DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL, AGRICULTURA E SUSTENTABILIDADE NO NORDESTE 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE Josué Modesto dos Passos Subrinho Reitor Ângelo Roberto Antoniolli Vice-Reitor Cláudio Andrade Macedo Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa José Eloízio da Costa Coordenador do Núcleo de Pós-Graduação em Geografia – NPGEO Josefa de Lisboa Santos Vice-Coordenadora do Núcleo de Pós-Graduação em Geografia – NPGEO CONSELHO EDITORIAL DA EDITORA DA UFS Luiz Augusto Carvalho Sobral Coordenador do Programa Editorial Antônio Ponciano Bezerra Péricles Morais de Andrade Júnior Mário Everaldo de Souza Ricardo Queiroz Gurgel Rosemeri Melo e Souza Terezinha Alves de Oliva Endereço da UFS: Universidade Federal de Sergipe – UFS Cidade Universitária ―Profº Aloísio Campos‖ Rua Marechal Rondon, S/nº - Jardim Rosa Elze 49100-000 São Cristóvão – SE. DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL, AGRICULTURA E SUSTENTABILIDADE NO NORDESTE DIANA MENDONÇA DE CARVALHO FERNANDA VIANA DE ALCANTARA JOSÉ ELOÍZIO DA COSTA (ORGANIZADORES) São Cristóvão, 2011. CARVALHO, D. M. de/ COSTA, J. E. da/ALCÂNTARA, F. V. de (Orgs.) 04 Editoração: Diana Mendonça de Carvalho (NPGEO) Editoração Eletrônica: Capa: Diana Mendonça de Carvalho (NPGEO) Fotos: Diana Mendonça de Carvalho, Fernanda Viana de Alcântara, Espedito Maia Lima e Verônica Ferraz Macedo. Revisão Ortográfica: Nilson Lima FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE D451d Desenvolvimento territorial, agricultura e sustentabilidade no Nordeste / Diana Mendonça de Carvalho, Fernanda Viana de Alcantara, José Eloízio da Costa (organizadores). – São Cristóvão : Editora UFS, 2010. 365 p. : il. 1. Geografia agrícola – Brasil, Nordeste. I. Carvalho, Diana Mendonça de. II. Alcantara, Fernanda Viana de, III. Costa, José Eloízio da. CDU 911.3:61(812/813) Grupo de Pesquisa Sobre Transformações no Mundo Rural Desenvolvimento Territorial, Agricultura e Sustentabilidade no Nordeste APRESENTAÇÃO 05 PREFÁCIO O Núcleo de Pós-Graduação em Geografia (NPGEO) da Universidade Federal de Sergipe em seus 26 anos de atuação teve sempre como referência de estudo o estado de Sergipe, particularmente nas abordagens da diversidade geográfica e socioeconômica do espaço rural, com ênfase na organização e produção do espaço agrário, sendo a área de concentração do Programa em Organização e Produção dos Espaços Agrário e Regional. Até início de 2010 com 180 dissertações defendidas e 35 teses de Doutorado, mais de 60% dos trabalhos produzidos por seus discentes egressos tiveram como alvo o estado de Sergipe, abarcando as suas três linhas de pesquisa: organização e produção do espaço agrário, análise regional e dinâmica ambiental. Não podemos esquecer que os quase 40% restantes desses trabalhos tiveram como objeto de estudo outros espaços e territórios dos estados como a Bahia, Alagoas, Piauí, Mato Grosso e até o Acre e Amazonas. O que demonstra outro destaque do Programa, a forte inserção regional, particularmente com alunos procedentes do estado da Bahia. Desse modo, a questão da organização e produção do espaço agrário persiste como uma forte linha de pesquisa, sendo esta a mais antiga do programa e a que concentra maior volume de dissertações e teses. E ainda mais relevante: dos sete programas de pós-graduação em Geografia no Nordeste, o NPGEO/UFS é o único que oferece uma linha de pesquisa ligada aos estudos sobre o meio rural e agrário. Daí o fortalecimento dessa importante linha de pesquisa e do desenvolvimento de uma política de maior qualidade e diversidade das abordagens do mundo agrário, porém persistindo nos estudos sobre a pequena produção familiar. No presente estudo, em forma de coletânea, três ensaios agregam uma atividade agrícola desenvolvida em pequenas Desenvolvimento Territorial, Agricultura e Sustentabilidade no Nordeste unidades familiares e com forte tradição nos espaços rurais sergipanos: trata-se da atividade da mandiocultura e de seus rebatimentos na organização e produção do espaço agrário, intitulado Ensaios sobre a Mandiocultura e a Pequena Produção Familiar em Sergipe. 7 Esses trabalhos são produtos das dissertações de Mestrado e tiveram como lastro analisar como se estrutura essa atividade, os sujeitos/atores sociais envolvidos no processo de produção e beneficiamento da farinha de mandioca, e da tradição cultural envolvida nessa atividade, servindo como medida de identidade dos pequenos produtores. Os três estudos enfatizam realidades distintas, mas com processos semelhantes de produção e reprodução da força de trabalho/mão-de-obra da mandioca, apesar das abordagens teórico-metodológicas serem bem diferentes. Como cultura temporária e organizada em pequenas unidades produtivas, a mandioca tem suas singularidades que simbolizam o perfil de seus produtores, os instrumentos de trabalho, o tempo da produção e o tempo de trabalho, a forma de produzir a farinha, a formação de uma específica cadeia produtiva que subordina a pequena produção familiar e da resistência em continuar essa forma tradicional de produzir; sem esquecer que seu produto ainda compõe fonte de alimento de milhões de nordestinos. No primeiro ensaio, intitulado “A unidade de produção familiar camponesa e a produção de mandioca: permanência e resistência”, de Fernanda Virgínia Kolming, o estudo analisa três comunidades rurais no município de Lagarto/SE a partir de uma abordagem crítica, e com uso do método do materialismo histórico e dialético, onde a mesma provou que os pequenos produtores de mandioca não foram seduzidos pela ―ideologia‖ da modernização da agricultura materializada pela chegada da citricultura na região em praticamente três décadas de crescimento dessa atividade no centro-sul do estado de Sergipe. Ou seja, apesar desse processo avassalador de integração da pequena produção familiar, subordinada a lógica do capital cujo núcleo da cadeia estava concentrado na indústria de processamento da laranja, os pequenos produtores das comunidades rurais de Açu, Boa Vista e Alto das Caraíbas não orientaram sua produção para a produção da laranja, mesmo Desenvolvimento Territorial, Agricultura e Sustentabilidade no Nordeste conhecendo das vantagens comparativas, das facilidades do crédito, da maior proximidade do tempo do trabalho e do tempo da produção e da venda ―garantida‖ a jusante. A abordagem da autora se processou nas estratégias de resistência e mais importante, na permanência dessa atividade tradicional, estruturando aspectos de reprodução do trabalho camponês, da valorização do trabalho e da superposição do valor de uso sobre o valor de troca da mercadoria-farinha de mandioca. A autora agrega analiticamente o discurso de resistência dos agricultores camponeses face não apenas em função da tradição do cultivo e do beneficiamento da mandioca, mas dos custos de implantação da cultura da laranja, quando o capital aplicado se reproduz e com retorno após a consolidação da produção, o que foge da concepção de vida e de trabalho desses camponeses. A mandioca oferece condições mais vantajosas na perspectiva da produção, por ser de ciclo mais curto e o produto ser mais facilmente comercializado e com maior diversidade de compradores, o que não aconteceria com a cultura da laranja, onde a cadeia da produção estaria polarizada principalmente pela agroindústria processadora ou dos poucos intermediários atacadistas. O segundo ensaio com o título “Terra e Trabalho no Agreste Sergipano: o caso dos farinheiros de Ribeiropólis e São Domingos/SE”, de Givaldo Santos de Jesus e José Eloízio da Costa, os autores abordam a dinâmica interna da produção da mandioca e do beneficiamento da farinha, comparando os dois municípios do agreste de Itabaiana, onde um apresenta maior concentração fundiária (Ribeiropólis) e o outro com maior volume na produção da farinha de mandioca e do domínio da pequena produção familiar (São Domingos); mas que apresenta um esqueleto articulado em todo processo de produção, indo desde a organização da unidade da produção familiar, segmentado na área cultivada, nos espaços de morada, no pequeno criatório e da existência da casa de farinha, até a 9 assimetria do escoamento do produto, dominado pelo grande atacadista e da determinação coercitiva do preço, na medida em que a venda desse produto não pode agregar ―tempo de estoque‖ até pela necessidade de reprodução do trabalho familiar e ―vantagem‖ da rapidez da venda, quando os produtos são vendidos na porteira da unidade familiar. Os autores tentam criar um neologismo a partir do tempo de trabalho desses trabalhadores, como ―camponeses exclusivos‖ para definir que partes desses trabalhadores exercem também atividades fora da unidade familiar, e que sabemos que na literatura essa análise esta muito clara, na qual esses trabalhadores reproduzem a Grupo de Pesquisa Sobre Transformações no Mundo Rural lógica do trabalho com base na pluriatividade ou na multifuncionalidade. Mais interessante nesse texto é a quebra do paradigma da unidade fam SUMÁRIO Prefácio...................................................................................... 05 Capítulo 1 Indicadores: Ferramentas de Avaliação da Qualidade e Sustentablidade Socioambiental............................................. 17 Clêane Oliveira dos Santos Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto Capítulo 2 Cadeia Produtiva das Hortaliças em Itabaiana/Se: O Caso da Produção e da Comercialização nas Áreas Irrigadas...... 51 Diana Mendonça de Carvalho José Eloízio da Costa Capítulo 3 Fragmentação e Territorialização no Sudeste da Bahia: Das Regiões Econômicas aos Territórios de Identidade.... Edvaldo Oliveira 85 Capítulo 4 A Trajetória da Cultura Fumageira em Lagarto/Se: Do Apogeu à Decadência............................................................... 113 Elis Regina Silva dos Santos Oliveira Márcia Maria Santos Santiago Capítulo 5 O Desenvolvimento Territorial Rural em Evidência: A Experiência no Agreste de Alagoas, Impasses e Desafios.. 137 José Eloízio da Costa Leide Maria Reis dos Santos Lucivalda Sousa Texeira Capítulo 6 Planejamento Ambiental e Gestão Territorial em Bacias Hidrográficas.............................................................................. 171 Espedito Maia Lima Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto Capítulo 7 As Politicas de ―Desenvolvimento Regional‖: Um Olhar Sobre o Projeto Comunitário do Rio Gavião no Sudoeste da Bahia....................................................................................... 195 Fernanda Viana de Alcântara José Eloízio da Costa Capítulo 8 Mudanças e Permanências no Campo: O Caso da Agricultura Irrigada em Ribeirópolis-Se................................ 221 Givaldo Santos de Jesus Ramon Oliveira Vasconcelos Capítulo 9 O Desenvolvimento Territorial Rural e as Políticas Públicas Agrícolas Nos Municípios Sergipanos de Simão Dias e de Poço Verde: Os Territórios Rurais Sobre o Dilema Produtivista e as Estratégias de Ação ColetivoInstitucional................................................................................ Luciano Ricardio de Santana Souza 267 Capítulo 10 Planejamento Agrícola e Sustentabilidade Socioeconômica......................................................................... Marcelo Alves Mendes Josefa Eliane S. de Siqueira Pinto Capítulo 11 Agricultura Irrigada, Desertificação e Desenvolvimento: 299 Uma analise das repercussões geoambientais das áreas irrigadas públicas de Juazeiro-Ba............................................. 337 Marlene R. Souza Felicio Capítulo 12 Sustentabilidade da Agricultura Familiar............................... Meirilane Rodrigues Maia 367 Aracy Losano Fontes Capítulo 13 O Pronaf e a Pluriatividade: Oportunidade de Inserção 385 dos Camponeses no Mercado?................................................ Sheyla Silveira Andrade Capítulo 14 A Reestruturação Produtiva do Capital e o Trabalho na Agroindústria Cafeeira de Barra do Choça-BA.................... Verônica Ferraz de Oliveira 407 INDICADORES: FERRAMENTAS DE AVALIAÇÃO DA QUALIDADE E SUSTENTABLIDADE SOCIOAMBIENTAL Clêane Oliveira dos Santos1 Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto2 1 INTRODUÇÃO A questão ambiental e sua problemática estão vinculadas às condições de vida em todo o mundo, suscitando estudos, reflexões e críticas para compreensão, dimensionamento e descoberta das possíveis soluções, uma vez que é hoje um fato presente no cotidiano das pessoas. A crescente preocupação com a dimensão ambiental aparece, cada vez mais, associada à busca de estratégias que visem atuar no âmbito da gestão e ordenamento do território, possibilitando, desta forma, buscar novos conceitos e métodos de ação e investigação mais abrangentes e globalizantes na esfera dos recursos naturais e assentamentos humanos. É indiscutível a necessidade de fundamentação teórica com base em profícuas experiências científicas e acadêmicas de geógrafos nas questões que envolvem nível epistemológico, metodológico e empírico, não isolando contribuições das ciências afins. Assim, a análise da qualidade ambiental não pode estar restrita à natureza ou ao ecossistema, pois abarca elementos da atividade humana que reflete diretamente na qualidade de vida do homem. 1 Geógrafa, mestranda do Núcleo de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe. 2 Professora do NPGEO/UFS, [email protected] Dessa forma, neste artigo objetiva-se apresentar uma discussão acerca de alguns indicadores como importantes instrumentos que possibilitam a caracterização quantitativa e qualitativa de informações cujo intuito atende ao conhecimento, medição e percepção de uma tendência da problemática e seus impactos sobre o meio ambiente. Outrossim, buscam-se sugestões de indicadores socioambientais que possam ser usados como ferramentas de avaliação da qualidade e sustentabilidade socioambiental. Para tanto foi realizada uma revisão bibliográfica sobre as diferentes noções e dimensões da sustentabilidade e do uso de indicadores como utensílios de análise. Em seguida foi elaborado um grupo de indicadores socioambientais associados às dimensões de sustentabilidade, com a finalidade de possibilitar a geração de modelos representativos da realidade estudada. A estrutura desses indicadores visa possibilitar o estudo dos fatores que contribuem para a degradação do ambiente e da qualidade de vida local. Nesse contexto, considera-se importante a realização de uma análise combinada entre os fatores ambientais, sociais e culturais para a compreensão dos aspectos socioambientais de uma dada localidade, sendo esta relevante para o estabelecimento de medidas que possibilitem condições dignas de vida à população. 2 A CARACTERIZAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE Nas últimas três décadas a discussão em volta da relação estado-sociedade-natureza tem sido intensificada, tanto em níveis internacionais quanto nacionais, podendo ser identificados neste processo diferentes tendências de análise e interpretação, entre elas encontra-se a proposta de desenvolvimento sustentável. Assim, nas sociedades contemporâneas o desenvolvimento assume valor central, sendo esse alimentado pela necessidade de progresso técnico e ambição de domínio sobre a natureza. De acordo com Carvalho (2006), as raízes modernas do interesse pela natureza encontram-se discutidas no fenômeno das novas sensibilidades que surgem como um traço cultural ligado ao ambiente social do século XVIII quando ocorrera a afirmação de uma nova ordem burguesa e mercantil materializadas nos progressos técnicos que tornaram possível a experiência da Revolução Industrial. Este contexto foi, sem dúvida, favorável para que as novas sensibilidades que valorizavam a natureza e idealizavam a natureza se constituíssem como uma transformação cultural importante, de longa duração, que chega até os dias de hoje, como uma das raízes históricoculturais do ambientalismo contemporâneo (CARVALHO, 2006, p. 57). No século XXI a natureza ocupa um patamar de destaque no debate dos destinos da sociedade, um momento no qual as sensibilidades estéticas e políticas acabam por garantir à natureza e às questões ambientais uma relevante notoriedade. Porém, as probabilidades de harmonização dos projetos sociais e estilos de vida com os alcances da capacidade de suporte do meio ambiente ainda representa um grande desafio da contemporaneidade. É importante salientar que o horizonte histórico-cultural desse debate está indiscutivelmente delimitado por centenas de interesses e projetos sociais que disputam as interpretações sobre o que é ou não ambiental. Assim, ―o quadro ambiental torna-se, sobretudo, um lugar de disputa entre concepções, interesses e grupos sociais‖ (CARVALHO, 2006, p. 59). O acelerado crescimento demográfico, associado à crescente urbanização que se processa muitas vezes de forma desordenada, acaba intensificando o desmatamento, ocasionando a transformação do meio ambiente natural e o surgimento de investigações acerca do esgotamento de recursos naturais. Esses fatos quando aliados à concentração e à desigualdade de renda, potencializam as conseqüências, podendo resultar em degradação ambiental, inseguranças sociais, precárias condições de habitações, comprometendo a qualidade de vida das populações. Assim, [...] a qualidade de vida é o conceito central da problemática ambiental e do desenvolvimento sustentável, pois representa muito mais que um nível de vida privada, exigindo, entre outros aspectos, a disponibilidade total de infraestrutura social e pública para atuar em benefício do bem comum e para manter o ambiente sem deterioração e contaminação (KRIAN & FERREIRA, 2006, p.129). Nesse sentido, o meio ambiente tanto pode influenciar o processo de urbanização como pode ter seus aspectos modificados face às alterações impostas por esse processo. Vale destacar que a crítica ambientalista ao modo de vida contemporâneo se difundiu a partir da Conferência de Estocolmo em 1972, apresentando-se como pressuposto a existência de sustentabilidade social, econômica e ecológica. Essas dimensões da sustentabilidade especificam a necessidade de tornar conjugada a melhoria dos níveis de qualidade de vida com a preservação ambiental. A maior contribuição dessa abordagem é que, além da incorporação definitiva dos aspectos ecológicos no plano teórico, ela enfatiza a necessidade de inverter a tendência auto-destrutiva dos métodos de desenvolvimento no seu abuso contra a natureza. O documento da Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Sociedade, Educação e Consciência Pública para a Sustentabilidade, realizada em Tessalônica (Grécia), destaca a necessidade de se articularem ações de educação ambiental baseadas nos conceitos de ética e sustentabilidade, identidade cultural e diversidade, mobilização, participação e práticas interdisciplinares. Nesse sentido, Jacobi (2003) enfatiza que a produção de conhecimento deve necessariamente considerar as interrelações do meio natural com o social numa perspectiva que coloque em primeiro plano o novo perfil de desenvolvimento, com ênfase na sustentabilidade socioambiental. A sustentabilidade começou a ser focalizada em meados da década de 1980 e desde então vem sendo freqüentemente empregada, assumindo dimensões econômicas, sociais e ambientais, buscando embasar uma nova forma de desenvolvimento. Nessa perspectiva, o termo o desenvolvimento sustentável não se refere especificamente a um problema limitado de adequações ecológicas de um processo social, mas a uma estratégia para a sociedade, que deve levar em conta tanto a viabilidade econômica como a ecológica. Assim, o avanço para sociedade sustentável é permeado de obstáculos, na medida em que existe uma limitada consciência na sociedade a respeito das conseqüências do modelo de desenvolvimento em curso. As diferentes noções de sustentabilidade ou mesmo de desenvolvimento dificultam a realização de uma interpretação prática dos objetivos políticos formulados em torno da proposta de desenvolvimento sustentável. Dessa forma, as diversas definições apontam para a sustentabilidade como valor normativo que permite a formulação de objetivos coletivos, aspecto que tem sido alcançado ao nível do planeta. No entanto, a sustentabilidade apresenta estruturas elaboradas a partir das diferentes escalas de organização espacial. Assim, analisa-se primeiramente o nível local (ecossistemas) ou regional (biomassa e regiões biogeográficas), e depois, de forma mais abrangente e conjuntural, o nível planetário. Por isso, a elaboração de uma proposta de desenvolvimento sustentável, deve tomar como referência à construção de mediação de critérios estratégicos que possam dar conta do atual estado de incertezas que envolvem esta questão. Essa proposta revela o quanto à relação sociedade e natureza é resultado de uma construção histórico-social, baseada na afirmação das relações dos homens entre si, em um determinado tipo de sociedade. Logo, as políticas de meio ambiente não podem ser marginalizadas ou colocadas em segundo plano das decisões econômicas e sociais, uma vez que ―a quebra do equilíbrio natural, gerada pela sociedade da ação humana na modificação do meio ambiente através do tempo, resulta nos impactos ambientais causados pelas atividades socioeconômicas‖ (SILVIA, 2004, p. 34). Dessa forma, Leff (2002) afirma que: A problemática ambiental gerou mudanças globais em sistemas socioambientais complexos que afetam as condições de sustentabilidade do planeta, propondo a necessidade de internalizar as bases ecológicas e os princípios jurídicos e sociais para a gestão democrática dos recursos naturais (LEFF, 2002, p. 59). Sachs (2002) desenvolve o conceito de sustentabilidade a partir de cinco dimensões principais: a “Sustentabilidade social”, termo que deve ter como base o estabelecimento de uma proposta de desenvolvimento que assegure um crescimento estável, com distribuição justa de renda, garantindo o direito de melhoria de vida das grandes massas da população; a ―Sustentabilidade econômica‖, possível a partir de um fluxo constante de inversões públicas e privadas, além do manejo e alocação eficiente dos recursos naturais; a ―Sustentabilidade ecológica‖, alcançada através da expansão da capacidade de utilização dos recursos naturais disponíveis no planeta Terra, com menor nível de impacto ao meio ambiente; a ―Sustentabilidade geográfica, pois a maioria dos problemas ambientais tem sua origem na distribuição espacial desequilibrada dos assentamentos humanos e das atividades econômicas; a ―Sustentabilidade cultural‖, a qual apresenta uma forma mais complexa para sua efetivação, uma vez que exige pensar o processo de modernização de forma endógena, trabalhando as mudanças de forma sintonizada com a questão cultural vivida em cada contexto específico. A viabilidade do tratamento das referidas dimensões em uma pesquisa que objetiva pôr em ação um novo modelo de desenvolvimento voltado para a prática socioambiental é imensurável, à proporção que engloba um universo de fatores que vão além da perspectiva econômica. De acordo com o pensamento sistêmico as soluções sustentáveis representam a única maneira de solução possível para os problemas globais que se apresentam em nosso tempo. Os diversos impasses ambientais observados nas cidades tornam os centros urbanos interesse dos pesquisadores, tornando a busca pela sustentabilidade urbana um dos maiores desafios da atualidade. Contudo, a sustentabilidade vem sendo debatida desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, quando tal noção foi associada ao desenvolvimento e às políticas urbanas. Desde então a retórica do desenvolvimento sustentável tem sido utilizada por diferentes grupos como recurso de denúncia política ou exercício de cidadania. Algo perceptível diante de todas as abordagens quanto à noção e conceituação de desenvolvimento sustentável é o processo de construção em que as várias correntes de pensamento do conhecimento científico estão sendo convocadas para discutir e estabelecer critérios que orientem as ações de desenvolvimento social e econômico numa perspectiva de simbiose com a natureza. Nesse sentido, as estratégias conceituais para gerar os instrumentos teóricos e práticos para gestão ambiental do desenvolvimento sob condições de sustentabilidade e equidade não podem surgir dos paradigmas econômicos dominantes e das praticas tradicionais do planejamento (LEFF, 2002). Logo, o termo desenvolvimento sustentável surgiu da necessidade de soluções para os problemas globais. Configurase em uma nova visão dos problemas ambientais, na medida em que associa aos mesmos as extensões: sociais, políticas e culturais, não se limitando aos aspectos físicos e biológicos, abordando assim, questões como pobreza e exclusão social. 3 INDICADORES: INSTRUMENTOS DE ANÁLISE DA SUSTENTABILIDADE EM UM TERRITÓRIO A análise combinada entre os aspectos ambientais, sociais e culturais em uma localidade é importante para o estabelecimento de medidas que possibilitem condições dignas de vida à população uma vez que a materialização do econômico e do sócio-cultural, que se sobrepõem ano após ano, não deve ser dissociada do quadro natural, o qual representa uma realidade ambiental com ativa participação social. Carlos (2004) afirma que a atividade social tem o espaço como condição de sua consumação. O espaço é o palco da prática social, é através disso que o espaço se torna território. Deste modo, a reprodução das relações sociais materializa-se num espaço apropriado para este fim. ―A vida, no plano cotidiano do habitante, constitui-se no lugar produzido para esta finalidade, e nesta direção, o lugar da vida constitui uma identidade habitante-lugar‖ (CARLOS, 2004, p.47). O espaço apropriado, lugar produzido do qual fala a autora, é o que pode ser entendido como território se for levado em consideração o fator da territorialidade, aspecto que possibilita a construção da identidade do cidadão com um lugar, de sentir-se parte daquilo que lhe pertence. Enquanto espaço-tempo vivido, o território é múltiplo e complexo, ao contrário do território proposto pela lógica capitalista hegemônica. Dessa forma, no mundo contemporâneo observa-se uma diversidade territorial que se manifesta a partir da produção de particularidades e singularidades, as quais estão ligadas às desigualdades do capital e a reconstrução das identidades. Nesse sentido, território possui tanto uma componente relativa ao espaço social, quanto ao espaço vivido. O espaço social refere-se à objetividade das relações sociais e entre os homens e o espaço. Contudo, o espaço vivido compreende a relação existencial que o sujeito estabelece com tudo que há no espaço de seu cotidiano. De acordo com Saquet (2009), o território do cotidiano corresponde a territorialização de ações de todos os dias, a partir da qual garantimos satisfação das necessidades, isto é, o território do cotidiano é o espaço onde se estabelece relações entre indivíduos e lugares. Aqui o cotidiano é interpretado como ponto de partida para a reflexão do território e das representações, como produtor da sociabilidade e da identidade. No qual o mundo das representações que mediam o cotidiano depende amplamente da informação e dos meios de comunicação de massa, os quais geram conflitos e alienação, por isso o cotidiano é ao mesmo tempo o interior percebido e a informação externa que conduz a capacidade de interpretação dos processos sócioterritoriais (CARA, 1995). A identidade representa a fonte de significação e experiência de um povo, construída num contexto marcado por relações de poder. Segundo Saquet (2007, p. 147), ―a identidade tem sido tratada de diferentes maneiras em estudos do território, especialmente, como continuidades históricoculturais, simbólicas, inerentes à vida de um certo grupo social em um determinado lugar‖. Pode-se afirmar que a identidade está vinculada profundamente ao processo de representação, onde a construção e desconstrução das relações espaço-tempo no interior dos diferentes sistemas de representação têm efeitos profundos sobre a forma como as identidades são localizadas e representadas. Nesse contexto, os símbolos, as imagens e os aspectos culturais são na verdade, valores, que para a população local materializa uma formação incorporada aos processos cotidianos dando um sentido de território, de pertença e de defesa dos valores do território e da identidade, utilizando-se das vertentes político-cultural refletindo relações de poder e defesa de uma cultura adquirida ou em construção. Segundo Morelli e Suertegaray (2009), o sentimento de identificação com o território promove a interação entre um grupo de pessoas com idéias e pensamentos comuns, fortalecendo a memória coletiva, sendo esta formada por um conjunto de referências históricas comuns gerando o sentimento de pertencimento, motivando a identidade com o território. Porém, as lembranças contidas na memória individual, também, contribuem para a formação do ato da coletividade. Essa relação identidade-território toma forma de um processo em movimento constituído ao longo do tempo, tendo como principal elemento o sentido de pertencimento do indivíduo ou grupo com o seu espaço de vivência. Esse sentimento de fazer parte do espaço em que se vive, de conceber o espaço como lócus das práticas onde se tem o enraizamento de uma complexa rede de sociabilidade é que dá a esse espaço o caráter de território. Para o estabelecimento de uma relação entre identidade, cidadão e espaço vivido é necessário que o indivíduo ou grupo desfrute das condições de cidadania, nas quais os direitos sejam concretizados no espaço. Compreende-se que isso não é possível, por exemplo, a um indivíduo ou grupo desprovido de garantias sociais, carência em termos de educação, saúde, moradia, problemas promovidos pelo modo de desenvolvimento ―insustentável‖ vigente até o momento. Desse modo, o indivíduo excluído dos direitos a uma vida em sociedade, negada enquanto cidadão passa a fazer parte de uma exclusão sócio-territorial, fato que se origina da negação de suas relações com o espaço social e vivido. Em muitos casos, a perda dos mecanismos de realização da cidadania, exclui o individuo da possibilidade de apropriação do espaço, uma das formas de manifestação do território. Esse pensamento vai de acordo com Koga (2003, p. 33) que diz: ―O território também representa o chão da cidadania, pois a cidadania significa vida ativa no território onde se concretizam as relações sociais, as relações de vizinhança e solidariedade, as relações de poder [...]‖. A cidadania só pode existir para indivíduos em condições de vivência na sociedade, não podendo ser exercida por pessoas excluídas socioespacialmente e por aquelas que não participam dos interesses e necessidades da coletividade, nem tampouco do acolhimento a sua significação e valores. Logo, cidadania tem a ver com pertencimento a uma coletividade, a um território. Ao estudar as necessidades fundamentais e usos do território, Carlos (2000) distingue dois argumentos básicos: o do produtor que necessitará de equipamentos de infraestrutura, de informações, de inovação, de amplas instalações; e a do cidadão que se apropria do espaço em função das necessidades inerentes à reprodução da vida: o habitar e o trabalho, incluindo o lazer. Para isso, precisa de equipamentos de lazer, oferta de determinados bens e serviços coletivos, de cultura, enfim, de elementos que proporcionem uma melhor qualidade socioambiental para o cidadão. Ainda segundo Koga (2003) o território é um fator dinâmico no processo de exclusão/inclusão social. Nele as desigualdades sociais tornam-se evidentes entre os cidadãos, as condições de vida entre os moradores de uma mesma cidade mostram-se diferenciadas, a presença/ausência de serviços públicos se faz sentir e a qualidade destes mesmos serviços apresenta-se desigual. Assim, no final dos anos de 1980, novas metodologias introduziram a relação espaço, território e meio ambiente nos estudos sobre condições de vida as quais não devem ser estudadas deslocadas das condições do meio onde se vive, seja este uma zona urbana ou rural, um bairro ou um povoado. Melo e Souza indaga que: É importante ressaltar que a temática dos indicadores socioambientais é, sobretudo, recente, de tal maneira que seu estudo e elaboração sistemática ganhou impulso apenas no final dos anos 80, em trabalhos pioneiros realizados por agencias governamentais do Canadá e da Holanda (MELO E SOUZA, 2007, p. 36). Dessa maneira, a elaboração e adoção de indicadores como ferramentas de pesquisa têm sido intensificadas com a finalidade de possibilitar um maior entendimento do sentido da busca pela sustentabilidade em territórios diversos. Mais que um sistema de representação, os indicadores condensam uma quantidade de informações provenientes de diversas fontes constituindo-se numa forma hábil de manipular e compreender o fato. São, portanto, ferramentas que permitem fazer uma leitura simplificada e qualitativa de algumas realidades, facilitando a assimilação e compreensão dos eventos. Os indicadores são significativos para o tratamento da informação, pois além de reunirem elementos para a tomada de decisões inerentes às escolhas políticas, têm também a função de demonstrar a forma de gerir o bem-estar coletivo. Segundo Herculano (1998) os indicadores são definidos como algo que revela ou detecta um fenômeno, ou seja, é também um utensílio estatístico simples que ajuda a condensar informações através de um formato compreensível, que facilita a comunicação, as comparações e o processo de decisão. Os mesmos podem ser vistos como um instrumento de reflexão, pois carregam informações relevantes sobre a vida das pessoas, o que permite embasar uma leitura crítica da realidade, essencial na formação da opinião e participação no debate, possibilitando a realização de diagnósticos e execução de intervenções transformadoras. Por sua capacidade de síntese, tais ferramentas viabilizam uma comunicação imediata, chamando a atenção para a constituição da sociedade, demonstrando seus avanços ou retrocessos, servindo para elaboração de políticas públicas sustentáveis ou que garantam à sociedade percorrer o caminho da sustentabilidade. De acordo com Herculano (1998) os indicadores devem possuir relevância (precisam apresentar algo sobre os sistemas ambientais que verdadeiramente precisam ser conhecidos); ser de fácil compreensão (ser acessíveis para a população em geral, e não apenas para formuladores de políticas publicas e cientistas); ter confiabilidade (a informação fornecida pelo indicador deve ser digna de validação mediante meios claros que reflitam os resultados compatíveis); e devem ser baseados em dados acessíveis (a informação deve ser inteligível ou coletável para a tomada de decisões). A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) define seis aspectos importantes a serem observados na construção de indicadores: existência de base de dados representativos, sobre os quais se formularam os indicadores provenientes de fonte de informações confiáveis e oficiais; consistência analítica e exequibilidade no estabelecimento dos valores de referência; relevância do significado do próprio indicador; possibilidade de manter a informação atualizada; facilidade de interpretação e objetividade. Segundo Lavorato (2008), para a construção de indicadores os pesquisadores devem estar atentos a alguns atributos que os mesmos devem conter como: base científica, modelo adequado, temas prioritários, compreensão e aceitabilidade, sensibilidade adequada, facilidade de monitoramento, fontes de informação, enfoque preventivo ou antecipatório, trabalhar com valores discerníveis (padrões), periodicidade adequada (coleta), conjunto de indicadores com função de aplicabilidade. A aplicabilidade de indicadores como metodologia de uma pesquisa torna-se importante para pesquisas que visem entender a evolução espacial, social, ambiental e política municipal na tentativa de elaborar subsídios para o poder público, que ao se envolver com o bem comum, fornece-lhe condições para uma política de planejamento voltada aos interesses da população. Não obstante, um indicador pode ser considerado uma medida, não um instrumento de previsão ou evidência de causalidade, já que ele apenas constata uma dada situação, pois as possíveis causas, conseqüências ou previsões realizadas são um exercício de abstração do analista, o que depende, especialmente, da bagagem de conhecimento do mesmo. Indicadores e seu conjunto de parâmetros representam um sinal que nos permite compreender dimensões do mundo real, conferir-lhe importância, possibilitando julgamentos e desenvolvimentos futuros através de sua análise. Nesse contexto, a informação básica é o elemento primordial na elaboração de parâmetros confiáveis nas aproximações indicadoras da realidade. Uma vez que um indicador é instrumento que permite a obtenção sobre uma dada realidade e tem como principal característica poder sintetizar um conjunto complexo de informações (parâmetros), retendo apenas o significado essencial dos aspectos analisados. Assim, a procura mundial por um novo modelo de desenvolvimento trouxe à tona a necessidade de ferramentas capazes de avaliar os impactos e as conseqüências ambientais geradas pela forma de desenvolvimento quantitativo. De acordo com essa perspectiva a utilização de indicadores ambientais aponta para a aplicação de métodos que determinem o estudo do ambiente e o monitoramento das mudanças em níveis local, territorial, regional, nacional e global, uma vez que se constitui numa ferramenta de ampla eficácia no tratamento das informações possibilitando a sintetização e transmissão dessas, de forma bastante significativa. A análise de uma realidade local com base em indicadores socioambientais favorece o estudo da sustentabilidade, uma vez que para a solução e/ou criação de indicadores se faz necessário apreciar previamente o município, suas características econômicas, sociais, espaciais, ambientais e culturais. Por isso, entende-se que o espaço está incorporado ao cotidiano das pessoas, é produzido e re-produzido a todo instante em decorrência das necessidades humanas e capitalistas daquele momento, mas determinado pelos aspectos econômicos, sociais, ambientais e culturais de um território e pelo modo de vida das pessoas, as quais constroem o espaço vivido. 4 QUALIDADE DE SOCIOAMBIENTAIS VIDA E INDICADORES Historicamente, o conceito de qualidade de vida surgiu nos anos 60, quando prevalecia a corrente economicista, o PIB era um indicador de riqueza, não contemplando a análise do desenvolvimento de uma cidade. Porém, o crescimento de tal indicador era incapaz de gerar mais qualidade de vida, agravando-se a situação social e ambiental consolidando-se as disparidades sócio-espaciais (KRAN & FERREIRA, 2006). Posteriormente, a disseminação do conceito de qualidade de vida acabou expandindo as fronteiras conceituais. Partindose da compreensão de que a sustentabilidade do desenvolvimento humano está ligada à problemática ambiental que é determinada pelas interações entre os processos sócioeconômicos e o meio ambiente, produziram-se subsídios teóricos e metodológicos para a formulação de indicadores ambientais, destinados à mensuração de variáveis ecológicas ou de monitoramento ambiental, associada também as variáveis sociais, demográficas e econômicas, relacionadas à questão ambiental. Logo, levou-se à formulação de metodologias para avaliar a percepção da população acerca da qualidade do seu meio ambiente, tal e qual ocorreu com os indicadores sociais. Nessa perspectiva, durante a construção dos indicadores de qualidade ambiental deve-se considerar a realidade do sistema estudado e das condições ambientais vigentes no espaço. Por conseguinte, os indicadores ambientais são modelos que descrevem as formas de interação das atividades humanas com o meio ambiente, entendido este como: fonte de recursos (minerais, energia, alimentos, matérias – primas em geral); depósito de rejeitos (lixo industrial e doméstico e efluentes líquidos e gasosos); suporte da vida humana e da biodiversidade. Segundo Herculano (1998), a qualidade de vida deve ser definida como a soma das condições econômicas, ambientais, científico-culturais e políticas coletivamente construídas e postas à disposição dos indivíduos para que esses possam realizar as suas potencialidades. Assim, indicadores de qualidade de vida representam um conjunto que reúne de forma integradora o bem-estar individual, o equilíbrio ambiental e o desenvolvimento econômico. Tal situação implicaria em medir os níveis de conhecimento e tecnologia já desenvolvidos e os mecanismos para o seu fomento; os canais institucionais para participação e geração de decisões coletivas e para a resolução de controvérsias; mecanismos de financiamento da produção; mecanismos de acessibilidade ao consumo (renda, alimentação, água, luz, saneamento); canais democratizados de comunicação e de informação; proporção de áreas verdes para a população urbana; proporção de áreas de biodiversidade protegida; organismos governamentais e não-governamentais para a implementação das condições de vida. Os indicadores subjetivos destacam a busca da identidade através da verificação de como as pessoas vivem, percebem e compreendem seu cotidiano, incorporando variáveis do modo de vida e do nível de educação ambiental de cada sujeito social. Então, a informação ambiental pode ser definida como um conjunto de dados, de metodologias e de processos de representação espacial ou de percepção e reflexão para a transformação da realidade, destacando-se o seu papel na mudança de valores e atitudes. Essas mudanças acontecem em função do processo de percepção e incorporação das questões representadas por esta importante ferramenta que são os indicadores e índices. Fica evidente, portanto, a necessidade de estudos socioambientais e, conseqüentemente, de percepção para melhor compreender a realidade de seus habitantes como indicadores para o planejamento, utilizando-se de critérios que propiciem a participação da população, bem como a análise comportamental da mesma. Ao passo em que se tem consciência de que a definição de qualidade vem frequentemente acompanhada de interesses e depende de estudos realizados no presente para serem projetados num futuro próximo. A mensuração da qualidade de vida através de indicadores que enfocam a realidade do bem estar socioambiental, e até mesmo a sustentabilidade, afasta-se do equívoco de se demonstrar sociedades desenvolvidas aquelas que apresentam um alto nível de renda per capita, ignorando-se a existência de indivíduos, predominantemente, iletrados e doentes. A avaliação da real qualidade de vida e da sustentabilidade socioambiental deve envolver também aspectos ambientais, do mesmo modo em que não se deve admitir que uma sociedade viva sem acesso aos serviços de educação, saúde e tecnologia e até mesmo sobreviver em espaços constituídos fora de um ambiente natural e saudável. Dirce Koga em Medidas de cidade (2003) evidencia metodologias de pesquisas sobre desigualdades sociais para além do desemprego e renda, valorizando o desenvolvimento humano e social, com ênfase no local a partir de temas de desenvolvimento sustentável, meio ambiente e uma ruptura com a restrita avaliação da renda per capita que mascara a desigualdade social. Nesse sentido, adota-se a incorporação do território como um espaço não somente de habitação, mas também de vivência, onde a cidadania significa morar bem e com segurança, além de usufruir bem dos serviços. Dessa forma, [...] parece se fazerem necessárias novas formas de resgatar o pertencimento ao lugar, à cidade. Nesse sentido, as metodologias de representação das desigualdades e, ao mesmo tempo, de totalidade da cidade contribuem para uma identificação maior dos cidadãos com o lugar ao que pertencem, permitindo-lhe, ao menos, acesso ao conhecimento do lugar (KOGA, 2003, p. 106). Santos (2004) orienta que os indicadores devam possibilitar a geração de modelos que representem a realidade estudada. Para alcançar os objetivos propostos e considerando que a qualidade de vida, dada a sua complexidade e (in) definição teórico-conceitual, pode ser depreendida de uma estrutura consistente de indicadores (quadro 01). Quadro 01 Dimensões da Sustentabilidade, Parâmetros e Indicadores Socioambientais DIMENSÕES Ambiental Socioambiental Social PARÂMETROS Existência e freqüência da coleta dos resíduos sólidos; Área de deposição do lixo urbano e rural; Formas de destinação dos resíduos domésticos urbanos; Formas de destinação de resíduos domésticos rurais. Formas de acesso à informação pelo agricultor (Orientação técnica); Tipo e frequência do uso de agroquímicos; Número de ocorrências de doenças; Tipos mais frequentes de doenças; Percepção do clima. Número de hospitais e postos de saúde; Existência de espaços verdes; Número de ruas asfaltadas; Condições de uso dos equipamentos urbanos (parques e praças); INDICADORES Resíduos sólidos Saúde e Instrução técnica do agricultor e seus familiares Infra-estrutura e bem-estar coletivo Político- Cultural Econômica Disponibilidade de serviços públicos tais como: energia elétrica, telefones, bancos e correios. Taxa de escolaridade; Número de professores pós-graduados; Número de emissoras e equipamentos transmissores de rádio e TV Número de horas semanais de programas de rádio e tv com informativos sobre saúde, educação meio ambiente e cidadania; Número de bibliotecas públicas; Número e acesso a lan houses. Espaços de laser. Conselhos e comitês de assistência à população. % de moradores trabalhando em atividade formal Tipos de profissão; % de famílias abaixo da linha de pobreza; % de aposentados responsáveis pela família; % de famílias que recebem auxílio do Educação e cidadania Trabalho e renda governo. Elaboração: Santos, 2008 Resíduos sólidos Atualmente, observa-se uma preocupação mundial com a geração excessiva de resíduos sólidos, pois o grande volume gerado demanda investimentos vultosos para a coleta regular, tratamento e disposição final por parte dos serviços públicos. Outro fator agravante é que a maioria dos municípios brasileiros não conhece o volume e a composição física dos resíduos o que, sem dúvida, dificulta o gerenciamento integrado desses resíduos. O significado do lixo para a sociedade tem variado no tempo e no espaço, preocupando diversas entidades e grupos. Dentro do saneamento ambiental, pode-se verificar a problemática dos resíduos sólidos urbanos através de uma ampla percepção ambiental, o que não reduz o desafio a ser enfrentado na estruturação do setor, em que o debate atual dos resíduos sólidos está relacionado com sua produção e disposição final. O termo resíduo é empregado para as sobras de uma atividade qualquer, natural ou cultural. Nas atividades em geral, as pessoas produzem resíduos (e não lixo); pois antes de ser gerado pode ser evitado como conseqüência de revisão de alguns hábitos (quando se trabalha com os 3 R‘s: reduzir, reutilizar e reciclar os materiais). Caso contrário, um resíduo pode, por meio do descarte comum pelos criadores, virar lixo, no caso, nenhum dos três R‘s (LEAL, 2004). Não se podem desconsiderar os reflexos causados pela disposição inadequada dos resíduos nos centros urbanos induzindo à sua catação em condições insalubres nos logradouros e nas áreas de lançamentos (aterros e lixões). No Brasil, a prática do desperdício, associada à cultura e consumo de descartáveis, leva ao aumento excessivo da geração de resíduos. Assim, a forma como esses resíduos vêm sendo coletados e destinados, na maioria das cidades, com a inexistência de programas de coleta seletiva, pouco é o seu reaproveitamento. O aumento do volume dos resíduos sólidos implica na necessidade de uma mudança cultural que se traduza em novas estratégias e incorporação de diferentes atores em prol da minimização dos problemas gerados, principalmente no que se refere à responsabilidade compartilhada de toda a cadeia produtiva com os resíduos pós-consumo. Tal indicador representa um conjunto de parâmetros descritos abaixo: Existência e frequência da coleta dos resíduos urbanos e rurais: A ausência de uma regular coleta e tratamento de lixo, assim como destinos adequados acarretam a proliferação de roedores e insetos, etc. A acessibilidade a esse serviço contribui positivamente para a qualidade do meio ambiente e é importante para a proteção da saúde humana. A análise dessas variáveis permitiu averiguar as condições de acessibilidade a esse serviço, nas diferentes partes do município, uma vez que o atendimento de forma diferenciada reflete a exclusão de determinados segmentos da sociedade. Local de deposição do resíduo urbano e rural: Dado relevante para se avaliar questões de vulnerabilidade socioambiental, educação ambiental e qualidade de vida que a população está sendo submetida. Formas de destinação dos resíduos domésticos urbanos e rurais: Parâmetros significativos para se avaliar a questão da existência de pequenas lixeiras em locais impróprios do município, uma vez que a implicação da gestão inadequada dos resíduos sólidos é refletida na degradação do solo, na poluição das águas e do ar e na saúde pública. Saúde e instrução agricultor e seus familiares técnica do Saúde é um direito humano fundamental, reconhecido por todos os foros mundiais e em todas as sociedades. A saúde é amplamente reconhecida como o maior e o melhor recurso para o desenvolvimento social, econômico e pessoal, assim como uma das mais importantes dimensões da qualidade de vida. Porém, a agricultura industrial, rotulada de moderna e avançada, trouxe sérias consequências à saúde da população e ao meio ambiente, em que se tem destaque o uso indiscriminado de agrotóxicos, fruto da exigência da elevação da produtividade agrícola. Aqui não se trata de criticar o modelo de desenvolvimento tecnológico predominante, mas de reconhecer o caráter problemático da aplicação numa sociedade carente e de sugerir medidas que possam atenuar os efeitos negativos. Além disso, a qualidade da produção, contaminada pelo uso indiscriminado de agrotóxicos, traz conseqüências ao conjunto da população brasileira que vem consumindo alimentos contaminados que podem trazer a doença e, a médio e longo prazo, podem ser os causadores da morte. A esses efeitos negativos diretos para a sociedade somam-se ainda os efeitos para o meio natural, como a contaminação do solo, água e ar. Esse indicador representa o conjunto de parâmetros abaixo: Formas de acesso à informação pelo agricultor (Orientação técnica): A instrução técnica, adquirida por meio da extensão rural, envolve o processo de estender, ao povo rural, conhecimentos e habilidades, sobre práticas agropecuárias, florestais e domésticas, reconhecidas como importantes e necessárias à melhoria de sua qualidade de vida. A própria justificativa para a existência de um serviço de extensão é o de estimular a população rural para que se processem mudanças em sua maneira de cultivar a terra, de administrar o seu negócio, de dirigir o seu lar, de defender a saúde da família e de educar os seus filhos. Tipo e freqüência do uso de agroquímicos: Os agroquímicos são biocidas e alguns muitos persistentes, podendo ser transportados para outros locais por água e vento, por exemplo, e também acumular em cadeias alimentares, levando-se em consideração os processos de lixiviação e o escoamento superficial. Número de ocorrências de doenças e os tipos mais freqüentes de doenças: pode ser feito um levantamento de dados nos postos de saúde e através da conversa com os agricultores e familiares. Percepção do clima: A percepção envolve a vida social, isto é, os significados e os valores das coisas percebidas decorrem de nossa sociedade e do modo como nela as coisas e as pessoas recebem sentido, valor ou função. Onde a idéia do clima de um lugar, que dá origem à expectativa de seu próprio comportamento, é elaborada pela tradição, representada pela transmissão oral de usos e costumes, aliada à vivência do dia-a-dia das pessoas e, no caso em foco dos agricultores (PINTO, 1999). Número de hospitais e postos de saúde distribuídos no território municipal: com tais dados é possível verificar questões de disponibilidade e acesso ao serviço, considerando o alcance e distribuição espacial do serviço. Infra-estrutura e bem-estar coletivo A intensa e crescente urbanização que vêm ocorrendo nas cidades tem modificado o acesso à infraestrutura e ao bemestar da sociedade, assim como a desordenada ocupação do solo, o aumento de áreas construídas e o adensamento populacional, associados à redução de espaços verdes intra- urbanos e à poluição atmosférica, têm provocado alterações no microclima das cidades, tais como elevação da temperatura e umidade do ar, mudança da direção e velocidade dos ventos. O espaço construído atua sobre a temperatura e umidade como consequência da substituição da superfície natural e permeável por um conjunto de edificações e superfícies impermeáveis que aumentam a rugosidade e diminuem a velocidade dos ventos. A presença da cobertura vegetal em cada bairro da cidade é um dos parâmetros que representam os benefícios diretos e indiretos para o conforto térmico e qualidade do ar na área urbana. Esse indicador objetiva a verificação das condições de conforto térmico, circulação e comunicação do município, por meio de parâmetros como: Existência de espaços verdes: A presença da cobertura vegetal em cada bairro da cidade é um dos parâmetros que representa os benefícios diretos e indiretos para o conforto térmico e qualidade do ar na área urbana. As áreas verdes urbanas podem estar presentes em ruas, avenidas, canteiros centrais, praças, parques e jardins. Condições de uso de equipamentos urbanos: relevantes para o lazer, sociabilização e bem-estar. Podem ser verificadas em lócus as condições de equipamentos como bancos, lixeiras, calçadas, telefones, com a finalidade de verificar o comprometimento do poder público e da população usuária com a conservação de tais aparelhos. Número de ruas asfaltadas - implica em melhores condições de circulação e acessibilidade, além da valorização imobiliária, porém resulta, também, no acentuamento do desconforto térmico da população, uma vez que o espaço construído atua sobre a temperatura e umidade como consequência da substituição da superfície natural e permeável por um conjunto de edificações e superfícies impermeáveis que aumentam a rugosidade e diminuem a velocidade dos ventos. Acesso a serviços públicos, tais como energia elétrica, telefones, bancos e correios que proporcionam a inserção social e a melhoria da qualidade de vida. Educação e cidadania A educação é um direito de todos diante do processo de inclusão social e imprescindível para o desenvolvimento de um povo. Hoje o sentido de educar ambientalmente precisa ir além de sensibilizar a população para o problema, visto que não basta mais apenas conhecer o que é certo ou errado em relação ao meio ambiente, pois é importante o exercício da consciência mais ação. No âmbito dessa discussão destaca-se a impossibilidade de resolver os crescentes e complexos problemas ambientais e reverter suas causas sem que ocorra uma mudança radical nos sistemas de conhecimento, dos valores e dos comportamentos produzidos pela dinâmica de racionalidade existente, fundada no aspecto econômico do desenvolvimento. Mudanças importantes em tempos em que a informação assume um papel cada vez mais relevante, ciberespaço, multimídia, internet, a educação para a cidadania representa a possibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para transformar as diversas formas de participação na defesa da qualidade de vida. Isso implica na necessidade de se multiplicarem as práticas sociais baseadas no fortalecimento do direito ao acesso à informação e à educação ambiental em um ponto de vista integrador. Esse indicador é avaliado através de parâmetros que possibilitarão a análise da dimensão político-cultural que se configura crescentemente como uma questão que abarca um conjunto de atores do universo educativo: Taxa de escolaridade: Percentual de estudante pelo total de jovens do município. Número de professores pós-graduados: Tal número possibilitará uma análise da qualidade do ensino que está sendo transmitido para os estudantes itabaianenses. Número de emissoras e equipamentos transmissores de rádio e TV: O jornalismo, falado, impresso, televisivo, é imprescindível na mobilização social, pois se trata de um aspecto que detém um grande poder de intervir nas relações humanas, na reorientação das relações da sociedade com a natureza, proporcionando uma discussão do desenvolvimento e do meio ambiente. Número de horas semanais de programas de rádio com informativos sobre saúde, educação, meio ambiente e cidadania. Os meios de comunicação de massa, além de serem elementos informativos, são também elementos formativos, que se destacam na construção de uma percepção ambiental que denote um entendimento da questão ambiental, uma promoção de mudança de hábitos e valores e uma mobilização da ação de políticas publicas socioambientais efetivas que refletirão na realidade cotidiana e na disseminação dos direitos e deveres do cidadão. Acesso às bibliotecas públicas: esse parâmetro evidenciará a questão do interesse da população para com a aquisição do conhecimento, assim como mostrará as condições de acolhida da população nas bibliotecas. Número e acesso a lan houses: este parâmetro está apoiado na verificação do crescimento e disseminação da inclusão digital que é hoje uma das principais preocupações das políticas públicas de desenvolvimento social, amparada na idéia de que a exclusão digital aumenta a desigualdade social. Espaços de lazer: parâmetro considerável para avaliação da qualidade da sociabilização dos indivíduos. Conselhos e comitês de assistência à população: parâmetro significativo para avaliação da importância e assistência social dada a sociedade. Trabalho e renda O trabalho é fundamental para a dinamização da economia e sua importância é inegável. A renda, por sua vez, dá oportunidade de acesso a determinados bens e serviços que contribuem para a sobrevivência e qualidade de vida da população. Trabalho e renda serão utilizados para avaliar as condições econômicas da população, por meio da análise de dados relativos à renda média da família. Parâmetros que viabilizarão o diagnóstico do percentual de famílias que vivem abaixo da linha de pobreza, possibilitando, então, um estudo integrado da relação existente entre o bem estar socioambiental com o nível econômico da população. % de moradores trabalhando em atividade formal; Tipos de profissão; % de aposentados responsáveis pela família; % de famílias visitadas que recebem auxílio do governo. Formas de composição dos rendimentos familiares. Diante da complexidade que o grupo de indicadores expostos pretende tratar, emerge a necessidade do uso de um enfoque sistêmico, de um forte aporte teórico interdisciplinar, para que os diferentes valores das dimensões presentes possam ser tratados adequadamente à luz de sua complexidade. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar das limitações têmporo-espaciais dos indicadores, o potencial educativo desses instrumentos nas várias esferas de ação é muito forte, pois na busca de uma síntese do ambiente, expõe um determinado corte da realidade que, a depender do contexto em que é apresentado, atua positivamente. Um indicador e seu conjunto de parâmetros representam um sinal que nos permite compreender dimensões do mundo real, conferir-lhe importância, possibilitando julgamentos e desenvolvimentos futuros através de sua análise. Compreende-se que pode existir uma insuficiência e dispersão de informações sobre o território, bem como a percepção diferenciada sobre os diferentes valores naturais, culturais, políticos, ambientais, sociais e econômicos. Nesse sentido pode-se perceber um processo recente no qual surge um apelo para mudança de percepção, convergindo na constituição de uma linguagem e visão mais equânime entre o ambiente e o planejamento territorial, incorporando-as em uma visão mais sistêmica. A abordagem sistêmica como instrumento construtivo da matriz de indicadores de sustentabilidade, concilia às necessidades ambientais, sociais, econômicas e culturais à busca da melhoria da qualidade socioambiental de um território. De concreto, temos que sua aplicabilidade resulta em importante instrumento avaliativo de um meio social, cultural, político, econômico e ambiental. Portanto, o uso de indicadores socioambientais reflete o nível de sustentabilidade, uma vez que cada dimensão da sustentabilidade representativa dos indicadores está associada aos aspectos ambientais, espaciais, econômicos, sociais e culturais do município. 6 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA CARA, R. B. Territórios de lo cotidiano: puntos de partida para La reflexión. In: MESQUITA, Z. BRANDÃO, C. R. Territorios de lo cotidiano: uma introdução a novos olhares e experiências. Ed. UFRGS/UFISC, 1995. PP. 6775. CARLOS, Ana F. A. A geografia na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2000. _____. O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade. São Paulo: Contexto, 2004. CARVALHO, I. C. de M. A questão ambiental e a emergência de um campo de ação político-pedagógica. IN: LOUREIRO, C. F. B (org). Sociedade e meio ambiente: A educação ambiental em debate. 4ª Ed. São Paulo: Cortez, 2006, pp. 53-65. HERCULANO, Selene C. A Qualidade de vida e seus indicadores. IN: Ambiente e Sociedade. 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Planejamento ambiental: Teoria e prática. São Paulo: Oficina de textos, 2004. PINTO, Josefa Eliane S. de S. Os reflexos da seca no Estado de Sergipe. São Cristóvão: NPGEO, UFS, 1999. CADEIA PRODUTIVA DAS HORTALIÇAS EM ITABAIANA/SE: O CASO DA PRODUÇÃO E DA COMERCIALIZAÇÃO NAS ÁREAS IRRIGADAS Diana Mendonça de Carvalho3 José Eloízio da Costa4 1 INTRODUÇÃO O estudo da produção de hortaliças nas áreas de irrigação parte da análise cadeia produtiva que é centrada na agricultura familiar. Tal categoria social é determinante para o conhecimento do espaço rural, pois é dela que saem os produtos que compõem o segmento de circulação, distribuição e comercialização de produtos agrícolas. Todavia, nesse estudo, não se pretende adentrar teoricamente na questão da pequena produção familiar, mas definir como essa classe se insere dentro da cadeia de produção e de comercialização das hortaliças. Nesse sentido, a pretensão é analisar a cadeia produtiva de hortaliças destacando a produção e a comercialização e os impactos produtivos sobre a economia do município de Itabaiana, tendo como marco empírico o Açude da Macela e os perímetros irrigados de Jacarecica I e Ribeira. Isso porque essas áreas de irrigação se constituem como importantes produtoras e fornecedoras de hortaliças para o mercado. Tal análise se justifica nas políticas públicas, impostas pelo Estado, na promoção das áreas de irrigação, no volume de produção e no número de atores envolvidos na comercialização 3 Mestre em Geografia (NPGEO/UFS) e Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Sobre Transformações no Mundo Rural – GEPRU/UFS. 4 Doutor em Geografia Agrária pela UNESP/Rio Claro. Professor do Núcleo de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe- NPGEO/UFS. das hortaliças que têm sua cadeia produtiva definida pelo produtor, por intermediários, de âmbito atacadista e varejista e pelo mercado consumidor. Para a constituição desse estudo foram realizados num primeiro momento, levantamento bibliográfico e análise da temática: ―agricultura irrigada‖, ―cadeia de produção agrícola‖ e ―município de Itabaiana‖. Por estes foram observados dados a respeito da produção agrícola em áreas irrigadas, em escala mundial, nacional, regional e local. Na análise a respeito de Itabaiana foram destacadas suas principais características sócioeconômicas e naturais, para por fim adentrar nas políticas públicas que edificaram as principais áreas de irrigação do município e consolidaram sua representatividade comercial. No segundo momento foram realizados estudos específicos sobre as áreas de irrigação do município, os quais foram acompanhados de reconhecimento e trabalho de campo com os envolvidos na produção e na comercialização, por meio de observações, registro fotográfico e obtenção de dados quantitativos e qualitativos em torno da questão. Para tanto, utilizou-se de entrevista aleatórias com os atores sociais, com representantes da Companhia de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e Irrigação de Sergipe (COHIDRO), Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (EMDAGRO) e Secretaria de Agricultura, Pecuária e Meio-Ambiente do Município de Itabaiana. Através desses foi possível dimensionar a produção, conhecer a cadeia de intermediação e os fluxos de comercialização. Com essas informações também foi possível confeccionar mapas e delimitar a área de estudo através da Base Cartográfica do Atlas Digital, confeccionada pela Secretaria de Estado do Planejamento (SEPLAN) 2 ALGUNS ELEMENTOS AGRICULTURA IRRIGADA TEÓRICOS SOBRE A A irrigação é uma importante técnica utilizada para a produção agrícola. Ela determina maior segurança ao produtor, pois o manejo da água de forma correta conduz a resultados favoráveis de produção e possibilita maior número de safras durante o ano. O controle e a administração da quantidade de água disponibilizada para os cultivos na irrigação contribuem para maiores índices de sustentabilidade em termos de desgaste do solo e da poluição das águas com insumos e defensivos químicos, e também para o aumento na produção e melhoramento da qualidade dos alimentos. Segundo Paz, et. al. (2000, p.05), em 1990, as áreas irrigadas no mundo com cultivos permanentes e temporários representavam 17% e delas se obtinham cerca de 40% da produção agrícola mundial. Na América Latina os países com maior destaque em irrigação eram: México, Argentina, Chile, Peru e Brasil, sendo este último, o país com maior potencialidade para essa prática. No território nacional a prática de irrigação corresponde a 5% do total das áreas de cultivo, sendo responsável pela produção de 16% do total de alimentos. Segundo Albertini (2009), o país concentra cerca de 4,6 milhões de hectares irrigados com um potencial 10 vezes maior. Apesar de o Brasil ser um dos países com maior reserva de água doce do mundo, a distribuição da mesma é desigual entre as regiões, já que cerca de 70% delas estão concentradas na região Amazônica. Essa situação associada às diferenças sócio-econômicas, as condições naturais e edafoclimáticas acarretam a busca por meios técnicocientífico-informacionais que tornassem a produção agrícola acessível economicamente. No Nordeste brasileiro, a agricultura irrigada vem sendo estimulada desde o período republicano através do Estado, com planejamento regional visando amenizar a problemática das secas, as desigualdades regionais e promover uma modernização agrícola. Tais políticas, entretanto, se mostraram conservadoras por não mexerem na estrutura sócio-espacial vigente na região, além de poderem ser analisadas como medidas para alavancar o desenvolvimento capitalista da agricultura. Ainda assim, segundo Neto (2006), a região tem se tornado uma boa opção para investimentos, pois apresentam vantagens comparativas face à disponibilidade de recursos naturais, tais quais: a luminosidade, a temperatura e a oferta de água que se tornou ingrediente para o desenvolvimento do sertão Nordestino, a exemplo do que ocorre no Vale do São Francisco, [...] onde a natureza não poupou esforços para oferecer um clima propício e terras com grande potencial para o desenvolvimento da agricultura irrigada, notadamente, para a fruticultura. Fatores como esses, somados à participação da CODEVASF na implantação de infraestrutura para irrigação e na viabilização de crédito para os pequenos produtores, vêm transformando o vale em um pomar multiplicador de negócios e oportunidades (CODEVASF, S/A, p.12). Esses projetos têm contribuído, com apoio do Estado e de agentes dos agronegócios, para a difusão de crescimento econômico regional e assim, para a disseminação de seus produtos em vários mercados, inclusive a nível internacional. No município de Itabaiana, não há especificamente empresas de agronegócio, contudo, a criação do Açude da Macela (1950) e a instalação dos perímetros de Jacarecica I e Ribeira (1989) auxiliou no aparecimento de duas empresas agrícolas, a Hortaliça Vida Verde e a Itahortas que fazem a comercialização de seus produtos para redes de supermercado. Entretanto, deve-se ponderar que o forte da produção agrícola de hortaliças folhosas de Itabaiana ocorre entre os pequenos agricultores familiares que promovem eles próprios a comercialização ou entregam parte de sua produção para os intermediários que assim abastecem o município, municípios circunvizinhos e ainda o Estado da Bahia. 3. CADEIA PRODUTIVA E A COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS A comercialização de produtos agrícolas depende dos atores sociais envolvidos nesse processo, dos recursos financeiros disponibilizados para as transações, da existência de uma cadeia produtiva, da existência de informações com relação às características e aos riscos de oscilação dos preços (Azevedo, 2002). Sendo assim, a comercialização agrícola ocorre a partir de relações estabelecidas dentro da cadeia produtiva de cada produto. A cadeia produtiva compreende os alicerces do processo produtivo e as fases pelas quais os produtos passam (processamento, armazenamento e etc.) até chegar ao mercado consumidor, podendo ser iguais e padronizados ou diferentes, destacando especificidades locais e regionais, ou ainda, evidenciando a integração de atores sociais que visam minimizar problemas e promover o crescimento econômico. Entre os vários atores sociais que compreendem a cadeia destacam-se (figura 01): 1- fornecedores de insumos, representados por empresas que têm por finalidade ofertar implementos agrícolas e tecnologia; 2- Produtores, definidos por agricultores familiares, uma vez que subordinados ao capital, esses atores estão diluídos da luta de classe. Essa categoria social se define pelo processo produtivo conduzido pelo proprietário da terra, pela ênfase na diversificação produtiva, na durabilidade dos recursos, na qualidade de vida, na utilização do trabalho assalariado em caráter complementar e na tomada de decisões imediatas devido ao alto grau de imprevisibilidade do processo produtivo (FAO/INCRA,1994). Tal classe rural aparece em meados da década de 1990, decorrente da adoção do termo como uma nova categoriasíntese pelos movimentos sociais do campo, dirigidos pelo sindicalismo rural ligado à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – Contag; e pela criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf em 1996, que através da ação do Estado deu legitimidade ao termo (Schneider, 2003). 3- Processadores, representados pelas ―[...] agroindústrias que podem pré-beneficiar, beneficiar ou transformar os produtos in-natura‖ (SILVA, 2005, p.02); 4- Comerciantes, que na forma atacadista, tem por função distribuir as mercadorias para postos de venda, e na forma varejista, comercializando o produto para o consumidor final; 5- O mercado consumidor é o ponto final do processo de comercialização. Todo esse processo fundamenta uma ampla compartimentação do processo produtivo em várias etapas até chegar ao mercado consumidor final. Figura 01. Etapas da cadeia produtiva. Fonte: SILVA, 2005, p.01. Organização: Diana Mendonça de Carvalho, 2009. Deste modo, a comercialização de produtos agrícolas está inserida no contexto da cadeia de produção que interage em um processo de oferta de produtos ou serviços ao mercado consumidor. A constituição e efetivação dessa cadeia não ocorrem da mesma forma em todos os lugares, uma vez que, ―[...] cada arranjo depende de inúmeras variáveis, que normalmente estão associadas aos contextos regionais e as exigências de mercado‖ (SILVA, 2005, p.05). 4 O MUNICÍPIO DE ITABAIANA: ESPAÇOS DE IRRIGAÇÃO, DE PRODUÇÃO E DE COMERCIALIZAÇÃO O município de Itabaiana está localizado na faixa centroocidental do Estado de Sergipe, estando a sede a uma altitude de 188m (figura 02). O mesmo limita-se com os seguintes municípios: Areia Branca, Moita Bonita, Malhador, Frei Paulo, Campo do Brito, Macambira e Riberópolis. A área municipal ocupa 336,9Km², constituindo 1,53% do território sergipano, e distancia-se da capital, Aracaju, via rodovia 56 km, através da BR-235 e BR-101. Entre as características específicas desse território que o tornaram referência na produção de hortaliças estão as condições edafoclimáticas. O clima classifica-se como tropical quente semi-úmido; pluviosidade, apresentando precipitação em torno de 750 a 1000mm, sendo o período chuvoso de março a agosto. Os solos são dos tipos planosol, podzólico vermelho, amarelo, equivalente eutrófico, litólico e eutrófico distrófico, cobertos por uma vegetação de capoeira, caatinga, campos limpos e campos sujos (SERGIPE. SEPLANTEC/SUPES, 1997/2000). O município está inserido entre duas bacias hidrográficas, a do rio Sergipe e a do rio Vaza-Barris e conta com 697 pontos de água (segundo dados do CPRM, 2002), dois do tipo fonte natural, dois poços escavados e seiscentos e noventa e três poços tabulares. Figura 02. Localização e Rodovias que cortam o município de Itabaiana/SE. Base Cartográfica SEPALNTEC (2004). Em termos demográficos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na última contagem populacional (2007), a população de Itabaiana é de 83.167 habitantes, sendo que, 62.777 são urbanos e 20.384 são rurais. Esses números mostram que a representatividade da população urbana é de 75,5% contra 24,5% da rural. Em relação à economia, os números do Produto Interno Bruto (IBGE, 2006), refletem uma economia basicamente urbana, já que as atividades de serviços e indústria concentram 322.097 (mil reais) que equivalem a 94,5% dos valores econômicos adicionados à nível de município, enquanto o setor agrícola concentram 18.842 (mil reais), isto é, 5,5% dos valores econômicos adicionados. Tais dados fazem refletir que a economia do município de Itabaiana tem dependido cada vez menos do setor agropecuário, concentrando-se fortemente nos segmentos urbanos, que dentro dos termos de serviços e indústrias destacam-se o comércio, como um dos maiores do interior sergipano. Historicamente o desenvolvimento do município de Itabaiana reporta-se aos fluxos de pessoas quando ainda era ―Caatinga de Ayres da Rocha5‖. Nesta ―Caatinga‖, provavelmente começou a se firmar pontos de encontro comercial de pessoas em trânsito entre o norte e o sul do Estado. Com a construção da Igreja Matriz e da Praça Fausto Cardoso, muitos feirantes da zona rural se fixaram em torno da praça, tornando a feira um mercado periódico aos sábados. Segundo Carvalho, V. (2009, p.69), a ―Caatinga de Ayres da Rocha‖ se refere à área que perfaz o atual centro urbano de Itabaiana, levando-se em conta a geografia atual. ―O certo é que, dentro da área, conhecida por Caatinga de Ayres da Rocha, estava localizado o sítio, que a Irmandade das Almas adquiriu, sendo palco, mas tarde, da sede urbana da Vila de Itabaiana‖ (idem.). Essas terras pertenceram ao português Ayres da Rocha, ganhas após a conquista do território sergipano, juntamente a comitiva de Cristóvão de Barros e seu nome ficou como referência por muitos anos, mesmo depois de sua morte. 5 Tal fato possibilitou uma maior conexão entre o campo e a cidade. A cidade passou a ser ponto de escoamento da produção agrícola e local de aquisição de outros itens necessários a sobrevivência. Já o campo, tornou-se local de produção de itens alimentares e base de sustento de muitas famílias itabaianenses. Contudo, a articulação cidade e campo, a nível municipal, não teria possibilitado ao município tornar-se conhecido como um pólo regional de produção de hortaliças e nem teria se constituído um nó comercial de distribuição desses produtos sem a intervenção do Estado, com suas políticas regionais. Entre as políticas regionais que contribuíram para a consolidação desse município no contexto estadual estão: a construção do Armazém da Companhia Nacional de Abastecimento (Cibrazém), atual Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) na década de 1950 e a construção do Açude da Macela (1957) e das barragens Jacarecica I (1987) e Porção da Ribeira (1987), localizadas respectivamente no rio Jacarecica e afluentes da Bacia do Rio Sergipe, (figura 03). Figura 03. Perímetros Irrigados no município de Itabaiana/SE. Base Cartográfica SEPALNTEC (2004). Os perímetros irrigados de Itabaiana exercem importante função em termos de produção e de comercialização das hortaliças, principalmente de folhagens em Itabaiana/SE. Segundo Silva (2001), o município se fixa como um dos principais responsáveis pela produção olerícola consumida em Sergipe. Para esse autor, os perímetros contribuíram para a produção de alimentos pouco cultivados em Sergipe, [...] como maxixe, pepino e vagem, sobretudo, no tocante a uma maior oferta desses produtos ao mercado consumidor, contribuindo assim em mudanças de comportamento cultural da população (SILVA, 2001, p.26). Todavia, segundo Mota e Lopes (1997) esses projetos ainda necessitam de organização produtiva, para avaliarem o melhor momento de plantar determinada área, de colher e mesmo de planejar a quantidade que vai ser produzida, a fim de se ter nos mercados preços mais sustentáveis. Por isso, devem ser realizados estudos de preços e de mercados que por ventura absorveram os produtos olerícolas cultivados. No caso do município de Itabaiana, os produtos cultivados nos perímetros irrigados da Ribeira e Jacarecica I são os mesmos e a colheita ocorre praticamente no mesmo período, dificultando assim, a comercialização e a conseqüente obtenção de melhores preços (Mota e Lopes, 1997). Por conta disso, tem se buscado novos mercados, como por exemplo, as hortaliças produzidas em Jacarecica que são destinandas aos mercados de Aracaju, Salvador e até mesmo do Rio Grande do Sul, como é o caso da batata-doce. Conforme os referidos autores, algumas das transações comerciais dos produtos agrícolas desses perímetros são, [...] feitas dentro de Sergipe, e algumas vezes em Salvador, é o próprio agricultor quem atua como vendedor da produção. Porém, ainda são os intermediários locais os principais agentes de comercialização de hortaliças dos perímetros, detendo em suas mãos o controle dessa atividade e influenciando tanto na determinação dos preços como na seleção dos produtos a serem cultivados. (Op. Cit. 1997, p.137). Além desses projetos, o município de Itabaiana se fixa como grande produtor de hortaliças, utilizando-se de programas de micro-crédito; de equipamentos como poços artesianos, para períodos de estiagem; fertilizantes, adubos químicos e corretivos, a fim de garantir maior produtividade; e de tratores, como forma de trabalhar a terra. Na década de 1990, o município de Itabaiana passa a se reconhecido como um grande entreposto comercial, importando e exportando hortifrutigranjeiros. Isso decorreu da construção do Mercadão de hortifrutigranjeiros que acabou se tornando, segundo Silva (2001), responsável pela comercialização de 48% da produção de olerícolas do estado, enquanto o Mercadão do Produtor em Aracaju comercializava 52%. Sendo que esses produtos olerícolas, quase sempre, têm origem no município de Itabaiana. Este município ainda tem se destacado pela exportação de coentro, amendoim e batatadoce. Desse modo, O alcance interestadual da produção é o exemplo de que a atividade olerícola em Itabaiana se consolida e se mostra competitiva. O município exporta para vários Estados do Brasil diversos produtos olerícolas, sendo que os mais importantes são o coentro, que tem mercado garantido na Bahia, Alagoas e Pernambuco, o amendoim que é enviado até para Rio de Janeiro e São Paulo, além da batata-doce que é consumida por diversos Estados [...] O Estado do Rio Grande do Sul tornou-se, desde 1991, o principal importador da batata-doce de Itabaiana, tendo como finalidade a produção de doces e matériaprima para as indústrias alimentícias e de cosméticos e que é exportada para outros Estados do Brasil como São Paulo e Paraná, países do MERCOSUL, Estados Unidos e Europa, como Espanha e Portugal (SILVA, 2001, p.114). Assim, o município de Itabaiana tem desenvolvido atividades em variados setores da economia. Contudo, ele continua se vinculando, como ocorre desde sua origem, à atividade agrícola. Os produtos advindos dessa atividade colaboraram para que a cidade de Itabaiana intermediasse o fluxo de comercialização entre Aracaju e o Sertão e atraísse migrantes de outros municípios sergipanos, como: Frei Paulo, Campo do Brito, Macambira, Malhador, Moita Bonita, São Domingos, Ribeirópolis, Carira, Pinhão, Pedra Mole, Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora da Glória. Conforme dados do Censos Agropecuários de 1995/96 e 2006 houve uma diminuição de 1442 estabelecimentos e de 7.874 hectares de área ocupada. Isso pode ser decorrente da integração de áreas rurais na ampliação do espaço urbano. No mesmo intervalo ocorreu variação em relação ao número de estabelecimentos com lavouras temporárias e permanentes em respectivamente 27% e 82,6%. Tal aumento pode decorrer da intensificação das áreas de cultivo, no caso da lavoura temporária, da batata-doce que cresceu 6%; e com relação à lavoura permanente, da banana (17,64%), do coco-da-baía (5,26%) e do maracujá (140%). Quanto à produção, a lavoura temporária de Itabaiana produziu em 2008, 52.175 toneladas de alimento, ocupando uma área de 4.940 hectares, enquanto à lavoura permanente ocupou uma área de 349 hectares, com a produção de 150 mil frutos6 e 3.133 toneladas de frutas. Dados do IBGE/SIDRA (2006) mostram que a produção de hortaliças em Itabaiana é de 2.181 toneladas, representando 34,47% da produção sergipana (tabela 01). Desse total, a maior representatividade de Itabaiana frente ao total do estado é na produção de chicória (100%), de rúcula (88,9%), uma vez que são culturas evidenciadas nas propriedades empresariais que tem sua produção direcionada as redes de supermercados do Estado. Depois desses produtos advém a 6 Dado referente ao número de coco-da-baía produzidos. cultura de alface (65,51%), uma produção já tradicional no município e que faz ele ser reconhecido pela produção de folhagens. Além desses, produz-se em grande quantidade hortelã (60%), espinafre (50%) e rabanete (50%), sem esquecer o coentro (37,8%) e a cebolinha (12,87%) que são também muito cultivados, mas com menor representatividade frente ao total da produção estadual devido ser uma cultura mais disseminada em outros municípios, a exemplo de Areia Branca que produz 30,81% da produção sergipana. Tabela 01. Produção de Hortaliças na esfera estadual e municipal Sergipe Itabaiana (T) (T) Alface 841 551 Coentro 3719 1406 Cebolinha 1421 183 Salsa 314 20 Hortelã 5 3 rúcula 9 8 Chicória 3 3 Almeirão 0 0 espinafre 12 6 rabanete 2 1 Total 6326 2181 Fonte: IBGE, IBGE/SIDRA (2006). Segundo dados da EMDAGRO (2007), o município de Itabaiana é ainda responsável pela produção de 19,26% de amendoim, 88,13% da alface, 87,03% do maxixe, 78,10% da batata-doce, 71,29% do coentro, 69,10% da cebolinha, 47,48% da couve, 22,99% da berinjela, 20,42% do chuchu, 13,05% da macaxeira e 12,70% da beterraba que foram comercializados na Ceasa de Aracaju, no ano de 2007. Além desses, foram comercializados nesse espaço, itens de menor expressividade nos números produtivos do município de Itabaiana, como a batata-inglesa, a cebola branca, a cenoura e o couve-flor. 5 ÁREAS IRRIGADAS E PRODUÇÃO A produção agrícola de Itabaiana tem se concentrado em alguns povoados, como: Caraíbas, Cajueiro, Cajaíba, Pé do Veado e Serra, e nos espaços com projetos de irrigação, entre os quais, as áreas do Açude da Macela e dos Perímetros Irrigados de Jacarecica I e Ribeira que abrangem respectivamente os povoados de: Macela, Agrovila, Lagoa do Forno, São José, Junco, Ribeira, entre outros, de forma indireta. a) Açude da Macela O Açude da Macela é parte de uma política pública, estimulada a partir de 1945, após criação da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), mais tarde denominada de Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). Este Departamento centrou sua ação na instalação de infraestrutura de captação e de armazenamento de água, através da construção de pequenos e médios açudes públicos e posteriormente, através da perfuração de poços artesianos. Segundo Pinto (1997, p.107), o açude tem vínculo direto [...] com o clima e com a população e o espaço geográfico abrangido por ele. É para combater a seca e seus afeitos que surgem os açudes. A sua construção, quer por particularidades, quer pelo poder publico, prevê sempre o atendimento aos flagelados da seca, pela captação de água por meio de poços, implúvios, cisternas ou açudes, que aliada a condições pedológicas favoráveis e tecnologia adequada, garante a manutenção das populações através da atividade agrícola‖ (op cit.) Esse Açude, com a barragem que represa o Riacho da Macela, apresenta um volume de 2.135.200 m³ de água, abrangendo 24km². Segundo Borges (1995, p. 60), ―[...] possui um coroamento de 710 metros e uma largura de 4 metros, com sangradouro de 16 metros e profundidade de 14 metros. O talude jusante tem 2,5 por 1,0 metros e o talude de montante, 2,0 por 1,0 metros‖. A área abrangida pela irrigação foi inicialmente de 43 lotes, e no atual momento existem apenas 32 lotes, por aglutinação (BORGES, 1995) (figura 04). Figura 04. Açude da Macela. Fonte: Diana Mendonça de Carvalho (2009). No momento de sua implantação, o açude gerou prosperidade e transformações no processo de produção agrícola do município, tornando Itabaiana conhecida como uma das mais importantes áreas agrícolas do Estado de Sergipe. Na década de 1970, com a implantação do modelo de Revolução Verde norte-americano no Brasil, o município de Itabaiana teve a incorporação de novas técnicas como o uso de novos insumos, de defensivos agrícolas e fertilizantes. Fatores que afetaram o ambiente e provocaram seu atual estágio de desequilíbrio. O Açude da Macela se configurou como uma área de desenvolvimento de uma agricultura intensiva e diversificada, que superava as tradicionais formas de produção. Sendo assim, ―Itabaiana tem uma longa tradição no uso de irrigação superficial por sulcos, com excelente nível de aceitação por parte dos produtos, na área do Açude da Macela, onde se desenvolve uma agricultura intensiva à base de irrigação‖ (SANTANA, 1996, p.40). Através dessa irrigação passaram a ser produzidos nesse espaço folhagens como: alface, cebolinha, coentro, salsa, acelga e rúcula, além de tomate e pimentão. Decorrente do fato de esses produtos serem muito perecíveis a pragas, muitos produtores acostumaram a usar dosagens excessivas e incorretas de agrotóxicos para evitar perdas e aumentar a produção. Esse fato contribuiu para alimentar um ciclo de contaminação das águas do Açude e conseqüentemente das plantações. Na década de 1990, além das pequenas propriedades familiares se organizaram duas empresas agrícolas: a Hortaliça Vida Verde e a Itahortas que são as fornecedoras de produtos olerícolas para a rede G Barbosa e Bom Preço de supermercados. A produtividade da área em 1994 contabilizou no total anual cerca de 135.000 unidades de folhagens por tarefa, ou seja, 2.812,5 unidades por semana e em relação ao tomate, pimentão, quiabo e repolho, esses contabilizaram uma produtividade anual de 2.069,64 kg por tarefa, isto é, 43,11 kg/tarefa. Nesse espaço, a empresa Hortaliça Vida Verde, no ano de 2009, produziu semanalmente cerca de 14.695 molhos ou unidades de folhagens. Além disso, essa empresa intermedia a comercialização de outras unidades familiares e empresas, como da Itahortas, com relação a produtos não produzidos por eles, visando atender a todas as exigências dos contratos estabelecidos, e assim torna-se grande intermediária, comercializando olerícolas que contabilizam 80% para a rede G Barbosa, 5% para BT, 5% para o Varejão, 4% para o Macro e 6% para a Família Peixoto em Itabaiana (Tabela 02). Tabela 02. Produção de Olerícolas pela Empresa Hortaliça Vida Verde. Produtos unidades Alface 5800 Rúcula 1900 Chicória 200 Escarola 160 Almeirão 105 Espinafre 350 alface hidropônica 6000 Rabanete 180 Total 14695 Fonte: Trabalho de campo (Setembro, 2009). Atualmente essa área apresenta, em sua comunidade, uma população de 244 habitantes, segundo a Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (EMDAGRO, 2008). Essa população depende das atividades irrigantes em sua grande maioria7. A irrigação ocorre através do bombeamento da água do Açude para algumas propriedades que acabam regando suas culturas com aspersão ou técnicas de irrigação a laser, ou mesmo através de poços tubulares promovem a produção por bombeamento da água do lençol freático. 7 Pela proximidade com a cidade de Itabaiana, esse povoado se transformar em um bairro urbano-rural que ainda tem atividades econômicas ligadas a produção de folhagens, ao mesmo tempo em que já apresenta uma dispersão da população mais jovem para a cidade, que vive de práticas comerciais ou de serviços. Além disso, considerando dados de algumas propriedades, a produtividade da área por semana é de aproximadamente 1.500 unidades de folhagem por tarefa, com propriedades empresariais onde esse índice sobe para 4.850 unidades por tarefa8 e propriedades nas quais o índice semanal é 300 unidades por tarefa. Essa diferença decorre do número de produtos cultivados. Dessa produção, observou-se que o produto de mais cultivo é o alface, cuja produtividade variou de 6.000 unidades a 1.000 unidades por tarefa. Deste modo, pode-se dizer que a área do Açude, considerada periburbana, é a principal responsável pela produção de folhagens que abastecerá Itabaiana, principalmente no que se refere à produção de alfaces. b) O Perímetro de Jacarecica I O perímetro de Jacarecica I, construído na sub-bacia do rio de mesmo nome, afluente da margem direita do Rio Sergipe, ocupa 398 hectares, subdivididos em 130 lotes de 2,0hectares que conjuntamente produzem alface, amendoim, batata-doce, coentro, maxixe, milho-verde, pepino, pimentão e quiabo (figura 05). Entre 1991 e 2005, o segmento de produção desse perímetro cresceu 1.475,24%, segundo dados da COHIDRO, empresa que monitora o perímetro (tabela 03). 8 Índice da Itahortas. Figura 05. Perímetro Irrigado Jacarecica I. Foto: Diana Mendonça de Carvalho, 2009. Pela análise desses dados observou-se a variação de crescimento, principalmente com relação ao quiabo em 1.593,48%, a batata-doce, em 1.505,76% e ao amendoim em 1.231,42%. Esses crescimentos podem ser justificados, em relação ao primeiro produto, pelo aumento da demanda do mercado externo e pela comercialização indireta com redes de supermercados, intermediada pela empresa agrícola ―Hortaliça Vida Verde‘; enquanto o segundo, decorrente da demanda externa e dos melhores preços na pauta de comercialização na região; e sobre o terceiro, na industrialização e redistribuição desse produto para as redes de comercialização.9 9 Em Itabaiana existe algumas empresas que promovem o semiprocessamento de produtos como o amendoim e o milho, a fim de possibilitarem maior mobilidade e facilitar a comercialização realizada em mercearias e supermercados. Tabela 03. Produção de hortaliças no Perímetro irrigado de Jacarecica I (1991 - 2005) Itabaiana/SE Anos Perímetros Produtos Amendoim Batata Doce Maxixe Pepino Pimentão Quiabo Tomate Outras Culturas Jacarecica Total Anos 1991 ( ton. ) 10,47 149,98 4,16 13,52 12,73 17,19 20,10 15,80 243,95 1999 ( ton. ) Batata Doce 259,48 Maxixe 1.620,06 Pepino 56,26 Pimentão 119,48 Quiabo 77,27 Tomate 389,30 Outras Culturas 35,35 877,59 Total 3.434,79 Fonte: COHIDRO, 1991-2005. 1992 ( ton. ) 88,84 1.939,92 15,04 89,01 111,81 96,18 151,54 1993 ( ton. ) 75,93 5.057,36 43,76 110,48 154,27 110,06 169,80 1994 ( ton. ) 123,97 3.396,07 10,14 356,85 89,94 98,22 104,03 1995 ( ton. ) 253,34 1.806,18 33,95 423,97 140,83 106,57 199,57 1996 ( ton. ) 231,57 1.744,90 58,35 269,88 142,72 207,73 291,07 1997 ( ton. ) 183,86 1.847,37 81,43 388,98 125,11 288,14 132,31 1998 ( ton. ) 170,75 1.250,10 83,98 311,86 158,26 412,87 74,94 101,31 2.593,65 2000 ( ton. ) 206,10 1.574,27 42,65 143,96 55,59 365,58 137,92 5.859,58 2001 ( ton. ) 100,58 1.879,15 43,31 152,52 79,30 419,20 407,76 4.856,98 2002 ( ton. ) 112,00 1.763,20 42,69 108,10 76,69 386,90 177,39 3141,80 2003 ( ton. ) 108.94 2.732,09 31,96 87.71 88.25 453,75 368,11 3.296,33 2004 ( ton. ) 151,74 2.555,64 30,17 103,89 73,99 372,76 387,56 3.434,76 2005 (ton.) 139,40 2.408,32 40,21 71,26 35,97 291,11 676,95 3139,71 Variação % 22,90 650,54 3.061,49 90,34 745,75 3.510,15 48,80 807,23 3.345,61 52,60 903,11 4.458,41 23,29 975,97 4.287,45 14,94 941,60 3.842,81 -25,67 5.859,49 1.475,24 1.231,42 1.505,76 866,58 427,07 182,56 1.593,48 Outras culturas também mostraram crescimento considerável, como o maxixe e o pepino. Todavia, o crescimento desses produtos, igualmente ao quiabo, é justificado na demanda externa e nas redes mercadológicas. Entretanto, deve-se considerar que seus crescimentos não são contínuos, tendo períodos de maior produção do que outros. Isso se deve às questões de mercado ou ainda, a condições edafoclimáticas, que juntamente com pragas, podem ter causado a diminuição da produção. Além desses, outros produtos como o tomate e o pimentão, que tinham tradição produtiva em Itabaiana, têm tido suas culturas diminuídas. Tal fato tem se explicado não só pelas pragas que ocasionam a perda e a desvalorização do produto no mercado, como também, pela substituição desses produtos por outros mais valorizados, caso principalmente da batata-doce e do amendoim. Nos anos que se seguiram a consolidação do perímetro Jacarecica I passou a ocorrer o crescimento das áreas de produção, decorrente do roçado, de espaços de pastagem e de mata. No ano de 2008, a área plantada e o volume de produção, segundo dados da COHIDRO/Jacarecica I, foi de 331,14 hectares, produzindo 5.976,36 toneladas. Além das hortaliças, nesse ano alguns outros começam a ganhar espaço, caso do jiló, brócolis e pimenta. Os dois primeiros, demandados pelo mercado sergipano, através das redes de supermercados. Enquanto a pimenta tem sua cultura incentivada pelos bons preços pagos pelo grupo Maratá, para a industrialização e fabricação de condimentos. Segundo o coordenador desse perímetro, existe o predomínio na produção de batata-doce, sendo comercializado cerca de ―6 caminhões‖10 num único dia na semana durante o 10 Cada caminhão carrega em média 15.000kg, ou 15 toneladas de mercadorias. Normalmente os intermediários da batata-doce costumam definir um dia na semana para passar nas propriedades, negociar e recolher a produção. período de safra para intermediários. Além disso, toda a produção de hortaliças, legumes e raízes conta com a assistência técnica da COHIDRO e DEAGRO. A produção desse perímetro visa atender principalmente a demanda municipal, sendo distribuído pelos próprios agricultores e mesmo por intermediários que também atendem a demanda estadual e regional e seguramente a demanda nacional, a exemplo do pimentão e quiabo exportados para o estado da Bahia e mesmo, da batata-doce, vendida para mercados sulistas, a exemplo do estado do Rio Grande do Sul. c) O Perímetro da Ribeira O perímetro da Ribeira, localizado na Bacia do rio Traíras, afluente da margem esquerda do Rio Sergipe, ocupa área total de 1970 hectares, com 466 lotes irrigados de tamanhos inferiores a 5hectares, onde se beneficiam 11 povoados de Itabaiana e seis de Areia Branca. Nele se cultiva batata-doce, coentro, cebolinha, pimentão, tomate, couve, amendoim, berinjela, alface, feijão e vagem (figura 06). Este perímetro apresenta também projetos de piscicultura, com a criação de peixe da variedade tilápia. Entre 1991 e 2005, a produção desse perímetro cresceu 333,59%, segundo dados da COHIDRO (tabela 04). Figura 06. Perímetro Irrigado Ribeira. Foto: trabalho de Campo (2009). Tabela 04. Produção de hortaliças no Perímetro irrigado da Ribeira. Itabaiana/SE Perímetros Ribeira Ano Produtos Amendoim Batata Doce Cebolinha Coentro Pimentão Tomate Outras Culturas Total 1991 ( ton. ) 26,46 1992 ( ton. ) 114,27 1993 ( ton. ) 101,50 1994 ( ton. ) 137,57 1995 ( ton. ) 245,71 1996 ( ton. ) 94,49 1997 ( ton. ) 146,88 1998 ( ton. ) 241,6 159,33 0,39 24,18 43,93 71,74 1.096,29 31,30 160,82 243,81 442,68 2.528,35 87,74 470,81 214,32 587,62 3.999,59 166,53 1.307,78 184,53 608,85 4.211,05 167,10 1.345,47 361,72 529,10 4.267,73 255,68 1.199,86 295,47 415,59 3.403,72 266,98 1.355,25 345,36 465,54 3.447,81 198,63 1.205,60 257,46 174,98 90,50 416,53 992,90 1.724,37 1.419,99 1.544,05 1.681,67 2.140,91 1.650,48 3.082,07 5.714,71 7.824,84 8.404,20 8.210,49 8.124,64 7.176,58 Variação 2000 2001 2002 2003 2004 2005 % ( ton. ) ( ton. ) ( ton. ) ( ton. ) ( ton. ) (ton.) 316,78 178,51 132,27 127,97 108,36 48,90 84,80 Ano 1999 ( ton. ) Amendoim 304,54 Batata Doce 4.178,52 Cebolinha 214,98 Coentro 1.281,07 Pimentão 165,13 Tomate 162,17 Outras Culturas 1.224,92 Total 7.531,33 Fonte: COHIDRO, 1991-2005. 4.217,67 266,48 1.263,39 238,02 251,51 5.365,68 366,74 1.080,76 287,43 332,29 3.377,93 274,93 1.211,86 138.64 106,57 4.457,63 297,84 882,32 249,53 102,52 3.623,39 309,37 965,12 210,49 73,82 1.221,95 39,24 58,99 82,62 21,83 666,93 9.961,53 143,96 88,07 -69,57 1.612,06 1.656,91 1.196,80 1.606,45 1.223,65 332,53 267,43 8.165,91 9.268,32 6.439,00 7.724,26 6.514,20 1.806,06 333,59 Pelos dados da COHIDRO (1991-2005), nessa área, o foco principal tem sido a produção de hortaliças, principalmente dos folhosos, como cebolinha e coentro, que juntos apresentam um considerável crescimento de 10.105,49%. Tal crescimento deve-se principalmente à ampliação da demanda dos mercados no estado da Bahia. Fato justificado, segundo técnico desse perímetro, no atendimento à demanda primeiro de Itabaiana e de outros municípios sergipanos, como Pinhão, Macambira, Pedra Mole e de Aracaju. Contudo, há períodos de safra, em que é possível visualizar a saída diária de 3 a 5 caminhões repletos de coentro em direção a Salvador. Além dessa cidade, a produção de hortaliças tem atendido a outros municípios baianos, como Ribeira do Pombal, Euclides da Cunha, Entre Rios e Esplanada. Em relação à batata-doce, esta tem sido vendida principalmente no mês de março para o Rio Grande do Sul e Argentina. Além das folhagens, a batata-doce, igualmente ao que ocorre no perímetro Jacarecica I, tem ampliado gradualmente sua produção. A variação de 1991 a 2005 foi de 666,93%, em virtude da demanda externa e dos preços no mercado. Entretanto, o tomate como produto tradicionalmente produzido em Itabaiana tem diminuído drasticamente sua produção (cerca de 69,57%). Isso se deve, segundo os próprios agricultores, à sua substituição por produtos mais valorizados no mercado e aos problemas ocasionados por sua produção, como o manejo com agrotóxicos para a prevenção de pragas. A intervenção do Estado nessa área de irrigação é destacada com a inserção da COHIDRO que presta assistência técnica, serviços operacionais e de manutenção dos equipamentos. Esse apoio contribuiu para a diversificação produtiva dos lotes do Perímetro da Ribeira, que em 2008, ocupou uma área de 715,3 hectares, com produção de 7.213,791 toneladas, destacando-se os seguintes produtos: abobrinha, alface, amendoim, couve, feijão, hortelã, pepino, pimentão, quiabo, repolho, entre outros. Desses, a produção de hortelã e pimenta foi impulsionada pela demanda do grupo Maratá. A comercialização de hortaliças provenientes da Ribeira é feita pelos agricultores nos mercados varejistas, a exemplo das feiras, ou repassadas para intermediários. Esses fazem a distribuição dos produtos folhosos tanto para o mercado local, quanto para outros mercados a nível estadual e nacional. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS As políticas públicas impostas pelo Estado na promoção de áreas de irrigação no município de Itabaiana contribuíram para que esse território se tornasse uma importante referência regional no desenvolvimento da agricultura familiar. Essa questão agregada às características histórico-econômicas e naturais incentivaram a transformação da cidade de Itabaiana em entreposto comercial dessas hortaliças. Ainda verificou-se que o incentivo às práticas irrigantes auxiliou juntamente a utilização de técnicas e insumos agrícolas, o aumento da produção do município, sendo, nas áreas de perímetros, possível se observar em função da assistência técnica e controle mantido pelos órgãos institucionais. No perímetro de Jacarecica I, o crescimento da produção foi de 1.475,24%, enquanto no da Ribeira foi de 333,59%, considerando a análise de dados referentes a mais de uma década (1991-2005). No ano de 2008 a produção dessas duas áreas aumentou um pouco com o incentivo à produção de novas culturas demandadas pelo mercado consumidor. Já no Açude da Macela, estima-se que também houve aumento, principalmente por parte da presença de algumas empresas agrícolas. Conforme o trabalho de campo a produtividade entre as pequenas propriedades variam entre 300 e 5.000 unidades de folhagens por tarefa durante a semana, sendo a alface a hortaliça mais produzida. Desse modo, o pequeno agricultor que conta com a família e com a irrigação para a plantação de hortaliças tem direcionado sua produção para o que é demandado pelo mercado consumidor, tornando-se muitas vezes, ele próprio, o comerciante de sua produção. A cadeia de comercialização das hortaliças, desse modo, pode ser classificada como restrita ou ampla a depender da atuação do produtor e de intermediários. Ela é considerada restrita quando o produtor comercializa diretamente com o consumidor, sendo ele responsável pelo transporte da produção até as feiras, ou ainda, quando entrega diretamente ao intermediário. Enquanto a atuação do intermediário se faz sentir na aquisição do produto junto ao agricultor e no repasse dos produtos ao mercado varejista e atacadista, ou ainda, para outros intermediários com maior poder de compra, que acaba adquirindo-os e consorciados a outros produtos que remetem à comercialização em mercados mais longínquos. Logo, a agricultura irrigada é uma atividade familiar que tem se sustentado a partir de sua produtividade e ―alimentado‖ redes de intermediação antes de o produto chegar ao consumidor final. Nesse processo, técnica e prática têm auxiliado na auto-suficiência do município de Itabaiana em relação às folhagens e em sua transformação no mercado de distribuição e comercialização regional, como também para a determinação de uma relação campo-cidade complementar, pois ao mesmo tempo em que o campo fornece alimentos, a cidade fornece insumos e bens de consumo. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBERTINI, B. Agricultura Irrigada. 29/10/2009. Disponível em <http://blogdobraz.wordpress.com/2009/10/29/agriculturairrigada/>. Acesso na data de 13/11/2009. AZEVEDO, P. F. Comercialização deficiente, informalidade e risco de preços: o mesmo problema? Artigos Técnicos de Derivativos Agropecuários. São Paulo: BM&F, n. 2, abril/maio/junho 2002. p.7-17. 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Edvaldo Oliveira11 1 INTRODUÇÃO Desde a regionalização por zonas fisiográficas de 1946, do IBGE, até a fase atual, a Bahia passou paro mais de 20 regionalizações, culminando com a Regionalização Econômica, em que se destaca a Região Sudoeste e mais recentemente com a nova regionalização adotada pelo governo do Estado - os Territórios de Identidade. Esse novo processo revela a fragmentação de uma regionalização que, na tentativa de estabelecer uma dinamização pelas políticas de Estado via programas de desenvolvimento regional com ênfase na sustentabilidade, já dava sinais de desgaste, imprimindo uma subespacialização/fragmentação. A regionalização econômica e administrativa do Estado da Bahia, instituída pela SEI - Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais, desde 1996, define 15 as regiões e, embora tenha sido frequentemente utilizada como recorte privilegiado de investigação, não se aplica mais com a mesma força. Isso porque, se entende que a utilização de um recorte com propósitos de investigação, em qualquer que seja a escala (incluindo a região Sudoeste e seus subespaços)12, não pode se 11 Professor do Departamento de Geografia da UESB. Doutorando do NPGEO/UFS. Membro do Grupo de Pesquisa sobre transformação no mundo Rural – CNPQ. 12 Em termos de localização a Região denominada Sudoeste é muitas vezes confundida como Sudoeste da Bahia. No plano locacional e de orientação referendar numa concepção tradicional de região estabelecida de maneira rígida e absoluta. Ao contrário, deve-se apreendê-la como realidade dinâmica produzida por diferentes relações nem sempre passíveis de delimitação, pois os processos sociais que lhes dão vida vão além dos seus limites. O desgaste natural da implementação dos recortes regionais se deu pela concentração das políticas nas regiões mais desenvolvidas, mesmo porque, o processo de regionalização efetivada pelo Estado da Bahia, privilegiou a cidade de Salvador como centro nodal. Daí, algumas dificuldades de entendimento quanto aos posicionamentos cartográficos das regiões. Uma primeira tentativa de ―salvar‖ os recortes regionais na modalidade econômica, buscando dinamizar cada região foi implementada no início dos anos 2000, com a elaboração dos Programas de Desenvolvimento Regional Sustentável – PDRS. O mecanismo consistia em recortar os espaços regionais em espaços menores, conforme áreas de influência intra-regional a partir do conceito de subespaço. A partir desse desgaste, da adoção de políticas concentradas nas regiões luminosas, conforme Milton Santos, deixando de lado as regiões deprimidas, e por conseqüência, mais carentes de recursos e investimentos, é que recentemente adotou-se, levando em conta as políticas do Governo Federal, uma nova regionalização, contando com recortes denominados de Territórios de Identidade. Esse procedimento acabou por fragmentar os recortes regionais, em sua maioria, dando lugar à nova regionalização. É nesse contexto que se faz nesse trabalho um exercício no sentido de explicar a nova regionalização por Territórios de identidade, sobrepondo à regionalização econômica de 1996. O critério regionalização econômica de 1996 levou em conta as potencialidades econômicas regionais, com ênfase nos pólos cartográfica a região está a sudoeste de Salvador e a sudeste do Estado da Bahia. dinâmicos de desenvolvimento bem como nas regiões que apresentavam depressão econômica e problemas de natureza social. Naquele momento foram eleitas como pólos dinâmicos para a regionalização a microrregião de Salvador, como centro principal, e áreas adjacentes e ainda as regiões sob influência de Guanambi, Irecê, Barreiras, Juazeiro e Vitória da Conquista, como centro regional da Região Sudoeste. Faz-se ainda uma breve exposição teorica sobre o território, região e subespaço, este em razão da tentativa de dinamizar a região Sudoeste a partir do PDRS, Programa de Desenvolvimento Regional Sustentável. Traz uma breve análise do processo de implementação dos Territórios de Identidade, com base nos Territórios Rurais sustentáveis do Governo Federal, com os mapas de sobreposição e da fragmentação da política regional para uma nova ordem, que começa a ser implementada e cujos resultados só o tempo dirá. 2 REGIÃO TERRITÓRIO E SUBESPACIALIZAÇÃO O conceito de região tem sido considerado ―caro‖ aos geógrafos diante do processo de globalização/internacionalização da economia, além da própria complexidade que o conceito tem apresentado. Essa complexidade pode ser verificada quando Milton Santos (1997, p. 45) afirma que ―Estudar uma região significa penetrar num mar de relações, formas, funções, organizações, estruturas, etc. com seus mais distintos níveis de contradição‖. No plano conceitual o termo região, no seu uso corrente, obedece a diferentes significados. Pode ser usado tanto para a diferenciação de áreas, quanto para a repartição ou divisão da superfície terrestre. Portanto, ―A região neste novo contexto, é definida como um conjunto de lugares onde as diferenças internas entre esses lugares são menores que as existentes entre eles e qualquer elemento de outro conjunto de lugares‖ (CORREA, 2000, p. 32). A cada recorte espacial que determine uma área com características diferenciadas, seja física ou humana, de interesse ou desinteresse do capital, a rigor, acaba recebendo, principalmente no senso comum, a denominação de região. Abramovay (2003), por exemplo, aborda um recorte menor da região, particularmente a agricultura familiar que denominou de regiões rurais. Dessa maneira, a regionalização passa a ser uma tentativa de captar a diferenciação regional ou de áreas de atuação. No entanto, os últimos debates sobre a região identificam como uma entidade em constante mutação ou flexibilização. Essa flexibilidade da região é mais freqüente nas áreas industriais e menos nas regiões agrárias, em função da especificidade da produção. Exemplos dessa flexibilização podem ser observados por Abramovay (2002) Haesbaert (1996) e Silva et al. (2003) sobre as mudanças no oeste da Bahia. No plano mais pragmático, o sentido políticoadministrativo tornou-se o mais comum e aplicado, identificando a região com a divisão territorial consagrada para a gestão pública e pelas práticas administrativas. Pode ser a nação, os estados e os municípios ou um conjunto ou subconjunto de cada uma dessas unidades territoriais. Na perspectiva do desenvolvimento de uma política agrária regional diferenciada, por exemplo, percebe-se que o desenvolvimento geograficamente desigual é discutido como uma condição para a reprodução do capital em sua fase contemporânea, tendo na ação do Estado um importante fator de explicação. Na prática, a região acaba possuindo o sentido de planificação, de delimitação, do estabelecimento de limites espaciais com os fins mais diversos Mesmo com a adoção de uma política regional, observa-se que o próprio Estado não tem priorizado os recortes político-administrativos, construídos e concebidos pelo seu próprio planejamento. Porto (2002) referese ao desmonte institucional das regiões tradicionalmente estabelecidas no Estado da Bahia. Ao restringir a eficácia das regiões estabelecidas acaba por inviabilizar a própria ação do poder público. Referendando a fluidez da região, lembra que a maioria dos recortes regionais, ou mesmo os territórios, se agrupam oportunisticamente para responder a necessidades pontuais e passageiras. Assim, uma regionalização pode atender a uma necessidade de uma política para o turismo e, de outra parte, outro formato regional deve ser desenhado para atender às demandas das políticas vinculadas ao setor agrícola, por exemplo (PORTO, 2002, p.109). O problema agrário está relacionado com a questão regional pelo fato de as políticas do e no campo refletirem a política de estabelecimento das regiões agrícolas e rurais (ELIAS, 2003). Paralelamente, a análise do território, também como categoria, aliada ao processo de regionalização objetiva fortalecer a argumentação da apropriação do espaço geográfico, diga se espaço agrário, seja pelo processo de modernização via discurso do desenvolvimento, seja pelas alterações fundiárias observadas no campo. Avalia-se o território como lócus das ações de poder e como parte do espaço geográfico universal que direciona para a concepção de território agrário, território urbano, com as mais diversas formas de dominação do espaço. Nessa ralação território/espaço, Girardi (2009), parte do princípio de que, para a análise territorial é essencial compreender os conceitos de espaço geográfico e território como indissociáveis. Negret (2008) trata da fluidez e instabilidade do território e região através da diluição das fronteiras. Nesse sentido, ao revisar e discutir alguns dos conceitos mais reconhecidos pela trajetória e importância teórica sobre espaço relata as mudanças aceleradas no conceito de espaço e território, levando em conta seus limites convencionais. O que se vê então é a materialização das ações no espaço, pela via da apropriação, capaz de manter, de alguma forma, o seu controle, que aqui se caracteriza como o territorialização. Pires lembra que a criação de um território depende de como as comunidades se organizam em termos políticos e societários, de como são concebidas as instituições democráticas que impulsionam estratégias de alcance das finalidades em forma de projeto comum. Assim, O desenvolvimento territorial é o resultado de uma ação coletiva intencional de caráter local e especifíco, portanto uma ação associada e uma cultura, a um plano e instituições locais, tendo como vista arranjos de regulação das práticas sociais (PIRES, 2007, p76). Ressalta que é apenas nesse caso que o território é mais que um promotor de ativos e recursos específicos, é o principal agente coletivo de desenvolvimento. É necessário pensar o território a partir das ações sociais, econômicas e administrativas. Haesbaert (2004) lembra a existência de três vertentes básicas acerca da noção de território: a vertente política ou jurídico, a econômica e a cultural ou simbólica. Dessas vertentes cada processo de formação do território utiliza um viés. Por outro lado, o estabelecimento do território pode ser efetivado pela apropriação do espaço. Girardi admite ―[...] que essas relações de poder são desempenhadas pelos sujeitos que produzem o espaço e têm objetivo de criar territórios, aos quais denominamos sujeitos territoriais‖. Destaca ainda que esses sujeitos são: o indivíduo (e/ou a família), os grupos, as coletividades locais, o Estado, a autoridade supranacional e as empresas. (Op. Cit, 2009, pp 37,38). Ao exercerem seu poder no espaço para a criação de territórios, os sujeitos ou atores promovem o processo de territorialização/ desterritorialização/reterritorialização que Girardi denomina TDR. O processo de territorialização pode ser entendido como a forma em que o território se materializa, bem como a manifestação das pessoas, a especialização de qualquer segmento da sociedade, como por exemplo, a produção econômica de um determinado produto. A desterritorialização tanto por ser reconhecida como um processo histórico como, mais recentemente, identificada como processo e produto da globalização que tende a desenraizar as coisas, as idéias, mercadoria, mercado, moeda, capital, entre outros. Isso é visto de forma explícita no espaço agrário, pela implantação do agronegócio. Avaliação importante pode ser observada no trabalho de Haesbaert (1996), que marca um processo de desterritorialização de áreas do cerrado baiano como processo de ocupação dos sulistas na região, que levando consigo sua cultura, sua técnica e sua identidade aceleraram o processo de ―desterritotorialização‖. A ―reterriorialização‖ da região é ordenada pelos sulistas, quase sempre com o apoio da elite local, que tentam transplantar os costumes e a própria paisagem do sul para a região É conveniente considerar que de fato a globalização dos fluxos e a implantação de fixos, mesmo no campo, bem como a ampliação das relações econômicas resultantes do desenvolvimento do capitalismo tornou a realidade muito mais complexa. Isso fez com que o planejamento territorial passasse a ser considerado como um instrumento privilegiado para a organização do espaço, tal como o planejamento econômico era para a intervenção do Estado. No tocante à categoria subespaço, embora tenha sido pouco discutida, cabe aqui uma breve análise conceitual em razão do chamado processo de subespacialização na Região Sudoeste, antes da sua fragmentação para dar lugar aos Territórios de Identidade. O termo subespaço aparece na bibliografia como representação de um mosaico, resultante da dinâmica espacial em várias escalas. Em sentido lato pode-se dizer que o subespaço fundamenta-se no território e revela-se na forma de mosaico. Souza (1997, p. 2) ao tratar as desigualdades sociais verificadas nos lugares, paisagens e regiões, chama atenção para o fato de que ―[...] um projeto para o Brasil deverá necessariamente considerar esta consciência sobre o território nacional e os seus subespaços‖. No tocante à concepção temporal da formação de subespaços Santos deixa claro a idéia de que há uma historicidade desses subespaços ao afirmar que, ―[...] em cada momento, há sempre um mosaico de subespaços, cobrindo inteiramente a superfície da Terra e cujo desenho é fornecido pelo curso da história: a escala deixa de ser uma noção geométrica para ser condicionada pelo tempo‖ (SANTOS, 2006, p. 110). Um conceito ou categoria de análise-chave para entender a noção de subespaço é o de território. Na verdade, fica difícil a separação entre as concepções de território e região para entendimento da noção de subespaço. A região é, portanto, uma expressão dos territórios que, por sua vez, define os subespaços. Assim a funcionalidade do mundo é mutante e o recorte regional tem por fundamento não seus limites, mas as coerências funcionais existentes nos subespaços. O que se depreende é que, no período atual, o mundo está organizado em subespaços articulados dentro de uma lógica global (SANTOS, 1988), gerida por um motor único, identificado aqui pela globalização. Essa articulação realiza-se por meio das redes que atuam de forma criteriosa sobre o território. Nessa perspectiva, os acontecimentos são um produto do mundo e do lugar ao mesmo tempo. Daí o princípio de que, ―[...] tanto a região quanto o lugar são subespaços subordinados às mesmas leis gerais de evolução, onde o tempo empiricizado entra como condição de possibilidade e a entidade geográfica preexistente entra como condição de oportunidade‖ (SANTOS, 2006. p108). Dessa forma, subespaços podem ser identificados como parte da região, lugar e implica necessariamente a noção de território. Quanto a diferenciação entre espaços urbano e rural, o espaço urbano parece dominar a cena uma vez que é quem articula com os demais subespaços. Como observa Santos, [...] o espaço total é constituído de subespaços: agrícolas, urbanos, mineiros, estratégicos etc. Desses, somente o subespaço urbano tem as condições requeridas (o aparelho terciário) para manter relações com os demais subespaços‖ (Op. Cit., 1988, p. 112.). Mesmo assim, em uma análise urbana, para dar conta de explicar a diferenciação espacial, carece de observações da dinâmica de entorno, em subespaços contíguos, ou periurbano. De qualquer forma, o espaço urbano é também influenciado pelos espaços fora do seu limite, pois, ―[...] o que se passa nos subespaços não-urbanos tem uma lógica própria, que influi sobre o sistema urbano. Desse modo, o estudo exclusivo deste só pode levar a resultados fragmentados e possivelmente falsos‖ (SANTOS, 1988, p.111). Isso remete ao sistema urbano como um sistema heterotrófico, dependente quanto ao consumo do espaço rural. Se tomar a cidade como campo isolado para verificação dos subespaços, com efeito a análise ficará incompleta. Assim, a articulação entre a cidade e o campo evita as dificuldades de intepretação e observação dos subespaços. Ambos matêm identidades e uma imbricação capaz de dar explicações como subespaços diferenciados. O que se deduz que ―[...] o campo e a cidade, anteriormente compreendidos por suas diferenças territoriais, tanto em papéis como em relação à produção e ao consumo, apresenta de modo anômalo outro sentido no interior dos subespaços‖. E que ―[...] a dinâmica do espaço torna-se a base fundamental para a análise do processo destes subespaços, sobretudo no momento em que este se apresenta aliada à idéia de sistemas de tempo‖ (ROCHA e PIZZOLATTI, 2005, p50). Essa troca entre os espaços urbano e rural tende a se diferenciar, também, pelo avanço da urbanização sobre os territórios rurais, criando uma interface da e na biota urbana com o espaço agrário. É o que observam Rocha e Pizzolatti, ao avaliar que ―[...] a urbanização, à medida que avança sobre o território, tem representado uma particular relação cidade – campo que consiste na presença de subespaços rurais no espaço urbano‖ (Op. Cit. 2005, p.48). Daí a prática agrícola muitas vezes avançar sobre os subespaços urbanos e estes sobre o espaço rural. Esse contato é evidente, pois ―no interior das cidades, principalmente em áreas de franjas urbanas, atividades rurais permanecem em contato com atividades urbanas, sendo que nestes subespaços, heranças e ―modos de vida‖ distintos configuram uma particular configuração sócio-territorial do espaço urbano. (Op. Cit., 2005, p.46). As observações feitas sobre a subespacialização aqui apresentadas, nas suas várias escalas: global, regional, territorial e local, evidenciam a presença nas principais categorias de análise da geografia. O que fica claro é a noção de subespaço ou subespacialização no trato das questões espaciais sem restrição de uso do conceito. Observação semelhante feita por Rocha e Pizzolatti (2005 p.48) dá conta de que as discussões sobre campo e cidade na definição de subespaço ―mostram-se pouco abrangentes quando desconsideram o espaço urbano como um mosaico de subespaços articulados, composto por grupos sociais e modos de vida distintos‖. Lembram ainda que as configurações das particularidades desses subespaços necessitam de uma interpretação mais apurada. O processo de regionalização ou de subespacialização implica, hoje, na concepção de rede, nas mais variadas formas de tratá-las, principalmente no que diz respeito à rede urbana, como as redes técnicas. Na discussão sobre os subespaços Santos, (1999 p.214) chama atenção para o fato de que ―[...] num mesmo subespaço, há uma superposição de redes, que inclui redes principais e redes afluentes ou tributárias, constelações de pontos e traçados de linhas.‖ Santos afirma ainda, que o aproveitamento social das redes apresenta-se de forma quanto ao uso. A rede se torna então, elo entre os subespaços e a região e não deve ser deixado de lado no planejamento regional, ou mesmo no caso da subespacialização. Os argumentos para a subespacialização, contando com a rede, remetem à análise de Santos (1997) envolvendo a totalidade das redes, sendo esta totalidade a primeira delas. A segunda totalidade apresentada por Santos remete ao território, estado, país. A terceira totalidade, que interessa nessa análise, refere-se ao lugar – aqui entendido como entidade espacial mais próxima do subespaço. Em outro viés, pode se observar que, para a regionalização, seja uma subespacialização ou uma fragmentação, deve-se levar em conta as redes. ―Há diferentes redes recobrindo a superfície terrestre, redes que são planejadas e espontâneas, formais e informais, temporárias e permanentes, materiais e imateriais, regulares e irregulares.‖ (CORRÊA, 2000, p.53) E são essas diferentes redes que promovem a conectividade dos lugares e articulam as diversas regiões ou subespaços. 3 A FRAGMENTAÇÃO ESPACIAL NO SUDESTE DA BAHIA: O PDRS E O PROCESSO DE FRAGMENTAÇÃO DA REGIÃO DENOMINADA SUDOESTE O processo de planejamento no âmbito do Estado baseia se, a rigor, em modelos diversos de regionalização que seguem particularidades em cada setor de sua organização. Nesse sentido, é comum uma dissociação geocartográfica, criando várias regionalizações. No processo de planejamento, a Bahia estabeleceu, no final da década de 1990, a implementação de Programas de Desenvolvimento Sustentável-PDRS, nas regiões econômicas. Na primeira fase foram elaborados os Programas das Regiões Sul da Bahia, Recôncavo, Sul, Chapada Diamantina, Oeste, Sudoeste e Nordeste. Neste aspecto pretende-se confrontar o conceito e a metodologia adotada para o processo de fragmentação do espaço regional baseado na subespacialização, especificamente do PDRS/Sudoeste, diante dos argumentos apresentados, no âmbito da geografia e dos conceitos de subespacialização. A subespacialização marcou o processo de elaboração do Programa de Desenvolvimento Sustentável da Região Sudoeste – PDRS. Como visto anteriormente, os subespaços apresentam-se como mosaicos de espaços maiores. Neste caso, a base para a subespacialização, embora tenha sentido de uma regionalização, remete ao levantamento de dados da população e da rede urbana, mesclada do potencial econômico para a divisão dos espaços a partir dos municípios, como limite territorial e das cidades maiores como focos de polarização. A caracterização regional vem do próprio Programa ao definir como ―o sistema de regionalização com a indicação e a caracterização dos subespaços regionais‖. (CAR -BA, 2000, p. 15). Ou seja, o que se propunha era fragmentar a região sudoeste em pequenos agrupamentos espaciais, que denominou de subespaços. Um conceito mais claro sobre a subespacialização foi encontrado no PDRS/sul, em que [...] o subespaço de uma região é a área delimitada pela aplicação de um método de regionalização, composta por um centro principal e sua correspondente área de influência, podendo ter diferentes tamanhos e graus hierárquicos, em função, principalmente, do nível de diversificação alcançado pelo mesmo (CAR -BA, 1997, p.101). Na definição do PDRS/Sudoeste em que o processo de subespacialização, que normalmente vem sendo empregado na área de planejamento ―tem sua origem na palavra subespaço e significa o processo de identificação e delimitação de subáreas componentes de um determinado espaço territorial‖. (CAR BA, 2000, p33). O território aí identificado induz mais ao critério de investimentos do Estado do que os limites territoriais da região, uma vez que é concebido a partir dos limites dos 39 municípios que compõem a Região Sudoeste. Isso, tomando o conceito de território no sentido de delimitação de área para implementação de políticas de planejamento e investimentos. O processo de fragmentação e subespacialização da região é apresentado a partir de um o caminho metodológico pré-definido. Como o projeto de implementação dos Programas de Desenvolvimento Sustentável tem natureza política administrativa, o PDRS/Sudoeste traz como estrutura de implementação a subespacialização fundamentada na identificação dos efeitos da polarização entre cidades e suas áreas de influências, o que permitiria uma melhor orientação das ações de governo quanto à localização e natureza dos investimentos. O objetivo, portanto, era estabelecer uma subespacialização delimitando subáreas, componentes de um espaço territorial. Assim os Programas visavam a partir de suas desigualdades e potencialidades socioeconômicas, implementar um processo de desenvolvimento regional baseado num diagnóstico mais real. O que interessa aqui são os conceitos de subáreas e território, uma vez que o processo de regionalização econômica adotada tem como centro a cidade de Salvador. Portanto, [...] o principal produto do trabalho de subespacialização é a indicação de um sistema de subáreas, definido aqui como subespaços e que poderão ter diferentes dimensões, sobretudo espaciais, decorrentes da localização, composição, estrutura e intensidade da produção socioeconômica de cada um. (CAR -BA, 2000, p 34). Para tanto, o Programa adotou subconjuntos de área, componentes de uma determinada unidade espacial, utilizando as técnicas de regionalização, as quais permitem dividir este espaço em unidades menores. Para fundamentar o conceito de subespaço, o Programa elegeu além da centralidade das cidades maiores, o viés econômico, in loco, tomando como princípio uma base de dados econômico e populacional para estabelecer a subespacialização. Dessa forma, adotou o ―modelo de desenvolvimento econômico, baseado na localização dos investimentos, nas áreas de melhores e mais rápidas possibilidades de retorno, resulta no crescimento socioeconômico concentrado espacialmente‖ (CAR -BA, 2000. p.34). Neste caso, tomou como parâmetros as taxas de crescimento relativamente mais altas em determinadas localidades com o argumento de que estas cidades, possuindo estruturas urbanas mais complexas, passam a manter domínios de influência sobre áreas específicas, agrupando territórios municipais e definindo subespaços. O conjunto formado por este centro e sua respectiva área de influência definiu-se como sendo o subespaço de uma região. O projeto elaborado para a elaboração do PDRS adotou o modelo gravitacional e polarizado baseado em Hilhorst (1971) considerando a subespacialização a partir dos três fatores decisivos: a) os objetivos da regionalização (para efeito de análise ou para efeito de planejamento); b) os critérios da regionalização (de interdependência entre centros ou de homogeneidade) e, c) as informações disponíveis. Assim, considerando que a escolha do método de subespacialização depende do tipo de região que se deseja e como o tipo escolhido é o de região polarizada, os planejadores optaram pela aplicação do modelo gravitacional e de potencial. Como se pretendia, estabeleceu-se uma nova dinâmica a partir desse modelo e considerou as seguintes condições: a) um meio de comunicação que ligue cada subespaço aos demais da região; b) a contigüidade dos subespaços (topologia espacial); c) estudos da região como um todo com cada espaço definido em suas respectivas áreas, ou seja, nenhum município pode pertencer a dois subespaços; d) o município como base territorial para a composição dos subespaços e um centro urbano polarizador que permita visualizar um nível hierárquico. Nesse sentido, a idéia de rede se faz sentir de forma mais nítida, porém, pouco trabalhada no Plano. A figura 01 mostra Região Sudoeste e o traçado das isopotenciais e áreas de influência, envolvendo desde o nordeste de Minas Gerais até o ponto definidor da regionalização econômica da Bahia, a cidade de Salvador. Figura 1- Região Sudoeste - Traçado das Isopotenciais e Áreas de Influência. Fonte: CAR-BA - PDRS/Sudoeste. O modelo adotado segue o padrão das modelos matemáticos para o processo de regionalização. Por modelo potencial o Plano esclarece que ―que é uma variante do modelo gravitacional apresentado por Isard, baseia-se no princípio do campo de forças de Newton, ou seja, entre duas cidades onde se desenvolvem atividades humanas,‖ (CAR -BA, 2000, p.36). A ideia de fragmentação parte da existência da força de interação baseada na função direta do tamanho de suas populações e função inversa da distância que as separam. Implica então entre distância e volume da população. Essa interação nem sempre se torna real, como de regiões onde apresenta limites estaduais. Existem cidades que sofrem atração de outras regiões fora dos limites administrativos e do âmbito da Unidade Federativa. Isso pode ser observado no norte de Minas Gerais e Sudeste da Bahia onde a população busca interpolação com municípios fora da área planejada pelo Estado. Com base então no modelo adotado e a partir das variáveis foi elaborado o mapa de subespacialização/fragmentação da Região Sudoeste para efeito e implementação do Plano de Desenvolvimento Regional mostrado na figura 02. Região Sudoeste Subespacialização conforme o PDRS Planaltino Irajuba Santa Inês Subespaço de Jaquaquara Cravolândia Itaquara Maracás Lajedo do Tabocal Itiruçu Jaguaquara Lafaiete Coutinho Subespaço de Jequié Jequié Manoel Vitorino Mirante Caetanos Bom Jesus da Serra Boa Nova Subespaço de Poções Poções Anagé Caraíbas Iguaí Subespaço de Vitória da Conquista Ibicuí Planalto Nova Canaã Barra do Choça Firmino Alves Belo Campo Caatiba Tremedal Itororó Vitória da Conquista Itambé Subespaço de Itapetinga Cândido Sales Itapetinga Ribeirão do Largo Encruzilhada Macarani MaiquiniqueItarantim Potiraguá Km 0 20 40 60 80 Figura 02. Região Sudoeste – Subespacialização. Embora a crítica aos modelos puramente matemáticos seja recorrente nas discussões sobre a organização do espaço geográfico, o fato de se estabelecer a fragmentação e subespacialização a partir de dados municipais merece melhor discussão. Outro fato é o processo de subespacialização contemplando a rede urbana imediata, sem contar com a territorialização, tanto das ações do estado como do capital ou como fruto da dinâmica agrária, por exemplo. Outra observação feita e incluída no Plano remete à ―insustentabilidade‖ da região, ou da sua fluidez. O fato de redistribuir o espaço regional da Região Sudoeste em ―microrregiões‖ ou subespaços mostra que a regionalização econômica, a priori, não tem (teria) aplicabilidade no processo de planejamento. Isso leva a uma discussão quanto ao tamanho ou pela dinâmica da região em relação ao poder central. Na ideia central do plano aparecem as formulações de que era necessário realizar um trabalho de subespacialização decorrente da [...] inexistência de perfeita integração espacial e econômica na Região e das modificações que ocorrem quanto à hierarquia entre seus centros urbanos e suas áreas de influência, provocadas pelas transformações de sua economia (CAR BA, 2000. p. 34). A justificativa era de que, para se ter uma definição mais precisa dos subespaços regionais, quanto aos limites e ações dos municípios que compunham a região, remete a composições e intensidade de suas socioeconomias, lastreada pelas políticas de Estado, objetivando definir projetos de desenvolvimento que assegurem melhor qualidade de vida para a sociedade regional. Esse processo de fragmentação significa que a região ou a regionalização não deu conta das ações do Estado, ou não foi dinamizada, daí a necessidade de fragmentação em subespaços para aplicação do Plano. Considera-se ainda que o processo de regionalização ―[...] não é simplesmente recortar o espaço a partir de parâmetros genéricos, quantitativos, diferenças de grau como faixas de renda, produto interno bruto, fluxos comerciais etc.‖ (HAESBAERT, 1999, p.21). Do desgaste, tanto do plano quanto da abrangência da regionalização econômica, calcada nas cidades pólos ou áreas de influência, é que o Estado propõe uma nova regionalização, baseada no sentimento de pertencimento e na ubiquação do espaço agrário, principalmente, com espaço urbano. 4 OS TERRITÓRIOS DE IDENTIDADE: UMA NOVA ORDENAÇÃO TERRITORIAL E O PROCESSO DE REGIONALIZAÇÃO DO SUDESTE DA BAHIA Uma nova regionalização começa a ser implementada em alguns Estados da Federação, particularmente os mais ligados às políticas do Governo Federal. O Estado da Bahia é tomado como exemplo, embora alguma discussão teórica sobre essa nova territorialização careça de melhor discussão. Desde o ano de 2003, através do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o Governo Federal criou a Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), implementado políticas de desenvolvimento territorial, relativos aos Territórios Rurais/Territórios da Cidadania, adotando uma dinâmica territorial como eixo estratégico de atuação na área rural, priorizando as classes menos favorecidas desse setor, por ser este o seu maior público alvo. Nesse contexto, o debate sobre a questão territorial rural tem sido direcionado para o desenvolvimento local sustentável, com ênfase nas dinâmicas territoriais, pautada numa estratégia postulada por muitos autores como requisitos para dinamizar e articular diferentes processos locais de forma permanente e adequada à realidade, o que implica inevitavelmente num processo de regionalização e territorialização. Esse processo de readequação territorial parece ser hoje o exemplo mais generalizado da aplicação do conceito de "Território" a partir de uma vertente de política pública com alto grau de abrangência, direcionada ao processo de desenvolvimento rural sustentável brasileiro. No plano conceitual, a concepção geral de território rural concebido na SDT aparece como sendo ―territórios, onde os critérios que o caracterizam, bem como os elementos mais marcantes que facilitam a coesão social, cultural e territorial apresentam explícita ou implicitamente a predominância de elementos rurais‖ (SDT/MDA 2005, p. 28). Nessa direção, Gomez (2007) relaciona o desenvolvimento territorial rural como elemento da política de desenvolvimento e reconhece a origem dos territórios rurais com base na consolidação de políticas públicas ocorridas na Europa, nos anos de 1990. Assim, o território e o desenvolvimento territorial rural aparecem como, [...] mais uma nova orientação das políticas públicas de desenvolvimento rural. Tratase de um enfoque que avança no caminho da ênfase espacial que o desenvolvimento ganha, sobretudo a partir dos anos 1990 e cujo referencial mais importante é o sucedido modelo da Terceira Itália (GOMEZ, 2007, p 49). Algumas ponderações iniciais sobre o novo processo de regionalização via Territórios de Identidade mostram que pela primeira vez se tem uma forma participativa de implementação de um processo de regionalização, bem como a presença de um gestor local do modelo implantado, com investimentos para cada território o que demonstra uma forma de regionalização ―fora dos gabinetes‖. Esse processo de descentralização é postulada pelos coordenadores Programa argumentando que as formas anteriores de gestão das políticas públicas historicamente implantadas nos municípios que compõem os territórios, [...] estabeleceu-se e manteve sob o domínio e poder restrito de uma parcela de atores, protagonistas dos processos decisórios, em detrimento da socialização do poder e privação de acesso a direitos para a população mais numerosa e necessitada (VASCONCELOS et.al., 2006. p. 17). Embora não apresente uma linha teórica bem definida e aprofundada, a publicação, em 2006, feita por Vasconcelos et all, traz o processo de regionalização em que apresentam a dinâmica de cada território, chegando à delimitação territorial pelo que chamaram de sentimento de pertencimento, termo ainda em discussão, para o processo de delimitação. Na pratica, [...] a gestão social do território é proposta como objeto de aprendizagem dos atores sociais. É na gestão dos fins e dos meios que o território vai sendo apropriado pelos atores e desenvolvendo neles o sentimento de pertencimento. (VASCONCELOS et all, 2006. p. 18). Ou seja, estabelece-se o contraditório entre o processo de delineamento e a posterior apropriação do território. A figura 03 mostra a sobreposição dos Territórios de Identidade sobre as regiões econômicas evidenciando a fragmentação pelos Territórios de Identidade. Estado da Bahia Fragmentação das Regiões Econômicas pelos Territórios de Identidade Limites dos Territórios de Identidade 0 50 100 150 kilometers Figura 03 Sobreposição dos Territórios de Identidade sobre as Regiões Econômicas. No processo de regionalização adotou-se quatro principais estratégias operacionais para prosseguir a missão institucional da SDT: a) elaboração participativa de Planos Territoriais de Desenvolvimento Rurais Sustentáveis (PTDRs); b) o fomento a uma instituicionalidade territorial, dotando-a de condições para a elaboração, a negociação, a gestão e o monitoramento dos PTDRSs; c) a disponibilização de seus programas, em especial o PROINF (Programa de Infraestrutura dos Territórios Rurais) para a definição de aplicação de recursos segundo os interesses dos territórios e, d) a articulação com vistas à integração dos demais programas do Ministério, do Governo Federal e dos Governos Estaduais de modo a convergirem para os PTDRs. (VASCONCELOS et all, 2006.). o processo de fragmentação. Isso remete à análise de que a divisão, aparentemente delineada sem clareza dos elementos tanto teóricos quanto práticos, de classificação para a incorporação dos municípios nos territórios pode resultar no fracasso ou sucesso. Isso porque foram consideradas as relações entre os fatores históricos, culturais, econômicos de cada território considerando semelhanças e diferenças e, a partir daí, o recorte regional. A visualização do espaço permite vislumbrar que fragmentação da região Sudoeste se dá em quatro áreas abrangendo o Território do Vale do Juquiriçá, ao norte, seguido do Território do Médio Rio de Contas e ao sul com os territórios de Vitória da Conquista e de Itapetinga. No novo recorte espacial o quadro regional muda saindo da Região Sudoeste, com 39 municípios, fragmentando em quatro Territórios, agregando e dispensando municípios para territórios contíguos conforme visto na figura 04. Territórios de Identidade no Sudeste da Bahia e a fragmentação da "Região Sudoeste" Milagres Nova Itarana Elísio Medrado São Miguel das Matas Amargosa Brejões Laje Planaltino Irajuba TI Vale do Jiquiriçá BAHIA Milagres Nova Itarana Elísio Medrado São Miguel das Matas Amargosa Brejões Laje Planaltino Irajuba TI Vale do Jiquiriçá Maracás Iramaia Santa Inês UbaíraJiquiriçá Mutuípe Cravolândia Itaquara Lajedo do Tabocal ItiruçuJaguaquara Lafaiete Coutinho Itamari Nova Ibiá Apuarema TI Médio Rio de Contas Ibirataia Ipiaú Barra doUbatã Rocha Aiquara Itagi Itagibá Bom Jesus da Serra Boa Nova Caraíbas Anagé Iguaí Gongogi Cravolândia Itaquara Lajedo do Tabocal Itiruçu Jaguaquara Lafaiete Coutinho Nova Canaã Barra do Choça Firmino Alves Belo Campo Cordeiros Piripá Ibicuí Planalto TI Vitória da Conquista Condeúba Mortugaba Caatiba Tremedal Vitória da Conquista UbaíraJiquiriçá Mutuípe Dário Meira Poções Guajeru Presidente Jânio Quadros Maetinga Jacaraci Maracás Iramaia Jitaúna Jequié Manoel Vitorino Mirante Caetanos Aracatu Licínio de Almeida Santa Inês Itororó TI Itapetinga Itambé Cândido Sales Itapetinga Ribeirão do Largo Encruzilhada Macarani MaiquiniqueItarantim Potiraguá Itamari Nova Ibiá Apuarema TI Médio Rio de Contas Jitaúna Jequié Ibirataia Ipiaú Barra doUbatã Rocha Manoel Vitorino Aiquara Itagi Mirante Itagibá Caetanos Aracatu Bom Jesus da Serra Anagé Caraíbas Iguaí Presidente Jânio Quadros Maetinga Jacaraci Nova Canaã Barra do Choça Condeúba Firmino Alves Belo Campo Mortugaba Piripá Ibicuí Planalto TI Vitória da Conquista Cordeiros Gongogi Dário Meira Poções Guajeru Licínio de Almeida Boa Nova Caatiba Tremedal Vitória da Conquista Itororó TI Itapetinga Itambé Cândido Sales Itapetinga Ribeirão do Largo Região Sudoeste Encruzilhada Macarani MaiquiniqueItarantim Potiraguá Km 0 20 40 60 80 Figura 04. Fragmentação da região sudoeste em Territórios de Identidade. Observa-se que a regionalização por territórios de Identidade não leva em conta a base física, como em outras regionalizações, que define, de certa forma, uma dinâmica economia e, por consequência, o recorte territorial. O Território de Vitória da Conquista, por exemplo, apresenta 24 municípios dos quais nove compõem o recorte do Planalto da Conquista, com clima subúmido e predomínio de latossolos contrastando com a Bacia do Rio Gavião de clima semiárido, o que demanda políticas diferentes. O processo de fragmentação obedece à metodologia adotada pelo Governo do Estado para e definição dos Territórios, com base nos levantamentos do Governo Federal, que carece de discussões que enfatize a relação dos municípios com as cidades-pólo e a articulação entre os territórios. Um exemplo são as definições das políticas públicas feitas em comum entre os territórios de Vitória da Conquista e Itapetinga. Isso pode significar tanto o baixo poder de articulação dentro de um território quanto a facilidade de articulação entre eles. Por outro lado, o Território do Médio Rio de Contas, que tem cidade de Jequié como pólo, acaba articulando com os Territórios contíguos criando dependência entre eles. O futuro dos territórios rurais começa a se delinear a partir do poder de articulação de cada um interna e externamente. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O que se pretendeu mostrar foi a fragmentação de um espaço maior – a Região Sudoeste - e sua articulação com as categorias de análise da geografia, assim como sua aplicação no processo de planejamento regional. A crítica maior remete ao modelo adotado no processo de espacialização para a Região Sudoeste, não pela definição de espaços maiores, mas pelo viés puramente econômico e localizado sem levar em conta as implicações da dinâmica do capital no plano global e regional, principalmente pela dinâmica das redes existentes ou que venham a ser implantadas na região. Embora mereça discussão em outro trabalho, a técnica de regionalização a partir do modelo gravitacional-potencial adotado no Plano de desenvolvimento Regional Sustentável – PDRS/Sudoeste, não foi avante uma vez que as ações de governo não foram aplicadas, até então. A novidade da regionalização pela política dos Territórios de Identidade ainda é nova, mas mostra a fragmentação de uma região que, a depender da dinâmica empreendida pelas Políticas de Estado, pode avançar ou retroceder no que diz respeito ao desenvolvimento regional. O que se destaca no planejamento regional/territorial, nesse contexto, é a forma participativa de definir uma política regional, com implicações no espaço agrário e sua articulação com o espaço urbano. 6 REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Ricardo. O futuro das regiões rurais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003. 149p. ABRAMOVAY, Ricardo. Diversificação das economias rurais no Nordeste. In Balanço da Ação Governamental no Brasil - PCT IICA/NEAD Relatório final. Brasília, julho de 2002 BRASIL - Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA Secretaria de Desenvolvimento Territorial – SDT Guia para o Planejamento. DOCUMENTO DE APOIO Nº 02. Brasília: SDT/MDA , novembro de 2005. BRASIL – Referências para um Programa Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável. Ministério DO Desenvolvimento Agrário. 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O estudo do fumo toma justificativa nas últimas décadas em função da formação de ciclos da cadeia produtiva bem como a consolidação de uma atividade que mesmo em escala restrita nos dias atuais ainda é ambicionada pelo mercado. O município de Lagarto é o maior produtor onde a instalação de uma indústria de beneficiamento no início da década de 60 consolidou a cadeia produtiva do município. A produção é utilizada na fabricação da corda de fumo, confeccionada pelos próprios agricultores, que é vendida para ser processada nas indústrias. Na concepção de ―cadeia produtiva‖, enquanto modelo de sistema de produção simples, o fumo em Sergipe passou por diversos processos de produção 13 Mestranda em Geografia pelo Núcleo de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe (NPGEO) e Membro do Grupo de Pesquisa em Transformações sobre o mundo rural – GEPRU/UFS. 14 Mestranda em Geografia pelo Núcleo de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe (NPGEO) e Membro do Grupo de Pesquisa em Transformações sobre o mundo rural – GEPRU/UFS. desde a inserção do sistema cooperativo que malogrou do tempo e de seu processo de apropriação da empresa capitalista enquanto setor dominante da Cadeia. Mais relevante ainda é a perspectiva da análise crítica da pesquisa enfocando as contradições e implicações sócioespaciais e suas conseqüências na organização da Cadeia. É evidente que a Cadeia é uma somação de atividades onde o foco determinante é o beneficiamento da matéria-prima, o fumo. O estudo do tema justifica-se pelas poucas análises dessa temática com um olhar geográfico, principalmente ao abordar o fumo a partir da Cadeia Produtiva em uma perspectiva espaçotemporal envolvendo suas instâncias de produção, no processo de beneficiamento em bases artesanais, ou seja, do núcleo da Cadeia, a dinâmica da produção, como a materialização do produto beneficiado industrialmente e a venda in natura dos excedentes não incorporados ao processo de beneficiamento. A relevância do tema verifica-se ainda pela identificação do papel do Estado como aparelho interventor das ações de políticas públicas na fumicultura do estado, ou seja, os recursos públicos voltados para o investimento, custeio e a comercialização. Sem omitir da análise a descentralização espacial na utilização do solo para o cultivo destacando-se novos municípios e as relações de trabalho na Cadeia Produtivo do Fumo, as relações assalariadas e não assalariadas. Assim, a proeminência dessa análise sobre a fumicultura dá-se pela incipiência de estudos voltados para os ciclos de apogeu e decadência da cultura fumageira no estado de Sergipe desde a década de 1960 até os dias atuais. Portanto, são necessários estudos que avaliem esses ciclos na tentativa de responder as indagações da atual conjuntura da fumicultura: o fumo está designado ao desaparecimento ou a sua revitalização? Tais indagações se devem aos incentivos contrários ao consumo do fumo, alegando os males causados à saúde. Essas políticas repercutem na situação socioeconômica que os produtores de fumo se encontram atualmente, pois enquanto outrora essa produção recebia financiamentos para o aumento da produtividade, na atual conjuntura os financiamentos são para a substituição por outros cultivos. A tradição do cultivo do fumo no estado de Sergipe, principalmente na região centro-sul, vem requerer uma análise da existência da cadeia produtiva a fim de serem percebidas as implicações e contradições específicas da produção sergipana. 2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA AÇÃO DO CAPITAL DO CAMPO A análise do espaço agrário atualmente passa por grandes contradições em função da inserção do sistema capitalista. O espaço da agricultura praticamente está apropriado em sua forma de mercadoria materializada no valor de troca. Logo, o valor de uso assume um papel secundário. O espaço voltado para reproduzir metabolicamente na natureza tem na agricultura seu maior mecanismo centralizado pela ordem do capital e suas inerentes contradições que radicalizam suas relações de trabalho, sistema de produção, distribuição e circulação. Além da inserção do Estado no processo de reprodução dessa atividade capitalista, como afirma Oliveira: A articulação entre o capital industrial, o capital comercial e o grande proprietário de terras, tem no Estado a mediação da sua reprodução e regulação. A mediação e a regulação do Estado têm garantido todas as condições para o processo de desenvolvimento do capital (1999, p. 1314). O capitalismo se insere no campo historicamente retardado em relação ao capitalismo urbano. Quando ocorre a inserção do capital este transforma tudo em mercadoria inclusive a terra como renda fundiária e produção, gerando acumulação de capital e expropriação daqueles que não têm como se manter independentes para concorrer dentro desse sistema econômico. No Brasil, a modernização agrícola se dá a partir da década de 1970 gerando no país uma intensa concentração da propriedade nas mãos de grandes empresas rurais, evidenciando a força do valor de troca da terra. Nas últimas décadas verificam-se enormes mudanças estruturais no campo que atingiram direta e intensamente o pequeno produtor. O modelo de modernização apenas beneficiou os grandes latifundiários elevando ainda mais a desigualdade de renda no campo acarretando em uma subordinação da natureza ao capital e um aprofundamento da divisão social do trabalho. Muitos pequenos agricultores são contratados pelas indústrias para fornecer toda a sua produção a um preço muito abaixo do mercado não gerando para este uma renda significativa. Segundo Sampaio (2002), apesar da crescente modernização, o espaço agrário brasileiro ainda enfrenta sérios problemas. A começar por uma estrutura fundiária que, além de concentrar as terras nas mãos de grandes empresas rurais, dificulta o acesso dos pequenos proprietários a recursos que incrementem sua produção. Silva (1999) afirma que são dois processos que a agricultura vem passando: um é a destruição da economia natural pela retirada progressiva dos vários componentes que asseguravam a harmonia da produção assentada na relação homem-natureza (e suas contradições); e o outro, de uma nova síntese de recomposição de uma outra harmonia também permeada por novas contradições baseada no conhecimento e controle cada vez maior da natureza e na possibilidade da reprodução artificial das condições naturais da produção agrícola. A esta passagem o autor denomina industrialização da agricultura. Os complexos agroindustriais são fruto dessa inserção do capital na agricultura ocorrendo em seguida uma subordinação socioeconômica e cultural dos agricultores à indústria e a integração à grande produção industrial. A agricultura está na égide do capitalismo, os pequenos agricultores são sorvidos pelo sistema que impõe novos valores e ritmos, gerando os agricultores sem as ferramentas de trabalho e sem terra para serem futuramente capturados pela indústria como mão-de-obra barata ou captar parte da produção por valores irrisórios. Esta expansão do capital no campo está criando novos desafios para os pequenos agricultores, como bem situa Silva: O longo processo de transformação da base técnica chamado modernizaçãoculmina, pois, na própria industrialização da agricultura. Esse processo representa na verdade a subordinação da Natureza ao capital que, gradativamente, liberta o processo de produção agropecuária das condições naturais dadas, passando a fabricá-las, sempre que se fizerem necessários (1999, p. 3). Segundo Doria e Ubiritan (2006), o camponês é contraditoriamente necessário ao capital ao mesmo tempo em que é um entrave ao modo de produção capitalista. Além de ser uma reserva de mão-de-obra para as cidades, a produção camponesa tida como uma relação não capitalista, vai favorecer ao capital à medida que a renda fundiária se metamorfoseia em renda capitalista. Ainda de acordo com os autores, o camponês torna-se um entrave no momento que apresenta em certos casos uma traição às leis capitalistas, pois esses procuram novas terras para ocuparem não completando o ciclo capitalista de expropriação e exploração da força-de-trabalho. Nesse palco de conflito o pequeno agricultor sozinho não tem forças para combater e concorrer com o capital. A última possibilidade de sobrevivência é se curvar diante do sistema. A atividade camponesa possui suas singularidades, porém não pode ser vista como atividade autóctone em relação aos processos capitalistas que operam principalmente na produção e na distribuição da mercadoria, como afirma Silva: O desenvolvimento capitalista se faz movido pelas suas contradições. Ele é portanto, em si, contraditório e desigual. Isto significa que para seu desenvolvimento ser possível, ele tem que desenvolver aqueles aspectos aparentemente contraditórios a si mesmo (1999, p. 18). Apenas unidos podem sobreviver à luta constante do capital/terra. A partir de cooperativas e de uma reforma agrária, sendo esta gerada pela ação dos agricultores no sentido de planejarem e decidirem seus objetivos, não sendo imposta pelo Estado. 3 A CULTURA FUMAGEIRA A fumicultura é de natureza temporária e apresenta várias peculiaridades, entre elas pode-se destacar a intensa utilização da mão-de-obra familiar que ocupa cerca de noventa por cento da força de trabalho utilizada na produção fumageira, o restante da força de trabalho é formado por trabalhadores temporários, sobretudo no período da colheita. Assim, essa cultura sobressai-se em relação a outros cultivos agrícolas pela intensa absorção do trabalho humano, pois o cultivo caracteriza-se pelo difícil manejo, desde a semeadura, sendo necessário colocar as sementes em canteiros e só após dois meses as mudas são transferidas para o terreno permanente por um período de quase noventa dias até a sua colheita. Após essa etapa aumenta a demanda por mão-de-obra, assim, o trabalho individual de cada família não supre as necessidades, logo, ocorre a permuta dos dias de trabalho entre parentes, vizinhos e amigos. Caso essa permuta não supra a demanda é necessário realizar contratações informais, sobretudo da mão-de-obra feminina para retirar os talos das folhas de fumo para formar as cordas. No âmbito dessa discussão verifica-se que mesmo com a inserção de técnicas no campo, alterando os meios e as relações de produção, a lógica capitalista não consegue extinguir a interatividade social que ocorre entre os pequenos agricultores. A partir desse procedimento ocorre a secagem das folhas que serão enroladas folha a folha em uma vara, sendo umedecidas constantemente até formar o rolo de fumo passando ainda cerca de noventas dias exposto ao sol em um intenso processo de maturação (figura 01). Figura 01. Fonte: trabalho de campo, 2009. Outros pontos relevantes é que toda a produção do fumo é marcada por intenso uso de produtos químicos, fator que contribui para o elevado custo financeiro da produção, além da produção está destinada ao abastecimento industrial, onde ocorre o beneficiamento e a distribuição para o mercado interno e o exterior. Assim, quase totalidade da produção é captada pelo setor industrial através dos intermediários que compram o produto ao pequeno agricultor por valores irrisórios e repassa para os grandes grupos capitalistas que processam, embalam e distribuem para o mercado. Estes são os principais protagonistas do processo lucrativo da cultura fumageira. Nesta perspectiva, verifica-se a contradição da lógica capitalista deste cultivo, pois enquanto os pequenos agricultores encontram-se empobrecidos, os conglomerados aumentam cada vez mais seus lucros. 4 PRODUÇÃO DO FUMO NO BRASIL O hábito de consumir o fumo é uma herança dos ameríndios americanos que em atos festivos e religiosos queimavam e aspiravam a fumaça oriunda da folha dessa planta, tradicionalmente denominados de rapé, além de ser utilizado como medicina milagrosa e até mesmo como complemento alimentar. Com a colonização portuguesa essa cultura indígena chegou até o continente europeu e se propagou mundialmente. Inicialmente a produção era de subsistência, só o excedente era exportado para a Europa, mas a partir de meados do século XVII, a produção foi ampliada e angariou novos mercados. Assim, além de suprir o mercado europeu foi utilizada como moeda de troca no tráfico de escravos. Com a abolição da escravatura, a produção do fumo, além de ser redirecionada para o mercado europeu se expandiu no mercado interno. Assim, no final do século XIX, o fumo se consolidou como componente essencial na formação socioeconômica do Brasil. Nesse âmbito de discussão ressalta-se que a produção fumageira no Brasil pré-colonial estava dissipada em praticamente quase totalidade das tribos indígenas, mas após a colonização esse cultivo se concentrou na Bahia, que além do consumo voltado para os colonos se inseriu no mercado internacional. Porém, em meados do século XX, enquanto a Bahia e os demais estados nordestinos continuaram com a produção do fumo nos moldes tradicionais, o Brasil ver eclodir nos estados sulinos uma produção moderna, ampliando a produtividade e a qualidade do fumo (tabela 01). Tabela 01. Maiores Produtores de Fumo do Nordeste ANOS / Quantidade ( T) Estados 1975 1985 1996 2006 Rio Grande do Sul 2.800 164.824 206.918 448.534 Santa Catarina 1.269 161.559 166.468 306.530 Paraná 270 30.021 59.531 294.130 Alagoas 8.146 3.2801 21.688 48.461 Bahia 2.671 9.310 12.944 6.274 Minas Gerais 4.031 3.331 1.659 768 Sergipe 3.847 4.479 5.994 2.469 FONTE: Censo Agropecuário 1975, 1985, 1996 e 2006 Assim, segundo a tabela acima os censos agropecuários evidenciam que, na década de 1970, a primazia fumageira ainda era um legado da região Nordeste, mas na década seguinte essa hegemonia foi transferida para a região Sul. A partir de então, a produção fumageira no nordeste transfere a sua hegemonia para os estados do Rio Grande do sul, atual maior produtor do fumo no Brasil, representando 96% da produção nacional; em seguida Santa Catarina com 31% e Paraná 12%. Assim, os estados da região Sul perfazem 96% da produção. Essa constatação pode ser evidenciada através da sequência de figuras (02, 03, 04 e 05) que exibem os valores relativos dos maiores produtores de fumo referentes aos censos agropecuários de 1975, 1985, 1996 e 2006: Maiores produtores de Fumo Brasil 1975 12% 17% Rio Grande do Sul 6% 1% Santa Catarina Paraná Alagoas 18% Bahia 34% 12% Minas Gerais Sergipe Figura 02. Maiores produtores de Fumo, Brasil, 1975. FONTE: IBGE 1975. Maiores Produtores de Fumo Brasil 1% 1985 1% 2% Rio Grande do Sul 8% Santa Catarina 7% 41% Paraná Alagoas Bahia 40% Minas Gerais Sergipe Figura 03. Maiores produtores de Fumo, Brasil, 1985. FONTE: IBGE, 1985. Maiores Produtores de Fumo Brasil 1% 1996 0% 3% 5% Rio Grande do Sul Santa Catarina 13% 43% Paraná Alagoas Bahia Minas Gerais 35% Sergipe Figura 04. Maiores produtores de Fumo, Brasil, 1996. FONTE: IBGE, 1996. Maiores Produtores de Fumo Brasil 0% 2006 0% 1% Rio Grande do Sul 4% Santa Catarina 27% 40% Paraná Alagoas Bahia Minas Gerais 28% Sergipe Figura 05. Maiores produtores de Fumo, Brasil, 2006. FONTE: IBGE, 2006. Segundo Mesquita, os elementos determinantes para essa defasagem do fumo no nordeste e, por conseguinte, a hegemonia sulista estão atrelados à relação entre o capital industrial e o capital bancário; o sistema de produção integrada promovido pela indústria; investimentos na geração e difusão de tecnologias fomentadas pela parceria entre indústria; organização do setor produtivo através de associações e cooperativas estruturadas e competitivas; preocupação com a sustentabilidade da produção, aderindo a protocolos e acordos internacionais de proteção do meio ambiente. 5 PRODUÇÃO DO FUMO EM SERGIPE A introdução do fumo em Sergipe ocorreu em meados do século XIX no centro-sul do estado, tendo Lagarto como o maior produtor até os dias atuais, como pode-se verificar nos cartogramas abaixo que estão evidenciado os dados da produção de fumo em Sergipe nos anos de 1975, 1985, 1996 e 2007 (Figura 06, 07, 08 e 09). Figura 06. Produção de Fumo, Sergipe, 1975. Fonte: IBGE, 1975. Figura 07. Produção de Fumo, Sergipe, 1985. Fonte: IBGE, 1985. Figura 08. Produção de Fumo, Sergipe, 1996. Fonte: IBGE, 1996. Figura 09. Produção de Fumo, Sergipe, 2006. Fonte: IBGE, 2006. Dentre os fatores determinantes para inserção do fumo nessa região pode-se elencar os elementos naturais, como a regularidade pluviométrica, a temperatura e o solo adequado. Outro fator propulsor para a cultura fumageira nessa região é a predominância da pequena estrutura fundiária, pois como foi citado anteriormente esse cultivo prevalece nas pequenas propriedades, com a utilização da mão-de-obra familiar. Segundo os resultados obtidos com aplicação de entrevistas junto aos atores sociais envolvidos na fumicultura, constatou-se que essa cultura foi introduzida em Lagarto na década de 1950 por pequenos agricultores. Vale ressaltar que essa prática agrícola neste município sempre esteve associada a outros cultivos, visto que nenhum agricultor se dedica exclusivamente ao cultivo do fumo, pois este possui uma única safra anual, logo durante a inter-safra o agricultor se dedica a outros cultivos temporários, sobressaindo-se a mandioca. De acordo com as informações repassadas pelos agricultores e técnicos essa prática consorciada da laranja e fumo favorece o aumento da produtividade da laranja, em decorrência do uso intensivo de fertilizantes e defensivos agrícolas junto ao manuseio diário que o cultivo do fumo exige. 6 O APOGEU DO FUMO EM SERGIPE O auge do fumo em Lagarto está atrelado à fundação da Cooperativa em setembro de 1962, intitulada inicialmente de Cooperativa dos Agricultores do Treze LTDA. Em dezembro do mesmo ano foi alterado para Cooperativa Mista dos Agricultores do Treze, tendo como o primeiro presidente o senhor José Firmino de Araújo (SANTOS, 2009). A formação da Coopertreze na Colônia Treze, povoado do município de Lagarto, está vinculada a ações do Banco do Brasil como tentativa de recuperar o capital investido em pequenos agricultores que adquiriram empréstimos, mas devido a catástrofes naturais ficaram impossibilitados de saldar o débito junto ao banco. Cabendo a este o refinanciamento e assessoramento na administração da Cooperativa para promover a recuperação econômica dos agricultores e consequentemente liquidar o saldo devedor. Nessa perspectiva, fica evidente a lógica do capital de se manter e se reproduzir mundialmente, todavia essa ação se concretiza de modo camuflado, em que as minorias sociais são excluídas do processo lucrativo, no entanto, estão inseridas dentro dessa lógica de mercado. Essa ação oculta é o artefato preponderante da manutenção de um sistema excludente, mas que se ostenta como acessível. Outrossim, ocorreu com a formação da Coopertreze no povoado Colônia Treze em Lagarto, pois até hoje os relatos dos cooperados e ex-sócios vangloriam a iniciativa do Banco do Brasil em assessorar a fundação dessa cooperativa. Essa ostentação que esses atores fazem é em decorrência da ―liberdade‖ (termo utilizado pelos agricultores) angariada no processo produtivo, pois embora continuassem dependentes do mercado, a partir desse momento obtiveram maiores rendimentos com a produção agrícola e consequentemente maior acessibilidade aos bens e serviços ―ofertados‖ pelo mercado. O desvendamento dos artifícios utilizados pelo capitalismo para a sua perpetuação evidencia a realidade desleal, mas não se deve negar que tais ações acabam sendo incorporadas como única alternativa de sobrevivência dos grupos sociais excluídos, que contraditoriamente acabam sendo induzidos a inserir-se nessa lógica de mercado. Por isso, tais atores sociais aclamam até hoje a iniciativa do Banco do Brasil, pois foi a partir da fundação da Coopertreze que os pequenos agricultores não só tiveram a oportunidade de ampliar a renda familiar, mas também de ter acesso a melhorias no sistema produtivo além de assistência ambulatorial e educacional. Os avanços individuais e, sobretudo coletivos, obtidos com a implantação da cooperativa, devem-se à remoção de um agente importante na escala lucrativa do capitalismo. Este se denomina intermediário, o qual junto aos conglomerados detém quase totalidade da rentabilidade do pequeno agricultor que recebe um valor irrisório pela sua produção. Logo, com a retirada do mediador do lucro, os cooperados assumem o papel de fornecedor direto de seus cultivos para a cooperativa. 7 A DECADÊNCIA: CAUSAS, EFEITOS E LIMITES A cooperativa foi palco de inúmeras irregularidades administrativas, como desvio de dinheiro, altos salários e más administrações, proporcionando em meados da década de 1990 a decadência e consequentemente a falência, apresentando a falta de credibilidade e a fuga dos membros da cooperativa. Assim, além do prejuízo financeiro, também se manifestou entre os cooperados o sentimento de frustração e consternação, pois segundo os relatos de entrevistas a cooperativa não fomentava somente a possibilidade de ascensão financeira, mas promovia a concretização das sociabilidades dentro da comunidade. Aliado à falência da cooperativa e aos baixos valores pagos pelo fumo verificou-se a diminuição na produção do fumo no estado de Sergipe (tabela 02). TABELA 02. Produção do Fumo em Lagarto/SE Ano Área ( há ) Quantidade ( t ) 1975 2.810 4.863 1985 1.568 3.639 1996 1.676 789 2006 770 1.491 FONTE: IBGE, Censo Agropecuário, 1975, 1985, 1996 e 2006. Mesmo com a redução da produção e uma participação irrisória no PIB do estado, Sergipe ainda é o terceiro maior produtor do nordeste de fumo, perdendo apenas para a Bahia e Alagoas, ocupando a terceira colocação de fumo do nordeste. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS No quadro atual o mercado caracteriza-se pelos ciclos, ou seja, a instabilidade econômica, que consequentemente proporciona a insegurança social. Esta vulnerabilidade de mercado tem maior repercussão nas classes menos favorecidas, pois são essas que estão à deriva de tal perversidade. Nessa perspectiva, ao analisar os ciclos do fumo no município de Lagarto, compreende-se não só a dinâmica econômica da cultura fumageira, mas sobretudo, desvenda-se a subordinação dos pequenos agricultores à versatilidade do capital. Assim, verifica-se que a história do fumo no Brasil está atrelada a instabilidades desde o período colonial, quando essa cultura se inseriu no mercado internacional. A partir de então novos protagonistas surgiram nessa cadeia produtiva, porém não aboliu a importante função dos pequenos proprietários que sobrevivem até hoje aos reveses dessa cultura. Portanto, ao longo desse tempo os fumicultores do município de Lagarto depararam-se instantaneamente tanto com a valorização do fumo no mercado, como com a sua desvalorização. Esses extremos econômicos estão encadeados com as redes sociais estabelecidas entre os produtores de fumo através da cooperativa, pois enquanto havia uma sinergia socioeconômica entre os cooperados estes detinham melhores condições econômicas, mas com a falência da cooperativa também ocorreu o empobrecimento e endividamento de muitos produtores. 9 REFERÊNCIAS DÓRIA, A.S; GONÇALVES, C. U. 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José Eloízio da Costa15 Leide Maria Reis dos Santos16 Lucivalda Sousa Texeira17 1 INTRODUÇÃO O debate em torno das questões territoriais no Brasil, principalmente nos últimos anos, se processou de forma multifacetada e de certa forma instigante, podendo facilmente clivar em duas vertentes do ponto de vista da abordagem acadêmica. A vertente que integra diretamente o debate e que operacionaliza sua contribuição face à complexidade da agenda territorial em construção, inclusive produzindo artigos, participando de eventos ou até mesmo intervindo nas instâncias territoriais do arranjo construído e que resume no que se denomina de Gestão Social dos Territórios. Em outra vertente se refere à crítica acadêmica sobre essa política. Encarada como política compensatória e de renunciar a uma política mais radical de implementação da Reforma Agrária, a questão do Desenvolvimento Territorial sob o âmbito rural se revela como uma ação de frágil repercussão em termos de mudanças estruturais. E a continuidade dessa política poderá, em longo prazo, fortalecer ações em que a concentração fundiária, a desigualdade no acesso ao crédito e principalmente da consolidação do agronegócio; comprometerá ainda mais as relações precárias de trabalho no campo e o 15 Professor do NPGEO/UFS e Líder do Grupo de Pesquisa Transformações Sobre o Mundo Rural. 16 Mestre em Geografia – NPGEO/UFS 17 Mestranda em geografia – NPGEO/UFS aumento da pobreza e da migração campo-cidade. O que se observa é a certeza desses críticos que medeiam a necessidade de inserção do Estado nesse processo e da organização dos trabalhadores desprovidos da terra, onde inevitavelmente devem lutar por esse direito. Apesar da importância dessa vertente que na Geografia se apresenta de forma contundente, no nosso entendimento não podemos simplesmente abominar medidas institucionais e jogar no quadro da crítica confortável de que são ―políticas compensatórias‖. O que de certa forma destoa quem realmente estar analisando outros processos socioeconômicos e territoriais do meio rural brasileiro onde diversidades analíticas, conceituais e principalmente articuladas com a literatura consistente da chamada Nova Economia Institucional Apesar da diversidade e que naturalmente envolve interesses coletivos e de estratégias de poder, o presente artigo é uma singela contribuição de tentar explicar a dimensão analítica da abordagem territorial sob o lastro dos resultados materializados das ações desses protagonistas representados por atores sociais coletivos com poder de decidir às demandas territoriais e da possibilidade de cimentar essas ações entre as entidades dentro do território, e de seu grande desafio: o fortalecimento e da perenidade operativa dessas ações a partir das instâncias organizadas. Nessa esteira, os estudos dentro do paradigma ―clássico‖ do desenvolvimento rural onde uma das vertentes contemporâneas mais evidentes é a abordagem das dinâmicas territoriais, isso pode ser demonstrado pela necessidade de analisar as particularidades dos territórios constituídos por instituições oficiais para fins de execução de políticas públicas. O exemplo do território do Agreste de Alagoas serve para entender como operam essas dinâmicas, com seus resultados já evidenciados, mas ao mesmo tempo dos impasses desses produtos territoriais, bem como dos desafios face à necessária continuidade dessa política. O estudo está dividido em dois estratos. O primeiro relaciona-se com a situação da questão do desenvolvimento territorial enquanto paradigma emergente, sendo que a Geografia necessita incorporar em seus debates e estudos para tentar dimensionar o fértil debate territorial da área com o paradigma que está mais para a abordagem multifacetada do desenvolvimento rural das áreas afins do que propriamente com o debate intra-corporis na Geografia. Desse lado, também sabemos que esse embate pode ser bizantino na medida em que pode configurar por uma desnecessária guerra epistemológica. Mas uma questão central é inexorável: o paradigma do desenvolvimento territorial consolidou-se como um meio de realização das ações estatais e com ele os desafios dos estudos que devem ser constituídos daqui para frente, decorrente da diversidade das realidades locais. Por esta linha, adotamos nessa primeira abordagem as dimensões conceituais que passam nas ciências sociais como um todo, na Geografia e principalmente dos conceitos institucionais, particularmente do conceito institucional estabelecido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). O quadro atual ainda não define resultados concretos com impactos socioterritoriais positivos sobre o meio rural. Entretanto, observa-se como um processo em evidência, estabelecido por ―ciclos operacionais‖, tanto internamente, através da instabilidade do arranjo constituído, face à rotatividade dos atores sociais que representam as entidades, principalmente pela inércia dos representantes institucionais (como as prefeituras, através das secretarias de agricultura). Mas também, pelas deficiências das materializações dessas ações e de seus impasses, em especial na questão da gestão social desses processos. O que constitui os chamados ciclos operacionais do Colegiado Territorial a partir do caso do Agreste de Alagoas. Entende ciclos, como processos de avanços e recuos e que impactam no desenvolvimento territorial, inclusive com realizações aparentemente ―fracassadas‖, no que alguns denominam de ―elefantes brancos participativos‖. Ou em ações que resultaram em efeitos ―positivos‖ e de avanços ou que sejam socialmente convenientes, mais limitados, decorrentes da menor abrangência territorial. 2 A EMERGÊNCIA DA CATEGORIA TERRITÓRIO NO MARCO INSTITUCIONAL Dentro da perspectiva histórica, principalmente dentro da história do pensamento geográfico, o Espaço enquanto categoria universal abstrata foi marcante na Geografia sendo bem anterior à categoria Território e, portanto, essa última pode ser observada como produto daquela sendo definido como ―um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. (RAFFESTIN, 1993, p.143-144). A concepção do autor aborda o território enquanto produto de um espaço preexistente, porém não sendo território uma derivação do espaço e sim um subespaço constituído a partir das relações socioeconômicas. Na verdade, o território constrói seu próprio sistema baseado em representações ou em ações concretas de indivíduos, evidentemente dentro de uma dimensão de poder. Porém, Raffestin limita-se pelo aspecto da ―territorialização‖, omitindo o processo dinâmico que altera ou se transforma no tempo, no qual o território é produto do capital e que deve garantir seu processo de acumulação, tornando assim um foco flexível no uso do território. Para Veiga (2003, p. 286), ―As vantagens das noções de território e de espaço são evidentes: não se restringem ao fenômeno local, regional, nacional ou mesmo continental, podendo exprimir simultaneamente todas essas dimensões.‖. E Souza (1995, p. 100-101) acrescenta: [...] o território não é simplesmente uma variável estratégica em sentido políticomilitar; o uso e o controle do território, da mesma maneira que a repartição real de poder, devem ser elevados a um plano de grande relevância também quando da formulação de estratégias de desenvolvimento sócio-espacial em sentido amplo, não meramente econômico-capitalístico, isto é, que contribuam para uma maior justiça social e não se limitem a clamar por crescimento econômico e modernização tecnológica. Nesse diapasão, o acompanhamos também a concepção de Santos (2002, p. 17) em seu ensaio que polemiza a importância do retorno analítico do território, descortinando abordagens conservadoras e descritivas, e introduzindo elementos centrais como o acontecer hierárquico, o acontecer complementar e o acontecer homólogo. Ou seja, o território é o cenário de atos humanos exercidos naturalmente pelo poder, que tenta homogeneizar seus interesses de poder ou dar maior solidez em espaços ainda não apropriados, estendendo-se ou complementando este exercício. Como disse Fajardo (2005, p. 132) ―sob a ótica produtiva, as relações de poder assumem-se como processos geradores de territórios.‖. Nesse sentido entende-se que a abordagem mais comum quando da referência da categoria território, e ainda particularmente na proposta apresentada pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SDT/MDA) é o simples uso e não o sentido do território. Nessa linha analítica, Santos (2002, p. 15) tem uma visão singular: ―é o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz dele objeto da análise social. Trata-se de uma forma impura, um híbrido, uma noção que, por isso mesmo, carece de constante revisão histórica‖. Ou seja, o uso do território se processa pelo uso como derivação da constituição do território real e do verdadeiro sentido dentro do sistema capitalista de produção. Assim, a concepção de território é marcada pela diversidade conceitual, pois trata-se de uma construção social para além da configuração do Estado Nacional ou territorial, ou seja, aquela juridicamente organizada com base no exercício do poder, sejam países ou territórios estatais. Como assinala Souza (1995, p. 81), o território ―[...] não precisa e nem deve ser reduzido a essa escala ou à associação com a figura do Estado. Territórios existem e são construídos (e desconstruídos) nas mais diversas escalas [...]‖. Evidentemente que, mesmo se tratando da concepção em associação com o Estado, a que se confere o domínio de terra contínua ou não contínua, é inegável a dimensão identitária existente. A ―[...] identidade coletiva de pertencimento a um povo e a uma cultura própria.‖ Haesbaert (2007b, p. 37) enfatiza que ―Hoje, num mundo de ‗hibridismos‘ como o nosso, os conceitos estão longe de carregar a ambição formal de outrora‖. O território é construído a partir das relações sociais, econômicas, culturais e políticas, que conseqüentemente, constituem relações de poder. De acordo com Fajardo (2005, p. 134), fazendo uma crítica a abordagem economicista, ―As análises do território econômico pela visão unicamente marxista são, desse modo, limitadas.‖. Desse modo, a economia é um forte norteador da territorialização, desterritorialização e reterritorialização, mas não constitui o único viés para a ocorrência desses processos. Como afirma Cunha (2000, p. 57), ―Trabalhar com um conceito de território definido e considerado pela via das relações de poder e, destarte, políticas, não significa uma falta de reconhecimento da importância das outras vertentes que também consideram este conceito.‖ É apenas mais um enfoque que se soma aos demais para explicar a questão territorial, pois Quer se trate de relações existenciais ou produtivas, todas são relações de poder, visto que há interação entre os atores que procuram modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais. Os atores, sem se darem conta disso, se auto modificam também. O poder é inevitável e, de modo algum, inocente. Enfim, é impossível manter uma relação que não seja marcada por ele. ((RAFFESTIN, 1993a, p.158-159). A literatura sobre território tem apresentado uma riqueza analítica e também crítica na medida em que é uma categoria que historicamente foi cara à Geografia face ao seu caráter eminentemente político estando vinculada quase que estritamente ao campo da Geografia Política. Os novos recortes teóricos evidenciam a multiplicidade não apenas no aprofundamento do conceito e da análise do território, mas das derivações categoriais por ele emanadas, como as categorias ―territorialização‖, ―territorialidade‖, ―multiterritorialidade‖, etc. e que agora oferece lastro na análise da sociedade no processo de produção do espaço. E ainda mais importante, com a captura da categoria como medida operacional de ação do Estado a partir de uma proposta de intervenção e de ―substituição histórica‖ da velha categoria região, isso na dimensão do planejamento e do desenvolvimento. Assim, adentremos nesse enfoque da questão do desenvolvimento territorial rural como substrato às recentes políticas públicas voltadas para o meio rural brasileiro evidenciado com a criação dos chamados Territórios Rurais (TRs), sob a responsabilidade institucional da SDT/MDA. Nele se extrai a concepção de território, na qual denominamos de concepção institucional sobre Território, a partir de seu documento metodológico ―Marco Referencial para Apoio ao Desenvolvimento de Territórios Rurais‖, e que define território como: Um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, compreendendo a cidade e o campo, caracterizado por critérios multidimensionais – tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições – e uma população com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial. (SDT/MDA, 2005a, p. 07-08). É evidente que tal definição tem suas incongruências teóricas, quiçá metodológicas, e confunde muito, principalmente para aqueles que militam na Geografia, pois o território é comumente caracterizado a partir das relações de poder e seus ―hibridismos‖, e estas não estão explícitas na definição apresentada no documento da SDT/MDA que se baseou principalmente no fator identidade e principalmente do caráter homogeneizador do espaço. Face as limitações do presente trabalho, tal análise não será aprofundada, até porque já existe toda uma literatura ―crítica‖ que descortina as contradições e as limitações dessa abordagem, além dessa concepção atender ‗aos interesses do capital‖. O que torna relevante nesse quadro é a abordagem territorial extraída a partir dessa nova dimensão, estritamente institucional e de certa forma normativa, fruto de experiências já realizadas em diversos países, como a Espanha, México e Equador, e que, no Brasil se materializaria no primeiro mandato do presidente Lula da Silva no desenvolvimento de ações voltadas no mundo rural. Daí a importância dos estudos de caso, decorrente da realidade multifacetada dos territórios constituídos (atualmente em 164 territórios) e dos impasses e desafios observados. Nessa dimensão, observamos que o debate e as ações territoriais passam ao largo ao debate da Geografia, até porque a natureza da ―nova institucionalidade‖ opera preocupando-se diretamente com os resultados imediatos e na Geografia o debate restringi-se à dimensão teórica e a crítica acadêmica de grande contribuição epistemológica. Nisso agregamos a literatura sobre essa questão e desenvolvida por autores nãogeógrafos. Um primeiro aspecto é o reconhecimento da diversidade e complexidade desses territórios e que devem ser valorados, como afirma Leite Et alli (2009:117) quando comenta a abordagem de Ignacy Sachs em palestra no III Forum sobre Desenvolvimento Territorial, em Fortaleza, em novembro de 2008, in literis: [...] as experiências são diferentes e é preciso ter cuidado ao se exacerbar as boas práticas. É preciso pensar nos mecanismos que possibilitem ampliar e replicar em outros territórios processos que tenham resultados positivos num determinado território sem que isso determine, entretanto, a homogeneização e a perda da riqueza do caráter específico ou da ‗marca‘ de cada um dos territórios. A busca por soluções e saídas capazes de serem generalizadas e universalizadas torna-se tentadora, em particular no âmbito da administração publica e das agencias internacionais. Contudo, ao se acompanhar os diferentes processos que são postos em marcha pela política territorial nas suas áreas de atuação, é importante ter em mente que certos traços destes territórios lhe são específicos, resultantes de sua trajetória de construção. Nesse diapasão, fundamental é extrair da citação em supra os elementos necessários para justificar a proposta e que, pela abordagem já desenvolvida pela literatura especializada, é evidente que especificidades, ou melhor, particularidades territoriais, devem ser levadas em consideração, o que impõe a necessidade de superar o caráter normativo e principalmente homogeneizador da política de desenvolvimento territorial protagonizada pela SDT. O que não significa que os meandros normativos dessa política devem ser colocados em segunda instância. Pelo contrário. Evidencia-se um conjunto de institucionalidades sob o marco de princípios conhecidos como a participação direta da sociedade, empoderamento dos atores sociais dentro do arranjo e da possibilidade da governança materializada na gestão social dos territórios; seriam essas as particularidades (ABRAMOVAY: 2003; 2005). Ou seja, a diversidade e a complexidade das realidades territoriais unificam-se pelo arranjo a partir da constituição dos Colegiados Territoriais, com força operativa das instâncias internas e do cumprimento dos princípios institucionais. Desse lado, articular diretrizes, estabelecer dimensões e alcance das ações, da importância do controle social, da constituição do planejamento, coordenação, direção e principalmente execução; sintonizados com a realidade concreta do território e dos procedimentos evidenciados a partir da diversidade representativa dos atores sociais envolvidos no processo; naturalmente contribuirá na dinâmica da institucionalidade estabelecida no arranjo e do alcance material e operacional dessa estrutura descentralizada sobre o território em si. Como o próprio Leite (2009, p.118) analisa a importância dessas particularidades, porém alertando que todo esse processo deve estar articulado com a realidade macro, Em muitos casos, serão particularidades as responsáveis pelo sucesso ou mau andamento da política territorial (condicionalidades), devendo assim ser reforçadas ou corrigidas pela política. Contudo, o reconhecimento dessas especificidades não determina que essa experiência possa ser facilmente transposta para outros territórios. Desde o início, a política territorial, ao se debruçar sobre os territórios, procura destacar e reforçar elementos endógenos que, em articulação com processos de escala macro (estadual, federal), sejam capazes de se desdobrarem em processos sustentáveis de desenvolvimento econômico e social, e não aplicação de fórmulas uniformes. Ainda na questão da importância das relações de poder dentro da esfera do Território e agora em seu aspecto operacional e institucional, na verdade, trata-se de um novo modelo de desenvolvimento pautado no empoderamento exercido pelos atores socialmente representados, tendo como delimitação a esfera territorial. Nessa linha, segundo Lopes e Costa (2006, p. 01). A justificativa é de que com a abordagem territorial do desenvolvimento seria superada a visão localista do desenvolvimento que até então vinha sendo seguida pelos municípios brasileiros, e cujos resultados mais evidentes eram a pulverização de recursos e a superposição de políticas públicas, resultando em visível fragilidade do processo de efetivação dessas políticas, geralmente de corte municipal. Porém, Favareto (2006a) faz uma análise interessante afirmando que seria também, isso com amplas possibilidades, de efetivação de uma política de ―inovação por adição‖ por ter agregado outras políticas a partir da experiência intermunicipal e as políticas de desenvolvimento de base local, sobretudo a partir de meados da década de 90 quando é implantado o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). E completa enfatizando que essa abordagem territorial a partir da proposta institucional dos Territórios Rurais se configura somente pela ampliação da escala geográfica das articulações, mas limitado pela característica estritamente setorial e vinculado a um Ministério secundário: O fato de que esta política tenha sido criada no interior de um ministério setorial e periférico – o Ministério do Desenvolvimento Agrário -, limitou enormemente o sentido e a eficácia da adoção desta nova abordagem. Apesar do discurso territorial, o leque de agentes envolvidos e as ações apoiadas continuaram restritos ao agro e a seus agentes mais tradicionais. Além da inovação retórica, a única mudança de fato foi a ampliação da escala geográfica das articulações [...] para o âmbito intermunicipal. (FAVARETO, 2009, p.07). Ainda acompanhando a análise da particularidade territorial, este seria o entendimento da economista pernambucana Tânia Bacelar (2009), quando analisa a questão da gestão social e do desenvolvimento sustentável dos territórios frente aos desafios da multidimensionalidade, extraindo sua abordagem a partir da realidade ―regionalterritorial‖ brasileira. Para isso, adentra elementos já bem conhecidos, como a questão da diversidade regional, e, partindo desse novo modelo de desenvolvimento baseado na sustentabilidade, seria necessário redescobrir essa diversidade. A autora ainda aborda a velha herança da desigualdade, representada pelas diferenças espaciais a partir das densidades demográficas, diferenças entre o litoral e o interior, do norte e sul; e também da demarcação socioeconômica (utilizando variáveis como o índice de desenvolvimento humano – IDH), com uso de uma linha horizontal, definindo claramente espaços socioeconômicos dinâmicos e estagnados, reproduzindo o velho modelo das desigualdades regionais e que formaliza em linhas gerais a boa intencionalidade de inserção da política de desenvolvimento territorial sobre o meio rural, principalmente para atender, em termos conjunturais, as áreas socioeconomicamente mais pobres. E complementa: Se colocarem os Territórios da Cidadania (TC) [...] irá observar que a grande maioria dos territórios da cidadania está daquela para cima. Portanto, o desafio é muito grande: não estamos trabalhando nos lugares mais favoráveis, estamos trabalhando nos lugares mais desafiadores, exatamente aqueles que não eram a prioridade no século passado. (BACELAR 2009:45). Nas entrelinhas da abordagem de BACELAR (2009) podemos observar que o modelo de planejamento regional ao estilo keynesiano praticamente foi sepultado, porém a presença do Estado também não pode ser secundarizado ou subordinada a hegemonia absoluta da economia de mercado. O modelo de desenvolvimento territorial surgiu como marco particular de intervenção do Estado. Isso a partir de uma proposta de valorização de concepções construídas pela sociedade civil organizada, com atribuição de decidir a alocação dos recursos públicos, em harmonia com as demandas ‗objetivamente concretas‖, ampliando assim dentro das várias dimensões. Nesse entendimento a dimensão social e ambiental se constituem como as mais emergentes. É nessa agenda institucional-desenvolvimentista que surge da necessidade de superar determinadas mentalidades ainda arraigadas no meio acadêmico, como afirma a autora quando analisa a emergência da dimensão social e ambiental e da construção de outro modelo de desenvolvimento: Os dados sobre a dimensão social: a emergência social que o pais consegue exibir ao mundo. Quando nos colocam na dimensão econômica, estamos ao lado dos países mais poderosos do mundo, quando nos colocam na dimensão social, estamos ao lado dos países mais pobres do mundo: e é o mesmo país. Daí ter tomado mais força o debate da dimensão social; e a dimensão ambiental vem tomando crescentemente importância no debate nacional. (BACELAR, 2009:39). É evidente que este modelo de desenvolvimento dirigido para o meio rural está ainda em formação, mesmo sabendo que alguns dos territórios já apresentem consolidados em sua organização, inclusive com ações territoriais realizadas. Mas o alcance real das dimensões pretendidas está dando seus primeiros passos na medida em que o entendimento é que o paradigma do desenvolvimento territorial veio para ficar como alternativa ao modelo keynesiano e liberal. Esse, mesmo com enfoque setorial (por ser estritamente voltada ao mundo rural), mas inexoravelmente incluído como uma política de Estado, e não um simples programa de governo, pode ser enquadrado como uma política de longo prazo. É nesse contexto que os estudos de caso devem ser valorados nesse momento, isso no intuito de entender a dinâmica desses territórios e dele extrair experiências singulares e que certamente nortearão em futuras ações, articuladas diretamente com os arranjos através dos Colegiados Territoriais, além da importância da troca de experiências entre os Territórios. Daí o desafio e ao mesmo tempo da ciência dos constantes impasses constituídos em todo esse processo. Infelizmente atores sociais de certa relevância dentro do território são negligenciados, como é o caso dos representantes do pequeno e médio empresariado territorial (o SEBRAE, por exemplo), ou ainda dos agricultores pobres despossuídos de representação política e social e que certamente teriam um espaço de maior participação, se houvesse mobilização de suas entidades ‗naturais‘ (como os sindicatos de trabalhadores rurais). É dentro desse enfoque que colhemos algumas experiências do Território do Agreste de Alagoas, tanto na dimensão do arranjo, como das realizações já feitas; nas quais estamos denominando de ―ciclos operacionais‖ sob o lastro dos impasses e dos desafios constituídos. 3 AS EXPERIÊNCIAS NO TERRITÓRIO DO AGRESTE DE ALAGOAS: A CONSTITUIÇÃO DOS CICLOS OPERACIONAIS O Território do Agreste de Alagoas forma um dos seis territórios rurais alagoanos implantados pela SDT/MDA, compondo um total 16 municípios. A população absoluta no território em 2000 era de 531.750 habitantes, em uma área compreendida de pouco mais de 4,6 mil km² nas quais 48,6 % residiam na zona rural. Com uma densidade demográfica média de 116,6 hab/km2, no Território do Agreste a agricultura contribui com aproximadamente 30% do PIB territorial, em função de seu principal município – Arapiraca – se destacar como pólo regional de maior expressão econômica do interior alagoano, não apenas como centro distribuidor de produtos agrícolas, mas importante nos segmentos do comércio, serviços e da atividade industrial, com forte alcance não apenas no agreste, mas em parte significativa do interior do estado de Alagoas. Segundo ―Atlas dos Territórios – 2004‖, da SDT, 63,3% da renda gerada esta concentrada nas mãos dos 20% mais ricos, enquanto os 20% mais pobres abocanham apenas 1,4% da renda distribuída no território. Em relação ao Índice de Desenvolvimento Humano (Tabela 01), apesar do aumento dos IDHs verificado em todos os municípios do território no período entre 1991 e 2000, os mesmos ainda apresentam-se baixos, seguindo as mesmas características dos municípios mais pobres do Nordeste. A média nacional do IDH é de 0,766, enquanto o estado de Alagoas o índice é de 0,649. Já no território do Agreste, o índice médio ainda é menor em relação ao estado: 0,569. Com base no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD (2000), observa-se que os únicos municípios que apresentam índices superiores aos do estado são Palmeira dos Índios, dispondo do maior IDH com 0,666, seguido de Arapiraca, com 0,656. Enquanto que Traipu ocupa o último lugar no território e também como menor IDH do estado, com apenas 0,479, considerado também como um dos mais pobres do Brasil. Tabela 01. Território Rural do Agreste de Alagoas: Índice de Desenvolvimento Humano no Brasil – Municipal (1991 e 2000). Tabela 01. Índice de Desenvolvimento Humano Municipal. Índice de Desenvolvimento Humano – Municípios Municipal IDH-M (1991) IDH-M (2000) Arapiraca 0,556 0,656 Campo Grande 0,420 0,547 Coité do Nóia 0,458 0,569 Craíbas 0,402 0,553 Estrela de Alagoas 0,450 0,545 Feira Grande 0,432 0,560 Girau do Ponciano 0,425 0,535 Igaci 0,432 0,540 Junqueiro 0,491 0,615 Lagoa da Canoa 0,436 0,580 Limoeiro de Anadia 0,432 0,569 Olho D`Água 0,395 0,544 Grande Palmeira dos Índios 0,566 0,666 São Sebastião 0,419 0,565 Taquarana 0,447 0,583 Traipu 0,379 0,479 Média do 0,446 0,569 Território Fonte: PNUD, Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, 2003. Elaborada por Leide Santos. O Território Rural do Agreste difere da metodologia classificatória construída pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em função de extrapolar a tradicional região agrestina ou ainda por não abrangê-la em sua totalidade. Dos 24 municípios da mesorregião do Agreste, apenas 15 integram o território, sendo 10 pertencentes à microrregião de Arapiraca, 3 da microrregião de Palmeira dos Índios e 2 da microrregião de Traipu. O município de Junqueiro, apesar da proximidade territorial com os demais municípios membros do território, é o único que não pertence à microrregião, a mesorregião do Agreste. O município integra a mesorregião de São Miguel dos Campos, localizado na porção leste do estado de Alagoas. Entretanto, Junqueiro tem forte relação econômica com a região do agreste, sendo que o município é fortemente polarizado pela cidade de Arapiraca, mesmo que seu centro urbano esteja localizado às margens da BR-101, com fácil acessibilidade a centros urbanos maiores, inclusive destacando na diversidade em termos da oferta de bens e serviços, como a capital do estado, Maceió (Figura 01). Através do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais - PRONAT (2006), a seleção dos territórios alagoanos foi realizada pelo Conselho Estadual de Agricultura Familiar e Reforma Agrária (CEDAFRA). Assim, em maio de 2004, seria constituída a Comissão de Instalação de Ações Territoriais (CIAT), composta por diversos atores sociais que representavam inicialmente as entidades que diretamente atuam sobre o meio rural. A missão da CIAT era coordenar o processo de construção do Plano de Trabalho de Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS), através da figura do articulador, tendo com suporte um consultor territorial que atuariam em nível territorial e estadual, respectivamente. Figura 01. Território Rural do Agreste de Alagoas. Fonte: IBGE, 2010. O PTDRS era um documento que descrevia a metodologia utilizada, as informações levantadas e os elementos fundamentais que compunham o referido Plano, fruto de reflexão e discussão da CIAT e do articulador territorial com os atores sociais, através da realização de oficinas, seminários e reuniões regulares, tendo a finalidade de nortear as ações no território. Posteriormente a CIAT seria substituída pelo Colegiado de Desenvolvimento Territorial (CODETER) e a figura do Articulador Territorial substituída pelo Assessor Técnico, isso com objetivo de dar maior agilidade ao processo de desenvolvimento territorial, em que a questão seria, nesse momento, a consolidação do CODETER e não mais, necessariamente, a de mobilização. Nesse aspecto, podemos estabelecer níveis de análise na questão do desenvolvimento territorial, tomando como parâmetro empírico o Território do Agreste de Alagoas. Inicialmente abordaremos sobre a questão do processo de constituição do arranjo institucional e um dos maiores problemas como a rotatividade dos atores nas instâncias do Colegiado, bem como dar maior participação de algumas entidades que, em função da organicidade de seus representantes, teve forte poder de influência e decisão dentro das instancias do CODETER. A segunda relaciona-se com as ações territoriais realmente efetivadas e que formaram o que denominamos como ‖primeira geração das ações territoriais‖. E finalmente, dos impasses e desafios da ―segunda geração‖, na qual podem ser analisadas pelas dificuldades no processo de consolidação do Colegiado face à reiteração dos mesmos problemas observados no processo de constituição e da questão da gestão das obras realizadas na medida em que tem configurado como problemas centrais enfrentados pelo Colegiado. É pertinente observar que Colegiado do Agreste de Alagoas é formado por representantes de entidades de direito público interno (Estado e Municípios) e de entidades da sociedade civil organizada e que tenham como marco de atuação o meio rural, como os sindicatos dos trabalhadores rurais, cooperativas associações, etc. O Colegiado do Território do Agreste de Alagoas é constituído por tripla instância. A instância da Plenária, mais ampla e de caráter deliberativo, apresentando maior flexibilidade em sua composição, onde entidades que não estiveram ―presentes‖ em reuniões anteriores da Plenária, por exemplo, poderão participar e sua presença regular em reuniões posteriores poderá lhe dar o poder do voto e com ela na constituição como membro permanente do Colegiado. Atualmente 45 entidades integram o Colegiado com poder de voz e voto. Já a instância do Núcleo Diretivo possui 15 entidades. Geralmente integram esse núcleo as entidades mais atuantes no Colegiado e que regularmente estão presentes nas reuniões deliberativas. O Colegiado também é composto pelo Núcleo Técnico com função de apoio às demais instâncias do CODETER, em especial na prestação de assessoria ao Núcleo Diretivo. O Assessor Técnico tem um importante papel nessa instância, além do papel crucial no Núcleo Diretivo, com apenas poder de voz, mas de grande responsabilidade nas três instâncias. Destaca-se também a constituição mais recente das chamadas Câmaras Temáticas, com objetivo de descentralizar internamente às decisões mais frequentes e que sempre compõem a pauta do arranjo. Para o exemplo do Agreste de Alagoas, a prioridade seria dada pela constituição da Câmara da Educação, por apresentar extensa demanda territorial e de certa forma abranger praticamente todos os municípios do território. No que refere ao assessor técnico, geralmente vinculado a alguma das entidades do território ou eleito entre os pares e que possui a atribuição de mobilizar, sensibilizar e articular as entidades ligadas ao mundo rural no território. Ele também é responsável pela elaboração e acompanhamento da execução do PTDRS e agora mais recentemente pelo processo de implementação do plano de providências visando recuperar obras inacabadas e que estejam com problemas de conclusão. Atualmente a entidade SOMAR é responsável pelo gerenciamento dos recursos do Colegiado e pelo pagamento do assessor técnico. Aparentemente é possível interpretar que foram poucas obras realizadas depois de um longo processo de discussão nas instâncias do CODETER e naturalmente com sérios problemas de gestão, controle e principalmente fragilidade de capital de giro destas operações. Mas também não se pode esquecer que a realidade institucional dos territórios rurais tinha uma longa agenda de ação do assessor técnico com o objetivo preliminar de mobilizar, sensibilizar e ―convencer‖ as entidades mais representativas e vinculadas ao meio rural do território, da importância de participar de uma nova dinâmica em que a questão dos princípios da participação social, do caráter da inovação e da governança compunham como substratos fundamentais na constituição das instâncias discursivas e deliberativas. Ao lado também da longa construção do PTDRS, da qual é o grande desafio das dezenas dos Territórios da Cidadania nos dias atuais, pois alguns sequer já haviam sido montados seus planos de atuação quando eram ainda territórios rurais, e formularam suas agendas imediatas ou a montagem de um plano de desenvolvimento territorial para médio ou longo prazo. A partir do trabalho de campo foi possível constatar as ações territorializadas no Agreste, possibilitando fazer uma análise conjuntural a partir dos resultados positivos e dos problemas que inviabilizaram uma ação mais eficaz. Um dos graves problemas encontrados para desenvolver as ações no território são as pendências fiscais das prefeituras com o INSS, pois uns dos requisitos para a liberação do recurso é a regularidade das obrigações previdenciárias. Desse modo, a inadimplência de alguns municípios inviabilizou a execução de projetos, o que contribuiu para o desânimo de algumas entidades envolvidas. ―Apesar de que não é só o projeto, é a mobilização, é a articulação para uma série de outras ações, mas, infelizmente, acaba se vendo muito a parte do projeto. É mais o lado econômico, então o pessoal desanimava e acabava não vindo mais para a reunião,‖ afirmou um dos membros do Colegiado (2009). Apesar da regularidade das reuniões e dos recursos a serem discutidos e deliberados, o clima no território passou por uma fase de ―marasmo‖ (expressão utilizada por um de seus membros). Para alguns, existe uma espécie de ―esgotamento‖ do modelo, apesar dos projetos em andamento. Desde a sua criação foram implementados vários projetos, porém, além da inadimplência, existem outros problemas que dificultam o desenvolvimento das ações, como as dificuldades de relacionamento entre os próprios membros da sociedade civil organizada, o inchaço no núcleo diretivo, o que tem contribuído na lentidão das decisões, e na fluidez das entidades nas reuniões. Configura-se contradição na partilha dos recursos disponíveis formando um grupo de municípios que atua de forma mais intensiva como Arapiraca, Palmeira dos Índios, Estrela de Alagoas e Igaci que dispõem de ―discurso competente‖, facilidade de organização e freqüência nas reuniões, tanto no núcleo diretivo, como também nas plenárias. Enquanto que outros não têm grande poder de barganha, evidenciando marginalização dos municípios da porção sul do território, como Traipu, Olho D`Água Grande e Campo Grande por falta de organização, ―discurso‖ e participação. Desse modo, pode-se dizer que dentro da dinâmica das entidades territoriais que atuam no colegiado, estrutura-se uma classificação interessante e ao mesmo tempo excludente na medida em que a questão da participação social não apresenta de forma tão homogênea. O que tem como resultado inevitável a constituição de um mosaico territorial, este definido em termos espaciais, com uma divisão bem nítida dos municípios ―dinâmicos‖ e dos municípios ―estagnados‖ das políticas territoriais. Se de um lado temos os municípios como Palmeira dos Índios, Estrela de Alagoas e Igaci, estes inseridos como municípios do Território do Agreste de Alagoas por ―adição‖, esses são os mais atuantes no arranjo territorial, o que torna surpreendente. Por outro lado, temos municípios que possuem maior identidade fisiográfica com o Agreste Alagoano, como Limoeiro de Anadia, Coité do Nóia, Lagoa da Canoa, Feira Grande e Girau do Ponciano, onde o poder das entidades originadas desses municípios, e que integram o Colegiado, é praticamente nulo ou com pouca representatividade na instância. O que inviabiliza processos de discussão mais abertos entre os membros do ponto de vista da constituição das demandas no Colegiado, infelizmente dando maior legitimidade as entidades mais organizadas e com maior poder de pressão (e discurso) dentro do Colegiado. Mais grave relaciona-se com a incapacidade da organização dos municípios mais fragilizados do Território, principalmente entre eles. Tem-se uma nítida coesão territorial dos municípios através de entidades dentro do território, existindo efetivamente identidades de demandas, e que substancialmente articulam-se entre as entidades dentro do colegiado desses municípios, como as Secretarias Municipais de Agricultura de Palmeira dos Índios, Estrela de Alagoas e Igaci, além da intensa participação da Cooperativa dos Produtores de Leite de Palmeira dos Índios (CARPIL) e da Secretaria Municipal de Educação de Estrela de Alagoas. Em contraposição estrutura-se uma dissociação orgânica das entidades dos municípios da parte meridional do território, onde, em função da atuação fragmentada e pouco participativa, suas demandas não são colocadas na agenda imediata do território, mesmo que possa estar incluída no PTDRS. Todo esse processo naturalmente, como já analisado anteriormente, rebate na materialização das ações territoriais, isso como produto das discussões e das deliberações das instâncias do colegiado. É fundamental essa análise na medida em que regionalmente todo esse processo tem grande importância quando essas políticas efetivadas têm como alvo os agricultores familiares da região agrestina alagoana. Assim, podemos segmentar em linhas gerais como principais ações territoriais do Território do Agreste de Alagoas, isso formando o que denominamos de ―primeira geração‖ dessas ações, que foram as seguintes: 1 – Construção da unidade de beneficiamento de leite no município de Arapiraca; 2 – Construção da unidade de produção da fécula da mandioca e da unidade classificadora de farinha, também localizada no município de Arapiraca; 3 – Reestruturação das casas de farinha, totalizando 27 ações, que abrange diversos municípios do Território. Entretanto, outras pequenas ações foram também constituídas nessa fase, como a construção de infraestrutura básica para a implantação dos serviços de micro finanças rurais, a compra de equipamentos de informática e atividades de extensão entre agricultores familiares, como os cursos voltados para a formação de jovens agricultores. Destacamos as três ações acima pelas mesmas terem concentrado maior volume de recursos e apresentarem, de certa forma, forte rebatimento territorial e contraditoriamente apresentaram os maiores problemas operacionais no Território. Podemos inserir que as três ações territoriais citadas acima tiveram maior envergadura na região e de maior montante de recursos, mas infelizmente com contradições quase que insuperáveis do ponto de vista de sua operacionalização. As duas primeiras – a unidade de beneficiamento de leite e a fecularia de derivados da mandioca estão paralisadas face aos problemas relacionados à gestão e de certa forma, da negligência das prefeituras municipais, além dos problemas internos entre os atores representativos do Colegiado. A inadimplência com as obrigações previdenciárias, a não apresentação de determinados atos administrativos como os cadastros relacionados aos dados educacionais ou dos benefícios dos programas de transferência de renda; repercutem negativamente na liberação dos recursos, na medida em que são as prefeituras responsáveis pela execução das demandas deliberadas. Outra questão relaciona-se com a pouca agregação participativa de algumas prefeituras no Colegiado. Simplesmente algumas delas ignoraram, e, mesmo tomando ciência do que efetivamente estão sendo discutidos e encaminhados nas reuniões das plenárias, ainda assim sequer enviam representantes para essas reuniões. Daí o contexto do que estamos denominando de ―ciclos operacionais‖ do desenvolvimento territorial no Agreste de Alagoas, que foi estabelecido inicialmente por um ciclo de “motivação” e que compreenderia os três primeiros anos de funcionamento concreto do Colegiado (2005/2007), onde a característica seria dar maior visibilidade a instância e a necessidade de mobilização dos atores sociais mais organizados do território, além da construção do PTDRS. Podemos dizer que os primeiros passos foram positivos, inclusive em função da realização de experiências anteriores através da constituição do consórcio intermunicipal e do conhecimento que alguns atores institucionais tinham como as prefeituras municipais e alguns órgãos do governo alagoano, em relação à necessidade de discussão e deliberação de demandas coletivas de repercussão territorial. É pertinente observar que nesse período foram construídos os atuais ―elefantes brancos participativos‖ mais importantes do território, como a fecularia e a unidade de beneficiamento do leite. Para alguns atores do território, esse processo se tornou como o mais problemático e de difícil solução, sendo, talvez, o que apresenta maior impasse nos dias atuais na medida em que os recursos aplicados foram significativos (mais de 2,0 milhões de reais!) e que concretamente não gerou qualquer efeito em termos de desenvolvimento local. Nessa esteira, o segundo ciclo que caracterizamos como “ciclo da estagnação”, ou nas palavras de um dos membros do Colegiado, do ciclo do ‗marasmo‖ caracterizou-se pela quase paralisação da instância colegiada e da completa desmobilização dos atores sociais mais ativos; o que afastaria importantes células sociais definidoras da organização colegiada e do maior distanciamento com as entidades representativas da sociedade civil organizada do território que poderiam contribuir no processo de desenvolvimento territorial. Praticamente não haveria regularidade das reuniões nessa fase, havendo mudanças na figura do assessor técnico e do articulador regional e estadual; além da falta de recursos para gerir o funcionamento da própria instância. Mais interessante, que, mesmo em um quadro negativo, é evidente que a boa intencionalidade ainda existia. Finalmente o atual ciclo operacional, nascido com a constituição no território da cidadania do Agreste de Alagoas a partir de 2008 e que se caracteriza pela tentativa de reconstrução da instância coletiva, não apenas em função de forças exógenas interessadas nesse processo, como o governo federal, através do MDA, mas da inserção de novos atores inseridos no processo e da necessidade de constituição ―real‖ dos membros efetivos do CODETER. A tentativa de implantação do plano de providências e as realizações regulares das reuniões são algumas dessas ações. O plano de providências no sentido de discutir e encaminhar propostas das chamadas ―ações paralisadas‖ como a fecularia e o ―esqueleto esquecido‖ da unidade de beneficiamento do leite. O que torna um grande desafio, no mínimo, para os próximos dois anos, na medida em que foram ações de grande ousadia. A reconstrução da instância coletiva obrigará a apresentação de habilidades por parte dos atores sociais envolvidos e das prefeituras municipais (como a Prefeitura de Arapiraca, onde essas obras estão localizadas), a fim de gerarem resultados nesse processo, podendo ocasionar consequências no próprio funcionamento do Colegiado. Daí o grande desafio em relação aos impasses e contradições observadas. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A questão do desenvolvimento territorial rural sustentável incluído como política de Estado tem suas contradições e desafios, além dos impasses gerados em seu processo de consolidação e da questão de entender a dinâmica e a diversidade dos territórios rurais em todo o Brasil. Desse modo, entendemos que a questão insere como um dos elementos centrais para ações do Estado na questão social e seu papel institucional de operar dentro dessa nova perspectiva, que sepulta o velho modelo do desenvolvimento regional keynesiano ou da irracionalidade do Estado Neoliberal. É evidente que a limitação dessa proposta, por ser setorial, envolvendo apenas questões relacionadas ao mundo rural e focado com os agricultores familiares mais pobres do país, não vem acompanhada de mudanças estruturais. Mas enquanto intervenção de propostas que deságuam em ―ações territoriais‖ sobre esse mundo rural poderá, tal política poderá trazer mudanças e principalmente maior capacidade dos atores sociais se envolverem no processo de desenvolvimento territorial (ou de desenvolvimento local). O Território do Agreste de Alagoas revela como umas das experiências mais interessantes, principalmente na questão da dinâmica do Colegiado e de suas realizações, além da facilidade de aglutinar representantes de entidades concretamente interessados no processo de desenvolvimento. Os ciclos operacionais observados é um desenho inicial desse processo e que poderá estabelecer novos parâmetros de atuação. Não necessariamente de ser como uma mera caixa de ressonância para efetivamente aplicar recursos do MDA no território, sem qualquer lastro com a questão do princípio da participação social, mas que busque maior autonomia da instância, modificando atitudes ainda viciadas, como a indiferença das prefeituras municipais e seu maior problema – a inadimplência das obrigações institucionais – além da forte rotatividade da participação dos atores nas instâncias do Colegiado. Mais interessante ainda é a tentativa de mobilizar entidades dos municípios que menos participam no território, como os que estão localizados na porção meridional do território, visando dar maior organicidade em sua composição, o que torna como uma das maiores agendas do território na atual conjuntura (2010/2011). Finalmente, é pertinente observar o papel da Geografia nesse debate. A insistência em realizar com competência e elegância à crítica a proposta de desenvolvimento territorial em nada muda a inserção da ciência geográfica, principalmente na construção de abordagens propositivas. A crítica pela crítica, no nosso entendimento, isola a Geografia no atual debate sobre o Desenvolvimento Rural Sustentável, desconstrói seu papel enquanto ciência do espaço, com pouca relevância aplicativa, o que torna um tanto vaidosa essa posição na qual perde a oportunidade histórica de formar recursos humanos competentes para esse fim principalmente na construção real de uma saída para aqueles que vivem nos territórios mais pobres. E não simplesmente fazer a crítica estrutural, sem qualquer lastro com a realidade, principalmente daqueles que fazem o mundo rural, além da necessidade de preocupar-se em formar estudiosos sobre a questão, como acontece nas áreas afins ou teremos apenas um mercado de trabalho; a de professores de ensino superior e médio. Devemos transcender esse campo restrito de atuação dos profissionais da Geografia. Completa-se também que a questão do desenvolvimento territorial voltado para o mundo rural tornou-se uma sólida política de Estado e, indubitavelmente, é a bola da vez, e os estudos de caso e da diversidade dos territórios no Brasil poderão contribuir na definição de novas políticas públicas voltadas para esse mundo. A simples referência no uso da crítica, sem qualquer proposição de reposição, em nada acrescenta. E a questão dos territórios é um vasto campo de estudo para os estudiosos da Geografia Rural. 5 REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Ricardo. O futuro das regiões rurais. 1º edição. Porto Alegre: editora da UFRGS, 2003. ______. Representatividade e Inovação. Seminário Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável – Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário, 23 a 25 de Agosto de 2005, Brasília. ATLAS DOS TERRITÓRIOS RURAIS. Brasília: MDA, 2004. 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VEIGA, José Eli da. Cidades imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se calcula. 2ª ed. Campinas-SP: Autores Associados, 2003. PLANEJAMENTO AMBIENTAL E GESTÃO TERRITORIAL EM BACIAS HIDROGRÁFICAS Espedito Maia Lima18 Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto19 1 INTRODUÇÃO As bacias hidrográficas funcionam como verdadeiros sistemas ambientais, e se caracterizam por uma organização natural de atributos ambientais que lhe conferem uma dinâmica própria, marcada pelos fluxos de matéria e energia. A sua estrutura abrange atributos do quadro natural, compostos por: 1) A estrutura geológica, abrangendo a litologia propriamente dita e as propriedades geomorfológicas das rochas; 2) O modelado, envolvendo as unidades de relevo, formas das vertentes, perfil transversal e longitudinal dos vales, índices de dissecação e classes de declividade; 3) Os solos, com suas características e propriedades ambientais como profundidade do perfil, profundidade do horizonte A, rochosidade e pedregosidade superficial e no interior do perfil, teor de matéria orgânica, estabilidade dos agregados, anisotropia interna, porosidade e permeabilidade; 4) A cobertura vegetal e seus atributos ambientais como porte, densidade, estratos, grau de cobertura do terreno, sistema radicular e capacidade de interceptação das águas das chuvas; e 5) A rede de drenagem, com seus arranjos espaciais, gradientes longitudinais e formas 18 Professor do Departamento de Geografia da UESB. Doutorando do NPGEO/UFS. 19 Professora do NPGEO/UFS. Doutora em Geografia pela UNESP - Rio Claro. transversais, regime dos cursos d‘água, alimentação das nascentes e características dos lençóis subterrâneos. Considerando que muitos dos processos atuantes nas bacias hidrográficas estão associados com a dinâmica hídrica, ressalta-se a importância dos elementos atmosféricos, especialmente das precipitações pluviométricas, como motivadores e mantenedores dos mecanismos hidrológicos superficiais e subsuperficiais. Nesse aspecto, algumas características da pluviometria devem ser consideradas, como sua distribuição espacial, altura total anual e sua distribuição no tempo (nas escalas mensais, semanais e diárias), grau de torrencialidade das chuvas (intensidade e duração). A análise rítmica subsidiada na proposta formulada pela CEI (1971) explica a geografia de bacias hidrográficas, articulando e integrando seus componentes aos atributos externos, quer de origem natural, quer antropogênica. A distribuição das chuvas na escala temporal, associada às demais características do ambiente, tem implicações sobre o balanço morfopedológico das vertentes, definindo o grau de preponderância da componente perpendicular ou da componente paralela, cujos saldos positivos (pedogenéticos) ou negativos (morfogenéticos) refletem o grau de estabilidade natural dos ambientes. Entretanto, as condições climáticas e sua atuação na ecodinâmica das bacias hidrográficas não se restringem a pluviometria e seus efeitos sobre as águas superficiais e subterrâneas. Outros elementos do clima são igualmente importantes, por interferirem diretamente sobre as características da vegetação, dos processos pedogenéticos, como também de alguns outros mecanismos que ocorrem na estrutura superficial das paisagens, onde podem ser destacados a ação da temperatura, evapotranspiração e ventos, além da radiação expressa pelo fotoperíodo e fotossíntese. Complementando o rol dos elementos motivadores da ecodinâmica dos sistemas ambientais em bacias hidrográficas, destaca-se a drenagem como importante agente nos mecanismos dinâmicos de fluxos de matéria e energia. Faz-se necessário analisar os diferentes arranjos da drenagem, cujos padrões refletem importantes significações ambientais. Os fluxos superficiais também podem fornecer informações sobre o comportamento ambiental da bacia hidrográfica, especialmente as características relacionadas ao regime dos canais fluviais, carga de sedimentos e características químicas e bacteriológicas das águas. 2 AS BACIAS HIDROGRÁFICAS NO CONTEXTO DOS SISTEMAS AMBIENTAIS As trocas de matéria e energia estão presentes em todos os processos ligados a fase terrestre do ciclo hidrológico, envolvendo o empoçamento superficial, a infiltração, o escoamento difuso e concentrado, os canais fluviais efêmeros, estacionais e perenes, o fluxo subsuperficial e a alimentação dos aquíferos subterrâneos e superficiais, o consumo hídrico pelas plantas e animais e os mecanismos de evaporação e evapotranspiração. A grande maioria desses processos assume uma significação ainda maior, já que tratam de ações de modelagem da estrutura superficial das paisagens naturais, de conformação da própria bacia hidrográfica como um sistema ambiental dinâmico. As transformações implementadas por esses processos representam um continuum dos processos estruturantes e evolutivos da bacia enquanto ambiente físico, deixando na mesma as suas marcas características. Esta argumentação aponta para um importante critério técnico utilizado na avaliação e planejamento ambiental, que é a visão areal dos fenômenos, que permite a espacialização de processos, mesmo que estes tenham fortes influências nos mecanismos lineares. Na qualidade de sistemas abertos, as bacias hidrográficas evoluem dinamicamente, ganhando e perdendo matéria e energia. Os fluxos internos geram transporte de materiais, o que vai repercutir em perdas e ganhos localizados, promovendo também metamorfoses em seus componentes pela ação energética de seus atributos. As tentativas de interpretação dos ganhos, perdas e transformações como alterações elementares individualizadas, em uma visão analítico-separativa, tem produzido sérios equívocos, tanto na leitura dos processos espaciais, como nas ações de planificação territorial pautadas nesses modelos de interpretação. Como cada elemento que constitui os sistemas ambientais é resultado de processos, mas é também agente transformador, as interações processuais são simbióticas e complementares, dando ao sistema ambiental a conotação de organismo, em que o resultado das complexas combinações e reciprocidades é mais importante do que as características individualizadas de cada elemento constituinte. O resultado da combinação dessas ações é que os sistemas ambientais evoluem oscilantemente em torno de uma situação de equilíbrio dinâmico. A noção de equilíbrio dinâmico não pode ser confundida com o conceito de clímax. Significa o resultado evolutivo das condições naturais de cada sistema ambiental, que é reflexo da combinação instável dos seus diversos componentes. Cada componente possui seu comportamento próprio e, portanto, um grau de fragilidade diferente dos demais. Esta fragilidade do ambiente é resultante da complexa combinação sistêmica de processos elementares, mas é fortemente influenciada pelo seu elo mais frágil. A noção de ajustes ambientais entre a estabilidade e a instabilidade foi introduzida na Geografia através da teoria do equilíbrio dinâmico, formulada com aplicação específica na Geomorfologia, considerando o modelado terrestre como um sistema aberto, e, portanto, permanentemente permutando matéria e energia com os demais sistemas interativos. Juntamente com a entrada, processamento e saída de matéria e energia (princípio do sistema aberto), os constantes ajustamentos na busca de seu equilíbrio são premissas básicas da teoria do equilíbrio dinâmico. Trata-se de uma das teorias que mais coadunam com os princípios da Teoria Geral dos Sistemas, formulada por Bertalanfy, dado que a estabilidade ambiental representa nada mais que um equilíbrio entre as forças contrárias, de entrada e saída de matéria e energia. O maior ou menor armazenamento de matéria e energia através dos processos internos pode indicar as tendências de estabilidade ou instabilidade. A estabilidade tem um significado de ajuste em relação a quantidade da energia que entra, como também a sua variabilidade no tempo e no espaço. É provável que o ajustamento dependa da capacidade de auto-regulação e do grau de interdependência entre os elementos. As paisagens em equilíbrio refletem as características dos agentes dinâmicos do sistema. Refletem as condições climáticas, edáficas e fitogeográficas, muito mais do que as condições geológicas e geomorfológicas, sendo, portanto, reflexo do período atual. A estabilidade ambiental é um importante indicador do grau de resistência que o ambiente natural oferece à tensão provocada pelas atividades humanas. Com um mesmo nível de interferência humana, os sistemas reagem diferentemente, já que cada ambiente possui sua própria combinação de fragilidades. Todo sistema natural tem sua própria dinâmica o qual pode às vezes ser afetada pela ação antrópica, que encontra seu reflexo na sociedade e nos ecossistemas, afetando de maneira direta sua própria existência e desenvolvimento (CABO; FERNANDEZ; SILVA, 2006, p. 61). Seja nos processos naturais ou naqueles resultantes das investidas humanas, os mecanismos ambientais nunca se comportam numa relação de causa e efeito. Os sistemas ambientais são complexos por natureza, com sucessões de mecanismos de retroalimentação. Thornbury (1954) destaca que ―na evolução geomorfológica a complexidade é mais comum do que a simplicidade‖. Este princípio é válido também para a evolução dos demais elementos estruturantes do meio físico. A análise ecodinâmica das paisagens deve considerar as características dos fenômenos do ambiente físico, como também o grau de interferência humana no processo de transformação dos arranjos ambientais e recriação de paisagens, muitas vezes fortemente antropizadas. Ao se dedicar ao estudo do meio ambiente não perde de vista que, enquanto ciência do espaço terrestre, é uma reflexão sobre a natureza ocupada pela sociedade e por ela transformada, a fim de adequar-se aos imperativos da sobrevivência‖ (CONTI, 2001, p. 59). Ao mesmo tempo em que essas transformações significam a transformação da primeira natureza e criação da segunda natureza, na perspectiva marxista, sendo o próprio mecanismo pelo qual se produz o espaço geográfico, no dizer de Santos (1988), significam também o mecanismo mais importante de desregulação e desordem dos processos ambientais. Muitos ambientes naturalmente biostásicos são transformados em uma magnitude tal, que sua estabilidade é rompida, os processos são modificados (muitas vezes com relações dinâmicas invertidas), dando origem a condições de resistasia antrópica. Dadas essas circunstâncias, a análise das transformações socioambientais não pode ser restrita às leis da natureza e a regulação dos sistemas ambientais. Não deve considerar somente o grau de modificação dos elementos das paisagens, como também os princípios e leis da sociedade, especialmente a forma como os diferentes grupos sociais se organizam no processo de apropriação, uso e transformação dos recursos naturais. Ao tratarem da perspectiva geográfica nos estudos do meio ambiente, Cabo, Fernandez e Silva (2006, p. 61) destacam que [...] devemos compreendê-lo como a integração de componentes naturais, humanos e todos os campos da vida social, que se encontram estreitamente relacionados e que de uma forma ou outra satisfazem as necessidades materiais, espirituais e culturais para garantir uma conduta ambiental responsável, onde se tomem decisões capazes de responder as verdadeiras necessidades da sociedade. O tratamento das derivações ambientais atuais deve levar em consideração que sua gênese está mais atrelada a questões sociais do que naturais. Neste sentido, Martinelli e Pedrotti (2001, p. 39) afirmam que ―a forma como os homens se relacionam com a natureza depende do modo como se relacionam entre si, o que é determinado pelas relações sociais vigentes em certo modo de produção, em dado momento do percurso da história da sociedade humana‖. 3 DINÂMICA DAS PAISAGENS E FRAGILIDADE AMBIENTAL EM BACIAS HIDROGRÁFICAS O controle da qualidade ambiental é uma medida necessária para a conservação dos diversos ecossistemas e depende não só das decisões do poder político-administrativo, através da legislação e fiscalização, mas também do comprometimento dos profissionais que lidam com a área, bem como das atitudes de cada cidadão. Embora o termo ―potencial geoambiental‖ dê a impressão de força ou magnitude, a sua definição é feita a partir do grau de fragilidade de cada variável do sistema ambiental. Mesmo pautado em uma premissa sintética, o seu enquadramento nos diagnósticos ambientais se dá a partir da variável de maior fragilidade que, combinada às demais, define o grau de vulnerabilidade do ambiente. Há que se distinguir conceitualmente os termos ―fragilidade ambiental‖ e ―vulnerabilidade ambiental‖. Enquanto a fragilidade ambiental é entendida como o grau de resistência de uma variável ou conjunto de variáveis ambientais às investidas humanas, a vulnerabilidade ambiental implica na consideração da fragilidade, acrescida do grau de risco ambiental. Nesse sentido, um ambiente pode ser classificado como muito frágil, mas pouco vulnerável, caso ele esteja sob proteção integral. Drew (1989, p. 28) destaca que ―cada aspecto de um sistema natural apresenta um limar para além do qual a mudança imposta se torna irreversível e é necessário estabelecer um novo equilíbrio‖. Destaca a ideia de limiar de recuperação, argumentando que a intensidade das alterações inadvertidas depende do esforço aplicado ao sistema pelo homem e, também, do grau de suscetibilidade à mudança, do próprio sistema. Os diferentes cenários associados a processos de degradação ambiental, derivados das ações antropogênicas ou dos mecanismos de recomposição das características ambientais, representam situações de busca de um novo equilíbrio dinâmico do sistema ambiental, que quase sempre não corresponde ao estado anterior a ação antrópica. Nesta perspectiva, Camargo (2005, p. 217) afirma que [...] a dinâmica do espaço geográfico efetiva constantes mudanças nos lugares, logo cada nova paisagem torna-se um novo patamar de complexidade, remetendo as formas geográficas a novos conteúdos. A cada nova reestruturação da paisagem e, logicamente, a cada novo reordenamento do espaço geográfico, novas possibilidades sistêmicas ocorrem que: Araújo (2005 p. 24) reforça tais princípios, argumentando Os riscos de erosão dependem tanto das condições naturais quanto dos modelos de uso da terra. O clima (especialmente a intensidade da chuva), as características das encostas, a cobertura vegetal e a natureza do solo também são importantes. Com respeito ao uso da terra, qualquer atividade humana que exija a remoção da cobertura vegetal protetora (florestas, arbustos, forragens, etc.) promove a erosão, o mesmo ocorrendo com medidas impróprias, como arar morro acima. Dessa forma, percebe-se que as transformações socioambientais não dependem exclusivamente da magnitude da pressão humana sobre os recursos naturais, mas, principalmente, dos padrões de vulnerabilidade de cada recorte territorial. A metodologia proposta por Crepani et al. (2001) preconiza que a análise da vulnerabilidade natural dos terrenos aos processos de erosão seja feita a partir da identificação das UTB´s - Unidades Territoriais Básicas, delimitadas diretamente sobre a imagem de satélite, a partir da interpretação de padrões semelhantes, identificados pelas variações de cores, textura, formas, padrões de drenagem e relevo. O zoneamento ambiental pode expressar cartograficamente as unidades ambientais, caracterizando-as do ponto de vista de suas potencialidades ambientais, do grau de sustentabilidade às atividades humanas, podendo classificá-las com base no grau de estabilidade ambiental. Esta etapa de trabalho pode dar suporte ao planejamento e gestão do território, visto que estes dependem, dentre outros elementos, da avaliação das variáveis da sustentabilidade ambiental. Nesse sentido, Monteiro (1987) salienta que as correlações básicas estabelecidas entre os elementos do quadro natural – o suporte (geologia, geomorfologia, hidrologia), a cobertura (vegetação e solos) e o envoltório climático – dinamizados por aqueles de ocupação antrópica, com suas derivações sucessivas, sugerem padrões de organização espacial que induzem a definição de conjuntos ambientalmente solidários. Guerra e Cunha (1996) reafirmam a concepção de Monteiro, destacando que a estrutura físico-bótica do extrato geográfico se consubstancia nas diversas camadas ou componentes da natureza, tais como a baixa atmosfera, a hidrosfera, a litosfera e a biosfera. Estes componentes se articulam e interagem de forma tal, que definem mecanismos extremamente complexos de funcionamento e de interdependência. Fazem parte destes sistemas o ar, as águas, os solos, as rochas, as formas do relevo, a vegetação e a fauna. Estes mesmos autores salientam que, além do ambiente natural, o meio antrópico é parte fundamental no entendimento do processo, sendo para isso imprescindível a análise das relações socioeconômicas entre os homens e destes com a natureza. É importante avaliar a estabilidade ambiental quando se pretende aplicar tais estudos ao planejamento ambiental e territorial. Dentre os modelos utilizados para este fim, o que utiliza o conceito de ―unidades ecodinâmicas‖, na concepção de Tricart (1977) é um dos mais utilizados. O modelo de avaliação ecodinâmica, proposto por Tricart (1977) define, segundo as condições do balanço morfogênese x pedogênese, os seguintes meios: Meios estáveis – quando há a predominância da pedogênese sobre a morfogênese; Meios Intermediários ou Intergrade – quando há equilibro no balanço entre morfogênese e pedogênese; Meios Instáveis – quando há predomínio da morfogênese sobre a pedogênese. Evidentemente, o modelo proposto por Tricart é bastante amplo e necessita da definição de variáveis e do estabelecimento de critérios mensuráveis para a classificação de determinados recortes territoriais. Sua aplicação a cada realidade pode perpassar, inclusive, por uma readequação das classes, estabelecendo novas classes intermediárias, dada a complexidade dos arranjos dos sistemas ambientais. Penteado-Orellana (1981) destaca que os objetivos da Geografia abrangem: o estudo dessas derivações e a compreensão dos processos destruidores; a tentativa de modelizar para recriar espaços, conduzindo os efeitos destruidores num caminho de auto-regulação dos sistemas agredidos, para poder manter o espaço habitável e produtivo. O estudo da ecodinâmica da paisagem representa uma tentativa de compreensão dos mecanismos de evolução dos complexos arranjos geossistêmicos, que comportam diferentes escalas temporais e espaciais. Christofoletti (1989, p. 207), argumenta que, [...] não se pode esquecer que o padrão espacial observável representa resposta a um continuum evolutivo, à sequência de eventos que se sucedem ao longo do tempo. O estudo da dinâmica é essencialmente realizado na escala temporal, pois refletem as ajustagens internas do sistema à magnitude dos eventos, mantendo a sua integridade funcional, ou se ajustando em busca de mudanças adaptativas às novas condições de fluxo. É nesta perspectiva que Ab‘Sáber (1994) reforça que é preciso conhecer o funcionamento dos fluxos da natureza e toda a sua história e formas de ocupação dos espaços criados pelos homens, tendo em vista a previsão dos impactos ambientais. Em conformidade com Tricart e Kilian (1982), reforça-se que o tratamento da dinâmica do meio ambiente deve considerar dois aspectos: - A dinâmica atual, que regula algumas características do meio natural, que interferem com determinado recurso ecológico que explora e quer explorar, que também pode ameaçar as instalações que implantam. Deve ser levada em consideração em todas as fases do ordenamento; - As dinâmicas anteriores, que foram exercidas em épocas pretéritas, durante períodos relativamente breves em relação a escala geológica, e que deixou heranças no meio natural que utilizam e que é nosso marco ecológico. A sucessão dessas dinâmicas diferentes, ritmada fundamentalmente pelas mudanças climáticas, é um importante fator de explicação da situação atual. Indiretamente influi também sobre os problemas do ordenamento, sobre a susceptibilidade do meio em relação aos impactos do homem. É necessário considerar que a dinâmica socioambiental não segue, necessariamente, um padrão uniforme. Por isso, a projeção de cenários deve considerar, conforme Rauli (2006, p. 150), que: Os eventos exógenos obviamente interferem nas séries históricas dos indicadores de desenvolvimento, dificultando um exercício correto de previsões que busquem a extrapolação de dados históricos (novas tecnologias, epidemias, catástrofes, e etc.), mas não podem ser desprezados, assim como não podem inviabilizar a mensuração, uma vez que terão seus impactos dimensionados e gerenciados, independentemente do aspecto temporal. A elaboração de um diagnóstico ambiental visando a ordenação territorial deve levar em consideração uma delimitação de zonas homogêneas do ponto de vista físicoambiental (unidades ambientais), cuja dimensão territorial depende particularmente da escala de trabalho. No nível regional de análise dos fenômenos ambientais, o zoneamento deve chegar à delimitação de geossistemas, dentro da hierarquia sistêmica proposta por Sotchava (1977). Harvey (1976) destaca que: em qualquer que seja o nível de detalhamento, a análise dos ambientes pode ser feita por meio de modelos, onde uma dos mais utilizados é o que considera a variável ―input‖ e ―output‖, onde a primeira é independente do modelo, enquanto a segunda é inteiramente dependente do que possa acontecer dentro do modelo. O fundamento do modelo é mostrar como diferentes ―output‖ resultarão de valores ou atributos distintos dados às variáveis ―input‖. Esse modelo pode ser aplicado em diferentes realidades, sendo um dos mais apropriados ao estudo de bacias hidrográficas. Pode ser alimentado com dados e informações sobre a organização dos sistemas ambientais e sua dinâmica evolutiva (considerando os mecanismos naturais e aqueles influenciados pelas ações antrópicas), dados sobre a produção dos agroecossistemas e sobre a utilização das terras e dos recursos hídricos, insumos e irrigação, avaliações experimentais e/ou estimativas de perdas de solo e água dos diferentes segmentos que compõem o mosaico da bacia e dados sobre vazão média e vazões extremas do rio principal. Tais informações podem fornecer um modelo próprio de análise para cada bacia hidrográfica, traçado em elementos teóricos e checado através de parâmetros mensuráveis. Cabral e Cabral (2005, p. 60), tratam do planejamento ambiental pautado em uma visão holística dos fatos socioambientais, frisando que: Sob a visão sistêmica, os atributos ambientais devem ser estabelecidos e seus papéis, avaliados dentro dos ecossistemas. Isso reforça o planejamento do uso do solo e sua capacidade de relacionar o nexo causal (causa-efeito) por meio da ligação entre planejamento e proteção ambiental. O controle da qualidade ambiental é uma medida necessária para a conservação dos diversos ecossistemas e depende do conhecimento detalhado das características ambientais e da implementação de ações contínuas de controle e correção. Queiroz Neto (1993, p. 108/109) destaca que, [...] a situação atual aponta para a necessidade de se questionar os processos produtivos atuais e para a busca de alternativas, tanto na maneira de produzir quanto no modo de consumir. As alternativas devem contemplar duas condições essenciais: o abastecimento correto de toda a população mundial, presente e futura, e a minimização dos efeitos ambientais. Para isso, é preciso conhecer melhor os ciclos da natureza, os processos globais que regulam as atividades da matéria, da vida, no tempo e no espaço. É nesse contexto que as ações humanas devem ser colocadas, quanto ao efeito que produzem sobre o meio físico. A degradação ambiental e os conflitos na relação sociedade/natureza não estão relacionados somente ao uso indevido dos recursos naturais, mas também ao ato de produzir e consumir em alta escala, especialmente a produção. Contudo, a sociedade vive alguns dilemas socioambientais relacionados ao consumo, em que as diretrizes gerais da construção de sociedades sustentáveis estão embasadas no ato de se consumir moderadamente os recursos, de forma a permitir que as gerações futuras possam usufruí-los nos mesmos moldes da geração atual. Tal fato conduz a um sério equívoco que é o entendimento de que os recursos naturais são uma dádiva da natureza a todos os seres humanos, passando a ideia de um ―bem comum‖ que deve ser consumido com cautela para não faltar depois. As riquezas naturais, o ambiente, o meio ambiente passam a ser considerados como ‛bem comum‘ da humanidade e as dilapidações, o esgotamento de riquezas são, conforme é dito, causados igualmente por todos (RODRIGUES, 2009, p. 192). O segundo equívoco, advindo do primeiro, é que o grande conflito na relação entre sociedade e natureza é um conflito entre a geração atual (portadora dos poderes de utilização em maior ou menor escala) e as gerações futuras, dependentes do ritmo atual de uso dos recursos naturais. Pelo fato de essas ainda inexistirem, não há como dialogar com a geração atual sobre o ambiente desejável a eles, e, por isso mesmo, dependem da sensatez desta geração. 4 BACIA HIDROGRÁFICA COMO UNIDADE DE PLANEJAMENTO E GESTÃO O nosso modelo político-administrativo tem conduzido a avaliação, o planejamento e a gestão territorial, incluindo a gestão ambiental, dentro dos limites municipais, sem considerar que os fluxos dinâmicos da natureza extrapolam esses limites. Há uma recomendação da ONU, e que vem crescentemente sendo adotada em alguns países, inclusive com algumas experiências no Brasil, de relevar o planejamento e a gestão ambiental a partir da organização dos sistemas ambientais, especialmente das bacias hidrográficas como unidades básicas de planejamento e gestão do território. Isso porque, dentre os mecanismos dinamizadores dos fluxos superficiais de matéria e energia, a drenagem assume papel da mais alta relevância, estruturando os sistemas ambientais e buscando o equilíbrio morfodinâmico, resultante do dialético jogo entre as ações dos componentes estruturais e os componentes esculturais da superfície. Os planos diretores de bacias e a formação dos comitês de bacias e consórcios de usuários são instrumentos importantes no planejamento territorial para além dos limites municipais. Entretanto, sua implementação é dificultada por uma série de circunstâncias, dentre as quais a visão individualista de grande parte dos proprietários rurais e dos gestores municipais. Dadas as peculiaridades com que os fenômenos se manifestam nas bacias hidrográficas, com forte unicidade dos mecanismos dinâmicos da natureza, a mesma configura-se como célula básica da análise da organização dos sistemas ambientais. Daí verifica-se uma forte tendência de sua eleição como unidade básica prioritária para a análise dos fenômenos geográficos e como unidade espacial ideal para o planejamento territorial. Melo, Sales e Arruda (2007, p. 474) enfatizam que as bacias hidrográficas, [...] representam unidades sistêmicas que permitem a identificação e o conhecimento das interrelações dos fluxos de energia e dos demais fatores envolvidos no processo produtivo, com vistas a compatibilizar as atividades humanas com a preservação ambiental. Os processos de troca de matéria e energia criam uma relação de interdependência entre os sistemas ambientais e entre os elementos característicos de cada sistema, permitindo a sua compreensão completa, somente através de uma visão holística dos fenômenos. Tais correlações são responsáveis pelo grau de pontencialidade/vulnerabilidade de cada recorte geoambiental. Dessa forma, o conhecimento dos ambientes, especialmente do jogo complexo estabelecido entre suas variáveis, permite também a classificação das potencialidades de uso dos recursos naturais de cada unidade ambiental-territorial. Da mesma forma, a análise da fragilidade dos ambientes passa pelo conhecimento e avaliação integrada dos elementos característicos de cada sistema. Tal consideração tem fortalecido a ideia de gerenciar este tipo de unidade espacial, em função de seus atributos ecossistêmicos. Nesse sentido, argumenta-se que: O conceito de Bacia Hidrográfica tem sido cada vez mais expandido e utilizado como unidade de gestão da paisagem na área de planejamento ambiental. Basicamente até meados dos anos 80, os estudos realizados no âmbito da bacia hidrográfica abordavam quase que exclusivamente só a questão dos recursos hídricos em trabalhos de gestão dos recursos naturais. Atualmente, vários pesquisadores utilizam essa unidade de forma integrada, analisando e inter-relacionando todos os componentes físicos, biológicos e sociais pertencentes a uma bacia (MELO; SALES; ARRUDA, 2007, p. 474). A perspectiva de sistema aberto e dinâmico, por conseguinte, é o princípio básico para a que as bacias hidrográficas sejam utilizadas como unidades de planejamento e gestão ambiental. Enquanto unidade dinâmica, elas expressam significativamente a filosofia sistêmica de fluxos internos de matéria, energia e informação e suas relações com as sub-bacias adjacentes ou com a bacia de ordem hierárquica superior. É importante destacar tal princípio, dado que: Tendo sua delimitação baseada em critérios geomorfológicos, as bacias de drenagem levam vantagens sobre as unidades de planejamento definidas por outros atributos, cujos traçados dos limites podem ser bastante imprecisos, como, por exemplo, unidades definidas por atributos climáticos, ou, ainda, baseadas nos tipos de vegetação, que podem não cobrir a paisagem de modo contínuo (BOTELHO, 1999, p. 270). Mesmo quando se considera a bacia hidrográfica como unidade básica de análise, planejamento e gestão territorial, há que se ponderar que a mesma pode abranger um mosaico de unidades equipotenciais, cuja qualificação taxonômica se define em função da sua abrangência territorial e grau de uniformidade dos geoambientes. Entretanto, essa diversidade das paisagens naturais não se reproduz congruentemente nas novas paisagens modeladas pela ação humana, já que os mecanismos de apropriação e uso dos recursos naturais no espaço rural tendem a criar paisagens homogêneas, associadas em maior ou menor grau de aproximação das características das áreas core das principais culturas da região. A gestão integrada de uma bacia hidrográfica deve estar pautada na análise do estado dos sistemas socioambientais, avaliação das condições de uso do solo e da água e cenários possíveis, projetados a partir dos processos em curso. Tais mecanismos devem, a partir do diagnóstico que comporte uma visão do cenário atual da bacia hidrográfica, apresentar as proposições para a ordenação territorial, definindo ações de conservação e recuperação ambiental e os usos múltiplos não conflitantes da água e do solo na bacia, pautados nas premissas da sustentabilidade ambiental. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A visão propalada pelos ideais do desenvolvimento sustentável tem massificado a ideia de que a questão ambiental representa um conflito entre a geração atual e as gerações futuras, e não um conflito resultante do processo atual de apropriação diferenciada dos recursos naturais, que se materializa no próprio espaço geográfico. A ordem espacial produzida por essa acumulação diferenciada dos recursos, meios e tecnologias reflete as contradições e complexidades dos processos dinâmicos de produção do espaço. Entretanto, essas contradições são conflituosas por natureza, tanto verticalmente, através das hierarquias derivadas do processo diferenciado de apropriação cumulativa, como espacialmente, pela demanda dos recursos fluidos, portanto migratórios, como é o caso da água. A grande encruzilhada do planejamento ambiental e gestão territorial em bacias hidrográficas está vinculada aos mecanismos derivados da propriedade privada das terras e das águas e a geração de uma série de conflitos espaciais entre os seus usuários, criando novos territórios que se estabelecem a partir da lógica do poder e da correlação de forças. As disputas territoriais se espacializam pelas lutas individuais ou pela associação entre os diferentes grupos de usuários. O que se verifica é que o Estado tem desempenhado papel fundamental na intensificação desse processo, visto que cria as condições para que o grande capital se aproprie dos recursos hídricos e utilize mais produtivamente o território. Nessa disputa desigual, o ribeirinho é excluído, o pequeno irrigante é ignorado, o médio produtor vive os conflitos e o grande produtor é o verdadeiro beneficiado, inclusive com as obras públicas, que são direcionadas para esta fatia de usuários das águas e do solo. Cabe ao Estado, especialmente pelo necessário desempenho de seu papel social, a implementação de ações de planejamento territorial pautadas no uso sustentável dos recursos naturais, no atendimento às demandas dos diferentes grupos de usuários do solo e da água e no necessário ato de sanar os conflitos já existentes. Os instrumentos são vários e podem ser utilizados conjuntamente, mas sempre focados na lógica do uso racional dos recursos naturais. O planejamento territorial em bacia hidrográfica pode partir de uma análise acurada dos processos pretéritos, considerando o ritmo das atividades nela desenvolvidas, a avaliação do estado atual do sistema e a projeção de cenários futuros. Os cenários podem ser projetados sob duas perspectivas: uma que considera o ritmo atual das atividades humanas (cenário tendencial) e outra que considera a adoção de medidas corretivas das incongruências entre o uso atual e o potencial de uso (cenário de sucessão). 6 REFERÊNCIAS AB‘SABER, A. N. Bases conceptuais e papel do conhecimento na previsão de impactos. In: Müller-Plantenberg, C.; Ab‘Saber, A. N. (Org.) Previsão de Impactos. São Paulo: Edusp, 1994. p. 27-50. ARAÚJO, G. H. de S., ARAÚJO, J. R. de A.; GUERRA, A. J. T. Gestão ambiental de áreas degradadas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. 320p. BOTELHO, R. G. M.. Planejamento ambiental em microbacia hidrográfica. In: Guerra, Antônio José Teixeira, Silva, Antônio Soares da, Botelho, Rosângela Garrido Machado (Org). Erosão e conservação do solo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. 340p. CABO, A. R. de; FERNANDEZ, I. M. V.; SILVA, E. V. da. Conflictos ambientales en la cuenca hidrográfica del Río Quibú. 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AS POLITICAS DE ―DESENVOLVIMENTO REGIONAL‖: UM OLHAR SOBRE O PROJETO COMUNITÁRIO DO RIO GAVIÃO NO SUDOESTE DA BAHIA Fernanda Viana de Alcantara20 Prof. Dr. José Eloízio da Costa21 1 INTRODUÇÃO A opção da temática do estudo considera a importância da implementação de políticas públicas que visam contribuir para o desenvolvimento regional. A isso se soma a observação da crescente preocupação acerca dos modelos e alternativas de desenvolvimento capazes de enfrentar os grandes ―desafios‖ e problemas econômicos, sociais e ambientais que se apresentam no mundo contemporâneo. É importante ainda considerar os inúmeros eventos realizados para debater e refletir sobre o assunto, tanto no ambiente científico/acadêmico, como noutros horizontes, patrocinados pelo Estado ou pela ordem privada. O contexto conduziu à formação de concepções de desenvolvimento da espécie, desenvolvimento regional, pois, mesmo observando os vários tipos de propostas ou tendências de concepções do que se entende por desenvolvimento, verifica-se que algumas iniciativas vêm sendo realizadas no campo prático tanto em escala local (municipal e microrregional) como em escala regional. 20 Doutoranda em Geografia - Núcleo de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe – UFS. 21 Professor do Núcleo de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe – UFS. As políticas de ―Desenvolvimento Regional‖ procuram promover ações que apresentam alternativas de médio e longo prazo, objetivando assegurar melhorias na condição de vida do cidadão, via, entre outros, ajustes na organização econômica, conservação e preservação do meio ambiente. Itens analisados no estudo do Projeto de Desenvolvimento Comunitário da Região do Rio Gavião. De modo mais preciso, elegeram-se as ações desenvolvidas pelo projeto em algumas comunidades rurais da Região do Sudoeste do Estado da Bahia, área situada na divisa do Sudoeste baiano com o estado de Minas Gerais, considerada como uma unidade muito pobre do ponto de vista sócioeconômico e ambiental, que integra a região denominada ―Polígono das Secas‖. Precisamente nos municípios de Anagé, Belo Campo e Tremedal. Assim, os resultados de estudos na área de implantação das ações desenvolvidas por políticas públicas, especialmente daquelas cujo sentido é promover ações na perspectiva do ―desenvolvimento regional‖ são apresentados neste artigo. Sendo que, estes resultados provêm da investigação e análise da dinâmica do Projeto de Desenvolvimento Comunitário da Região do Rio Gavião (1996-2004), popularizado como PróGavião. O estudo ainda teve como objetivo: analisar as mudanças proporcionadas a partir da implantação do Pró-Gavião; identificar as possíveis contribuições no sentido de garantir melhoria nas condições de vida das comunidades residentes na área investigada; observar a capacidade de organização da sociedade local, e o envolvimento do poder público municipal de cada uma daquelas localidades. A formulação e a implantação do Projeto de Desenvolvimento Comunitário do Rio Gavião teve como propósito um processo do tipo ―resgate à vida cidadã‖ de algumas comunidades de determinados municípios baianos. O Pró-Gavião visou o desenvolvimento regional através da integração ou inclusão social de parte das comunidades rurais no conjunto dos municípios do Sudoeste baiano, através de propostas envolvendo a participação e interação de diferentes sujeitos sociais como as comunidades rurais de abrangência do Projeto. Desse modo, considerando tais fatores, entende-se que o Projeto em análise é merecedor de relevante atenção como objeto de estudo. 2 BREVE TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL O Brasil, por ser um país de grande dimensão territorial, população irregularmente distribuída, espaço onde existem grandes recursos naturais em exploração, e por explorar; a crise se agrava face à debilidade de suas estruturas econômicosociais. Debilidade resultante das marcas deixadas pela colonização, controle dos principais setores da economia por grupos estrangeiros e do modelo econômico concentrado de renda ao qual foi imposto. Estas deficiências se acentuam pela falta de produção de uma ciência e de uma tecnologia própria, que pudessem responder aos desafios da realidade. A tendência entre alguns setores da elite cultural de copiar modelos produzidos por outros países e impor é falha, pois estes modelos foram projetados para solucionar desafios diferentes e, portanto, sem condições de aplicabilidade com êxito ao espaço geográfico e social brasileiro. É relevante considerar que demandas sociais urgentes como questões agrárias, educacionais, da saúde, da assistência social e outras não têm respostas encontradas devido à alienação dos quadros técnico-burocráticos e à resistência dos setores econômicos e sociais que se beneficiam das distorções existentes. Desta forma, é indispensável à reflexão sobre políticas e programas voltados para pequenos produtores rurais. Especialmente no semi-árido nordestino, onde se concentra a maior carência de projetos com a finalidade de solucionar problemas relacionados ao homem-meio e ao enraizamento dessas comunidades no território, observando as contradições que permeiam a discussão sobre possíveis melhorias das condições de vida destes. Partindo das necessidades reais, para que sua elaboração e sua implantação não sejam apenas repetições de decisões de cima para baixo e restritamente compensatório. A inserção da questão social na consolidação das políticas públicas de desenvolvimento é fundamental. Mas o que se observa é uma participação meramente formal das comunidades beneficiadas por estes programas, uma vez que em muitos casos, são desconsiderados aspectos relevantes como as características culturais da comunidade, a confiança, a organização social. A falta de participação da comunidade é apontada, na literatura produzida pelas principais instituições internacionais da área de fomento do desenvolvimento, como uma das principais causas de fracassos de políticas, programas e projetos de diferentes tipos. Segundo essa avaliação, a ausência de uma interação suficiente com os segmentos relevantes da sociedade tende a fazer com que muitas das ações públicas sejam calibradas, tornando-se incapazes de alcançar integralmente os objetivos propostos. (BANDEIRA, 2004, p. 35) É uma nova forma de ver, ordenar e construir o mundo. São princípios básicos os direitos humanos, a responsabilidade pessoal e o compromisso social na realização do destino coletivo. Faz-se necessário um trabalho de reconhecimento e valorização dos direitos e deveres do cidadão, para que sejam respeitados, uma vez que este exercício não ocorre automaticamente. A tendência para um reforço generalizado da gestão política nas próprias cidades representa uma importante evolução da democracia representativa, onde se é cidadão uma vez a cada quatro anos, para uma democracia participativa, onde grande parte das opções concretas relacionadas com as condições de vida e a organização do nosso cotidiano passam a ser geridas pelos próprios cidadãos. (DOWBOR, 1998 p.42) A elaboração de políticas públicas necessita de debates abertos e transparentes, que devem ir além do interior dos gabinetes governamentais, pois a antiga prática em nada contribuiu para que acontecesse a inclusão dos sujeitos sociais. E ainda deve-se considerar que não é só tratar dos recursos públicos diretos ou por intermédio de renúncia fiscal (isenções), também envolvem interesses coletivos, que eram planejados num campo extremamente contraditório de interesses e visões de mundo. Neste sentido, Brandão (2003) afirma que: Apenas ao ir desmontando as forças do atraso estrutural é que se pode, verdadeiramente, falar em inclusão social. Alcançar, envolver e abarcar a massa social majoritária da população em um processo consistente de construção de cidadania. Envolve arrancar politicamente, ―a força‖, o direito à cidade, à região e à nação. Essas e outras ―escalas‖ estão entregues às alianças conservadoras aludidas. Por isso, muitas políticas de inclusão, de caráter caritativo e paternalista, acabam tendo o efeito de reforçar tal pacto interno de dominação (p.28). Com relação à efetivação das políticas públicas de desenvolvimento no Brasil, verificam-se as primeiras mudanças com o final do Regime Militar, que centralizava e burocratizava o poder, inibia as iniciativas contrárias e a organização da participação popular, ou seja, não permitia a ação do controle social exercido pelas comunidades. Na formulação de Dowbor (1998), o princípio da descentralização refere-se à capacidade real de decisão detida pelas demais esferas de governo, com descentralização dos encargos, atribuições de recursos e flexibilidade de aplicação. Não se trata de dotar as administrações centrais de dedos mais longos, com a criação de representações locais, mas de deixar que as administrações locais venham a gerir efetivamente as atividades. Com o final do regime militar no Brasil e a Constituição de 1988, os Estados e municípios puderam começar a promover a descentralização político-administrativa. Mas ainda parece algo novo e só recentemente vem apresentando seus primeiros reflexos na sociedade brasileira. Entre estes reflexos, pode-se citar a associação de políticas públicas com políticas de desenvolvimento. Com finalidade de ampliar os direitos à cidadania e/ou inclusão social, contribuir com o setor econômico na geração de emprego e renda e aumentar a inserção do país no mercado internacional. No Brasil, a região Nordeste se destaca na urgência de criar capacidade tecnológica e gerencial para conduzir estratégias competitivas de crescimento, necessita de medidas alternativas de desenvolvimento; pois apresenta poucas condições de integração no mercado mundial interdependente. Entre as heranças coloniais, o Brasil ficou marcado como produtor de açúcar na condição de um dos mercados econômicos de Portugal e europeu. Com traços de concentração de poder nas mãos de poucos, os senhores de engenho e mão-de-obra escrava, fatores que contribuíram para o estabelecimento das desigualdades sociais consolidadas ao longo da história, principalmente na região Nordeste. E ainda mais relevante, formaram-se verdadeiras ―ilhas econômicas‖, articuladas diretamente com o eixo dinâmico exógeno, dominado pela Metrópole Portuguesa. Desta forma, construiu-se no Brasil uma sociedade de estrutura econômica e social fragilizada, baseada na forte concentração fundiária a partir da perspectiva da realidade nordestina, que até os dias atuais representa o cenário de graves problemas sociais alimentados por questões naturais e políticas. Fatores que fizeram desta região alvo das experiências de planejamento e execução de ações governamentais apresentadas como alternativas para alcançar uma possível ―solução‖ para a situação de pobreza quase absoluta. Sendo que, essas experiências se deram especialmente com o aparecimento da ―Questão Regional‖ no Brasil e com o surgimento do Nordeste como ―região problema‖. O planejamento e implantação das ações governamentais no Nordeste se tornaram objetos de estudo que atraem a atenção de pesquisadores e estudiosos para a leitura e análise dos possíveis resultados obtidos e até que ponto estas ações interferem na qualidade de vida da população nordestina. São muitas as experiências, algumas grandiosas e ousadas como foi a própria Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), até hoje objeto de discussão, isso enfocada em uma perspectiva macroeconômica, mas que gerou contradições em sua trajetória até os dias atuais. É interessante observar que o quadro sócio-econômico do Nordeste, no final dos anos 50, caracterizava-se como uma região já estruturalmente pobre em relação às áreas mais dinâmicas do país, com poucas perspectivas de superação de problemas sociais e econômicos. Mas a preocupação com a questão econômica foi gradativamente colocando o discurso sobre o desenvolvimento social em segundo plano no Brasil e se apresentou como uma tarefa difícil. As disparidades regionais se tornam mais evidentes no clássico debate cepalino das décadas de 1950-60. O discurso da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), criada em 1948, buscava refletir sobre os problemas econômicos regionais, com o objetivo de apoiar o planejamento das economias no período pós-guerra, e implementar políticas econômicas imediatamente na América Latina, sobretudo voltadas para a industrialização. Aliado ao discurso dos ―desequilíbrios regionais‖, que, partindo de uma concepção cepalina de inspiração furtadiana, se operaria a criação da SUDENE. Agora utilizada como instrumento de intervenção regional e atuação em nível de planejamento, que gerou o reconhecimento da necessidade de implantação de Políticas voltadas para o desenvolvimento desta região. O Nordeste então estaria sendo visto como um todo e também como parte integrante do território brasileiro. No entanto, em consequência de uma série de questões políticas e históricas, que não é objetivo deste trabalho resgatar, o resultado das quatro décadas posteriores, caracterizaram-se pelo esvaziamento político e principalmente pelo definhamento do orçamento da SUDENE, é que problemas identificados na década de 50 persistem ou até se acentuaram. Deste modo permanece a preocupação com o desenvolvimento regional, que deve passar pela dimensão política e por uma análise multidimensional, integradora e totalizante, eliminando definitivamente o clientelismo e a permanência da subalternidade. Analisando sob aspectos geográfico-econômico e social, nota-se que o Brasil vivenciou a partir da década de 1970 um desenvolvimento industrial e de expansão urbana num ritmo acelerado, mas o país manteve a atividade agrícola como força geradora de sua economia, por meio das grandes propriedades agrícolas. Atualmente, a maioria das grandes propriedades agrícolas evoluiu para um sistema dominado pelo capitalista, particularmente da atividade agroindústria. Apenas nas regiões mais isoladas do país, onde prevalecem as pequenas propriedades, a produção camponesa mantém-se como a principal atividade econômica, sem contar com todo o aparato tecnológico e recursos financeiros disponíveis nas regiões que apresentam maiores sinais de prosperidade. Isso pode ser relacionado ao desigual desenvolvimento do modo de produção capitalista sobre o território brasileiro, que promoveu a expropriação do trabalhador no campo. A este restou a alternativa de auto-reprodução da força de trabalho a partir de relações de produção não-capitalistas, entendida como o trabalho familiar praticado pelo pequeno agricultor ou camponês. Sendo que, quando essas propriedades são muito pequenas e a mão-de-obra torna-se excedente, cabe aos membros da família saírem em busca de uma outra ocupação que possa incrementar a renda familiar e auxiliar no sustento. Nos países subdesenvolvidos, ―em vias de desenvolvimento‖ ou emergentes, a exemplo do Brasil, a agricultura continua sendo a atividade básica principal da economia. É necessário pensá-la não apenas como reprodução do capital, pois se trata de uma das atividades mais complexas do espaço, que requer investimentos, retorno financeiro e material para trabalhadores nela envolvidos. Na perspectiva da construção de regiões dinâmicas e articuladas entre si, o Governo do Estado exerce um importante papel quando é capaz de definir uma política estratégica de desenvolvimento que possibilite a valorização das regiões e suas autonomias relativas. Carvalho (1988) destaca a relação entre o Estado e a sociedade nordestina: ―[...] uma sociedade como a nordestina, onde o governo chega a se confundir com o Estado e, de certa forma, com a sociedade civil, tal a importância daquele para a vida de todos‖ (p.192). Torna-se cada vez mais evidente a necessidade de construir uma política nacional de desenvolvimento. No entanto, a realidade político-social brasileira vem permitindo apenas a construção de políticas de desenvolvimento e planejamento de ação em prol da atenuação dos problemas regionais através de outras escalas territoriais - Estados e municípios. Também verifica-se a implementação de programas e projetos governamentais sem incutir as práticas sociais, voltados essencialmente para a melhoria das questões relacionadas ao crescimento econômico. Neste contexto não existe um real enfrentamento dos problemas sociais pelos projetos governamentais de políticas públicas. Os mesmos apresentam insuficiências, desvios, e até mesmo a tradicional prática do clientelismo. As lições que podem ser retiradas a partir da implantação das políticas públicas no Brasil é que se constituem como ações isoladas e temporárias, em que seus protagonistas se distanciam da realidade e como conseqüência permanece uma sociedade de aparência, prevalecendo apenas a constante luta pela sobrevivência. Contrário a essa realidade apresentada, o Projeto de Desenvolvimento Comunitário da Região do rio Gavião, no Sudoeste do estado da Bahia, apresenta-se como uma tentativa de construir novas ações capazes de gerar mudanças na organização sócio-espacial das localidades por ele atendidas. 3 O PROJETO DA REGIÃO DO RIO GAVIÃO: AVANÇOS, IMPASSES E LIMITAÇÕES No caso da Bahia, a região semi-árida é dotada de um grande potencial produtivo. No entanto, é necessária a identificação de novas oportunidades de mercado para os produtos locais, a valorização da região com ênfase em suas características, melhoria dos padrões de qualidade, e conservação da identidade territorial e cultural. As atividades agrícolas do Semi-Árido, pela sua diversidade ambiental e riqueza cultural, oferecem um espaço promissor para o trabalho. Assim, o fortalecimento de parcerias de organizações entre produtores através de programas públicos constitui uma linha prioritária para o projeto de Desenvolvimento Comunitário da Região do Rio Gavião, a fim de privilegiar os produtos locais, mesmo que alguns deles se limitem a ofertas estacionais. O incentivo a esse tipo de ação, de acordo com programas voltados ao desenvolvimento auto-sustentável, deve abranger o fortalecimento das redes locais de apoio técnico, o crédito simplificado e a adequação de uma legislação fiscal e tributária que considere todo o contexto da realidade agroecológica e sócio-econômica do Semi-Árido. No sentido de proporcionar a auto-sustentabilidade aos municípios com elevada concentração de pobreza, a Companhia de Ação Regional (CAR) lançou em 1997 o Projeto Gavião, com atuação no Sudoeste baiano, que compreende uma das regiões mais pobres do Estado na divisa da Bahia com Minas Gerais, pertencente ao denominado ―Polígono das Secas‖. As comunidades atendidas pelo Pró-Gavião pertencem ao universo da população que habita a bacia do Rio Gavião. Trata-se de um programa governamental com atuação nas diversas áreas de desenvolvimento produtivo e comunitário, visa incrementar a renda da população rural da região de forma sustentável; através do aumento da produtividade agropecuária e agro-industrial dos beneficiários, e também melhorar o abastecimento de serviços de infra-estrutura básica e social. A área do Projeto de Desenvolvimento Comunitário da Região do Rio Gavião abrange 13 municípios, ocupando uma área de 14.718km, o que corresponde a 1,94% da superfície do Estado. Os municípios que compõem a área de abrangência do Pró-Gavião são: Anagé, Belo Campo, Caraíbas, Condeúba, Cordeiros, Guajeru, Jacaraci, Presidente Jânio Quadros, Licínio de Almeida, Maetinga, Mortugaba, Piripá e Tremedal. Esses municípios são caracterizados pela concentração de famílias vivendo nas áreas rurais, constituídas por pequenos produtores com propriedade de até 50 ha, que se encontram abaixo da linha de pobreza. E, em decorrência disso, uma considerável parcela dessa população acaba migrando para centros urbanos na tentativa de empregar sua força de trabalho durante boa parte do ano, geralmente nos períodos de seca. Diante deste quadro, para beneficiar cerca de 14.300 famílias rurais num período de 7 anos, o Projeto Gavião criou ações nos campos de desenvolvimento comunitário, agropecuário e de financiamento do desenvolvimento de pequenas propriedades rurais. Apresentando como principais componentes de ação: 1. Desenvolvimento Comunitário: Nesta linha de ação o Projeto Gavião estabeleceu a realização de atividades relacionadas às obras de infra-estrutura e serviços sociais. Estas atividades incluem a capacitação da mão de obra através de assistência técnica, também capacitada, para um melhor manejo dos recursos naturais. Com a finalidade de propiciar o desenvolvimento sustentável da agropecuária da região, a valorização do trabalho da mulher rural, o apoio à organização dos produtores, o investimento em sistemas alternativos de captação e armazenamento de água; além do reforço à infra-estrutura básica, através da melhoria de estradas vicinais, obras de irrigação comunitária e eletrificação rural. De modo geral, melhoramento da qualidade de vida. Na realização das ações voltadas para o Desenvolvimento Comunitário, foram destinados 13,46 milhões de dólares, de acordo o Relatório Final do Projeto Gavião22. Este valor foi utilizado na realização de ações como: a oferta de 360 bolsas de estudos para crianças de comunidades pobres; a construção de 140 reservatórios de água, cada um para ser usado por 10 famílias; a realização de 2.600 ligações de água estabelecidas e mantidas por associações dos usuários destas; a manutenção e reparo 200 km de estrada nos 13 municípios; e a construção de 2.450 cisternas entre outras atividades. 2. Desenvolvimento Agropecuário: É o segundo componente, constitui-se no eixo da estratégia de desenvolvimento do Projeto Gavião. Através dele as bases para o desenvolvimento agropecuário sustentável da região se estruturaram, com ações que permeiam a validação de tecnologia, assistência técnica e extensão rural. Seu objetivo é ofertar tecnologias capazes de incrementar a produtividade agropecuária e ofertar cursos de capacitação dos beneficiários (técnicos e produtores) para a qualificação da mão de obra, a promoção e reforço das pequenas empresas rurais por meio de mecanismos de incentivo aos pequenos empreendedores. De acordo com relatório final do Projeto, foram destinados 10,17 milhões de dólares para esta área, sendo gastos principalmente com a realização de seminários de capacitação, eventos de treinamento técnico, treinamento em administração rural básica e assistência técnica. Estes eventos normalmente ocorriam nas comunidades beneficiadas ou em localidades vizinhas, neste caso os beneficiados eram transportados para o local do evento. Em algumas situações, o transporte era feito até mesmo para outros 22 Relatório de Finalização do Projeto de Desenvolvimento Comunitário da Região do Rio Gavião, elaborado em Setembro de 2006. municípios, com o intuito de apresentar experiências bem sucedidas ou apenas para facilitar a realização do curso ou treinamento. Em conversa informal com os beneficiados do projeto, observou-se que os mesmos estavam sempre dispostos a buscar informações e conseqüentemente melhorias para a produção. 3. Financiamento do Desenvolvimento de Pequenas Propriedades Rurais: Terceiro componente de ação do Projeto visa o desenvolvimento de cerca de 7000 pequenas propriedades rurais na área de abrangência do Pró-Gavião. Para isso, foi criado um Fundo de Financiamento, sendo que para o investimento na criação de animais a aprovação e liberação do crédito têm como pré-requisito a garantia de que a propriedade a ser beneficiada tenha capacidade de suporte forrageiro para assegurar a alimentação animal na época da seca. Esse componente de ação ficou estruturado em três subitens, sendo: 1) Componente de Serviços de Financiamento Rural, para o qual foram destinados 9,76 milhões de dólares investidos em um programa de crédito, estabelecendo e liberando crédito aos pequenos produtores para a criação de microempresas rurais; 2) O Componente de Monitoramento e Avaliação que recebeu 560 mil dólares, tendo como proposta assegurar a concretização das atividades planejadas do projeto, ou que chamaríamos de custo funcional de manutenção. E por fim, 3) Unidade de Execução do Projeto com o valor investido de 1,25 milhão de dólares, visando a participação dos beneficiados por meio de Conselhos, Comitês e outros. A possibilidade de implantar processos econômicos dinâmicos baseados na pequena propriedade familiar nas áreas rurais dos treze municípios da bacia do rio Gavião foi a grande meta do Projeto. Os investimentos do Pró-Gavião foram derivados de recursos provenientes do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), do Governo do Estado da Bahia e de recursos dos próprios beneficiários do Projeto. O Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) é um órgão italiano que subsidiou o Projeto com recursos na ordem de US$ 20,117,590.00. O Governo do Estado ficou responsável por US$ 19,872,143.00 e US$ 411,838.00 foram recursos oriundos dos próprios beneficiários, totalizando assim um investimento na ordem de US$ 40,3 milhões para os 13 municípios. A realização das ações e os resultados durante o período de desenvolvimento do Pró-Gavião foram acompanhados por documentos elaborados sobre as atividades. Estes documentos também contribuíram na execução e re-organização das mesmas. Desta forma, ao longo da gestão e execução do Projeto foram feitos relatórios parciais e as comunidades receberam visitas periódicas, em média a cada quatro meses, dos representantes do FIDA para garantir a eficácia das ações do Projeto, evidentemente com atribuição de monitoramento e posterior avaliação. Na etapa de conclusão das ações foi elaborado o documento final de avaliação do Projeto, ―Relatório de Finalização das Ações do Projeto Gavião‖ que aponta a geração do fortalecimento das comunidades atendidas dentre outros benefícios promovidos pelo Projeto. E ainda, a formação de treze Conselhos Municipais por grupos beneficiados durante o período de execução, os quais apresentaram diferentes níveis de articulação ou arranjo com o intuito de reivindicar ou construir ações junto ao poder local. De acordo com o Relatório, os Conselhos possuíam uma estrutura de funcionamento colegiada composta por uma coordenação geral, administrativa, financeira e de comunicações; e uma composição formada pelos Comitês de Gestão Comunitária - CGC, composta por entidades como: os sindicatos, igrejas, organizações não governamentais, prefeituras e câmaras de vereadores. Os documentos elaborados pela equipe do Projeto indicaram que o processo de organização municipal mobilizou a participação de aproximadamente 7.760 pessoas de 208 Comitês de Gestão Comunitária, sendo 46% do sexo feminino constituído de produtores e produtoras da comunidade e de outras representações locais. Por outro lado, o instrumento de planejamento e negociação em torno do qual se definiram as atividades do Pró-Gavião, junto às comunidades, foi o Plano de Desenvolvimento Comunitário - PDC23. A questão da participação e envolvimento das comunidades no Projeto Gavião, embora apresente uma relativa importância enquanto proposta de ação, não atendeu em sua plenitude ao esperado com efetiva participação, visto que as decisões não eram apontadas e aceitas pela comunidade em sua totalidade. Neste sentido pode-se levantar um questionamento a respeito da maneira pela qual às atividades promovidas pelo projeto seu processo de elaboração e adequação foram recebidas pelos pequenos produtores. Uma vez que conforme se verifica nos diferentes discursos dos protagonistas e beneficiados, não houve nenhuma participação direta da comunidade ou de entidades representativas na elaboração dos planos, metas e ações do Projeto, antes de sua efetiva implantação. Pode-se afirmar que a inserção do projeto de política pública nas comunidades ocorreu de ―cima para baixo‖, contrariando o modelo de desenvolvimento que valorize as peculiaridades do local. E contraria também a proposta do Projeto Gavião em promover o chamado ―capital social‖, por meio da participação, pois em diferentes momentos verificou-se que as entidades exerceram apenas um papel passivo. É interessante destacar que enquanto crescem as discussões sobre a importância da participação, as entidades 23 Dados do Relatório de Finalização do Projeto Gavião, setembro/2006. representativas das comunidades são surpreendidas por propostas bem elaboradas e que na maioria não são questionadas, apenas aceitas. No Brasil, para as Políticas Públicas são utilizados esses princípios na formulação de projetos a serem desenvolvidos e implantados nas áreas rurais que apresentam sinais de estagnação, e que requerem mudanças capazes de promover um desenvolvimento sustentável nas atuais condições da economia para amenizar a diferenciação regional hoje existente no país. Tendo em vista esta realidade somada a persistência de posturas que provocam o distanciamento entre as regiões e pessoas, e ainda, o duelo com uma aparente harmonia na visão globalizada de mundo, observa-se que problemas tão sólidos, como os de desequilíbrios regionais, não são solucionados facilmente como numa ação ―mágica‖. As soluções que as esferas do poder público apresentam estão pautadas em políticas públicas voltadas para o desenvolvimento, que normalmente acabam caindo no mero entendimento do desenvolvimento enquanto crescimento econômico. Ou servem de instrumento na disputa político-partidária, cuja apresentação de melhores indicadores econômicos e de certos ―avanços‖ sociais significa maiores oportunidades para quem detém o poder político. No caso da Bahia, as políticas públicas de desenvolvimento vêm sendo em sua maioria implementadas pela Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional - CAR, a exemplo do Projeto de Desenvolvimento Comunitário da Região do Rio Gavião – Pró-Gavião. O estudo do Pró-Gavião e os dados apresentados e analisados foram obtidos por meio do trabalho de campo, visitas às comunidades e instituições que participaram de forma direta ou indireta da implantação do Projeto, bem como da realização de entrevistas com diversos atores sociais, além da aplicação de questionários, por amostragem aleatória, esses aplicados com os beneficiados do Projeto em diferentes comunidades rurais dos municípios de Anagé, Belo Campo e Tremedal. Foram também realizados registros fotográficos das ações do Projeto nos já referidos municípios. Após esta etapa, deu-se a sistematização da pesquisa. As impressões e resultados revelaram que as ações do Pró-Gavião estão presentes em diferentes pontos dos municípios beneficiados e que o mesmo foi um fato marcante no cotidiano da região, mas não mudou objetivamente a condição de vida. As comunidades inicialmente não compreendiam a dimensão do projeto, mas já estavam se adaptando às interferências geradas pelo mesmo. Habituaram-se à presença de técnicos que auxiliavam na orientação de suas tradicionais atividades agropecuárias; também ao surgimento dos microempreendimentos para beneficiamento de produtos das localidades, como o exemplo mandioca; ao acesso do crédito rural que visava ampliar a renda e a melhoria da estrutura das propriedades, bem como construção de cisternas com reservatórios da água das chuvas. Sendo esta última uma das ações de maior relevância para os beneficiados estudados na pesquisa, por ser uma região de seca. Estes novos elementos inseridos no cotidiano das comunidades rurais beneficiadas, por meio das ações do Projeto Gavião, geraram diferentes visões que vão desde a frustração daquele que não foram contemplados com nenhum tipo de benefício do Projeto por questões político-partidárias, ou na distribuição das ações, passando pelos questionamentos dos participantes das Associações Locais dos Pequenos Produtores que alegaram não terem sido consultados; até chegar à satisfação e à renovação do entusiasmo dos pequenos produtores que de alguma maneira foram beneficiados. Em função do quadro de abandono, carência e fragilidade em que se encontravam as comunidades rurais, todas as iniciativas do Projeto foram visualizadas pelos pequenos produtores rurais como um caminho para o enfrentamento dos problemas estruturais locais como o clientelismo, a baixa renda e outros. Somando estes motivos à expectativa de novas mudanças o que restou em comum foi o desejo da permanência das ações do projeto entre os beneficiados e também entre as pessoas que não foram beneficiadas. De modo geral, é possível afirmar que o nível de interferência positiva ou negativa do Projeto representa para estas comunidades uma alternativa de desenvolvimento ou, no mínimo, de melhoria das condições de vida locais. Contudo, sem alterar as velhas estruturas da pequena propriedade, concentração de renda, baixa participação social e outros. Outro aspecto relevante refere-se à análise da possibilidade de implantar processos econômicos dinâmicos, baseados na pequena propriedade familiar, nas áreas rurais dos municípios da bacia do rio Gavião, uma vez que a proposta de aumentar a renda média dos lavradores, através da validação de tecnologia, oferta de crédito agrícola e da organização dos produtores, em forma associativa não foi alcançada em sua totalidade, pois as causas da baixa renda não foram alvos das ações do Projeto. Observa-se que tal proposta ficou limitada com o final do Projeto. As associações não estão preparadas para utilizar a organização como caminho para se atingir o mercado, já que a produção foi ampliada em algumas comunidades. Ainda se esbarra no desafio da comercialização que facilita a permanência, em muitos casos, da figura do atravessador. Não se sentem, ainda, capazes de entrar na competição, o que tem inibido o crescimento da renda dos pequenos produtores. As alternativas para solucionar estas questões estão sendo elaboradas pelas associações e pela equipe da CAR. Verifica-se que as tentativas para promover o desenvolvimento regional, considerando este conceito/categoria no seu aspecto econômico e abrangendo as questões sociais, muitas vezes não atingem a totalidade, apresentam limitações. É notória a existência de grupos e pessoas não beneficiadas pelas alternativas propostas pelas políticas públicas voltadas para o desenvolvimento, como ocorreu no processo de execução do Pró-Gavião. A constatação desse fato, mesmo com a quantidade de iniciativas já existentes, é que ainda são significativas as disparidades sociais e as baixas condições de vida de muitas pessoas, de modo especial da região Nordeste. Espera-se do desenvolvimento, principalmente no meio rural, é que este venha atender às expectativas da população nos aspectos social, econômico, ecológico e político. Isso abrange o aumento da produtividade agrícola aliado à preservação e melhoria do ambiente natural, possibilitando a garantia de renda suficiente para que os agricultores tenham um padrão de vida aceitável, e que os faça permanecer no campo investindo na atividade agrícola. A incorporação da questão ambiental na execução de projetos de Políticas Públicas em sua maioria permanece apenas no papel. Falar do meio ambiente tornou-se essa discussão necessária, mas do discurso à prática se estabelece uma barreira quase intransponível. No Pró-Gavião a história se repetiu. As propostas do projeto relacionadas às questões ambientais não se concretizaram, nem mesmo algumas atividades simples como a educação ambiental. Isto representa uma contradição desta política, uma vez que, apresenta em seus objetivos o desenvolvimento voltado e preocupado com o futuro destas comunidades. 4 CONCLUSÃO Destaca-se a importância nesse processo de discussões e propostas voltadas para o desenvolvimento a necessidade de uma interação de atores políticos e diferentes setores sociais, tais como: governo federal, governos estaduais, órgãos nãogovernamentais e a comunidade. Mobilizados pela melhoria das condições de vida das regiões mais carentes, o que não aconteceu, em sua totalidade, durante a elaboração e execução do projeto; este aspecto torna questionável a proposta de desenvolvimento defendida pelo mesmo. Um outro elemento considerável, em projetos voltados para pequenas propriedades e comunidades rurais, é que os mesmos direcionem seus objetivos à satisfação dos reais anseios da população dessas localidades. Para isso, é necessário dedicar maior atenção à implantação de projetos que buscam alternativas de reestruturação dessas áreas através da manutenção de atividades típicas, mas capazes de fornecer subsídios para que os pequenos agricultores possam, de fato, ampliar sua produção e a qualidade da mesma, almejando melhorias na renda e na qualidade de vida em geral. Isso porque a persistência da população em formas tradicionais, quando não satisfeitos com as propostas de cultivo, acaba impedindo o alcance de uma produtividade significativa e, posteriormente, lucrativa. As contradições aparecem constantemente, ao observarmos a consolidação das diferenças sociais no Sudoeste da Bahia. Este aspecto aponta para a compreensão de que o Pró-Gavião seja concebido como uma política pública focalista, implementado de ―cima para baixo‖ não solucionando, de forma definitiva, os graves problemas sociais vivenciados pela população do Sudoeste Baiano. Para gerar condições ao pequeno trabalhador rural, as políticas públicas precisam ser propostas considerando as estruturas já existentes, partindo das necessidades reais, que algumas vezes são simples. Assim, pode-se mudar o quadro onde existe um conjunto de propostas que simplesmente não condizem com a realidade, ou não auxiliam na superação de problemas que impedem o desenvolvimento, e pelo contrário, servem de instrumento da política partidária. Ou na melhor das hipóteses, seja apenas um mecanismo que incentive a organização dos pequenos produtores e que pode ser logo depois esquecida, gerando assim um círculo de expectativas, com a vinda de uma proposta, seguida de outras, com resultados apenas paliativos. Ao observar o conjunto de recursos financeiros empregados em nome do desenvolvimento, nas políticas públicas compensatórias, da qualidade das equipes técnicas envolvidas, nas necessidades dos pequenos produtores e no seu esforço em manter a atividade agropecuária, acredita-se que é possível avançar. No entanto, a soma de todos estes elementos se perde, porque não há uma relação objetiva entre prioridades e necessidades no processo de decisão e execução das ações destas propostas. A concretização das ações do Pró-Gavião, mesmo com limitações, apresentou algumas mudanças positivas, do ponto de vista do pequeno produtor, que afirma que a vida era pior antes da passagem do projeto. Problemas como a falta de água, de eletrificação, orientação técnica temporária dentre outros foram amenizados na região. É certo que o Pró-Gavião tornou-se um marco na história dos municípios beneficiados. A maioria dos pequenos produtores afirmou que conhecem ou já ouviram falar sobre o Projeto ao serem questionados sobre a existência do projeto durante trabalho de pesquisa. Entretanto, os comentários e impressões são diferentes entre as comunidades, uma vez que as ações foram desenvolvidas de maneira diferenciada de acordo ao perfil da cada comunidade. É mister reconhecer que o nível de carência valorizou as ações do Pró-Gavião, e ainda que, sem a contribuição deste projeto as comunidades atendidas estariam em piores condições de vida. Entretanto, isso não representa uma superação do quadro sócio-econômico em que se encontram os municípios do Sudoeste baiano. O desejo das comunidades é de retorno do Pró-Gavião ou de outro projeto similar que implemente ações voltadas, mais uma vez, para o desenvolvimento. Estas ações, mesmo que protagonizadas pelo Estado e que apresentem limitações e dificuldades, são importantes para a população local e para a Região. Para elas, de qualquer forma, representam novas mudanças e suscitam as esperanças de melhora para o Homem do Campo. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BANDEIRA, Pedro Silveira. Articulação de Atores Sociais, Capital Social e Desenvolvimento Regional: O Caso dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul. In: Superintendências de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Desigualdades Regionais. Salvador: SEI, 2004. BRANDÃO, Carlos Antônio. O Processo de Subdesenvolvimento, As Desigualdades Espaciais e o ―Jogo das Escalas”. In: Superintendências de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Desigualdades Regionais. Salvador: SEI, 2003. CARVALHO, José Otamar de. Desenvolvimento regional: um problema político. Rio de Janeiro: Campus, 1979. ______. A economia política do Nordeste. Secas, Irrigação e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Editora Campus; Brasília: ABID, 1988. 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MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NO CAMPO: O CASO DA AGRICULTURA IRRIGADA EM RIBEIRÓPOLIS-SE Givaldo Santos de Jesus24 Ramon Oliveira Vasconcelos25 1 INTRODUÇÃO Nos últimos anos têm sido crescente as discussões a respeito das transformações ocorridas no campo em função do avanço do sistema capitalista, que todos conhecem por globalização. Dessa forma, a ciência geográfica tem buscado explicações com bases técnicas e reflexivas no sentido de subsidiar a compreensão dos fatos, que implicam na dinâmica e configuração do espaço, levando em consideração os aspectos políticos, econômicos, sociais, culturais, naturais, entre outros. O presente artigo surge da necessidade de analisar a importância da agricultura irrigada no município de Ribeiropolis-Se, destacando a produção, o uso da força de trabalho familiar e a circulação da produção no estado de Sergipe e no Brasil. O município de Riberópolis, segundo dados do IBGE, integra a microrregião de Carira, situado na Zona Oeste, área de transição do agreste com o sertão (Figura 01). Apresenta uma área de 263.0 Km² e a sede municipal localiza-se no centro do 24 Graduado em História, Especialista em Educação, Mestre em Geografia – Área de concentração: Organização e Dinâmica do Espaço Agrário – NPGEO/UFS e pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre Transformações no Mundo Rural (DHI/NPGEO/UFS/CNPq). 25 Graduado em Geografia, Bacharelando em Geografia, Mestrando em Geografia - Área de concentração: Organização e Dinâmica do Espaço Agrário – NPGEO/UFS e membro do Grupo de Pesquisa sobre Transformações no Mundo Rural (DGE/NPGEO/UFS/CNPq). território, ao norte da Serra do Saco, distando em linha reta 61 km e pela rodovia 75 km da capital do estado. De acordo com o Censo Demográfico do IBGE (2010), o município possui uma população de 17.163 habitantes. A pequena produção agrícola no município de Ribeirópolis merece estudos específicos e aprofundados para entender a formação, o seu papel econômico-social e a importância significativa das relações entre agricultura, força de trabalho e meio ambiente. O desafio é discutir a questão do agricultor familiar no minifúndio relatando a dinâmica das relações capitalistas e não capitalistas nos aspectos econômicos e demográficos da pequena exploração familiar. No município em tela, a produção agrícola ao longo do tempo perdeu espaço para a pecuária, ocasionando uma forte concentração fundiária, expropriação e empobrecimento do agricultor familiar. Todavia, paralelo ao desenvolvimento das fazendas de gado, a pequena propriedade se desenvolveu e persiste ao processo de expropriação produzindo a mandioca, o feijão, o milho e com destaque na produção de hortículas (batata-doce, amendoim, tomate, pepino, entre outros) em alguns povoados. Figura 01. Sergipe: Localização dos Municípios em Estudo, 2006. Fonte: IBGE. Base Cartográfica: SEPLAN, 2007. Organização: Diana Mendonça de Carvalho (2010). Em Ribeirópolis, a agricultura irrigada partiu da iniciativa dos pequenos produtores que com os próprios recurso investiram em barragens e poços artesianos com destaque para os povoados Lagoa D‘água, Sítio Velho, Pinhão e depois investimentos do governo estadual através do açude cajueiro, que atualmente está poluído e da barragem do João Ferreira que passou a atender parte dos agricultores dessa povoação. Dessa forma, surge a necessidade de um maior conhecimento das experiências dos perímetros irrigados e da viabilidade sócio - econômica a respeito da melhoria das condições de vida e renda dos pequenos irrigantes e das populações que vivem nas áreas de influência. Sabendo-se que no Nordeste, e em Sergipe, o espaço rural é marcado pela elevada concentração fundiária e pelo controle da água e das melhores terras pelos grandes proprietários rurais. Além, da pobreza e miséria dos pequenos produtores- proprietários órfãos do Estado. Em termos metodológicos, esta temática foi desenvolvida a partir do seguinte panorama: levantamento detalhado da bibliografia geral, específica e histórica da Geografia Agrária, utilizando como suporte teses, livros, artigos, sites, jornais, entre outros, tendo como foco a produção de resenhas e resumos; Coleta de dados realizada na Secretaria de Agricultura da prefeitura de Ribeirópolis, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, EMDAGRO local e no IBGE, através dos Censos Agropecuários de 1975, 1985, 1995/96, 2006. Realização de trabalho de campo através do procedimento de entrevistas e questionários aplicados aos agricultores, intermediários e feirantes que vivem das atividades agrícolas e irrigadas em Ribeirópolis. Foram aplicados 30 questionários por amostragens estratificadas com estes atores sociais, além de 5 com agentes públicos e políticos responsáveis na gestão do segmento social. Foi feito o mapeamento do uso do solo, mostrando sua distribuição fundiária que facilitou a compreensão da região e suas relações. Além disso, foram usadas figuras ilustrativas para visualizar a área de estudo, seus cultivos, tipos de moradias, etc. 2 BREVE DISCUSSÃO TEÓRICA Entre os fundamentos teóricos o termo agricultura incorporou-se ao vocabulário das políticas públicas, ao discurso dos movimentos sociais voltado ao conhecimento do meio rural. Com isso uma intensa atividade vem-se desenvolvendo com base nos agricultores familiares através de investimentos que vão desde as atividades rurais não agrícolas até a educação no meio rural, passando pela implantação de pequenas agroindústrias e por melhorias de infra-estrutura. Abramovay (1992) enfatiza a implantação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura familiar (PRONAF), oferecendo perspectivas promissoras, visto pelo Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais como uma conquista. O que se observa é a ampliação na quantidade de agricultores com acesso ao credito e as condições que poderão liberar o potencial econômico do País. Nesse sentido, a agricultura familiar está proporcionando mudanças no campo, o acesso dos habitantes do espaço rural as condições do processo de desenvolvimento. E claro que se trata apenas de um começo, já que no campo encontram-se ainda os piores indicadores sociais do país. Atualmente, a lógica do campo é entender o desenvolvimento desigual do modo capitalista de produção na formação social capitalista, que ele supõe sua reprodução ampliada através da reprodução das relações de produção não capitalistas. O capitalismo avançou por todo o espaço brasileiro, estabelecendo relações de produção capitalistas, promovendo a expropriação total dos trabalhadores brasileiros no campo, colocando desprovido de todos os meios de produção. Todavia, as relações de produção não-capitalistas, como o trabalho familiar praticado pelo pequeno lavrador também avançou: A minha hipótese é a de que o capitalismo, na sua expansão, não só redefine antigas relações, subordinando-as à reprodução do capital, mas também engendra relações não-capitalistas igual e contraditoriamente necessárias a essa reprodução [...] (MARTINS, 1996, p. 20). Essa contradição tem nos colocado frente à situações em que a fusão entre a pessoa do proprietário da terra e o do capitalista, e frente à subordinação da produção pelo capital, que sujeita e expropria a renda da terra, além do excedente produzido, reduzindo o rendimento da produção de acordo com a reprodução física. A contradição que move a lógica do capital, certamente, é o móvel revelador do desenvolvimento desigual e combinado do campo brasileiro, que abre espaço para o avanço do trabalho familiar. Dessa forma: [...] a subordinação da produção camponesa, pelo capital, que sujeita e expropria a renda da terra. E, mais que isso, expropria praticamente todo excedente produzido, reduzindo o rendimento do camponês ao mínimo necessário à sua reprodução física (OLIVEIRA, 2001, P. 11). O processo de desenvolvimento desigual e contraditório do capitalismo no campo está na sujeição da renda ao capital. Significa dizer que o capital não expande de forma absoluta o trabalho assalariado, sua relação de trabalho típica por todo canto e lugar, destruindo de forma total e absoluta o trabalho familiar. O capital cria e recria para que sua produção seja possível e com ela possa haver também a criação de novos capitalistas. O nascimento da classe capitalista no campo teve origem no mercantilismo quando o setor tecnológico passou a utilizar (máquinas, fertilizantes, sementes selecionadas, agrotóxicos, etc) para aumentar a produção de alimentos nas fazendas dos capitalistas estando a disposição dos grandes agricultores. Portanto, aqueles que, possuidores de capital, destinam-no à produção. Tornando-se capitalistas, em que na agricultura adquirem terras e outros meios de produção e contratam trabalhadores para trabalharem para eles em troca de um salário. Isso significa que para entendermos a distribuição social e ou territorial das desigualdades e contradições do desenvolvimento capitalista, devemos compreender que eles estão ligados aos processos históricos específicos de cada país ou nação, ou seja, cada formação econômica social concreta revela no seu interior esse processo desigual e contraditório espacial e temporal. Com o aumento dos latifúndios capitalistas há também aumento das unidades familiares de produção. Ao mesmo tempo em que aumenta o número de agricultores em luta pela recuperação das terras expropriadas, um exemplo dessa realidade e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Isso aponta para a necessidade de compreendermos que a reforma agrária se faz no campo, mas se ganha na cidade. Assim, cidade e campo estão unidos no processo de luta. Se a concentração fundiária tem suas raízes históricas nas relações de trabalho, no campo também os tem. Nesse sentido: [...] temos que entender que o processo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil está marcado contraditoriamente por esse processo desigual, que ao mesmo tempo em que amplia o trabalho assalariado no campo, amplia igual e contraditoriamente o domínio do trabalho familiar [...] (OLIVEIRA, 1991, P. 44). Os resultados obtidos a partir dessas discussões são fundamentais para a compreensão do desenvolvimento do capitalismo e da agricultura no Brasil e em Sergipe. Segundo Lopes (1997), em Sergipe, a partir dos anos 70 a agricultura vem passando por mudanças significativas nas relações de produção, nas políticas governamentais, nos investimentos na agricultura irrigada, visando à expansão do capitalismo no campo. Em Sergipe, as experiências com agricultura irrigada, teve início com os projetos de irrigação da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco – CODEVASF, do Departamento Nacional de Obras contra a Seca- DNOCS como o açude da Macela, em Itabaiana, além das iniciativas particulares, em meados dos anos 80 é que a política de irrigação tornou-se prioridade do Governo Estadual para o setor agrícola. É importante estudar o processo técnico e os determinantes da renda gerada nos perímetros públicos de irrigação de Sergipe, pelo fato de a irrigação constituir uma alternativa de transformação ou modernização da agricultura. Segundo Pinto (1989, p. 34): [...] a irrigação, do ponto de vista do desenvolvimento das forças produtivas é apenas uma pré-condição para a implantação de uma agricultura moderna na região semi-árida do Nordeste. Não garante, porém, que os seus resultados sejam socialmente distribuídos de um modo mais justo. Porém, mesmo quando os assentamentos de colonos resultam em sucesso [...] os beneficiários, além de poderem ser contados nos dedos reproduzem, no entorno dos projetos, situações semelhantes às que inspiraram a necessidade de intervenção publica original. Quando, por outro lado, os assentamentos não dão certos, em conseqüência do cerco que lhes impõem as oligarquias locais, os colonos permanecem sob a tutela do Estado ou, com a retirada deste, subordinam-se inteiramente aos mesmos capitais comerciais dos quais se buscava libertá-los. O Governo Estadual vem contando com recursos financeiros de instituições como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, o Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento- BIRD e o Banco do Nordeste, investindo nas experiências dos perímetros irrigados e na viabilidade sócio-econômica a respeito da melhoria das condições de vida e renda dos pequenos irrigantes e das populações que vivem nas áreas de influência dos projetos. Sabendo-se que em Sergipe o espaço rural é marcado pela elevada concentração fundiária e pelo controle da água e das melhores terras pelos grandes proprietários rurais, além da pobreza e miséria dos pequenos produtores-proprietários órfãos (que não são assistidos por políticas públicas) do Estado. Nesse sentido, procura-se ressaltar as principais diferenças sociais e econômicas entre os irrigantes, no que diz respeito aos aspectos tecnológicos, composição e determinantes de renda e organização social, no novo contexto que se inserem, refletindo sobre a política de irrigação do Governo Estadual, para identificar os condicionantes e contribuir para a discussão sobre a viabilidade da irrigação para os pequenos irrigantes em Sergipe. No estudo da irrigação como alternativa para resolver os problemas econômicos e sociais dos pequenos agricultores familiares no espaço do semi - árido nordestino, o que se propõe é uma concepção de Estado que tem funções como respostas a condições históricas especificas do que a uma teoria sobre o estado capitalista, isto é, tais funções são moldadas por lutas sociais anteriores e pelo caráter de prévias intervenções desse mesmo Estado. A noção de agricultura familiar aqui trabalhada não se confunde com a idéia de algo frágil e sem poder econômico, mas no sentido que concebe Abramovay (1992, p.142): [...] o que os exemplos dos Estados Unidos, Canadá, da Europa, em suma de todos os países capitalistas centrais, mas também de boa parte do sul do Brasil e de São Paulo mostram é que familiar não é necessariamente sinônimo de precário; a existência de unidades produtivas contando majoritariamente com o trabalho da família, mas que são grandes quando ao seu volume e valor da produção é a regra no Hemisfério Norte. Claro que a produção está cada vez mais concentrada num numero menor de unidades produtivas: esta é a conseqüência do próprio funcionamento de uma economia de mercado. O interessante é que mesmo estas unidades de grandes dimensões econômicas permanecem, na maior parte dos casos familiares quanto a sua composição social. A ação do Estado, visando ampliação da agricultura irrigada no país e no Nordeste, está vinculada ao processo de modernização da agricultura brasileira a partir da década de 60, como ―modernização conservadora‖, caracterizada como: manutenção da elevada concentração fundiária e nas alterações profundas na base técnica de produção, com o emprego de inovações tecnológicas (máquinas e equipamentos, insumos modernos etc) e transformações nas relações de produção como aprofundamento e consolidação do trabalho assalariado no campo particularmente o trabalho temporário. A irrigação tem suas ações voltadas para o aumento da produção e produtividade agrícolas, embora os projetos de irrigação sejam justificados legal e politicamente pela ―sutilidade‖ pública da obra implantada e pelo interesse social para a população da área de influência. As áreas beneficiadas permitem a desapropriação fundiária, evitando a valorização imobiliária decorrente dos investimentos públicos, além da importância do seu caráter ―pontual‖, não prescindindo de outras políticas complementares se o objetivo é de que seus resultados atinjam uma perspectiva mais ampla. Segundo Pinto (1989, p. 35): [...] se deseja dar um cunho social à política de irrigação do Nordeste, não basta criar as condições produtivas necessárias à instalação de uma agricultura moderna na região semi – árida. É preciso ampliar horizontes de intervenção do estado, incorporando as demandas sociais das populações atingidas. Para começar não agir apenas nas áreas a serem arrecadadas, mas em toda a região a ser influenciada pelos projetos, e não apenas no setor rural, mas também na saúde, na educação etc. Em outras palavras, transformar a política de irrigação numa política de desenvolvimento de algumas regiões do semi – árido nordestino. A irrigação pública por pequenos produtores consiste em que a terra constitui um meio de produção controlado pelo Estado; de meio de produção privado transforma-se em patrimônio público por intermédio da ação desapropriatória, podendo voltar a assumir características privadas em condições expressamente definidas pelo Estado. É este quem decide como e quem deve usar a terra beneficiada com as obras de infraestrutura hidráulica, além das complementares. Com base no arbítrio do estado, que deve refletir nos interesses mais gerais, a terra é distribuída a quem não a possui, podendo o beneficiário ser, inclusive um ex-pequeno proprietário, que passa a usá-la com base em planos de produção previamente definidos por agências governamentais, em função das necessidades do mercado. Nesse sentido: [...] por não ter compromisso com as necessidades básicas da população, atua no sentido de agonizar as já precárias condições de vida de seus segmentos, mas pobres, vê no avanço da irrigação o mecanismo capaz de tornar possíveis as mudanças desejadas (CARVALHO, 1988, P. 349). Os projetos de irrigação pública são implantados em terras previamente desapropriadas por interesses sociais e destinadas ao assentamento de agricultores sem terra. A irrigação privada é aquela que as obras foram executadas pela iniciativa privada, com ou sem incentivos governamentais. É fundamental explicitar o contexto de progresso técnico que é utilizado neste estudo porque os projetos de irrigação ―tocados‖ por pequenos produtores ensejam e requerem o uso dos mais diversos tipos de insumos, e de equipamentos modernos, além de conjuntos de irrigação por aspersão e gotejamento. O progresso técnico constitui uma das facetas do próprio desenvolvimento do capital cujo objetivo é o de subordinar a terra e a própria natureza ao imperativo da acumulação. Dessa forma: [...] a intensificação da produção agrícola provocada pelo progresso técnico significa colocar as forças da natureza a serviço do capital. Ocorre uma transformação essencial: o capital passa a comandar o processo de trabalho enquanto que a terra deixa de ser o meio de produção fundamental; a produção agrícola deixa de se guiar apenas pela fertilidade dos solos, pela água da chuva, enfim pelas condições naturais que afetam a produtividade do trabalho. Agora são as maquinas, os fertilizantes, os canais de irrigação e de drenagem que, progressivamente, assumem o papel de condutor da modernização da agricultura. (SILVA, 1981, p.22) Em Sergipe, a agricultura irrigada tem a potenciação do trabalho agrícola através da introdução de novas culturas e do uso do progresso técnico, no semi-árido sergipano. As experiências em andamento merecem estudos, seja do ponto de vista técnico-agronômico, seja dos impactos na geração de renda e na melhoria das condições de vida dos irrigantes. Os perímetros públicos de irrigação, incluídos na categoria da pequena irrigação, apresentam características diferenciadas na forma de implantação, desenho do projeto e método de irrigação. Na década de 1980, o Governo Federal estabeleceu um ambicioso programa nacional de Irrigação, PRONI, e para o Nordeste o Programa de Irrigação do Nordeste- PROINE, tendo a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF), e do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOCS), a responsabilidade com o programa. Segundo o plano estadual de irrigação do governo de Sergipe, a finalidade era: estabelecer infra-estrutura capaz de permitir o desenvolvimento de uma atividade agrícola eficiente e rentável; propícias a população um modo de vida estável e atrativo; evitar o êxodo rural; reduzir a dependência das importações de alimentos de outras regiões. Nesse sentido, progresso técnico deve: [...] ser visto sob uma perspectiva histórica. Trata-se da aplicação tecnológica da ciência, da sua incorporação ao processo produtivo. Numa sociedade capitalista, ele se configura como uma expressão do processo das técnicas capitalistas de produção e, portanto, atua como um dos elementos de dominação do capital sobre o trabalho, na medida em que permite aumentar a extorsão da mais-valia, seja ela absoluta ou relativa (SILVA, 1981, p. 24). A ideia de investir na irrigação surgiu na Superintendência de desenvolvimento e Apoio à Produção – SUDAP, vinculada à SAGRI e a COHIDRO, de modo a absorver a coordenação e a execução da política de irrigação no estado e a administração dos perímetros irrigados. 3 ASPECTOS DA ESTRUTURA MUNICÍPIO DE RIBEIRÓPOLIS-SE FUNDIÁRIA NO No campo o avanço capitalista produz violentas transformações, deixando quase sempre os agricultores familiares desprovidos dos meios de produção. O município de Ribeirópolis deveria apresentar uma melhor distribuição da terra por fazer parte de uma região de transição do agreste para o sertão, onde historicamente a presença da pequena propriedade foi marcante, mas se inserem no processo de estruturação do espaço agrário sergipano apresentando uma economia voltada para atender os interesses dos grandes proprietários e do mercado capitalista. As pequenas propriedades sempre existiram subordinadas a grande propriedade, sendo fornecedoras de produtos agrícolas, força de trabalho e até a própria terra para a expansão e acumulação capitalista. Dessa forma, a produção agrícola ao longo do tempo perdeu espaço para a pecuária, que exige áreas de pastagens cada vez maiores, e imprimindo ao município a contraditória concentração fundiária ocasionando a expropriação e o empobrecimento do campesinato. Dessa forma, paralelo ao desenvolvimento das fazendas de gado, a propriedade camponesa se desenvolveu, persiste, e tem uma relativa importância no conjunto da estrutura agrária municipal, o que torna o processo de apropriação do espaço de forma contraditória. Segundo Oliveira (1998, p. 15): O processo contraditório da expansão da agricultura fez com que os setores capitalistas no campo optassem principalmente pela pecuária bovina (corte e leite), e pelas culturas da cana-de-açúcar, soja, arroz, laranja e, em escala menor, pelo trigo, cacau, café, etc. Enquanto isso, as pequenas unidades camponesas têm sido responsáveis diretas pela maior parte do volume de produção de alimentos da população e de várias matérias-primas industriais [...]. Analisando a distribuição dos estabelecimentos por extrato de área a partir de dados coletados nos Censos Agropecuários do IBGE dos anos de 1975, 1985, 1995/96 no município estudado, encontramos dados importantes para serem apresentados e discutidos neste trabalho, afirmando a forte concentração fundiária ocorrida através do desenvolvimento do capitalismo. No município de Ribeirópolis, notamos uma redução do número de estabelecimentos de menos de 1 ha, e permanecendo até as propriedades de 10 a menos de 20 ha (Tabela 1). Nas propriedades de 20 a menos de 50 ha, o número de estabelecimentos sofreu uma pequena alteração. Porém o número das propriedades acima de 50 ha apesar de uma certa queda em 1985, aumentou de forma considerável em 1996 e no ano de 2006, o número e a área das propriedades continuaram sofrendo pequenas alterações. Porém, vale ressaltar que em Ribeirópolis não existem propriedades acima de 500 hectares. Elas são em torno de 200 a menos de 500 ha. Todavia, existem proprietários que acumulam mais de uma propriedade. Quanto a área média das propriedades, ocorreu um aumento insignificante nas unidades de menos de 1 a 10 ha, um certo equilíbrio nas propriedades entre 10 e 20 ha e um aumento considerável da área das propriedades acima de 50ha. TABELA 1 - Distribuição por extrato de área e área média dos estabelecimentos no município de Ribeirópolis 1975/1985/1995/96/2006 Anos 1975 G. de N° área (ha) Est. % Menos de 1 1.183 46,35 1-----------2 344 13,47 2-----------5 335 13,12 5----------10 223 8,73 10---------20 199 7,79 20---------50 174 6,81 50 e mais 94 3,68 Total 2.552 100 1985 1995/1996 2006 há % A. M. (ha) 621 3,63 0,47 697 38,08 354 1,75 0,51 451 26,31 228 1,17 0,5 12,43 468 2,74 1,43 262 14,31 381 1,89 1,45 267 15,57 386 1,98 1,44 339 12,85 1.091 6,39 3,28 269 14,69 885 4,39 3,29 345 20,12 1.128 5,78 3,26 7,25 233 8,83 1.674 9,8 7,18 186 10,16 1.353 6,71 7,3 209 12,19 1.527 7,82 7,3 13,19 14,2 196 7,43 2.849 16,69 14,5 147 8,03 2.008 9,96 13,6 168 9,8 2.366 12,1 14,08 5.193 24,21 29,8 182 6,9 5.741 33,64 31,5 181 9,89 5.684 28,22 31,4 147 8,57 4.487 23 30,52 9.623 44,87 102,4 28 1,06 4.621 27,07 67,9 88 4,8 9.476 47,04 107,7 89 5,19 9.401 48,2 105,62 21.444 100 8,4 2.637 100 17.065 100 6 1.830 100 20.141 1.715 100 19.524 100 11 ha % A. M. (ha) N° Est. 641 2,98 0,54 1.331 50,47 491 2,28 1,42 328 1.050 4,89 3,13 1.616 7,53 2.830 % Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 1975, 1985, 1995/96, 2006. Nº Est.: Número de Estabelecimentos ha: hectare N° Est. % ha % A. M. (ha) N° Est. % ha % A. M. (ha) 100 11 Segundo Lima (2004, p. 41), ―os padrões de classificação das propriedades rurais, imóveis rurais e estabelecimentos agrícolas no Brasil diferem em nível de instituições como de pesquisadores‖. Existem classificações de instituições oficiais26 que são ineficientes para a realidade sergipana, e não servindo também para analisar o nosso objeto de estudo. Dessa forma, pelo conhecimento da região estudada e a partir da observação das propriedades na pesquisa de campo (2010) no município estudado, como medida metodológica utilizou-se (de menos de 1 a 10 ha) para as pequenas propriedades, (10 a menos de 50ha) para as médias propriedades e (50 e mais ha) para as grandes propriedades. Analisando os dados dos censos agropecuários do IBGE de 1975, 1985, 1995/96, o percentual do número e da área das pequenas propriedades no município estudado (figuras 2 e 3), constatamos que no ano de 1975, o percentual do número dos estabelecimentos camponeses correspondiam a 81,7% ocupando uma área de 17,7%. As consideradas médias propriedades correspondiam a 14,6% e ocupavam uma área de 37,4%. As grandes propriedades correspondiam a 3,7% ocupavam uma área de 44,9%, afirmando a concentração fundiária. Em 1985, o número das pequenas propriedades correspondiam a 83,3% e ocupavam uma área de 22,6% da área total ocorrendo um certo aumento no número e na área das propriedades. As médias correspondiam a 14,1% e ocupavam uma área de 50,3% e, apesar do número das grandes propriedades corresponderem a 2,6% ocupava 27,1% da área total. No ano de 1995/96, percebemos que no município de Ribeirópolis a concentração da terra aumentou de forma O critério de classificação da DEAGRO é um exemplo dessa realidade, pois considera como muito pequena a propriedade de 10 hectares; a pequena de 10 a menos de 100 hectares; a média de 100 a menos de 1000 hectares; e grandes acima de 1000 hectares. Todavia, para o município de Ribeirópolis o tamanho das áreas é um exagero, pois não existem propriedades acima de 500 hectares. 26 considerável, pois 77,3% das pequenas propriedades ocupavam apenas 14,8% da área total. O número das consideradas médias propriedades correspondia a 17,9% e ocupavam uma área de 38,2%. As consideradas grandes propriedades correspondiam a 4,8% e ocupavam 47% da área total. Dessa forma, fica evidente a alta concentração fundiária como mostra também o cálculo do coeficiente de Gini de 0,760, uma concentração considerada muito forte, gerando a expropriação e o empobrecimento dos agricultores familiares no município de Ribeirópolis-Se. Figura 02. Percentual do Número dos Estabelecimentos . Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1975, 1985, 1995/96. Figura 03. Percentual da Área dos Estabelecimentos. Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1975, 1985, 1995/96. Segundo Oliveira (2001) a concentração fundiária tem suas raízes históricas e quanto mais o capitalismo avança produz contraditoriamente a existência da pequena propriedade, que em Ribeirópolis persistem através do trabalho familiar, cultivando a mandioca, o milho, o feijão e a horticultura em alguns povoados localizados no agreste. A concentração fundiária a partir do avanço capitalista analisado acima ocorreu em face da necessidade do capital de ampliar as pastagens para a criação de gado, atendendo a uma economia que tem como objetivo produzir excedentes ocasionando a expropriação e o empobrecimento dos pequenos agricultores. Analisando a produção agrícola do município de Ribeirópolis, em 1975, o município colheu 408 toneladas de milho (figura 4). No ano de 1985 colheu 3.870 toneladas, mas em 1995/96 diminuiu para 2.576 toneladas. No ano de 2006 aumentou para 3.024 e em 2009 aumentou para 9.000 toneladas. O feijão colhido em 1975 foi de 101 toneladas. No ano de 1985 colheu 114 toneladas e em 1995, 2.020 toneladas. No ano de 2006 reduziu para 582 toneladas e em 2009 para 466 toneladas. A produção da mandioca em 1975 correspondeu a 6.200 toneladas. Em 1985 produziu 3.575 toneladas. E no ano de 1995 produziu 10.200 toneladas. No ano de 2006 reduziu para 8.400 e em 2009 permaneceu na mesma produção. No ano de 1975 o rebanho bovino do município de Ribeirópolis informado ao IBGE foi de 13.509 cabeças. No ano de 1985 decorrentes das secas da década de 80 o rebanho bovino caiu para 11.599 cabeças. Já em 1995 a produção bovina passou para 13.805 cabeças. Em 2006 aumentou para 14.040 e em 2009 para 16.875 cabelas. Nesse sentido, a presença do capital acabou interferindo na produção vegetal e ampliou a produção de bovinos, como também, outros fatores contribuíram para essa realidade como, as variações climáticas, uso intensivo do solo, doenças, variações nos preços dos produtos no mercado, etc., presença esta materializada no ciclo de realização do capital desde a produção até a circulação. Já a produção de hortícolas pouco foi informado ao IBGE, pois se concentram em alguns povoados como Sítio Velho, Lagoa D‘água, Pinhão e João Ferreira. Figura 04. Orientação da Agricultura. Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1975, 1985, 1995/96. Em relação à utilização das terras durante o período de 1975, 1985, 1996 no município de Ribeirópolis (tabela 02) tivemos um pequeno aumento das lavouras permanentes de 0 a 5% e uma redução nas lavouras temporárias principalmente entre 1975 a 1996, de 13% para 9,7%. Nas pastagens naturais tivemos um aumento considerável que de 23,7% caiu para 21,1% e em 1996 subiu para 36,1%. Isso pode ser explicado pela falta de recursos dos proprietários menos capitalizados e de pequenos agricultores para fazer os pastos sendo obrigados a permanecer com as pastagens naturais. Já as pastagens plantadas mostram uma nítida diminuição. Passando de 60,2% em 1975 para 59,8% em 1985 e uma queda considerável para 43,0% em 1996. Em relação às matas e florestas tivemos um aumento considerável de 0,2% para 3,4% e em 1996 para 7,9%, decorrente da falta de recursos de muitos produtores que não tem capital necessário para tocar as terras pela diminuição da família e da força de trabalho, como também a necessidade de preservar parte das matas para retirar madeira e outras partes para reserva obrigatória exigida pelo IBAMA. Nas terras produtivas não-utilizadas ocorrem os mesmos fatores. Já as terras em descanso permanecem quase intocáveis. Tabela 02. Municípios de Ribeirópolis: Utilização das terras (1975/1985/1995/96). Municípios Ribeirópolis Anos 1975 1985 1995/96 Lavouras permanentes 0,0% 0,2% 0,5% Lavouras temporárias 13% 13,2% 9,7% Pastagens naturais 23,7% 21,0% 36,1% Pastagens plantadas 60,2% 59,8% 43,0% Matas e florestas 0,2% 3,4% 7,9% Terras em descanso 0,0% 2% 1,1% Terras produtivas não 2,9% 0,4% 1,7% utilizadas Fonte: IBGE – Censo Agropecuário, 1975, 1985, 1995/96. Outro elemento importante da estrutura fundiária é a moradia do proprietário, pois morando na propriedade teoricamente o proprietário pode explorar de forma mais racional a sua terra. Analisando os dados dos censos agropecuários do IBGE, 1975, 1985, 1996 sobre o município de Ribeirópolis (figura 5) percebemos que existiu um certo crescimento da moradia fora do estabelecimento. De um modo geral quase 60% dos proprietários moram fora do estabelecimento. Esses proprietários passaram a morar na cidade devido a falta de saneamento básico, energia elétrica, água encanada, e principalmente segurança. Algumas melhorias para os povoados de Ribeirópolis chegaram muito tarde como a energia elétrica e o calçamento em alguns dos principais povoados. No município de Ribeirópolis a propriedade individual da terra predomina tanto no número de estabelecimentos quanto na área total. De acordo com a tabela 03, observa-se que no município de Ribeirópolis no período de 1975 a 1996, tivemos um aumento tanto no número de estabelecimentos como na área explorada pelos proprietários. Em 1996 os proprietários exploravam 75,8% dos estabelecimentos e 97% da área total. No ano de 2006 o aumento foi ainda maior, tanto nos estabelecimentos (98,15%) quanto na área ocupada (99,73%). A categoria arrendatário no mesmo período estudado sofreu um decréscimo em estabelecimentos e área, passando respectivamente de 14,8% e 1% em 1975 para 12,5% e 0,8% em 1985, e em 1996 caiu para 11,8% e 0,7%. A categoria parceiro não apresenta qualquer relevância. Já a categoria ocupante chegou a ocupar 25,8% dos estabelecimentos em 1975 e caiu para 12,2% em 1996, e reduzindo para 1,13% em 2006. A área ocupada destes subiu de 2,2% para 2,3% da área total entre 1975 e 1995/96 e caiu vertiginosamente para 0,17% em 2006. Figura 05. Residência do Produtor. Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1975, 1985, 1995/96. TABELA 3 - MUNICÍPIOS DE RIBEIRÓPOLIS CONDIÇÃO DO PRODUTOR POR ESTABELECIMENTO E POR ÁREA (1975/1985/1996) Município Anos Ribeirópolis Proprietário 1975 Est. ha % % 59,4 96,8 1985 Est. ha % % 61,5 97,7 1995/96 Est. ha % % 75,8 97 2006 Est. ha. % % 98,15 99,73 Arrendatário 14,8 1 12,5 0,8 11,8 0,7 0,71 0,08 0 0 0 0 0,2 0 0 0 Estabelecimentos Parceiro 25,8 2,2 26 1,5 12,2 2,3 1,13 Ocupante Fonte: IBGE – Censo Agropecuário, 1975, 1985, 1995/96, 2006. Est.: Estabelecimento ha: Área 0,17 Com relação ao pessoal ocupado no período estudado, podemos verificar uma diminuição do número do pessoal nãoremunerado e um aumento do trabalho permanente e temporário que pode ser explicado pela necessidade que o capital impõe aos pequenos agricultores de complementar a renda através do trabalho alugado, na construção civil, em fábricas, etc. Portanto, a partir da análise dos dados do IBGE e das observações através da pesquisa de campo 2010, podemos observar no período estudado características da estrutura fundiária de Ribeirópolis, fundamentais para a análise desse município, comprovando a histórica concentração fundiária e contraditoriamente a persistência das pequenas unidades de produção mesmo subordinadas ao capital. 4 A UNIDADE DE PRODUÇÃO FAMILIAR (SÍTIOS) Metodologicamente nesta pesquisa considera-se pequena propriedade aquela que possui uma área equivalente a menos de 1 a 10 hectares, por entender que as classificações dependem muito da região estudada e, que, algumas classificações e definições de pequena propriedade estão ultrapassadas. Para Queiroz (1976), os sitiantes caracterizaram-se por trabalhar pessoalmente a terra com o uso do trabalho familiar e o emprego de técnicas de produção rudimentares. Então, desde a sua origem, na região em tela, a pequena propriedade se caracterizou como ―sítio‖ que é resultado do trabalho, um espaço construído, definido como: Um conjunto de espaços articulados entre si, que lhe permite organizar-se como um sistema de insumos e produtos. Esse espaço é o resultado, também, de um processo histórico secular em que o ambiente foi alterado com a gradativa eliminação da cobertura vegetal original e de todo ecossistema que lhe era associado (WOORTMANN, 1997, p. 27). A categoria sítio tem vários significados e no sentido mais amplo designa uma parcela de terra fundada por um ancestral e que a família continua trabalhando nela. Para Herédia (1979, p. 36), ―a categoria sítio define a pequena produção em oposição à fazenda, engenho e granja‖. Nesse sentido, em nossa análise esta categoria é aplicada às pequenas propriedades que utilizam o trabalho familiar para garantir a sobrevivência e desenvolvimento da família (Figura 06). Figura 06. Pequena propriedade (sítio) no Povoado Pinhão – Ribeirópolis/Se. Foto: Givaldo Santos de Jesus, 2008. A partir da observação em pesquisa de campo, definimos os espaços presentes na maioria das propriedades visitadas como: o espaço da casa de morada (casa e quintal); o espaço da lavoura (chão de malhada e/ou de roça); espaço da casa de farinha; espaço do pasto (pasto, curral e o mato), tomados apenas como modelo-padrão das pequenas unidades de produção familiar existentes no município de Ribeirópolis. No município estudado a casa de morada está localizada próximo à estrada, geralmente são unidades simples predominando as casas feitas de bloco, cobertas com telhas e piso de cimento, equipadas com energia elétrica e em menor quantidade casas com água encanada. Boa parte possui sofá, TV e DVD, geladeira, fogão a gás, etc, tudo de modo simples. No fundo da casa estrutura-se o quintal onde são criadas as miunças, como porcos e galinhas e onde se concentram o maior número de fruteiras e que as frutas são consumidas e/ou vendidas na feira. No espaço da lavoura, o chão de malhada predomina em todas as propriedades, que é formado por uma terra macia (areia) e bem trabalhada e de cultivo intensivo. No sistema de malhada, o agricultor cava a terra e forma montículos de areia com aplicação de adubação orgânica ou não denominados de covas ou leras usadas na produção de hortaliças. Já o chão de roça é formado quando derruba a capoeira que passa a ser roça. A terra passa por um rodízio entre vegetação e lavoura. O plantio na roça é realizado através do sistema de covetas que consiste em cavar um buraco no chão e ali plantam os produtos como a mandioca, o milho e o feijão. O espaço da casa de farinha é onde a mandioca é beneficiada na forma de farinha, servindo também de depósito para armazenar a farinha, o milho e o feijão em envoltórios como vasos ou sacos. Geralmente as casas de farinha ficam ao lado da casa de morada, e é um espaço de trabalho onde concentra todo o trabalho da família, e às vezes, chegam a contratar força de trabalho. O espaço do pasto é formado pelo curral, pasto e o mato. O curral fica localizado ao lado da casa de morada e serve para apreender o gado à noite, evitando furtos e de manhã facilita para extrair o leite, como também, para alimentar o gado com ração que é sobra da produção como a palha do milho, raspas de mandioca, manivas, etc. No pasto predomina as pastagens plantadas com capim pangola que serve para sustentar o gado. Os produtos que predominam nas pequenas propriedades são a mandioca, o milho, o feijão e a horticultura em alguns povoados. A mandioca é o produto básico da reprodução desses agricultores e está presente em todas as propriedades pesquisadas. Em segundo lugar, destaca-se o feijão e o milho que são produzidos na maioria das vezes para o auto-consumo. Segundo Garcia Júnior (1983) a mandioca tem um ciclo vegetativo de 1 ano e 6 meses e o seu limite máximo na terra é de 3 anos. A preparação do solo inicia no mês de março e vai até abril. Para Woortmann (1997, p. 65) ―a preparação do solo leva em consideração a adequação entre as qualidades do solo, a pluviosidade, a disponibilidade de força de trabalho, as necessidades de consumo do grupo doméstico, as perspectivas de comercialização [...]‖. O plantio tem início no mês de abril e termina em junho. Plantam manivas de Maria Pau, Santo Antônio, caravela e macaxeira. O feijão está presente na maioria das pequenas propriedades. Plantam o feijão do tipo carioca, mulatinho e o rosinha, e tem um ciclo vegetativo de três meses (maio a junho). Segundo Herédia (1979) durante o seu crescimento são necessárias três limpas e sua maturação, é parcelada de modo que sua colheita pode variar de acordo com as chuvas, e quando maduro é arrancado manualmente e pendurado no telhado, geralmente da casa de farinha, para secamento. Alguns pés são consumidos verdes pela falta do produto seco, e muitos gostam do feijão maduro, e quando seco, é batido e armazenado em recipientes de metal ou em garrafas peti para serem consumidos e em sacos para serem comercializados. O milho é produzido também na maioria das propriedades e plantado no início do inverno nos meses de março a abril. Segundo Herédia (1979, p. 67) ―[...] a melhor semana é aquela que se celebra a festa de São José (19 de março), pois, desta forma, se assegura que a colheita coincida com a comemoração de São João‖. Seu ciclo produtivo é de aproximadamente três meses e são necessárias três limpas durante o seu processo de crescimento. O milho quando maduro boa parte é consumido verde e o restante fica na roça durante dois ou três meses para secar. A colheita é feita manualmente e armazenam em recipientes de metal ou em sacos e são consumidos em forma de cuscuz e serve para alimentar as aves e animais. Já as palhas do milho alimentam o gado. Alguns povoados de Ribeirópolis como Pinhão, Lagoa D‘água, Sitio Velho e João Ferreira produzem também o tomate, pimentão, maxixi, pepino, amendoim, melancia, batata doce, etc., atividade que vem se intensificando e gerando melhores rendas para os agricultores. No campo, o sistema de cultivo predominante é o de produtos consorciados compostos pela mandioca, milho e feijão, que obedece um princípio de alternância, sendo a mandioca o principal produto e que tem uma duração maior na terra em relação ao milho e ao feijão. A escassez de terras contribui para que o camponês utilize ao máximo a terra, reduzindo de certa forma, a produção e por outro lado, diversificando-a, como também, essa forma de associação entre os produtos agrícolas num espaço determinado facilita no trabalho com o preparo da terra e com a produção, tornando o trabalho menos penoso. Dessa forma: Este é explicado principalmente pela escassez de terras, constituindo-se também em uma estratégia por parte dos camponeses, apesar de diminuir a produtividade da terra. Não resta dúvida que a produtividade física do cultivo simples é superior a do cultivo consorciado que, embora permita um crescimento do valor da produção por hectare, baixa a produtividade física dos três produtos básicos [...] (SANTOS, 1996, p. 54). O criatório também constitui um meio de reprodução do agricultor familiar de Ribeirópolis. Nas pequenas propriedades nota-se a presença e predominância da criação bovina, suínos e aves. O gado é uma grande estratégia de reprodução utilizada para supri as necessidades do grupo familiar. Os suínos e galinhas são criados, na maioria das vezes, para aproveitar os restos alimentares da casa e o lucro acaba ajudando nas despesas, e até mesmo para a aquisição de gado bovino. O município de Ribeirópolis possui um certo grau de modernização, pois 68% das propriedades utilizam força mecânica (arar a terra), através do pagamento de horas de trator de particulares que passam a acumular capital, ou com tratores de associações controladas pela prefeitura. Outro dado que mostra essa modernização dependente é a utilização de fertilizantes químicos que são maiores que os orgânicos entre os agricultores do município. O alto índice do uso de casas de farinha se dá pela utilização das casas comunitárias que são mecanizadas. Através da pesquisa de campo, constatamos também, que nas pequenas propriedades, predomina exclusivamente o trabalho familiar. A família de um modo geral é formada pelos pais, filhos, e às vezes avós, tios, noras ou genros que se somam às famílias por algum tipo de necessidade, e acabam garantindo a sobrevivência de todos, ajudando no equilíbrio trabalho e consumo. Os trabalhadores permanentes são inexistentes enquanto os temporários têm uma certa relevância, pois são trabalhadores alugados que vendem e/ou em menor quantidade compram força de trabalho na época de pico (plantio e colheita) para atender as necessidades da produção. Todavia, com uma freqüência maior os vendem alguns dias de trabalho para os médios e grandes proprietários. Nas pequenas unidades de produção participam das atividades produtivas todos os membros do grupo familiar, desde as crianças até os mais velhos, existindo uma certa divisão na distribuição das tarefas na propriedade. Segundo Antonello (2001, p. 47), ―a combinação das forças físicas de cada membro do grupo familiar forma uma sólida unidade, que alicerça a organização das tarefas no interior da exploração camponesa [...]‖. O pai é o chefe da família, é aquele que organiza e determina a distribuição dos trabalhos na propriedade, sendo considerado o pilar do grupo e o saber camponês. Dessa forma, a pequena unidade de produção tem um elemento fundamental, que é o trabalho familiar e esse trabalho é o que sustenta a posse da terra e a sobrevivência da família. Outro aspecto importante percebido na pesquisa de campo é que 60% dos entrevistados afirmam que os filhos não pretendem continuar na terra e esperam um futuro melhor que os deles. Todavia, quando perguntamos aos próprios filhos esse índice aumenta. A situação econômica precária e a precariedade do ensino como um todo e principalmente no campo com uma mentalidade voltada para a zona urbana contribuem ainda mais para a saída do homem do campo para a cidade com a ilusão de ter um emprego com carteira assinada que na atualidade assistimos a uma forte exclusão dos trabalhadores ao trabalho formal. O grau de escolaridade na família camponesa entre os pais varia de analfabetos à quarta série do ensino fundamental e entre os filhos da primeira série a oitava série do ensino fundamental, e em menor quantidade camponeses com o ensino médio completo. Existe uma distorção enorme entre a idade e a série. O trabalho no campo e uma educação voltada para a cidade acabam excluindo muitos camponeses da escola e são eles os que pretendem continuar na terra. 5 A AGRICULTURA IRRIGADA EM RIBEIRÓPOLIS-SE A introdução da tecnologia de irrigação em alguns povoados de Ribeirópolis (Lagoa D‘água, Sítio Velho, Pinhão e João Ferreira), provocou um impacto na natureza da atividade agrícola ali desenvolvida. O cultivo de produtos como mandioca, milho e feijão deu lugar a horticultura visando o mercado. A farinha de mandioca, que era o principal e às vezes o único produto destinado a venda, foi substituída pela produção de hortaliças, verduras e olerícolas que passou a ser o determinante das decisões dos agricultores quanto à exploração de terra. A existência de infra-estrutura de irrigação já traz em si, mudanças no comportamento e na visão dos irrigantes. O mercado é o horizonte a ser conquistado, o elemento definidor das ações desses produtores, assim como o movimento de compra e venda de insumos e implementos agrícolas, mão-deobra e de diferentes serviços, em que a relação dos pequenos produtores irrigantes com o mercado passa a ser indispensável à reprodução social do grupo familiar. Outro aspecto importante nesse contexto diz respeito à necessidade do estabelecimento de um padrão de organização social dos produtores diferente daquele a que estavam acostumados, haja vista as exigências impostas pela irrigação. No passado, os sistemas de produção eram basicamente as condições naturais, clima e solo, e do trabalho familiar. Os produtos cultivados destinavam-se ao auto-consumo. No presente, a atividade agrícola passa a depender de fatores externos, implicando numa redefinição da forma de produzir no interior da parcela e nas relações com os diferentes agentes econômicos. As tentativas de induzir a modernização de práticas e processos sociais agrários construídos historicamente pelos agricultores, constituídos por relações onde diferentes agentes interagem e disputam o controle das intervenções propostas, reelaborando-os segundo as condições econômicas e as posições que ocupam na estrutura social. Os irrigantes com rendas mais altas optam por proporcionar aos filhos melhor formação escolar e qualificação profissional, a mantê-los no trabalho agrícola. A maioria não dispõe desta possibilidade, o que os leva a incorporar nas atividades agrícolas todos os membros da família inclusive as crianças, Em outras palavras, a utilização da totalidade da força de trabalho familiar passa a ser indispensável às novas exigências que a irrigação traz, não só a respeito da produção, mas quanto à comercialização. A tabela 4 mostra a agricultura familiar na microrregião de Carira em Sergipe: Tabela 4. Estabelecimento e área da agricultura familiar de Sergipe, segundo a Microrregião de Carira e Municípios – 2006. Agricultura familiar - Lei nº Não familiar Microrregião 11.326 de Carira Área Área Estabelecimentos Estabelecimentos (ha) (ha) Sergipe Carira (microregião) Carira Frei Paulo Nossa Senhora Aparecida Pedra Mole Pinhão Ribeirópolis 90 330 711 488 10 276 768 925 7 174 1 552 838 77 885 22 808 15 233 776 148 76 76 900 29 491 12 721 2 520 408 274 1 582 19 943 3 392 2 877 13 632 317 41 61 133 16 985 4 969 6 842 5 892 Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 2006. A organização da produção e o uso da tecnologia obedeceu ao objetivo único de maximização de lucros com a agricultura irrigada, com a diversificação da produção, em que os irrigantes procuraram seguir aquilo que as suas condições econômicas permitiam e que estendiam como sendo de menor risco, isto é, utilizar a tecnologia de irrigação em culturas que já dominavam o cultivo e tinham um certo conhecimento e experiência do processo de comercialização, como é o caso da batata-doce. Na atualidade, as sementes selecionadas e/ou adaptadas, adubo químico, tração mecânica e agrotóxico são usados em maior quantidade e com freqüência. No caso dos agrotóxicos, a utilização tem sido abusiva e sem controle, e os produtores não tomam as precauções necessárias, sendo freqüentes os problemas de tonturas e desmaios. Um pequeno número de irrigantes de Ribeirópolis com certa consciência ecológica e visando o mercado tem produzido hortaliças sem o uso de agrotóxicos praticando uma agricultura orgânica com a utilização de húmus, o uso de alho e chorumo despertando a curiosidade e a critica daqueles agricultores que abusam dos produtos químicos. Sobre a questão tecnológica e da mecanização os irrigantes usam o que podem como o trator para o preparo do solo assim como o uso também da tração animal (figura 07). O sistema de adubação utilizado nos perímetros é por cova, lanço e sulco, porém, os mais usados são aqueles com a fórmula 1015-10, 0-10-10, além do calcário e o esterco de gado. A mão-deobra e as relações de trabalho, na irrigação passam a obedecer às exigências do capital subordinado aos objetivos da produção, em que o mercado é agora o elemento decisivo do ato de produzir, e não mais a produção para o consumo familiar, como antes. Figura 07 – Preparação do solo com o arado manual. Foto: Ramon O. Vasconcelos, 2010. As mudanças nas relações de trabalho aparecem como uma das mais importantes conseqüências da introdução da agricultura irrigada seja em termos de extensão da jornada, seja em termos da natureza da força de trabalho. No que se refere às relações de produção, a parceira surge em decorrência da insuficiência de recursos financeiros do proprietário da terra em relação à disponibilidade de terras e da inexistência de um trabalho estruturado, como forma de evitar reclamações por parte dos trabalhadores contratados através de diárias ou permanentes. Para Silva (1989, p. 87), [...] a parceira pode ser vista, assim, como uma forma flexível de remuneração do trabalho, adaptável a circunstancias especificas de organização da produção, permitindo combinar simultaneamente atividades típicas de empregado e empregador. A contratação de trabalhadores assalariados foi ampliada em função das novas exigências a partir da irrigação com o com o prolongamento e a intensificação da jornada de trabalho. As formas de ajuda mútua, a exemplo do mutirão ou ―batalhão‖, tão comum no passado, não mais se verificam nessas áreas. De acordo com a pesquisa de campo (2010), o número de membros das famílias nestas unidades de produção variam de 2 a 6 pessoas (adultos, crianças e velhos), a divisão do trabalho por faixa etária e sexo, na maioria das unidades como no cultivo da batata em que os homens adultos abrem as leiras, as crianças e idosos semeiam as mudas e as mulheres cobrem ou mudam a sementeira. É o que acontece praticamente em todas as culturas, onde os homens participam de todas as atividades ―pesadas‖ e vai variando de acordo com as necessidades. Dessa forma o ano agrícola na agricultura irrigada é dividido em duas estações inverno e verão, sendo que 70% dos irrigantes destacam que o inverno é a estação que a família mais trabalha, pois expandem a produção na propriedade, para aproveitar a facilidade que a chuva proporciona. Em contra partida no verão é mais rentável mesmo com os gastos de energia elétrica para irrigar através de bombas e motores instalados nos poços artesianos ou barragens, mas é mais fácil de controlar as pragas e doenças das plantas. Além disso, cada produtor atua como ―cientista‖ durante todo o ano prevendo os meses e cultivos ideais para ―acertar‖ um preço satisfatório, já que não há uma garantia de preço na produção. Em relação ao grau de escolaridade dos agricultores é baixo e varia de analfabetos aos que possuem o ensino fundamental. Cerca de 90% são provenientes do próprio local e a área das propriedades variam de menos 1 a 10 há, que foram adquiridos através de herança em 30% dos casos e 70% foram comprados. É importante ressaltar que os proprietários possuem essas terras a mais de 5, 10 anos e quando questiona se durante esse tempo melhorou ou piorou a qualidade de vida, o entrevistado responde o seguinte: [...] melhorou, em relação à renda e conseqüentemente na qualidade de vida, pois trabalho no que é meu e posso dar uma vida melhor para meus filhos, além de conseguir comprar uma moto, reformei a casa, e pretendo nos próximos meses de trabalho juntar dinheiro para comprar uma mercedinha, assim posso transportar minha produção e dos vizinhos garantindo mais uma forma de lucrar (Antônio, Povoado Lagoa D‘água-Ribeirópolis-Se, 2010). Os agricultores que possuem um sítio menor em relação aos outros produtores arrendam áreas denominadas de ―tiras ou malhadas‖, ou ainda trabalham para outros produtores no período de preparação do solo e durante a colheita das verduras e olerícolas. É relevante a quantidade de famílias que residem na propriedade cerca de 70% e justificado pela facilidade para trabalhar, criar animais como galinha, porco, carneiro, peixe, vaca leiteira, contribuindo assim para uma dieta variada e na maioria das vezes como uma poupança que pode ser comercializada a qualquer momento. Além desses fatores em 100% das propriedades dos povoados pesquisados27 possuem energia elétrica e água, encanada de poços artesianos no centro do povoado e nas propriedades mais isoladas a água é proveniente de poços individuais da própria propriedade, e a irrigação provém de poços artesianos (figura 08) ou barragens individuais, fruto dos recursos dos próprios agricultores que utilizam a água para os afazeres domésticos, para bebe e principalmente para a produção irrigada. Já no povoado João Ferreira, a água vem da barragem pública de mesmo nome do povoado. Figura 08. Poço artesiano. Foto: Ramon O. Vasconcelos, 2010. 27 Sítio Velho, Lagoa D’água, Pinhão e João Ferreira. Outro fator importante é observado na diversidade de culturas que é o resultado de uma alternativa visando diminuir a vulnerabilidade do produtor diante das freqüentes oscilações dos preços agrícolas sabendo-se que em 1996 de acordo com o Censo Agropecuário do IBGE a batata-doce era plantada por 70% dos proprietários irrigantes, 48% coentro, 35% tomate e coentro, 30% amendoim, 17% pepino e 13% couve. Com essa ausência de um planejamento de cultivo que evite uma oferta excessiva dos mesmos tipos de hortaliças no mercado tornando inviável a lucratividade. De acordo com a pesquisa de campo (2010) os principais produtos vegetais cultivados são batata com 60%, pepino 50%, em seguida o amendoim com 40%, maxixe 40%, pimenta e folhas 30%, além de feijão de corda, tomate, vagem, quiabo, pimentão, milho e feijão. O sistema de cultivo varia de acordo com a estação, se for durante o verão planta se de extremo, pois contribui na economia de água, e no inverno planta se na leira para escoar o excesso de água. Durante o período de estiagem que há a necessidade de irrigar o sistema mais utilizado é de aspersão (figura 09) em segundo o gotejamento e por fim o sulco. Figura 09. Irrigação por aspersão. Fotos: Ramon O. Vasconcelos, 2010. Nas propriedades que os agricultores foram entrevistados 100% não fazem a análise do solo, mas todos utilizam sementes selecionadas, nenhum possui trator, mas alugam para gradear as ―malhadas‖ e outros possuem arados de tração animal e arrendam para os vizinhos que não tem. Além disso, todos usam agrotóxicos discriminadamente e não dão destino apropriado aos dejetos, sendo que 60% queimam e 40% jogam no próprio ―terreiro‖. Apenas 10% usam algum produto natural de receitas caseiras, quando pergunta sobre a assistência técnica da EMDAGRO 10% já procurou informações e acompanhamento, mas qualificam a assistência como deficiente. Os recursos para produção são de economias próprias, 10% já recorreram a financiamento do PRONAF para investir na produção e estruturação da propriedade além da criação de animais. É interessante que no município não há associação ou cooperativa e quando falam aos produtores muitos acham que não há necessidade. Contudo, quando pergunta se no final do ano agrícola os resultados da produção irrigada têm dado para as despesas, a resposta é que melhorou a vida em 100%, com a esperança que a cada ano melhore ainda mais. Em relação ao processo de comercialização, em função da inexistência de agroindústrias que pudessem absorver a produção beneficiando ou transformando os produtos ali cultivados, contribui para o alto índice de perda da produção e impede que tenha maior valor aos mesmos, restringindo-se a capacidade de acumulação e capitalização dos irrigantes. A agricultura irrigada, pelos investimentos que ela exige é incompatível com uma atividade que insiste em ser conduzida de modo empírico e sem planejamento, como acontece. As hortaliças, verduras e raízes produzidas são comercializadas no mercado e feira de Ribeirópolis, Itabaiana, Aracaju, Salvador e até no Rio Grande do Sul como acontece com a batata-doce. Os principais agentes de comercialização são os intermediários, detendo o controle dessa atividade e influenciando tanto na determinação dos preços como na seleção dos produtos a serem cultivados. A venda da produção é feita de diferentes maneiras a principal é a entrega dos produtos ao intermediário, que vem buscá-los no lote do irrigante; outra parte vende a feirantes e uma menor parte vende seus produtos diretamente na feira ao consumidor final. Nesse sentido, existe no município de Ribeirópolis um pequeno número de produtores que além de comercializarem a produção obtida na sua própria área ou lote também atuam como compradores da produção de outros irrigantes. O uso diferenciado da tecnologia de acordo com o tamanho da terra disponível e ainda pelo maior ou menor conhecimento do mercado e de seu funcionamento sempre preservam a autonomia e a individualidade. Como um dos objetivos é conhecer a composição e a magnitude da renda gerada no município, foi feito um esforço no sentido aproximado dessa variável importante que é a renda do agricultor. Os pequenos irrigantes continuam agindo da mesma maneira que agem quando trabalhavam na área de sequeiro, ou seja, não contabilizam as despesas e receitas. O que não significa dizer que não façam um cálculo, mas que este é feito com base num outro tipo de racionalidade, não exclusivamente econômica. Chama-se atenção, também para outro aspecto: os custos de produção e a renda dos agricultores que correspondem são somente a despesas e receitas da atividade econômica, não sendo imputados quaisquer valores para auto-consumo e remuneração hipotética da mão-de-obra familiar, desgaste de equipamentos e maquinas, nem incluídos o pagamento de juros de empréstimos eventualmente tomados pelos irrigantes. Na composição dos custos entram as despesas com sementes, adubos, agrotóxicos, aluguel de maquinas, embalagem transporte de produtos e tarifa de energia, além de gastos com a produção animal e pagamentos da mão-de-obra assalariada. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS No Brasil a pequena propriedade se formou às margens dos latifúndios nas terras menos férteis e que foram as grandes responsáveis pela produção de alimentos para o mercado interno. Na verdade, essas propriedades foram formadas por posseiros que desde cedo se defrontaram com a expansão das grandes propriedades pecuarista, observada na região estudada. Em Ribeirópolis-Se os posseiros tiveram uma abertura maior que em outras regiões e, com o tempo, boa parte conseguiu a posse da terra e tornaram-se sitiantes. O município estudado revela uma forte concentração fundiária, tendo como suporte a concentração de terras para a expansão das fazendas de gado. Todavia, não ocupou totalmente as terras de lavoura e as pequenas unidades de produção familiar através de suas próprias especificidades, no que se refere às relações de trabalho e à importância da família, persiste e tem uma importância relevante no desenvolvimento do município de Ribeirópolis. A propriedade da terra significa a garantia de sobrevivência e permanência no campo. Atualmente, mesmo subordinadas ao capital e com um processo desigual de modernização e produção, o pequeno agricultor através da terra e do trabalho familiar consegue produzir para garantir o sustento da família, embora seja também obrigado a recorrer a algumas atividades complementares como o criatório bovino, o trabalho alugado, etc. No que se refere às experiências com agricultura irrigada em unidades de produção familiar, os irrigantes com a posse da terra e/ou capital e conhecimento para adotarem as inovações tecnológicas visando à modernização da agricultura provocaram mudanças importantes no panorama da agricultura em alguns povoados do município de Ribeirópolis. Criaram melhores condições de aproveitamento da terra; contribuíram com o aumento da oferta de olerícolas no mercado; ampliaram o consumo de insumos e equipamentos agrícolas, as oportunidades de negócios agrícolas e não agrícolas e foram responsáveis pela constituição parcial de um mercado de trabalho, com o aproveitamento da mão-de-obra existente. Ao estimular o aumento da produção de verduras e hortaliças a irrigação trouxe a ampliação de novos mercados e também do número de compradores (atravessadores/atacadistas). Contudo, esse dinamismo não foi acompanhado de modificações na estrutura e nos mecanismos de comercialização agrícola. Percebe-se claramente a insatisfação dos agricultores no processo de comercialização. O município apresenta uma cadeia produtiva desarticulada e desorganizada, favorecendo a ação dos intermediários que controlam as informações do preço de mercado e compram os produtos na porta, proporcionando uma venda rápida e sem obstáculos, e por outro lado, concentra a maior parte do lucro. Os efeitos do uso da irrigação e dos problemas surgido pela falta de um planejamento agrícola, crédito rural compatível com a situação financeira dos agricultores, orientação técnica eficiente e necessidade de mudanças na sistemática de comercialização, são percebidos e reivindicados pelos irrigantes, como uma condição indispensável à consolidação econômica, melhoria da renda e condições de vida dos pequenos agricultores. Apesar de tudo, é significante a melhoria das condições de vida e de renda dos produtores familiares que trabalham com a irrigação, como provam não apenas a renda por eles obtida, mas também as boas condições sociais, qualidade das habitações, abastecimento de água e o patrimônio que conseguiram formar após a implantação da irrigação. Contudo, a situação dos agricultores dos povoados que continuam plantando mandioca, milho e feijão não apresentam melhorias significativas nas condições de vida e de trabalho desses agricultores. 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, R. Paradigmas do Capitalismo agrário em questão. Campinas: UNICAMP, 1992. ANTONELLO, Ideni Terezinha. A metamorfose do trabalho e a mutação do campesinato. São Cristóvão-Se: NPGEO, UFS. 2001. CARNEIRO, R. As Transformações recentes na agricultura no Nordeste (Relações de Trabalho e Formas de Apropriação do Excedente). Recife: PIMES, 1978. CARVALHO, O. de. 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SITES DE PESQUISA www.ibge.gov.br www.emdagro.se.gov.br www.google.com.br O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS AGRÍCOLAS NOS MUNICÍPIOS SERGIPANOS DE SIMÃO DIAS E DE POÇO VERDE: OS TERRITÓRIOS RURAIS SOBRE O DILEMA PRODUTIVISTA E AS ESTRATÉGIAS DE AÇÃO COLETIVO-INSTITUCIONAL. Luciano Ricardio de Santana Souza1 1 INTRODUÇÃO Atualmente, tanto em Simão Dias como em Poço Verde, propaga-se a produção especializada do milho como forma de engendrar as novas relações capitalistas de mercado no meio rural nestes municípios. Neste cenário, percebe-se, também, que os dois municípios estão incluídos no contexto de desenvolvimento territorial rural do governo federal, o qual concebe os projetos integrados à realidade teórico-conceitual do produtivismo agrícola e da lógica capitalista sobre o Espaço Agrário. Os projetos de desenvolvimento rural em Simão Dias e Poço Verde implantam novas formas dinâmicas de produção capitalista voltadas para o aumento da produtividade agrícola local, não enfatizando ainda a constituição de alternativas voltadas à solução do atraso nas estruturas socioeconômicas e na superação dos problemas relativos à preservação ambiental. Apesar dos avanços contidos na concessão de instrumentos creditícios, as políticas públicas agrícolas (como crédito rural e incentivos a aquisição de sementes) advindas dos 1Economista, Licenciando em Geografia e Mestre em Geografia pelo Núcleo de Pós-graduação em Geografia (NPGEO), Membro do Grupo de Pesquisa sobre Transformação no Mundo Rural. E-mail: [email protected]. projetos de desenvolvimento territorial rural e implantadas nos dois municípios redefiniram, equivocadamente, as novas ações produtivas propostas para os territórios rurais dos dois municípios, concentrando-se apenas nas demandas de modernização agrícola sem primar pela realidade sócioambiental do espaço rural simãodiense e poçoverdense. A proposta da discussão é estabelecer uma crítica à relação direta entre a natureza dos projetos de desenvolvimento territorial rural e a realidade produtiva da agricultura familiar simaodiense e poçoverdense, colocando em foco as deficiências na implantação das ações estatais locais no meio rural através do uso dos instrumentais técnicos capitalistas e observando as estratégias coletivo-institucionais colocadas à disposição das comunidades rurais com vista à superação do entraves produtivos engendrados pelo capitalismo. 2 O DESENVOLVIMENTO TÉORICO-CONCEITUAIS RURAL: RELAÇÕES O Desenvolvimento rural torna-se assunto de difícil análise devido à complexidade teórico-conceitual que o cerca. Desta forma, a complexidade teórico-conceitual desvincula o desenvolvimento rural das abordagens sociais. Suas concepções fundamentais sobre o espaço rural e sobre a dinâmica socioeconômica são absorvidas pela hegemonia da teoria produtivista28. Os teóricos produtivistas conceberam formas conflituosas de definir e, até mesmo, utilizar o conceito de desenvolvimento rural, tratando-o como forma de difusão de políticas públicas agrícolas que remodelam as relações sócioprodutivas e os territórios rurais, baseando-se no alto nível de ação modernizadora produtiva, ou seja, concentrando-se na 28A teoria produtivista prega a máxima eficiência da estrutura agrícola familiar através do aumento da produtividade alicerçado pelo processo de modernização conservadora. idéia de uso intensivo de tecnologia agrícola como sinônimo de eficiência A proposta de análise produtivista do desenvolvimento rural também amplia o campo de entendimento acerca dos elementos técnicos e da ação capitalista necessários ao meio rural, mascarando as estratégias de controle do excedente e novas tendências produtivas não-sustentáveis sobre os territórios rurais. Por conseguinte, redefinem-se estratégias para políticas locais que norteiam a constituição de projetos de desenvolvimento territorial rural condizente com as imposições das empresas ligadas ao setor industrial de implementos agrícolas (tratores) e insumos (fertilizantes e agrotóxicos). Por isso, enfatiza-se a necessidade de entendimento do marco teórico-conceitual sobre Desenvolvimento Rural que esteja correlacionado com o contexto de efetivação da agricultura moderna. O conceito desenvolvimento rural é, possivelmente, submetido ao entendimento acerca dos seus efeitos sobre a sociedade e sobre o espaço rural. Para Ilha (1993, p.98), o desenvolvimento rural está submerso num ―fundo ideológico‖ e o seu sentido encontra-se sujeito ao relacionamento com as novas formas de produção agrícola e com a introdução da tecnologia moderna. Neste caso, o autor enumera três características que integram o entendimento sobre a integração do desenvolvimento rural com tecnologia e as novas formas de produção agrícola: Assim, entende-se o desenvolvimento [rural] como: a) modernização dos instrumentos, matérias-primas e insumos tecnológicos; b) introdução e adoção de técnicas modernas e racionais pela empresas rurais; e c) captação da força de trabalho, para que esta possa utilizar os novos instrumentos (ILHA, 1993, p.98a). O conceito de desenvolvimento rural é visto, apenas, como ―modificação das forças produtivas‖. O emprego de tecnologia agrícola (máquinas e agrodefensivos), das técnicas modernas de tratamento do solo e manejo de novos cultivares, das sementes modificadas geneticamente e dos programas de qualificação de mão-de-obra rural, que inserem o conceito de desenvolvimento rural no contexto de aceitação do ideário produtivista. Ademais, Ilha indica a sua concepção sobre o desenvolvimento rural, considerando que tal forma de conceito deve ser ampliada até o ponto de inclusão de ―um outro componente‖, o qual é visto como: A transformação das relações que os homens, independentes de sua vontade como indivíduos estabelecem à volta do processo de produção, antes, durante e após este. Como exemplo dessas relações, pode-se citar as relações de propriedade, a organização do trabalho, a forma de distribuir a riqueza social, a distribuição dos produtos e outras. (ILHA, 1993, p.98b) Ainda, a influência da qualificação da mão-de-obra no contexto teórico de entendimento do desenvolvimento rural é aqui tratada como alicerce da educação no meio rural e como forma de elevação da produtividade, não acrescentando nada de novo sobre a concepção do desenvolvimento rural que vá além da ótica produtivista. Diga-se de passagem, que o produtivismo é algo inerente às teorias que buscam analisar o desenvolvimento rural, defendendo o lócus de atraso do meio rural e da forma de produção de seus atores principais (os agricultores). Porém, O desenvolvimento rural não pode ser [também] entendido simplesmente como crescimento agrícola e econômico. Deve abranger uma perspectiva mais ampla no sentido se atingiram metas no campo social, com ênfase na distribuição eqüitativa [produto e renda]. Entre essas metas, deve-se perseguir a criação de mais oportunidades de emprego, tanto na fazenda como fora dela; o acesso mais justo à terra arável; a distribuição mais justa da renda rural; melhorias em saúde, nutrição e habitação; e, finalmente, o maior acesso a uma educação formal e informal para adultos e crianças, os quais tenham relevância direta para necessidades e aspirações dos habitantes rurais (ILHA, 1993, p. 100). Neste caso, há a possibilidade de elaboração de um plano de desenvolvimento rural que concretize a criação de um contingenciamento de programas e projetos que atendam às demandas sociais no meio rural, não concentrando esforços em realizar, apenas, os programas de desenvolvimento que criam uma expansão da produtividade agrícola somente sobre a ótica produtivista. Conforme Schneider (2003, p. 4-5a), há uma preocupação por parte dos estudiosos sobre o que significa desenvolvimento rural. Para isso, o debate é distribuído em quatro elementos preconizadores do entendimento sobre o desenvolvimento rural: i. a erradicação da pobreza rural; ii. a questão da participação política dos atores sociais e o seu protagonismo; iii. o território como referência; e iv. a preocupação com a sustentabilidade ambiental (SCHNEIDER, 2003, p. 5b). Schneider afirma que: ―[...] apesar de muito difundida e utilizada, a noção de desenvolvimento rural continua a ser de definição complexa e multifacetada, passível de ser abordada por perspectivas teóricas as mais diversas‖ (SCHNEIDER, 2003, p.7a). Apesar deste fato listado por Schneider, o estudo apresentado por ele conduz à definição de desenvolvimento rural como ―processo que resulta das ações articuladas, que visam induzir mudanças socioeconômicas e ambientais no âmbito do espaço rural para melhorar a renda, a qualidade de vida e o bem estar das populações rurais‖ (SCHNEIDER, 2003, 7b). Dadas às especificações particulares do espaço rural, determinadas pelos condicionantes sociais, econômicos, edafoclimáticos e tecnológicos, o desenvolvimento rural refere-se a um processo evolutivo, interativo e hierárquico quanto aos seus resultados, manifestandose nos termos dessa complexidade e diversidade no plano territorial (SCHNEIDER, 2003, p.7c). Dado que, no espaço rural, a complexidade dos elementos internos (economia rural, sociedade, clima, vegetação, relevo e tecnologia empregada) parece firmar-se como um conjunto de manifestações socioeconômicas e físicas do meio agrícola, as quais redefinem o próprio sentido de construções dos territórios rurais. O conceito de desenvolvimento rural deve levar em consideração a relação entre o processo ―hierárquico e inter-atores‖ e os componentes definidores do espaço rural (clima e estrutura socioeconômica) e a forma de capitação da situação real do plano produtivo territorial. O desenvolvimento rural deve levar em conta à própria situação dos elementos internos dos territórios rurais e o processo socioeconômico de construção destes, além da relação natureza-agricultura. Assim, há, também, a observância dos desafios ao desenvolvimento rural. O desafio encontra-se na concretização do encontro entre o eixo de simetria entre a teoria e a realidade de construção eficiente de uma política sócio-territorial rural eficiente. Isto também significa dizer que deve haver uma conscientização dos teóricos acerca da difusão das definições sobre o desenvolvimento territorial rural que sejam alternativas viáveis ao conceito de desenvolvimento do meio rural empreendido pela lógica produtivista. A partir dessa necessidade de mudança no paradigma do desenvolvimento rural, busca-se alçar uma nova forma de se pensar o dinamismo territorial rural para o espaço e sociedade rural, priorizando racionalmente os seus elementos territoriais, socioeconômicos e regulatórios. 3 O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL EM POÇO VERDE E EM SIMÃO DIAS: O CONTRAPONTO ENTRE O CONTROLE CAPITALISTA E AS ALTERNATIVAS SOCIAIS O Desenvolvimento Rural está inserido dentro de um contexto teórico puramente produtivista e condizente com a proposta que norteia a busca por soluções de inclusão tecnológica dentro do meio rural. Ademais, as propostas teóricas alternativas29 que disputam a primazia de abrangência sobre o espaço rural são substituídas pelas ações da lógica produtivista, desviando o foco das políticas públicas agrícolas 29As propostas alternativas à ótica produtivista são caracterizadas pelas novas ações que enfatizam as sinergias sócio-ambientais no meio rural. do campo sócio-ambiental para a constituição de um eficaz controle do excedente sócio-espacial. A partir da visão sobre a complexidade teórica-conceitual do termo desenvolvimento rural e como esta proposta é usada pela corrente teórica produtivista para legitimar a ação capitalista no campo, redefinem-se os novos destinos produtivos para o espaço rural através de uma série de medidas e políticas públicas que não auxiliam na reversão do processo de exclusão no meio rural e do efeitos nocivos ao meio ambiente rural. Para tal, busca-se compreender que a principal proposta do produtivismo está no controle direto das políticas públicas agrícolas. Desta forma, busca-se compreender a essência dos territórios rurais através de sua conversão em via favorável para criação valor expropriável pelos agentes do capitalismo (bancos e empresas de insumos e implementos agrícolas). A implementação de Políticas Públicas Agrícolas, através de projetos eficientes de desenvolvimento territorial rural, pode nutrir os elementos socioeconômicos e ambientais através da ―valorização dos recursos locais‖. Assim, É necessário a implementação de políticas que tenham como princípio a valorização dos recursos locais, tanto humanos, através da capacitação (formação e educação) dos mesmos, como de base territorial. Também é necessária uma maior participação dos agentes envolvidos no processo de superação de conflitos sociopolíticos que tem dificultado a implantação de práticas que promovam o bem estar de todos (LOCATEL; HESPANHOL, 2006, p. 7). A possibilidade de ações ineficientes sobre o meio rural permite que haja propostas de políticas públicas que inviabilizem a lógica de sustentabilidade socioambiental. As ações estatais impostas estão voltadas para efetuação de atividades produtivas aliadas a abordagem do desenvolvimento territorial rural produtivista, enfocando novas dinâmicas propícias a agricultura química capitalista e desprezando o processo de formação de renda autônoma nas comunidades rurais e de preservação ambiental. Neste caso, o desenvolvimento territorial rural nos municípios sergipanos de Simão Dias e de Poço Verde abre uma perspectiva sobre as transformações ocorridas na estrutura produtiva agrícola territorial através da integralização dos arranjos sócio-espaciais ao processo produtivo agrícola capitalista. Para isso, o entendimento da permanência do enfoque teórico-conceitual produtivista na elaboração de propostas políticas e na dinâmica de territórios rurais nestes municípios deve privilegiar o processo de acumulação do capital por parte das empresas de insumos e implementos agrícolas. Para implementar o desenvolvimento rural, a partir de uma perspectiva territorial e integral, é fundamental a criação de uma nova institucionalidade, compreendida como estruturas sociais, instituições públicas, regras, organizações, interesses e motivação dos atores sociais inseridos em uma realidade econômica e política, o que constitui a essência do capital social. Para tanto, a ciência, a tecnologia, os recursos financeiros e humanos deverão ser colocados à disposição, com base num processo estruturado de planejamento participativo, esclarecido e dinâmico, onde a comunidade estabeleça suas metas e defina as etapas do envolvimento dos diversos setores e da população local (LOCATEL; HESPANHOL, 2006, p. 8). Para o processo de desenvolvimento territorial rural implementado em Simão Dias e em Poço Verde, os efeitos do arranjo espacial rural segue duas trajetórias, que se embatem no decorrer da formação da lógica territorial agrícola: a defesa dos interesses capitalistas no campo e a formação de um capital social auto-sustentável. As trajetórias de defesa dos interesses capitalistas seguem as primícias de não formação de um capital social que produza autonomia financeira e tecnológica para as comunidades rurais30. Por conseguinte, a formação de um capital social rural auto-sustentável constitui uma idéia central voltada para reformulação institucional, ou melhor, para uma nova institucionalidade que possa originar barreiras à expansão do produtivismo no meio rural simãodiense e poçoverdense. Este processo de autonomia do capital social inviabiliza a subsunção da estrutura sócio-espacial por parte das empresas de implementos e insumos agrícolas através das políticas públicas sociais, do cooperativismo rural solidário e da educação no campo. Estas possibilidades de ações do Capital Social contra o controle total do capitalismo, via ação estatal, busca reproduzir coletivamente as dinâmicas políticas, econômicas e educativas solidárias responsáveis por um ambiente produtivo autoregulável. As ações capitalistas perdem o efeito quando surgem novas alternativas sociais, econômicas e produtivas no rural relacionadas com os atrativos da solidariedade local que promovem a valorização do saber e do uso tradicional da terra, desprezando-se quaisquer interrupções da Modernização Conservadora e estabelecendo uma sinergia mais consistente entre os atores locais (os agricultores) com vista a melhorias das condições de vida e de preservação do meio ambiente rural. 30Predispõem aí o entendimento acerca da lógica dialética entre a formação de capital social e a ação capitalista no meio rural. Como se processa tal processo de subsunção capitalista sobre o meio rural dos municípios de Simão Dias e Poço Verde? O indício principal do processo de subsunção capitalista sobre o meio rural simãodiense e poçoverdense é caracterizado pela presença de forças de pressão político-econômicas locais que engendram projetos de desenvolvimento rural e territorial baseados na manipulação da estrutura sócio-produtiva através das atividades extensionistas. Qualquer inter-relação local voltada para a formação de alternativas de geração de renda e preservação ambiental é tratada como iniciativas não associadas à necessidade de crescimento da produtividade rural. As forças de pressão do capital são reforçadas pelos próprios órgãos públicos locais (secretarias municipais de agricultura dos dois municípios e órgãos governamentais de extensão rural), bancos e organizações não-governamentais (ongs). Por isso, a falta de foco nas reais necessidades dos agricultores e na dinamização eficiente dos territórios rurais, pelos projetos de Desenvolvimento Rural, em Simão Dias e em Poço Verde, deixa perceptível a ineficiência dos órgãos governamentais de extensão rural no tocante às especificidades de cada território, não promovendo uma integração eficiente das políticas com as características sociais, econômicas, produtivas e ambientais intrínsecas ao meio rural. Segundo Locatel e Hespanhol (2006, p.9a), quando se pensa em desenvolvimento rural, a partir de uma abordagem territorial, necessita-se elaborar mais pormenorizadamente as ―políticas estruturais‖31 que contém todo um instrumental jurídico, financeiro e educacional, envolvendo a totalidade das unidades de produção agrícola, observando as demandas 31As ―políticas estruturais‖ remontam a teoria keynesiana acerca da dinamização dos setores da economia através do consumo dos atores produtivos e de suas ações locais. individuais dos agricultores locais e atentando para cada categoria definidora dos territórios rurais32. Aliás, toda proposta para o desenvolvimento territorial rural está integrada a lógica de criação de atividades que promovam a geração de renda, com aumentos de produtividade autônoma e sustentável, a especialização produtiva eficiente voltada para novos mercados, a prestação de serviços, a difusão da agroindustrialização e o revigoramento do associativismo no meio rural, convertendo estas ações em dinâmicas anticapitalistas. A incapacidade coletiva rural de deter o lobby das empresas de insumos e implementos agrícolas demonstra que o sucesso das iniciativas sociais sustentáveis ainda se mostra lento em Simão Dias e Poço Verde. Por isso, Sem que os próprios agricultores estejam conscientes dos trunfos que o meio rural pode oferecer a uma estratégia de desenvolvimento baseada na formação de tecidos territoriais densos e variados no interior do país, será impossível a superação do caráter até aqui burocrático e autoritário (a famosa ―prefeiturização‖) de que se revestem as tentativas de descentralização das políticas públicas (ABRAMOVAY, 2003, p. 94). Concomitantemente, em Poço Verde e em Simão Dias, a prefeiturização converte os projetos de desenvolvimento territorial rural em meros programas de plataforma para elites políticas que dominam estes municípios. Também, tal proposta de políticas agrícolas para o meio rural simãodiense e poçoverdense obedece a uma lógica de integração das elites 32As características definidoras dos territórios são aquelas relacionadas com as especificidades climáticas, sociais, produtivas, econômicas e físiconaturais. políticas aos ditames capitalistas na região; além de atentar para o favorecimento de alguns representantes de empresas multinacionais através do ―apadrinhamento político local‖. O que pode ser absorvido do modelo de desenvolvimento territorial rural de Simão e de Poço Verde é a incapacidade sinérgica local e a supremacia do lobby das empresas produtoras de insumos e de implementos agrícolas. A partir deste contexto, formam-se todos os instrumentais de mando capitalista que deverão subordinar as ações propostas de Políticas Públicas Agrícolas aos novos meios técnicos capitalistas. Há o atrelamento das Políticas Públicas Agrícolas a um conteúdo de desenvolvimento produtivista baseado na obrigatoriedade de interconexão Estado-empresa no momento da construção dos projetos produtivos territoriais. 4 AS POLÍTICAS PÚBLICAS AGRÍCOLAS DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL SIMÃO DIAS E EM POÇO VERDE DE EM Conseqüentemente, o desenvolvimento territorial rural conduz ao arranjo dos territórios rurais através da inserção da lógica capitalista, oferecendo ao recorte local uma gama de ações sócio-produtivas não condizentes com as características reais meio rural simão-diense e poçoverdense. O modelo de política de desenvolvimento territorial rural em Simão Dias e em Poço Verde representa as transformações econômicas, sociais, produtivas e ambientais que estabelecem um cenário de expropriação de valor relacionada com a lógica capitalista. A partir desta lógica, define-se uma nova dinâmica construtiva do espaço através das novas ações e dos novos objetos técnicos produzidos pelo capitalismo agrícola. Assim, surgem algumas discussões acerca do papel da ação estatal nas mudanças produtivas e na forma de utilização do programa de crédito rural pelos gestores de políticas agrícolas, quando estes utilizam os instrumentos financeiros para dinamizar as vendas de produtos agrodefensivos. 5 O PAPEL DA AÇÃO DO ESTADO NAS MUDANÇAS EMPREENDIDAS NO ESPAÇO AGRÁRIO EM SIMÃO DIAS E EM POÇO VERDE. As Políticas Públicas Agrícolas articuladas para dinamização dos territórios rurais em Simão Dias e em Poço Verde correspondem ao contexto de ocorrência do processo nacional de implantação sobre o meio rural nordestino dos aparatos produtivo-tecnológicos (insumos, tratores e agrotóxicos) advindos da Modernização Conservadora Capitalista. Mesmo com a intencionalidade de uso das Políticas Públicas Agrícolas para dinamizar a estrutura produtiva da agricultura familiar tradicional, nota-se a existência de uma rede de poder que corresponde aos interesses das elites locais e do capital internacional. A própria estruturação das políticas deve corresponder à demanda dos agentes externos (bancos e empresas de produtos agrodefensivos). Isto reduz o poder de decisão local das comunidades rurais e amplia os projetos de desenvolvimento territorial rural que contradizem as especificidades dos territórios rurais. Desta forma, as políticas crédito rural passam a representar o principal meio para a reversão de lucros para as empresas produtoras de insumos e de implementos agrícolas. Os programas de crédito rural devem se destinar a compra de agrodefensivos e de sementes. Isto coloca os instrumentais de crédito dentro da ―camisa de força‖ da promoção dos produtos de valor agregado das multinacionais. Conforme Delgado (1985, p, 43a), a inserção do Estado revela a complexidade das políticas regulatórias que entremeiam as relações socioeconômicas no meio rural. Neste caso, É importante perceber como as esferas de regulação estatal se tornam cada vez mais onipresentes. Não tanto pelas novas funções, o que poderia dar uma idéia estática de funcionalidade do papel do Estado, mas, e principalmente, pela penetração por dentro da máquina do Estado [do Capitalismo] (DELGADO, 1985, p.43b). O Estado, particularmente, é o promotor das Políticas Públicas Agrícolas, mas não há uma autonomia decisória em relação à busca de ações que consigam minorar as forças de pressão do capitalismo internacional. Há uma intensa penetração de grupos de pressão capitalistas nas ―esferas de regulação‖, produzindo uma nova gama de ações e objetos que dinamizam incoerentemente os territórios rurais sem preciso atentar para suas especificidades ou a heterogeneidade de composição sócio-produtiva. A presença do aparelho regulatório do Estado redefine todas as ações locais e a démarche de reconstrução do espaço rural local, atentando para a supremacia decisória dos grupos de pressão. A atuação da lógica dos grupos de pressão capitalista ocorre com a constituição de uma ―esfera normativa‖ (Delgado, 1985, p: 43a). A esfera normativa define o campo de atuação e as estratégias a serem empreendidas nos territórios rurais. As normas criadas orientam os policies markers (elaboradores de políticas públicas agrícolas locais: prefeitos e representantes sindicais rurais) na elaboração das propostas de políticas voltadas às comunidades rurais e aos territórios. Revela-se que esta esfera normativa deve trazer sempre embutida as imposições capitalistas. A prefeitura e os sindicatos de trabalhadores rurais mantêm diálogos conflitantes na tentativa de buscar soluções para os problemas sociais (pobreza e desemprego rural) e ambientais nas comunidades de agricultores. O impasse é mais uma estratégia de efetuação do projeto expropriador capitalista para empreender um projeto de exploração das estruturas produtivas agrícolas locais, desprezando a reversão da pobreza e o atraso socioeconômico e a sustentabilidade ambiental e produzindo uma ação baseada no financiamento reverso e ações anti-sinérgicas. No desencontro das estruturas de políticas de modernização agrícolas com as especificidades sócioambientais, descobre-se que as ações políticas foram deliberadas para a implantação de insumos e de tecnologia. Em Simão Dias e Poço Verde a especialização agrícola e a introdução de novos cultivares só, obstinadamente, atentam para as novas necessidades de expansão das compras extra-setoriais e do uso de novas técnicas baseadas na manipulação de produtos agrodefensivos, garantido a reversão de lucros para atravessadores, banqueiros e empresas. O processo de modernização da agricultura simãodiense e poçoverdense, desenvolvido pelas Políticas Públicas Agrícolas, trouxe atrelado um fluxo de marginalização tecnológica e técnica que desvincula o pequeno agricultor, num primeiro instante, da capacidade de capitalizar-se; isto é, afastar o produtor rural da condição mínima de reprodução social. No segundo momento, para estender os instrumentais produtivos idealizados para a lucratividade das empresas capitalistas produtoras de insumos, os pequenos agricultores são forçados a se modernizarem através dos endividamentos compulsórios causados pelas políticas de crédito rural. Para Delgado (1985, p. 97a), decorrentes das condições técnicas exógenas33 que afetam o setor agrícola através da introdução de implementos provenientes de ―pacotes tecnológicos‖ transferidos para a agricultura através das políticas agrícolas e do extensionismo rural, permite-se a criação de projetos de desenvolvimento territorial rural pautada na 33As condições técnicas exógenas estão relacionadas com os implementos das ações modernizadoras desenvolvidas pela globalização tecnológica. política de transformação da agricultura tradicional em agricultura química capitalista. Ademais, com estas políticas modernizantes, inicia-se a difusão de tecnologia sobre as comunidades rurais em duas etapas cruciais: 1. Adaptação das inovações biológicas a estratégias industriais das inovações mecânicos e físico-químicos; e 2. Estreita vinculação da adoção tecnológica à política de crédito rural e aos serviços de assistência técnica governamental (DELGADO, 1985, p. 97a). Tanto em Simão Dias como em Poço Verde, a introdução de colheitadeiras mecânicas, tratores e silos (contêineres) climatizados são características presentes nas etapas de implantação da modernização no meio rural. As inovações biológicas estão centradas na propagação das sementes geneticamente modificadas e uso de herbicidas e fungicidas. Além disso, a introdução de novas variedades de adubos químicos com alto potencial de potássio, fósforo e nitrogênio artificiais possibilitam a racionalização e a standardização do processo produtivo, substituindo os métodos tradicionais de preparação solo e adubação natural pelos agricultores por métodos artificiais e químicos de uso da terra. As etapas descritas por Delgado (1985, p. 97b) demonstram que o paradigma do produtivismo incorpora novos usos instrumentais e materiais para inserir uma nova forma de arranjo produtivo moderno nos territórios rurais, pautando-se nas mudanças significativas nas estruturas social, econômica e ambiental. Resolve-se, pois, nutri as ações capitalistas com a superação da forma produtiva agrícola tradicional. Assim que se constrói uma política de marginalização da forma agrícola tradicional, edificam-se novas propostas que, segundo os policies makers, são mais eficientes para o aumento da produtividade. A formação do produto social no território rural deve relacionar-se com os interesses do capitalismo industrial, o qual dispõe de um emaranhado de recursos técnicos que não atentam às exigências ambientais e não estão destinados ao processo de inclusão social no meio rural. Permite-se que os territórios rurais sejam áreas de teste e de implantação de produtos químicos. Todavia, vê-se o propósito de observar o desenvolvimento territorial rural dentro de propostas antisociais e anti-ambientais, edificando novas etapas de mudanças técnicas no cenário territorial rural através do aumento da presença nas esferas públicas das redes de poder capitalistas que redirecionam o foco das ações públicas para as comunidades rurais tradicionais de Simão Dias e de Poço Verde, objetivando a criação de veículos técnicos para a venda e ganhos de lucros das empresas capitalistas produtoras de insumos agrícolas. Daí arquiteta-se as linhas centrais de entendimento do uso dos programas de fomento da agricultura familiar e do crédito agrícola para atender os objetivos maximizadores de lucros das empresas multinacionais produtoras de insumos e de implementos agrícolas. 6 O CRÉDITO RURAL E AS MUDANÇAS NO MODO DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA FAMILIAR A política e o programa de crédito rural foram difundidos em Simão Dias e em Poço Verde no início dos anos oitenta. Esta fase corresponde à introdução dos empréstimos contidos a juros de longo prazo para compra de máquinas, custeio agrícola e seguro safra. No caso do crédito rural tais recursos se destinavam à produção de milho, feijão e pecuária. Tal processo de concessão do crédito só era possível através de uma seleção de agricultores que deveriam ter um perfil de produtor de alta escala, os quais eram tidos como aceitáveis quanto à capacidade de liquidar o endividamento a longo prazo nos bancos. Neste caso, o grande agricultor disponha de crédito facilitado (sem burocracia) e contrato de aval sem restrições devido à sua capacidade de liquidar os débitos no final do decurso produtivo. Entretanto, o principal dever do crédito rural era o atendimento total às necessidades de suporte financeiro à produção da agricultura familiar independente de seu porte produtivo. Por isso, o crédito rural é um dos mais importantes instrumentos de incentivo à produção agrícola, pois consegue potencializar importantes mudanças qualitativas no processo produtivo da atividade [agrícola]. Tanto foi justamente esse crédito, o principal instrumento de política estatal para a viabilização do novo modelo de produção, resultante do processo de modernização da agricultura (BUAINAIN et al., 2002, p. 1b). Isto estabelece a tentativa de empreender programas de desenvolvimento territorial rural que garantam a maximização da produtividade agrícola sem restrições ao aporte produtivo, estabelecendo uma política de inclusão aos benefícios do crédito rural. Contudo, existe uma lógica contrária nas propostas instituídas pelo programa de crédito rural que é representada pela garantia de promoção do projeto de modernização capitalista da agricultura através do uso compulsório de insumos e implementos agrícolas, voltando-se para o paradigma do produtivismo. O crédito rural, na sua fase inicial implantação em Simão Dias e em Poço Verde, corresponde à fonte de recursos que amplamente servem à difusão da modernização capitalista agrícola apenas para os grandes agricultores, os quais logram os benefícios da oferta de recursos voltados à produção agrícola. Esta situação perdura até meados dos anos noventa quando os programas de crédito rural tentam atender a demanda de agricultores de médio e pequeno porte. Estes são inseridos num novo modelo de políticas de crédito rural que se destinavam a estabelecer obrigatoriedades de compras compulsórias extrasetoriais34. Mesmo assim, há um direcionamento do uso do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) para a abrangência da modernização agrícola capitalista sobre a base produtiva agrícola familiar de médio e pequeno porte. O principal foco era gerar lucro para as multinacionais implantando um sistema de crédito rural que destruísse a autonomia da agricultura tradicional. Desta forma, em Simão Dias e em Poço Verde, produziram-se novas formas de ações pautadas na dinamização eficiente das cooperativas de crédito rural e das políticas de Fundo de Aval, tratando estas formas alternativas de dinamização coletiva como veículo ideal para implantação do projeto de ações contra as restrições ao crédito e ao dinamismo associativista das comunidades rurais. 7 O PRONAF, A CREATIVA E O FUNDO MUNICIPAL DE AVAL EM SIMÃO DIAS E EM POÇO VERDE: AÇÕES VOLTADAS AO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL COM REPOSTAS DIFERENTES No início dos anos 1980, nos municípios de Simão Dias e de Poço Verde, o crédito agrícola para custeio da produção era destinado aos grandes agricultores. Sempre no início do mês de março, os contratos passavam a ser firmados em cartório e com 34As compras extra-setoriais estão relacionadas a aquisição de produtos industrializados. No caso do setor agrícola, as compras abrangiam uma lista de insumos e implementos agrícolas. o próprio banco, sendo apresentada a escritura com a certidão de aval, a assinatura de três avalistas e a proposta hipotecária do grande proprietário rural. Tal custeio se caracterizava pela modalidade de duração que poderia ser estendido, de acordo com o contrato de concessão do empréstimo, para dois ou três anos. Os programas oficiais de crédito rural, diante do reconhecimento da importância de se disponibilizar recursos creditícios para os produtores familiares e da constatação do desempenho insatisfatório dos bancos comerciais no que se refere a essa atribuição - especialmente ao financiamento da agricultura familiar-, foram formulados de forma a romper com o racionamento de crédito e assegurar recursos a custos reduzidos e compatíveis com a lógica produtiva das atividades agropecuárias, particularmente daquelas desenvolvidas pelos produtores familiares [grande porte] (BUAINAIN et al., 2002, p.2a). Para Buainain et al. (2002, p.2b), compreendia-se o contexto de implantação dos programas oficiais de crédito rural através das adaptações às condições desses grandes produtores agrícolas familiares as exigências normativas do financiamento agrícola Neste caso, três instrumentos poderiam ser utilizados para garantir o acesso dos agricultores familiares de grande porte: A oferta de recursos, assegurando um fluxo autônomo de recursos para o crédito rural por intermédio de regulamentações e da destinação de fundos públicos fiscais; As taxas de juros, adotando uma política de remuneração branda e com alto percentual de subsídio; e As condições de acesso, com redução da burocracia relacionada aos contratos de crédito e das garantidas exigidas. (MDA, 2003) Porém, de acordo com Schneider et al. (2004, p.21), a criação do PRONAF representou, em meados da década de 90, ―o reconhecimento e a legitimação do Estado em relação às especificidades de uma nova categoria social – os agricultores familiares-, que até então era designada por termos como pequenos produtores, produtores familiares, produtores de baixa renda ou agricultores de subsistência‖. Para Abramovay e Piketty (2005, p. 56), o PRONAF é ―uma exceção inovadora e indica um caminho para que a distribuição de ativos (no caso, do crédito rural) seja uma das bases do processo de crescimento econômico‖. Apesar da utilidade do PRONAF como aparente programa de inclusão do pequeno agricultor ao crédito rural, a realidade explica que um número bem significativo dos pequenos agricultores familiares encontrava-se desprovido das vantagens ofertadas pelo programa nos municípios de Simão Dias e Poço Verde. Porém seus critérios de atuação se destinavam ao atendimento de toda comunidade rural carente, mas, na realidade, a forma de acesso demonstrava o contrário: para o acesso dos pequenos produtores rurais era necessária a montagem de um grupo de dez pessoas. Assim, revela-se que o PRONAF não se destinava ao atendimento do pequeno agricultor de maneira individual, mas estabelece uma restrição ao produtor através da dimensão de sua propriedade. Se a propriedade do pequeno agricultor fosse menor que cem hectares, exigir-se-ia que este produtor constituísse um grupo de 10 agricultores para o pedido de empréstimos. O critério de atuação do PRONAF estabelecia, aparentemente, um perfil ideal de produtor agrícola familiar, que deveria ser contemplado com o crédito rural do programa: Em relação à delimitação do público alvo, o programa atende especificamente os agricultores familiares, caracterizados a partir dos seguintes critérios: 1) Possuir, pelo menos, 80% da renda familiar originária da atividade agropecuária; 2) Deter ou explorar estabelecimento com áreas de até quatro módulos fiscais (ou até seis módulos quando a atividade do estabelecimento for pecuária); 3) Explorar a terra na condição de proprietários, meeiro, parceiro ou arrendatário; 4) Utilizar mão-de-obra exclusivamente familiar, podendo, no entanto, manter até dois empregados permanentes; 5) Residir no imóvel ou aglomerado rural ou urbano próximo; 6) Possuir renda bruta familiar anual de até R$ 60.000,00. (SCHNEIDER et al., 2004, p.25) Ainda é possível observar que, em Simão Dias e em Poço Verde, a estrutura de rendimento per capita rural está diretamente vinculada à pequena produção agrícola qualificada como de baixo nível de renda-produto. Porém, a solução encontrada pelo comitê gestor municipal35, sindicatos, MST e Juventude Rural de Simão Dias e de Poço Verde é elaborar um projeto alternativo que conceda à pequena agricultura familiar 35Neste caso, destacam-se os Comitês Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável. local, além do apoio técnico, o apoio financeiro e a assessoria de comercialização para os produtos agrícola obtidos na região bem como o acesso aos mercados localizados em Sergipe e em outros estados. Para tal fim, é fundada a Cooperativa de Crédito Rural de Simão Dias, Poço Verde, Tobias Barreto e Pinhão (CREATIVA), criando-se também um organismo nãogovernamental responsável em dar suporte aos projetos empreendidos pela cooperativa: a Sociedade de Apoio SócioAmbientalista e Cultural (SASAC). A CREATIVA conta com apoio e participação dos organismos locais, entre os quais: - A Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Sergipe (FETASE); - As Prefeituras Municipais de Simão Dias, Pinhão, Poço Verde, Pinhão e Tobias Barreto; - Os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Simão Dias, Pinhão, Poço Verde, Pinhão e Tobias Barreto; - O Grupo de Jovens de Pinhão, de Poço Verde, de Tobias Barreto, Pinhão e de Simão Dias (Juventude Rural). - A Rádio Tropical FM (Emissora de Rádio Regional). A CREATIVA é a primeira cooperativa de crédito rural a atuar no Estado de Sergipe, garantindo auxílio ao trabalhador rural e ao pequeno e médio agricultor, desburocratizando o acesso ao crédito rural e aos programas de desenvolvimento territorial rural. O MDA coloca a CREATIVA como instituição de ―Ação Organizativa‖36. Para isto, é elaborado um quadro de ações e de agentes beneficiados pelos projetos de desenvolvimento territorial rural e ambiental desempenhados pela CREATIVA nos municípios atendidos. Algumas ações da CREATIVA compreendem: 36A ―Ação Organizativa‖ constitui uma forma de sinergia entre atores produtivos agrícolas (agricultores) e institucionais (prefeituras, bancos e ongs). A Constituição de cooperativas de crédito rural (Poço Verde, Simão Dias, Tobias Barreto e Pinhão) – 150 agricultores; A Crédito Fundiário – formação de grupos (Simão Dias, Tobias Barreto, Pinhão e Poço Verde) – 45 agricultores familiares; A Avaliação do mercado de terra (Sergipe); A Capacitação – 120 jovens rurais; O volume de contratos de concessão de crédito rural em Simão Dias e Poço Verde passam a está vinculado, necessariamente, aos programas de ações deliberativas da CREATIVA, da SESAC e dos organismos que apóiam o programa de crédito rural (como prefeitura e sindicatos rurais locais). Os territórios rurais ainda não estão longe do paradigma produtivista. Mesmo com as melhorias em termo de relações sinérgicas entre agricultores e organismos sindicais, bancos e órgãos públicos municipais, há ainda lacunas para serem preenchidas nos projetos de desenvolvimento rural local nos povoados, tais como a da criação das associações de Economia Solidária Rural nos povoados. Além de novas perspectivas e direcionamentos para a CREATIVA há a dinamização de novas cooperativas como a Cooperativa de Agricultura Familiar e Economia Solidária (COOPERAFES) em Simão Dias e das cooperativas ligadas as atividade pluriativas, entre elas, de artesanato. Outra forma de ação voltada ao desenvolvimento territorial rural anterior ao surgimento da CREATIVA, o Fundo Municipal de Aval, ocorre no município de Poço Verde como forma de favorecer o acesso do pequeno produtor rural ao crédito rural, tendo na Prefeitura Municipal de Poço Verde seu único avalista. O Fundo Municipal de Aval na cidade de Poço Verde beneficia apenas um agricultor por família, sendo que o principal critério de acesso era a certificação de posse de uma área de até três hectares cultivados. A partir do segundo ano, o programa estende-se à participação de todas as famílias de agricultores independente da dimensão de área cultivada. Estes são enquadrados nos critérios do PRONAF através das normas de acesso do programa do Fundo Municipal de Aval, ampliando assim a concessão por área agricultável. O Fundo Municipal de Aval de Poço Verde constitui-se em programa alternativo de desenvolvimento territorial rural através do acesso de agricultores poçoverdenses ao crédito rural independente de sua capacidade produtiva. A iniciativa da Prefeitura Municipal de Poço Verde constituiu-se como programa de garantia de acesso direto do agricultor familiar ao crédito rural reconhecida e premiada nacionalmente. Através deste reconhecimento, o Fundo Municipal de Aval passou a vigorar como ―Protocolo de Cooperação Financeira celebrado entre o Banco do Brasil e Prefeitura (Prefeitura Municipal de Poço Verde)‖, sendo apoiados pelas Associações Comunitárias Rurais, MST e pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Poço Verde; não sendo assim um programa de crédito restritivo, mas um instrumental de política pública local que facilitou o acesso direto dos pequenos agricultores ao financiamento para as atividades de custeio agrícola. Nos anos em que vigorou em Poço Verde, 1997 a 2002, o Fundo Municipal de Aval de Poço Verde tentou promover a inclusão de pequenos agricultores familiares no programa de Crédito Agrícola do PRONAF e Seguro Safra, garantindo também o escoamento da produção agrícola da região através de programas de comercialização direta e indireta. O que mais intriga na experiência de Poço Verde, em Sergipe, é a com que se propaga para outros municípios. Os resultados, segundo o relato dos que animaram a experiência, são notáveis. Das 3.917 famílias com acesso a crédito de custeio em Sergipe, em 1997, nada mais de 17.660 estão em Poço Verde (ABRAMOVAY; VEIGA, 1999, p. 29a). Com a criação do programa, o município de Poço Verde consegue uma safra de 20 mil toneladas de milho, e 10 mil toneladas de feijão, permitindo uma arrecadação de ICMS no valor de um milhão e quatrocentos mil reais no ano inicial de implantação do programa (1997). Estes indicadores positivos só foram possíveis pelo acesso dos pequenos agricultores ao crédito através do Fundo Municipal de Aval, desvinculando-os dos problemas com agiotas locais e atravessadores de outros estados. (ABRAMOVAY; VEIGA, 1999, p. 29b) A priori, a partir de janeiro de 2002, o modelo de Fundo Municipal de Aval do município de Poço Verde começa a sofrer alguns entraves devido a vários fatores, entre eles estão: - A inadimplência entre os agricultores; - A prefeiturização (clientelismos públicos entre prefeitos e grandes agricultores); - O não cumprimento das exigências firmadas com os bancos (dimensão das áreas e documentação); O Modelo de Fundo Municipal de Aval poçoverdense deixa de existir em março de 2002. Mesmo com tentativas frustradas de revitalização do programa em 2003, a prefeitura não conseguiu repetir os resultados dos anos promissores do programa. No entanto, o modelo firma-se como alternativa de projeto desenvolvimento territorial rural emblemático voltada à geração de emprego e renda nas comunidades rurais carentes e possibilita que alternativas semelhantes tais como associação para crédito rural subsidiados pelas prefeituras possa existir em âmbito local. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS O Desenvolvimento Territorial Rural em Simão Dias e em Poço Verde promove um modelo de desenvolvimento rural e local que atende aos requisitos do paradigma produtivista. Desta forma, todos os programas e projetos empreendidos objetivam o desempenho produtivo local. Não há, nesse caso, uma forma para superar os entraves produtivos baseando-os no enfoque socioeconômico solidário, isto é, não são necessários estudos aprofundados para criação de programas eficientes de combate à pobreza e à degradação ambiental no meio rural simãodiense e poçoverdense. Este fato é motivado pela barreira do ideário produtivista presente nas ações governamentais sobre o Espaço Agrário. Os projetos criados em Simão Dias e em Poço Verde não se destinam a atender às especificidades locais no tocante aos programas de independência financeira e sustentabilidade ambiental nas comunidades rurais. Deve-se aprimorar apenas a parte produtivista do sistema agrícola local. Desta forma, todas as formas de integração local entre agricultores familiares não produzem resultados eficientes destinados à promoção de ganhos de conhecimento e independência financeira. O contexto gerado apenas induz à visão de um projeto de desenvolvimento local relativo à busca de inserção do Espaço Agrário dos municípios sergipanos de Simão Dias e de Poço Verde à lógica de ações que visem o ganho de lucro para o capitalismo agrícola. Portanto, as Políticas Públicas Agrícolas baseadas no custeio agrícola, no acesso ao crédito rural e na promoção do fortalecimento da agricultura familiar expõem as falácias das políticas macroeconômica, macro-sociais e macro-ambientais, não permitindo a percepção formal da compatibilidade existente entre tais políticas agrícolas e a realidade socioeconômica e física dos territórios rurais. A solução será desenvolver um novo modelo de desenvolvimento rural sem uma ótica produtivista. Neste caso, os novos projetos deverão centrar esforços na formação de sinergias locais e promoção da agrobiodiversidade. Estes novos projetos poderão integrar o conhecimento tradicional do agricultor familiar às novas técnicas de gestão participativa e cooperativista solidárias, não desprezando o enfoque ambiental como principal proposta de construção de novas articulações produtivas agrícolas locais. Algumas estratégias locais como a Cooperativa de Crédito Rural e os Fundos de Aval Municipal são formas eficientes para auxiliar o processo de formação de renda para o agricultor familiar. Aliados a estas estratégias, tornam-se indispensáveis as medidas de integração Estado-Comunidades Rurais, priorizando a elaborações de projetos de desenvolvimento territorial mais condizentes com a capacidade empreendedora e inovativa do agricultor tradicional. 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, Ricardo. O Capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural. In: ABRAMOVAY, Ricardo. O futuro das Regiões Rurais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003. ABRAMOVAY, Ricardo; PIKETTY, Marie-Gabrielle. Política de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF): resultados e limites da experiência brasileira nos anos 90. In: Cadernos de Ciência e Tecnologia, Brasília, v. 22, nº1, jan./abr., 2005. ABRAMOVAY, Ricardo; VEIGA, José Eli da. Novas instituições para o desenvolvimento rural: o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). In: FIPE/IPEA, Textos para Discussão, Número 641, Brasília, abr., 1999. disponível em: www.ipea.gov.br/pub/td/td_99/td_641.pdf. Acessado: 20/07/2007. BUAINAIN, Antônio Márcio et al. Crédito rural, Fundos de Aval e Agricultores Familiares: Alguns elementos para a discussão. In: Seminário Internacional: ―Limites e possibilidades de mecanismos de garantia de crédito rural – a experiência dos países do Mercosul‖, Programa FIDA MERCOSUL, Secretaria Nacional de Agricultura Familiar, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Instituto de Economia da Unicamp,Campinas, São Paulo, março, 2002. DELGADO, Guilherme Costa. Capital financeiro e Agricultura no Brasil: 1965-1985. São Paulo: Editora Ícone Ltda., 1985. Capítulos 1 e 3. ILHA, Adayr da Silva. Formação de Recursos Humanos e Desenvolvimento Agrícola. In: TEXEIRA, Erly Cardoso (ed.). Desenvolvimento Agrícola na Década de 90 e no Século XXI. Viçosa, Minas Gerais: FINEP/FAPEMIG, 1993. LOCATEL, Celso D.; HESPANHOL, Antonio Nivaldo. Mudanças de paradigma e a nova concepção de desenvolvimento. In: II Encontro de grupos de pesquisa. Agricultura, Desenvolvimento Regional e transformações socioespaciais, Urbelândia, Minas Gerais, junho, 2006. MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário, Brasil). Referências para o desenvolvimento territorial sustentável. Brasília: MDA/IICA/Condraf/NEAD, 2003. (textos para discussão, 4). SCHNEIDER, Sérgio. A abordagem territorial do desenvolvimento rural e suas articulações externas. In: I Fórum Internacional Território, Desenvolvimento Rural e Democracia, IICA-Brasil e MDA, Fortaleza, Ceará, novembro de 2003. SCHNEIDER, Sérgio et al.. Histórico, caracterização e dinâmica recente do Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. In: SCHNEIDER, Sergio (org.). Políticas públicas e participação social no Brasil rural. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. PLANEJAMENTO AGRÍCOLA E SUSTENTABILIDADE SÓCIOECONÔMICA Marcelo Alves Mendes37 Josefa Eliane S. de Siqueira Pinto38 1 INTRODUÇÃO O trabalho em estudo tem a finalidade de fazer um acompanhamento das variações do ritmo climático (pluvial, térmico, etc.) relacionando-os com o desenvolvimento agrícola do município de Pão-de-Açúcar no Estado de Alagoas, almejando subsidiar um melhor planejamento das atividades humano-econômicas do município. Entendemos conceitualmente o ritmo climático a partir da proposta elaborada por Monteiro quando diz que: o ritmo climático só poderá ser compreendido através da representação concomitante dos elementos fundamentais do clima em unidades de tempo cronológico pelo menos diária, compatíveis com a representação da circulação atmosférica regional, geradora dos estados atmosféricos que se sucedem e constituem o fundamento do ritmo (1971, p. 9). De acordo com Monteiro, a escala de análise favorável para o estudo do ritmo climático se dá no âmbito regional pelo Prof° Mestre DGEI/UFS e doutorando pelo NPGEO/UFS. E-mail: [email protected] .br 38 Profª Doutora DGE/UFS. E-mail: [email protected] 37 motivo de que a sucessão de tipos de tempo se expressa geograficamente nesta escala. A introdução da análise rítmica no contexto das discussões científicas (Monteiro, 1971), possibilitou estudos integrados de forma sistêmica entre os elementos do clima, com o intuito de buscar respostas eficazes para dar explicações aos fatos ocorridos na natureza. É nesse contexto que tentaremos relacionar o rítmico climático através das variações anuais, por meio dos elementos climáticos, com a agricultura, sobretudo, com o crescimento dos cultivos e sua adequação. Além da análise rítmica da pluviosidade, estudaremos as conseqüências das variações da temperatura e suas repercussões para o crescimento dos cultivos, pois ―todos os cultivos possuem limites térmicos mínimos, ótimos e máximas para cada um de seus estágios de crescimento‖ (AYOADE, 1998, p. 264). O espaço geográfico do Nordeste e do Brasil encontra-se caracterizado do ponto de vista natural, pela sua tropicalidade em função de sua localização geográfica no globo terrestre. Assim, é de fundamental importância o estudo detalhado do clima através da análise rítmica, propiciando maior número de informações a respeito do comportamento atmosférico, favorecendo um melhor planejamento para as tomadas de decisões nas esferas públicas e privadas de acordo com as escalas de abrangência do poder local, regional ou nacional. Entendemos que apesar dos avanços técnico-científicos, o clima ainda é referência nas atividades agrícolas, pois afeta os estágios de produção, incluindo a preparação da terra, semeadura, crescimento dos cultivos, colheitas, armazenamento, transporte e comercialização. Ao se estudar o ritmo do clima em zona tropical, como é o caso do município de Pão-de-Açúcar, localizado no centro-sul do Estado de Alagoas, a pluviosidade é um dos elementos climáticos mais variável e significativo para a comunidade que tem suas atividades econômicas relacionadas com as condições climáticas. Nesse contexto, Monteiro diz que, Os tempos que atravessamos revelam sensível irregularidade no ritmo climático que, função dos nossos vínculos zonais e regionais a quadros climáticos intertropicais, se evidencia, sobretudo, na distribuição das chuvas (Op.cit. p. 1). Apesar da pluviosidade exercer importância fundamental para a análise rítmica e para a agricultura nas áreas tropicais, a avaliação das condições médias de temperatura ocupa interesse nas pesquisas climatológicas aplicadas ao mundo tropical, principalmente quando relacionada à vegetação e sua distribuição no tempo e no espaço. A área em estudo está situada no sudoeste do Estado de Alagoas, fronteira com o Estado de Sergipe, através do rio São Francisco. Pertence a zona fisiográfica do Sertão do São Francisco e sua sede municipal localiza-se na margem esquerda do rio, servindo de referência para dar-lhe nome. Possui uma população de 24.316 habitantes, com uma área de aproximadamente 661,8 Km2. A sede municipal dista 240 Km da capital. O município de Pão-de-Açúcar apresenta as seguintes coordenadas geográficas: 9o44‘46‖ de latitude sul e 37o26‘03‖ de longitude oeste, com uma altitude registrada na sede de dezenove metros. Através do conhecimento da análise rítmica do clima, por meio do comportamento das variáveis climáticas, e de outros elementos como: cálculo do balanço hídrico, da variabilidade e da tendência das condições climáticas, pode fazer um diagnóstico das condições ambientais, justificando ou não, as necessidades da intervenção do Estado através de políticas públicas destinadas a amenizar os danos negativos decorrentes das variáveis pluviométricas. Portanto, o objetivo do presente trabalho é analisar o comportamento do rítmico climático e suas relações com a agricultura na espacialidade de Pão-de-Açúcar numa perspectiva de contribuir para o desenvolvimento local. Com isto segue algumas questões de pesquisa norteadoras do trabalho constituindo a problematização base da presente pesquisa, tais como: Qual o ritmo climático de Pão-de-Açúcar? Que relação climática existe entre os fenômenos de escala local com os de escala global? As variações climáticas a curto, médio ou longo prazo têm provocado mudanças nas atividades sócio-econômicas do município? Quais as conseqüências ambientais e climáticas da construção da hidroelétrica de Xingo e que mudanças foram introduzidas na economia e nos hábitos da população? Qual a importância da agricultura para dinâmica econômica do município? Qual a relação entre o clima e a agricultura municipal? Será que existe relação direta entre clima e distribuição espacial das atividades agrícolas e pecuárias no município? Na estrutura agrária predomina a grande ou pequena propriedade? É possível que exista alguma relação entre clima e manipulação do poder político local ou regional? Enfim, qual a relação do ritmo climático e a organização espacial do município de Pão-de-Açúcar? Sendo assim, a partir da visão integrada dos elementos naturais e sociais seguidas do levantamento bibliográfico, podemos analisar o espaço geográfico e compreender a sua dinâmica organizacional. 2 PROCEDIMENTOS TÉCNICOS Qualquer procedimento de análise pressupõe o levantamento das informações disponíveis, quer referentes à bibliografia que servirá como referencial teórico-metodológico, quer à disponibilidade de dados, na busca de um diagnóstico mais apropriado e eficiente das condições humano-ambientais reinantes na área pesquisada. Assim, o trabalho foi desenvolvido obedecendo as seguintes etapas: Levantamento bibliográfico; Leitura e fichamento do material selecionado; Levantamento dos dados; Pesquisa de campo; Aplicação de questionário; Tabulação dos dados; Construção de gráficos e tabelas Análise e redação. O levantamento bibliográfico visou melhor compreender a realidade empírica dos conteúdos, a fim de subsidiar na interpretação da realidade do espaço em análise. Com o intuito de aprofundar o conhecimento da área em estudo foi desenvolvida uma pesquisa de campo, na qual foram aplicados quarenta (40) questionários distribuídos espacialmente em todo o município. Entendemos que a amostragem de questionário é quantitativamente satisfatória, devido à dimensão do municio (661,8 Km2) e ao reduzido número de povoados (aproximadamente 25 povoados). Assim, cada questionário representa, em média, 16 Km2, incluindo vazios demográficos. Paralelamente, foi realizada entrevista com o secretário de agricultura do município e com alguns trabalhadores locais. Para realização deste trabalho também foram utilizados dados do Instituto Nacional de Meteorologia – INMET, 3º Distrito de Meteorologia – 3º DISME, Seção de Observação e Meteorologia Aplicada – SEOMA, cujo posto de observação localiza-se nas coordenadas geográficas 9º44‘46‖ de latitude sul e 37º26‘03‖ de longitude oeste, com a finalidade de compreender a dinâmica dos fenômenos atmosféricos, no tempo e no espaço. Os dados obtidos foram tabulados e posteriormente confeccionados gráficos e tabelas com a finalidade de facilitar a compreensão dos resultados obtidos a partir da pesquisa de campo e de informações oficiais. A partir dos dados do período de 1977-2003, que perfazem 26 anos, elaborou-se gráfico de precipitação, coeficiente de variação, assim como, foi elaborado o cálculo do balanço hídrico utilizando o método de Thorntwaite & Mather (Tubelis & Nascimento, 1984). Os dados de área colhida, produção e produtividade, produção de rebanhos dentre outras informações a respeito da agropecuária foram fornecidos pela Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente – SEAMA, e adquiridos a partir da pesquisa de campo com a aplicação de questionário e com entrevistas. No tocante ao raciocínio desenvolvido no presente trabalho, foi o dedutivo, pois partimos de uma análise geral dos fenômenos atmosféricos e dos conceitos utilizados no decorrer da pesquisa, para depois chegarmos a conclusões das particularidades do espaço em foco. [...] O raciocínio dedutivo é um raciocínio cujo antecedente é constituído de princípios universais, plenamente inteligíveis; através dele se chega a um conseqüente menos universal. As afirmações do antecedente são universais e já previamente aceitas: e delas decorrerá, de maneira lógica, necessária, a conclusão, a afirmação do conseqüente. Deduzindose, passa-se das premissas à conclusão (SEVERINO, 2000, p. 192). Por fim, utilizou-se como base teórica na construção do presente trabalho a noção de ritmo climático desenvolvida por Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, pioneiro em tal temática a partir dos anos 70 com a publicação: Análise Rítmica em Climatologia (1971). No entanto, outros autores como Zavatini, Mendonça, Tarifa, Pinto, Ayoade, Sant‘Anna Neto, etc. foram fundamentais na realização do referido trabalho. 3 PLANEJAMENTO AGRÍCOLA No tocante ao processo de implantação das atividades agrícolas no território brasileiro percebe-se que há uma relação existente entre o tipo de colonização empreendido e a expansão do mercantilismo europeu do século XVI no qual objetiva explorar as riquezas naturais das colônias e enviá-las para a metrópole para alimentar o surgimento do sistema capitalista. Nesse contexto, a agricultura desempenha um papel importante no processo de formação das atividades econômicas e conseqüentemente na própria formação do espaço territorial brasileiro. A ocupação das terras brasileiras se deu a partir da implantação de plantations, no qual a agricultura visava atender os interesses econômicos e estimulando o crescimento do mercado exportador, contribuindo para a manutenção da estrutura fundiária altamente concentradora. Neste contexto, os cultivos de subsistência ficaram excluídos da pauta econômica, possibilitando a exclusão das pessoas sem acesso a terra, a renda e ao emprego, tendo como conseqüência um baixo padrão de vida. Para Andrade, tal forma de ocupar o espaço contribui para formação de uma sociedade concentradora de terra e de renda. As terras foram divididas em sesmarias com dezenas de milhares de hectares que se estendiam desde as proximidades do litoral baiano até o sul do Piauí e do Maranhão; o Oeste do Ceará, de Pernambuco, da Paraíba e do Rio Grande do Norte e do norte de Minas (1998. p. 225). Apesar da modernização da agricultura brasileira, as atividades agrícolas ainda convivem com técnicas rudimentares que prejudicam o solo e a produtividade da agricultura, assim como o próprio ambiente. Daí percebe-se a herança colonial deixada na agricultura brasileira. A partir dos anos 70 e 80 do século XX impulsionado pela terceira Revolução Industrial, o espaço mundial tem se reestruturado em ritmo intenso, propiciado pelos avanços tecnológicos e pela integração dos países por meio da globalização econômica. Tal progresso tecnológico tem sido o carro-chefe no processo de expansão do sistema capitalista. Nesse contexto, a agricultura como parte do processo não ficou de fora, principalmente no que se refere à produção e ao consumo. No entanto, a partir da inserção da agricultura na competitividade do mundo capitalista, a conseqüência foi a ampliação do desemprego e da fome em escala global, pois tal modernização veio beneficiar o grande produtor rural, excluindo do processo de modernização o pequeno produtor que não possuía capital e informação para se inserir nas transformações agrícolas. No Brasil, as mudanças constatadas no espaço rural resultaram da política de modernização, iniciada na década de 50, cuja tônica principal foi a adoção de medidas que vinculassem, de forma cada vez mais estreita, o setor agrícola ao setor urbano/industrial (PESSOA, 2000, p. 97). A implantação de um planejamento agrícola seja na esfera regional ou local, necessita do reconhecimento da área. Isto implica no estudo para caracterização dos elementos físicos como solo, relevo, vegetação, clima e outros, pois estes representam o suporte para a implementação de qualquer empreendimento rural. Neste sentido o conhecimento de alguns aspectos climáticos tem favorecido significativamente ao aumento da produtividade agrícola. Assim, busca a cada dia, o conhecimento a respeito de tal assunto com o intuito de diminuir os riscos de produtividade agrícola. Na agricultura, a água se constitui um elemento fundamental para o seu sucesso. Assim, a quantidade de água precipitada durante o ciclo de exploração agrícola, o volume e a quantidade de água armazenada pelo solo e possível de ser aproveitada pelo cultivo, a influência direta e indireta da temperatura são alguns dos elementos climáticos que motivam a pesquisa relacionada às atividades agrícolas. Entretanto, um dos estudos mais complexos nos estudos na área climática é a sua variabilidade tanto espacial quanto temporal, nas diversas escalas geográfica. A água é o elemento mais importante para a sobrevivência da vida no planeta. A vida, as atividades realizadas pelos homens, a sua saúde, o seu bem estar, como também o desenvolvimento e o progresso das regiões dependem dos recursos hídricos. Para se ter idéia da sua importância, a água também está presente nos vegetais, constituindo uma média de 95% na formação do fruto. Já o protoplasma dos animais contém cerca de 70% a 90% deste líquido. Portanto, a água serve como regulador térmico, tendo importância para a existência dos seres vivos. No estudo das limitações climáticas quanto à utilização da terra, o conhecimento das disponibilidades de água constitui um dos elementos mais importantes a considerar, especificamente em trabalhos ligados ao planejamento de recursos hídricos e a agricultura. O desenvolvimento da sociedade organizada e da agricultura sempre esteve vinculado ao controle da água, especialmente para a irrigação. Com os avanços da tecnologia, o grau de interferência aumentou assustadoramente; poucos são os sistemas existentes de drenagem inteiramente natural (Bastos e Freitas Apud CUNHA E GUERRA, 1999, p. 24). Não é interessante para o desenvolvimento das atividades agrícolas haver grande quantidade de água precipitada em uma determinada região, se não houver uma distribuição no tempo e no espaço, tendo em vista que o excesso é tão prejudicial quanto a falta de água para a produtividade nas áreas rurais. A obtenção dos recursos hídricos agregados ao uso dos solos está relacionada direta ou indiretamente, às condições climáticas. Sob esse ponto de vista, há o seguinte relato: O clima e as variações climáticas exercem influência sobre a sociedade. O impacto do clima e das variações climáticas sobre a sociedade pode ser positivo (benéfico ou desejável) ou negativo (maléfico ou indesejável). As sociedades têm muitas vezes visto o clima basicamente como um fator negativo e o têm negligenciado como recurso. Contudo, o clima é tanto um fator negativo, como recurso, dependendo do tempo local e dos valores envolvidos nos parâmetros climáticos (AYOADE, 1998, p. 288). Os fatores climáticos, também possuem importância fundamental na distribuição dos seres vivos, principalmente no que diz respeito a vegetação. Os limites, superior e inferior de tolerância das plantas com relação à temperatura, luz, vento, umidade e pluviosidade, são bem definidos para cada espécie. Excesso ou ausência de qualquer um destes fatores resulta na incapacitação para o desenvolvimento do ciclo vital: não há, por exemplo, germinação, crescimento, floração ou frutificação satisfatória. A grande biodiversidade dos trópicos deve-se essencialmente aos fatores climáticos, onde há alta incidência dos fatores anteriormente descritos. Diante disso, percebemos a importância dos estudos climáticos para se planejar coerentemente uma atividade agrícola. Ou seja, devemos ter conhecimento do comportamento têmporo-espacial dos elementos do clima, para saber a viabilidade de investimentos. Mesmo com o avanço tecnológico, tornam-se necessários estudos específicos, pois as tecnologias têm o objetivo de gerar produtividade sem se preocupar com a degradação e sem ter conhecimento se as condições naturais são favoráveis ou não para receber o progresso tecnológico. 4 ANÁLISE SÓCIOECONÔMICA O estudo demográfico é importante para o desenvolvimento da humanidade. Assim, é preciso conhecer o total de habitantes que vivem na comunidade, seu ritmo de crescimento, sua distribuição espacial, suas necessidades, seu gênero de vida, bem como outros aspectos, para que se possam elaborar projetos de desenvolvimento social e econômico para a população. Outrossim, serviu de base para a análise rítmica do clima tal como proposto na essência, quando deve considerar todo o contexto geográfico. Partindo deste princípio, este item analisa dados sócioeconômicos de Pão-de-Açúcar, cujo intuito é diagnosticar o quadro humano, ao mesmo tempo, que busca a integração com os fenômenos de ordens naturais. Assim, o município apresentou em 2003 uma população absoluta de 24.316 habitantes, com uma área de aproximadamente 661,8 Km2, tendo uma densidade demográfica na ordem de 36,74 hab./Km2. A população encontra-se má distribuída em seu território, havendo uma maior concentração na sede do município e na margem do rio São Francisco. Tabela 01. Aspectos Gerais de Pão-De-Açúcar - AL Ano Unidade Quantidade Área Urbana 2003 Km2 05 Área Rural 2003 Km2 656,8 Área Total 2003 Km2 661,8 Distância da Sede à 2003 Km 248 capital Pluviosidade Média 2003 mm 583 Povoado 1999 Unid. 25 Fonte: Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente (SEAMA), 2004 Percebe-se na tabela 01 que o território municipal é constituído em sua grande maioria, 99,24% por áreas rurais, refletindo a importância das atividades primárias na economia local e conseqüentemente na fonte de renda e qualidade de vida dos trabalhadores do município, o que ratifica a necessidade de conhecimento de suas condições climáticas. O percentual de população que reside em áreas rurais é de aproximadamente 64,06% contra 35,94% de pessoas que residem nas áreas urbanas, o que demonstra outrossim, a necessidade de políticas públicas voltadas para os trabalhadores do meio rural, objetivando sua permanência e reprodução de forma humana. No que se refere a distribuição da população de acordo com sexo, o município apresenta-se dentro da média nacional (50,8% sexo feminino) com um percentual de 50,86% da população constituído por mulheres, conforme tabela 02, de dados referentes a 1999, publicados em 2000. Tabela 02. Pão-de-Açúcar – AL: Aspectos Demográficos Ano Unid. Pop. Pop. Urbana Rural População Total 1999 Hab. 8751 15600 Total 24351 População 1999 Hab. 3160 8805 11965 Masculina População 1999 Hab. 2626 9760 12386 Feminina Densidade 1999 Hab/km2 8,2 16,8 32,5 Demográfica Taxa de 1999 % 0,5 12,5 32,5 Crescimento Fonte: Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente (SEAMA), 2000 No trabalho de campo, foram aplicados 40 questionários distribuídos espacialmente pelo município de Pão-de-Açúcar, numa amostra selecionada dos entrevistados, 95% são casados, apresentando uma média de idade de 45,57 anos e uma taxa de fecundação de 5,35 filhos por mulher. A partir dessas informações e de outras variáveis, constatou-se um baixo nível de vida da comunidade, reflexo da falta de renda, educação e de outros indicadores sociais como saúde, moradia, alimentação dentre outros, numa conseqüência padrão de áreas comuns. A partir da análise dos questionários constatou-se que 30% dos entrevistados apresentam famílias na faixa de 0 (zero) a 2 (dois) filhos por casal, seguido do percentual de 12,5% das famílias que tem 3 (três) a 4 (quatro) filhos, conforme dedução dos dados na tabela 03. Do ponto de vista educacional, 75% dos entrevistados possuem apenas o 1º grau incompleto e 25% é composto por agricultores analfabetos. A falta de informação é um dos elementos responsável pelo êxodo rural, ou seja, pela saída do homem do campo para a cidade tendo em vista, não terem conseguido se adequar à nova realidade de agricultura brasileira baseada na modernização do campo. Tais fatos contribuem para ampliação de bairros pobres assim como para o surgimento de favelas, aumento do número de desempregados, dentre outros problemas sociais, como a falta de moradia, saúde, lazer repercutindo na baixa qualidade de vida, nas áreas urbanas. Tabela 03. Pão-de-Açúcar – AL: Tamanho das Famílias Tamanho da família Número de famílias % 0–2 12 30 3–4 5 12,5 5–6 9 22,5 7–8 4 10 9 – 10 7 17,5 + 10 3 7,5 Fonte: Pesquisa de campo, 2004 A realidade do campo confirma dados e teorias oficiais vistos, por exemplo, na tabela seguinte. Tabela 04. Pão-de-Açúcar – AL: Educação Municipal Ano 7 a 11 12 a 17 Acima de anos anos 17 anos Taxa de Evasão 2000 10,54 5,46 1,00 Taxa de Reprovação 2000 22,08 9,50 0,50 Taxa de 2000 20,00 10,00 20,00 Analfabetismo Fonte: Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente (SEAMA), 2000. A taxa de evasão e o índice de reprovação são considerados elevados repercutindo em uma acentuada taxa de analfabetismo no município, fato este, que é mais um dos elementos responsáveis pelo nível de subdesenvolvimento e dependência da comunidade diante das pretensões políticas com medidas paliativas ou assistencialistas. Outra informação que caracteriza a realidade do município, de acordo com o conhecimento empírico, é que a maior parte da comunidade trabalha em propriedades particulares (60%). Tal fato reflete a má distribuição da terra e conseqüentemente da renda, tendo em vista que o município apresenta uma elevada aptidão rural, com um destaque para as atividades pecuárias. Assim, os cultivos priorizados em tais propriedades são aqueles de período curto destinados ao mercado interno e a sua própria subsistência, assim como da família. Um dos cultivos produzidos nas áreas onde a tecnologia encontra-se presente por meio da irrigação e outras técnicas de produção é a produção de melancia destinada ao abastecimento das feiras livres das cidades circunvizinhas, gerando trabalho e renda, conforme figura 01. Figura 01. Produção de Melancia. Foto: Marcelo Alves Mendes (2004). A deficiência de informação aliada a falta de terra, 35% dos trabalhadores pesquisados buscam outras atividades com o intuito de complementar a renda familiar, assim como para trabalhar nos períodos de estiagens prolongadas. Como a comunidade produz em pequena escala, destinada ao mercado local, tem-se que aproximadamente 75% dos entrevistados não possuem mão-de-obra complementar, ou seja, empregados para ajudar desenvolver as atividades agrícolas. Tal fato pode ser evidenciado na tabela 05, conforme informações colhidas a partir de aplicação de questionários. Tabela 05. Pão-de-Açúcar – AL: Número de empregados por propriedade Nº Empregado Proprietário Porcentagem (%) Não possui 30 75% empregado 1–3 6 15% 4–6 3 7,5% +6 1 2,5% Fonte: Pesquisa de campo, 2004. As informações demonstradas na tabela anterior sinalizam que a atividade agrícola do município, uma das principais fontes de renda, se caracteriza por apresentar baixo nível tecnológico, falta de acompanhamento técnico e pequena produtividade, refletindo no processo de subordinação do agricultor diante dos interesses do capital. Uma parte da produção dos cultivos destina-se a subsistência da família, enquanto outra parcela é vendida na feira local com o intuito de criar um excedente (capital) para adquirir os produtos não produzidos. Ainda neste contexto, uma outra parte da produtividade destina-se a produzir ração para alimentar os animais, tais como: boi, galinha, porco, ovelhas dentre outros, com a finalidade de obter uma reserva financeira para resolver os eventuais problemas de saúde, moradia, alimentação, etc. No que se refere ao armazenamento da produção, conforme informação colhida na aplicação dos questionários, 25% possuem áreas propícias para estocagem da produção com a finalidade de alimentar os animais nos longos períodos de estiagens. De maneira geral percebe-se que existe uma relação direta entre os cultivos agrícolas e o conhecimento empírico do agricultor, sobretudo, no que se refere à escolha do período de plantio, os cultivos a serem plantados, o período de preparo da terra, a época chuvosa, dentre outros conhecimentos adquiridos a partir do seu cotidiano. Assim foi identificado que 95% dos produtores informaram que o melhor período de plantio se dá no trimestre abril-maio-junho, com um destaque para o mês de maio eleito como o período mais favorável ao plantio de seus produtos. Daí intui-se o nível de dependência das condições naturais (chuva) para o sucesso das atividades agrícolas do município em foco, tendo em vista que apenas 20% dos agricultores utilizam a técnica da irrigação em suas propriedades. Nesse contexto, a maioria dos trabalhadores alega a falta de condições econômicas o motivo de não irrigar suas lavouras (Figura 02). Figura 02. Produção de Maracujá e Mamão Irrigado. Foto: Marcelo Alves Mendes (2004). É oportuno mencionar que todas as áreas onde são empregadas técnicas de irrigação em seus cultivos encontram-se nas proximidades do leito do rio São Francisco, enquanto as áreas mais distantes do leito possuem problemas, inclusive falta de abastecimento para o consumo familiar. Assim, constatou-se que os 20% dos agricultores privilegiados pela técnica de irrigação, obtém resultados promissores, pois consegue extrair de três a quatro colheitas durante o ano, a depender do tipo de cultivo, enquanto os produtores que dependem dos fenômenos naturais (chuva) para obter êxito em sua safra, ficam a mercê do comportamento atmosférico reinante na área resultando em baixa produtividade agrícola, tendo apenas uma colheita por ano. Como resultado da modernização agrícola e do manejo inadequado solo, enfrenta-se atualmente desequilíbrios ambientais. Não resta dúvida que qualquer atividade agrícola favorece o processo erosivo, no entanto, algumas culturas associadas a diferentes técnicas poderão provocar maior ou menor grau de erosão e, conseqüentemente, empobrecimento do solo, tendo como conseqüência a queda da produtividade. De acordo com a tabela 06 pode-se perceber que de maneira geral não são utilizadas técnicas que busquem a proteção do solo e sua fertilidade natural. Tabela 06. Pão-de-Açúcar – AL: Técnicas Agrícolas de Proteção ao Solo Técnica Proprietário Porcentagem (%) Rotação de cultura 15 37,5% Pousio 14 35% Possui Trator 5 12,5% Faz queimada 37 92,5% Fonte: Pesquisa de campo, 2004. Grande parte dos trabalhadores rurais do município, por tradição, prepara a terra para o plantio usando técnicas rudimentares como o uso de boi de arado, queimadas, enxadas, foices e outros equipamentos que caracteriza o baixo nível de modernização praticada na atividade agrícola. Pode-se identificar na amostra, um elevado percentual de agricultores que utiliza queimadas como técnica para o preparo da terra agrícola. No entanto, tal prática possibilita um maior desgaste e empobrecimento do solo, além de deixar o solo descoberto de vegetação, tornando-se mais vulnerável aos agentes erosivos, fotografado no trabalho de campo, evidenciado na foto a seguir (Figura 03). Figura 03. Solo sem Cobertura Vegetal. Mendes (2004) Foto: Marcelo Alves A cobertura vegetal também tem importância direta na produção de matéria orgânica das partículas constituintes do solo. Além disso, as raízes podem ramificar-se no solo e, assim, ajudar na formação de agregados. [...] demonstrou que as práticas agrícolas, além de reduzir a cobertura vegetal permanente dos solos, podem tornar certos solos mais sensíveis à erosão, pois a diminuição do teor de matéria orgânica reduz a resistência dos agregados ao impacto das gotas de chuva (Morgan Apud CUNHA & GUERRA, 1998, p. 163). A mata é também o recurso natural que minimiza os efeitos catastróficos das enxurradas, sem contar com a sua participação na diminuição da taxa de erosão dos solos, pois a cobertura vegetal serve de proteção ao primeiro contato da gota de água precipitada no solo, evitando assim, a desagregação das partículas. Além dessas contribuições, a vegetação faz com que o escoamento superficial ocorra de forma difusa, propiciando uma menor taxa erosiva, pois é sabido que o desgaste se dá com maior intensidade no escoamento superficial concentrado. No que tange ao acompanhamento técnico da agropecuária do município de Pão-de-Açúcar, 87,5% disseram que não há nenhum tipo de acompanhamento, seja, pela iniciativa pública ou privada. Tal fato reflete-se na baixa produtividade agrícola da localidade. Apenas um proprietário informou que há acompanhamento técnico fornecido por parte da EMATER-AL. Talvez, pelo fato da agricultura do município depender primordialmente das condições naturais como é o caso da chuva, 67,5% dos entrevistados responderam que a atividade mais rentável é a pecuária, enquanto que apenas 32,5% disseram que a agricultura é mais lucrativa (Figura 04). A respeito da importância do clima para os agricultores, 100% dos produtores responderam que o fator responsável pela euforia, ou seja, pela sensação de bem-estar, de alegria do trabalhador seria a chuva, pois ela traz melhores perspectivas de vida para a população do campo. Por outro lado, 100% afirmaram que a seca seria responsável pelo desânimo do produtor do campo, gerando a miséria e fome. Figura 04. Armazenamento de Água em Barragem. Foto: Marcelo Alves Mendes (2004). Com isso percebe-se a importância do estudo do clima para a localidade pesquisada, pois as principais atividades econômicas dependem das condições naturais, em especial a chuva, para obtenção de êxito na produtividade e conseqüentemente na renda. Os meses de fevereiro e setembro são identificados como os meses mais quentes do ano, sendo que 65% informaram que 1970 foi o ano mais seco que eles tem lembrança. Uma parcela menor da população diz que o início da década de 80 foi o período mais seco que eles já perceberam. Com relação ao período mais chuvoso, a maior parcela dos entrevistados respondeu que o início do século XXI foi o período mais chuvoso, sobretudo, o ano de 2004. No entanto, os elevados índices pluviométricos não trazem benefícios para a comunidade devido a sua irregularidade, ou seja, em função da má distribuição das chuvas no tempo e no espaço. A concentração das chuvas tem provocado rompimento de barragens, erosão do solo, enxurradas, morte de animais e destruição de pontes que dão acesso a sede do município desregulando a dinâmica econômico do município. Por outro lado, não se pode esquecer, que a chuva é sinônimo de esperança de melhoria do pequeno agricultor, pois a sua sustentabilidade está relacionada ao comportamento atmosférico (Figura 05). Figura 05. Rompimento da Barragem. Foto: Marcelo Alves Mendes (2004). Formas de adaptação do pequeno produtor as condições de estiagens, são produção de cultivos mais resistentes às elevadas temperaturas e à falta de água como o caso da palma, destinada alimentar os animais. Da mesma maneira são construídos silos para armazenar a produção, que irá servir de alimento durante o longo período sem chuva. Porém, essas estratégias de sobrevivência e permanência do produtor na área rural não refletem a realidade da totalidade dos trabalhadores, pois a maior parcela deixa de cultivar os produtos agrícolas durante todo o período de estiagem em função da falta de capital para investir em técnicas agrícolas que contribuíssem para mantê-los produzindo ao longo do ano. Tal fato proporciona a saída de trabalhadores em direção a zona de produção agrícola ou ainda buscam atividades alternativas como meio de sobrevivência nas áreas urbanas como é o caso de aproximadamente 30% da população que vive nas cidades. Esse fato é refletido na falta de informação do produtor no que se refere ao conhecimento técnico de produção. Neste contexto, apenas 15% disseram conhecer algum órgão de apoio ao pequeno produtor, cujos mais citados foram: Banco do Nordeste, Emater, Visão Mundial (ONG) e Associação. Assim constatou-se que a fragilidade da economia dos produtores se passa pela falta de informação e incentivos repercutindo no padrão de vida dos produtores e conseqüentemente da comunidade. Uma das perguntas presentes no questionário se reporta à relação regime fluvial e atividade econômica desenvolvida na comunidade. Assim perguntou-se se havia conhecimento de alguma relação entre a construção da hidrelétrica de Xingó e as atividades econômicas da localidade. Na totalidade dos entrevistados 20% responderam perceber as mudanças ocorridas no município após a construção da usina hidrelétrica. Tal percentual é aparentemente pouco significativo, no entanto, 100% dos que disseram perceber as mudanças sócioeconômicas identificaram as atividades ligadas à rizicultura e a piscicultura, as mais prejudicadas diante dessa modernização conservadora, refletindo no padrão de vida e conseqüentemente alimentar da população. O percentual de entrevistados ditos perceber as mudanças, residem na margem ou próxima do rio São Francisco. Relacionado a estrutura fundiária do município identificase quantitativamente o predomínio das pequenas propriedades rurais com até dez hectares. No entanto, as grandes propriedades rurais com mais 500 hectares, apesar ser minoria quantitativamente, abrange uma área maior que das pequenas propriedades refletindo na concentração da terra e da renda no município de Pão-de-Açúcar. Tal realidade não é exclusiva de Pão-de-Açúcar, é reflexo da estrutura brasileira e, sobretudo, alagoana. A principal atividade pecuária é a criação de gado bovino seguido pela criação de galinhas e pela criação de caprinos, fonte de renda para a população que reside no meio rural. Uma das principais fontes de renda do município é a lavoura onde despontam as plantações de arroz, algodão, feijão, milho e mandioca. Seus excedentes são vendidos para os municípios circunvizinhos e outros municípios da região. Nos últimos anos têm-se notado o declínio da produtividade agrícola do município e conseqüentemente uma perda no padrão alimentar da população. A pecuária está em ritmo crescente, destacando-se as criações de gado Gir e Holandês. 5 PARÂMETROS CLIMÁTICOS DE PÃO DE AÇÚCAR As irregularidades pluviométricas se expressam por secas ou por excesso de água, afetam diretamente a produção e produtividade da agricultura, repercutindo nos rendimentos das culturas e conseqüentemente no sucesso ou insucesso do agricultor. Daí a necessidade de conhecer a importância dos estudos climáticos, no que tange a distribuição, intensidade e freqüência, como subsídios para as atividades vinculadas aos elementos climáticos. Com o intuito de estabelecer uma análise dos eventos climáticos do município de Pão-de-Açúcar-AL, foi levantada informação climática referente ao período de 1977-2003, correspondente a vinte e seis anos de dados, como forma de subsidiar o estudo do trabalho em foco. Informamos que este período de análise foi estabelecido a partir de levantamento prévio da estação pluviométrica do município, a fim de referendar a análise climática, pois há necessidade de informações de superfície. Apesar da estação ter entrado em funcionamento em 1975, havia muitas falhas na base de seus dados. O período de análise se encerrou em 2003, pois representou o marco inicial da coleta. Inicialmente efetivou-se uma análise morfológica dos elementos climáticos, calculando-se a média anual e total dos anos observados. Foram calculados desvio padrão e coeficiente de variação, como referência descritiva do estado atmosférico de um espaço municipal, tendo como foco a área no entorno da estação meteorológica. Foram acrescentados cálculos dos índices das médias trimestrais e mensais, objetivando demonstrar o comportamento cronológico interanual, ressaltando o período de maior ou menor irregularidade climática, contribuindo para o conhecimento do período de maior grau de vulnerabilidade do município e conseqüentemente para o planejamento racional de sua agricultura. A partir das informações contidas na tabela abaixo (tabela 07), identifica-se o trimestre de abril/maio/junho como mais chuvoso, com precipitação média de 79,54 mm, correspondente a 39,31% da chuva anual do período analisado. Por outro lado, o trimestre outubro/novembro/dezembro foi caracterizado como o menos chuvoso, apresentando média de 26,36 mm, correspondente a 13,02% da precipitação anual. Tal fato não difere de outras localidades nordestinas do Brasil. Tabela 07. Pão – de –Açúcar – AL: Médias Mensais/ Trimestrais do Período 1977 – 2003. Jan Fev 36, 42 34, 09 40,76 20,14% Ma r 51, 79 Abr 62, 10 Meses/Precipitação (mm) Mai Jun Jul Ag 87, 89, 08 46 79,54 39,31% 91, 52 Set 48, 26, 89 6 55,67 27,51% Organização: Marcelo Alves Mendes, 2005. O ut 27, 6 No De v z 22, 29, 09 40 26,36 13,02% No período observado, constatou-se que o mês mais chuvoso em média foi o mês de julho com 91,52mm, que relativamente representa 15,07% da pluviosidade anual do município, não muito mais chuvoso que os dois meses antecedentes. O mês mais seco, em média, foi o mês de novembro com 22,09 mm, representando relativamente 3,63% da média anual, tal qual ocorre em territórios vizinhos. A partir do cálculo da precipitação anual ocorrida no município de Pão de Açúcar-AL, obteve-se uma média pluviométrica anual de 583,31mm, considerada baixa por se inserir na faixa tropical, porém, razoável tomando como referência o índice pluviométrico das áreas de clima semi-árido. Ao longo desse tempo, detectou-se que 1977 foi o ano mais chuvoso, com uma média pluviométrica de 982,3mm, e o ano de 1998 foi identificado como o menos chuvoso com uma média pluviométrica de 269,9mm. É mister desconsiderar estes extremos, tomando como referência a média anual dos totais, tornando mais significativa a variabilidade pluvial. O total pluviométrico anual ou a média ao longo de um período não oferece confiabilidade quanto à regularidade pluviométrica. A precipitação é mais variável nas áreas secas e subúmidas, onde tem mais repercussão sócio-econômica, especialmente na agricultura. Por conseguinte, a compreensão das mudanças climáticas, o acompanhamento de eventos críticos de secas e veranicos e a análise da variabilidade pode ser empreendida pela observação dos gráficos de variabilidade, através dos desvios, negativos e positivos, reforçando ou negando os resultados encontrados no cálculo do desvio padrão (variabilidade absoluta) e do coeficiente de variação (variabilidade relativa). É a partir do estudo da variabilidade relativa pelo coeficiente de variação, que se pode, tomar medidas preventivas no que se refere ao melhor aproveitamento da precipitação e das atividades relacionadas com a chuva. Tal estudo é importante para o município por estar localizado em área de elevada variabilidade, pois de acordo com Ayoade (1998) nas áreas tropicais a variabilidade tende a ser mais elevada do que nas zonas temperadas e quanto menos variável é a precipitação pluvial, maior será a confiabilidade no planejamento das atividades ligadas a tal fenômeno. Para Alfonsi (2000, p. 214), A grande variabilidade dos elementos meteorológicas, no tempo e no espaço, aumenta a necessidade do desenvolvimento de modelos matemáticos na definição das condições climáticas em todo o mundo e de suas interações com os organismos vivos. No que se refere a precipitação pluvial em escala mundial, Ayoade (1998, p. 164) escreve que há uma maior concentração na zona equatorial com destaque para as superfícies oceânicas. O volume de precipitação diminui na direção das zonas polares. No entanto, tal distribuição é complexa, pois fatores como topografia (direção e alinhamento), continentalidade, ventos, massas de ar, além da latitude, influenciam na espacialização dos efeitos radioativos sobre o comportamento climático global. A zona equatorial é caracterizada por apresentar elevado índice pluviométrico, enquanto na zona tropical a característica é a irregularidade pluvial no tempo e no espaço. Tal irregularidade torna-se um fator negativo para as atividades agropecuárias e humanas de modo geral, pois nas áreas rurais gera escassez ou excesso de precipitação afetando a agricultura e a pecuária. Nas áreas urbanas há problemas com a concentração de chuvas, gerando enchentes, deslizamentos, desmoronamento, desabrigados e doenças que se disseminam com facilidade para a população, afetando a qualidade de vida. Nesse contexto, escreve que, [...] a distribuição sazonal da precipitação é tão importante quanto o volume total, tanto nas áreas tropicais com nas extratropicais. [...] As épocas do início, duração e término da estação chuvosa controlam as atividades agrícolas nos trópicos. (Op. Cit. 1998, p. 167). O município de Pão-de-Açúcar está localizado em torno da latitude 9o44‘46‖ sul do Equador apresentando clima semiárido, caracterizado por elevada taxa de evaporação, pouca precipitação, gerando déficit hídrico, ou seja, falta de reservatório hídrico para sustentar o crescimento da vegetação. Em tal clima, além de haver pouca precipitação, é muito irregular. Da mesma forma, há uma forte inconstância nas condições térmicas anual e diurna. Em sua extensão territorial, não há registros de azares naturais do tipo geada, granizo, nevoeiros, nevascas, tornados nem furacões. Reconhecem-se as secas, enchentes e tempestades de verão, com relâmpagos e trovões. Sua topografia é relativamente plana, com relevo suave, não sendo propício a avalanches ou desabamentos, quando da ocorrência de impactos pluviais concentrados. 6 CONCLUSÃO Considerando que a produção do espaço se dá a partir de momentos diversificados da relação que se estabelece entre a sociedade e a natureza, o conhecimento da dinâmica atmosférica torna-se significativo, em especial para algumas atividades econômicas. No caso específico da agricultura dependente de condições naturais, tal conhecimento se faz importante, tendo em vista que a partir dele, é possível a identificação de períodos chuvosos e secos, frios e quentes, possibilitando elaborar um planejamento mais eficiente para o desenvolvimento das atividades agrícolas. As mudanças ocorridas no leito do rio São Francisco, por meio dos avanços tecnológicos, provocaram alteração nas atividades econômicas do município de Pão de Açúcar, especificamente nas atividades que se relacionam diretamente com o regime hídrico, evidenciando-se na rizicultura e piscicultura. É importante que o poder público, no seu planejamento, leve em consideração a ocorrência dos fenômenos naturais, tendo em vista que a execução das atividades ocorre no meio natural e que a maior parcela da população do município reside em áreas rurais, desenvolvendo atividades que dependem diretamente das adversidades das condições ambientais, distantes dos avanços tecnológicos e de conhecimentos científicos. De forma geral, o município apresenta indicadores sociais não favoráveis ao seu desenvolvimento, tendo em vista, apresentar um elevado percentual de pessoas semi-analfabetas, elevado número de filhos, deficiência de informações, dentre outros fatores que funcionam como entraves para o crescimento sócio-econômico. No entanto, há falta de interesse do poder público municipal, reflexo de instâncias superiores, de desenvolver políticas que busquem priorizar definitivamente os pequenos produtores e suas atividades. Nas áreas que se identificou a presença de implementos tecnológicos, como é o caso da agricultura irrigada, o resultado das atividades desenvolvidas foi considerado satisfatório pelo produtor, repercutindo numa melhor qualidade de vida. Por outro lado, a falta de investimento e informação são fatores que tornam a população dos municípios, em sua maioria, dependentes dos fenômenos naturais. Tal situação deixa as pessoas vulneráveis aos mecanismos de controle desencadeados pelo sistema político municipal, fazendo-as perder sua autonomia e dignidade diante da situação precária e dependente. Tal fato é recorrente em Pão de Açúcar por questões culturais próprias das áreas nordestinas brasileiras em geral. O poder público municipal aliado a esferas superiores poderão desenvolver estratégias para os produtores rurais conviverem em meio as adversidades climáticas, sobretudo, em relação as estiagens prolongadas e a variabilidade pluviométrica constatada. Assim, há necessidade de elaborar estudos integrados com órgãos de pesquisa a fim de produzir projetos consistentes que desenvolvam condições favoráveis para o êxito das atividades municipais. A título de sugestão, poder-se-ia incentivar o cultivo de plantas de ciclos curtos, a produção de cultivos resistentes a elevadas temperaturas e pouca umidade, assim como, criar moderna cooperativa agrícola com a finalidade de subsidiar com ferramentas e informações técnicas os produtores da região, acompanhando as tendências de mercado e sustentabilidade econômica. O coeficiente de variação do município (31,37%) é considerado acima da média regular (30%) demonstrando irregularidade no comportamento pluvial do município. O balanço hídrico calculado também atesta a necessidade de uma política agrícola, considerando as condições climáticas como um todo, para que a atividade agrícola possa ser planejada com segurança, e que posteriormente venha a ser investido recurso para o seu desenvolvimento. O município é caracterizado por apresentar deficiência hídrica em quase todos os meses do ano, com índices negativos. O mês de julho tem uma característica peculiar, como o único mês que não apresentou índice negativo, mas, não se constitui em excedente hídrico, se caracterizando no ótimo agrícola, quando há equilíbrio entre a evapotranspiração potencial e a pluviosidade, situação ideal para manter uma área vegetada sempre verde e túrgida. A irregularidade pluviométrica do município sinaliza a necessidade de implantação de projetos de irrigação como solução de parte dos problemas enfrentados pela seca e pelo sistema político que fazem da seca uma fonte de renda e trampolim para reeleição. No entanto, tal política de irrigação deverá vir com acompanhamento técnico e com mecanismo que integre o produtor e a produtividade ao mercado consumidor. Os indicadores de elevada variabilidade pluvial constituem problemas, pois indicam instabilidade, imprevisibilidade, irregularidade, no decorrer dos anos, resultando em enchentes em uns anos, e desabastecimento em outros, tendo como conseqüência, calamidades e miséria para a população. Pode-se concluir, que deveria haver incentivos às políticas públicas para o município, sobretudo, no que tange a irrigação das áreas semi-áridas tendo em vista que é do conhecimento de todos que no sertão são registradas as maiores irregularidades pluviométricas do Estado de Alagoas. Portanto, a má distribuição pluviométrica do sertão alagoano, justifica a implantação de projetos de irrigação, como solução de parte dos problemas enfrentados pela seca e pelos políticos que fazem da seca, um indústria. Nesse contexto, sabe-se que o problema da deficiência hídrica das áreas semiáridas do Estado e do Nordeste, não é a causa da fome e da miséria absoluta que acarreta todos os anos a população de baixa renda. Os resultados obtidos centrados no elemento peculiar do clima, a chuva, fator influenciador da produtividade agrícola, demonstrou que o município não possui potencialidade climática para a prática agrícola, necessitando de subsídios para o desenvolvimento de tais atividades. 7 BIBLIOGRAFIA ALFONSI, Rogério Remo. Agrometeorologia e sua importância para uma agricultura racional e sustentável. IN: Variabilidade e mudanças climáticas – implicações ambientais e socioeconômicas. (Org.) Sant‘Anna Neto & Zavatini. Maringá: Eduem, 2000. p. 213-223. ANDRADE, Manuel C. de. A terra e o homem no nordeste. 3ª Edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1973. AYOADE, J. O. Introdução a climatologia para os trópicos. 5ª Edição. Editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro,1998. CHRISTOFOLETTI, A. L. H. Implicações ambientais e econômicas relacionadas com a variabilidade e mudanças climáticas. IN: Simpósio de Geografia Física Aplicada. (3.: 1989: Nova Friburgo). Rio de Janeiro: UFRJ, 1989. CUNHA, S. 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Em Juazeiro a agricultura irrigada tem se apresentado como uma atividade econômica viável e relevante dado as características geoambientais, que jamais seria possível pelo sistema convencional (sequeiro). Devido a essa atividade, a região foi inserida no circuito comercial internacional destacando-se pelo seu alto grau de ―modernização‖ do Nordeste brasileiro e gerando um ―pólo de desenvolvimento‖ como é apresentado no discurso estatal. Mas é claro que esse ―boom‖ econômico, via fruticultura irrigada não se deu de forma eqüitativa e homogênea no espaço em questão, havendo 39 Professora de geografia, mestre em Ciências Agrárias – Desenvolvimento Rural e doutoranda em geografia pelo Núcleo de PósGraduação em Geografia – UFS. [email protected] repercussões socioterritorial e ambiental perversas e com alto custo para o conjunto de toda a sociedade, sobretudo pelas alterações decorrentes do uso intensivo dos insumos, técnicas e semoventes que fazem parte dos itens que compõe o ―pacote tecnológico‖ para o setor agrícola. Na abordagem desse estudo são elencadas algumas considerações teóricas sobre a agricultura irrigação e a desertificação. Essa analise se faz necessária por se constituir a atividade agrícola irrigada contradições de natureza ambiental, social, territorial, etc. e por apresentar a mesmo tempo, uma questão de viabilidade econômica para o desenvolvimento de Juazeiro. No percurso discute-se a representatividade e relevância da agricultura irrigada o município, que provocou uma intensa dinâmica econômica e colocando o mesmo entre os cinco maiores produtores agrícola do estado com significante participação no valor agregado no PIB agropecuário baiano, repercutindo assim com crescentes transformações socioespaciais. Para elaboração do estudo foi necessário um levantamento literário sobre a temática, analise das categorias abordadas, bem como uma sutil empiricização do espaço em foco. 2 MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA: Gênese da Agricultura Irrigada Atualmente é comum referir-se a modernização da agricultura como sinônimo de semoventes, sementes selecionadas, fertilizantes, defensivos agrícolas, informações técnicas, etc. Sabe-se que todos esses componentes são parte integrante do processo de modernização que são agregadas aos avanços das relações de produção que tem um peso significativo no circuito modernizante da agricultura. Embora existam no meio acadêmico/cientifico autores, que consideram a modernização a partir do ângulo das transformações técnicas, ou seja, que faz o uso intensivo de máquinas, técnicas e insumos químicos que resultam no aumento em curto prazo dos rendimentos da produção. Nessas condições, a modernização da agricultura significaria a mecanização e tecnificação agrícola, como uma das inovações tecnológicas aplicadas ao setor. Por outro lado, outros estudiosos que consideram a modernização como transformações de todo o processo produtivo, desde as modificações técnicas, mecânicas, informacionais e o avanço das relações sociais que venha superar as estruturas tradicionais de produção. O certo é que a modernização da gricultura teve sua gênese no seio das transformações que o capitalismo provocou no campo que tendeu a aumentar a utilização de insumos, equipamentos, maior utilização trabalho assalariado e uso intensivo do solo. Nessas condições, a estratégia do capital é controlar e subordinar intensivamente a produção agropecuária a sua reprodução. O paradigma modernizador tem em sua essência uma carga ideológica composta por aspectos altamente favorável a expansão do processo. A esse respeito ALMEIDA (1997, p.39) declara que a modernização está incorporada de elementos ou noções ao afirmar que: [...] a) a noção de crescimento(ou de fim da estagnação e do atraso), ou seja, a idéia de desenvolvimento econômico e político; b) a noção de abertura (ou do fim da autonomia) técnica, econômica e cultural, com o conseqüente aumento da heteronomia; c) a noção de especialização (ou o fim da polivalência, associado ao triplo movimento de especialização da produção, da dependência à montante e à jusante da à produção agrícola e a inter- relação com a sociedade global; e d) o aparecimento de um tipo de agricultor individualista, competitivo e questionando a concepção orgânica de vida social da mentalidade tradicional. As transformações capitalistas no campo via modernização da agricultura, em geral busca a elevação da produtividade do trabalho e maximização dos rendimentos (físicos e monetários), demandando insumos da indústria para a agricultura que já está subordinado a sua lógica. A esse respeito afirma SILVA (1996, p.14): O desenvolvimento das relações de produção capitalistas no campo se faz ―industrializando‖ a própria agricultura. Essa industrialização da agricultura é exatamente o que se chama comumente de ―penetração‖ ou ―desenvolvimento do capitalismo no campo. Assim, dentro do quadro da modernização processada no meio rural segue uma tendência a beneficiar no setor, apenas certos produtos e certas categorias de produtores, abrindo com isso mercado de consumo para as indústrias de semoventes, insumos agrícolas e estabelecendo um novo uso agrícola do território no período técnico-cientifico-informacional (SANTOS e SILVEIRA, 2005). Com as inovações tecnológicas e organizacionais, e a disponibilidade de modernos equipamentos agrícolas, a agricultura passa a ter certa independência das condições ambientais e a responder com mais eficiência as demandas mercadológicas. Assim, dentro dessa lógica capitalista de subordinação cada vez maior da agricultura à indústria, emergem também as contradições inerentes ao esse processo. Para OLIVEIRA (1994, p.13): A industrialização da agricultura revela assim o que o capitalismo está contraditoriamente unificando o que ele separou no inicio do seu desenvolvimento: indústria e agricultura. Esta unificação está sendo possível porque o capitalismo tornou-se também proprietários das terras, latifundiário portanto. Isto se deu igualmente também porque o capital desenvolveu liames de sujeição que funciona, como peias, como amarras ao campesinato, fazendo com que ele produza, às vezes, exclusivamente para a indústria. Entretanto, as mudanças técnicas e a mecanização da agricultura tenham seu lado perverso, excludente e conservador, pois a subordinação da mesma a indústria provoca uma elevação dos preços das terras agrícolas o que favorece a concentração das terras e conseqüentemente intensifica o êxodo rural. Como afirma PAULINO (2006, p.62): Portanto, as mudanças técnicas na agricultura explicaram e deram novos contornos ao problema da concentração fundiária no país, pois antes era uma forma de baratear o custo da atividade, com a entrada das máquinas isso deixou de ser oportuno, daí o esvaziamento do campo. A maioria dos expulsos restou possibilidades de trabalhos precários, ou a organização em busca da reconquista da terra. Entretanto, modernização não as conseqüências perversas da ocorrem apenas na esfera social, apresentando também repercussões na dimensão espacial e econômica pela sua forma excludente e parcial de se territorializar no meio rural. Esse caráter excludente da modernização diz respeito às disparidades regionais, isto é, ela não atinge todas as regiões da mesma forma e pode ser percebida pela quantidade de tratores existentes em São Paulo e nas demais regiões do país, bem como na quantidade de estabelecimentos que utilizam adubação, que em 1980, era de um terço das propriedades. Quanto ao caráter parcial da modernização, essa diz respeito ao não atendimento a todas as fases dos ciclos produtivo dos produtos agrícolas (SILVA, 1999). Assim, percebe-se que a modernização não se processa com certa uniformidade no tempo e no espaço e para todas as culturas agrícolas e categorias de produtores. Para DELGADO (1985, p.42): Todo esse processo de modernização se realiza com intensa diferenciação e mesmo exclusão de grupos sociais e regiões econômicas. Não é, portanto, um processo que homogeniza o espaço econômico e tampouco o espectro social e tecnológico da agricultura brasileira. Ao contrário, deve-se ressaltar a concentração espacial do projeto modernizante, abrangendo basicamente os estados de Centro-Sul brasileiro (MG, GO, RJ, SP, PR, SC e RS). Por seu turno, ocorre paralelamente um movimento de concentração de produção, abrangendo um número relativamente pequeno e estabelecimentos (entre 10 e 20% dos estabelecimentos rurais, conforme o indicador de modernização que se tome), que respondem por parcelas crescentes da produção. As demais regiões do país e os milhões de estabelecimentos não incorporados ao processo de modernização cumprem, nessa estratégia de organização da produção, papéis periféricos na agricultura brasileira.[...] Dentro dessa estratégia, insere o Nordeste brasileiro, que tem sua atividade primária rotulada de agricultura atrasada e tradicional, bem como as áreas de fronteiras agrícolas que apresentam um cenário produtivo heterogêneo e uma estrutura fundiária de domínio do latifúndio. A modernização da agricultura teve seu marco no final da Segunda Guerra Mundial com o declínio do processo de colonização e como estratégia de aumento da produção agrícola mundial, os países capitalistas desenvolvidos introduzem nos países subdesenvolvidos o ―pacote tecnológico‖, contendo exatamente os itens da modernização que seria: novas técnicas de cultivo, semoventes, fertilizantes, defensivos agrícolas e sementes selecionadas. Pacote esse, que foi rotulado de Revolução Verde e concebido nos Estados Unidos com o objetivo de combater a fome e miséria nos países pobres. Por outro lado, muitas dessas tecnologias, como é o caso das sementes, foram desenvolvidas em ambientes onde as condições naturais eram bem diferentes dá que se destinavam que na sua grande maioria foram os países de região tropical. Com isso, os adquirentes não alcançavam o desempenho e o objetivo que desejavam. A saída para o problema era a utilização de insumos (adubos, fertilizantes e defensivos e até alguns semoventes) importados dos países que haviam fornecido os produtos agrícolas e com isso elevando a dependência dos países ―subdesenvolvidos‖ em relação aos desenvolvidos. A esse respeito diz DELGADO (2001, p.165) que: Perseguiu-se na política agrícola a concepção de planejamento induzido dos mercados de produtos rurais mediante a desoneração dos riscos estruturais do processo produtivo privado (riscos de produção e de preços). Estimulou-se a adoção de pacotes tecnológicos da ―Revolução Verde‖, então considerados sinônimos de modernidade, e incentivouse um enorme aprofundamento das relações de crédito na agricultura mediando a adoção desses com volumosos subvenções financeiras. Assim, é perceptivo que a Revolução Verde ampliou nos países subdesenvolvidos o hiato sócio-econômico entre o grande e o pequeno produtor. Esse pequeno produtor aqui é considerado todos aqueles excluídos do acesso ao ―pacote tecnológico‖ e da forte competição de mercado diante desses novos parâmetros de produtividade oferecido pelo paradigma agropecuário vigente. Essas novas condições mercadológicas declinaram os preços dos produtos agrícolas a valores fora da realidade dos pequenos agricultores, o que contribuíram para o abandono ou a venda da pequena propriedade, que na maioria das vezes é adquirida/incorporada a grande propriedade. E isso contribuiu para a manutenção de uma estrutura agrária concentradora existente nos países subdesenvolvidos e o Brasil como parte dessa realidade mantém esse modelo até os dias atuais. O Brasil contou com um grande protagonista na disseminação do processo de modernização da agricultura - o Estado. Sua ação se daria através das políticas públicas, programas de incentivos fiscais, infra-estrutura e viabilização de crédito que foi peça chave no desenvolvimento desse processo. Foi através do Sistema Nacional de Crédito Rural - SNCR, a partir de meado dos anos 60 até o final dos anos 70, que marcou o dinamismo e abrangência do processo de modernização (DELGADO, 1985). Esse período grifou no desenvolvimento econômico brasileiro também a constituição dos Complexos Agroindustriais do Brasil – CAIs, e que para alguns autores foi à aceleração do processo de industrialização do campo e enlanguescendo a dependência da agricultura com relação à indústria. Nesse sentido GUIMARÃES, (1979, p.114) acrescenta: ―à medida que se industrializava a agricultura passava de um nível inferior a um nível superior de desempenho, mas isso também significava uma perda progressiva de sua autonomia e de sua capacidade de decisão‖. E ressalta ainda o autor que o principal efeito do CAI foi à eliminação da livre concorrência contribuindo para a dominação monopolista da indústria no mercado. A esse respeito acrescenta DELGADO (1985, p.35): [...] Essa agricultura que se moderniza, sob o influxo dos incentivos do Estado e induzida tecnologicamente pela indústria, transforma profundamente sua base técnica de meios de produção. Esse processo significa, também que em certa medida a reprodução ampliada do capital no setor agrícola torna-se crescentemente integrada em termos de relações interindustriais para trás e para frente. [...] Contudo, no inicio dos anos 70, percebe-se uma intervenção maior do Estado no setor rural brasileiro direcionando os rumos da produção e viabilizando o cenário favorável, principalmente no que diz respeito à fiscalização, determinação de preços, estocagem, comercialização, infraestrutura, etc. Nesse contexto, procurou o Estado com seu projeto modernizador integrar a agricultura a indústria através dos CAIs, direcionar o setor agropecuário ao desenvolvimento econômico do Brasil e agrega forças e interesses ao processo modernização da agricultura, como destaca DELGADO (1985, p.41): O surgimento e consolidação do Complexo Agroindustrial articulam novos interesses sociais comprometidos com o processo de modernização. Conforma-se um novo bloco de interesses rurais em que sobressai a participação do grande capital industrial, do Estado e dos grandes e médios proprietários rurais. A soldagem desse pacto modernizador é feita pela política econômica, com primazia dos aparatos financeiros do Estado. [...] Observa-se que mesmo com toda essa aliança de interesse em avançar no processo de modernização, o mesmo se materializa espacialmente de forma concentrado, com forte exclusão no especto social. Sobre essa questão afirma GRAZIANO NETO (1985 p.25): ―[...] a chamada modernização da agricultura não é outra coisa, para ser correto, que o processo de transformação capitalista da agricultura, que vem vinculando as transformações gerais da economia brasileira recente‖. Assim, observa-se que toda transformação da economia brasileira que tinha o campo como palco e o Estado como protagonista, via modernização da agricultura que foi posteriormente a ―munição‖ para o desenvolvimento do capitalismo mundial e conduzindo a manifestação e a territorialização do processo de globalização. 3 AGRICULTURA IRRIGADA E DESERTIFICAÇÃO: algumas considerações A agricultura irrigada constitui em sua essência a introdução da água no solo por métodos artificiais com o intuito de suprir as necessidades hídricas das plantas. Embora a irrigação venha constantemente se modernizando, ela remota as antigas civilizações que permeiam milhares de anos sendo praticada, pesquisada e aperfeiçoada em todo o mundo, com o objetivo de viabilizar a produção vegetal diretamente, e a animal indiretamente. Segundo ABLAS (1988), a irrigação, a rigor, é uma técnica a ser utilizada no cultivo, que leva a uma melhor organização da produção. Contudo, o fato dela geralmente estar acompanhada de modificações relevantes na vida social, mostra como a evolução tecnológica possui um efeito reestruturante sobre a totalidade do complexo sócio- ambiental. Assim, o avanço da irrigação aumenta o domínio humano sobre os recursos naturais conduzindo o setor agrícola a sua independência das condições climatológicas. Com isso, permite um aumento de produção, intensificando o uso do solo, que passará a ser utilizado durante todo o ano. Mesmo assim, sendo insignificante para o desenvolvimento pleno da mesma, que só ocorre segundo CARVALHO (1988), à medida que progridem as relações de produção de uma determinada formação social. Nessas condições, isso se leva a observar que o desenvolvimento da irrigação não esta atrelado apenas ao avanço técnico, mas, principalmente ao das forças produtivas e das relações sociais no contexto ao qual esta inserida. Conforme BRITO(1991), em essência a irrigação é concebida sobre a ótica do desenvolvimento rural integrado e as áreas ou territórios irrigados constituem um meio ou instrumento de promoção social e valorização econômica do homem do campo. Nesta perspectiva, a natureza da agricultura irrigada está em proporcionar os meios que favoreçam o cultivo para produção (matéria-prima) e consumo (alimento). Mas, para isso, depende de como se apresentam as relações sociais e as forças produtivas da agricultura como um todo e não apenas a irrigada. Para tanto: O progresso da agricultura irrigada, especialmente nos países capitalistas, está submetida às mesmas leis que comandam o desenvolvimento da agricultura caracterizando-se àquela como um processo de produção e de trabalho cuja especificidade consistiria no sentido mais amplo em levar essas leis ao sue limite (CARVALHO 1998, p. 346). Nessas condições, afirma-se que a irrigação é a essência da moderna agricultura, caracterizando-se com transformadora das relações de produção que tem o campo como palco. A visibilidade desta metamorfose é decorrente da natureza artificializada da agricultura irrigada, tendo em vista que exige forma de produzir diferente da agricultura de convencional (sequeiro). São os cuidados na forma de produzir que vão determinar o sucesso ou o fracasso dessa atividade (irrigação) a médio e longo prazo. Assim, dadas as características geoambientais do SemiÁrido brasileiro, a irrigação apresenta-se como uma alternativa econômica mais viável do ponto de vista do desenvolvimento territorial. Nesse município, a agricultura irrigada tornou-se uma atividade de grande relevância, pois inseriu o mesmo no comércio internacional, colocando-o em considerável destaque o Nordeste brasileiro no cenário comercial externo. Essa atividade gerou no município um ―pólo de desenvolvimento‖, tendo a fruticultura como ―atividade motriz‖, e uma das responsáveis pela inserção da economia baiana e particularmente a juazeirense, na economia internacional. Mas essa modernização, entretanto, não se deu de forma homogênea no território em questão, tendo repercutido negativa e perversamente com alto custo social, sobretudo por meio de alterações ambientais, decorrentes do uso intensivo e desnecessário de fertilizantes químicos, defensivos agrícolas, técnicas ultrapassadas de irrigação, somada a outros manejos inadequados. Não resta dúvida que a degradação é o aspecto mais relegado do desenvolvimento e que ao mesmo tempo é o que mais atrofia a sustentabilidade. E por degradação entende-se desertificação que o PNUMA (ECO, 1992) definiu-se como ―degradação das terras em regiões áridas, semi-áridas e subúmidas resultantes de diversos fatores como: variações climáticas e atividades humanas‖. A desertificação é um fenômeno que provoca impactos negativos nas esferas ambientais, social e econômica. Ela é preocupante e precisa ser combatida de forma amplamente participativa pelos atores sociais afetados pelo mesmo. De acordo como o Ministério do Meio Ambiente (1993), o problema da desertificação no Brasil atinge a zona semi-árida e subúmida seca do país aproximadamente 950.000 km², localizados na região Nordeste e Norte de Minas Gerais. Percebe-se assim, a vulnerabilidade da área em estudo já que todo seu território está inserido na zona semi-árida. Com o uso intenso do solo para atividade agrícola acompanhada de tecnologia obsoleta do ponto de vista ecológico são grandes fatores desencadeadores da desertificação. Sabe-se que toda atividade produtiva em qualquer circunstância é susceptível a degradação ambiental em diferentes graus. No caso brasileiro e nordestino, isso não foge a regra em decorrência das suas aptidões edofoclimática e o seu potencial hídrico, o que favorece a atividade agrícola de forma intensa somada ao uso intensivo da tecnologia. Tecnologia essa, que se for concebida e executada para atender às necessidades em harmonia com a natureza só trará benefícios. Mas se forem aplicadas tecnologias duras para atender a interesses de grupos dominantes, aumentar a concentração do poder e a dependência exógena (ó o caso do semi-árido brasileiro), se tornará um algoz ambiental. É o que acontece em alguns casos com o território em estudo, que num curto prazo (escala da biosfera) foi repleta de sucesso com vantagens sócio-econômicas. Ao aproximar-se do longo prazo de exploração do solo, observa-se uma outra realidade, onde os benefícios não são condizentes com os custos com corretivos para repor as perdas agrícolas em função da degradação ambiental, acelerada por métodos de irrigação ultrapassados. 4 JUAZEIRO-BA: O Território, a Relevância Geoeconômica da Agricultura Irrigada Pública e os Problemas Ambientais O município de Juazeiro localiza-se no extremo norte da Bahia, na margem direita do Rio São Francisco como pode ser visualizado na figura 1. Possui uma extensão territorial de 6.390 Km² e sua altitude de 368m. O mesmo limita-se com os municípios de Campo Formoso, Curaçá, Jaguarari, e Sobradinho em território baiano e com Petrolina do lado pernambucano. E distancia 500 Km da capital do estado – Salvador (Figura 01). Figura 01. Cartograma da divisão política da Bahia – 20. Juazeiro possui toda sua base territorial inserida na zona Semi-Árida, apresentando uma precipitação média anual de 399mm e com uma variação de 99mm – 1055mm, o que em condições climáticas naturais não é favorável ao desenvolvimento de atividade econômica agrícola de sequeiro. A rede hidrográfica do município é formada pelos rios Curaçá, Malhada da Areia, Salitre e o São Francisco. Sendo esse ultimo o mais relevante em volume hídrico e tem se caracterizado como um forte propulsor do desenvolvimento da principal atividade econômica da região – a agricultura irrigada, fornecendo a principal matéria – prima da irrigação -água. Atividade essa que elevou o município a uma condição de destaque no cenário econômico estadual, nacional e internacional como o principal pólo de fruticultura do país. E ocupou o lugar destaque ficando entre os cinco grandes produtores agrícolas da Bahia, como pode ser evidenciada na tabela 1. Tabela 01 - Cinco Maiores Municípios em Relação ao PIB da Bahia: 1999, 2006 e 2007. AGROPECUÁRIA Participação Total no PIB (em milhões) Estado (%) 1999 2006 2007 (1) 1999 2006 2007 Estado 2.695 Município 365 São Desidério 105 Barreiras 160 Juazeiro 62 Luís Eduardo Magalhães Formosa do Rio Preto 38 Fonte: SEI/IBGE 6.491 1.194 405 274 256 8.221 1.680 637 372 278 100 13,55 3,89 5,95 2,29 100 18,40 6,24 4,22 3,95 100 20,44 7,74 4,52 3,38 168 215 - 2,59 2,61 91 179 1,41 1,40 2,18 Os demais municípios do ranking, todos estão localizados no Oeste baiano, onde a produção principal está voltada para grãos e algodão. Com isso, firma-se Juazeiro também como maior produtor e exportadora de frutas do país, mesmo em condições edofoclimáticas de semi-aridez. A fruticultura tropical referenciou a economia Juazeirense como predominantemente rural, mesmo com um expressivo desenvolvimento industrial e possuindo o maior distrito industrial da região - Distrito Industrial do São Francisco – DISF. Esse reconhecimento de uma economia predominantemente rural de Juazeiro pode ser realçado no crescimento de 6% da participação dos maiores municípios no valor agregado da agropecuária no PIB baiano no período de pouco menos de uma década como pode observada na figura 02. Com isso deu uma grande contribuição para incrementar o setor agropecuário no PIB baiano participando com uma fatia de 9% (ver figura 03) mesmo tem a Bahia aproximadamente 68% do seu território inserido na zona semi-árida. Figura 02. Participação dos cinco maiores municípios no VA da Agropecuária da Bahia Fonte: SEI/IBGE Figura 03- Participação dos Grandes setores de Atividade, PIB Municipal -Bahia- 2007. Fonte: SEI/IBGE A Bahia por ter uma grande extensão territorial que perpassa por várias unidades geoambientais, o que favorece uma diversificação da atividade econômica agrícola. O crescimento da atividade agrícola em Juazeiro nos últimos anos foi relevante aumentando em 6% a participação do grupo dos cinco maiores município no valor agregado da agropecuária no PIB baiano dentre os quais está Juazeiro. No caso do município de Juazeiro o destaque está para fruticultura com a produção de manga, coco, goiaba e principalmente de uva, onde tem diversificado a variedade para atender a produção de vinho. A vitivinicultura é uma atividade econômica que vem crescendo no município nos últimos anos com a territorialização de vinícolas do Sul do Brasil na região. O desenvolvimento da irrigação no município foi parte de modelo estratégico de intervenção publica nos anos setenta para algumas áreas da região Nordeste do Brasil, onde foram implantados em Juazeiro quatro grandes projetos públicos de irrigação: Curaçá, Mandacaru, Maniçoba e Tourão (figura 04) de onde vem a maior parte da produção agrícola do município e os responsáveis pelo crescimento econômico do território juazeirense que foram visto no recorte analítico do PIB baiano anteriormente. Figura 04. Cartograma do Território do Sertão do São Francisco-BA e localização dos Perímetros de Irrigação de Juazeiro-Ba. A implantação dos perímetros de irrigação públicos veio acompanhada de um crescimento significativo na população, chegando quase ao dobro de habitantes em menos de duas décadas como pode ser verificada tabela 02. Tabela 02 - Evolução populacional do municipio de Juazeiro-Ba 1991 – 2009. Ano Habitantes (mil) 1991 128.767 hab. 1996 171.414 hab. 2000 174.567 hab. 2007 230.538 hab. 2009 243.896 hab. Fonte: IBGE Esse processo evolutivo da demografia de Juazeiro é um reflexo da dinâmica econômica impulsionada pela agricultura irrigada contribuindo para formação de pólo de atração populacional no contexto territorial e extraterritorial., levando assim o município a apresentar a maior taxa de variação de crescimento tanto absoluta como relativa de todo o território de identidade do Sertão do São Francisco (tabela 03) e ocupando o ranking de quarta cidade mais populosa da Bahia, perdendo apenas para a capital Salvador, Feira de Santana e Vitória da Conquista respectivamente. Com essa dinâmica populacional Juazeiro superou os municípios do Di-pólo Ilhéus-Itabuna, tradicionalmente grandes produtores de commodity primária – o cacau. Toda organização e reorganização espacial é uma produção histórica, e portanto, reflexo social de uma conjuntura vivida e apropriada pelos atores sociais e institucionais de uma dada realidade. Assim, toda estrutura espacial tem sua dinâmica e está inter-relacionada com sua forma e a função expressada num dado momento. Contudo a organização dos espaços agrícolas irrigados de Juazeiro tem apresentado não só uma dinâmica econômica, mas sérios problemas ambientais de diversa natureza, embora da mesma origem - do método de irrigação e práticas agrícolas. Tabela 03. População e dinâmica populacional dos municípios que compõem o território do Sertão do São Francisco-Ba no período de 1991 a 2007. Município População total C. Alegre de Lurdes Canudos Casa Nova Curaçá Juazeiro Pilão Arcado Remanso Santo Sé Sobradinh o Uauá 1991 2000 2007 26.125 27.607 26.935 Variação 1991/2000 Absolut Relativ a a 1.482 5,67 Variação 2000/2007 Absolut Relativ a a - 672 - 2,43 13.762 46.838 13.761 55.730 14.656 62.862 -1 8.892 -0,01 18,98 895 7.132 6,5 12,79 24.895 128.76 7 31.949 28.841 174.56 7 30.713 32.449 230.53 8 32.884 3.946 45.800 15,85 35,56 3.608 55.971 12,5 32,06 - 1.236 -3,86 2.171 7,06 34.381 28.387 21.208 36.257 32.461 21.325 38.004 36.517 21.315 1.876 4.074 117 5,45 14,35 0,55 1.747 4.056 -10 4,81 12,49 -0,05 24.343 26.517 24.662 2.174 8,93 -1.855 -6,99 Fonte: IBGE. Os impactos ambientais apresentados nas áreas irrigadas de Juazeiro podem ser atribuídos a vários fatores como, por exemplo, práticas agrícolas inadequadas. Dentre elas a mais comum é a invasão a área de sequeiro como forma de compensar o abandono de outras áreas dos lotes devido aos efeitos ambientais negativos apresentados. Ocorre que esse é um impacto que influi negativamente no ambiente, pois pressiona e transforma o ―ecossistema‖ local em ―tecnossistema‖. que já pela sua natureza apresenta fragilidade, além de comprometer a produtividade agrícola local, devido à utilização de solos impróprios e a atividade irrigada, que já é dimensionada no estudo pedológico do projeto executivo. Alem disso, é claro, há excesso de demanda pela água que foge do dimensionamento do sistema de captação e distribuição de água dos distritos de irrigação. Na pesquisa de campo foram observados diversos impactos ambientais edáficos. Percebe-se que eles estão ligados entre si e que têm sua origem no uso intenso e inadequado de certas práticas e tecnologias agrícolas como as referidas anteriormente e dizem respeito aos seguintes problemas: Salinização: é um fenômeno caracterizado pelo acúmulo crescente de sais nas camadas superiores do solo. Ela pode ter origem em ações primárias (processo pedogenético) ou secundárias (ação antrópica), principalmente em áreas de atividades irrigatórias, como afirma SALAZAR (1988, p.18). A salinidade dos solos é um problema comum nas áreas irrigadas de regiões áridas, e tem intima relação com a profundidade do lençol freático, sendo responsável pela queda da produtividade e até degradação das terras, levando ao seu abandono. Acrescenta-se ainda, na citação acima, a tecnologia. Essa tem sua participação efetiva nos impactos ambientais quando usada de forma inadequada ou introduzida em ambientes para o qual não foram geradas. O levantamento de campo mostra que a salinização é um fenômeno presente e que atinge 37% dos lotes dos perímetros de forma parcial ou total de suas áreas irrigadas. Na área de sequeiro o percentual é um pouco menor, atingindo 26,7%. Essa diferença percentual entre as áreas de sequeiro e a irrigada demonstra que o uso intensivo do solo associado a outros fatores tende a aumentar o problema da salinização. Isso vem comprovar o que muitos estudos já demonstram, que a irrigação é a principal causa da salinização. O atual quadro de degradação por salinização das áreas irrigadas é conseqüência da utilização inadequada de agrotóxicos e fertilizantes e do excesso de água nas culturas, sem nenhum critério técnico. Na maioria das vezes, esse comportamento é danoso. E são esses critérios, desprovidos de racionalidade, que conduzem a efeitos inconseqüentes e onerosos, tanto do ponto de vista financeiro quanto ecológico. Compactação: este é um tipo de impacto ambiental na área que merece uma ressalva. Segundo relato dos irrigantes, as interferências desse tipo de degradação no desempenho produtivo é pouco significante. Isso porque está havendo a substituição da cultura anual pela perene, evitando, assim, o preparo do solo periodicamente. É o uso intenso de maquinaria pesada para o preparo do solo que tem sido a principal causa da compactação, adensando o solo, diminuindo a capacidade de infiltração e armazenamento da água (ABREU, 1994). Nos perímetros, observa-se que ainda se trabalha com culturas anuais, apesar de ter sofrido uma redução significativa. Esse problema tende a continuar, até que se passem os irrigantes a consorciarem com culturas agrícolas perenes a adotarem técnicas de irrigação moderna, somada a práticas alternativas de conservação e de fertilidade do solo, a exemplo do plantio direto, evitando o uso de maquinaria pesada, com vistas a atenuar o problema. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Na região Nordeste do Brasil, a implantação dos programas de irrigação foi atrelada a um contexto normativo de metas econômicas e políticas, ratificando, com isso, os critérios adotados no país de avaliação do desempenho de projetos de irrigação que são: custo e benefício. No entanto, relegaram sempre a segundo pano as questões ambientais e suas implicações socioterritóriais, que dentre as mais perversas está à desertificação. Nas áreas irrigadas do território de Juazeiro, os problemas ambientais no solo, tais como salinização, inundação e compactação são significantes. Nessas áreas, o principal causador da salinização e da inundação é o sistema de irrigação. A tecnologia utilizada pela grande maioria os irrigantes é o sistema de sulco, sistema esse, usado desde a implantação até a atualidade. O uso intensivo e inadequado de agroquímicos é outro fator que tem contribuído para aumentar o problema da salinização. Já a compactação, foi observada como um problema em declínio. Isso vem acontecendo devido à substituição de culturas anuais por perenes, evitando assim, o preparo do solo sazonalmente com máquinas. Nessas circunstâncias, a falta de capital para investir em tecnologia, e os baixos níveis de escolaridade, somados com o despreparo técnico dos produtores constituem-se no principal problema. Assim fazemse necessárias linhas de crédito para investimento, capacitação e assistência técnica mais eficaz para os irrigantes, a fim de reverter-se o quadro. Nesses termos, dada as condições dos irrigantes, estes têm sido conduzidos a tratar o meio ambiente como mero fornecedor de bens comercializáveis e não como patrimônio natural que pode ser usado, e deve ser conservado. Do ponto de vista social, os problemas apresentados nas áreas irrigadas têm repercussões nas condições de vida das famílias, alem de desestruturá-las como unidade produtiva. Tendo em vista que a agricultura irrigada é o único meio de renda das famílias, o agravamento do quadro poderá conduzi-las a buscar suas estratégias de sobrevivência em atividades nãoagricolas, como já vem ocorrendo lentamente, reproduzindo-se assim um modelo de desenvolvimento marcado pela exclusão que geograficamente denomina-se desterritorialização e pela miséria social. Os resultados indicam que os problemas existem e não são apenas de ordem ambiental e social. Eles são de diferentes graus e natureza: tecnológica, científica, infra-estrutural, recursos humanos e econômicos, e, acabam restringindo a sustentabilidade das áreas irrigadas. Para minimizar, ou até sanar o problema, seria necessária uma maior ação por partes dos gestores públicos, com vista a fortalecer as associações e cooperativas para que estas busquem novos mercados e novas parcerias com instituições financeiras e de pesquisa a fim de buscar mecanismos para contribuir na capacitação (tanto técnica como financeira) dos irrigantes para mudar o sistema de irrigação das áreas. Evitar-se-iam, com isso, o desperdício hídrico e os efeitos adversos ao ambiente. A degradação nos perímetros é mais um problema de falta de capacitação e de assistência ao pequeno irrigante que do processo de irrigação. Essa quando é bem concebida os impactos ambientais são minimizados e conseqüentemente os sociais. Enfim é percebida pelo presente estudo que a agricultura irrigação tem uma importância indiscutível do ponto de vista geoeconômico para Juazeiro, trazendo grandes repercussões no desenvolvimento. Mas a atividade econômica está estrangulada com os problemas ambientais e precisa de uma agenda emergente de intervenção via políticas publicas territorial de mitigação dos problemas ambientais como forma de não comprometer o desenvolvimento sustentável do território. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, L. S. Impactos Sociais e Ambientais na Agricultura: uma abordagem histórica de um estudo de caso. ABLAS, Luiz. Agricultura irrigada e Desenvolvimento Regional R. Econ., Nord.,Fortaleza, v. 19, n° 2, p. 147-205, abr./jun 1988. ALMEIDA, J. Da ideologia do progresso à idéia de desenvolvimento rural sustentável. In: ALMEIDA J.;NAVARRO, Z. Reconstruindo a agricultura: idéias e ideais na perspectiva do desenvolvimento rural sustentável. Porto Alegre: UFRGS, 1997. ANDRADE, M. Correia de. 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A sustentabilidade se transformou num desafio tanto para gestores quanto para planejadores. No entanto, o aparente consenso sobre o termo o torna utilizável para legitimar estratégias e ações estatais no sentido de construir uma sociedade ―ecológica e socialmente sustentável‖. Com o desenvolvimento científico e tecnológico e seus conhecimentos aplicados, principalmente, na indústria, é inquestionável o avanço nas melhorias para a satisfação das necessidades humanas. Da mesma forma, é inegável que a produtividade tecnológica pode recuperar e melhorar as práticas tradicionais de uso dos recursos naturais. No entanto, isto tem ocorrido à custa da destruição ambiental, visto que a natureza não é capaz de absorver a degradação ambiental imposta pelo homem através das ações atuais. Neste sentido, as bases 40 Professora do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Doutoranda do Núcleo de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe (NPGEO/UFS). 41 Professora Doutora do Núcleo de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected] ambientais estão sendo comprometidas pela forma de utilização predatória dos recursos naturais. O desenvolvimento sustentável depende da motivação e capacidade das comunidades para gerir processos de mudança, absorver conhecimento científico e técnicas modernas que facilitem a produtividade, conservando sua identidade e valores culturais. Quando se pensa na sustentabilidade, sabe-se que as soluções não podem ser globais e a busca da sustentabilidade deve ser guiada para além da visão imediatista do modelo atual de sociedade. 2 SUSTENTABILIDADE SUSTENTÁVEL E DESENVOLVIMENTO A discussão sobre sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável, como tratam alguns autores, é relativamente recente, mas se transformou num paradigma que a sociedade busca de forma incessante e como todo novo paradigma, o conceito está propenso a questionamentos. ―Até a década de 70 as análises econômicas só se preocupavam com o fluxo monetário e o crescimento econômico, relegando a um segundo plano os limites do ambiente natural‖ (MERICO, 1996, p. 41). O conceito de desenvolvimento possui longa história de construção, se apresentando como tema de debates e controvérsias. Para esses autores, entre o final da Segunda Guerra Mundial e meados dos anos sessenta, não se fazia distinção entre desenvolvimento e crescimento econômico. No entanto, as condições de vida de muitas populações, mesmo quando seus países apresentavam elevadas taxas de crescimento, não apresentavam melhoras. Este fato provocou questionamentos com relação ao conceito de desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico. Daí a ―ideia de desenvolvimento foi paulatinamente incorporando uma série de aspectos sociais: emprego, saúde, educação, equidade e etc‖ (DENARDI; HENDERIKX; CASTILHOS; BIANCHINI, 2000, p. 4). Para Moreira (1999, p. 177-178), o desenvolvimento sustentável [...] traz implícita a idéia de que a solução por meio de técnica é possível. O problema é apenas a questão do desenvolvimento de tecnologias adequadas e que nada garante que os benefícios deste paradigma trarão ganhos para os setores sociais historicamente subalternos, como é o caso da agricultura familiar [...] a sustentabilidade continuará carregando elementos conservadores, ao não se constituir como um questionamento de ordem social. Ehlers (1999, p. 111), se contrapondo, afirma que, A erradicação da pobreza e da miséria deve ser objeto primordial de toda a humanidade e que a prática sustentável envolve aspectos sociais, econômicos e ambientais que devem ser entendidos conjuntamente. A técnica é meio necessário à condução do desenvolvimento sustentável. Romeiro (1998 p. 248) observou que ―o desenvolvimento para ser sustentável, deve ser não apenas economicamente eficiente, mas também ecologicamente prudente e socialmente desejável‖. As atividades produtivas das sociedades modernas marcadas quase sempre por uma forte e crescente exploração dos recursos naturais, através dos modelos de desenvolvimento adotados, não têm trazido bons resultados para a manutenção do equilíbrio ambiental e, nem apresentado preocupação com a manutenção da produção sustentável. Este fato tem levado muitas vezes a práticas de uso ―inadequado‖ dos ambientes, refletindo-se na sub ou na superutilização dos mesmos, bem como na geração de problemas socioambientais. Essas práticas estão relacionadas às diferentes culturas e técnicas específicas de apropriação da natureza e de transformação dos espaços. ―A gestão racional do capital natural é uma condição necessária para alcançar crescimento econômico e níveis de vida sustentáveis para a população‖ (CEPAL, 1991, tradução nossa). Neste mesmo sentido, Casseti (1991, p. 21), considera que, [...] a utilização espontânea da natureza, onde está implícita a dilapidação de suas riquezas, esboçou-se nas primeiras etapas da história da sociedade e se acentuou na época feudal, porém alcançou um grau máximo no curso da sociedade capitalista. Sob a perspectiva capitalista que impera em nossa sociedade, a busca incessante do lucro a ser alcançado a todo custo, tem prevalecido em detrimento da sustentabilidade dos ambientes. Esta situação não se restringe apenas às nações capitalistas, mas também aquelas que tiveram experiências socialistas. No entanto, na medida em que o sistema capitalista vê ameaçado o seu processo de acumulação, a questão ambiental vêm deixando de ser caracterizada como alternativa e passou a ser considerada como necessidade. E como saída, o sistema capitalista tenta incorporar a via do desenvolvimento sustentável, para sua própria sobrevivência. Sobre este assunto Layrargues (1997, p. 7) tratando do modelo convencional de desenvolvimento, afirma que, ―sob pressão da nova realidade ecológica e da necessidade e de assumir uma nova postura, desponta sob uma nova roupagem, sem que tenha sido necessário modificar sua estrutura de funcionamento‖. Rodriguez, Silva e Cavalcanti (2004, p. 203) afirmam que, O discurso do desenvolvimento sustentável não é homogêneo mas sim está marcado e diferenciado pelos interesses perante o meio ambiente dos diferentes agentes e atores sociais, estando permeado por diferentes interpretações políticoideológicas. Isso dá lugar às divergências quanto as opções políticas e técnicooperativas para a incorporação da sustentabilidade ao processo de desenvolvimento. Mais recentemente, percebeu-se que ―as bases ambientais de qualquer progresso futuro poderiam estar sendo comprometidas pelo crescimento econômico predatório de recursos naturais e altamente poluidores‖ (DENARDI; HENDERIKX; CASTILHOS; BIANCHINI, 2000, p. 4). As atividades agrícolas também têm contribuído para a diminuição das florestas e aumento dos problemas ambientais no planeta. Neste sentido, Santos (2001), considera que o despontar da agricultura foi também sinônimo de desmatamento. Segundo Altiere (1998, p. 8), no intuito de dominar a natureza o homem tem levado a sua destruição visto que, Hoje, há provas suficientes de que a perda de solo arável, manuseio inadequado do solo e poluição são fatores chave na estagnação da produtividade das colheitas. A falta de acesso dos produtores menos favorecidos a insumos caros, bem como questões básicas de igualdade socioeconômica, obstaculizaram, em muito, a modernização da agricultura nos países em desenvolvimento. No entanto, cabe salientar que a atividade industrial direta ou indiretamente tem sido uma das principais responsáveis pelos problemas ambientais do planeta. Apesar da utilização dos recursos naturais ter sido feita de forma predatória ao longo da história da humanidade é a partir da revolução industrial que os problemas ambientais começaram a agravar-se cada vez mais. 3 EXPANSÃO DO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA NO CAMPO E AS QUESTÕES AMBIENTAIS A expansão do modo de produção capitalista no campo tem levado a necessidade de áreas cada vez maiores para a produção de lavouras comerciais, agravando, dessa forma, os problemas ambientais. Na prática, a agricultura está produzindo cada vez mais em grande escala. Segundo Castillo (2004) ―a ocupação de novas áreas, além de todo aparato tecnológico mobilizado para a produção, tem provocado uma profunda transformação na organização do território, sobretudo em termos de transporte e comunicação‖. Torna-se necessário salientar que ao longo dos tempos, nem todas as formas de agricultura serviram para atender as atividades industriais, mas mesmo a agricultura tradicional para auto-sustento, tem produzido impactos ambientais, muito embora com menor intensidade. Sobre este assunto, Altiere (1998) afirma que, utilizando a alta confiança criativa, o conhecimento empírico e os conhecimentos locais disponíveis, os agricultores tradicionais freqüentemente desenvolveram sistemas agrícolas de produtividade sustentável. Este autor enfatiza que para compreendermos os sistemas agrícolas na atualidade, temos que ter em mente sua sustentabilidade, pois ―a agricultura é afetada pela evolução dos sistemas sócio-econômicos e naturais‖ (ALTIERE, 2000, p. 16). Foi a partir do meado do século passado, que as questões ambientais se tornaram mais preocupantes, ganhando uma dimensão global, com o objetivo de diminuir os impactos ambientais para a sociedade e, ao mesmo tempo, conscientizar os cidadãos sobre estes problemas. O modelo de desenvolvimento difundido mundialmente envolve o uso inadequado dos recursos naturais, promovendo seu esgotamento, como também o surgimento de sérios problemas socioambientais. Esta constatação não tem sido suficiente para que as políticas de ―desenvolvimento‖ e ocupações territoriais se voltem para a defesa de um desenvolvimento que preze pelo princípio da melhoria das condições socioambientais. Lamentavelmente, as propostas de desenvolvimento ainda carregam princípios que valorizam quase que exclusivamente a dimensão econômica em detrimento das demais. O conceito de desenvolvimento econômico da civilização industrial valorizou, acima de tudo, a multiplicação quantitativa da produção e do consumo. O lucro capitalista excluiu o meio ambiente das preocupações econômicas e políticas. No mundo todo, uma nova consciência ecológica invade a esfera da política e questiona as noções tradicionais de progresso. Na realidade, os donos do capital estão chegando, de certa forma, ao consenso de que o desenvolvimento econômico deve passar pelo conceito de sustentabilidade42. Segundo Margulis (1995), O desenvolvimento ecologicamente sustentável seria uma modalidade de desenvolvimento alternativo, um novo estilo de vida, embora muitos grupos ambientalistas prefiram falar em 42 Sustentabilidade deve ser entendida como a otimização da conservação ambiental em beneficio da população e a democratização de acesso aos recursos ambientas. sociedades ecologicamente sustentáveis, em que a concepção da natureza como algo infinito e passivo deva ser abolido. E os custos do seu uso devem ser divididos de forma justa. Abre-se mão de atingir o que seria excelente para a economia, mas incorpora-se um critério que pode ser implementado na prática. Para a efetivação de um desenvolvimento sustentável fazse necessário diagnosticar o estado atual do ambiente a fim de conhecer os desequilíbrios e, portanto, a sustentabilidade do mesmo. O grande desafio, e sem dúvida uma das tarefas mais difíceis e importantes que se configura na atualidade, é conciliar os inúmeros impactos socioambientais negativos com um conceito de desenvolvimento socialmente crítico ou de Desenvolvimento Sustentável. Para Leff (2001) ―as mudanças para o desenvolvimento sustentável não serão alcançadas sem uma complexa estratégia política [...] mobilizada pelas reformas do Estado e pelo fortalecimento das organizações da sociedade civil‖. Segundo Lima e Queiroz Neto (1997, p. 247), Não será possível se propor um modelo de produção sustentável ambientalmente sem a clara compreensão da organização e da dinâmica ambiental. As respostas que podem ajudar a entender os ambientes e oferecer um referencial de sustentabilidade ambiental para um uso racional dos seus recursos naturais só serão encontradas dentro de um enquadramento que considere a totalidade do meio ambiente e a sua dinâmica no espaço e tempo. Nessa abordagem interativa, a organização social, o nível de utilização tecnológica e o modo de produção da sociedade humana não podem ser desconsiderados. A incorporação do adjetivo sustentável à palavra desenvolvimento não o isenta dos efeitos negativos que produz, quando pensado de forma autoritária e inconseqüente. Desse modo, para a efetivação da sustentabilidade pretendida, faz-se necessário diagnosticar o estado atual do ambiente43 a fim de conhecer os desequilíbrios e, portanto, a sustentabilidade do mesmo. Segundo Moreira e Carmo (2004, p. 5), Para um desenvolvimento rural sustentável, a partir da agroecologia, que não pretende ser hegemônica para todas as comunidades rurais do mundo, pelo contrário, a sustentabilidade e a estratégia de desenvolvimento rural devem ser definidas a partir de participação e da identidade etnoecossistêmica de cada localidade a ser considerada. A importância do desenvolvimento sustentável se dá na medida em que ele pode ser a base para a criação de um desenvolvimento rural que proporcione maior igualdade e seja ambientalmente sadio. 4 A AGRICULTURA SUSTENTABILIDADE FAMILIAR NA ÓTICA DA A partir dos anos 90 observa-se um crescente interesse pela agricultura familiar no Brasil. Este interesse se materializou em políticas públicas, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e na criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), além do 43 Ambiente é aqui entendido no seu sentido amplo no qual envolvem também as dimensões sociais, políticas, culturais, históricas e econômicas. revigoramento da Reforma Agrária. A formulação das políticas favoráveis à agricultura familiar e à Reforma Agrária resulta em boa parte, da pressão dos movimentos sociais, especialmente das reivindicações dos trabalhadores rurais organizados. Contudo, este segmento não tem sido reconhecido como prioritário pelos governos, haja vista que a agricultura patronal tem concentrado a grande maioria do crédito disponibilizado para financiar a agricultura nacional. Assim, existem hoje dois projetos direcionados para o campo no Brasil. Um que apresenta uma preocupação central com a expansão da produção e da produtividade agropecuária, na incorporação de tecnologia e na competitividade do chamado agribusiness, ―com uma tendência a espacialização funcional da produção agrícola dos lugares‖ (CASTILLO, 2004, p. 81). Este enfoque se liga aos interesses empresariais dos diversos segmentos que compõem o agronegócio. Outro segmento em contraposição, que enfatiza os aspectos sociais e ambientais do processo de desenvolvimento, de acordo com o que vem se denominando sustentabilidade do desenvolvimento rural, que procura equilibrar a dimensão econômica, social e ambiental do desenvolvimento. Este segundo enfoque elegeu a agricultura familiar como um dos seus principais elementos norteador. Uma pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), cujo objetivo principal era estabelecer as diretrizes para um ―modelo de desenvolvimento sustentável‖, escolheu como forma de classificar os estabelecimentos agropecuários brasileiros, a separação entre dois modelos: ―patronal‖ e ―familiar‖. Enquanto o modelo patronal teria como característica a completa separação entre gestão e trabalho, a organização descentralizada e ênfase na especialização, o modelo familiar teria como característica a relação íntima entre gestão e trabalho, a direção do processo produtivo conduzido pelos proprietários, a ênfase na diversificação produtiva e na durabilidade dos recursos e na qualidade de vida, a utilização do trabalho assalariado em caráter complementar e a tomada de decisões imediatas, ligadas ao alto grau de imprevisibilidade do processo produtivo (FAO/INCRA, 1994). A escolha da agricultura familiar está relacionada com multifuncionalidade desse tipo de agricultura, que além de produzir alimentos e matérias-primas, gera mais de 80% da ocupação no setor rural e favorece o emprego de práticas produtivas ecologicamente mais equilibradas, como a diversificação de cultivos, o menor uso de insumos industriais e a preservação do patrimônio genético. Drew (1986) afirma que o debate sobre as condições e importância da agricultura familiar tem produzido inúmeras concepções, interpretações e propostas, oriundas das diferentes entidades representativas dos pequenos agricultores, dos intelectuais que estudam a área rural e o ambiente físico onde ela se desenvolve e dos técnicos governamentais encarregados de elaborar políticas nacionais para o setor rural sem, contudo, dar conta dos tipos de recursos naturais existentes nas áreas onde se estabelecem e desenvolvem as relações de produção da agricultura familiar. Neste sentido, Wanderley (2001) afirma que o meio rural, hoje, aparece também como portador de soluções vinculadas à melhoria do emprego e da qualidade de vida. Para Veiga (1998), o Brasil Rural precisa de uma estratégia de desenvolvimento, em que o desenvolvimento rural deva visar à maximização das oportunidades de desenvolvimento humano em todas as regiões do país, diversificando as economias locais, a começar pela própria agropecuária. A agricultura familiar é capaz de admitir uma distribuição mais equilibrada da população no território, em relação à agricultura patronal, normalmente associada à monocultura. Tais argumentos devem ser considerados no debate sobre os caminhos para a construção do desenvolvimento sustentável. Apesar do consenso existente entre vários autores sobre a importância da agricultura familiar para a sustentabilidade ambiental as visões em relação ao modelo que essa agricultura familiar deveria adotar, divergem em certos aspectos. A agricultura familiar não é uma categoria social recente, nem a ela corresponde uma categoria analítica nova na sociologia rural. No entanto, sua utilização, com o significado e abrangência que lhe tem sido atribuído nos últimos anos, no Brasil, assume ares de novidade e renovação (WANDERLEY, 2001 p. 21). Para Abramovay (1992), em lhe sendo favorável esse ambiente e com apoio do Estado, a agricultura familiar preencherá uma série de requisitos, dentre os quais fornecer alimentos baratos e de boa qualidade para a sociedade e reproduzir-se como uma forma social engajada nos mecanismos de desenvolvimento rural. O pensamento deste autor fica mais claro quando expressa que ―se quisermos combater a pobreza, precisamos, em primeiro lugar, permitir a elevação da capacidade de investimento dos mais pobres. Além disso, é necessário melhorar sua inserção em mercados que sejam cada vez mais dinâmicos e competitivos‖. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Existe uma corrente que defende o principio de que o agricultor familiar está fortemente inserido nos mercados e procura sempre adotar novas tecnologias. Em contraposição, existe outra que destaca a autonomia relativa do pequeno produtor, enfatizando a utilização de recursos locais, a diversificação da produção e outros atributos que apontam para a sustentabilidade dos sistemas de produção tradicionais. Nessa visão, a sobrevivência do agricultor familiar teria muito mais de resistência do que de funcionalidade à lógica da expansão capitalista. Este segundo enfoque está associado ao que se conhece como agroecologia. Na agroecologia, os objetivos de um programa de desenvolvimento rural sustentável devem, segundo Altieri (2002), apresentar: a) Segurança alimentar com valorização de produtos tradicionais e conservação de germoplasma de variedades cultivadas locais; b) Resgatar e reavaliar o conhecimento das tecnologias camponesas; c) Promover o uso eficiente dos recursos locais; d) Aumentar a diversidade vegetal e animal de modo a diminuir os riscos; e) Reduzir o uso de insumos externos; e f) Busca de novas relações de mercado e organização social. O desenvolvimento rural, sob essa ótica, representa uma tentativa de ir além da modernização técnico-produtiva, apresentando-se como uma estratégia de sobrevivência das unidades familiares que buscam sua reprodução. O modelo não é mais o do agricultor-empresário, mas o do agricultorcamponês que domina tecnologias, toma decisões sobre o modo de produzir e trabalhar (SCHNEIDER, 2003). Segundo Costabeber e Caparol ( 2003, p. 1), O processo de desenvolvimento rural, para ser sustentável, precisa encerrar não apenas uma mudança no tamanho (aspecto físico quantitativo), mas especialmente uma expansão das qualidades e oportunidades (aspectos qualitativos) como condição necessária para o alcance de ganhos sociais, econômicos, ambientais, políticos e culturais. A agroecologia não está centrada numa agricultura apenas de subsistência, mas a integração ao mercado de produtos e insumos deve ser olhada com precaução, para não aumentar a dependência do produtor. Por outro lado, há que se considerar que os autores que enfatizam a necessidade de modernizar a agricultura familiar, também não deixam de reconhecer os impactos ambientais e sociais que muitas das chamadas técnicas modernas têm provocado ou poderão vir a provocar. Existe um consenso sobre a necessidade de construir uma agricultura mais sustentável que considere os aspectos sociais, ambientais e econômicos, e sobre a importância dos agricultores familiares na construção desse novo modelo, mas ainda há divergências sobre os modelos mais apropriados para que a agricultura familiar atinja esses objetivos. Apesar do consenso mencionado, há uma linha que defende maior competitividade e integração nos mercados e o enfoque agroecológico que se fundamenta numa profunda mudança no modelo tecnológico, na organização da produção, na mudança de valores, ou seja, na própria organização da sociedade. Neste sentido, ―a única forma de se evitar um tal último recurso, seria por uma inversão política total, que gerasse um novo equilíbrio, no qual a tecnologia, a economia e a própria história passassem a estar sob controle social‖ (STAHEL, 1998, p. 119). A partir das abordagens teóricas aqui delineadas de forma sucinta, defende-se o principio de que a sustentabilidade na agricultura familiar deva ser fundamentada no conceito de ecodesenvolvimento, na perspectiva local. No entanto, ―ao se estabelecer o limite do local, não se deve perder de vista as contradições do espaço dentro da sociedade e da prática social‖ (CONCEIÇÃO, 2004, p. 34). Este modelo de desenvolvimento tem como ―compromisso básico valorizar as contribuições das populações locais nas transformações dos recursos do seu meio. Em vez de serem soluções boas, uniformes para todos‖, cópias de modelos de outros países, o ecodesenvolvimento recomenda soluções endógenas, pluralistas, baseadas nas diferenciações de cada local/região e se apóia segundo Barbiere (2002, p. 19), em cinco pilares: a) deve ser endógeno; b) deve basear-se em suas forças; c) deve ter como ponto de partida a lógica das necessidades; d) promover a simbiose entre a sociedade e natureza; e) deve estar aberto às mudanças institucionais. Não se pode deixar de considerar os conjuntos de técnicas disponíveis, a precariedade dos transportes à circulação e a comunicação na produção agrícola seja na agricultura de precisão, seja na agricultura familiar. Não se deve discutir agricultura e sustentabilidade sem relacioná-la aos aspectos como circulação, comunicação e mecanização da agricultura. Neste sentido, as redes são fundamentais tanto nas escalas global e nacional quanto na escala local, muito embora apresentando perspectivas diferentes para a escala local. 6 REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo: HUCITEC/UNICAMP, 1992. ALTIERE, Miguel. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1998. ALTIERE, Miguel. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. Tradução de Eli Lino de Jesus e Patrícia Vaz. Guaíba, RS: Livraria e Editora Agropecuária Ltda, 2002. ALTIERE, Miguel. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. 2ª ed. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2000. BARBIERI, Jose Carlos. Desenvolvimento e meio ambiente: as estratégias de mudança da Agenda 21. 5ª. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2002. v. 1. 160 p. CASSETI, W. Ambiente e apropriação do relevo. São Paulo: Contexto, 1991. CASTILLO, R. 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Sheyla Silveira Andrade44 1 INTRODUÇÃO Os termos family farm ou family farmer, pelo seu uso restrito e contextualizado, não foram analiticamente incorporados por pesquisadores brasileiros; no início da década de 90 ainda não era cogitada a utilização do conceito agricultura familiar. Tais produtores foram aqui distinguidos como agricultores integrados ou tecnificados e sob estes aspectos pesquisados. Havia uma preocupação com a diversidade de modos de existência e o irreconhecimento de uma categoria genérica de designação. Após essa fase o termo agricultura familiar foi assumido por pesquisadores de diferentes áreas no Brasil. Muitos trabalharam na efetivação da utilização do termo agricultura familiar com o intuito de reconhecer a legitimidade dos objetivos da ação política de trabalhadores rurais, em busca de enquadramento profissional, de acesso aos recursos creditícios e assistência técnica. O termo agricultura familiar é uma convergência de esforços de certos intelectuais, de políticos e de sindicalistas articulados pelos dirigentes da Confederação Nacional dos trabalhadores na Agricultura, mediante apoio de instituições internacionais, mais especificamente a Organização das Nações 44 Graduada em Geografia licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe Cursando Geografia Bacharelado e mestrado na linha de pesquisa Produção e Organização do Espaço Agrário no Núcleo de Pós-graduação em geografia na mesma entidade. E-mail: [email protected] Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Os articuladores desse projeto reconhecem a racionalidade econômica e social da pequena produção agrícola e por isso valorizam os trabalhadores e agricultores rurais. VEIGA apud NEVES (2007) advoga as vantagens de reflexão em torno do termo agricultura familiar afirmando que não é o tamanho dos estabelecimentos agropecuários o fato de maior relevância no desenvolvimento da produtividade na agricultura e sim a tecnologia. Assim, o desenvolvimento eficaz da agricultura de pequeno porte depende mais da introdução de inovações tecnológicas, da localização, da qualidade do solo, do que à área inicial do estabelecimento. NEVES ainda ressalta que: A proposição da agricultura familiar como termo de apelação de um setor produtivo também correspondeu a procedimentos de mobilização política, visando à criação de princípios para enquadramento institucional de diferenciados usuário de serviços e recursos públicos. Por esse motivo, consagrou-se a construção de contrapostos modelos de desenvolvimento econômico e social, capazes de qualificar as formas de organização de unidades produtivas, um deles politicamente correspondente ao desejado valor da sustentabilidade econômico-social. Ou diferenciado por melhor corresponder aos ideários elaborado diante do enfrentamento da reconstrução produtiva, genericamente reconhecida pelo termo de globalização. Emerge então no decorrer desses processos, a construção do agricultor familiar como sujeito de direitos, consagrados enfim pelo PRONAF [...] (2007, p. 229 - 230). Para essa linha de pensamento às características dos agricultores familiares não se encontram nem na agricultura nem na família, mas no projeto político de constituição de uma categoria socioeconômica, como categoria socioprofissional e jamais pode ser compreendida como estado. Deve incorporar os conteúdos atribuídos por definições politicamente construídas, segundo negociações de interesses e conquistas relativas, cristalizadas no texto instituidor do PRONAF: Modelo de organização da produção agropecuária onde predominam a interação entre a gestão e o trabalho, a direção do processo produtivo pelos proprietários e o trabalho familiar complementado pelo trabalho assalariado (NEVES, 2007, p.234) Ainda, nessa linha de pensamento o PRONAF sistêmico é uma linha de crédito rural de custeio e investimento para atividades agropecuárias e não-agropecuárias, sendo que consentirá financiar um conjunto de despesas que estejam avaliadas como conservação do agricultor e de sua família. O novo programa do Governo Federal visa financiar o conjunto da propriedade em uma única operação de crédito e ainda proporcionar um desenvolvimento ambiental equilibrado. Com a simplificação do PRONAF os juros permanecem mais baixos e os limites de crédito são alargados. 2 O PRONAF E A PLURIATIVIDADE Para NEVES (2007) os mentores da redefinição do PRONAF, no Plano de Safra 2003/2004, preconizam a tomada de posição do desejado agricultor frente às alternativas de inserção no mercado. Advogaram a constituição de vínculos mercantis em mercados cujas relações não acentuassem os riscos de apropriação abusiva de excedentes e de expropriação. O mercado interno (local ou regional) foi então concebido como mais propicio às estratégias de controle da concorrência, especialmente as praticadas pelas empresas que se apresentam sob monopólios. Nestes termos os atributos que configuram a categoria socioeconômica projetam a construção de paradigmas para a ação estatal e para os investimentos que buscam o reconhecimento social sob a condição de afiliação. ABRAMOVAY e PIKETTY (2005) comungam do mesmo viés de raciocínio ao explanar que diante das dificuldades do crescimento econômico, devido às desigualdades e a cisão entre equidade e eficiência (provocados pela concentração nas mãos de minorias as possibilidades de ganhos econômicos), as políticas distributivas seriam uma alternativa viável. E ainda o PRONAF é inovador e indica um caminho para que a distribuição de ativos (créditos) seja uma das bases do processo de crescimento econômico. Porém, a unidade entre equidade e eficiência depende dos mecanismos de incentivo e das instituições que determinam o andamento de cada programa público. Sacco dos Anjos alerta para a definição do público alvo pelo PRONAF. O Programa identifica o verdadeiro agricultor como aquele produtor apoiado quase que exclusivamente na exploração agropecuária de uma unidade de produção. Assim, a profissionalização do produtor é entendida como um estímulo à especialização e ao produtivismo (HILLIG, 2008, p.115). Tanto a especialização quanto o produtivismo são formas de cooptação do camponês pelo capital financeiro, onde aquele para se inserir nessa lógica torna-se refém deste, pois, é obrigado a produzir um único produto (especialização) que não é de sua escolha, obviamente, mas, da escolha daquele que emprestar-lhe-á o crédito. O camponês possui uma lógica de relação com a terra diferenciada dos capitalistas latifundiários personificados nos agronegócios. Ou seja, o primeiro possui uma relação afetiva com a terra a fim de produzir para atender suas necessidades, tendo o produto como valor de uso e sua troca no mercado para adquirir outras mercadorias a qual não produz. A produtividade está para o capitalista, pois, este possui um desejo obsessivo de acumulação de riqueza, de capital, levando a qualquer custo a miséria e ao empobrecimento de toda classe trabalhadora, através da exploração do trabalho desta. E também a portaria nº 386, de 24/9/1997, criou a declaração de aptidão, pela qual a verificação do preenchimento dos critérios de enquadramento na categoria social agricultor familiar pertence às organizações locais claramente designadas para esse fim: os sindicatos de trabalhadores rurais, as empresas estaduais de extensão rural e também os sindicatos rurais. O acesso ao PRONAF passa pelo vínculo com alguma organização local que qualifica o agricultor familiar. Existe aí um risco de cartorialismo e mesmo de exclusão. (HILLIG, 2008, p.117) NEVES (2007) afirma que formas de inclusão resseguram que os termos agricultura familiar e agricultor familiar apresentamse como categoria de mobilização política, fundamental na construção da identidade de atores aglutinados em torna da luta pelo reconhecimento da cidadania econômica e política. ABRAMOVAY e PIKETTY (2005) observaram que os termos anteriormente utilizados (pequena produção, agricultura não-comercial, etc.) davam uma conotação marginalizada a esse segmento hoje chamado de agricultura familiar. Os fatores científicos e políticos foram os responsáveis por desfazer essa visão. Os autores mostraram que nos países mais avançados a agricultura não mais se apoiava em grandes extensões territoriais e no trabalho assalariado. O fator político trás o surgimento de um novo ator nas lutas sociais no campo nos anos 80. Um amplo segmento social, os agricultores familiares, tinha acesso a terra, tomava crédito de organizações bancárias, inseria tecnologia na produção, integrava-se a mercados exportadores, etc. A primeira metade dos anos 90 contribuiu para uma série de reivindicações quanto à política agrícola, que reflete no PRONAF. Dessa forma, o PRONAF é concebido como um ganho das lutas dos movimentos sociais a partir de sua implantação na primeira metade da década de 90. É um discurso muito bonito, que ao mesmo tempo em que tenta acalmar os conflitos de terra no Brasil cria uma ilusão no imaginário da população. Ilusão pautada na inclusão do camponês no mercado, quando na verdade tenta-se eliminar a luta por ―distribuição‖ de terras e ―melhores‖ condições de trabalho no campo. Por parte dos gestores estatais houve, segundo NEVES (2007), a intenção de regularizar a adequação entre liberação dos financiamentos e calendário agrícola dos sistemas de produção dos reconhecidos agricultores familiares. Além disso, houve investimento na tentativa de melhor adequar às condições de acesso no tocante à exigibilidade bancária e à criação de poupança rural. Tais medidas vêm sendo avaliadas como fundamentais para a construção da credibilidade do PRONAF junto aos requisitados agricultores familiares e para expansão da base social dos beneficiários. Porém, o crédito do PRONAF, segundo suas normas operacionais e regras bancárias, aplicadas pelos mediadores locais, direciona os recursos aos agricultores com maior habilidade produtiva e mais vinculados aos mercados estáveis, especialmente as commodities agroindustriais. Para o sistema bancário os beneficiários de crédito de custeio e investimento do PRONAF devem poder reembolsar seus empréstimos, com base nos resultados econômicos advindos de suas atividades. Em tese, se esses resultados são positivos, o sistema bancário deveria interessar pelo seu financiamento. Deixadas, entretanto, ao livre arbítrio do mercado, essas atividades dificilmente serão financiadas, não por possuírem rentabilidade duvidosa, mas por representarem custos de transação bancárias superiores à sua rentabilidade potencial. A escassez dos recursos voltados ao crédito rural torna os maiores tomadores de empréstimos especialmente interessantes aos bancos, não tanto por sua eficiência econômica na operação desses recursos, mas, sobretudo, por sua capacidade de oferecer ao sistema bancário as garantias reais e as contrapartidas que baixam os riscos das operações e ampliam seus ganhos colaterais. (HILLIG, 2008, p.117) Por conseguinte, as instituições (associativismo, cooperativismo, sindicatos, etc.), [...] se articulam tendo em vista fundamentalmente a concessão de crédito monetário, as alternativas da objetivação do PRONAF passam a reduzi-lo a este único e restrito serviço. Ora, por suas intenções, ele não é apenas um programa de crédito. Na verdade, o PRONAF [...] propõe a construção de quadros institucionais para reconhecimento da categoria sócio-profissional produtor familiar, especialmente através do crédito, recurso fundamental para a redefinição dos modos não só produtivos de inclusão social. Ele se apresenta, ao mesmo tempo, como instrumento referenciador dos valores atribuídos ao exercício da cidadania; e como instrumento fundamental ao reconhecimento da importância social e econômica do produtor familiar‖ (NEVES, 2007, p. 258). Dessa forma, NEVES (2007) concebe o conceito de agricultura familiar como aquele capaz de aglutinar o pequeno produtor em torno de um propósito de formação da categoria sócio-profissional, ela concebe-o como positivo. Porém, ela alerta para um problema, o pequeno agricultor, ao qualificar as dificuldades como burocratização, passa a conhecer e a qualificar a externalidade do programa e desaniman-se diante da primeira dificuldade. O agricultor precisa se sentir valorizado para projetar o futuro e se construir como parte de um sistema de possibilidades e de alternativas. Tornar-se produtor é integrar-se em redes sociais e, principalmente, institucionais; é identifica-se com outros agentes econômicos e com eles criar alianças, especialmente as que fundamentam as possibilidades de comercialização sob certa estabilidade. Ou seja, a preocupação da mesma consiste em um melhoramento de todo aparato institucional que dê subsidio aos pequenos agricultores tanto para um apoio inicial de crédito como da manutenção de ajuda na conservação da estabilidade em longo prazo. É preciso esclarecer que este tipo de alternativa se torna inviável ao passo que no modo de produção capitalista, que tem como principio a acumulação de riqueza através da exploração do trabalho, tem nesse termo (agricultura familiar) apenas uma forma de camuflar a verdadeira intenção política a que se pretende. Assim, como diversas ONGs e parte dos sistemas cooperativistas o que se pretende é esconder a desmobilização do camponês como ser histórico e revolucionário, dotado de capacidade de transformação da realidade, esta que vem por muito tempo o constrangendo. A questão agrária brasileira, sob a égide desse termo (agricultura familiar), em nada ajuda na mobilização do camponês. Até porque o crédito não tem chegado para todos, de acordo com MAGALHÃES apud HILLIG (2008, p. 115) ―o programa só estaria atingindo seus objetivos em algumas partes do país, principalmente no sul e com aqueles ligados aos agronegócios‖. Além disso, existe o conflito entre a necessidade de financiar agricultores familiares para a participação nos mercados e objetivos sociais para todo o grupo de agricultores familiares. Esse termo além de ser criado de cima para baixo, o que se deduz que não vai atender aos interesses a quem foi destinado, também funciona de forma instrumentalizada pelo Estado como principal agente mobilizador não de ações políticas e sim de cooptação do camponês pelo capital e pelo mercado. O único conceito capaz de reivindicar sob sua égide a mobilização de uma classe em prol de suas necessidades no campo é o camponês. Pois, como é sabido, em toda a sua existência, possuindo diferentes leituras a cada tempo histórico e espaço em que se situava, este sujeito esteve envolvido no palco das lutas. Por outro lado, o conceito de pluriatividade é amplamente difundido no meio acadêmico para resumir o significado de atividades extra-agrícolas. Segundo aquele conceito estas atividades são manifestadas de várias formas, através de trabalhos com artesanato, com turismo rural, nas indústrias, etc. Essas atividades praticadas pelos camponeses permitem a ampliação da renda do camponês, mas ao mesmo tempo implica numa maior exploração do trabalho. Esse pequeno aumento de renda, se comparado à renda obtida através de trabalhos árduos a que se encontrava submetido antes dessa nova forma de trabalho, esconde a verdadeira exploração que ele está submetido; e agora não só através da subsunção dos produtos agrícolas na distribuição e na circulação, mas, também através do trabalho excedente nãopago nas indústrias. O advento da industrialização difusa é indicativo desse novo caráter de exploração. Assim entende-se que a industrialização difusa ou descentralizada, [...] além de ter uma estrutura de produção pulverizada de unidades de pequeno porte fortemente ligadas ao ambiente social e econômico local estabelece relações mercantis muito particulares, verdadeiros nichos no mercado internacional (SCHNEIIDER, 1999, p. 64). Ou seja, leva em consideração a disponibilidade de mãode-obra existente tirando proveito daquela que é mais barata e desorganizada; expandindo sua área de influência para longe dos centros urbanos, pois, estes não se encontram propícios ao desenvolvimento de atividades tanto devido à presença de deseconomias de aglomeração quanto à presença de sindicatos. Além disso, a fuga da rigidez dos contratos de trabalho, maior flexibilização; a fixação da população no meio rural, evitando o aumento da superlotação e o caos nas cidades; e a melhor assimilação dos impactos da modernização agrícola. O aparecimento de economias regionais de características localizadas, intensamente ligadas ao esquema global de acumulação capitalista, é indicativo do colapso do fordismo e do advento da reestruturação produtiva do capital. Elas representam uma possibilidade de flexibilização das relações de produção nos objetivos de uma nova forma de acumulação. Isso não significa que a influência do processo estrutural local não ocorra, pelo contrário é uma relação dialética. Ou seja, a reestruturação produtiva impõe mudanças, através da industrialização difusa e da flexibilização das relações de trabalho, que são atribuídas à população levando em consideração as atividades produtivas de cada localidade. E também, é comum que o espaço social e econômico local retenha alguns traços característicos de seu passado camponês ou colonial. No entanto, as indústrias passaram a dar maior importância ao processo de descentralização ao perceber que esta seria uma estratégia para enfrentar os novos desafios organizacionais da flexibilização dos processos produtivos adequados a um ambiente onde o operário não dependesse exclusivamente do seu salário. Nesse sentido, os camponês-operários (termo utilizado por SCHNEIDER (1999)) são sujeitos que não possuem nem características somente camponesas, nem somente operárias, eles se identificam como camponeses, mas são trabalhadores da indústria. A sua condição não é necessariamente a de operário, nem eles se consideram como indivíduos da classe operária, apesar de suas atividades industriais terem diminuído bastante sua atividade agrícola. O que os diferencia dos outros operários é o fato de se ocuparem na lavoura, mesmo que para subsistência, de pertencerem a famílias que tem propriedade das terras que cultivam, mesmo em pequena quantidade, e de não morarem na área urbana. A condição de camponês-operário tem haver com o ambiente no qual ocorre a ligação do indivíduo assalariado com a atividade rural. Ser camponês não significa apenas ser um agricultor que cultiva a terra, mas comportar-se de acordo com um conjunto de valores simbólicos. Embora um camponêsoperário seja assalariado, a reprodução dos seus valores se dá num ambiente distante da fábrica. Porém, a aproximação com o ambiente fabril, através do acesso a empregos fora da propriedade, pode fazer com que muitos desses valores e normas sejam diminuídos. A aquisição de renda através do assalariamento pode admitir que os jovens tenham acesso a bens de consumo e as mais variadas formas de lazer e de entretenimento. Nesse sentido, inverte-se o papel que historicamente desempenharam as atividades não-agrícolas em sociedades camponesas: o de ser um rendimento complementar e esporádico. Mas, isso não significa que dessa forma, por assumir a condição de camponês-operário, o camponês deixou de ser explorado e de ser uma relação não-capitalista de produção. O que antes eram atividades complementares e temporárias, exercidas em períodos de pouca demanda de força de trabalho na unidade produtiva camponesa, assume, agora, um caráter estável e decisivo à manutenção da família e da propriedade. Assim, pôde-se observar que nem a pluriatividade nem o PRONAF tem, apesar da tentativa de inserção dos camponeses no mercado, a função de inclusão livre de benefícios ao acúmulo de riqueza cada vez mais exacerbado. Até porque com a mundialização cada vez mais evidente das formas de concentração de capital, para a manutenção de ―estabilidade‖ do capital, é impossível que haja uma suposta divisão do bolo. O que ocorre é que o Brasil possui um movimento social no campo bastante significativo frente às intempéries do capital, então, é necessário frear o desenvolvimento deste movimento e ao mesmo tempo cooptar os camponeses, criando uma ilusão de inclusão. Dessa forma, fragmenta-se a luta, já que um ou outro camponês acabará ascendendo e este servirá de estímulo a aqueles que criam o desejo de se inserir em um projeto que não corresponde aos anseios deste segmento social. Assim, será que os agricultores familiares vão ter crédito de forma mais ágil e mais adequada às suas necessidades? 3 A INSERÇÃO DOS CAMPONESES NO MERCADO Por conseguinte, é preciso esclarecer que, mesmo que o camponês venha a obter crédito proveniente do PRONAF, o processo de reprodução capitalista ampliada do capital é contraditório; além de redefinir antigas relações subordinandoas à sua reprodução, engendra relações não-capitalistas igual e contraditoriamente necessárias à sua reprodução. O capital, em sua essência, para dominar um ramo de atividades (que nesse caso é a agricultura) necessita da separação entre o produtor direto e os meios de produção, ou seja, de uma crescente massa de camponeses expropriada, de trabalhadores ―livres‖. Estes tendo apenas como propriedade a sua força de trabalho e não tendo instrumentos de trabalho, sem objetos, sem um meio de trabalho (que no caso é a terra). Esses trabalhadores são livres no sentido de que têm a liberdade de vender a um capitalista, proprietário dos meios de produção, através de um contrato, a sua força de trabalho; podendo por isso mesmo, a qualquer instante, desfazer o contrato. Por conseguinte, o que acontece é que nem sempre se dá a separação, entre o produtor direto e os seus meios de produção, como foi referida anteriormente. É certo que se conserva a propriedade da terra por parte dos camponeses que não foram expropriados, mas eles não têm a propriedade real. Conserva-se, também, a aparência de um ―produtor comerciante‖ que oferece produtos ao mercado, mas, na verdade é um vendedor da força de trabalho, e sua venda é disfarçada pela aparência da produção comercial. Assim o produtor é reduzido ―à condição de trabalhador domicílio‖. Na medida em que o produtor preserva a propriedade da terra sem o recurso do trabalho assalariado, utilizando unicamente o seu trabalho e o da sua família, ao mesmo tempo em que cresce a sua dependência em relação ao capital, o que temos não é a sujeição formal do trabalho ao capital. O que esta relação nos indica é outra coisa, bem distinta: estamos diante da sujeição da renda da terra ao capital (MARTINS, 1981, p.175). Se o trabalhador produz diretamente uma parte de seus meios de vida, destrói o caráter salarial de sua remuneração porque entrega ao capitalista diretamente, em forma material diversa, o seu trabalho excedente. Nesse caso, o trabalhador pode ser livre, mas não formalmente igual, o que impede essa relação como capitalista. (MARX apud MARTINS, 1981, p.19) O camponês não existe a partir de uma relação de trabalho assalariada, isso significa dizer que não se trata de uma forma capitalista de produção. Mas, isso não expressa que não haja exploração do seu trabalho de uma forma até mais ilusória que o operário, já que aquele se sente proprietário tanto da terra quanto do seu trabalho, pois, os meios de produção se encontram em suas mãos. O que o camponês não sabe é que quando ele comprou a terra ela é renda capitalizada que espera a valorização do seu trabalho para render frutos ao capitalista na distribuição e circulação da produção. Sabemos que o capital se mantém, também, através das relações não-capitalista, pois, o dinheiro que é investido na produção camponesa ajuda o capitalista a usufruir a mais-valia na distribuição e na circulação da produção. Assim, a transformação da condição do camponês no campo e a transformação do operário em lupemproletariado na cidade vai levá-los a entender a necessidade de tomar para si os meios de produção e utilizá-los de forma igualitária e justa; vai leválos a compreender que algo que é estranho a sua lógica de sobrevivência (baseada no valor de uso para atender a suas necessidades) se elevou diante deles a tal ponto que ou eles promovem a luta como sujeitos históricos que são ou estão fadados a desaparecer em meio a uma barbárie aguda. É importante frisar que não se pode determinar o que vai acontecer na história, mas é preciso acreditar em algo que dê suporte a uma transformação que surgira ao longo dos acontecimentos históricos. Portanto, o atual desenvolvimento contraditório do modo capitalista de produção, na sua etapa monopolista, cria, recria, domina relações não-capitalistas de produção como o campesinato e a propriedade capitalista da terra. A terra sob o capitalismo tem que ser entendida como renda capitalizada. Então, o processo contraditório do desenvolvimento do capitalismo se faz através da sujeição da renda da terra ao capital, quer pela compra da terra para explorar (através da extração da mais-valia, ou seja, trabalho não-pago, aos parceiros, arrendatários, etc.) ou vender, quer pela subordinação à produção do tipo camponesa. Nesse último caso o capital não pode tornar-se proprietário real da terra para remover juntos o lucro e a renda, como é o caso da compra daquela para explorar ou vender, assim, ele se garante em estabelecer a dependência do produtor em relação ao crédito bancário. O que acontece com a pequena plantação de base familiar é que o camponês está comumente cheio de dividas com o banco. Assim, o produtor poderá, sem qualquer modificação visível, continuar proprietário, entregando ao banco anualmente os juros (aqui está embutida parte da mais-valia, ou seja, trabalho não pago ao camponês) do empréstimo que faz, ou caso não tenha como pagar as dividas se tornara despossuido de suas terras, podendo torna-se proletário rural. Ou ainda, a subordinação da produção camponesa se dá através da distribuição e da circulação dos produtos agrícolas. Na ilusória realidade da classe dominante observam-se três tipos de proprietários distintos: o capitalista, proprietário do capital; o dono da terra, proprietário da renda da terra; e o trabalhador, proprietário do salário. Se todos são proprietários, embora de coisas distintas, então todos os homens são iguais e possuem iguais direitos. Enquanto não superarmos essa aparência e procurarmos como realmente são produzidos esses proprietários pelo sistema capitalista, não podemos entender que o salário não é propriedade do trabalhador, mas é o trabalho não-pago pelo capitalista (mais-valia); que a renda não vem da terra, mas de sua transformação em capital pelo trabalho não-pago do camponês; e que, o capital é efetivamente proprietário. Isso acontece porque a ideologia é ilusão, isto é, abstração e inversão da realidade, ela permanece no plano do imediato do aparecer social. [...], o aparecer social é o modo de ser do social de ponta-cabeça (CHAUI, 2005, p.9). Por outro lado, a obtenção de tecnologia pelos camponeses para prover sua produção a partir da aquisição de créditos poderia torná-los como aqueles fazendo parte do agronegócio de base familiar? Será que a partir da penetração da tecnologia no campo o camponês deixará de existir e tornar-seá agricultor familiar? Transformar-se-á em pequeno capitalista? Na verdade ele só vem revestido de uma nova roupagem mais moderna; o que pode tornar o entendimento e análise mais ilusórios por parte de alguns estudiosos desavisados, que nos tempos remotos observaram a existência de menos tecnologia. O próprio desenvolvimento desigual do capital é que, ao introduzir uma nova tecnologia, possibilita que se dê na própria unidade familiar, condição de criação de excedentes (aumento da produção), que possibilite a contratação de trabalhadores assalariados e a converta em unidade de produção capitalista. Como da mesma forma pode transformar os camponeses, que tentam introduzir tecnologia na sua produção, em proletariados rurais. Assim, [...] a combinação do arcaico e do ultramoderno não é uma anomalia em nossa sociedade, para a desilusão, possivelmente, daqueles velhos antropólogos e sociólogos que trabalham com a polarização irremediável do tradicional e do moderno. Tradicional e modernos não estão polarizados, mas contraditoriamente combinados. Essa é a forma que a acumulação capitalista assume nessa sociedade, que se dá, também, através dos incentivos fiscais, das isenções, das doações do Estado, da transferência da riqueza pública para o particular. Nosso capitalismo é um capitalismo tributário, um capitalismo que se alimente, sobretudo, da arrecadação de tributos e não só da exploração da força de trabalho. Um capitalismo que vive, ainda, da renda da terra, que é forma absolutamente irracional de acumulação (MARTINS, 1993, p.5455). Uma sociedade em que o trabalho não reduza homens e mulheres a simples ferramentas de produção torná-los-iam livres no sentido de desenvolver suas personalidades de maneira harmoniosa e no encurtamento da jornada de trabalho. Para permitir que isso se torne possível, a liberdade no trabalho só pode consistir em homem socializado, os produtores associados regulam seu intercâmbio com a natureza; e conseguindo isto com o mínimo dispêndio de energia e sob condições mais favoráveis e dignas de sua natureza humana. Assim, a tecnologia deveria ser produzida nesse sentido, como um bem de usufruto da humanidade e menos dispêndio de energia, e não para atender a acumulação. ―O trabalho necessário por seu lado esconde encobre o trabalho excedente, de modo a ocultar a exploração do trabalho‖ (MARTINS, 1981, p. 19). Nessa sociedade, em que a apropriação do excedente de trabalho se dá a partir do controle da produção, e esta se dá pela propriedade privada dos meios de produção, prevalece à divisão de classes em prol da acumulação de riqueza por aqueles que se apropriam do excedente de trabalho; que apesar de o camponês possuir o controle da produção, e em algumas situações a propriedade privada dos meios de produção (a terra), ele não acumula riqueza através da apropriação do excedente de trabalho, pois, sua lógica é nãocapitalista. Pois, nessa sociedade em que a divisão em classes se apóia tanto na apropriação do excedente, por aqueles que nada produzem (exploradores), quanto na divisão do trabalho, que essa apropriação gera, o camponês não consegue enxergar seu trabalho explorado numa outra esfera do processo de produção do espaço pelo seu produto, ou seja, na distribuição e na circulação, em que ocorre a exploração do seu trabalho. E também porque ao fim do processo de trabalho ele pensa que o dinheiro, que ele investiu na produção, será recuperado na venda de seus produtos ao mercado, sendo isso para ele uma lógica ‗natural‘ de venda e nada tendo haver com o valor gerado pela sua força de trabalho. Uma vez que, o capital encontrou mecanismos de cooptar a produção camponesa não-capitalista, mesmo esta produzindo numa lógica diferenciada daquele, através do sentido que rege o sistema produtor de mercadorias, a acumulação de riqueza através do trabalho não-pago a qualquer tipo de trabalhador. É preciso que o camponês tome consciência de que a resistência coletiva é a única forma de retorno e permanência na terra, com o usufruto do trabalho retirado da mesma, e não como exploração daquele a partir de uma lógica que lhe é estranha. A resistência a partir do contexto em que está posta é pontual, exceto nos movimentos sociais, e muitas vezes o Estado consegue cooptar os camponeses para se inserirem na lógica do mercado. Existe uma gama de interesses dentro dos ―diferentes‖ tipos de camponeses (parceiros, meeiros, ocupantes, etc.) que impedem que eles se enxerguem como classe. A partir do momento em que eles se encontrem nas mesmas condições materiais de existência, eles iram perceber que somente como classe eles poderão transformar a realidade. A compreensão do papel fundamental e do lugar dos camponeses na sociedade capitalista e no Brasil é fundamental. E ainda ou entende-se a questão no interior do processo do desenvolvimento do capitalismo no campo, ou então persistirse-á a ver muitos autores assegurarem que o PRONAF é um meio de inserção dos camponeses no mercado. Eles permanecem lutando para conquistar o acesso às terras em muitas partes do Brasil através dos movimentos sociais. E ainda eles ao invés de se proletarizarem, passaram a lutar para permanecerem camponeses. O estudo do campo no Brasil deve levar em consideração que o processo de desenvolvimento do modo capitalista de produção no território brasileiro é contraditório e combinado. Ou seja, a partir do momento em que os camponeses perdem sua condição de permanência na terra (regularizada dentro da lógica capitalista da propriedade privada), e não a sua condição como camponês (representação simbólica dos seus valores que foram obtidos durantes sua vida e nunca deixara de existir), e se encontram na mesma condição que os demais sem terra, eles partem para a luta. E somente nessa situação passam a se ver como classe, pois, antes eles não queriam perder a sua condição nas diferentes concepções de camponês (rendeiro, posseiro, proprietário formal da terra, etc.) e por isso não conseguiam se ver como classe. As classes lutam entre si por objetivos específicos e assim se determinam enquanto tal. Elas são determinadas pelo fato de que, há os que não têm propriedade e os que têm. Esta última afirmação leva a uma indagação: por que alguns camponeses, então, possuem a propriedade de sua terra? Já que eles não são capitalistas. Foi afirmado anteriormente que eles só possuem a propriedade formal da terra, pois, sua força de trabalho é subsumida na distribuição e na circulação do seu produto e eles não têm como intenção a acumulação de riqueza e sim atender as necessidades. É preciso que haja a luta para que o camponês tenha consciência em si e consciência para si. A primeira diz respeito ao fato que o camponês deve se colocar no lugar do outro para se perceber como classe. E para se colocar no lugar do outro é necessário que ele esteja na mesma condição do outro, para que ambos se unam em um objetivo especifico. Se por exemplo o camponês tiver a oportunidade de se inserir ou pelo menos se imagine dentro do sistema do capital de forma não marginalizada, ele terá como objetivo especifico a mudança de lógica da sua produção e sua inserção no mercado assumindo essa nova lógica. Ou seja, ele deixara de ter o objetivo especifico de outro camponês que se encontre na mesma situação que a sua e poderá até se tornar um latifundiário capitalista. Porém, se esse camponês perde sua terra ele pode se perceber no outro e pode se juntar aos movimentos sociais que tem como objetivo especifico a luta organizada pela terra (consciência para si) ou, infelizmente tornar-se proletariado rural, caso ele não observe aquela alternativa. É preciso entender que para haver a superação da sociedade vigente, tanto o camponês como o proletário e o desempregado têm que ir a luta para suplantar não só a condição a que estão submetidos, mas também, a situação daquele que o submete a isso. Ou seja, é preciso superar a condição dos proprietários dos meios de produção através da eliminação da propriedade privada; pautados em novos valores que levem em consideração os valores de uso dos sistemas de objetos construídos pelo homem através do trabalho e da tecnologia acumulada. Finalizando com o sistema de ações que consiste na materialização do processo de trabalho em transformar e produzir o espaço como ação consciente dialeticamente voltada para ruptura das estruturas sociais e econômicas. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Por fim, os camponeses são aqueles que fazem parte de uma classe social o campesinato. Segundo MARTIN (2008, p.5) eles ―[...] constituem uma classe que se constrói no fazer-se da luta pela defesa dos seus valores, de sua formação social e cultural, em oposição a outros valores, ideais e modo de vida‖. Os caracteres desses têm a família como unidade social de trabalho e de exploração da propriedade; as tarefas se dividem entre todos os membros do grupo doméstico, em função das faculdades de cada um, formando assim uma equipe de trabalho. A família assegura a subsistência de todos os membros e aquela geralmente está sob autoridade do pai de família. Procurando perpetua-se por ligação afetuosa com os meios de subsistência (terra e instrumentos) e da herança. Além disso, nas relações sociais de trabalho, na produção de sua existência, o camponês tem por característica ser uma relação não-capitalista de produção. Tanto porque suas relações de trabalho não possuem trabalho assalariado quanto porque o camponês não tem por objetivo a acumulação de riqueza a partir da exploração do trabalho do outro. Isso não significa que não tenha seu trabalho explorado, capturado, subsumido pelo capital na distribuição e circulação dos seus produtos. Ou seja, mesmo que o Estado venha a fornecer créditos para fomentar as suas atividades, para uma futura inserção no mercado, o que não é provável que atinja ao menos grande parte dos camponeses, isso não irá atender a suas necessidades. 5 BIBLIOGRAFIA ABRAMOVAY, Ricardo; e PIKETTY, Marie-Gabrielle. ―Política de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF): resultados e limites da experiência brasileira nos anos 90‖. Cadernos de ciência e tecnologia. Brasília, 2005. AMIM, Samir; e VERGOUPOLOS, Kostas. A questão agrária e o capitalismo. Ed. Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1977. CHAUI, Marilena. O que é ideologia. Editora brasiliense. 2 a revisão revista e ampliada. São Paulo, 2005. HILLIG, Clayton. A cidadania e a racionalidade técnico burocrática nas estratégias de apropriação do Pronaf pelos agricultores familiares. Tese de doutorado. Universidade Federal de Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2008. 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Estas mudanças podem ser percebidas na base fundiária do município, na sua dinâmica produtiva e demográfica, e ainda nas condições e relações de trabalho e na produção específica da atividade cafeeira. O estudo destas alterações exigiu, num primeiro momento, uma retomada das contribuições da Geografia Agrária acerca da produção do espaço agrário, de modo a compreender a forma de inserção do capital no campo e o processo de monopolização do território. Ademais, com vistas ao maior entendimento deste processo foram realizados estudos sobre as intervenções estatais na configuração do espaço agrário brasileiro por meio de programas e incentivos à agroindústria e, sobretudo à agricultura familiar. Como suporte aos estudos destas questões foi realizada uma análise sobre a territorialização da agroindústria cafeeira, no Brasil, no Nordeste, na Bahia e finalmente na Barra do Choça. Para analisar a inserção da atividade cafeeira na Barra do Choça, foi feito um estudo mais profundo sobre o município, focando a sua formação, com apontamentos históricos, 45 Mestre em Geografia pelo Núcleo de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe – UFS. geográficos, econômicos e sociais que justificam o fluxo da produção cafeeira neste município. O segundo momento da pesquisa foi voltado para a compreensão de reestruturação produtiva do capital, observando as alterações que esta estratégia do capitalismo provocou na modernização da agroindústria cafeeira e nas relações de trabalho. Nesta etapa, a reestruturação foi avaliada desde os seus primórdios até os dias atuais, de modo a compreender as suas relações com a cafeicultura do município em estudo. Os escritos mostram as fases pelas quais a atividade cafeeira deste município passou, desde o momento de apogeu, passando pela crise até a sua recuperação. Na investigação sobre a modernização da cafeicultura da Barra do Choça, as condições infra-estruturais não poderiam deixar de ser destacadas e analisadas, pois elas fazem parte do contexto da reestruturação produtiva do capital. Atrelado a este aspecto veio à tona a precariedade do trabalho e das relações de trabalho estabelecidas na atividade cafeeira. Com a abordagem destes aspectos optou-se por trazer à baila, as formas de enfrentamento dos trabalhadores mediante as lutas e a participação em sindicatos e movimentos sociais. Para analisar a reestruturação produtiva do capital e o trabalho na agroindústria cafeeira no município de Barra do Choça, foram adotados procedimentos metodológicos que permitiram captar o movimento das dimensões sociais, econômicas, políticas e culturais embutido nesta atividade produtiva, buscando ir além do racionalismo técnico que dominou a geografia teorético-quantitativa, fundamentada no positivismo lógico, em que não considerava os fenômenos sociais. Isto posto, observa-se que o tema em pauta apresenta três categorias principais: Reestruturação Produtiva do Capital, Trabalho e Produção Socioespacial na Agroindústria Cafeeira. Para tanto foi realizada uma revisão teórico conceitual, utilizando bibliografia específica. 2 REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO Em princípio é oportuno reafirmar a capacidade de mutações do modo de produção capitalista com o propósito de garantir a permanente acumulação de riquezas, seja em qualquer tempo ou lugar. É com esta capacidade de recriar as engrenagens da acumulação capitalista que se assistem às metamorfoses do capital, do Taylorismo ao Fordismo e deste para o Toyotismo. A análise dos contextos históricos da acumulação capitalista revela que os princípios da produção taylorista fordista caracterizados pela produção em massa, pela divisão do trabalho, pela falta da totalidade do processo produtivo, pelo trabalhador passivo e pela linha de montagem, possui a perspectiva de aumentar a produtividade do trabalho. Com esse sistema de produção a indústria diminuiu o tempo de trabalho, o que possibilitou a produção de grande estoque de mercadoria. Sobre este contexto de crise, Hobsbawm (2001) afirma que nas décadas de 1970 e 1980, o mundo vivenciou crises, e, parte da África, Ásia Ocidental e América Latina sofreram uma severa depressão, que levou à recessão e ao forte desemprego. O capitalismo já não dava conta de manter-se intacto às crises econômicas, que rebatiam também no lado social. Nas décadas de 1970 e 1980, a América Latina passaria por uma profunda crise econômica, com taxas de crescimento decrescentes e subordinadas à lógica do sistema financeiro face ao crescimento das taxas de juros e da crise financeira mexicana em 1982. É possível inferir que a década de 1980 foi marcada pela crise financeira dos países subdesenvolvidos e da nova orientação estrutural do sistema capitalista, resultando em mudanças do ponto de vista das relações econômicas e do mundo do trabalho. Efetivamente a crise estrutural do capital, apontada inicialmente em meados de década de 1970 se prolongaria durante a década seguinte, realizando um novo arranjo nas relações de trabalho e sobre o lastro do fantasma da crise do Socialismo Real e da ideologia da globalização. Então, a reestruturação produtiva nada mais seria do que a radicalidade do capital sobre a economia de mercado e das relações de trabalho. Em relação aos novos métodos de trabalho, para transcender a crise, a primeira experiência foi desenvolvida no Japão realizando um ―novo‖ sistema de produção para tentar dar efetividade ao sistema do capital, que até então se encontrava em crise. A nova proposta de métodos e técnicas na organização da produção e do trabalho, conhecida como Toyotismo foi estruturada desde 1960, mas veio à tona e tomou maior impulso a partir da década de 1980 e no Brasil tomou mais forma na década de 1990. Para Thomaz Júnior (2002) foi a partir da década de 1990 que a reestruturação produtiva atingiu maior amplitude e profundidade no Brasil, momento em que as inovações técnicas e organizacionais assumiram um caráter sistêmico em todo o circuito produtivo em diversos setores econômicos. O autor afirma que com todas estas mudanças ainda há traços de semelhança em relação à busca da competitividade do capital e à adoção de novos padrões organizacionais e tecnológicos compatíveis. Com a técnica do Toyotismo surgiram as chamadas ilhas de produção, nas quais o trabalho é desenvolvido em equipe, os trabalhadores são estimulados a acompanhar tudo o que acontece nesta ―ilha‖, e cada operário deve conhecer suas próprias funções e as funções dos demais. Como resultado deste processo a indústria obtém o aumento da produção e a redução de custos e naturalmente aumento na produtividade do trabalho. Com a qualidade técnica e tecnológica, vê-se que o Toyotismo tem obedecido à lógica do capital. Isto é, produtos são fabricados de acordo com as especificações determinadas para a produção de mercadoria com menor custo. Um dos princípios do Toyotismo é o de que a indústria opere com baixos estoques de mercadorias e o dinheiro fique acumulado no banco, sendo sacado apenas quando houver necessidade para produção. Este processo introduziu maior flexibilidade na produção industrial. É como se cada mercadoria fosse fabricada sob medida e ao gosto do cliente, logo a rotatividade do capital deve ter um ciclo menor. Mesmo com todo aparato de propostas de inovações que o Japão apresenta ao mundo capitalista como solução para a crise da superprodução do sistema taylorismo-fordismo, Thomaz Júnior (2002) entende que em escala universal, o Toyotismo passa a mesclar-se com outras formas de racionalização do trabalho, ainda que seja num processo contraditório de continuidade-descontinuidade com o taylorismo-fordismo. Mesmo tentando primar pelas novas necessidades de acumulação capitalista, o referencial produtivista que vigorou durante o século XX ainda é mantido. Segundo a abordagem de Alves (2007) o Toyotismo não rompeu a rigor com a lógica do Taylorismo-fordismo, é por isso que muitos autores o denominam de ―neofordismo‖. Pelo menos em relação à questão do trabalho, ele realiza um avanço que seria o de promover a racionalização do trabalho. Alves (2007) enfatiza que o Toyotismo não representa uma nova forma produtiva propriamente dita, por isso tende a mesclar-se com outras vias de racionalização do trabalho. Ocorre, então, uma adequação à era das novas máquinas de automação flexível para superar a crise estrutural da superprodução. Portanto, no que diz respeito ao processo de trabalho, o Toyotismo integra o novo com o arcaico das formas Taylorista-Fordista. Vê-se que estas transformações que o sistema capitalista de produção tem experimentado é o resultado de crises que o capitalismo vivencia constantemente. Como enfrentamento dessas crises, o capital apresenta ao mundo um novo sistema de produção para tentar recuperar as estruturas do capitalismo que até então se encontravam abaladas. Sobre a incidência destas mudanças no mundo do trabalho Antunes afirma que: A crise experimentada pelo capital e suas respectivas respostas, como o neoliberalismo e a reestruturação produtiva, que expressam a era da acumulação flexível, tem acarretado, entre tantas conseqüências, profundas mutações no interior do mundo trabalho, ―além de uma degradação que se amplia, na relação metabólica entre o homem e natureza, conduzida pela lógica societal voltada prioritariamente para a produção de mercadoria e para valorização do capital. (ANTUNES, 1995, p. 45) Como enfrentamento dessa crise, o capital apresenta ao mundo um novo sistema de produção para tentar recuperar as estruturas que até então se encontram instáveis. Desta forma, a reestruturação produtiva tomou maior impulso a partir da década de 1980 e no Brasil, se consolida na década de 1990. O processo de modernização no Brasil foi implementado com base em modelos externos e não considerou a realidade histórico-social e econômica brasileira. Sob a ótica de Gonçalves (2001) o país sempre se adequou à nova ordem econômica mundial sem atentar para os problemas socioeconômicos nele existentes. O padrão de modernização do campo no Brasil atuou no processo de exclusão dos pequenos produtores, tanto no acesso à propriedade como da subordinação, criando dificuldade de competir, face à inserção das inovações tecnológicas. Na Barra do Choça, por exemplo, parte deles conseguiu se inserir no mercado de trabalho urbano mas outros não conseguiram, restando-lhes o desemprego, o subemprego, e a precarização do trabalho. Este fato ocorreu e vem ocorrendo no Brasil de um modo geral. Sobre esta questão Feliciano afirma que: O Brasil é o segundo maior país do mundo em concentração da propriedade da terra, o que tem provocado, nos últimos anos, crescimento dos movimentos sociais das populações rurais sem terra e de produtores familiares empobrecidos. Exacerbados pela reestruturação produtiva em andamento, tais grupos rurais acabam engrossando as fileiras do desemprego e subemprego urbano e rural, além de comporem em grande proporção, um quadro social que apresenta baixo nível de escolaridade, problemas endêmicos de saúde e insuficiente acesso aos bens e serviços, ou seja, índices generalizados de pobreza e miséria. (FELICIANO, 2006, p.202). Segundo Gonçalves (2001) a nova ordem econômica mundial, sob a égide do capital, remodela a economia dos países subdesenvolvidos, que sempre foram subjugados, intensificando as desigualdades sociais existentes, e perpetuando a estrutura social marcada por uma grande concentração de renda e por grande diferença entre ricos e pobres. Estas questões têm se agravado de maneira geral, e, também, no Brasil, devido ao fato do mesmo almejar sua inserção na economia global com as graves conseqüências para a classe trabalhadora que tem se tornado ainda mais pobre. Isto não foge à realidade latino-americana nem tampouco barrachocense. A modernização brasileira se deu por meio do capital externo, ou seja, pela tomada de empréstimos subsidiados por órgãos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Considera-se que este processo resultou no agravamento das condições sociais do país, já que o ônus dos financiamentos pagos com altas taxas de juros recai sobre a classe trabalhadora. Para Gonçalves (2001) o Brasil é membro ―emergente‖ da economia mundial financeirizada, e assume, por meio do Governo Federal o papel que lhe é imposto pelas entidades financeiras transnacionais. Para participar desse grupo econômico, deve assumir e arcar com as conseqüências da crise e corte dos gastos públicos em áreas básicas. O autor ainda afirma que o governo brasileiro opta por assumir e manter este quadro caótico, para honrar compromissos com credores institucionais no exterior, que acumulam bilhões de dólares no processo especulativo. Percebe-se, contudo, que essa modernização ocorreu mediante o sacrifício da classe trabalhadora e excluindo-a do processo produtivo e da inserção no mundo do trabalho. Gonçalves consegue expor esta questão de maneira bastante clara quando avalia que: No Brasil o quadro gerado pela reestruturação produtiva do capital, na era da economia mundializada, é de superoferta de mercadoria força de trabalho, parte destes trabalhadores são então abandonadas e impelidas de participar do mercado de trabalho, outras são subaproveitadas, sejam os muito novos e desqualificados, sejam os que podem ser considerados velhos e despreparados ou sem muita energia, restando a estes trabalhadores, ou a estas mercadorias sem compradores, buscar alternativas para a sua sobrevivência, daí o crescimento no Brasil das atividades econômicas e de trabalho que fogem ao padrão organizacional e técnico atual de desenvolvimento econômico. O trabalho por conta própria, terceirizado e informal, são apenas algumas das classificações que são estabelecidas para a nomeação de um fenômeno crescente que é o da precarização das relações e condições de produção e de trabalho (GONÇALVES, 2001, p. 6). Portanto, é preciso enfatizar que a reestruturação do capital produziu uma grande oferta da mercadoria ―força de trabalho‖, em que parte dos trabalhadores teve de vendê-la em menor custo, e parte não teve a oportunidade de se inserir no mercado de trabalho, enquadrando-se no subemprego. Esta realidade foi também encontrada no município da Barra do Choça, quando trabalhadores responderam, em pesquisa de campo, que só estavam trabalhando na colheita de café porque não tinham outra oportunidade de emprego. Então, vendem sua força de trabalho por um preço baixo, além de se submeter às péssimas condições de trabalho. Quando se afirma que a classe trabalhadora, em todos os setores, foi a que mais ficou sobrecarregada com o processo de reestruturação produtiva do capital, é necessário que se reflita o caso particular do trabalhador rural no Brasil. Durante os anos de 1960 e 1970, período da Ditadura Militar, os planos de modernização no Brasil causaram a expropriação do camponês, a exploração, dominação e exclusão de trabalhadores rurais, cujos efeitos foram a submissão a um violento processo de proletarização e um maciço êxodo rural. Este processo produziu um conjunto de fenômenos, dentre eles, o surgimento de ―bóias-frias‖, a formação e concretização dos espaços marginais na periferia das cidades médias, bem como o recrudescimento do trabalho. Ao avaliar a participação do Estado no processo de expropriação do camponês, Silva considera: [...] tal expropriação, culminando com a tomada das terras e destruição de parte do campesinato, não ocorreu, em sua quase totalidade, por intermédio da violência aberta, mas, ao contrário, da violência monopolizada pelo Estado, com a promulgação de leis que implementaram os projetos de modernização (SILVA, 1999, p.27). Uma das primeiras medidas jurídicas tomadas pelo Estado foi a vigência do Estatuto da Terra pela Lei nº. 4.504 /1964, que objetivava a modernização do campo através do crescimento da produção e produtividade, como contraponto ao estatuto do trabalhador rural. Porém, o Estatuto da Terra tornou-se uma arma contra os agricultores familiares, que em função dele, perdeu sua terra, deixou de estabelecer relações de trabalho como: parceria, a meia, a quarta e assumiu no lugar a figura do trabalhador volante, temporário, diarista, sendo que uma parcela deste submete-se a serviços e subempregos nas cidades nos períodos de entressafra, o que atualmente alguns estudiosos denominam de pluriatividade. Este processo ocorreu também com os trabalhadores que colhem o café no município de Barra do Choça. Conforme pesquisa de campo, destes, a maioria afirma que trabalha quatro meses por ano (junho, agosto, setembro e outubro) concentrado na colheita do café e os meses do ano que restam, submetem-se (quando encontram) ao subemprego na cidade ou muitas vezes ficam parados por falta de oportunidade de trabalho. Outra relação de trabalho observada na área de estudo é a contratação do trabalhador rural por empreitada ou pagamento por produção. Essa relação imprime uma intensidade no trabalho exigindo maior esforço do trabalhador para aumentar o seu salário. Ou seja, o salário do trabalhador depende do seu desempenho no trabalho. Entretanto, o que se observa é que a remuneração que conseguem como fruto de todo esse esforço no trabalho, ainda é considerada insuficiente para atender as suas necessidades básicas como saúde, educação, alimentação e moradia. Em entrevista, os trabalhadores responderam que trabalham oito horas por dia, sem interrupção e preparam as refeições no alojamento e levam para a roça. Com isso não param para o descanso do almoço. Eles dão o máximo de si para aumentar a produção e, consequentemente, ampliar a renda, já que, como dito anteriormente, a remuneração é realizada por produção. Por isso os trabalhadores consideram que se pararem para o descanso do almoço perdem tempo e que, nessa lógica, é dinheiro. Nesse aspecto, o tempo de trabalho é medido pela fadiga e a exaustão, o que Marx denomina de trabalho como ―carcaça do tempo‖. Tudo isso surge a partir do momento em que a indústria articula-se à agricultura. Fato que possibilitou o aparecimento de uma elite agrária e paralelamente a proletarização do trabalhador rural, que passou a cumprir o papel de fornecedor de mão de obra barata para a indústria na cidade, na dupla função que a agricultura tinha. Este fato também ocorreu com proprietários de fazenda de café no município barrachocense. Os depoimentos revelam que muitos não tinham recursos disponíveis para modernizar sua agricultura e acabaram vendendo suas unidades agrícolas ou perdendo-as com hipoteca em instituições financeiras e tornando-se trabalhadores que residem na cidade e trabalham no campo na condição de bóias-frias. Neste período, a migração campo-cidade foi estimulada pela lógica do capitalismo e a abundante força de trabalho camponesa possibilitou o rebaixamento da faixa salarial. Fato que ocorreu também com os catadores de café na região da Barra do Choça que recebem a quantia de dois reais por cada lata de café colhido. Sobre estas questões Caio Prado Júnior afirma não haver outra saída, ou solução para o trabalhador rural. [...] a concentração da propriedade agrária, contribui fortemente para colocar o trabalhador em posição muito desfavorável. Não existe para ele outra alternativa de ocupação e maneira de alcançar seus meio de subsistência que se colocar a serviço da grande propriedade e aceitar as condições que lhes são impostas (PRADO JÚNIOR, 1987, p.59). Este autor ainda afirma que o único meio que o trabalhador rural tem para superar esta situação é o de ter maior acesso à propriedade rural. Percebe-se que até o valor especulativo dado a terra, no município da Barra do Choça, é um ponto que dificulta a democratização do uso dela, pois segundo dados do mercado de terras na região, um hectare vale, aproximadamente, R$ 3.000,00 (três mil reais). Acredita-se que só uma estrutura fundiária mais democrática e justa poderá reverter esta situação de péssimas condições de vida, a que o trabalhador rural brasileiro é obrigado a submeter-se. Para que haja estímulo e êxito na proposta da materialização da Reforma Agrária e ocorra a descentralização da terra das mãos de poucos proprietários, que a tem apenas como reserva de valor, precisa-se tomar medidas que envolvam a carga tributária, e diminuir os incentivos fiscais que são fornecidos aos latifundiários. Este seria um caminho que poderia nos conduzir às transformações sociais no campo, que rebatem na cidade. Diante desse quadro, entende-se que somente uma tributação onerosa poderá levar o grande proprietário rural a abrir mão da terra que ele possui apenas como valor especulativo. Essa estratégia pode provocar a redução do preço da terra, na medida em que a referência da renda será o valor da produção e não da terra. Para Prado Jr. (1987) a tributação constitui a maneira principal, no momento de golpear a concentração e o virtual monopólio da terra, tornando-a acessível à massa de trabalhadores rurais. No modelo fundiário brasileiro, grande parte da população rural, não dispõe de nenhuma terra e nem tampouco de recursos para adquirir, explorar ou arrendar terras para produzir. Isto causa a alienação da força de trabalho e a sua precarização. Prado Jr. (1979) afirma que, mesmo nas regiões mais desenvolvidas do país, o padrão de vida do trabalhador rural brasileiro beira características servis. Não se pode escurecer o fato de que o baixo padrão de vida dos trabalhadores do campo brasileiro tem uma repercussão que também influi nos padrões urbanos. Prado Jr. (1987) nos leva a uma profunda reflexão e análise crítica quando afirma que a população trabalhadora do campo, no Brasil, vive em situação de miséria material e moral. Conclui ainda que um grande problema agrário brasileiro esteja no fato de os grandes proprietários e fazendeiros serem homens de negócio para quem a utilização da terra constitui um comércio como outro qualquer. A terra deve ser vista como elemento central para que a população rural seja trabalhadora ou produtora de sua própria riqueza. Ela só terá este papel quando passar a cumprir sua função social e inserir ou (re) inserir o homem do campo na sociedade. Infelizmente esta é ainda uma realidade distante em nosso país e da Barra do Choça, pois como pondera Guimarães (1981) o sistema latifundiário mantém até nossos dias, com a máxima firmeza, o controle da nossa economia agrária. Existe uma discussão acerca da modernização da agricultura como garantia de melhores condições de vida no meio rural. Alguns autores defendem a possibilidade de esta ser a solução para este grave e antigo problema que o homem do campo enfrenta no Brasil. Porém, outros optam por não acreditarem neste caminho como solução e afirmam que, mesmo nas áreas mais desenvolvidas do país, que possuem um alto nível de modernização e mecanização, o trabalhador sofre com a exploração, espoliação e precarização do trabalho. Prado Jr. (1987), é um desses autores que pensam que o progresso tecnológico não significa necessariamente uma melhoria das condições vida do trabalhador. E às vezes ocorre até o contrário, pode agravá-las, por implicar o aumento dos custos da produção que, por conseguinte podem refletir no trabalhador que precisa estender a jornada de trabalho, pois o tempo da renda mínima caracteriza-se pelo aumento cada vez maior do tempo do trabalho morto. É melhor primar pela idéia de que foi o processo de modernização, ou a reestruturação produtiva do capital, um dos motivos que encaminharam a vida do trabalhador rural para este cenário de miséria e exclusão em que vive subjugado, sem terra, sem direitos trabalhistas, sem as mínimas condições de vida que todo ser humano deve usufruir. Porque foi o modelo de modernização da agricultura adotado no Brasil que caracterizou a natureza das relações de trabalho na agricultura brasileira. Pode-se analisar a questão da precariedade do trabalho rural e das péssimas condições de vida em que vive a maioria do trabalhador, pelo viés do latifúndio improdutivo. A Constituição brasileira de 1988 considera como improdutiva a terra que não cumpre sua função social. Segundo o Art. 186 e Incisos I, II, III e IV, os requisitos para o cumprimento desta função são: [...] aproveitamento racional e adequado da terra; utilização adequada da terra e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho e finalmente, que haja uma exploração que não favoreça apenas o bem-estar do proprietário, mas também da classe trabalhadora (BRASIL, 1988). Desta forma, cabe uma parcela de culpa do latifúndio improdutivo ao antagonismo da produção de riqueza e, ao mesmo tempo, de miséria existente no campo. Como aconteceu segundo Santos (1997) na zona rural da Barra do Choça, quando os pequenos proprietários venderam suas terras ao grande produtor, viabilizou o enriquecimento de quem comprava por preço ínfimo e o empobrecimento dos que vendiam suas terras. A reestruturação produtiva do capital possibilitou o aumento dos latifúndios, uma vez que aos pequenos proprietários não restou outra solução que não fosse a de vender seus pedaços de terra e migrarem para a cidade em busca de trabalho. Neste cenário surgem as cidades dormitórios. Muitos se tornaram bóias frias e trabalhadores volantes no campo, por não conseguirem realizar uma função no mundo do trabalho urbano. Quanto às transformações nas relações de trabalho também foi constatado, através de pesquisa, que 87% dos trabalhadores catadores de café que não residem no local de trabalho vão em casa apenas para dormir, são também bóias frias e trabalhadores temporários. Isto nos remete a uma reflexão e posteriormente a uma conclusão: Mais da metade da população brasileira depende da terra para seu sustento e a estrutura fundiária condena esta população a uma existência miserável e sem perspectiva. Ela é a mais perversa da América Latina e o Brasil é recordista em desigualdade. A única fonte de acumulação no Brasil é a renda fundiária. Esta estrutura agrária brasileira contribui para a manutenção de privilégios de uma pequena parcela da população, é por isso que não se faz a Reforma Agrária (PRADO JÚNIOR, 1979, p.46). A Reforma Agrária no Brasil ainda é uma realidade distante, uma vez que para que ela aconteça é necessário mexer nas estruturas de manutenção de privilégios de uma pequena parcela da população, que tem o ―poder‖ em suas mãos. Diante do exposto conclui-se que a reestruturação produtiva do capital possibilitou a modernização da agricultura que por sua vez, levou ao aumento da produção e conseguiu aumentar a mais-valia. Entretanto, relega os trabalhadores à precarização do trabalho. O processo de modernização da agricultura é caro, portanto não é de fácil acesso a todos, isto favorece o grande proprietário, e somente as grandes empresas agroindustriais conseguem a sua fixação no mercado. Para muitos trabalhadores brasileiros a modernização significou e ainda significa a expulsão de suas terras e a descamponização. Desta maneira, pode-se afirmar que a reestruturação produtiva do capital produziu e produz grandes disparidades e desigualdades econômicas e sociais no meio rural. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo de reestruturação produtiva do capital tem provocado transformações substanciais nas relações de trabalho e de produção que estão presentes nas atividades comerciais, industriais e de serviços. Estas transformações são hoje percebidas em diferentes escalas espaciais, não só no espaço agrário, como também no urbano. Na agroindústria cafeeira, no Planalto da Conquista, mais especificamente no município de Barra do Choça, estas transformações também são evidentes. O espaço é compreendido como o lugar onde as reproduções das relações sociais de produção acontecem e se materializam (re) desenhando as formas espaciais. Este lugar não é apenas o da localização, mas a própria sociedade numa de suas dimensões. Desta forma, conclui-se que a agroindústria cafeeira na Barra do Choça possibilita a reprodução destas relações sociais no momento em que os trabalhadores interagem entre si e com o próprio espaço por um determinado período do ano. Partindo deste pressuposto vê-se que eles territorializam o espaço no momento da colheita, (des) territorializam quando já não tem mais trabalho e um tempo depois (re) territorializam. Todo este processo ocorre porque eles possuem um contrato de trabalho temporário e por isto realizam periodicamente este movimento migratório. Foi constatado que os trabalhadores, que colhem o café no município em Barra do Choça, estão submetidos a uma intensa precarização nas condições e relações de trabalho. Pois, os mesmos submetem-se ao trabalho sem vínculo empregatício e sem direitos trabalhistas. Muitos justificaram que estavam ali por falta de opção, uma vez que na cidade não conseguiam uma colocação no mercado de trabalho na cidade em que residem. Apesar deste cenário, constatou-se que os catadores de café estão desorganizados e desarticulados. A luta por meio dos sindicatos ou movimentos sociais é frágil e inexpressiva. Fatos que ampliam a precarização que está expressa no desconforto dos alojamentos, na falta de segurança no trabalho, nos baixos salários e na negação dos direitos trabalhistas aos catadores de café. Outro aspecto evidenciado é que a mão de obra destinada a este tipo de labor, na Barra do Choça não é suficiente para realizar a colheita do café em tempo hábil (de modo que não comprometa a qualidade do produto). Portanto, é necessário que os fazendeiros importem mão de obra de outros municípios, principalmente do sertão da Bahia onde a oferta emprego é escassa e até mesmo inexistente, em alguns casos. Isto significa que a colheita de café é a única fonte de renda de alguns catadores. Trabalham um determinado período do ano para manterem-se no restante de tempo que faltam emprego. Observou-se ainda que, de fato, a reestruturação produtiva do capital possibilitou a modernização da agricultura por meio de insumos, implementos e máquinas, aumentando a produtividade e a rentabilidade, mas, em razão dos altos custos que este investimento requer, muitos pequenos produtores foram excluídos do processo, o que fez com que muitos abandonassem a cafeicultura e passassem para outro tipo de atividade no campo. O pequeno produtor que insistiu em incrementar sua produção, por meio de empréstimos bancários, acabou perdendo suas terras que foram hipotecadas como garantia da quitação do empréstimo. A pesquisa revelou que os programas do governo de incentivo à agricultura, também acabam excluindo o pequeno produtor. Pois, os trâmites legais para se ter acesso a estes programas são burocráticos e bastante seletivos. Além disso, foi constatado que os pequenos produtores, principalmente os que praticam a agricultura familiar não se adequam aos critérios exigidos para se participar destes programas. Nota-se, no entanto, que com o investimento na aquisição de máquinas, aos poucos a mão de obra do catador vai desaparecendo, pois uma colheitadeira de café substitui os braços de cento e cinquenta trabalhadores. Ao adquirir tais máquinas a idéia do produtor é também de livrar-se da legislação trabalhista e produzir mais em menos tempo. Por isto, considera-se que a reestruturação do capital preserva os princípios do capital, produzindo a riqueza de alguns e submetendo os trabalhadores ao desemprego, ao subemprego e à precarização do trabalho. 4 REFERÊNCIAS ALVES, Giovani. Dimensões da Reestruturação Produtiva – Ensaios de sociologia do trabalho. Londrina: Praxis, 2007. ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? 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