicita múltiplas relações, tais como: língua/discurso, enunciação/oralidade, sonoridade/significação, oralidade/metalinguagem e discurso/oralidade. 34 A grande dúvida seria o que é a oralidade? Essas relações indicam tanto o que é pensar oralidade - dita na prosódia, na morfologia, na sintaxe, no discurso – sem conjecturar uma posição dicotômica com a escrita. Ou seja, a descrição da materialidade da língua é recoberta pela descrição da materialidade da oralidade, recuperando-se aí a ontologia da oralidade. Na dicotomia sonoridade/significação a autora pinça contornos melódicos e onomatopeias que não se esgotam como eventos de prosódia, ou como recursos expressivos. Ao contrário, são enunciados autônomos instituídos num plano paralelo ao verbal. Possuem um léxico com enunciados complexos, mas com um papel específico no discurso. São mais utilizados durante um discurso direto como o texto descritivo. Essa situação não se enquadra na condição de oralidade por se opor a uma situação de escrita, nem assinalam o espaço de um locutor particular; são fatos constitutivos da materialidade da língua. Souza menciona também a questão da historicidade da língua portuguesa falada no Brasil, em especial, no que se refere ao contato com as línguas indígenas. Até hoje, a descrição dessa língua tem sido feita em termos de análises linguísticas segundo as quais ora se busca uma identificação com a língua falada em Portugal, ora se busca uma identidade própria à língua do Brasil – o português brasileiro. As colocações são feitas a partir de fatos linguísticos com frequência refutados por partidários de ambas as posições; fatos esses que contam a história da língua através da história da evolução linguística em si, não se levando em conta dados de outra ordem – e da mesma forma históricos – como, por exemplo, a constituição da língua falada no Brasil a partir de estudos de fatos da oralidade (Souza, 1994). Achar a oralidade a partir da oralidade, e não de sua visibilidade em línguas de escrita – lugar comum na análise de uma língua e na definição dos discursos –, leva à possibilidade de se falar na constituição da materialidade histórica no interior da própria história da língua – aquela que recupera e constitui mutuamente a história do povo e da língua. Em larga instância, podemos dizer que a materialidade histórica vem sendo trabalhada sem se supor a identidade da própria oralidade: esta vem sendo pensada como uma das formas de expressão do verbal – como registro – e não como uma das formas de arquivo, dito na e pela oralidade. O parâmetro para a oralidade tem sido a escrita, o que nos leva a concluir que se pensa errado não só a oralidade das línguas de oralidade, mas também a oralidade das línguas de escrita (Souza, Idem). A escrita confirma a oralidade, mas a fala, desde os primórdios até os dias de hoje, vem antes de qualquer registro escrito. A formação de um povo se dá através da história. Um povo sem história é um povo sem identidade. E em povos de cultura de oralidade isso é feito apenas através da “contação de histórias”. 35 O livro de Calvet (2011) sobre línguas de oralidade inicia com a declaração de um falante de uma comunidade de cultura de oralidade que está reproduzida a seguir: Eu sou griô. Sou Djeli Mamadu Kuyaté, filho de Bintu Kuyaté e de Djeli Kediari Kuyaté, mestres na arte de falar, desde tempos imemoriais, os Kuyaté estão a serviço da princesa Keita da Mandinga, nós somos sacos de falas, somos os sacos de falas que contem segredos muitas vezes seculares. A arte de falar não é segredo para nós; sem nós, os nomes dos reis cairiam no esquecimento, nós somos a memória dos homens; pela fala, damos vida aos fatos e aos feitos dos reis para as novas gerações. Apenas no depoimento deste falante já podemos ter uma noção do que é uma cultura de oralidade, sua extensão e importância. No caso do falante acima, é de manter vivas as tradições e cultura de seu povo, que como ele mesmo diz “somos sacos de falas que contem segredos muitas vezes seculares”. Para o autor, nós nos encontramos entre dois tipos de sociedades, as de tradição oral e a de tradição escrita. Esses dois termos remetem significados um tanto problemáticos como de analfabetos ou iletrados (definição do Houaiss, 2011: “Aquele que não sabe nem ler nem escrever; aquele que é muito ignorante, bronco, de raciocínio difícil”). Assim, temos a dicotomia do saber de um lado, aquele que domina a escrita e a leitura e do outro, os que não dominam nenhuma das duas, nem a escrita, nem a leitura, tem apenas a fala como exclusiva ferramenta de comunicação. Podemos falar em analfabetismo/escolarização apenas em uma sociedade de tradição escrita, porém, em sociedades sem escrita, a situação é diferente, pois a noção de analfabeto é uma noção introduzida pela sociedade de tradição escrita e como não existe tal conceito tornase incoerente. Calvet aponta que Jean Molino (1981) notou que a oralidade já existia na época do romantismo europeu de princípios do século XIX, e essa origem carregava uma oposição entre a arte vinda do povo e a arte mais sofisticada, vinda da corte. Talvez esse desprezo oculto pelas sociedades sem escrita possa ser explicado por essas origens. E é por isso que Calvet deu preferência a definições como a de Maurice Houis (1980): A oralidade é a propriedade de uma comunicação realizada sobre a base privilegiada de uma percepção auditiva da mensagem. A escrituralidade é a propriedade de uma comunicação realizada sobre a base privilegiada de uma percepção visual da mensagem. Baseado nas mais importantes tendências europeias Calvet (2011) disserta acerca das formas de transmissão linguística. Para o autor existem duas formas tradicionais de comunicação linguística: a oral e a escrita. Elas, no entanto, não são satisfatórias para representar a gama de manifestações possíveis destes sistemas. Ele apresenta os seguintes casos: 36 As sociedades de tradição escrita antiga, nas quais a língua escrita é aquela que se utiliza na comunicação oral cotidiana; As sociedades de tradição escrita antiga, nas quais a língua escrita não é aquela que se usa na comunicação oral cotidiana; As sociedades nas quais se introduziu recentemente a prática alfabética, em geral pela via de uma língua diferente da língua local; As sociedades de tradição oral. Parece não ser possível afirmar que as sociedades de tradição oral e escrita sejam excludentes umas em relação às outras. Para Calvet (Idem, Ibidem: 12) elas podem coexistir ou não e cita como exemplo as sociedades berberes, consideradas como sociedades de tradição oral, mesmo não se podendo negar que elas tenham utilizado, no passado, um alfabeto proveniente da escrita líbica, os tifinagh. Nesse caso, certamente por conta da imposição operada pela sociedade árabe e pela religião islâmica, ambas impulsionadas por outra picturalidade (o alfabeto árabe), o itinerário parece ter sido o inverso, de uma picturalidade para a oralidade. O grande problema das sociedades ditas de tradição oral sempre foi a transmissão, através dos tempos, de seus usos e costumes, uma vez que a linguagem oral pode se perder com muita facilidade. Para a solução desta temática Calvet propõe algumas questões fundamentais que passam pela manutenção das memórias e seus diversos locais: “o que conservar? Como conservar? Para quem conservar? Como transmitir? E vai encontrar sua solução em algumas formas diferentes: o texto linguístico oral; o texto pictural; a nomeação (topônimos, antropônimos etc.)”. O autor postula algumas perguntas bastante relevantes: Se geralmente consideramos que as línguas constituem uma resposta a um problema social de comunicação, e que cada problema de comunicação, em uma sociedade humana, encontra sua resposta sob uma forma ou outra, podemos, então, formular nos seguintes termos o problema constante com que se confrontam as sociedades de tradição oral: como manter a memória da experiência humana e torná-la presente num lugar e num tempo dos quais ela está efetivamente ausente? Esse problema de memória social, que os escribas e as bibliotecas resolveram parcialmente nas sociedades de tradição escrita, antes de abrir caminho ao mundo tecnológico virtual, define bastante bem os diferentes eixos de nossa apresentação. O problema se subdivide, realmente, em algumas questões: Tradição oral e tradição escrita. As comunidades de Barra e Bananal estão inseridas nesses casos. São comunidades afrodescendentes, a maioria analfabetos funcionais e de uma maneira geral, podem ser consideradas comunidades de cultura de oralidade. Veremos a seguir mais detalhes sobre as comunidades em questão. 37 4 AS COMUNIDADES DE BARRA E BANANAL Figura 2 - Comunidade Quilombola de Bananal – Rio de Contas/BA 2011. Figura fornecida gentilmente por: http://viajamos.com.br/forum/topics/turismo-em-comunidades Comunidades descendentes de um Quilombo A realidade linguística vivida pelos brasileiros em geral é desconhecida pela maioria dos brasileiros que vivem nas capitais. O fato é que, nas áreas rurais, os dialetos rurais, em especial de comunidades afro-brasileiras, as características do passado são, por muitas vezes, em função do isolamento, conservados. Muitas dessas comunidades são oriundas de antigos quilombos ou de escravos que receberam doações de terras. Antes as pessoas não tinham consciência da importância dessas 38 comunidades, mas agora já receberam até um documento do governo que comprova a significância dessas comunidades Quilombolas. Muitas dessas comunidades representam foco principal dos prováveis processos de crioulização ocorridos na história do país e a conservação de falares africanos. Barra e Bananal são comunidades de fala que demonstram vestígios de um processo de transmissão linguística irregular bastante relevante para o estudo, pois oferecem base para comprovação de um processo de contato entre línguas, e, possivelmente, para a postulação de ocorrência de crioulização, tendo em vista características do português brasileiro. Figura 3- O povoado de Barra. Figura fornecida gentilmente por: http://viajamos.com.br/forum/topics/turismo-em-comunidades Abaixo, seguem algumas palavras do professor Darcy Ribeiro (1995), sobre os escravos trazidos ao Brasil: “Os negros do Brasil foram trazidos principalmente da costa ocidental africana. Arthur Ramos (1940, 1942, 1946), prosseguindo os estudos de Nina Rodrigues (1939, 1945), distingue, quanto aos tipos culturais, três 39 grandes grupos. O primeiro, das culturas sudanesas, é representado, principalmente, pelos grupos Yorubá – chamados nagô – pelos Dahomey – designados geralmente como gegê – e pelos Fanti-Ashanti – conhecidos como minas – além de muitos representantes de grupos menores da Gâmbia, Serra Leoa, Costa da Malagueta e Costa do Marfim. O segundo grupo trouxe ao Brasil culturas africanas islamizadas, principalmente os Peuhl, os Mandinga e os Haussa, do norte da Nigéria, identificados na Bahia como negros malé e no Rio de Janeiro como negros alufá. O terceiro grupo congoangolês, provenientes da área hoje compreendida pela Angola e a “Contra Costa”, que corresponde ao atual território de Moçambique”. (p. 113-4) “O idioma tupi foi a língua materna de uso corrente desses neobrasileiros até meados do século XVIII. De fato, o tupi, inicialmente, se expandiu mais que o português como a língua da civilização (sobre a formação e a difusão da língua geral ver Cortesão, 1958 e Holanda, 1945). Com efeito, a língua geral, o nheengatu, que surge no século XVI do esforço de falar o tupi com boca de português, se difunde rapidamente como a fala principal tanto dos núcleos neobrasileiros como dos missionários”. (p. 122) Figura 4 - Comunidade Quilombola de Barra – Rio de Contas/BA 2011. Figura fornecida gentilmente por: http://viajamos.com.br/forum/topics/turismo-em-comunidades 40 Figura 5 - Fazenda de Bananal, antigo quilombo. Figura fornecida gentilmente por: http://viajamos.com.br/forum/topics/turismo-em-comunidades Barra e Bananal são povoados constituídos por uma população afrodescendente. Bananal foi fundado por negros escravos por volta do século XVII. Segundo Leonardo Sakamoto (2000), a história dos dois vilarejos está ligada ao naufrágio de um navio negreiro vindo da África. Os sobreviventes procuraram um lugar seguro para viver e, seguindo o curso do Rio de Contas, escolheram as cabeceiras do rio Brumado, ficando lá praticando a agricultura de subsistência e cultivando suas tradições. Bandeirantes, chefiados por Antônio Raposo Tavares, teriam escravizado os quilombolas obrigando-os a trabalhar na mineração. As cidades de Barra e Bananal são separadas apenas por uma distância de dois quilômetros. A maioria de seus habitantes costuma praticar a agricultura de subsistência e vivem em condições precárias de saneamento e educação. Nos dois povoados é muito comum o casamento entre pessoas das mesmas famílias, a endogamia. Antes de o turismo ser implantado, a região do Município de Rio de Contas era mais isolada nas duas comunidades. Agora são frequentes as visitas de turistas e estudiosos a fim de conhecer e fazer pesquisas sobre os moradores dos povoados. Como ocorreu na comunidade de Cinzento, algumas tradições de origem africana foram se perdendo por 41 contato com a cultura branca europeia, especialmente em decorrência de valores do catolicismo que se tornou a religião predominante. Uma publicação oficial do Arquivo Municipal de Rio de Contas refere-se ao catolicismo e a algumas igrejas evangélicas. Dados retirados do Projeto Vertentes: http://www.vertentes.ufba.br/ Figura 6 - Artesanato local Figura fornecida gentilmente por: http://viajamos.com.br/forum/topics/turismo-em-comunidades 4.1 O município de Rio de Contas No município de Rio de Contas – Bahia (13º 34' 44" de Latitude Sul e 41º 48' 41" de Longitude Oeste), foram recolhidas amostras de fala nas comunidades rurais afro-brasileiras isoladas de Barra e Bananal. A ocupação da região de Rio de Contas se inicia na última década do século XVII, através do estabelecimento de uma rota de viagem entre Goiás e o Norte de Minas e a cidade de Salvador, capital da então Província da Bahia. Com o intuito de se estabelecer um "ponto 42 de pouso", nesta rota de viagem, foi fundado um pequeno povoado com o sugestivo nome de Creoulos, situado em um planalto da serra das Almas, na margem esquerda do Rio de Contas Pequeno, atual Rio Brumado. Não tardou a descoberta de veios e cascalhos auríferos, não apenas no Rio de Contas, como também em seus afluentes e serras circunvizinhas. A fundação de Mato Grosso, três léguas acima do antigo povoado de Creoulos, subindo o Rio Brumado, a 1450 metros de altitude, se deu no bojo do grande afluxo de bandeirantes mineiros e paulistas para a região. Figura 7 - Artesanato local Figura fornecida gentilmente por: http://viajamos.com.br/forum/topics/turismo-em-comunidades Os jesuítas que acompanharam os bandeirantes ergueram no novo povoado uma igreja sob a invocação de Santo Antônio. O desenvolvimento da mineração e o aumento da população do povoado foram de tal monta, que, em 1718, foi criada a primeira freguesia do Alto Sertão Baiano – ou Sertão de Cima –, com denominação de Santo Antônio de Mato Grosso. Entretanto, em 1722, o Conselho Ultramarino decide criar, em função de uma carta dirigida ao Rei D. João V pelo Vice-Rei D. Vasco Fernandes César de Menezes, a Vila de Nossa Senhora do Livramento das Minas de Rio de Contas, doze quilômetros abaixo do antigo povoado de Creoulos, onde os jesuítas haviam erigido outra igreja, esta em devoção a Nossa Senhora do Livramento, e onde atualmente se situa a cidade de Livramento do Brumado. Porém, uma nova reviravolta no povoamento da região aconteceria em 1745, quando uma Provisão Régia autoriza a mudança 43 da sede da vila para o antigo povoado de Creoulos, que passou a se chamar Vila Nova de Nossa Senhora do Livramento e Minas do Rio das Contas, enquanto que a antiga sede passou a ser conhecida por Vila Velha. Essa mesma Provisão também elevou a nova vila à categoria de freguesia, transferindo para aí a sede da freguesia de Santo Antônio de Mato Grosso, com a denominação de freguesia do Santíssimo Sacramento das Minas do Rio de Contas. Assim, enquanto Mato Grosso era deslocado para uma posição lateral mais isolada, para Rio de Contas iam afluindo todos os recursos e benefícios da atividade mineradora, o que se refletia no seu crescimento urbano. Lá foram construídos a Casa de Fundição, o Pelourinho e o edifício da Casa da Câmara e Cadeia Pública, este no início do século XIX, e até hoje conservado. No entanto, o crescimento aos poucos vai se estagnando com o progressivo esgotamento dos veios e cascalhos auríferos. E, na medida em que a atividade de mineração decrescia, diminuía o nome do Município. Em 1840, foi simplificado para Minas do Rio de Contas e, em 1931, foram-se as minas e o Município passou a se chamar simplesmente Rio de Contas. Criada por Provisão Real em 1745, Rio de Contas foi a primeira cidade planejada do Brasil. O Município preserva o traçado antigo, apresentando praças e ruas amplas, igrejas barrocas, monumentos públicos e religiosos em pedra e o casario em adobe. Escravos alforriados que se instalaram na margem direita do Rio de Contas Pequeno, atual Rio Brumado, foram os primeiros habitantes da região de Rio de Contas. Em pouco tempo, formou-se o povoado denominado "Pouso dos Crioulos" (localizado ao sul da Chapada Diamantina e dentro do Polígono das Secas). No início do século XVIII, com a chegada de bandeirantes interessados em novas regiões de exploração do ouro, um novo arraial (hoje chamado de Mato Grosso) foi fundado, atraindo mais pessoas para a região. Também nessa época chegaram os padres jesuítas. Em 1746, o Pouso dos Crioulos passou a chamar-se Vila Nova de Nossa Senhora do Livramento das Minas do Rio de Contas, nome herdado da transferência de uma vila vizinha que, devido a constantes enchentes, sofria de uma epidemia da "febre de mau caráter". Na segunda década do século XVIII, o Bandeirante Sebastião Pinheiro da Fonseca Raposo Tavares descobriu ouro no local, iniciando um ciclo que marcou a história da região, fazendo com que o povoado prosperasse rapidamente. Rico em ouro de aluvião, o Município viveu na segunda metade do século XVIII uma época de grande prosperidade econômica. As tradicionais famílias importavam da Europa peças de uso pessoal e de decoração e, numa celebração à abundância, pó de ouro era lançado nos Imperadores e Rainhas durante as procissões da festa do Divino Espírito 44 Santo. Também são desta época os casarões em estilo colonial, hoje tombados pelo Patrimônio Histórico. Em 1745, dá-se a transferência de uma antiga vila (a de Nossa Senhora do Livramento de Minas do Rio de Contas) para o novo sítio, surgindo então a Vila Nova de Nossa Senhora do Livramento de Minas do Rio de Contas. Toda a prosperidade decaiu já por volta de 1800 com a escassez do ouro e agravou-se com a descoberta de diamantes na Chapada Diamantina quatro décadas depois. Grande parte da população de Rio de Contas, que havia fundado a cidade, transferiu-se para Mucugê em busca de novas riquezas. A vila foi elevada ao status de Cidade em 1885. É um atual pólo eco turístico da Bahia. Foi cenário do filme Abril Despedaçado do diretor Walter Salles. Figura 8 - Turismo ecológico local Comunidade Quilombola Figura fornecida gentilmente por: http://viajamos.com.br/forum/topics/turismo-em-comunidades As comunidades de Barra e Bananal são também conhecidas como “arraiais dos negros”. Com a inundação das águas da Barragem do Rio Brumado, outra comunidade quilombola vizinha, a de Riacho das Pedras, foi alagada e a maioria dos habitantes mudou-se para Barra e Bananal, aumentanto o número da população dessas duas comunidades. 45 Abaixo podemos verificar o último censo encontrado, nos anos de 2000 e 2010, publicados no Diário Oficial da União no dia 04 de novembro de 2010. Mas percebendo, ainda, que trata-se de Rio de Contas, não de Barra, nem de Bananal. Não foi possível encontrar no site do IBGE dados oficiais sobre as pequenas comunidades. Vejamos os quadros abaixo, comparando os dados com o total da população de Rio de Contas dos anos de 2010 e 2000: Quadro 1 Dados do Censo 2010 publicados no Diário Oficial da União do dia 04/11/2010 População em 2010 12.817 População em 2000 13.935 Dados: Bahia http://www.censo2010.ibge.gov.br/dados_divulgados/index.php?uf=29Rio de Contas Quadro 2 Características geográficas Área 1 052,302 km² [2] População 12 979 hab. IBGE/2010[3] Densidade 12,33 hab./km² Altitude Clima Fuso horário 1.050 m tropical de altitude Csb UTC−3 Indicadores IDH 0,653 médio PNUD/2000[4] PIB R$ 51 112,821 mil IBGE/2008[5] PIB per capita R$ 3 697,66 IBGE/2008[5] 46 Quadro 3 Rio de Contas - BA População 2010 13.007 Área da unidade territorial (Km²) * 1.063,747 Densidade demográfica (hab/Km²) 12,23 Código do Município Gentílico 292670 Rio-contense Incidência da pobreza, 35.02,%. Limite inferior da incidência de pobreza, 27.59,%. Limite superior da incidência de pobreza, 42.44,%. Incidência da pobreza subjetiva, 45.40,%. Limite inferior da incidência da pobreza subjetiva, 40.61,%. Limite superior incidência da pobreza subjetiva, 50.19,%. Índice de gini, 0.39, Limite inferior do índice de gini, 0.36, http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=292670# Gráfico 1 Taxas de crescimento populacional 47 A taxa de urbanização apresentou alteração no mesmo período. A população urbana em 2000 representava 40,79% e em 2010 a passou a representar 48,5% do total. A estrutura demográfica também apresentou mudanças no município. Entre 2000 e 2010 foi verificada ampliação da população idosa que, em termos anuais, cresceu 2,0% em média. Em 2000, este grupo representava 12,7% da população, já em 2010 detinha 16,5% do total da população municipal. O segmento etário de 0 a 14 anos registrou crescimento negativo entre 2000 e 2010 (4,1% ao ano). Crianças e jovens detinham 29,0% do contingente populacional em 2000, o que correspondia a 4.035 habitantes. Em 2010, a participação deste grupo reduziu para 20,4% da população, totalizando 2.650 habitantes. Gráfico 2 Taxas de residentes no município por faixa etária A população residente no município na faixa etária de 15 a 59 anos exibiu crescimento populacional (em média 0,10% ao ano), passando de 8.131 habitantes em 2000 para 8.209 em 2010. Em 2010, este grupo representava 63,1% da população do município. Perfil social Dados do Censo Demográfico de 2010 revelaram que o fornecimento de energia elétrica estava presente praticamente em todos os domicílios. A coleta de lixo atendia 59,2% dos domicílios. Quanto à cobertura da rede de abastecimento de água o acesso estava em 73,7% dos domicílios particulares permanentes e 22,9% das residências dispunham de esgotamento sanitário adequado. 48 Quanto aos níveis de pobreza, o Censo Demográfico de 2010 indicava que o município contava com 2469 pessoas na extrema pobreza, sendo 1644 na área rural e 825 na área urbana. Em termos proporcionais, 19,0% da população está na extrema pobreza, com intensidade maior na área rural (24,5% da população na extrema pobreza na área rural contra 13,1% na área urbana). Gráfico 3 Taxas de analfabetismo Em 2010, a taxa de analfabetismo das pessoas de 10 anos ou mais era de 18,3%. Na área urbana, a taxa era de 13,2% e na zona rural era de 23,2%. Entre adolescentes de 10 a 14 anos, a taxa de analfabetismo era de 2,1%. Entre 2005 e 2009, segundo o IBGE, o Produto Interno Bruto (PIB) do município cresceu 39,0%, passando de R$ 39,7 milhões para R$ 55,2 milhões. O crescimento percentual foi inferior ao verificado no Estado que foi de 50,8%. A participação do PIB do município na composição do PIB estadual diminuiu de 0,04% para 0,04% no período de 2005 a 2009. 49 Gráfico 4 Participação dos setores econômicos A estrutura econômica municipal demonstrava participação expressiva do setor de Serviços, o qual responde por 71,6% do PIB municipal. Cabe destacar o setor secundário ou industrial, cuja participação no PIB era de 8,1% em 2009 contra 8,9% em 2005. No mesmo sentido ao verificado no Estado, em que a participação industrial cresceu de 8,9% em 2005 para 25,4% em 2009. Gráfico 5 Taxa de crescimento do PIB em 2005 3 2009 50 Mercado de trabalho O mercado de trabalho formal do município apresentou em cinco anos saldos positivos na geração de novas ocupações entre 2004 e 2010. O número de vagas criadas neste período foi de 150. No último ano as admissões registraram 77 contratações contra 69 demissões. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, o mercado de trabalho formal em 2010 totalizava 678 postos, 45,8% a mais em relação a 2004. O desempenho do município ficou abaixo da média verificada para o Estado, que cresceu 46,7% no mesmo período. Administração Pública foi o setor com maior volume de empregos formais, com 469 postos de trabalho, seguido pelo setor de Comércio com 102 postos em 2010. Somados, estes dois setores representavam 84,2% do total dos empregos formais do município. Gráfico 6 Distribuição dos postos de trabalho Os setores que mais aumentaram a participação entre 2004 e 2010 na estrutura do emprego formal do município foram Comércio (de 10,54% em 2004 para 15,04% em 2010) e Indústria de Transformação (de 2,58% para 6,05%). A que mais perdeu participação foi Administração Pública de 78,71% para 69,17%. Finanças públicas A receita orçamentária do município passou de R$ 8,1 milhões em 2005 para R$ 12,8 milhões em 2009, o que retrata uma alta de 57,1% no período ou 11,95% ao ano. A proporção das receitas próprias, ou seja, geradas a partir das atividades econômicas do município, em relação à receita orçamentária total, passou de 3,13% em 2005 para 4,24% 51 em 2009, e quando se analisa todos os municípios juntos do estado, a proporção aumentou de 16,34% para 16,02%. A dependência em relação ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM) diminuiu no município, passando de 58,92% da receita orçamentária em 2005 para 57,26% em 2009. Essa dependência foi superior àquela registrada para todos os municípios do Estado, que ficou em 28,20% em 2009. Gráfico 7 Distribuição das despesas do município As despesas com educação, saúde, administração, urbanismo e legislativa foram responsáveis por 87,10% das despesas municipais. Em assistência social, as despesas alcançaram 2,76% do orçamento total, valor esse inferior à média de todos os municípios do estado, de 2,94%. Retirado de: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome 52 4.2 Os informantes Corpus de Arraiais de Rio de Contas Faixa I ( DE 20 A 40 ANOS) Informante 01 Nome: MLS Sexo: Feminino Idade: 38 anos Escolaridade: 1o ano primário Viagens para fora da comunidade: São Paulo Informante 02 Nome: ASS Sexo: Feminino Idade: 37 anos Escolaridade: Semianalfabeto Viagens para fora da comunidade: São Paulo (onde viveu 6 anos) Informante 03 Nome: OJS Sexo: Masculino Idade: 36 anos Escolaridade: primário Viagens para fora da comunidade: São Paulo, capital e interior Informante 04 Nome: N Sexo: Masculino Idade: 26 anos Escolaridade: primário Viagens para fora da comunidade: São Paulo 53 Faixa II ( DE 45 A 65 ANOS) Informante 05 Nome: OVN Sexo: Feminino Idade: 47 anos Escolaridade: Semianalfabeto Viagens para fora da comunidade: não Informante 07 Nome: JFL Sexo: Masculino Idade: 55 anos Escolaridade: Analfabeto Viagens para fora da comunidade: São Paulo (a trabalho), seis meses Informante 08 Nome: CLN Sexo: Masculino Idade: 43 anos Escolaridade: Semianalfabeto Viagens para fora da comunidade: São Paulo Faixa III ( MAIS DE 65 ANOS ) Informante 09 Nome: FAS Sexo: Feminino Idade: 98 anos Escolaridade: Analfabeto Viagens para fora da comunidade: não 54 Informante 10 Nome: FIJ Sexo: Feminino Idade: 68 anos Escolaridade: Analfabeto Viagens para fora da comunidade: não Informante 11 Nome: IJS Sexo: Masculino Idade: 68 anos Escolaridade: Analfabeto Viagens para fora da comunidade: São Paulo (onde viveu 6 anos) Informante 12 Nome: AMJ Sexo: Masculino Idade: 64 Escolaridade: analfabeto Viagens para fora da comunidade: não 55 5 REFERENCIAL TEÓRICO O tópico na visão de alguns autores A nova Gramática do Português Brasileiro de Ataliba T. de Castilho (2010: 279) é um guia da língua falada no Brasil. O título faz pensar em uma gramática voltada para o novo, inclusive sobre a língua falada. E retrata muito bem as CTs: O autor dá as seguintes orações: a) O prefeito, ele hoje está inaugurando umas obras. b) *A casa da fazenda... ela era... uma casa antiga... tipo colonial brasileiro... janelas largas... c) Peixe... peixe aqui no Rio Grande do Sul... a gente come peixe somente na Semana Santa. d) Dessa vez eu não pude mesmo assistir nada, o seriado da televisão. e) A comida da pensão tá muito fraca, a comida da pensão. f) *Bom... eu... eu... mas o que é que aquela almofada está fazendo no chão? g) *A harmonização, trata-se de um esforço inadiável, considerando-se as demandas da atual sociedade de informação. *antitópico Assim, ele nos salienta o seguinte: “Qual é o estatuto das expressões negritadas em (2)? Do ponto de vista gramatical, temos aí desde (i) sintagmas nominais anacolúticos, ou seja, fragmentos soltos, sem conectividade sintática com o resto, como em (2f e 2g), (ii) até sintagmas nominais que funcionam como constituintes sentenciais deslocados para a esquerda ou para a direita como em (2a a 2e). Do ponto de vista discursivo, trata-se de expressões que fornecem um quadro de referências para o que vai ser elaborado no texto, atuando na hierarquização tópica. Do ponto de vista semântico, essas expressões veiculam uma informação ainda não integrada na memória de curto prazo. Essas construções têm sido denominadas construções de tópico em 2a, 2c, 2f e 2g e construções de antitópico em 2d e 2e. ” (In: CASTILHO, 2010: 279). Mais adiante, Castilho exemplifica as construções de tópico no âmbito de suas propriedades sintáticas em exemplos de Pontes (1987: 15): 1. a) Essa bolsa aberta aí, eu podia te roubar a carteira. b) O Mardônio pifou o freio de mão do carro e ele foi levar na oficina. 56 Temos nos exemplos acima, construções de tópico, com deslocamentos à esquerda dos sintagmas preposicionados, porém sem a preposição de. Funcionam como adjuntos adnominais. Se recolocássemos a preposição teríamos as frases: 2. a) Eu podia te roubar a carteira dessa bolsa aberta aí. b) Pifou o freio de mão do carro do Mardônio e ele foi levar na oficina. Sabendo-se que a preposição subordina seu complemento ao termo antecedente, o autor propõe que seria inaceitável coordenar essas expressões propostas em: 3. a) *Eu podia te roubar a carteira e essa bolsa aberta aí. b) * O Mardônio e o freio de mão pifaram. Eunice Pontes inicia seu livro O Tópico no Português do Brasil (1987) com a proposta, postulada por Li e Thompson (1976), da tipologia das línguas, a saber: 1. Línguas com proeminência de sujeito, em que a estrutura das sentenças é mais bem descrita como de sujeito-predicado; seria o caso das línguas indo europeias 2. Línguas com proeminência de tópico em que a estrutura das sentenças é mais bem descrita como de tópico-comentário: seria o caso do chinês lahu. 3. Línguas com proeminência de tópico e sujeito, em que há as duas construções diferentes: seria o caso do japonês. 4. Línguas sem proeminência de sujeito ou tópico, em que o sujeito e o tópico se mesclaram e não se distinguem mais os dois tipos; seria o caso do tagalog (ou filipino). Depois dessa descrição, Pontes pergunta: E o português? Onde se situa? Segundo a autora, considera-se o português como uma língua com proeminência de sujeito. Note-se que, à época, os estudos em linguística do português falado eram muito raros. E os trabalhos eram voltados para a língua escrita, deixando de lado a língua oral. Eis alguns exemplos retirados de Pontes, 187, p 12. O exemplo abaixo é o tipo de tópico mais comum: 1. Os livros, eles estão em cima da mesa. Já o do tipo a seguir pode ser encontrado também na língua escrita: 57 2. A Maria, essa não quer nada com o serviço. Outro exemplo semelhante encontrado na língua escrita: 3. Eu, eu não quero saber dela. 4. Quanto a mim, estou me lixando. Outro exemplo de topicalização, segundo Pontes, na gramática transformacional: 5. Dessa cerveja eu não bebo. As sentenças 9 e 10, de acordo com Chafe, não deveriam ser consideradas como topicalizações, já que elas envolvem contraste, o que não acontece nas línguas em que o tópico é proeminente. Para Chafe, Li e Thompson, o que caracteriza o tópico é o que vai ser dito a seguir. É de extrema importância que a topicalização seja acompanhada de um comentário. Uma observação de Pontes deve ser levada em conta. Pontes não fez gravações, apenas anotações; portanto, não foi possível registrar a entonação característica de topicalizações. A semelhança do português com algumas línguas de tópico é incrível. Vejamos alguns exemplos: 6. H€ chi tê pê? dà? já (Lahu) Campo este um-classif. arroz muito bom “Este campo, o arroz é muito bom”. 7. Neì-chang huó xíngkui xíaofang-duì laí de kuài Aquele-class. fogo feliz corpo de bombeiros veio adv. rápido. “Aquele fogo, felizmente o corpo de bombeiros veio rápido”. 8. Neì-xie shùmu shù-shén dà (mandarin) Aquelas árvores os troncos grandes “Aquelas árvores, os troncos são grandes”. Pontes faz referência com estruturas do português e exemplifica com as seguintes sentenças: 9. Essa bolsa as coisas somem, aqui dentro. 10. Essa bolsa aberta aí, eu podia te roubar a carteira. 58 11. A última prisão dele, sabe o que que ele fez? 12. As cadeiras optativas, cê precisa ter um conhecimento bom primeiro. 13. Eu agora, cabô desculpa de concurso, né? 14. O Mardônio pifou o freio de mão do carro e ele foi levar na oficina. Nos exemplos acima, o SN lança o tópico e a seguir se faz um comentário. Esse comentário é feito através de uma sentença completa, com sujeito e predicado. Pontes assevera que, por vezes, ocorre na sentença comentário um pronome co-referente ao tópico (o pronome cópia). Quando o tópico é idêntico ao sujeito da sentença comentário, a ocorrência desse pronome é bem maior do que nos casos em que o tópico é co-referente a outros elementos da sentença comentário. No exemplo, os nossos alunos, cumé que eles estão recebendo? O tópico pode ser co-referente ao sujeito de uma oração encaixada. Segundo Givón (1979), a necessidade de deixar claro o referente é que faz com que o falante use esse pronome, também postulado como uma flexão do verbo. Se o sujeito estiver longe do verbo, surge a necessidade do uso do pronome. O uso do pronome cópia parece dever-se à necessidade de deixar claro o referente, evitando ambiguidade quando distante do referente. O estudo de Pontes não possui números em relação à incidência das construções de tópico, mas muitos trabalhos atestaram a relevância do processamento para a emergência da cópia. O segundo capítulo do livro discorre sobre as construções de tópico na língua escrita e os preconceitos por muitos gramáticos no ano de 1987, em que foi publicado o livro. Nele, Pontes afirma. Existem certos preconceitos herdados pela tradição gramatical greco-latina que, apesar de peremptoriamente combatidos pelos manuais introdutórios de linguística, parecem resistir ao tempo e aparecem às vezes sub-reptícia ou mesmo claramente em trabalhos de linguistas renomados. Um deles é o de que a língua escrita, formal, seria de alguma forma ”superior”, à língua oral. Érica Garcia (1975) diz textualmente em seu livro que considera a língua escrita superior “a língua oral, mais completa, etc. Givón (1979) e Elionor Ochs (1980) não o dizem em termos tão declarados mas seus trabalhos mais recentes estão informados por este preconceito, quando estudam o que Givón chama de “modo pragmático versus modo sintático” e Ochs “discurso relativamente planejado versus discurso relativamente nãoplanejado”. Pontes cita Givón (1979) que afirma que as construções de tópico, inclusive os deslocamentos para a esquerda, são típicas do “modo pragmático”, sendo então o “modo sintático” típicas de construções de sujeito predicado. 59 O “modo pragmático” para Givón é anterior, filogeneticamente, ao “modo sintático”. Assim, a linguagem humana teria evoluído do modo pragmático para o modo sintático. Pontes insere logo mais uma árvore que nos remete perfeitamente à estrutura de tópico S¹ Top S² SN SV Em que S¹ é a sentença maior, formada por tópico e comentário (Top + S²). O comentário é expresso por uma sentença completa, com sujeito e predicado (SN + SV). De acordo com Pontes, encontram-se construções de tópico na escrita desde os mais antigos escritores da língua. A autora destaca também a passiva, como sabemos construção de língua escrita formal e refere-se ao gênero acadêmico em que há predominâncias de tais construções. No caso da passiva ocorre o contrário do que Givón afirma (de que a construção tópica é privilégio do discurso informal), a construção tradicionalmente considerada passiva (ser + particípio passado) ocorre muito pouco em linguagem informal, coloquial, no português do Brasil nas pesquisas de Pontes. Vale relembrar que seus comentários não tem fundamentação empírica sistemática. Construções de tópico muitas vezes são definidas como deslocamentos à esquerda ou recebem o rótulo de pleonasmo. Os gramáticos mais antigos denominavam como figura de linguagem. Epiphanio Dias (1959: 333-4) definiu topicalização como pleonasmo do objeto assim: “Quando o complemento directo, que regularmente deveria vir depois do verbo, é transportado emphaticamete para o princípio da oração, representa-se novamente junto do verbo pelo pronome pessoal aspectivo ou – no caso do complemento directo ser uma oração – pelo demonstrativo o”: 15. “Alguns intentos, que tive, abortou-mos a fortuna (Vieira, VII 571, ap. Blut.).” 16. “Que a censura prévia é inútil, os factos tem-nos sobejamente provado (Herc. Op. I 133).” 60 Epiphanio também atesta na escrita o uso do isto, que se encontra muito hoje na língua oral: 17. “O serviço que se faz de vontade, aquele é bem feito (fabul., fab. 25).” 18. “O que era contra a honra de Deus, e em dano das coisas, isto só afligia e lhe tirava o gosto da vista (Souza, V. do Ana I, 431).” Mais recentemente Said Ali (1965: 219) abona os seguintes exemplos de objeto pleonástico em escritores consagrados: 19. “O milagre viam-no nos olhos do cego” (Vieira). 20. “Aos outros pos-lhes estátua o senado” (Vieira). 21. “A mim me parece...” (Vieira). Ali assim explica os pleonasmos de objeto: “Colocando-se no princípio da oração um complemento expresso por substantivo ou palavra substantivada, e pronunciando-se este complemento com ênfase seguida de pequena pausa, é costume repeti-lo junto ao verbo da oração”. Os pleonasmos correspondem ao que Ross chama de “deslocamento à esquerda”, que é diferente de topicalização, pois não apresenta o pronome cópia. Assim, de acordo com Ross, em “Feijão eu não quero” teríamos topicalização, pois não há pronome cópia e não há pleonasmo de objeto. Note-se que a topicalização é muito mais comum na língua escrita que o deslocamento à esquerda. A quantidade encontrada de inversões de objeto, adjuntos adverbiais e outros sintagmas em qualquer texto, oral ou escrito é imensa. Em português é permitido deslocar qualquer elemento para frente da sentença, com o fim de “realce, ênfase, contraste”, como todas as nossas gramáticas e obras de estilística atestam. Matoso Câmara Jr (1968) descreve a função de tópico e assinala o uso do anacoluto no grego antigo e na nossa literatura clássica: “Chama-se anacoluto ou frase quebrada àquela em que a uma palavra ou locução, apresentada inicialmente, se segue uma construção oracional em que essa palavra ou locução não se integra. O papel do anacoluto é por em relevo a idéia primordial que temos em mente, destacando-a como uma espécie de título do que vamos dizer. O seu uso comum no grego antigo e na nossa literatura clássica, é hoje combatido pela disciplina gramatical. – É ainda encontradiço na língua literária. Ex.: “Estas estradas, quando novo Eliseu as percorria/as crianças lançavam-me pedradas” (Correia, Poesias I, 154). Na língua oral o anacoluto é um processo requente de construção de frase”. 61 Pontes destaca que, enquanto esses célebres gramáticos caracterizavam o anacoluto como uma figura de linguagem, Evanildo Bechara considerava-o “quebra de estruturação lógica da oração” e vaticina: “O anacoluto, fora de certas situações especiais, é evitado pelas pessoas que timbram em falar e escrever corretamente”. Pontes ainda exemplifica com alguns trechos de livros famosos como o de Monteiro Lobato (1958: 31): “Na minha família essa palavra gato ninguém a pronuncia”. Na sentença, se tirássemos o pronome pleonástico, a frase ficaria inteiramente normal, ninguém notaria. Por outro lado, a única diferença entre a frase de Lobato e uma frase usada na linguagem coloquial contemporânea seria a substituição do pronome oblíquo a hoje restrito ao formal, pelo pronome ela, que o suplantou nos registros informais: Na minha família essa palavra gato ninguém pronuncia (ela). Pontes exemplifica a topicalização na escrita de Carlos Drummond de Andrade: 22. “A cidade da pra sentir o riso dos adultos, a naturalidade dos bichos, a crueldade também universal dos açougues, o comportamento milenar e sempre novo da juventude” (Estado de Minas – 20/06/81). Nos dois exemplos, temos duas topicalizações, tanto na de Lobato Na minha família como na de Drummond A cidade. Na primeira, a construção inclui o pronome lembrete, que Pontes chama de pronome obliquo a. Já na segunda oração não. No terceiro capítulo, Pontes se dedica às distinções entre Topicalização e Deslocamento à Esquerda. A autora lembra que, na literatura americana de origem transformacionalista, os linguistas costumam distinguir, entre as construções de tópico, aquelas que são geradas através de uma regra de Topicalização das que o são através de uma regra de Deslocamento à Esquerda. Tal distinção foi estabelecida por Ross (1967) que se baseia essencialmente no fato de que, em DE, aparece um pronome que ele chama de cópia e, em Top, esse pronome não aparece. Segundo Ross, em (20) haveria Top e em (21) DE. 23. Beans I don’t like. 24. The man my father Works with in Boston, he’s going to tell the police that... Uma parte importante nesse capítulo alude à dificuldade em distinguir DE e Top em português. Pontes tenta aplicar essa distinção estabelecida por Ross e esbarra na primeira 62 dificuldade: a elipse do pronome é bem mais livre que em inglês, sempre que não haja prejuízo do significado. Por isso que alguns gramáticos da época consideravam as construções de tópico como um pleonasmo e recomendavam que fosse evitado. Haveria então duas possibilidades para a análise dessas construções de tópico: Que exista uma construção só, sendo o pronome opcional. Sua ocorrência seria devida a fatores como: eliminar ambiguidades, tornar mais claro o sentido; -Top. Não tem pronome Que existam duas construções diferentes, com o pronome sendo opcional numa e na outra, ausente. -DE tem pronome, mas pode ser suprimido. Apesar de todas as explicações, a autora não põe um ponto final na diferença entre Top e DE. A autora diz, à página 66: “A dúvida surge, então, é se o fato de ter ou não ter o pronome indica que temos construções diferentes em português (...) Por exemplo, num caso parecido, o das orações relativas, é também possível ocorrer o pronome ou não. E ninguém até hoje, que eu saiba, propôs considerá-las duas construções diferentes”. Braga (1984, 1987) analisa as construções de tópico e as correlações entre posição mais à esquerda de um constituinte e status informacional de seu referente. Numa amostra de falantes do PEUL de crianças e adultos do Rio de Janeiro da década de 80, a autora explicita em seus exemplos que construções de tópico como em Pós-operatório, todo mundo tem envolvem referentes inferíveis ou evocados. E salienta que a ocorrência de entidades novas nesta posição mais à esquerda é reduzida. Braga partiu da hipótese de que as Tops ocorrem mais quando confrontadas com o sujeiro explícito e que as Tops envolveriam entidades evocadas ou inferíveis, teoria proposta por Prince (1979) que caracteriza o tipo de informação transmitida por um SN. Esta teoria é reformulada, pois a autora questiona alguns pontos e ainda é mesclada com a teoria de Chafe, que parte dos estados de consciência e a distinção entre given/new (dado/novo), de 1976. Assim, a autora parte de uma nova proposta que mescla as duas teorias para adaptar-se melhor à pesquisa. Deste modo, Braga sustenta três hipóteses: entidade evocada, nova e inferível. As entidades evocadas são as já mencionaas pelo falante anteriormente, ou seja, de conhecimento prévio. 63 Dik (1989), concebe as línguas naturais como instrumentos de interação social como a função principal de estabelecer a comunicação entre seus usuários. A comunicação, por seus turno, é considerada um padrão interativo de atividades através das quais se efetivam mudanças na informação pragmática dos interlocutores. A informação pragmática inclui informação geral sobre o universo, informação situacional e contextual e é crucial para a distinção entre informação velha e nova. Será considerada velha a informação que, na avaliação do falante, integra a informação pragmática do ouvinte, e nova aquela que não a integra. (Braga, 1987, p. 02- 03). Braga segue Prince e admite topicalizações nesse formato a seguir: [ [X1] [ [X2] ] ] S SN S SN Ex: (retirado de Braga, 1997: 46) 25. Caramba, quanta operação! E nenhuma delas você teve complicações assim? Não. Não, graças a Deus. Tive não. Não tive não. Não tem lembrança desagradável nenhuma em relação a elas? Não, não, correu tudo bem né? Pós-operatório, todo mundo tem. A pesquisa de Braga revelou poucas ocorrências de Tops e DE na posição de Suj e de OD, e que a maioria esmagadora dos referentes é constituída por entidades inferíveis ou evocadas. E pouquíssimas ocorrências de entidades novas na posição mais à esquerda. Abraçado (2003) analisou a ordenação vocabular do português através da fala de 15 crianças, distribuídas em faixas etárias de um ano e meio a seis anos de idade, e concluiu que a ordem dos constituintes é inicialmente pouco marcada na ontogênese da língua. O estudo de Abraçado lança luzes para a variação e mudança quanto à ordem no PB ao longo do tempo no processo aquisitivo e diacrônico. Dubois (1984) chama de “motivações em competição”, construções que são formadas pela situação comunicativa e evoluem para formas que se cristalizam em estruturas gramaticais muitas vezes vistas como não motivadas ou arbitrárias que entram em conflito com outras discursivamente motivadas. Segundo Givón, a gramática não interage diretamente com o texto num contexto discursivo, ambos se originam na mente. Assim, a gramática é desenvolvida pela mente do 64 falante que produz o texto. No ouvinte, a gramática aciona a mente que, por sua vez, interpreta o texto. Desse modo, mecanismos gramaticais de codificação geram operações específicas na mente do ouvinte envolvendo basicamente os domínios da ativação da atenção e da busca na memória (GIVÓN, 1990; 1991). Neste sentido, o cérebro mobiliza a gramática e articula os textos como instruções de processamento mental. Nessa perspectiva, a gramática não é considerada como um conjunto de regras rígidas que devem ser seguidas para se produzirem sentenças gramaticais, mas passa a ser compreendida como um conjunto de estratégias empregadas para se produzir uma comunicação coerente. Além dos mecanismos de processamento do texto que se evidenciam no contexto linguístico e do contexto situacional imediato, também deve ser considerado o contexto cultural global compartilhado pelos membros da comunidade analisada, de acordo com Fillmore (1985) categorias linguísticas pressupõem uma compreensão estruturada particular de instituições culturais, crenças sobre o mundo, experiências compartilhadas, modos padronizados ou familiares de fazer as coisas, e modos de ver as coisas. O autor propõe como instrumental útil para análise a noção de frame, entendida como representação organizada da experiência ou do conhecimento subjacente à compreensão do significado. Em outras palavras, como padrões culturalmente determinados, devido à recorrência, na interpretação da experiência, traduzem o significado. Frame é um conjunto de meios lexicais e sintáticos disponíveis para refletir uma cena. Frames são estruturas de conhecimento relacionadas com determinadas situações de interação. Esta noção é também considerada por Givón ao enfocar a gramática da coerência referencial, especialmente a busca pela referência culturalmente compartilhada. O principal enfoque deve ser na função de uma sequência discursiva determinada e no processamento dos dados linguísticos, tanto pelo falante como pelo ouvinte (Brown & Yule, 1989). Assim, uma abordagem do fenômeno linguístico caracteriza-se não como um objeto estático, mas como um meio dinâmico de expressão. Grimes (1994), assinala que o analista da linguagem deve considerar tanto as decisões tomadas pelo falante sobre o que dizer, como os mecanismos e padrões disponíveis para implementação dessas decisões. Neste caso, a estrutura semântico-discursiva das decisões tomadas é verificável apenas indiretamente a partir das formas que o falante enuncia. Já segundo Givón, (1990, 1991), é pertinente que se considere o fenômeno linguístico como resultante de um complexo de motivações de base comunicativa, cognitiva, sócio-cultural e gramatical. Em ambas as acepções, pressupõe-se que o tópico seja contextualizado linguística e situacionalmente, sendo então o contexto discursivo fundamental. 65 Uma característica sintática do PB observada por Galves (2001) é que ao que parece ser uma língua de tópico diferentemente do PE e das demais línguas latinas Galves se apoiou na proposição de Pontes (1987) quando a autora ressalva que CT ainda não foram bem entendidas, ou esja, não foram interpretadas como tal. Para Galves (1998), na língua coloquial, há um considerável número de construções de tópico que caracteriza o português falado no Brasil do tipo TSVO (Tópico, Sujeito, Verbo e Objeto), comparativamente ao PE que exibiria apenas a ordem SVO. Assim como Pontes (1987), Galves (2001) aponta que o ele além da posição de sujeito é encontrado também na posição de objeto. Vejamos alguns exemplos: Na posição de objeto: 1. A coba pegô ele... (pg. 113, inf. 04) Top Retoma o tópico mencionado anteriormente: 2. Meu pai foi aquele mesmo que foi lá... (pg. 113, inf. 04) Top Pode aparecer numa estrutura relativa com valor de pronome lembrete: 3. Feijão nascido, num come não, ele amarga. (pg. 117, inf. 07) Top Com base nessas afirmações, destacamos algumas construções de tópico nas localidades de Barra e Bananal da primeira amostra na modalidade falada. a) Tópico do sujeito: (Inf. 04) 4. Doc: É... A senhora é nascida aqui? Inf.: É. Doc.: E... Os pais da senhora também? Inf.: Hum... Hum... Meu pai... Foi aquele mesmo que foi lá... Top 66 (Inf. 04, pag. 114) 5. Doc: No tempo que a senhora era menina, a senhora lembra como é que era? Inf.: Lembro pôquinho... Doc.: Como é que era a vida nesse tempo? Era melhor ou pior? Inf.: Ah! Ieu acho que era melhó. Doc.: É? Inf.: Minha vida, quando eu era mais pequena, a vida era mais melhó. Top b) Tópico do objeto: (Inf. 01, pag 111) 6. Doc: E lembra do seu tempo de menina? Inf.: Ah, eu lembro. Doc.: Quê... que, que, que a senhora fazia quando era menina? Inf.: Ah, eu brincava muito. Eu quando brincava, brincava de boneca, ca... caçano filho de passarinho pros mato, pra bêra dos rio, pegano peixe... é só... é só... é só brincano, caçano nossas bonequinha no mato. Doc.: Bonequinha no mato, como? Inf.: As bonequinha que tem no mato, que é... tem aquele... que é cheia de cabelo. Das bonequinha que tem no mato... brincava de boneca que é... cheia de cabelo. Top 7. Rôpa... caba uma, joga lá, peraí, veste ôtra ø. (pag. 132, inf. 26) Top c) Tópico do adjunto: 8. Esse ano... só plantei o milho e o feijão. (pag 130, inf. 24) Top 9. Na casa dele, foi... Num tava nesse hotel não. (pag. 114, inf 04) Top 10. Nesse mesmo hospital... levaro o ôtro que baliô... (pag. 114, inf 04) Top 67 d) Tópico (do sujeito) com deslocamento à esquerda (pronome lembrete): 11. Meu pai... ele ficô lá. Top 12. Marido... assim... ele era guarda, sabe? (pag. 114, inf 04) Top 13. ‘Cê conhece Dona Francilina?... é ela que é minha minha mãe. (pag. 123, inf 11) Top 14. É com a tosse... Que vem... Ela vem com junto com a tosse. (pag. 114, inf 04) Top 15. O mais... véi... aquele ali também... já teve doente. (pag. 114, inf 04) Top 16. Esse mininu... ele quase que morreu ele. (pag. 114, inf 04) Top 17. Os tio da gente lá... Ah, ele mora no... interiô. (pag. 114, inf 04) Top Segundo Da Hora e Machado (2006: 55), linguagem e sociedade estão ligadas entre si, como podemos verificar: “Toda língua é o produto da comunidade de fala a que corresponde, ou seja, a língua é decorrente do uso que uma determinada sociedade faz. Assim, compreende-se que uma língua não é propriedade de um indivíduo, mas constitui um fenômeno social e cultural e, como tal, é um fenômeno dinâmico, não estático, variável, que evolui com o passar do tempo.” Para Galves (2001), a principal característica sintática do português do Brasil é ser uma língua de tópico, distintivamente do português de Portugal e das demais línguas latinas. Esta posição se desenvolve a partir de uma formulação de Pontes (1987) que adverte para o fato de que muitas construções do português no Brasil precisam ser entendidas como construções com tópico. Sustentada na pesquisa de Pontes (1987), Galves mostra como construções do PB seriam entendidas como tópico. Galves (2001) assinala ainda que a mesma regularidade observada no uso do ele na posição de sujeito é verificada na posição de objeto como sumariado a seguir. 18. A cachaça, eu bebo Ø todo dia. (pag. 119, inf. 08) Top 19. A terra... Ela se torna assim, uma terra dura. (pag. 120, inf. 08) 68 Top 20. A cana cê prantô ela, ela brotô. (pag. 120, inf 08) Top 21. Pruquê... Aquele mele que sobra da... da açúca, eles faz árco’. (pag. 133, inf. 26) Top 5.1 O tópico em suas diversas acepções 5.1.1 O tópico na sintaxe Callou, Moraes, Leite, Kato e outros pesquisadores (1990), em concordância com Ross (1967), analisam construções de topicalização e de deslocamento para a esquerda, como nos exemplos: a. A passagem eu compro Ø a prazo. b. Então a minha de onze anos... ela supervisiona o trabalho dos cinco. Em: A passagem eu compro Ø a prazo, temos um exemplo caracterizado pela possibilidade de vinculação sintática do SN externo a uma categoria vazia dentro da sentença. Em: Então a minha de onze anos... ela supervisiona o trabalho dos cinco, o deslocamento para a esquerda é caracterizado pela possibilidade de vinculação a um elemento pronominal (cópia) na sentença que se segue. Ambos os tipos de construção correspondem a uma estrutura de topicalização lato sensu cujos tópicos são considerados como SNs externos à estrutura gramatical da sentença. Na análise, os autores concluem que, do ponto de vista da sintaxe, os dois processos apresentam-se em distribuição complementar: enquanto a topicalização tende a ser co-indexada a objeto, o deslocamento para a esquerda tende a ser coindexado a sujeito. Esse tipo de abordagem, enquanto restrito à sintaxe, limita-se à análise de sentenças isoladas. Ele não leva em conta o contexto discursivo natural que os resultados desse tipo de investigação conduz. Outrossim, são diferentes daqueles a que se chega através de uma abordagem do tópico no plano do discurso. 69 5.1.2 Tópico no plano discursivo: âmbito da frase Pontes (1987) faz uma distinção entre os deslocamentos à esquerda e as topicalizações no plano discursivo. A autora deduz que construções desse tipo exercem funções discursivas diferentes: a topicalização está associada à mudança de tópico com função contrastiva e o deslocamento para a esquerda à continuidade no discurso com função coesiva. Os resultados da análise mostram que, enquanto a primeira, limitando-se a descrever os contextos sintáticos de ocorrência das construções tópicas, restringe-se a uma análise formal, a segunda, ampliando o domínio de manifestação do fenômeno estudado, chega a uma análise funcional, encontrando explicações de base comunicativa para o uso das diferentes estruturas em contextos discursivos distintos. Braga (1986) investiga construções de tópico sujeito e objeto, como exemplificados a seguir: c. ...porque o cara, quando ganha muito dinheiro, ele fica meio bobo. d. Ele, eu conheci Ø aqui na escola. Fatores linguísticos, psicolinguísticos, semânticos e discursivos são testados, de modo até que a autora demonstra condições ideais para o aparecimento de construções de tópico sujeito e objeto. Dentre essas condições, destacam-se as construções de tópico sujeito – sujeito longo, discursivamente importante, com material interferente entre ele e seu predicado, com o traço semântico [+ animado], introduzindo informação nova ou evocada; e para as construções de tópico objeto, status inferível ou evocado das entidades, reiteração total ou parcial de itens ou conceitos – fatores que funcionam como mecanismos coesivos no desenvolvimento do discurso. Os exemplos nos mostram que as construções de tópico de Braga integram, tanto a topicalização, quanto o deslocamento à esquerda, em consonância com as outras pesquisas. O enfoque é diferente, porém. Enquanto Braga procura caracterizar as condições discursivas ideais para o aparecimento das construções de tópico sujeito e objeto, Pontes descobre funções discursivas associadas especificamente à topicalização e a deslocamentos para a esquerda e Callou et alii (1990) descrevem as condições sintáticas de manifestação dessas construções. Numa posição funcionalista, Givón em From Discourse to Syntax (1979) considera tópico como uma noção discursivo-funcional relacionada com a noção sintático-gramatical de 70 sujeito, constatando que, no desenvolvimento de uma língua, sujeitos sentenciais são derivados diacronicamente de tópicos gramaticalizados, de modo que, construções em princípio pragmaticamente frouxas evoluem para construções sintaticamente formalizadas. Ressalva, porém, que a gramaticalização de tópicos em sujeitos não significa que a língua tenha perdido a topicidade e sim que as construções de tópico passaram a ser codificadas gramaticalmente adquirindo propriedades morfossintáticas de sujeito. Já em Topic Continuity in Discourse (1983), Givón salienta para o fato de que tópico não é uma função simples, mas constitui domínio funcional complexo identificado como grau de acessibilidade do tópico; não é uma entidade atômica, discreta na frase, mas manifesta-se num continuum, sendo, portanto, uma noção escalar. O autor propõe uma escala, abrangendo aspectos fonológicos, morfológicos e sintáticos, que reflete a codificação do grau de continuidade do tópico: Tópico mais contínuo/acessível anáfora zero pronome átono pronome tônico SN definido deslocado para a direita SN definido em ordem neutra SN definido deslocado para a esquerda SN em topicalização contrastiva (movimento Y) Construção clivada/de foco SN indefinido referencial Tópico mais descontínuo/inacessível O autor faz a associação de graus de topicidade depreendidos pela distribuição dos SNs na frase a uma hierarquia de casos semânticos e a outra de casos gramaticais: AGT > DAT/BEN > PAC > OUTROS SUJ > OD > OUTROS Estabelece assim forte correlação entre as categorias de tópico primário/ agente/ sujeito, e as de tópico secundário/ paciente/ objeto direto (e mostrando que quando há dativo/ benefactivo presente na frase, esse elemento tende a ser codificado como objeto direto). No exemplo abaixo, os elementos destacados funcionam, respectivamente, como tópico primário/ sujeito e tópico secundário/ objeto. e. João, nós o vimos ontem. f. João, ele veio ontem. 71 No primeiro caso, “João” é tópico primário e “nós” o sujeito. No segundo, o tópico primário e o sujeito são correferenciais. Givón concebe o tópico como uma noção discursiva que se realiza como um elemento constituinte da frase, logo, sempre codificado pelo falante e concretamente percebido pelo ouvinte. É o tópico discursivo manifestando-se no âmbito da frase. Avança-se em relação às abordagens iniciais desta seção nos seguintes aspectos: tópico deixa de ser concebido como continuum (concepção esta que o próprio autor vem a descartar posteriormente); deixa de estar necessariamente associado à primeira posição no enunciado (a menos que seja tópico primário), não implica, necessariamente, ruptura ou deslocamento na ordem das palavras na frase. Em Syntax – A Functional-Typological Introdution (1990), Givón rediscute a noção de escala anteriormente atribuída ao tópico, assumindo que a topicidade implica uma organização discreta dos participantes no discurso. Como justificativa, o autor ratifica Dubois (1987), ao considerar que o número de argumentos nominais no discurso raramente excede a dois por oração (o que, segundo o autor, descarta a idéia de continuum). Partindo do fato de que as evidências de ser o sujeito mais tópico que o objeto direto, e de ser este mais tópico que o indireto, pode-se inferir que estes tópicos são indícios do caráter discreto da organização discursiva. Givón acaba admitindo que a linguagem parece codificar somente três níveis discretos de topicidade dos participantes: Tópico principal = sujeito Tópico secundário = objeto direto Não tópico = todos os outros casos Considerar o tópico como uma entidade discreta, isolável em diferentes posições na frase não implica, porém, deixar de reconhecer o aspecto de continuidade/ descontinuidade de um tópico no fluxo do discurso. Um participante pode se manter no discurso como tópico contínuo primário em várias frases, pode alternar as funções de tópico primário e secundário em frases consecutivas ou não, ou pode sair temporariamente do fluxo discursivo. Estas diferentes possibilidades vão corresponder a diferentes estratégias de codificação por anáfora zero ou pronome átono. Tópicos não contínuos à curta distância serão mais codificados como pronome tônico e assim por diante. Tratando especificamente das construções de topicalização que envolvem o uso pragmático da ordenação vocabular, Givón as relaciona à descontinuidade do tópico, destacando: construções existenciais apresentativas (com SN indefinido), deslocamento para a 72 direita, construções de foco contrastivo (clivadas e movimento Y), promoção de objeto indireto a objeto direto (dative-shifting), promoção de argumento de oração subordinada a argumento de principal (raising). Essas construções de topicalização interagem com outros mecanismos de codificação do tópico, tais como: anáfora zero, pronominalização, sintagma nominal pleno definido e indefinido, constituindo-se, segundo o autor, num dos principais focos na organização da gramática de uma língua. A escolha desses mecanismos gramaticais pelo falante é restringida por duas propriedades do referente: a acessibilidade referencial (que tem a ver com o julgamento do falante sobre quão acessível está o referente para o ouvinte, dado o contexto discursivo anafórico), e a importância temática (que é vinculada ao julgamento do falante a respeito de quão importante é o referente em termos do discurso catafórico). Esses julgamentos do falante norteiam a seleção das estratégias de codificação do referente, que passam a funcionar como instruções para o ouvinte relativas à acessibilidade ou à importância do referente tópico. A topicidade pragmática fica, assim, estreitamente relacionada com a referencialidade semântica. 5.1.3 Tópico no plano discursivo: âmbito do texto/discurso Trabalhando com textos escritos, Garcia (1972) enfatiza a posição inicial do parágrafo como sendo o lugar, por excelência, do tópico. O autor fala em tópico frasal, caracterizando-o da seguinte maneira. (...) constituído habitualmente por um ou dois períodos curtos iniciais, o tópico frasal encerra de modo geral e conciso a idéia-núcleo, o tópico frasal garante de antemão a objetividade, a coerência e a unidade do parágrafo, definindo-lhe o propósito e evitando digressões impertinentes. Diferentemente das abordagens anteriores, o que o autor denomina de tópico frasal não corresponde a um elemento que é o tópico da frase e sim a uma frase que é o tópico do parágrafo, uma espécie de resumo inicial do que vem a seguir. O tópico frasal, assim entendido, restringe-se ao gênero descritivo e dissertativo, uma vez que, segundo o autor, no parágrafo narrativo, não há, via de regra, tópico frasal explícito. Van Dijk (1985) associa tópico à noção de micro e macroestrutura semântica. No nível micro, o autor trabalha com a dicotomia tópico/comentário, admitindo-as como “funções 73 textualmente dependentes, atribuídas a fragmentos de estrutura semântica das sentenças num discurso”. No nível global, uma macroestrutura define a coerência de um discurso, indicando a “questão central ou tópico”, sendo “tipicamente expressa pelo resumo de um discurso”. Nesse nível macro, o tópico corresponde a uma reconstrução abstrata, não sendo explicitado diretamente no texto. Mentis (1988) trabalha com a organização do tópico na conversação e define tópico como “uma oração ou SN que identifica a questão de interesse imediato e que fornece uma descrição global do conteúdo de uma sequência de enunciados”. Segundo a autora, o tópico não precisa aparecer explicitamente no discurso: uma denominação lhe é atribuída (por ex.: O natal) indicando o que os falantes estão conversando e identificar o interesse central num trecho de discurso. A autora trabalha, ainda, com as noções de “sequência tópica” (por ex: nascimento de Jesus) – conjunto de enunciados reunidos sob o escopo de um tópico denominado; e “subtópico” (por ex: Papai Noel, árvore de natal, presentes) – parte da sequência tópica principal. Essas sequências mostram também hierarquias. Nessa mesma linha se posiciona Koch (1992) ao postular que um texto conversacional pode ser dividido em fragmentos recobertos por um mesmo tópico e que cada conjunto desses fragmentos irá constituir uma unidade de nível mais alto, assim sucessivamente. Cada uma dessas unidades, em seu próprio nível, é um tópico. Para distinguir tais níveis hierárquicos, a autora aborda o tópico através das seguintes divisões: supertópico, quadro tópico, subtópico e segmentos tópicos. Por exemplo: o supertópico família pode dividir-se em quadros tópicos como tamanho da família, papel da mulher dentro e fora do lar, etc.; o quadro tópico, por sua vez, pode indicar papel da mulher dentro e fora do lar, que pode recobrir subtópicos como trabalho com os filhos adolescentes, etc. Outro trabalho sobre as Construções de Tópico que pode ser destacado é o da linguista Belford (2006) que com uma amostra da fala da comunidade linguística da cidade do Rio de Janeiro investiga a realização do uso das CT e DE, bem como os contextos linguísticos e extralinguísticos que as favorecem. Assim como nesta pesquisa, a autora também encontrou um baixo número de ocorrências de Top e DE em relação à estrutura canônica. Para a ordem variável do objeto, a autora encontrou 18% de Top e a variação entre estruturas com retomada de pronome e sem retomada de pronome como sujeito, um número de apenas 15% para DE. 74 5.1.4 A ordenação vocabular Os estudos de ordem tipológica das línguas foram iniciados por Greenberg (1963), que formulou a ordem dos constituintes na sentença e examinou trinta línguas diferentes com base na posição do sujeito (S), do verbo (V) e do objeto (O). E estabeleceu as seguintes ordens lógicas tipológicas das línguas: VSO, SVO e SOV. O português segue o padrão das línguas SVO. Como este estudo é voltado para uma língua de uma comunidade oralizada, assim também são os estudos de base funcionalista, focados na investigação de fenômenos da língua em situação comunicativa, em contexto de total interação. Segundo Givón (1995), a marcação é um fenômeno dependente do contexto, devendo, portanto, ser explicada com base em fatores comunicativos, socioculturais, cognitivos ou biológicos. Postula o autor que as estruturas em uso na língua se dividem em duas categorias: marcada e não marcada. Esta seria a mais comum e corrente, enquanto aquela mais rara, usada apenas em casos especiais. Deste princípio, desdobram-se três subprincípios, a saber: a) complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser mais complexa que a estrutura não marcada; b) distribuição de frequência: a estrutura marcada tende a ser menos frequente do que a estrutura não marcada; c) complexidade cognitiva: a estrutura marcada tende a ser cognitivamente mais complexa do que a estrutura não marcada. O princípio de iconicidade prevê a motivação na relação entre forma e significado. Deste postulado partem também três subprincípios: a) Quantidade: quanto maior a quantidade de informação, maior quantidade de forma. A complexidade de pensamento tende a se refletir na complexidade de expressão. 75 b) Integração: diz respeito à proximidade ou adjacência; conteúdos mais próximos cognitivamente também estarão mais integrados no nível de codificação, o que está mentalmente junto, coloca-se sintaticamente junto. Perini em seu artigo (2011:139) define que a variedade do português falado hoje no Brasil seria um padrão, já que é aceito e usado pela grande maioria da população urbana com certa escolarização. O autor prossegue declarando ainda que nesse mesmo caminho, existem algumas variedades não padrão, utilizadas nas zonas rurais e por pessoas de pouca escolaridade nos centros urbanos. Por fim há uma língua padrão escrita, que difere bastante de todas as variedades faladas e que ainda se espelha no modelo do português escrito clássico que vigorou até princípios do século XX. Já na página 152 de seu artigo, encontram-se as construções de tópico, onde Perini define como “Uma característica muito saliente do PB são as construções de tópico, ou seja, sentenças construídas sobre a oposição tópico/comentário, em vez da estruturação sujeito predicado. Aparentemente, as construções de tópico não são majoritárias no discurso corrente, mas sua ocorrência não é marginal e compõe uma boa percentagem das estruturas em uso corrente”. 76 6 METODOLOGIA Quando se fala sobre o uso e variação da língua, deve-se levar em conta qual o tipo de abordagem teórica se tomará por base. Durante muito tempo os estudos sobre as línguas foram baseados nos gramáticos tradicionalistas e não mostraram resultados concretos de pesquisas de base empírica. No momento em que a linguística surge, inicialmente com a abordagem estruturalista, é que começa a dar resposta a questionamentos. No entanto, essa abordagem também não responde nem dá o suporte necessário a todas as questões da variação e mudança da língua. As limitações dos modelos formalistas levaram pesquisadores como Labov a questionar o tipo de abordagem que até então se fazia: Uma visão acurada da mudança histórica torna-nos crescentemente cépticos em relação ao valor de limitações sobre os tipos de dados que podem ser considerados; como, por exemplo, que o linguista explique os eventos lingüísticos somente através de outros eventos linguísticos. Seria esperado que a aplicação da Linguística Estrutural aos problemas diacrônicos levasse a um enriquecimento dos dados e não ao seu empobrecimento. (LABOV, 1972) Apenas com o surgimento da sociolinguística as características fundamentais para o conhecimento de uma língua como a variação e mudança foram se desenvolvendo e servindo de base para inúmeras pesquisas no campo da linguística. Não se pode mais seriamente defender que o linguista deve limitar suas explicações da mudança às influências mútuas dos elementos linguísticos, definidos pela função cognitiva. Nem se pode argumentar em qualquer sentido sério que o sistema linguístico em mudança é autônomo. (...) não é possível concluir uma análise das relações estruturais dentro de um sistema linguístico, sem considerar as relações externas. (LABOV, 1972) A sócio-história e a cultura de uma comunidade estudada pode ser levada em conta com o modelo teórico da sociolinguística variacionista, essencial para uma análise completa de uma dada comunidade. 77 6.1 As Etapas da Análise A pesquisa do comportamento da fala das comunidades sob a perspectiva do modelo funcionalista (Givón, 1995; Votre, 1992), que deve ser descrita e esclarecida dentro de um quadro geral fornecido pelo sistema pragmático da interação verbal (Dik; 1989), busca fundamentalmente caracterizar os aspectos linguísticos em termos da dicotomia variação estável versus mudança em curso, dentro do que se denominou estudo da mudança em tempo aparente (Labov, 1972; 1982). Labov salienta que é possível captar mudanças através da análise distribucional quantitativa de variáveis em diferentes faixas etárias. Nesta tese, a análise se volta para uma amostra de fala das comunidades de Barra e Bananal, situadas no Município de Rio de Contas, no Estado da Bahia, recolhida em janeiro de 1994, com a seguinte estratificação de variáveis: 18 entrevistas, com duração de 45 a 60 minutos cada, gravadas com dezoito informantes distribuídos equitativamente por três faixas etárias (Faixa I, de 20 a 40 anos; Faixa II, de 41 a 60 anos, e Faixa III, mais de 60 anos) e pelos dois sexos. Os procedimentos adotados durante as entrevistas conduzidas por um pesquisador, com apoio de um membro da comunidade, tiveram por objetivo extrair registro de fala o mais informal possível, dentro das condições normais de coleta de material linguístico (Baxter & Lucchesi, 1993). Pode-se, portanto, dizer que se trata de uma amostra da fala vernácula das comunidades (Labov, 1966; 1972). A formalização dos aspectos linguísticos foram analisados em termos de regras variáveis operantes em um sistema linguístico heterogêneo e variável apóia-se nos princípios teóricos da Sociolinguística Variacionista (Weinreich, Labov & Herzog, 1968; Labov, 1966, 1972 e 1982). No modelo da sociolinguística quantitativa laboviana, a variação não é vista como um fenômeno aleatório, mas como um processo sistemático que se define pela sua interação com outros fatos também variáveis da estrutura linguística e com os fatores que atuam ao nível da estrutura social da comunidade e da estrutura da língua. Portanto, as variáveis que expressam os aspectos linguísticos característicos da comunidade de fala são formalizadas como uma função de outras variáveis da estrutura linguística, bem como das variáveis que expressam os fatores sociais intervenientes no processo. Para o tratamento estatístico dos dados, suporte para a análise variacionista, foi utilizado o pacote de programas GOLDVARB X (cf. Sankoff, D., Tagliamonte, S., Smith, E., 2005). 78 Quanto à formalização analítica, cada um dos aspectos linguísticos considerados na variedade falada em Barra e Bananal é tomado como uma variável dependente, especificandose os seus valores, consoante o nível da estrutura em que o problema é abordado. As demais variáveis da estrutura linguística e as variáveis da estrutura social a que a variável dependente é correlacionada são definidas como variáveis independentes, e se postula que estas atuem sobre o comportamento de cada variável dependente. A amostra para análise das comunidades de fala de Barra e Bananal permite a consideração das seguintes variáveis sociais: faixa etária, sexo, nível de escolaridade e estada fora da comunidade. A análise dessas variáveis sociais pode fornecer evidências empíricas satisfatórias para se definir os processos de variação analisados como processos de mudança em curso ou de variação estável. Em princípio, a afirmação de que um determinado fenômeno variável reflete um processo de mudança em curso ou uma variação estável só tem valor categórico se corroborada por dados em tempo real. Nesse estudo, conta-se com dados do tempo aparente. Assim, pode-se apenas fazer conjecturas sobre o que estaria ocorrendo diacronicamente (Labov, 1981). A variável primária na definição entre variação estável e mudança em curso é a faixa etária. No primeiro caso, obtém-se um padrão curvilinear com o ápice das formas de prestígio nas faixas intermediárias. É ponto pacífico entre os linguistas que só se pode falar de mudança em progresso quando se observa uma gradação nas faixas etárias, em que os mais jovens apresentam os maiores valores para a variante inovadora, e os mais velhos, o padrão mais conservador (cf. Chambers & Trudgill, 1980). Desse modo, o padrão mais conservador deverá situar-se na faixa etária III, constituída por falantes de mais de 60 anos, enquanto que o padrão mais inovador deverá ser observado entre os falantes mais jovens da faixa I (de 20 a 40 anos). Não obstante o resultado favorável obtido na variável faixa etária, a análise de outras variáveis sociais foi necessária para se caracterizar melhor o processo de mudança em curso. Desse modo, durante a análise, observou-se o comportamento de outras variáveis sociais, levando-se em conta também o prestígio das variantes (Labov, 1972 e 1981; Oliveira, 1982). Labov fez o primeiro estudo da mudança em seu contexto social, em 1963, na comunidade de Martha’s Vineyard, uma ilha no estado de Massachusetts, EUA. Depois disso, foi seguido por outros linguistas que utilizaram a mesma perspectiva, ao demonstrar a 79 extrema importância dos condicionantes sociolinguísticos para se entender a complexidade dos usos linguísticos dinâmicos. Desse modo, busca-se apreender o tempo real, onde se dá o desenvolvimento diacrônico da língua, no chamado tempo aparente. O tempo aparente constitui, assim uma espécie de projeção. (Lucchesi, 2001) 6.2 Grupo de fatores 1. Variável Dependente Binária Sintagma Nominal Pleno sem tópico 17. A gente pranta a roça. SN SV Sintagma Nominal com tópico 18. Minha prima... ela mora... ela mora... ela ta ni Curitiba. SN Top 2. Sexo feminino masculino 3. Idade 20 a 35 36 a 45 46 a 55 56 a 77 Pron 80 4. Escolaridade analfabeto semianalfabeto 5. Estada fora da comunidade nunca 1 a 6 meses + de 6 meses 6. Presença de Pausa presença ausência 7. Traço [±Humano] [+animado] [+humano] [+animado] [-humano] [-animado] 8. “Peso” do SN: Ate 7 sílabas 8 silabas ou mais 9. Estrutura do SN: a. Sem topicalização: 22. Meu pai era filho daqui do Bananá. (pag. 124, inf. 13) SN c. Tópicos com pronome lembrete: (SN) = Top 23. Cascavé... Ele é difici da gente vê ele aqui. (pag. 119, inf. 07) SN Top Pron 81 24. Carmo e o irmão dele, eles arrumam com algum motorista. (pag. 123, inf. 11) SN Top Pron d. Tópicos com pronome lembrete: (Art+N) = Top 25. A cana tem que sê crua. Ela chega cunzida do fogo. SN Top Pron 26. É... A garapa é. Ela... Quand’a gente prepara... SN Top Pron d. Tópicos com pronome lembrete: (Poss+N) = Top 27. Meu pai... ele sempre garimpava aí. SN Top Pron e . Tópicos com pronome lembrete: (Art def+N+Adj) = Top 28. O fio mais velho tem seis... Ele vai fazê seis ano. SN Top Pron f. Tópicos com pronome lembrete: (Art Indef+N+Adj) = Top 29. É uma manguerona... Ela é uma manguerona grossa assim. SN Top Pron g. Tópicos com pronome lembrete: (Dem+N) = Top 30. Essa segunda... Ela era uma menina muito forte. (pag. 124, inf. 11) SN Top Pron 31. Esse povo lá... Ele muito cortez cu'a truma. (inf. 09) SN Top Pron 32. Esses menino, eles era pequeno assim. SN Top Pron 10. Material interveniente entre o SN e o predicado 82 a. Nenhum Material: 33. Cascavé... Ele é difici da gente vê ele aqui. (pag. 119, inf. 07) SN Top Pron b. Com Material: 34. Mas... Escola, antigamente, num usava muito escola, né? SN Top 35. Marido... assim... ele era guarda, sabe? (114, inf 04) SN Top Pron Com material interveniente/sem material interveniente c. coexistência de material interveniente diferente: 36. Aqui tem uma escolinha... [pequenininha]... Boba aí, mas no... Num... Num tem luz... SN Top Não tem nada... Aqui tá escuro. (pag. 127, inf. 20) Alguns deslocamentos à direita (DD) também foram encontrados, porém como foram poucas ocorrências o programa GOLDVARB não reconheceu, deste modo, foi necessário colocar juntamente com as demais topicalizações e deslocamentos a esquerda, ou seja, tanto as DE como as DD foram colocadas juntas e classificadas como topicalizações – as construções de tópico de uma maneira geral. Vejamos alguns exemplos de DD: 37. Achei legal... A cidade. (pag. 117, inf. 05) SN Top 38. A gente põe aí no terreiro aí ele seca com o sol. É a garapa. (pag. 118, inf. 07) SN Top 83 7 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE RESULTADOS As topicalizações nas comunidades de Barra e Bananal não são típicas como as descritas nas gramáticas, quando encontradas, são muitas vezes de palavras repetitivas e as de pronome lembrete também são muito corriqueiras. A utilização das construções de tópico demonstra a falta de habilidade do falante, hesitação na fala e a pouca escolaridade dos falantes; o que é comprovado pelos resultados obtidos. Para fins de tratamento dos dados, lançamos mão de análise multivariacional de base quantitativa tipicamente laboviana. Das variáveis independentes controladas, sexo/gênero não mostrou relevância estatística, uma vez que os falantes femininos apresentaram 16% de topicalizações similarmente aos falantes masculinos com 16.8%, o que significa que as topicalizações são empregadas por todo o universo da amostra sem distinção de natureza sexo/gênero. Em contrapartida, os quantitativos referentes à variável idade (conferir tabela 1 abaixo) apontam para mudança em tempo aparente (Labov 1972 e 1994). Os falantes mais jovens, de faixa etária entre 20 a 35 anos, apresentam 17 % de topicalizações, comparados a 21% dos empregos dos mais velhos, com mais de 46 anos. Vale notar que os sujeitos entre 36 a 45 anos (faixa etária intermediária) apresentam queda significativa de emprego de topicalizações (9,6%) de topicalizações justificada pelo fato de que se trata do grupo de sujeitos que mais costumam sair para trabalhar fora da comunidade. Assim, os resultados atestam que o efeito do contato é bastante saliente (conferir resultados expostos na tabela 3), dado que a aplicação da regra (uso de topicalização) diminui de acordo com o nível contato: quanto maior o contato com outras comunidades, as construções mais se aproximam da ordem canônica, reduzindo-se os recursos de topicalização e de deslocamentos de sujeito. Para efeitos de encadeamento do raciocínio, examinemos primeiramente os resultados relativos à variável idade. 84 Tabela 1: Efeito da variável idade em relação ao emprego de topicalizações: Percentual Tópico/Total Peso relativo 20 a 35 anos 120 / 704 17.0% 22.8 36 a 45 anos 104 / 1083 9.6% 35.0 + de 46 anos 281 / 1307 21.5% 42.2 Grafico 8: Relação entre o uso de topicalizações com a variável idade dos falantes DISTRIBUIÇÃO DE EMPREGO (EM PERCENTUAIS) DE TOPICALIZAÇÕES QUANTO A FAIXA ETÁRIA 20 a 35 anos 36 a 45 anos > de 46 anos 23% 42% 35% Vejamos alguns exemplos de topicalizações nas três faixas etárias estratificadas na amostra: Faixa etária I: (pg. 110, inf. 01) 1. Doc.: E lembra da construção da barragem? Inf. 01: Quando começô? Doc.: É. E a barragem... E que, como é que... o que é que... melhorô ô piorô a vida aqui Inf. 01: Ah... A barragem pra gente aqui... Ela pra gente aqui foi boa nada. Faixa etária II: (pg. 113, inf. 04) 2. Doc.: É... A senhora é nascida aqui? Inf. 04: É. Doc.: E... Os pais da senhora também? Inf. 04: Hum... Hum... Meu pai foi aquele mesmo que foi lá... 85 Faixa etária III: (pg. 119, inf. 08) 3. Doc.: E lacraia? Inf. 08: Lacraia aqui também aparece bastante. Considerando-se diferentes gerações de falantes, pode-se verificar a variação sistemática entre variáveis linguísticas e sociais. É de se supor que esteja havendo discreta mudança linguística, pois os quantitativos revelam maior frequência de ocorrências de formas inovadoras na fala dos mais jovens da comunidade e tendência à conservação de padrões (estruturas topicalizadas) na fala dos mais velhos, configurando uma distribuição inclinada. Num processo de variação estável, essa distribuição seria plana, de modo que é razoável levantar a hipótese de mudança de padrão pela técnica de tempo aparente, já que não temos amostras semelhantes mais recentes com a mesma configuração, tampouco dispomos de falantes regravados hoje da amostra original. Se assim fosse, seria possível proceder a estudo em tempo real. As considerações desenvolvidas referentes à variável idade fundamenta a hipótese de que haveria uma mudança em curso nos padrões coletivos de comportamento linguístico da comunidade de fala de Barra e Bananal. É de se supor, então, mediante a ação de fatores sociais, econômicos e culturais que a ordem canônica SVO começou a figurar no português falado em Barra e Bananal, principalmente na fala dos mais jovens, posto que são eles os mais diretamente atingidos pelas mudanças sociais. Desta feita, não é de todo impossível postular que o comportamento da variável faixa etária aponta para mudança aquisicional da gramática por parte de falantes mais jovens de dialetos populares também em outras partes do Brasil. Grafico 9: Relação entre o uso de topicalizações com a variável idade dos falantes FAIXA ETÁRIA Peso relativo 50 22,8 35 42,2 0 20 a 35 anos 36 a 45 anos > de 46 anos 86 No gráfico 9 acima podemos ter uma ideia melhor sobre a curva de variação em relação ao uso de topicalizações. Tabela 2. Efeito da variável escolaridade em relação ao emprego de topicalizações: Tópico / Total Percentual Peso relativo Semianalfabetos 329 / 2077 15.8% 32.9 Analfabetos 176 / 1017 17.3% 67.1 Vejamos alguns exemplos: (pg. 130, inf. 24) 4. Doc.: Não. Eu digo... cê tem viajado fora daqui? Inf. 24: [Ieu]? Doc.: É. São Paulo, por exemplo. Inf. 24: Já fui uma vez. Doc.: Ah é? Inf. 24: Já. Sarvador eu tive lá mês de malço, abrile. O nível de escolaridade tem sido visto como relevante vetor condicionador do uso das formas linguísticas de maior prestígio social. Ao considerar estudos que analisaram a influência dessa variável, constatou-se a escolarização como uma das condições necessárias para o individuo que faça uso da língua consoante a norma padronizada. Scherre (1988), por exemplo, conclui que dentre os atributos de um falante que faz muita concordância está o “alto grau de escolarização”. (cf. p. 523) Em função do baixo nível de escolaridade entre os falantes das comunidades, dividiu-se entre aqueles que possuem o nível primário, os que tiveram um contato mínimo com o letramento, mesmo que pouco, como semianalfabetos, que sabem apenas escrever o nome, e os que nunca estiveram em contato com a escola, como analfabetos. Infelizmente, apenas os falantes que possuem um nível maior de instrução concentram-se na faixa etária mais jovem, pois foram beneficiados com os novos programas de educação pública, ainda que precários, como salienta Lucchesi (2000: 293) em sua análise da concordância de gênero na comunidade de Helvécia, pois a variável escolaridade não foi selecionada, entretanto, o autor observa que 87 há uma frequência de concordância de 98% entre os falantes com alguma escolarização enquanto que essa frequência diminui entre os informantes sem escolaridade (94%): Não devemos deixar de ter em mente a precariedade de tais programas, de modo a sermos bem cautelosos antes de fazer qualquer afirmação sobre os efeitos linguísticos da escolarização no meio rural. Em muitos casos, os professores recrutados nesses programas são muito mal preparados; e, sob a ótica do padrão linguístico normativo, praticamente não se diferenciam dos seus alunos. ( Lucchesi, 2000: 293) Gráfico 10: Relação entre o uso de topicalizações com a variável escolaridade 67,1 70 60 50 32,9 40 30 20 10 0 Semianalfabetos Analfabetos O gráfico 10 é relativo ao uso de topicalizações quanto à variável nível de escolaridade do falante. O programa calculou os pesos relativos 67.1 e 32.9 numa escala mais aproximada para gerar o gráfico. Dada a notória importância da variável escolarização, lança-se mão desta com o intuito de observar o seu efeito sobre o fenômeno gramatical analisado, embora já se tenha a informação de que, entre os informantes da amostra, praticamente, não seria possível estabelecer distinção entre escolarizados e aqueles sem escolarização, visto que na comunidade não se desenvolveu, até a década de 90, a cultura de aprofundamento escolar, por isso não foram encontrados pessoas adultas plenamente alfabetizadas. Embora os resultados fujam ao padrão, são considerados reflexos da realidade, na medida em que o ensino não exerce, na comunidade de Barra e Bananal, influência sobre o rendimento escolar dos adultos. Em primeiro lugar, muitos dos informantes da amostra que foram classificados como semianalfabetos não tiveram um ano sequer de estudo. Pode-se 88 levar em conta, também, que até mesmo as instituições públicas de ensino da zona urbana funcionam precariamente e com um quadro de profissionais, muitas vezes, mal formados. Até mesmo leigos que não dominam de forma efetiva a variedade culta da língua portuguesa, não podendo, dessa forma, ampliar o universo dialetal de seus alunos. Na zona rural esse quadro é ainda mais grave, mesmo que se encontrem em zonas afastadas, profissionais capacitados, não se pode obscurecer o fato de que muitos alunos não conseguem aprender simplesmente porque não entendem a variedade linguística de seu professor. Tabela 3. Efeito da variável contato fora da comunidade em relação ao emprego de topicalizações: Percentual Tópico / Total Peso relativo Já saíram 291 / 2052 14.2% 66.3 Nunca saíram 214 / 1042 20.5% 33.7 Grafico 11: Relação entre o uso de topicalizações com a variável contato fora da comunidade Nunca saíram 66,3 33,7 Já saíram 0 10 20 30 40 50 60 70 89 5. 11 meses fora da comunidade. (Inf. 11, pag.124) Doc.: A senhora aprendeu a assinar o nome, não? Inf. Aprendi. É. Eu posso dize que eu não fiquei na escola. Fiquei um mês e quinze dia na escola. É. Mas foi de minha vontade assim, então ora que a gente tinha que trabaiá pra compra um lápis, tinha que trabaiá pra compra um caderno, o abc chamado, né... Então meu pai, nada disso ele não dava. 6. Nunca saiu da comunidade. (Inf. 13, pag.125) Doc.: A senhora nunca foi a São Paulo? Inf.: Não senhô. Quem sempre vai a São Paulo é meu marido, mas'eu não nunca fui! Doc.: Hum! E gostaria de ir? Inf.: Ele? Doc.: A senhora. Inf.: Eu...? Sei lá! ININT. Eu tenho vontade de ir na Aparecida. Inf.: Na Aparicida, eu tenho um ano com vontade de ir! Agora, em São Paulo não! Na Aparicida, eu tenho um ano com vontade de ir! 7. Passou 6 meses fora da comunidade (Inf. 08, pag.120) Doc.: O fumo pega mais? Inf.: O fumo pega mais do que a cachaça. A cachaça eu bebo todo dia. 8. Passou 6 anos fora da comunidade. (Inf. 04, pag.113) Inf.: Meu pai foi aquele mesmo que foi lá. doc: É... A senhora é nascida aqui? Inf.: É. Doc.: E... Os pais da senhora também? Inf.: Hum... Hum... Meu pai... Foi aquele mesmo que foi lá... 9. Passou 6 meses fora da comunidade (Inf. 06, pag.113) Inf.: Miguel que é funerário que abre a seputura ININT dexô a guia... aí foi qu’ele marcô lá... quano foi oiá foi poro... foi poromonia. Doc.: Ah, Pneumonia... Inf.: Foi. Poromonia A, ela é uma doença forte aquela ali. 90 O fato de uma maior integração social ser um dos fortes condicionantes das mudanças observadas no português falado em Barra e Bananal confirma-se pelos resultados da variável contato fora da comunidade. Os informantes foram separados entre os que passaram mais de seis meses fora da comunidade daqueles que nunca saíram dela e os que se ausentaram por um tempo menor que seis meses. Os valores correspondentes à primeira distribuição não foram muito consistentes. Numa nova rodada, modificou-se a hipótese considerando-se dois grupos somente: falantes que saíram da comunidade e os que nunca saíram. Tal significa dizer que o ponto de corte passou a ser sair ou não sair da comunidade. No segundo processamento de dados, com a variável contato então binária, a diferença percentual foi muito boa entre os dois fatores: 14.2% de frequência de topicalizações para os falantes que estiveram fora da comunidade e 20.5% para aqueles que nunca saíram da comunidade. O contato fora da comunidade demonstra ser um fator de extrema relevância para a emergência de topicalizações. Como podemos observar no gráfico II, o peso relativo dos que saíram corresponde a 66.3 (o programa aproximou para 66), enquanto que se associa apenas a probabilidade de 33.7 (34 pelo programa) aos falantes que nunca saíram. Grafico 12: Relação entre o uso de topicalizações com a variável contato DISTRIBUIÇÃO DE EMPREGO (EM PERCENTUAIS) DE TOPICALIZAÇÕES QUANTO AO GRAU DE ISOLAMENTO DOS FALANTES DA COMUNIDADE ESTUDADA 14,2% 20,5% 91 A consideração da variável contato fora da comunidade baseia-se especialmente na hipótese de que haveria uma mudança em curso nos padrões coletivos de comportamento linguístico das comunidades de Barra e Bananal no sentido de que os falantes que mais saem da comunidade tem mais contato com os padrões da língua portuguesa. Já os que pouco saem ou nunca saem não tem contato com essa variedade da língua tendem a utilizar a utilização da estratégia da topicalização e afastam-se da ordem canônica SVO do sistema do português. Seria possível supor uma hipótese segundo a qual o uso da topicalização na comunidade decorreria de influências de características internas à comunidade, como a existência de uma língua de substrato, de característica de tópico, falada por um povo que lá se instalou. Diante dos resultados, essa mudança seria liderada por aqueles falantes que tivessem maior contato com o universo exterior à comunidade de fala. Quanto à relevância das variáveis estruturais, a variável animacidade do referente se revela, na tabela 4, importante na pesquisa. Pelos números, quando o elemento possui o traço [+ humano], o fenômeno da topicalização é mais frequente. Sabe-se que as entidades com o traço [+humano], por usualmente agruparem numerosos papéis, tendem a ser mais salientes tópica e cognitivamente. O fato de haver menos cancelamento de pronomes objetos que codificam entidades [+humanas], de haver maior quantidade de pronomes pessoais em correferência com entidades humanas testemunha a relevância desse traço. (Braga, 1997: 44) Grafico 13: Relação entre o uso de topicalizações com a variável animacidade do referente: DISTRIBUIÇÃO DO EMPREGO (PESO RELATIVO) DE TOPICALIZAÇÕES QUANTO AO EFEITO DA VARIÁVEL ANIMACIDADE DO REFERENTE [+ Humano] [- Humano] 23,6 76,4 23,6 92 Tabela 4. Efeito da variável animacidade do referente em relação ao emprego de topicalizações: Tópico / Total Percentual Peso relativo [+ Humano] 243 / 2365 10.3% 76.4 [- Humano] 262 / 729 35.9% 23.6 Os trabalhos sociofuncionalistas têm atestado que referentes de traço de maior grau de animacidade tendem a ser focalizados, enfatizados por diversas estratégicas, seja através de clivagem, da anáfora pronominal em diferentes contextos gramaticais ou por mecanismos de topicalização. Mollica (1977) mostrou isso de forma precursora nas construções relativas copiadoras. Está provada a tendência de omitir referentes inanimados como é o caso das relativas cortadoras. Podemos observar, na tabela 5, as chances de emergência da topicalização em relação ao número de sílabas do sintagma nominal. O controle da variável tamanho do SN topicalizado ou não topicalizado deve-se à hipótese segundo a qual o maior custo de processamento, que incide em SNs grande, é compensado pela utilização da estratégia de topicalização na língua: referentes grandes, difíceis de processar são realçados então por movimentos à esquerda ou à direita da sentença e até por anáforas pronominais. Note que o elemento topicalizado pode ser todo o sintagma ou apenas parte dele, como podemos observar em alguns exemplos: 10. Inf. 01 (pag.112) Doc.: E dessa plantação, qual é a melhó plantação? Inf.: Ah, aqui o melhó mesmo é o... o fêjão. Porque as ôta... arroz mesmo é pôca gente que pranta. E arroz aqui também, quase não dá também. Porque num... num tem aduba, as terra num ajuda também... 11. lnf. 07 (pag.118) Minha avó morava... era... ela... morava... 93 Tabela 5. Efeito da variável peso do SN em relação ao emprego de topicalizações: Percentual Tópico / Total Peso relativo SN até 7 sílabas 326 / 2780 11.7% 10.1 SN de + 8 sílabas 179 / 314 57% 89.9 Sob a mesma alegação (muito material linguístico presente no SN), a tabela 6 a seguir, que expõe os resultados quanto à variável material interveniente entre o SN e o predicado, nos revela um ponto importante da pesquisa. Quanto maior a sentença ou a distância entre o SN e o predicado, maior a tendência de o falante realizar a topicalização. O falante se utiliza da topicalização como um recurso estratégico de que dispõe na língua para dar relevo, no momento propício, ao que discursivamente é importante ser realçado. Grafico 14: Relação entre o uso de topicalizações em relação com a variável peso do SN SN até 7 sílabas SN de + 8 sílabas 10% 90% 94 Tabela 6. Efeito da variável material interveniente entre o SN e o predicado em relação ao emprego de topicalizações: Percentual Tópico / Total Sem material Existência de Peso relativo 273 / 2511 10.9% 18.8 232 / 583 39.8% 81.2 material Grafico 15: Relação entre o uso de topicalizações com a variável material interveniente entre o SN e o SV Sem material Existência de material 18,8 81,2 Exemplos: 12. Inf. 07 (pag.118) F semianalfabeta (nunca saiu) Ana Maria, que era minha amiga, ela estuda em Livramento hoje em dia. 13. Inf. 04 F analfabeta (6 anos – SP) Verdura mesmo... lá é mais difícil. Das variáveis examinadas, os vetores mais relevantes para a emergência da estratégica de topicalização são de natureza psicolinguística, que decorrem da necessidade de os falantes lançarem mão de estratégias de tópico quanto é grande o custo de processamento dos SNs. 95 Cabe informar que o pacote GOLDVARB escolhe sempre, em quaisquer dos processamentos a que procedemos dos dados, as variáveis tamanho do SN e material interveniente. Como já salientamos, outro grupo selecionado com prioridade maior é o relativo ao contato da comunidade ou ao isolamento dos falantes dentro da comunidade. Mais relevante que o letramento, tal variável nos leva à hipótese já comentada da existência de uma possível língua de substrato na região de proeminência de tópico caracteristicamente. Nosso estudo não pode, no entanto, provar tal suspeita em decorrência de ausência, até o momento, de documentos históricos sobre que tipos de línguas faladas existiam em Barra e Bananal, originalmente nativas dos escravos que se estabeleceram na região. Grafico 16: Scattergram: O Scattergram acima demonstra a taxa de probabilidade em relação à regra de aplicação quanto ao número de topicalizações totais. Cada ponto assinala um falante individual de acordo com o uso da regra. 96 Conclusão da análise das variáveis sociais Nessas conjecturas, se coloca para a investigação da variação e mudança da língua a necessidade de se correlacionarem fatores linguísticos e extralinguísticos, estabeleceram-se os grupos de fatores faixa etária, sexo, escolaridade e, ainda, buscando verificar como o contato do falante com o universo exterior à comunidade pôde interferir no seu desempenho em relação ao uso das topicalizações no SN. A consideração dessa última variável, em particular, a escolaridade, fundamenta-se na hipótese de que haveria uma mudança em curso nos padrões coletivos de comportamento linguístico das comunidades de Barra e Bananal no sentido do uso da topicalização, e que essa mudança decorreria de influências externas à comunidade. Nesse sentido, essa mudança seria liderada por aqueles falantes que tivessem maior contato com universo exterior à comunidade de fala. A presente pesquisa nos leva a novas questões e hipóteses. O estudo abre uma porta para a investigação do fenômeno em culturas ágrafas de modo a atestar a hipótese central em corpora do PE. Cabe perguntar em que nível se pode afirmar que o PE possui também tal princípio. Abre portas ainda para o português em África. Em estágio pós-doutoral, pretendemos voltar atenção especial para os crioulos de base portuguesa, talvez a chave para muitas respostas ainda em aberto. Enquanto que nesta pesquisa o que se esperava era que os mais jovens copiassem menos, ou seja, utilizassem a estratégia de topicalização bem menos, a pesquisa mostrou resultados inesperados. A faixa etária II, de 36 a 45 anos apresentou apenas um percentual de 9,6% topicalizações. Em função desses resultados a pesquisa tomou novos rumos e apontou para outra hipótese – a da crioulização prévia. Esta não surgiu por acaso. Por trás da comunidade há um histórico de uma possível crioulização prévia no aprendizado precário do português pelos aloglotas, a nativização. No plano sócio histórico, viu-se que o contato entre línguas, durante o século XIX, período em que provavelmente prevaleceram dialetos africanos no território nacional, determinou uma ordem rígida e inflexível dos constituintes do sintagma nominal e verbal. Desses dialetos africanos, a variedade linguística de Barra e Bananal – BA herdou essa rigidez, ou seja, a ordem vocabular SVO. 97 Os vestígios de uma variedade que se constituiu no bojo do contato com línguas africanas, especialmente dos grupos banto e kwa e com outras línguas europeias estão dando lugar a aspectos típicos das variedades “mais comuns” do português do Brasil. De qualquer sorte, o dialeto de Barra e Bananal ainda é um documento vivo das profundas alterações porque passou a língua portuguesa aqui no Brasil, quando dos primórdios de sua formação. De fato, essa hipótese não foi abandonada por completo, apenas deixada de lado. Quando surgiram os resultados negativos em relação à mostra e positivos em função à questão da crioulização, foi impossível não dar atenção a tal fato. De acordo com o professor Couto (1999) e outros estudiosos da crioulística é sabido que a ordem das palavras nas línguas crioulas é mais rígida. A sua grande maioria não permite flexibilidade na ordem dos constituintes como no português. O que se entende em línguas crioulas de um modo geral é que se colocarmos qualquer palavra antes do verbo, esta mudará de objeto para sujeito, modificando todo o sentido da oração. Isso pode ser um vestígio de uma crioulização prévia do português. Vejamos esse texto de Hildo Honório do Couto: Já foi sugerido que a sintaxe surge para evitar ambiguidades. Diante de um evento experienciado como um caçador conhecido que matou um leão do qual a comunidade tem conhecimento, o falante tem que saber como atribuir as funções de agente e paciente da ação apropriadamente. No caso em tela, a mensagem tinha que ser formada no crioulo português da Guiné-Bissau, que exige que se formule E (experienciador) como se vê em (6). (6) omi mata lion ' o homem matou o leão' (6') lion mata omi 'o leão matou o homem' Nessa língua, bem como na maioria dos crioulos do mundo, a função sintática é indicada pela ordem das palavras. Assim, a palavra que vem antes do verbo exerce a função de sujeito da oração, e se refere ao ser que tem o papel de agente da ação indicada pelo verbo. A palavra que vem depois do verbo é o objeto (direto, no caso), e se refere ao ser sobre o qual recai a ação indicada pelo verbo. A prova decisiva de que é a ordem que está indicando as funções sintáticas (e os papéis semânticos respectivos) é o fato de que se invertermos a ordem dos dois substantivos, como se vê em (6'), as funções sintáticas se mantêm, mas os papéis 98 semânticos de agente e paciente se invertem: o ser que em (6) era agente passa a ser paciente, e vice-versa. (Couto, 1999) A ordem básica de palavras das línguas crioulas em geral é SVO (Couto, 1999; Bruyn, Muysken & Verrips 1999; Michaelis & Haspelmath 2003). A hipótese da crioulização se mostrou ainda mais forte quando conjugadas as variáveis: Tabela 7: Cruzamento1 - Escolaridade X Contato Semianalfabetos Sim 240 Top Não 89 Top Total de oco 329/2077 Top/total Analfabetos 14 % 51 Top 25 % 125 Top 16% 15% 18% 176/1017 Top/total 17% Aqui os dados se confirmam, os que mais realizam construções de tópico são os que nunca saíram da comunidade. Tabela 8: Cruzamento2: Idade X Escolaridade Idade I Semianalfabetos 120 Top Analfabetos 0 Top Total de oco Idade II Idade III 17 % 82 Top 9% 127 28% 0% 22 Top 14% 154 18% 120/704 Top/total 104/1083 Top/total 281/1307 Top/total 17 % 10% 21% O resultado de 0 (zero) ocorrências num total de topicalizações para os jovens é decorrente do fato de que não há jovens que se declarem analfabetos entre os informantes da amostra. Tabela 9: Cruzamento3: Idade X Contato Idade I Idade II Sim 85 Top 14 % 104 Top Não 35 Top 31 % 0 Top Total de oco Idade III 10% 102 27% 0% 179 19% 120/704 Top/total 104/1083 Top/total 281/1307 Top/total 17% 10% 21% 99 O traço [+humano] deveria ser mais focalizado, porém, não ocorreu como esperado, mas confrontado com as tabelas 10 e 11 abaixo, que apresenta o peso relativo 76,4 podemos perceber que está de acordo com o esperado. Tabela 10: Cruzamento 4: Escolaridade X Traço humano Semianalfabetos Analfabetos + humano 161 Top 10 % 82 Top 11% - humano 168 Top 39 % 94 Top 32% Total de oco 329/2077 Top/total 16% 176/1017 Top/total 17% A hipótese aqui é confirmada pelo programa, pois quanto maior o sintagma, maior a probabilidade de o falante realizar estratégias de realce na fala. Tabela 11: Cruzamento 5: Traço humano X Peso do SN + humano - humano Até 7 sílabas 155 Top 7% 171 Top 30% Mais de 7 sílabas 88 Top 55 % 91 Top 59% Total de oco 243/2365 Top/total 10% 262/729 Top/total 36% Aqui o peso do elemento topicalizado mostrou-se mais relevante que o material interveniente. Tabela 12: Cruzamento 6: Peso do SN X Material interveniente Até 7 sílabas Mais de 7 sílabas Nenhum material 196 Top 8% 77 Top 56% Existência de material 130 Top 32 % 102 Top 58% Total de oco 326/2780 Top/total 12% 179/314 Top/total 57% O resultado geral e o percentual de poucas topicalizações mostra um quadro de tendências crioulizantes na comunidade, já que a ordem dos constituintes para os falantes se trata de um fator sólido, mesmo configurando uma questão inata. Aqui podemos ver claramente a teoria de Givón (1990) que retrata a mente como base de tudo no processamento da fala e da comunicação, onde o cérebro aciona a memória do falante. A busca da memória 100 do falante de Barra e Bananal no momento da fala e o bloqueio para as construções de tópico podem ser indícios de suas raízes crioulizantes e o padrão de ordem vocabular que o falante possui de língua, que no caso é SVO e que é cristalizado. Se partirmos do princípio que para se gerar uma sentença de tópico, em geral, o grau de formalidade e/ou escolaridade do falante é baixo, essa regra não funcionou nessas comunidades. Por que seria? A única explicação seria que as comunidades de fala de Barra e Bananal ainda carregam evidências linguísticas de suas características de línguas crioulas, por se tratar de uma comunidade descendente de um Quilombo onde se falavam línguas crioulas. 101 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base nos resultados, o principal aspecto aqui abordado é que o tópico é um processo semântico-pragmático com reflexo na sintaxe. Essa característica do português, sobretudo com base na análise de dados oriundos de comunidades específicas – comunidades de oralidade – poderia vir a ser atribuída à relação de contato do português com línguas de oralidade. No caso, línguas africanas e as línguas indígenas em geral. A chamada influência vertical das línguas africanas no português atingiria também a sintaxe, a estrutura da língua e não apenas os paradigmas verbais (Peter, 2011). As línguas indígenas brasileiras também se caracterizam, em sua maioria, pela estrutura de topicalidade, sendo essas as estruturas canônicas da dimensão discursiva dessas línguas. Línguas africanas e indígenas são línguas de oralidade e, nesse aspecto, as estruturas sintáticas em línguas de oralidade são as que apresentam papel decisivo na estruturação do português falado no Brasil. Portanto, não se trata de uma influencia fortuita como os “puristas” insistem em afirmar. São rasgos estruturais que constituem a materialidade discursiva do PB. Cabe esclarecer que a materialidade discursiva em AD (Análise do Discurso) constitui conceito que pressupõe necessariamente a historicidade da língua e, assim, se inscreve e forja a estrutura da própria língua, atribuindo à mesma uma identidade singular. Impõem-se então estudos futuros que reflitam do ponto de vista histórico-ideológico, as resultantes linguísticas mais marcantes do discurso dos sujeitos da amostra. Nesse sentido, uma análise do discurso não se dissocia das descrições sociolinguísticas, mas se complementa. De acordo com as análises preliminares desenvolvidas até o momento, confirmamos a hipótese segundo a qual o falante com grau mínimo de letramento tende a utilizar menos topicalizações. O fator idade é relevante na comunidade, pois se evidencia a tendência dos mais novos de utilizar bem menos estratégias de tópico em comparação aos mais velhos. As estruturas estudadas, incluindo as que apresentam anáforas pronominais, são fundamentalmente de língua falada com predomínio de falantes pouco ou nada letrados. Os fatores animacidade, distância e peso do SN são também fatores relevantes. Vale lembrar aqui que o estudo reitera princípio universal segundo o qual os processos anafóricos, através de pronomes, são predominantes quando os referentes carreiam os traços [+humano] e [+animado], nesta ordem, conforme proposição de Mollica de (1977). As anáforas pronominais tendem a incidir em contextos específicos, como vêm sendo atestado em 102 inúmeras pesquisas: pronomes não copiam pronomes; pronomes copiam sintagmas de base nominal em que N reúne primacialmente traços [+ humano] e [+ animado]. Segundo Mollica (2001) “a escolaridade (...) é importante para se constatar que a variante cortadora vai sendo preferida pelos falantes à medida que aumenta o nível escolar, nos casos em que as anáforas são precedidas de preposição”. A partir do segundo grau, os falantes só empregam anáforas com função de sujeito, mesmo assim se o fator distância estiver atuando. Vale então frisar que a escolarização atua para inibir o emprego das cópias nas sentenças relativas, que redundam no uso de variantes não standard, mas a força do componente funcional se sobrepõe, pois o fator distância passa a ser o mais importante. Tudo leva a crer que confirmamos as previsões de Tarallo e Correa (in: Kato, 1993) segundo as quais deve-se supor que os falantes preferem as construções de esquiva, em conformidade com as conclusões de Gomes (1995) que atesta que o português brasileiro vem sofrendo perda no sistema preposicional em alguns verbos, procurando a deriva da complementação direta. Ainda que pareça contraditório, tais fatos são prova também de que o PB tende a codificar estruturas topicalizadas. Cabe ainda salientar que o processamento é vetor crucial para a emergência de copiadores. Quanto maior o custo do processamento, medido por distância, complexidade sintática, presença de material interveniente, tanto mais provável o emprego de pronomes anafóricos cujo papel fundamental é o de recuperar o referente de grau alto de acessibilidade. Podemos ainda incluir neste trabalho o problema do preconceito em torno do português falado no Brasil que é ainda muito grande. Os estudos sobre o português do Brasil têm demonstrado que a variedade do PB difere, em muitos aspectos gramaticais, do português europeu. As evidências da forte influência do contato entre línguas na constituição do português brasileiro podem ser detectadas em dialetos rurais que ainda guardam as marcas desse processo. O português falado na comunidade de Barra e Bananal – BA pode ser considerado um retrato significativo das origens da língua popular do Brasil, remetendo para os primórdios da constituição de dialetos populares e fornecendo elementos para uma reconstrução linguística que traz à tona uma possível face de tais dialetos, enquanto estiveram relativamente livres da influência “da civilização”. Os estudos sobre o português falado em Barra e Bananal - BA nos mostraram algumas marcas de uma possível crioulização prévia. A sócio-história da fixação do português no Brasil contempla um forte contato entre línguas que se espalhou por todo país, nos quatro primeiros séculos de sua formação. As 103 diversas situações de contato linguístico viriam a provocar as diferenças que hoje são observadas entre a variedade europeia e a brasileira, e dessas situações sobrevivem principalmente as características advindas do contato com as línguas africanas que sempre tiveram presença marcante, durante a formação da nação brasileira pela utilização da mão-deobra escrava onde quer que se desenvolvesse alguma atividade economicamente produtiva. Desse modo, com o rareamento do uso da língua geral que aqui se falava, mediante a escassez da presença indígena, o português foi se espalhando, mediado, principalmente, por africanos e seus descendentes crioulos que a aprenderam através de um modelo difuso, fruto do contato linguístico. Mas a interrupção do tráfico de africanos e o desenvolvimento social da nação promoveria uma difusão dos modelos de língua portuguesa avaliados mais positivamente pela população, fazendo com que hoje se encontrem poucos “fragmentos” mais representativos das origens do português do Brasil. Entretanto, um olhar mais atento faz perceber que, nem mesmos as nossas variedades cultas negam as marcas do contato linguístico, pois o português culto passou a ser influenciado pelo popular, principalmente, a partir do século XIX com a chegada dos imigrantes estrangeiros que, em princípio, ingressaram nas camadas populares, mas conseguiram ascender socialmente, levando para o seio das classes médias e alta aquelas formas linguísticas características da fala popular que por sua vez traz mais acentuadas as características dos processos de transmissão linguística irregular (cf. Lucchesi, 2000). Entende-se que a profunda variação que se encontra na língua portuguesa do Brasil deve-se a esse amplo e intenso contato entre línguas ocorrido durante a sua formação, e do qual o dialeto de Barra e Bananal – BA constitui um fragmento revelador. No que diz respeito especificamente ao fenômeno da ordem dos constituintes no sintagma nominal, mais especificamente, as construções de tópico, acredita-se que esta pesquisa tenha contribuído para o debate que divide opiniões sobre as origens da nossa variedade do português, na medida em que as análises aqui realizadas demonstraram estar em consonância com o que parece ser mais sensato: a variação das regras do português do Brasil é função da formação sócio histórica do país, marcada pelo contato entre línguas. 104 9 REFERÊNCIAS ABRAÇADO, J. Ordem de palavras: da linguagem infantil ao português coloquial. 1. ed. Niterói: Ed. UFF, v. 1. 95 p. 2003. ABRAÇADO, J. & RONCARATI, C. (Orgs.) 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Todas as ocorrências aqui listadas estão separadas de acordo com a fala de cada informante. Atenção: As entrevistas não estão impressas na íntegra, aqui foram colocados apenas alguns trechos separados das CTs, pois não tenho os direitos autorais para publicá-los, uma vez que foram colhidas pelo Projeto Vertentes. Para maiores informações sobre a amostra em questão, entre em contato através do site: http://www.vertentes.ufba.br/rio-de-contas. PROJETO VERTENTES LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS-BA INFORMANTE 01 NOME: A. M. S. L. NASCIMENTO: São Paulo SEXO: F IDADE: 26 PAIS: Barra NÍVEL DE ESCOLARIDADE: Semianalfabeto (3ª série) ESTADA FORA DA COMUNIDADE: Sim (Bebedouro/SP – 11 meses) Doc: E lembra do seu tempo de menina? Inf.: Ah, eu lembro. Doc.: Quê... que, que, que a senhora fazia quando era menina? Inf.: Ah, eu brincava muito. Eu quando brincava, brincava de boneca, ca... caçano filho de passarinho pros mato, pra bêra dos rio, pegano peixe... é só... é só... é só brincano, caçano nossas bonequinha no mato. 114 Doc.: Bonequinha no mato, como? Inf.: As bonequinha que tem no mato, que é... tem aquele... que é cheia de cabelo. Das bonequinha que tem no mato... brincava de boneca que é... cheia de cabelo. Poquê meu pai levô minha mãe, Aí, mi... minha mãe veio embora, Quando eu cheguei aqui eu tinha um ano, mas nasci lá. Não, ele ficô lá. Aí, quem voltô foi só minha mãe. Aí, ele... ele veio aqui esses tempo... Tá com... com seis ano que ele vei aqui. Ele entrô pro banhêro, E lembra da construção da barragem? Inf. 01: Quando começô? Doc.: É. E a barragem... E que, como é que... o que é que... melhorô ô piorô a vida aqui Inf. 01: Ah... A barragem pra gente aqui... Ela pra gente aqui foi boa nada. Poquê as partes da terra melhô de gente prantá, A melhorinha mesmo só pro povo de Livramento. A terra melhó a água tomô. Arroz mesmo é pôca gente que pranta. E arroz aqui também, quase não dá também. Doc.: E dessa plantação, qual é a melhó plantação? Inf.: Ah, aqui o melhó mesmo é o... o fêjão. Porque as ôta... arroz mesmo é pôca gente que pranta. E arroz aqui também, quase não dá também. Porque num... num tem aduba, as terra num ajuda também... Zé... É o Zé, aquele que toca violão. Por parte de mãe, eu só tenho um. Por parte de pai, eu ainda tenho... Eu tenho seis irmão. A passeio. Agora, morada não. A passeio eu tenho vontade de ir. A ININT da casa vem e abre a porta, Eu levo pra roça, o ôto mais velho já olha... O mais velho tem seis... Vai fazê seis ano agora em fevereiro. 115 Ah, eu estudei até... Até com idade de doze ano. Ô até com idade de catorze ano, eu estudei. Eu entrei na escola, eu tinha sete anos. Eu fiz só até a terceira. Porque aqui a escola, também, é muito fraca também. Porque a dificulidade, que agora que ficô bom, Mas a dificulidade que era demais. Que as professora vinha de pé, de Rio de Contas aqui. O muito que ficava era uns dois, três mês. Elas num entregô as prova dos menino. É o vereadô Pedo... Pedão traz elas intera na entrada de Jiló. Leite, eles num tomam não. Ponhô ela na pinga e me deu pra mim bebê, aí não teve nada também. Ela é toda pernuda, ela. Ela num... Ela num tem boca, Ela tem um ferrôio, assim, ó. E ela morde e solta uma aguinha, aguinha que é o veneno. Eu tenho um tia que é... Que foi ofendida. Minha mãe inda era, minha mãe ainda era moça, ainda. Tirá um talo... Um talo de pau que tem, que chama ‘prana’. Aí, eles foi tirá essa ‘prana’, aí que ela e... Tá rapano, é, rapano a ‘prana’ sentada, aí, Que veio o, veio essa tal cobra, e disse que mordeu. Essas coisa, aí, sempre ela sente, ela... Sempre ela sente um pobrema, Assim, ela incha o... Ela incha o zo... O ôio, Aí, esse tempo ela vai tomano remédio. Mas em toda força de lua, ela sente. E diz que ela sente aquele formiguêro, Correndo no corpo dela, ela dá nervoso... Quando ela dá nervoso, que eu não sei, eu fico com medo, Eles internô ela por três dia, no hospital. De um pôco, começô a inchá nas perna, Labutano ela andava. Ela aí, ela camô. Ela recumperô, melhorô, 116 Aí, ela camô, aí ela deitô e também... Uma perna dela ficô dura. Aí, com três mês que ela ficô... Aquele sofrimento todo na cama, feriu toda... Que ela tava na cama, ela morreu. Minha mãe mesmo, ela sente problema de coração. Quando ela foi pra... Quando ela foi pra Salvadô, Ela tratô, pra num... Nunca mais, ela sentiu. Tem horas que a gente pensa que sara, mas num sara. Mas, graças a Deus, desde de quando ela veio de Salvadô, nunca mais, ela sentiu nada. O irmão dele, eles arrumam com algum motorista. E arrumam o caminhão, o dono do carro mesmo. A gruta é um, feito assim, um morro, A cidade era... Cidade assim... Grande, Quem conta assim é os mais velho. Hora de fic... De sentá assim, com os mais vei que ININT contá as coisa. Quem faz aqui é o meu, meu sogro faz. Quando ele arruma cana assim, ele faz. Quinze em quinze dia, ele vem aqui. Quando ele não vem, eu vô lá. Só que pra mim ir, a dificulidade é demais ININT Eu quando brincava, brincava de boneca, as bonequinha que tem no mato, Eu casei primeiro no civil, depois que eu casei na igreja. A festa... Festinha assim, num é... A gente chegô de noite, deu uma comidinha pro povo... [aos] pessoal que tinha ido... [aos] pessoal que tava aqui esperano, Agora em Natal mesmo, é a festa que eu mais a... Que eu mais gosto de ir. PROJETO VERTENTES LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS -BA NOME: A. S.S. NASCIMENTO: Barra INFORMANTE 04 SEXO: F IDADE: 37 PAIS: Barra 117 NIVEL DE ESCOLARIDADE: Analfabeta ESTADA FORA DA COMUNIDADE: sim (São Paulo – 6 anos ) doc: É... A senhora é nascida aqui? Inf.: É. Doc.: E... Os pais da senhora também? Inf.: Hum... Hum... Meu pai... Foi aquele mesmo que foi lá... Aquele mesmo é meu pai. Ieu num sei... Do... Ieu num sei do quê qu'ele tá trabaiano lá não, ele num manda falá. Ela vai começano, ela vai me... As costa vai dueno... Os menino, já tava tudo... Já tava tudo grandinho já. A gente morava tamém... De alugué tamém. A gente trabaiava assim... Assim... Em hotel, Na casa dele, foi... num tava nesse hotel não. Ele foi baliado lá também, nesse mesmo hotel. Nesse mesmo hospital... Levaro o ôtro que baliô... ‘Cê conhece dona Francilina, o esposo de dona Francilina e dona Odete lá na frente... É ela que é minha mãe. Eu fui pro médico, eles passô as injeção. É com a tosse, qu'evem... Ela vem com junto com a tosse. Tem, aquele menino mesmo de Laza, né, Zé? Eles tava caçando pequi, sabe? Aí agora el's foi pra pegá o pequi a coba pegô ele... Aqui tinha um home que chamava Bernadino Lauro, que morreu, tinha a peda dela, sabe? E aí, agora, nós ía lá, ela dava a peda, A gente tregava ela a peda. Ela cai de cima do teiado na cama Os tio da gente, a gente ía lá na cidade mesmo, em Som Paulo mesmo, a gente ía... Os tio da gente lá... Ah, ele mora no... interiô. DOC: Quantos filhos a senhora tem? INF: Eu tem cinco. DOC: Cinco? INF: Hum... DOC: Todos com saúde? 118 INF: ININT tem hora que gripa... que tem uma febre... uma coisa... uma dô de barriga, tem hora que é diarréia... tudo isso eles dá também. DOC: Qual é o que dá mais trabalho? INF: O mais... é... aquele ali também... já teve doente também. DOC: É? Teve o quê? INF: É que ele sentiu uns negóço ININT ele teve bastante doente... Esse mininu... ele quase que morreu ele. Aquele ali também... Já teve doente também. O mais... véi... aquele ali também... já teve doente Ele começô inchá... Inchar as perna... Eu gorda pra ganhá essa minina tamém... Aí eu tava muntcho... Tinha as perna inchada Tudo isso eles já teve... Sarampo... Catapora... Catapora, sarampo acho que já deu Doc: No tempo que a senhora era menina, a senhora lembra como é que era? Inf.: Lembro pôquinho... Doc.: Como é que era a vida nesse tempo? Era melhor ou pior? Inf.: Ah! Ieu acho que era melhó. Doc.: É? Inf.: Minha vida, quando eu era mais pequena, a vida era mais melhó. Ia ficano mocinha, a vida era mais melhó, Os povo de hoje é... Parece que num tem medo de nada... Minha mãe mais meu pai... Já plantô Esse mesmo que foi... Ele foi... Qui ele é casado tamém, Eles e meu marido também, eles dois ININT diz que vem buscá a famía. Agora eu tô esperano ele que ele falô Ele escreveu pra mim, tá com mês, Eu ia... Mais depois qui eu doeci, eu num fui mais não. E a gente num... Vai num... Num compra quase nada As rôpa mesmo... Parece que é mais barato de que aqui... As carne lá é tudo congelado 119 PROJETO VERTENTES LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS -BA NOME: N. J.S. NASCIMENTO: Barra INFORMANTE 05 SEXO: M IDADE: 26 PAIS: Barra NIVEL DE ESCOLARIDADE: Semianalfabeto (só a 1a. Série - por quatro anos) ESTADA FORA DA COMUNIDADE: Sim (São Paulo – 6 meses) Um leva, o ôto zela... Pió poque fica ‘niquilada a criação A pessoa criano mais pôco Tempo da seca quan'num tá choveno ... [A] gente... Procura ração, joga pra eles.. É... Era pequeno, o mais pequeno [de] todos... Mais velho é um... É ôtro irmão meu. Eu só tenho um que mora em Livramento, só. Ele... As vez ele trabaia assim em lavora, Eu tenho... Vinte e seis, Transporte, quase que num tinha, Né, mas transportar [sic] mais... Só de animal mesmo. Qualqué cosinha pra viajá tem que sê de carro mesmo. A base de meio dia a gente chega... Tamo lá. Pico das Almas eu num conheço... Esses lugá daqui... Eu ando direto... Conheço tudo aí. A água tamém esfria um pôco. A água é legal, toma um banhozinho (ININT) Costumo sim, sempre eu vô lá passeá. Tempo de festa, assim... O luga[re] mais perto que a gente tem que ir é por lá mesmo, né A gente vamo lá, diverti(r) um pôco. 120 A gente... Até que quando... A gente vai... A gente vamo... A carro, ININT vamo montado... A gente num vamo de carro, A gente vamo... Vamo montado, A farinha de mandioca... Rela ela... A gente’ranca, raspa ela, né? A gente... Rela, ceva ela que... Fica tipo uma massa, né ? Achei legal... A cidade. Pronto, me acostumei. Aí eu peguei logo a prática também lá, acostumei com o lugá. Pessoa num tivé cuidado né, morre de graça, mesmo. Muitas pessoa aqui que fôro pa lá que num volta mais. Carro bate, mata. Eu só vim mesmo depois. Vim com meu irmão, meu irmão tava lá que... Sempre andava com ele. No trem eu andava sozinho. [ônibu], tomava o [ônibo], pa rodoviara. Mas num tem mesmo eu num tinha costume de andá. De ônibu, eu andava, gostava que... Que... Eu conhecia, né ? E... O serviço fica meno. As coisa fica tudo levinho, De prédio... De prédio. Eles tava... Construíno um mercado lá. Ficava lá... Lugá chamado Vila Maria. A gente morava pertinho d'aí. A firma dava alojamento pra gente lá... Confusão num... Eles num deixava. Tinha um guarda lá, se um tomasse uma pinga demais, ele já tirava logo pa fora. A vez o pessoá de roça, eles num tem o costume de andá. Mais acanhado, tal, os pessoá mais velho mesmo. No rio aí, no rio, na baixada um poquinho, pelos morro, por'aí. As terra melhó... A água pego. As terra melhó, que dava bastante roça, roça melhó, aí, a água pegô. Fazendola, que é um lugar mais [caro], pôca casa, num tem luz. Sertaneja, eu gosto mais de ouvi(r), né... (ININT) [populá]. Eu joguei bola... Mas agora a gente parô. 121 PROJETO VERTENTES LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS -BA INFORMANTE 07 NOME: V. N.N. SEXO: F IDADE: 26 NASCIMENTO: Bananal PAIS: Bananal NIVEL DE ESCOLARIDADE: Semianalfabeto (primário em Rio de Contas) ESTADA FORA DA COMUNIDADE: Não (apenas estadas em localidades vizinhas) Encontraro um cascavel tinha nove anos e meio. Porque ela tem idade! A professora era ótima... Só teve uma professora! Minha avó morava... Era... Ela morava lá no riacho das Pedras! O Alan aqui é professô, mas ele diz que ensinar dá muito trabalho. Ana Maria, que era minha amiga... Ela estuda em Livramento hoje em dia! Ela vai formar ININT ainda eu acho! Meus dois irmão, Maria e tinha mais ôtos dois! Eles... Era mais adiantado do que eu, né? O mais velho estudava de assistente lá; como assistente... Poque ele num tinha mais idade de matriculá! Mucelino, Maria, Domingos. Eles sabe lê bastante e aprendero com os professore! No tempo antigo do meu avô, o pai dela, que ele sempre dizia que os antigo falava que ali inda ia sê... Encontrado ali no... Que eles achava difíci, né? Que Rio das Pedra incontrô com Brumado. Eles encontraro lá no... No ri onde o povo morava. E o lobisome, purquê deita e gente depois vem. Ele t'aí tamém essa pessoa que vira o lobisome. Vai dormi todo mundo, condé... De noite, ele sai, torna chegá, ninguém vê; É minha prima. Ela e o parente dela. Minha prima... ela mora... ela mora... ela ta ni Curitiba. Aqui tem um'a menina, a fia de Palmira ela num dança, não! Ela nunca dançô! A gente põe aí no terreiro aí ele seca com o sol. É a garapa. Ela... Quand’a gente prepara... Ela na... Na... Nas turbina, Ela fica... Ela fica branquinha, né? Quem sabe é Miguel, meu irmão, ele... Ele já ‘estilô muintcha pinga 122 Eu falei po encarregado lá, ele falou “não, vou lhe mandá lá pá...”. Água quente é perigoso. Ah, ela queima a gente'tudo, Que ela dá... Ela fica... Ela fica dano lapada assim, Feijão nascido, num come não, ele amarga. O nome dele era até Fernando. Ele garimpou bastante tempo aí. Cascavé... Ele é difici da gente vê ele aqui. O menino começô com... Ele começô... Com aquela gripe, né, e da gripe ele começô ficano cansado. Dotô Pedo, que lá o prefeito, que ele é prefeito e dotô, né, Seu Pedro... Ele conheceu que o menino num ia escapá, né. A muié... Que ela... Ela já... Já... Já é fininha de coro. Miguel que é funerário que abre a seputura. Foi... Poromonia A. Ela é uma doença forte aquela ali. PROJETO VERTENTES LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS-BA INFORMANTE 08 NOME: J. L. F. L. SEXO: M NASCIMENTO: Riacho das Pedras IDADE: 55 PAIS: Barra (mãe) e Riacho das Pedras (pai) NIVEL DE ESCOLARIDADE: Analfabeto ESTADA FORA DA COMUNIDADE: sim (São Paulo – 6 MESES) Ontem... Ontem mesmo a gente tava falano sobre a situação aqui da Barra. De primêro a coisa era muntcho mais difíce. Co... Cobra aqui é difici de vê cobra, uma por'aí. Uma aqui já. ININT matá cobra ININT uma cascavel no mêi do terrero. Ele desce do morro pá bebê água, Agora, bicho ruim de matá é jaracuçu. Muito difíci purque ele não espera. Se ele escondê a cabeça, Lacraia aqui também aparece bastante. Aparece bastante lacraia também. 123 Lacraia ININT quase todo dia matava lacraia aqui, Lacraia já fui mordido muitas vez. Ago'lacraia é trabáio perdido. Lacraia mordê uma pessoa, cê espremê o lugá... O destino da gente é... É de chegar em casa, né? Nossas festinha quando tem aqui, gosto. Toda vida. Toda vida eu gostei dum sambinha. Os terno antigamente tinha mais gente, tinha mais terno. Doc.: O fumo pega mais? Inf.: O fumo pega mais do que a cachaça. A cachaça eu bebo todo dia. Se eu todo dia eu fô lá na praça. Se eu não fô lá na praça, eu não bebo. E tem dia qu'eu vô lá e num bebo. É puque a cana, ela deve... A terra... Ela se torna assim uma terra dura. Porque a... a raiz do fêjão ela... Ela num... Num consegue... Não, até que a cana num dá muito trabaio, não! A cana cê prantô ela... Ela brotô. Cê num dêxa ININT se ela pegá essa posição aqui, ó... [ela] começô fechá a terra, [agora] vai embora. É coisa com ano, ano e meio, acabô de morrê. Bom, a mandioca depende do lugá, né? O lugá donde a terra é forte e ININT. Rio de Contas tem... Tem gente que tem Trovão. Esse... Tem aquele nome... Aquele ININT cumé qu'ele chama? É, ele é dessa... Dessa família PROJETO VERTENTES LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS -BA INFORMANTE 09 NOME: C. L. N. SEXO: M IDADE: 43 124 NASCIMENTO: Barra PAIS: Barra NIVEL DE ESCOLARIDADE: Semianalfabeto (4ª série) ESTADA FORA DA COMUNIDADE: Sim (São Paulo -10 anos) O mais véi foi eu e ôto mais novo, esse mora em Sã Paulo. O mais véi foi eu, Foi o primeiro filho, depois o ôto, o pequenino. Então meu pai eu num cheguei a conh... A ter conhecimento não porque quando ele morreu, diz qu'eu tinha uns três ano de idade. Eles tinha criação tomém, trabalhava com a terra. Ocê pranta, vamo supô, um quadro de feijão Ô se pranta o feijão junto com amendoim, No-... Noventa, cem dia, o... O... Noventa dia, cem dia, ele tá... Ele tá maduro, O amendoim tá bom de rancá, de colhê. Que a momona, cê pranta ela de ma, Ai quando ela pega de certas posição ela começa a cacheá, Ela sai um cacho hoje e aquele cacho que sai hoje, Aquele que sai hoje chega primeiro. Você vai num pé tem dois... Saiu dois cacho hoje de vez, no ôtro saiu... No ôto saiu três é assim; Que a terra as vez é mais forte, Os cacho que ele a vez já de... Custô sai(r) mais. Fomo lá no italiano, o italiano gostô muito, Meu irmão entrô na Camalho Correa, ele... Ele é tamém era inteligentizim qu'é Medonho. Ele inda hoje é operadô de maquana, é... É armadô, é... É... Quarquê coisa, Ele... Entrô na Camalho Correa, Então ele... Tudo isso ele tem experiênça. Ele tinha um barraco feita de maderite. Cê sabe, de maderite? Só na Camalho Correa mesmo, Ele passô sete ano. Depois com tempo, passô um... Uma rede de esgoto, Vinte e tantos ano, que mora lá. 125 Esses dez minuto, qu'eu tô demorano aqui, Você salva uma pessoa, a vez assim, de morrê. Se fô de morre... tomém num tem carreira que você faz, Fazendola, Carambola, queima uma pessoa, ôta hora ôta pessoa cai, quebra o braço, O cara... Sai daqui que chega em casa, Que a muié dele, ô menina ou qualquer coisa... Vô fazê o quê? Deu naquele hora, a coisa de... A criança nascê, A mulhé vai segurá pra num tê aquela criança ? O freio é mais... No freio era com esse só. eu namorava mais essa muié qu'eu... Qu'é minha, Eu passava bem lá de frente a casa de meu sogro, ele tava lá no terrero: A viage e tal, você vai tê que esperá e tal... 'Eu faço três ô quatro viage ô cinco, mas a vez elas num é a dinheiro. Tal dinheiro que tem, não dá lhe pagá ô então eu pago d'uma vez, Aqui se fô i(r) na cidade, buscá um carro lá na cidade, pa vim aqui pegá uma pessoa, Eu faço por menos de que ele vinte ou trinta conto, mas o preço qu'ele paga numa S'eu fô botá no meu, é o mesmo preço. Nas baixada, nas vazante do rio... Que fica no rio, num lugá que chama Lagoa. Até a... A casa véia ali, que meu tio Godofredo tá fazeno uma casa ali pelo lote. Vida, eu vô derrubá essa cosa qu'eu tenho que coisa... Cê véve da boa, cem ano vive, cê véve. O pessoal aqui num é de briga não, mas tem, sempre, as vez discussão... Tem pessoa de tê dez, doze filho, dezoito filho, oito, onze, PROJETO VERTENTES LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS -BA INFORMANTE 11 NOME: V. P. Dos S. SEXO: F IDADE: 42 NASCIMENTO: Barra PAIS: Barra NIVEL DE ESCOLARIDADE: Semianalfabeta ESTADA FORA DA COMUNIDADE: São Paulo (11 meses) 126 Porque a veinha faleceu, minha mãe. O remédio era só aquele. Andano com o porretinho que nem cês viram aí. Até no dia dela morrê ela ainda levantava na cama, Eu e meu marido, que gente pegava muito peso, Que esse prefeito véi que vai sai agora entrô lá, na prefeitura. Ela chama Ana, mas a gente chama ela Sá Ana. Aquela veia tá dentro de noventa e três ano. Na Lapa do Bom Jesus? Ela nunca foi. Eu fretei o carro do menino aí, só a fim dela assisti o casamento da neta dela; Eu levei ela. E eu fui antes, mas meu marido ficô aqui com ela, O menino sai pra rua, anda bestano por aí, Meu pai mais minha mãe nunca me recramô em nada. Tudo que eles queria, ieu queria. Pra mim eu achei que aquilo, o baque foi maior. E que no dia dela morrer ela não deixava eu sozinha. E a casa tava cheia de gente, principalmente os esprito dela. Na hora dela morrer chamô tanta gente, Que eu nem sei de onde saiu tanta gente, que essa casa encheu. E ela nesse quarto aí, e o pessoal foi chegano, foi chegano, e ela falano: E esse pessoal do Carmo aí na rua, que... Tudo amigo da gente, principalmente ele é padrinho do meu filho também. Carmo e o irmão dele, eles arrumam com algum motorista. O pessoal daqui dessa rua aí, em Bananal, acho que era poucas família que não tinha aqui. Coisa fora de série, moço. É.’chô arrumá um cafezinho p’ocê tomá. É... Que, tudo que a gente queria a patroa dava a gente, Esses tio meu é doidinho pra gente ir pra lá. Mas, eles qué que a gente vamo pra casa deles. Conhece a família de Ninio?Ali eles... viu falá na rua de João Marque? Naquela rua da caixa econônica, econônica, é... Tive três filho. O primeiro parto, de dois, geme, e essa segunda, foi que eu tratei... Foi hospital, é... Não tive criança aqui na roça não. É... Os primeiro, o primeiro parto, os filho nasceu doente. A menina, porque foi geme, a menina morreu com três dia de nascida. E o menino, o male de quatorze dia. Foi um casal. INF Até que eu com esses dois filho na barriga eu não se incomodei muito igual foi essa segunda. 127 Essa segunda... Ela era uma menina muito forte, a menina forte, muito bonita, muito morena Agora, as coisinha de casa... a gente fazia. É Meu marido mesmo tá com cinquenta... Cinquenta... Vai passá pra cinquenta e quatro ano agora. Ele foi na Lapa agora depois que a gente casemo. Ele nunca tinha ido na Lapa. Francilina, aquela dona Francilina Ela é minha tia, que ela é irmã da minha mãe Ela tem um problema de uma doença. A bondade dela é que ela é uma pessoa assim, que não deita, é em pé. Um problema no estômudo. E esse problema no estômudo mexe o corpo todinho. “- Eu tô alimentano, mas eu tô esmagueceno, Nesse lugar nosso aqui, do povo moradô, aqui só tem duas pessoa que ele estranha. É aquele, aquela mulher daquele mané, o irmão do Carmo. Ela é cunhada do Carmo, né? A Pomba. A mãe da Diana, da Dinha... É... Ele estranha... Aquele terreno lá, meu marido tem lá também. Meu marido, a gente trabaia lá, Já deixa almoço ININT e tem que ir pra roça. Quando é agora em Dezembro, a chuva tá mais devagar. Doc.: A senhora aprendeu a assinar o nome, não? Inf. Aprendi. É. Eu posso dize que eu não fiquei na escola. Fiquei um mês e quinze dia na escola. É. Mas foi de minha vontade assim, então ora que a gente tinha que trabaiá pra compra um lápis, tinha que trabaiá pra compra um caderno, o abc chamado, né... Então meu pai, nada disso ele não dava. Agora hoje, a gente não sabe nem que é viva e nem que é morta, Porque agora m Janeiro já vai passa ... Assim, tá no lugar das mais velha. Mas as velha faleceu, né? PROJETO VERTENTES LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS-BA 128 INFORMANTE 13 NOME: P. M.L. SEXO: F IDADE: 47 NASCIMENTO: Bananal PAIS: Bananal NIVEL DE ESCOLARIDADE: Semianalfabeta ESTADA FORA DA COMUNIDADE: Não DOC - Sim, o pai e a mãe? INF - É. DOC - É daqui do Bananal mesmo? INF - Hum. Meu pai era filho daqui do Bananá; minha mãe também... Tem dois córgo e eles ININT bastante, E arroz é só mesmo terra a mais molhada, viu ININT. Não mei dia eu vim aqui! Eu cheguei a çoiá mei dia e meio. Qu'eu não tenho... Meu pai... Poque... Ele saiu daqui nós era pequeno... Ela sentia assim problema de coração. O problema qu'ela sentia era esse. Todo médico... Todo lugá que nós levava no médico só acusava isso. O marido de Maria. É irmão meu! Maria, aquela que tava mas'eu! Ele é irmão meu! Nós... Ela só tem... Só tem... Nós só tem... Nós só tem dois irmão. Edvaldo tem problema de úça! Ele ficô internado. A úça dele estrangalô... A terra foi da finada minha mãe. E aí agora é nossa. Nosso trabaio. Tudo isso... Eu peguei! - Hum! Vez memo meu marido doeceu aqui, precisaro levá ele na cadêra. A menina tava catano capim café, a cobra pegô ela. Tem dois'ano qu'eu fui. O ano passado e esse ano eu não vô não! Hum! vô passá Natal em casa mesmo! Minha viage é pra Lapa do Bom Jesus e Ipuaçu. Doc.: A senhora nunca foi a São Paulo? Inf.: Não senhô. Doc.: Hum! Inf.: Quem sempre vai a São Paulo é meu marido, mas'eu não nunca fui! Doc.: Hum! E gostaria de ir? Inf.: Ele? 129 Doc.: A senhora. Inf.: Eu...? Sei lá! ININT. Eu tenho vontade de ir na Aparecida. Inf.: Na Aparicida, eu tenho um ano com vontade de ir! Agora, em São Paulo não! Na Aparicida, eu tenho um ano com vontade de ir! São Paulo, diz o povo qu'é munto... É munto violenta A pessoa... Assim que nunca andô... Vai passeá mais [ôta]. A situação esse ano não deu pa passá na cidade não! Esse ano... Esse ano as coisa foi tão devagá pa gente! A roça... A lavôra do ano passado, que a gente véve da lavôra, né? A lavôra do ano passado a gente perdeu tudo! Fêjão... As mandioca já... ININT a água... As terra embrejô. Ituaçu, eu já fui quato vez. PROJETO VERTENTES LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS-BA INFORMANTE 20 NOME: E. C. A. SEXO: M NASCIMENTO: Bananal IDADE: 77 PAIS: Bananal NIVEL DE ESCOLARIDADE: Analfabeto ESTADA FORA DA COMUNIDADE: Não O ano passado, ieu tava nesse tempo... E eu tava gritano aqui, com essas perna. Mas, eu, é por que... Eu é a variza... Eu tenho muita variza na perna... Ieu sinto, mas é as variza, o problema das varize. ININT. E Ela meorô... Mas trabalho, num fui não. Sarvadô qu’é meu lugá, eu não conheço. Eu preciso ir em Sarvadô. Era de meu avô... Essa casa aí... Era desse sito que era dele. Os mais velho. Eu já sô quinto. Quando eu cheguei já estava aí [ele] Num nosso terreno aqui, foi onde a barrage prejudicô... Foi onde foi o nosso, porque é... Foi a maioria. Eu... Eu... Vô... Vô... Mostrá [ela]... Ela num pegô ali? Pegô no meu terreno de... De lá, e foi até em cima, na ponta daquela serrinha 130 Uma canoa... E de estambo de lá e estambo de cá, né? O ano passado, que tá com um ano e pôco... Eu tenho um terreno aí... Ela subiu e eu tinha um quarto de mandioca lá que dava... Uns vinte saco de farinha... [uns vinte um]... O ôto [pegava] mandioca aí, o... O Durval mais as meninas aí e... Que dava uns trinta saco de farinha... E a barrage vinha assim, e num tinha canoa e o... E dêxa perdê tudo e eu perdi fêjão. A mandioca minha foi arrancada pela metade... Nós fez uns trinta saco, então faltô. Você me pagô aqui o quê? Me pagô minhas bananêra, meus cafezêro, meus pé de manguêra... Hoje em dia, não faz nem isso mais... De primêro, a gente vadiava muntcho e coisa... Hoje em dia a gente não vadeia... Aqui pra nós ‘inda tá isolado. ‘Inda num tá teno... Num tem escola... Num tem nada... Aqui tem uma escolinha... [pequenininha]... Boba aí, mas no... Num tem luz... Não tem nada... Eu não sei por quê... Diz que o [lugá] é pequeno, né? Ieu tem dez fio... Oito fio... Eles num qué ficá aqui. Aí é que tá... Em São Paulo tem quatro. Por que tá esse em São Paulo? É porque acha que aqui num tá dano pra... Ficá. Lá ganha pôco. Ganha pouco, mas tem a sua condição... Trabaia bem... Aprendeu a... A... Trabalha de emprêtêro... Ôto trabalha em banco... Se vão... E [volta]... E... Tá melhó, né. E esse meu que veio aqui o ano passado? Esse tá lá... Lá em São Paulo, num lugá que chama Lapa. ‘Cê vê falá? Lapa de São Paulo... Ele trabalhava de guarda. Trabalhou lá uns cinco ano de guarda, mas depois... Já eu venho... Já saiu de guarda, já trabaia ne outras condição...trabaia muntcho... E é assim... [Numa], trabalha de empretêra que é... Que é... Que é jovem... Trabalha em seis posição... Um [ano] qu’eu tive em São Paulo... Ele trabalha em qualqué posição que bote ele. Trabalha de empretêro... Trabalha no metrono... Trabalha no de cho... Choferista de carro bom... Carro de seis... Ele trabaia com isso... Com carro... Qualqué trabalho... Encanadô... Côsa de luz... Ele aprendeu lá... Em São Paulo. Entom, ‘cê num vem ficá aqui... Tá veno? Ieu tô aqui. Fez uma casa de dois andare... Uma sala embáxo, outra em cima. ININT Ele qué me levá pra lá. Pra quê?... Mas eu só ficá... Sentado assim... Num... ‘Grada... ‘grada, mas pra mim num não dá porque... Eu já tô com uma idade ‘vançada... Num posso... Arrumá um trabalho de cartêra... São Paulo é serva. Eu chego lá... Eu trabaio ININT... Trabaio por aí. Mas não pode [me] botá num trabaio, só se eu ficá... Só se num assinare ca... 131 A cartêra dele, né?.. Ah... Vá. Eu num tentava porque... Eu já passei de setenta... [eles ‘vestigam]... Num tem nada, porque... Um velho de setenta anos, né? Num pode trabaiá com cartêra, né? Hein? Mas sim... Mas se a aposentadoria não tá dano pa ININT. [Eu] Precisa trabalhá, viu? Entonce, ieu... Ieu num trabaio... Lá, só se... Pra mim ficá sentado, não... Qu’eu [‘inda] trabaio na roça. Trabaio na roça aí.... ININT Oie moço, eu trabaio na roça o dia inteiro... Mas [faço trabalho ne condução]... Eu num posso assiná... Já passô da era. Tô com setenta e sete ano... Venha cá... Quem nasce em quinze, que ano que já pode tê? Eu nasci em quinze... Comigo... Então... Aí... Eu tô mentino? Eu trabaiei... Mas, pra mim, eu trabaiei foi muntcho tempo aí... Pescano... Assim... Corria... Num tinha barrage, né? Chegava bem na bêra do ri’, cortava o... O barranco assim, né? Cortava ele... Uma grama por dezenove... É... Min réis. O moço lá ia vendê... An... Antônio Mata... Tem a maioria do Mato Grosso qu’era rico... Agora o moço de Rio de Conta... Comprava a dezenove cruzêro. Eu vendi muntcho... [a] dezenove cruzêro uma grama... A cana de Maracaí, ieu vi lá a... Fininha e pequena... Mas a parte de Arapiranga... Arapiranga eu conheci, [que] chama o arraiá. PROJETO VERTENTES LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS - BA INFORMANTE 21 SEXO: F NOME: Germínia. M. J NASCIMENTO: Barra PAIS: Barra NÍVEL DE ESCOLARIDADE: Analfabeta ESTADA FORA DA COMUNIDADE: Não IDADE:74 anos 132 É as galinha, num é? Serve, bota um ovo, serve... A gente de vez em quando mata uma vende, vende uma tá servino né... A gente prende a... Os... Os bichinho É... Quer dizê que nós cria uma criaçãozinha. Enta aquela serra lá e se tá vendo lá, aí aqui de... Que... Que a gente num vê ele não... O povo chega e todo mundo que chega de fora vai ai no Mato Gosso e coisa. Ia...ININT Mato Gosso... Chamava Mato Gosso... Lugar. ININT tá com nome de Mato Gosso e é Mato Gosso mesmo. Eliseu fica aqui com a perna doeno, gemeno e bateno sozinho nesses fejão aqui. Agora foi que eu cheguei, panhei a enxadinha e vim... Judano ele aqui, ontem enquanto esquentava eu tava na bêra da porta limpano lá... Só tem nós e uma moça, essa moça que nem num para, coitada, daqui pra acolá. Agora mesmo ela já largou a enxada e já foi lá... É, pensa que a véia é besta mas eu penso que acho que ela é assim. o fejão reganhano, nasceno tudo, poque fejão num guenta chu... Num guenta água não... Na mesma hora eles grela tudo. Agora teve aqui no Adenoque conde cabô de fazê essa barrage aí, aí agora ele foi pa Sarvadô ININT esse fi do dotô João, do dotô João. É os empregado assim que... Trabaia no... Naquelas firma e... Tem o avião e na hora que dá naquelas hora eles vem embora... No ôto dia eles torna a ir sompalêro... sompalêro o mundo deve ter muita gente num é? Memo da fôrma que faz chapéu pa muié. Não, já faz dias que ele tá feito... Esses dois chapéu aí já foi de encomenda... Eu tô veno a hora que o rapar chega que me encomendeu o chapéu, E coisa eu tô divertino, divertino com o chapeuzim. Mas a páia tomém, viu, é comprada, Menino, aqui num tem não, aqui num tem páia não, Que aquele Ana, aquela Ana véia ali era fazedêra me ensinô eu trançá. Isso, me ensinô eu trançá e costurá e eu faço. Desde mo... De... De moça... De moça que ele era moça moderna que o povo dela as... A tia dela, o povo dela sabia fazê, Aí agora ensinô ela tomém, hoje em dia que ela já tá véia. Cabeça dela, ela disse que num tá dano pa isso, 133 Mas ela, viu, faz um chapéu que nenhum... Que nem uma mantega... Até agora que assim memo mas ela inda trapaia no trançá e coisa mas assim ôto dia mesmo, ela fez um chapéu da seda, da seda dessa páia... Ela fez po... P`um pa... Po pade da... Do Rio de Conta. Ela... Ela tem uma... Um casco aqui por dento A Ana sabe fazê, ela num faz mais, Poque isso rapado vira que nem a peninha de galinha, Aí agora eu casei, eu que prendi trançá esses... Esses babalaco. Usava, toda vida usô... Usô chapéu. Que nem era uns chapeuzãos pareceno um bêra... Aqui chamava bêra mar. Esse tal ININT aí, é irmão meu. Meio irmão meu... Aquele Ilido, Que mora lá pa trás do cimitero tomém é irmão meu, chama Ilido. O pai de Zé, Ilido. Ilido e Olindo e uma... Uma... Uma muié tomém que tem... Que casada, que chama Chiquinha, Francisca, lá no Giló, lá no Giló, ocê já passô lá... Isso, ela é irmão, é irmão meu. PROJETO VERTENTES LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS - BA INFORMANTE 24 NOME: R. M. J. S SEXO: F NASCIMENTO: Barra IDADE: 75 anos PAIS: Barra NÍVEL DE ESCOLARIDADE: Analfabeta ESTADA FORA DA COMUNIDADE: Não Cruzado, co acho que ‘ocês num conheceu esse dinheiro. Fazia uma farinhazinha, levava, vendia baratinho... E a vida era... Era pesada, neném. É... A vida era pesada, meu bem, A mãe já tem um... Uns dez ano de afalecida... 134 Todo mundo é meu fio, meu irmão... Todo mundo é... É meu. Prantá... Tratá... Era tudo na enxada. Doc.: Não. Eu digo... cê tem viajado fora daqui? Inf. 24: [Ieu]? Doc.: É. São Paulo, por exemplo. Inf. 24: Já fui uma vez. Doc.: Ah é? Inf. 24: Já. Sarvador eu tive lá mês de malço, abrile. Fui lá, mais ININT uma muié daí, Ninha Brandão, aí de Rí de Conta. A Lapa, já tem bem um... Umas vinte e cinco viage. Na Lapa, na gruta tamém já tem bem umas dez viage... É... A gruta do Bom Jesus. Se fô até p’ocê ficá o dia andano dento da gruta, o senhore anda. E por aqui... Livramento por aqui mesmo é... É... É o pasto da gente. Por lá o povo tudo branco, é lugá de branco. É tudo de branco. É a fazendola tamém... As festas aqui, meu irmão... É... É os que o senhore vê que antigamente era uma coisa e agora tá seno ôtra, num é? É... Tudo deferençô, mas... A ... até que aumentô mais os festejo, de quando chegô esses padre novato... As festa aqui era um... Uma missa no ano. Esse povo ô eles é de São Paulo ô de Sarvadô. O pessoale de fora, quando chêga, aí gente conhece mais ô meno... Tem, meu fí. É, de vez em quando parece pr’ aí uns cascavéio, jaracuçu, ge... Mas ocê vê que é mato, né? É... Ocê vê que aqui de vez em quando ‘parece. Aqui mesmo tem um cruzeiro aí, uma passage tinino de cascavéi. A menina fo... Evinha da roça, o sole entrano, o cascavéi pegô ela, a noite inteira ficô ruinzinha... no ‘manhecê do dia, morreu. De bicho que já me pegô foi lacraia... sô mordida de lacraia umas cinco vez, um gato danado tamém me mordeu, eu acho que é... Gato danado. E depois sofreno das vista, acho que junta a idade e... A ... E esses... Veneno desses bicho, meu irmão... Tô trabaiano porque eu sô obrigada a trabaiá, mas as vista muntcho, muntcho aborrecida A barrage aqui pra nós, bem, deu até uns prejuízo, neném. 135 É, vigia que a agu... Água tá subino, vigia que eu prantei umas... Umas mudinha de côve, uns pé de abrobêra, a semana passada tava em fulô, aí quando eu cheguei lá a água tava cobrino, meu bem. Tá verdinha, meu fí, ói, verdinha. Tava dento d’água, neném. Era as parteira um que servia às muié, é... Mas era...era aqui mesmo. É. Hoje em dia não porque as coisa tá tudo mais ô meno, tá tudo adiantado. A que fosse de morrê, morria. A que fosse de vivê, vivia... Mas era... Era aqui mesmo. É. É... Mas... Esse ano aqui as coisa foi tudo pôco. Quem sabe, meu bem. Ah... É devido aos pecado dos... Dos pecadô. Num sei não, mas que aqui as coisa deu... Deu esse ano devagá, deu. Esse ano... só plantei o milho e o feijão. Ô, bem, de vez em quando dá... Dá uma chuvaada, é, dá... Tá dando [po] pessoar tá trabaiano. É, o povo tá tombano, tá... Tá roçano, tá prantano, tá limpano... Mas as... As fruta, ó lá as mangueira, ói, tão tudo devagazim, aqui esses pé de arucuia... É vai florá d’agora de janeiro pa feverêro. Cê conhece a urucuia? Ah... É... É aquele corantezim. É o corante. As coisa aqui é devagá, o lugá é fraco, é O povo tudo pobre, ___ tudo preto, _____ tudo fêi. DOC (2): A senhora usa pequi para cozinhá? INF (24): Quando ele dá, eu conzinho... gente faz óleo. Faz, é, faz óleo, conzinha [parruê], põe no arroz, numa abóbra, é. [Caçado] muntcho pequi e decascado, bota na lata e... Ponha no fogo e aí agora a hora que ele conzinha cê põe no pilão e pisa. Um irmão de Antoim Trindade. Eu tava lá no Rí de Conta e ele falô: Dona senhora, num tem um lito de óleo de pequi pa me vendê... E eu falei: Compade, ieu tem lá em casa um lito de óleo, mas tá em casa. Um motorista que tem aqui, e... Quando dá de tarde, nós vem embora. Não, é pa levá, poque ela... Ela depois de partida e... E... Ela fica pôquinha. O pessoale gente boa... É... Pessoale bom. É, o pessoal diz que aqui que é bom. Tem um mascate que ele diz que é de... De Conquista, Lugá sossegado e ieu falei: ói, meu fí, o lugá aqui é fraco. O padre Carlo. Ocê conhece ele? 136 Era nosso vigaro daqui, um vigaro de confiança. Acho que ele teve aqui bem uns vinte e cinco ano, O pessoal tá... Tá gavano ele muito. Esse povo de Sum Paulo num vêi não, as estudante. É, é adonde que... Acho que toda parage... Acho ... Que tem a comunidade. A vez no ano... A vez daqui até as festa ocês inda tá por aqui. O povo tudo besta, tudo fêi, tudo preto, tudo pobre. Os de Som Paulo, os daqui quando... Lá na roça, essa moça teve lá mais eu. PROJETO VERTENTES LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS -BA INFORMANTE 26 NOME: I. J. S. SEXO: M NASCIMENTO: Barra PAIS: Barra IDADE: 68 NIVEL DE ESCOLARIDADE: Semianalfabeto ESTADA FORA DA COMUNIDADE: Sim. São Paulo (seis anos) Mas a hora que o mo... Mormaço vem é quente, né? Mas... ‘costuma... Na hora que esquenta assim tamém é...é pra chovê. Ô... [A hora que] a gente [já] [vem] do garrancho pr’aí é [boa]...é bem à toa. Ma num é porque num tem rôpa não, É que vai tê que andá. Rôpa tamém tem, graças a Deus, por aí. Ô... hoje num sente farta de rôpa não, Ele tem um mê que muntcha... muntcha go'de rôpa. Rôpa, caba uma, joga lá, peraí, veste ôtra, ININT rôpa. É um... Um lugá greiçado... De catinga... Nem num é catinga e nem é gerais, é um lugá assim... Olha... Garimpo... D’uns tempo pra cá, o... O pessoal por aqui até... Até deixô de garimpá, Tá... En... Envorveno mais em negoço de roça... De lavrôra... É... De lavrôra. 137 Um grão era um... Era uns... Era um... Era um mirréis... Mas dinhêro de garimpo... vem fácil e vai fácil, né? É. Mas a gente caçô o que... O que num guardô. Um tal de diamante, eu mermo nem conheço ele. Aqui do Bananal pa cima, quase que num empatô não. Agora aí pra báxo, esses fundo aí pra báxo, até no Rio de Conta.... Aquelas báxa... Aqueles lugá... Aquelas coisa... Ali tomô tudo... Tomô tudo... Agora, aqui pra nós... Só... Só empatô mais a passage do rio, né. ‘Inda assim mesmo num empatô... Que tem a ponte... É muita cana. Agora memo ela tava moeno, Que é a usina São Luís lá no... Em Ôrinho. No lugá de usina, só labuta com cana... só labuta com cana. Num labuta c'ôtra lavrôra não, é só cana mesmo. Álco’ e açúca. Pruquê... Aquele mele que sobra da...da açúca, eles faz árco’. Uma [mixilana] ININIT e tá... Só sei dizê que... Que do açúca, [ô] ele tá fabricano o açúca, Pois sai mele tamém. E aqueles mele, eles é que faz árco’. Muito carro mesmo. É carro, é tratô, é aquela coisada, Então a usina mermo tem essa... Essa coisada tudo. Uma comparação a usina... É memo que nem a prefeitura, Inintuma prefeitura forte. Eles tem lá aquelas coisa tudo, né... Eu... Em fábica, eu num trabaiei não. Ah... Ah, bom... Só que tem que naquele tempo, o dinhêro... O dinherinho era valorizado. Tivesse esse dinhêrinho [hein], fazia alguma coisa. Num lugazinho isolado... Ninguém vê nada, Que levô uma turma... Uma turmazinha de gente daqui pra lá, Nunca a gente... Ficava mais ativo um pôco... Não é? E dessa vez, eu sofri lá... Mosquito... Aí que lá tem um mosquito, Um tal de borrachudo... Aquilo morde...coça... Não... Não tinha o... Os estudo que tem hoje... Tomei uns remédio aí... Umas raiz... Um... [com] umas cachaça, A gente num passa sem uma toiça de cana aí não. É criação. Óia, cá pro lado da... Do lado da Furna aí, Tamanduá... Báxo de Furna, Nessas usina que eu tô falano, eles carrega aqueles [álco’]... 138 E diz qu'eles faz a pinga qu’é...qu’é daquele álco’. Eles trabaia com ele, faz mais... Bota mais argum apreparo, O árco’ tem muita força. É... Se... Se bebê ele sozinho, E... Eles num faz pinga assim da cana que nem faz aqui, não. Faz é de árco’... Eles trabalha nele... A pinga de cá é melhó. A pinga de cá é de cana memo. Eles... Móia a cana, E já tem aquele je'de...trabaiá com ela, e...ININT Energia... Até o prefeito mermo acha que... Que uma fonte gasta dinhêro, né? Precisão a gente tem... Precisão a gente tem tanto pro mo’de fazê algum benefício que nem... Que[nem a gente]... Aqui a gente num vê c'uns candeeirim de... C'umas lamparinazinha aí de... De [queirosena]. Em feverêro... Em feverêro memo tem uma festinha de igreja aí. Os padre... Os padrezinho novo que chegô aí. Ah, nesse tempo... Ne... Nesse tempo a... Até as escola do coméço era tudo... E... Era tudo mais fraca... Era tudo mais fraca. No Mato Grosso... Mato Gosso... Giló.. .é qu'eu num sei se o Giló tem. Que, quem ensina no Giló é uma muié de fora lá de Rio de Conta, né. Aqueles maió, aqueles que se interessa mais, aqueles que faz mais uma força, tudo assina o nome. Aqueles maió, aqueles mais coisa, aqueles mais... Que interessa mais. Esse povo... Esse povo que formô essa escola aqui já morreu tudo. Já morreu tudo. Naquele tempo o prefeito era um tale Rodolfo Abreu, O pai de Ronado Abreu que tem na prefeitura, E vereadô foi Zé Tamazo... Esse povo já morreu tudo. A política? A política esse ano foi até boa, rapai. Foi boa. E... eu... eu acho que o pessoale... tinha mais prefeito aí o pessoale votô... Mas teve um prefeito... um prefeito... aí qu' eu gostei dele, Esse prefeito aí todo mundo gostô dele. No Rio de Conta, nesse dia, primêro de janêro, sempre eles faz um...quando é na...quando é nesse dia, tem um movimentão lá.